Projeto Conte a Sua História
Depoimento de Josino de Souza
Entrevistado por Eduardo Barros
São Paulo, 24/02/2016
Código: PCSH_HV523
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Eu queria primeiro te agradecer por nos receber aqui.
R – Muito o...Continuar leitura
Projeto Conte a Sua História
Depoimento de Josino de Souza
Entrevistado por Eduardo Barros
São Paulo, 24/02/2016
Código: PCSH_HV523
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Eu queria primeiro te agradecer por nos receber aqui.
R – Muito obrigado.
P/1 – Pra começo de conversa, se você puder nos dizer o seu nome completo, o local onde você nasceu e a data.
R – Bom, o meu nome completo é Josino de Souza, eu sou natural da Bahia, nasci na Cidade de Olindina, é interiorzão, sertão. O que era mais, mesmo?
P/1 – O ano.
R – Ano? Eu sou de 65.
P/1 – O que você se lembra da vida na Bahia?
R – Eu me lembro de tudo.
P/1 – Da sua infância.
R – Da minha infância, foi... Até os meus 13 anos eu estava, eu vivi lá, depois eu vim pra cá, com 13 e meio, 14 anos, e desde então aqui, então eu lembro de tudo.
P/1 – Mas como é que era a infância lá? O que você costumava fazer na sua infância?
R – Trabalhava, como, né, a gente trabalhava um pouco na roça, lá em casa, brincava, sei lá.
P/1 – A sua família, qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Deodato de Souza, minha mãe é Ana Maria de Jesus. A minha mãe hoje tem 78 anos, o meu pai já faleceu, e tenho uns irmãos.
P/1 – Quantos irmãos?
R – Só dez.
P/1 – Dez?
R – (risos)
P/1 – O que os seus pais faziam lá na Bahia?
R – Agricultura né, agricultores.
P/1 – Como é que era essa cidade que você morava, no interior? Descreve ela pra gente um pouquinho.
R – Na verdade a gente morava no sítio. A cidade era bem próxima, mas a gente vivia no sítio, então, assim, a cidade era de vez em quando que a gente ia pra passear, mas vivia sempre... Vivíamos no sítio.
P/1 – Quais são as imagens que você se lembra desse sítio, os lugares?
R – É sítio, né. Eu me lembro de ter criações de gado, cabra, carneiro, esses negócios. Cavalo, andava muito montado a cavalo.
P/1 – Como criança, trabalhando, você fazia o quê?
R – Trabalhando, assim, na família. A gente sempre... Plantação, plantar feijão, milho, essas coisas, né?
P/1 – Você veio pra São Paulo com 13 anos?
R – Treze pra 14.
P/1 – Por que, qual foi o motivo dessa mudança?
R – Mudança é assim, é que acho que até hoje mesmo acontece, naquela época tinha, já vinha, o pessoal vinha pra cá. Quando eu vim, os meus irmãos já estavam aqui, meus irmãos mais velhos já estavam aqui e aí: “Ah, vamos mandar ele pra São Paulo, que acho que lá...”. Na época só tinha eu, os mais velhos... A maioria já estava aqui e eu estava lá: “Ah, vamos mandar ele pra estudar e tal”, e eu vim pra cá com essa idade, fiquei um tempo na casa da minha irmã, depois de um ano eu vim pra Liberdade, aí já comecei a trabalhar em restaurante.
P/1 – Antes de chegar nisso, os seus pais, naquela época, ficaram na Bahia?
R – Ficaram.
P/1 – E você veio sozinho com 13 anos?
R – Isso.
P/1 – Conta pra mim como é que foi essa viagem com 13 anos pra cá.
R – O que é que eu diria? Uma viagem dessa, pra uma criança de 13 anos, eu acho que é só alegria. Tudo é novidade, tudo é novo, não tem muita... É só: “Pô, isso é muito legal”, a gente não... Com essa idade você não tem, não consegue imaginar o futuro, o que é que vai ser, como vai ser, você vai vivendo cada momento. Eu imagino que não só eu, mas acho que todos, toda criança com 13 anos, tudo é alegria, tudo é fantasia, então era uma alegria pra mim.
P/1 – Me conta as primeiras lembranças que você teve aqui de São Paulo.
R – Primeiras lembranças? Ah, acho que o frio, assim. Eu me lembro que quando, logo que chegou aqui, o primeiro dia, assim, era muito frio, nossa Senhora. Porque na Bahia sempre foi calor, tempo quente. Quando eu cheguei aqui era muito frio, eu falei: “Nossa, esse lugar é muito frio, esquisito, muito vento, frio”, isso me tocou, assim, mas acho que pelo costume, de estar acostumado, no Norte é muito quente.
P/1 – Você chegou onde, foi pra onde? Conta pra mim.
R – Eu cheguei... Acho que naquela época ainda era a antiga rodoviária, eu acho. De lá, depois fomos pra casa de um amigo, que era lá em Santo Amaro, ali na Gomes de Carvalho, uma coisa assim – isso é que eu me lembro, né –, e depois eu fui, meu irmão veio me buscar, eu fui com ele.
P/1 – Além do frio, da ventania, uma criança saindo de uma fazenda do interior da Bahia, chegando em São Paulo, no final dos anos 70...
R – Setenta e, acho que 77 pra 78, uma coisa assim.
P/1 – Além do frio, eu imagino que deve ter te causado um impacto, o tamanho dessa cidade.
R – Sim, cidade grande.
P/1 – Me fala um pouco dessas primeiras impressões.
R – É o que eu falei né, era tudo novidade, tudo. Mas, assim, lógico, muito diferente, nada... Coisa... Pra cada lado que eu olhava era uma surpresa, né, mas fui.
P/1 – Tem algum episódio, o fato de você ser criança, chegando nesse “cidadão” pela primeira vez... Você se envolveu em algum episódio, em alguma coisa que tenha sido ou engraçada ou curiosa ou às vezes até perigosa, de se perder ou de confundir alguma coisa?
R – Bom, me perder não, acho que não. Às vezes pegava o ônibus errado, né, (risos) ia pra casa do meu irmão, pegava o ônibus ou dormia no ônibus, perdia, mais essas coisas assim. Mas perigosas não, acho que nunca me aconteceu.
P/1 – Quando você perdeu o ônibus você foi parar em algum lugar, aconteceu alguma coisa assim?
R – Não, só manter calmo e falar com o motorista e voltou até o ponto, eu fiquei sem problema.
P/1 – Você morava em que região com o seu irmão, quando você veio?
R – Eu fui morar no Jardim Miriam primeiro, fiquei um ano pra lá. Um ano não, acho que... É, um ano mais ou menos, e aí eu vim pra Liberdade. Meu irmão arrumou um serviço pra mim num restaurante aqui na Liberdade, aí eu vim pra cá, passei a morar aqui na Liberdade com o meu outro irmão.
P/1 – Você estudava, nessa época?
R – Eu trabalhava e estudava, certo período.
P/1 – Me fala aonde você estudava.
R – Eu estudava aqui na Rua São Joaquim, num colégio... Chamava Campos Salles, uma coisa assim.
P/1 – Quer dizer, logo que você chegou a São Paulo você já começou a fazer a sua vida aqui na região da Liberdade?
R – Isso.
P/1 – Pra um canadense, que nunca veio a São Paulo, ou pra uma pessoa mesmo da Bahia, que nunca veio a São Paulo, descreve esse bairro aqui. Que bairro é esse que nós estamos?
R – Ah, esse é um bairro assim... Hoje é uma coisa, né?
P/1 – Descreve a Liberdade pra gente.
R – Hoje a Liberdade é uma coisa, em 1977 era outra coisa. Hoje já é mais... Mas vamos falar um pouco lá de trás, quando eu cheguei aqui, quando eu comecei a entender o que que era esse bairro. Assim, só tinha japonês, a maioria era japonês aqui na Liberdade, e como eu só convivia, eu trabalhava num restaurante japonês, morava dentro do restaurante, tinha um alojamento, então eu só convivia com japonês. Quando eu saía aqui, só andava aqui na Galvão Bueno, por aqui, então era só japonês. Eu falei: “Esse negócio aqui é outro mundo, é os extraterrestres”. Mas foi muito engraçado, muito gostoso.
P/1 – Que história é essa? Eu fiquei curioso, você trabalhava num restaurante japonês e morava no restaurante?
R – Isso, porque tinha um alojamento.
P/1 – Como você chegou nisso?
R – É como eu falei, quando eu vim pra São Paulo, fiquei com a minha irmã um tempo, e nisso o meu irmão já trabalhava em restaurante japonês aqui, meus irmãos mais velhos. Eles me arrumaram num restaurante, pra eu ir trabalhar lá – eu era moleque, sei lá –, o dono era amigo dele, ele falou: “Ah, deixa ele aí” e eu fiquei lá, lavando louça, lavando... Descascava a cebola, os legumes, lavava os legumes, essa era a minha função, ficar limpando e tal, e aí fiquei.
P/1 – E trabalhando desde criança você se deparou com alguma dificuldade? Uma criança numa cidade estranha, apesar de ter o amparo dos irmãos, como foi essa experiência de trabalhar desde cedo numa cidade que não era a sua, enfim, sem os pais?
R – Ah, eu, como eu disse, a gente... Naquele tempo era mais trabalho, diferente de hoje, então pra mim acho que era normal, eu nunca tive muita... Então eu trabalhava, convivia com os japoneses, não tive dificuldade nenhuma, sempre trabalhava.
P/1 – Além de trabalhar, o que você fazia aqui em São Paulo, naquela época?
R – Nada, trabalhava, final de semana ia pra casa dos meus irmãos, tal, voltava, só isso, estudava.
P/1 – Eu tenho uma curiosidade que é o seguinte: você vem de um estado que tem uma cultura muito forte e uma gastronomia muito forte também, que é a Bahia, e você veio parar num bairro que é representativo de uma cultura estrangeira também muito forte, com uma gastronomia muito forte. Como é que se deu esse casamento de culturas aqui?
R – Ah, eu acho que naquele momento não era uma coisa que eu queria, mas era uma coisa que, vamos dizer, que não tinha outra opção. Era aquilo, então eu, graças a Deus, consegui me encaixar bem. Quanto à comida, claro, teve um, no início, assim, um pouco estranho, mas depois não, isso acho que até me fez bem. Hoje eu só consumo comida japonesa, dificilmente eu vou comer uma feijoada, tal, eu vivo a cultura japonesa, essa é a minha vida.
P/1 – Você perambulando pelo bairro, como você diz, naquela época... Você até falou, parecia extraterrestre pra você, vindo da Bahia. Você se lembra de se deparar com algo que te chamou a atenção ou que você não sabia o que era, você nunca tinha visto?
R – Não, acho que não. Uma coisa que me chamou, assim, a atenção, a primeira vez que eu cheguei na Liberdade, porque, como eu disse, eu morava lá no Jardim Miriam, tal, aí quando nós... Quando eu vim pra Liberdade, a gente veio até o Jabaquara, pegou o metrô e, quando desceu aqui na Praça da Liberdade, na época, na estação do Metrô Liberdade, a hora que saiu do metrô, eu falei: “Nossa senhora, a gente estava andando embaixo da terra, caramba, isso é muito louco” e tal. Aqueles prédios, assim... Porque na época lá em Jardim Miriam não tinha prédios, então só aqui na Liberdade... Quando eu cheguei, os prédios, tal, uns negócios gigantes, assim. Mas logo acostumamos, acostumei, não teve...
P/1 – Como é que foi o seu processo de aprendizagem e de crescimento dentro desse universo da gastronomia japonesa? Você começou lá picando cebola, você falou.
R – Isso, essa coisa da gastronomia japonesa... Isso não só, no caso, foi pra mim porque eu era jovem, como qualquer aprendiz hoje... Porque nessa linha de culinária japonesa, em todas... O cara tem que sempre começar de baixo né, você começa. O que você vai fazer numa cozinha? Você não sabe nem pegar numa faca né, então você começa lavando verdura, descascando uma cebola, lava a louça, limpa o chão, essa é... Aí você, eu digo que é a coisa da... Como fala? A paciência japonesa, você precisa passar por esse processo pra ver se realmente é isso que você quer, a partir do momento que você... Se você aguentou, você passou por isso, você vai adquirindo um pouco a paciência oriental, e você, né, insistência, insistência pra vencer, e pra mim não foi diferente, eu passei.
P/1 – Mas como é que foi? Quando você começou a já não ser mais o assistente que lavava verdura? Conta um pouquinho. Foi no mesmo restaurante, você mudou pra outro restaurante...
R – É, eu fiquei no mesmo restaurante por, acho que sete, oito anos, depois fui, passei de lavar verdura, lavar o chão pra cortar as verduras, montar os pratos, mas sempre sob a supervisão do chef. Então a gente montava o prato, cortava: “Tá bom, ah, beleza” e foi. Com o passar do tempo você... Eu fui né, porque eu vivia aqui, e até tive que aprender a língua, porque só tinha japonês no restaurante. Tinha acho que 30 e poucos funcionários, e eu era o único que estava ali perdido, meio que... Mas isso me fez bem. Eu ouvindo eles falarem, tudo, tive que aprender a falar, aprender o nome dos pratos, o que é, como é que é, tal, isso pra mim acho que me facilitou. Porque eu era criança, como eu costumo dizer, criança tem cabeça vazia, depois de adulto que fica com a mente muito poluída, mas quando... Nessa idade eu tinha a mente vazia, então acho que eu consegui aprender rápido, eu pegava mais rápido as coisas. Depois fui evoluindo, ajudante de cozinheiro e tal, aí foi e eu fiquei até 70, 80. Quando chegou em 80, até 89, mais ou menos... E o meu sonho era conhecer o Japão, aí em 89 eu tive a oportunidade, fui pro Japão pra conhecer e aprimorar um pouco. Fiz umas viagens pelo Japão, fiquei até 93.
P/1 – Ah, então você viveu anos lá?
R – Vivi.
P/1 – Conta um pouquinho dessa experiência. Você foi de mala e cuia?
R – É, eu fui só com a cuia, porque não tinha mala, então (risos)... Mas foi boa, foi ótima, pra mim foi excelente, sem dúvida, porque eu já tinha essa coisa da cultura japonesa, já estava dentro de mim. Começou aqui né, mas eu tinha aquele: “Pô, preciso conhecer essa terra onde o sol nasce, como é que é o sol nascente, tal”, e eu tive a oportunidade, como eu falei, e fui... Foi uma maravilha, foi muito bom.
P/1 – Ficou quatro anos lá?
R – Não, eu fiquei dois anos.
P/1 – E você trabalhava com culinária lá também?
R – Culinária.
P/1 – O que é mais diferente de lá com aqui, com São Paulo?
R – Mais diferente, você diz, na culinária?
P/1 – De um modo geral.
R – De um modo geral? Ah não, aí acho que é tudo, desde a cultura, o respeito das pessoas, tudo, é tudo muito organizado, tudo. Porque essa coisa da cultura, você tem no japonês, mesmo aqui, onde for o cara é daquele jeito, lá também é isso. Mas é tudo muito organizado, tudo tem um porquê. Porque às vezes a gente faz as coisas, isso... Quando eu comecei, era meio que assim, os caras falavam: “ó, tem que fazer assim, tem que fazer assim”, “Ah tá”. Hoje, hoje é diferente, hoje o pessoal fala assim: “Ah, não vou fazer isso, não. Por que fazer isso? Por que tem que ser assim?”, então eles têm sempre um porquê, e assim, quando você passa a entender o porquê disso, você fala: “Pô, realmente tem sentido, tem que ser assim”, isso pra mim me fez muito bem.
P/1 – Por que você voltou?
R – Porque eu tinha que voltar, eu sou brasileiro, sou baiano, sou brasileiro, tenho... E eu não fui pra ficar, eu não tinha a intenção de ficar. Acho que está no sangue da gente ser brasileiro, viver aqui.
P/1 – Eu fiquei pensando uma coisa. Você se lembra do primeiro contato que você teve, você contou que começou a trabalhar cedo em restaurante japonês, mas você, como se alimentando da comida japonesa, como consumidor da comida japonesa, vindo da Bahia, você se lembra dessa primeira impressão?
R – Ah, eu lembro sim. O primeiro prato que eu cheguei a comer foi um... Aqueles... É um prato japonês, mas meio chinês, que eles chamam de um risoto, que tem... A primeira vez que eu comi aquilo veio com camarão, assim. A primeira vez, nossa, eu falei: “Meu Deus do céu, esse negócio é muito ruim, caramba”, eu até passei mal. Mas depois não, é muito bom.
P/1 – Quando você começou a preparar você mesmo as comidas, você foi crescendo, digamos assim, na hierarquia, ainda no começo, ainda inexperiente, você se envolveu em alguma confusão, alguma coisa que você não sabia, por causa da língua, por exemplo, já que todo mundo era japonês?
R – Não, às vezes... Confusão não, às vezes confundia quando pedia, porque eles pediam tudo em japonês. Um pedia, falava em japonês: “Dois”, então enquanto não... Às vezes falava, tem a sopinha né: “Ah, dois missoshiro”, e colocava, falava assim: “Será que foi dois ou é um?”, então você colocava: “Acho que é um”, “São dois”, então essas coisas, aí você vai aprendendo.
P/1 – E o seu próprio restaurante, como que ele entrou na sua história?
R – O meu restaurante foi depois que eu voltei do Japão, em 93, final de 93... Comecinho de 93, começo de 93. Eu voltei e falei: “Bom, precisa trabalhar, né”, e falei... Ah, e apareceu a oportunidade. Eu arrumei um espaço aqui mesmo nessa rua, uma, duas, três casas abaixo e montei o meu primeiro restaurante, pequenininho, tal. Como é que fala? Eu fui aplicando aquilo que eu tinha aprendido, que eu tinha de conhecimento e, graças a Deus, deu certo. Fiquei dez anos lá, depois de dez anos mudei pra esse espaço que estamos aqui hoje.
P/1 – Qual foi a maior, ou uma das... Algumas das maiores satisfações que você já teve dentro do seu restaurante, trabalhando com o que você gosta, com o que você trabalha desde criança?
R – Olha, “maior” eu não sei se tem maior, se tem menor, todo dia eu tenho satisfações, fico satisfeito, fico feliz, todo dia. Eu não sei se um dia vai ter uma maior, acho que no dia que eu ganhar na Mega Sena talvez seja mais, não sei, mas eu todo dia estou, cada dia... Todos os dias é uma satisfação. Isso que nós estamos fazendo é uma satisfação, receber pessoas novas é uma satisfação, fazer um prato pra uma pessoa que tem um paladar refinado, isso dá uma satisfação. Então todo dia me traz satisfação, sem dúvida.
P/1 – Depois de tanto tempo em São Paulo, envolvido na cultura japonesa, que é muito relevante pra cultura de São Paulo, fala um pouquinho pra mim, como você vê essa importância mesmo, esse papel da cultura japonesa pra Cidade de São Paulo?
R – Como é que eu vejo? Bom, eu vejo... Pra mim fez muito bem, e acho que faz muito bem pra... Fez muito bem pra muita gente, mesmo pro bairro, o bairro também, um bairro oriental, que é um ponto em que as pessoas buscam uma cultura diferente, comida diferente, tal. Hoje nós temos um bairro que aparentemente continua sendo japonês, mas não é, já é mais... Tem... 90% é chinês. Mas eles continuam mantendo aquela coisa tradicional, isso é importante.
P/1 – Qual é a relação da cultura dos descendentes da cultura japonesa com a chinesa, aqui no bairro?
R – Assim, na cultura eles não são... Não são muito, não se dão muito bem. Mas também não tem nada, é só uma coisa de, sei lá, talvez como os baianos e os paulistanos, os cariocas e os paulistanos, mas uma coisa... Mas eles não são muito chegados.
P/1 – Você mora na Liberdade?
R – Sim.
P/1 – Então você construiu a sua vida toda aqui mesmo?
R – Toda aqui.
P/1 – Qual que é a distância... Porque se você mora na Liberdade, pressuponho que você more perto do seu trabalho.
R – Sim.
P/1 – Em São Paulo, uma das questões problemáticas de São Paulo são as distâncias, o trânsito.
R – É verdade.
P/1 – Me fala um pouquinho, descreve pra mim esse trajeto que você faz da sua casa pro seu trabalho.
R – São dez minutos. Eu saio da minha casa, dez minutos eu estou aqui. Saio daqui, dez minutos estou em casa, aí dá pra espairecer a memória olhando.
P/1 – Você vai andando?
R – É, eu vou andando.
P/1 – Você constituiu família aqui em São Paulo?
R – Sim.
P/1 – Você pode falar um pouquinho disso, como você conheceu?
R – Eu conheci a minha esposa no Japão, quando eu estive a primeira vez. É uma nissei né, eu fui pro Japão em 89 e a conheci lá. Ela estava lá, como eu, aventurando, procurando, e nós nos conhecemos lá. Depois de, acho que uns dois anos, aí eu voltei, depois de dois anos ela voltou pro Brasil, nós casamos, aí eu voltei novamente lá. Voltamos novamente pra lá e ficamos mais dois anos e voltamos, hoje a gente está aí, tenho duas filhas.
P/1 – Há mais de 40 anos você mora em São Paulo, mais ou menos?
R – Quase isso.
P/1 – Quase 40?
R – É, quase 40 anos.
P/1 – Nessas quase quatro décadas, você pode falar pra mim alguns dos momentos especiais que você viveu aqui na cidade?
R – Momentos especiais? Ah, vamos dizer que quando eu inaugurei o restaurante, quando entrou o primeiro cliente no restaurante, que eu comecei.
P/1 – Como é que foi esse dia, você lembra? Eu imagino que seja uma coisa presente na sua memória, você inaugurando o seu primeiro restaurante.
R – Ah, eu me lembro. Como era um restaurante pequeno, humilde, sempre foi humilde, tal, a gente fica ali naquela expectativa, imaginando, também. Porque como eu sou brasileiro e estou num bairro oriental, então tinha muito essa... Hoje não tem mais, o pessoal não... Eu também não ligo, mas naquele tempo tinha muito a coisa do... Como é que fala? Às vezes mesmo os ocidentais vinham ao restaurante: “Mas brasileiro fazendo sushi?”, né, isso é meio estranho, às vezes não aceitavam, discriminavam. Mas quando eu tinha oportunidade, eu falava: “Olha, aqui é o seguinte, você não pode consumir, querer, pela... Você tem que procurar buscar conhecimento, então eu tenho conhecimento. Se você quer, você vai, se você não quer, tudo bem”. E assim, eu tinha essa preocupação, mas aí vinha um e depois me... Assim, como fala? Eu ganhei a confiança, porque eu fazia, o cara falava: “Pô, eu nunca comi isso”, e eu comecei fazer, sei lá, talvez o toque baiano, acabou agradando a todos.
P/1 – Mas você se envolveu... Você se lembra de alguma passagem específica, que você tenha sofrido esse, vamos dizer, essa discriminação por não ser um japonês, numa cozinha japonesa?
R – Eu... Diretamente não, mas você percebe, eu percebia às vezes, ocidental ou mesmo japonês, ficava meio assim, tal, só que depois que ele via o prato, que recebia o prato, que ele comia, falava: “Pô...”. Isso acabou me... Essa confiança que eu passava, que passei, essas pessoas, depois desses 23 anos que existe o restaurante, continuam vindo comigo, me seguem até hoje. Então isso me dá uma grande satisfação, é uma satisfação, porque é uma... Não foi uma coisa passageira, a pessoa vir, tal, e depois não vir nunca mais. Não, eu tenho cliente de 23 anos que vem, continua vindo. Vinha pai, hoje as crianças que vinham no colo vêm sozinhas, com o namorado, hoje é família, então...
P/1 – Fala um pouquinho disso, fala de alguns fregueses tradicionais, assim, o perfil. Tem alguém que vem sempre? Como é que é a relação com essa freguesia?
R – Ah, tem, tem bastante, tem bastante gente que vem duas, três vezes por semana. Eu cheguei a ter um cliente que vinha, assim, seis vezes por semana: segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado o cara vinha, todos os dias. Isso é uma raridade, é um só que tinha, mas hoje eu diria que o padrão é duas, três vezes por semana.
P/1 – Por que esse que vinha seis vezes não vem mais?
R – Esse aí fazia... Era meio... Ele fazia uma dieta, então só comia comida japonesa, então acho que por um ano e tanto ele ficou fazendo só isso, todos os dias, todos os dias. Depois ele acabou a dieta, ele mudou, aí passou a vir duas, três.
P/1 – E o freguês mais antigo, que continua vindo aqui?
R – Putz, o mais antigo... Tem, tem o mais antigo sim, tem alguns aí antigos, esses que eu estou falando, de 23 anos, continuam vindo.
P/1 – São japoneses, são pessoas que moram aqui?
R – Japoneses também. O pessoal que mora por aqui, mesmo que tenha mudado daqui, mas vem de vez em quando.
P/1 – Lika, nesses 23 anos de restaurante, eu imagino o começo. Teve algum momento que você achou que não fosse dar certo, que você ficou com medo: “Será que vai virar?”?
R – Olha, eu nunca pensei: “Será que não vai dar certo, será que vai dar certo, será que não vai?”; não, eu cheguei pra fazer, nunca fiquei pensando que não vai, que não vai. É fazer, acho que do mesmo jeito de quando eu vim pra cá, eu comecei a trabalhar na... Ao invés de eu ficar pensando: “Pô, isso aqui, tal”, não, eu vou fazendo e com o tempo eu me apaixonei. E assim, quando eu comecei o restaurante também, eu não estava preocupado se ia dar certo, se não ia, eu queria fazer aquilo que eu aprendi, eu queria praticar aquilo que eu sabia, aquilo que eu aprendi, eu queria, e foi consequência essa coisa, não teve...
P/1 – Lika, o que você mais gosta na Cidade de São Paulo? Aliás, eu vou fazer a pergunta diferente. O que você costuma fazer na Cidade de São Paulo? Quais são os lugares que você costuma frequentar aqui quando você não está trabalhando?
R – Quando eu não estiou trabalhando, restaurante, eu saio pra almoçar, jantar.
P/1 – Mas fala pra mim de regiões da cidade que você costuma ir, que você gosta.
R – Ah, é variado né, Jardins, Itaim, todo lado, eu vou pra todo lado, não tem... Ou mesmo aqui na Liberdade, a gente fica por aqui.
P/1 – De um modo geral, não especificamente um local, mas de um modo geral, o que você acha que São Paulo tem de melhor?
R – O que tem de melhor? Bom, eu acho que... Não sei se é exatamente essa pergunta, mas assim, o que eu acho bom de São Paulo é que qualquer hora do dia, da noite você tem lugar pra ir, então isso eu acho que é legal. Eu estou falando isso porque uma vez eu fui pra Curitiba e era assim, oito e pouco da noite, um sacrifício pra arrumar um lugar pra ir, falei: “Pô”, aí já me deu vontade de voltar pra Liberdade correndo.
P/1 – Eu vou te fazer uma provocação agora. Eu também gosto muito de São Paulo, uma vez eu comentei com um colega: “Eu gosto de poder saber que tem uma banca de jornal na esquina da minha casa, que às três horas da manhã eu quero ir lá comprar um jornal, uma revista”, aí a pessoa me perguntou assim: “Mas você já foi lá comprar às três horas da manhã”, eu falei: “Não, nunca fui”.
R – Mas tem.
P/1 – Mas tem. Você já se deparou com isso, já que isso é bom e eu concordo com você, alguma situação que você falou assim: “Putz, preciso de alguma coisa, ainda bem que eu estou em São Paulo, ainda bem que eu posso”?
R – Ah, sim, sempre acontece. O que eu estou falando é assim, por exemplo, eu digo isso porque... Por exemplo, a gente trabalha até tarde da noite, então, por exemplo, de domingo, que é o dia da folga, a gente acorda mais tarde, almoça mais tarde, e aí a hora que vai jantar também é mais tarde, e você tem lugar aonde ir. Já na cidade do interior você não consegue ter, nove horas já acabou tudo, não tem. Então isso que às vezes... Eu posso sair qualquer hora da noite que tem aonde ir, tem aonde você ir tomar um café, um restaurante, tem pra todos os gostos.
P/1 – O que você menos gosta, o que você acha que São Paulo tem de pior?
R – Eu acho que os últimos tempos é o trânsito, essa loucura que tem aí que estressa. Apesar de eu não ter, não depender, não usar tanto o trânsito pra me locomover, porque eu moro pertinho, então vou e volto, não tenho problema, mas quando vou ao mercado, fazer compras, eu fico estressado, porque você tem que... O trânsito, então o trânsito em São Paulo é horrível.
P/1 – Já se envolveu em algum momento assim, de ficar horas no trânsito ou enchente, alguma coisa assim?
R – Não, graças a Deus, não. De ficar um tempo no trânsito sim, mas de enchente não, graças a Deus, não.
P/1 – Você acha que é possível resumir São Paulo? Se eu te perguntar assim: “O que é São Paulo pra você?”, o que você me diria?
R – Ah, eu acho que eu não conseguiria resumir São Paulo, São Paulo é uma loucura, São Paulo é uma loucura, eu não consigo resumir assim.
P/1 – Nos seus quase 40 anos aqui, você já testemunhou alguma... Eu lembro que na época da Copa do Mundo, recentemente, eu li muita história sobre como o brasileiro, nessas grandes cidades, ele estava se mostrando solidário, às vezes, com o turista que chegava, com o desconhecido. Eu achei bonito algumas daquelas histórias que eu li. Eu sempre fico interessado em ir atrás dessas histórias, que às vezes estão perdidas no meio do anonimato. Você, que veio do interior – eu também venho do interior –, a gente às vezes se sente perdido no meio de uma metrópole desse tamanho. Você já viu, nesses anos todos seus aqui, alguma história que tenha te encantado? Por exemplo, de você ver pessoas se ajudando, ou de pessoas... Enfim, solidariedade entre anônimos?
R – É, assim, presenciar não, é difícil, não presenciei nenhuma. Eu costumo fazer isso, tentar ajudar as pessoas. Eu estou falando assim, a pessoa vem aqui, não consegue comunicar, a gente tenta fazer o máximo pra orientar a pessoa e direcionar pra onde ele está querendo ir ou onde ele vai ou o que ele quer comer, o que ele quer, então a gente tenta fazer isso. Nesses 23 anos de restaurante eu acho que uma, duas vezes, teve um tempo que veio, não sei se vocês lembram, teve um período que vinha muito jovem do Japão pra jogar futebol em São Paulo, no Brasil, escolinha e tal. Teve um período que eu recebi, apareceram uns jovens que vinham ao restaurante, que eles ficavam aqui próximo, no hotel, eles vinham, ficavam no hotel, e vinham pra almoçar ou jantar e tal, jovem, assim. “O que esses meninos estão caçando no Brasil?”, eu ficava pensando, e conversando: “Não, é futebol”, eu falei: “Pô”, e peguei amizade com esses meninos. Aí você vê, assim, o cara sai do Japão, vem pro Brasil, tudo muito limitado, ele não tinha noção do que fez, porque eu... Assim, não porque ele não pudesse, eles estavam podendo, que eles mesmo falavam que eles estavam em Campinas jogando futebol, então eles vinham pra São Paulo porque é a grande cidade. Eles vinham pra cá, só que eles vinham na sexta-feira à noite, ficavam em São Paulo pra ir numa baladinha, uma coisa, e depois eles falavam que tinham que dormir na rua, ficavam na praça, porque tinha que sobrar o dinheiro pra no dia seguinte almoçar e tal. Umas duas, três vezes eu falei: “Não, pô, vai dormir em casa, vem comer”, os meninos iam e ficavam dormindo em casa, ficava na boa, ficavam felizes. Você sabe que isso aconteceu, depois teve um período de final de ano que eles estavam aí, eu falei: “Pô, vocês vão ficar por aí?”, “Ah, tal”, eu falei: “Quer ir, vamos?”, porque final de ano a gente faz né, Natal, Ano novo, festa de Natal, aí levei eles junto. A gente foi pra casa do meu cunhado, foi festa a noite inteira, os caras beberam, ficaram loucos lá, tudo molecada. Isso me... Um negócio interessante. Depois eles foram embora, porque tinha um período só, depois eles foram embora. Recentemente apareceu um aqui, voltou ao Brasil, veio, não sei o que veio fazer, veio passear. Veio, me cumprimentou, tal, conversou, gente boa. Depois ele voltou, foi embora. Depois de, sei lá, dois, três anos, um dia veio uma japonesa, uma senhora, e falou: “Ah, fulano, tal”, era a mãe do rapaz. Você vê como é, né? Ela veio, conversou, eu falei: “Pô...”. Mas é assim, eu acho que essa coisa de ajudar as pessoas sem interesse, ajudar de coração, é isso que eu acho que é o que diferencia os japoneses e algumas outras culturas. Porque são assim, o cara, quando fala assim, ele vai ajudar de coração, sem interesse, entendeu? Ele te ajuda, tal, é incrível. No Japão, se você tiver andando, disser: “Ah, pô, estou perdido, estou nessa rua, perdido”, você perguntar pro cara, é capaz de ele pegar você... Você dá o: “Ah, preciso chegar aqui”, ele pega você, começa a escrever o mapa, não sei o que. Se você: “Pô, não estou entendendo”, ele pega você e leva lá, os caras são desse jeito. Então é um povo incrível, se ele não pode seguir até lá, ele pede para outro: “Acompanha ele”, sei lá, tem um compromisso, ele fala: “Acompanha, acompanha”, isso é interessante.
P/1 – Esse seu elogio ao estilo de vida japonês me fez pensar numa pergunta, em duas, na verdade. O que você mais admira na cultura japonesa, que hoje faz parte da sua vida e o que você mais admira na cultura de onde você veio, na cultura da Bahia?
R – Putz, na cultura da Bahia... O que eu me admiro na cultura da Bahia? Hoje eu não consigo diferenciar a cultura, assim, pra mim eu não sei se tem diferença da Bahia com a cultura de São Paulo, num modo geral. Talvez alguma comida é diferente, mas no geral eu acho que é igual. A cultura japonesa, não tem o que falar, é outra... É outra linha, outro, né, em todos os sentidos. Então eu não tenho, eu acho que é isso aí.
P/1 – Mas o que mais te admira na cultura japonesa?
R – A cultura japonesa é assim, eu acho que o povo em si, a cultura deles é... O cara vive, ele nasce para aquilo, ele nasce para fazer aquilo, ele vai fazer aquilo até o fim e bem feito, com muita dedicação, sem interesse, ele quer só ser... Ele quer só fazer bem feito. Eu costumo dizer que o japonês é um tipo de ser humano, eles têm uma cultura assim, tem que fazer muito com pouco, fazer muito com pouco, acho que ao contrário da nossa cultura, faz pouco com muito, e o japonês faz muito com pouco.
P/1 – Agora, eu estou percebendo que a nossa conversa girou, sei lá, 80% dela em torno do Japão, da cultura japonesa, culinária japonesa, por motivos óbvios, mas a gente não pode esquecer que você veio da Bahia.
R – Sim, sim
P/1 – E o migrante nordestino, ele é muito forte aqui em São Paulo, né?
R – Sim.
P/1 – Você falou uma coisa interessante, que a própria cultura de São Paulo bebe muito na cultura nordestina. Nesses anos todos de São Paulo, morando na Liberdade, trabalhando em restaurante japonês, qual foi seu contato com a cultura, com o povo nordestino, aqui?
R – Ah, eu tenho contato total com a cultura, eu vivo com todo mundo, tenho amigos, tenho parentes, tenho irmãos, tenho tudo, primos que vivem aqui. Então a gente vive junto, não tenho... Não separo, é tudo... Pra mim é uma cultura só, é um povo. Eu acho que não, pra mim...
P/1 – Como você enxerga, como você avalia essa mistura de culturas que é São Paulo? Você, por exemplo, é uma síntese disso.
R – São Paulo é um lugar onde recebe... Você tem de todos, todas as culturas aqui tem, é concentrado aqui em São Paulo. Você tem de tudo que você possa imaginar: baiano, nordestino, paraibano, tudo, tem de tudo, e aí fica. Eu acho que é tão, assim, pra mim... Você fala assim: “Aquele é baiano, aquele é Ceará, aquele é tal”, pra mim é tudo igual, eu vejo, é tudo igual, não vejo... Pra mim não tem diferença, eu acho que é tudo igual.
P/1 – Me fala um pouquinho sobre essa cultura da gastronomia mesmo em São Paulo. Porque São Paulo é uma cidade, uma capital gastronômica. O que você mais gosta de comer aqui?
R – Não, eu gosto de tudo, eu como de tudo. Vamos dizer, 80% é a culinária japonesa, e os 20% eu distribuo. Como em tudo, todo tipo, uma feijoada a cada seis meses, um... Como fala? Uma galinha cabidela, que fala, a cada três meses. Não sei, mas eu gosto de tudo, como de tudo.
P/1 – Você sente saudade da Bahia?
R – Ah, não, acho que não, não dá nem tempo de sentir saudade, eu trabalho tanto.
P/1 – Você costuma ir pra lá, voltar?
R – Eu costumo sim. Ultimamente não tenho ido, mas eu já voltei várias vezes pra lá, porque a minha... Hoje a minha mãe está aqui, mas até uns anos atrás a minha mãe, meu pai, meus irmãos... Hoje eu tenho lá só um irmão, mas já voltei várias vezes pra lá, pra casa da minha família, pra casa da minha mãe e tal. Só que depois de um tempo... Agora minha mãe veio pra cá, agora minha mãe está aqui, eu só tenho um irmão lá, aí já fica mais difícil pra gente ir pra visitar, então faz tempo, faz alguns... Uns sete, oito anos que eu não vou.
P/1 – O que você mantém em você, no seu dia a dia, daquela vida, daquela infância no interior da Bahia?
R – O que eu mantenho? O que eu mantenho? Ah, eu acho que... Eu não sei, eu não sei se eu não mantenho nada ou se eu mantenho tudo, eu acho que eu continuo o mesmo, acho que eu continuo o mesmo que eu saí de lá, ou sou 100% diferente do que eu saí de lá. Acho que não, eu não sei.
P/1 – Se você pudesse morar em outro lugar, você moraria em outro lugar? Onde?
R – Hum, uma boa pergunta, hein? Onde eu moraria? Outro lugar, você diz outro estado, outro país?
P/1 – Qualquer lugar.
R – É que assim, acho que a gente vai ficando... A idade vai chegando, a gente vai tentando procurar sempre lugares mais calmos, sossegados. Como você diz, a gente estava falando de São Paulo, São Paulo hoje já não faz o meu... Porque é muito estressante. A idade vai chegando, a gente procura um lugar mais calmo e tal. Eu acho que, se eu pudesse me mudar pra Bahia, eu me mudaria, porque lá é um lugar mais... Como dizem, os baianos são tranquilos, não tem estresse. Eu mudaria pra lá, mas sem estresse também, pra trabalhar eu trabalho aqui.
P/1 – Eu te perguntei logo no começo da entrevista sobre o bairro, você falou que quando veio tinha muito japonês e tal. Eu vou repetir essa pergunta, mas com outro enfoque. Eu queria que, assim... Hoje em dia, quais são as imagens, os símbolos, como você descreveria pra alguém que não conhece a Liberdade, hoje, fisicamente falando mesmo, descreve um pouquinho o seu bairro pra mim, por favor.
R – O Bairro da Liberdade, hoje, pra pessoa que não conhece, é tudo de bom. Se você pensar, a pessoa que não conhece o Japão e vai conhecer a Liberdade, vai pensar que está no Japão. Você vai, tudo é oriental, então eu acho que você não tem, não dá pra descrever, e a pessoa, eu acho que tem... O que eu faria seria incentivar a pessoa a visitar, porque aí ele vai se encantar com o bairro, porque é totalmente diferente de tudo que a gente... A pessoa que não conhece passa a conhecer e fica encantada, porque o bairro é maravilhoso.
P/1 – Última pergunta. 40 anos em São Paulo, mais ou menos, não só a Liberdade, São Paulo, de um modo geral, fala um pouquinho das transformações que você testemunhou na cidade nesses 40 anos. Era assim, ficou assado...
R – Hum, deixa eu ver... Nesses 40 anos, o que mudou, rapaz, é que, como diz, a gente vive ali o tempo todo e acaba nem percebendo as mudanças, mas um pouco eu lembro. Por exemplo, essa rua, quando eu cheguei aqui em São Paulo, lembro que logo depois que eu comecei a me entender tinha um restaurante japonês lá na Tabatinguera, que hoje não tem nem como imaginar isso, né? É uma pena que foi uma mudança não pra melhor, mas pra pior. Nessa rua mesmo, aqui, lá embaixo também tinha. Eu lembro que tinha um bar japonês, um negócio meio boate, tal, e hoje é impossível imaginar isso, então isso foi uma mudança.
P/1 – Por quê?
R – Sei lá, falta de segurança, falta de estrutura, acabou com tudo. Em compensação, pra cima mudou bastante. Como acho que em todos os lugares tem umas mudanças boas e outras ruins, essa é uma das que eu lembro, que tinha isso aqui. Aqui em cima mudou bastante também, aqui em cima você tinha... As ruas eram mais simples, de lá pra cá mudou bastante, as lojas ficaram bonitas, os caras, fizeram umas coisas bem bacanas. É isso. Eu acho que todo lugar tem mudança, um lado fica pior, o outro fica melhor e vai, mas o ideal é que fossem mudanças pra todos pra melhor, não um pra pior e outro pra melhor.
P/1 – O que você acha que falta pra São Paulo ser uma cidade melhor?
R – Nossa Senhora, essa pergunta... O que falta? Melhorar o trânsito, melhorar a segurança, aí eu já não pensaria em ir para a Bahia, morar na Bahia (risos), eu acho que ficaria bem bom.
P/1 – Nesses 23 anos de restaurante, qual foi o freguês ou um dos fregueses que mais te deu trabalho ou o mais chato, o mais exigente?
R – Bom, os clientes, os mais exigentes eu gosto mais, porque são pessoas que têm... Quanto mais conhecimento são mais exigentes, então isso me deixa feliz. Chato, talvez se eu fosse dizer que essa parte dele é chata, não é chato, porque... O que me deixa, às vezes me dá um pouco de trabalho, é quando o cliente não tem conhecimento, ele não entende, não conhece, mas ele acha que conhece, esse me dá trabalho e me deixa chateado, mas mesmo assim eu tento ajudá-lo (risos).
P/1 – Já teve algum episódio assim, por exemplo, de algum cliente, uma celebridade, alguma coisa que mudou a dinâmica da casa, que você teve um trabalho extra?
R – Não, não, não. Não teve assim, de mudar, não, não tem, não teve e espero que não venha a ter.
P/1 – Porque eu vi que tem umas fotos ali...
R – É, mas o pessoal, quando vem aqui, eu tento dizer... Não dizer, mas mostrar que não importa se ele é celebridade, aqui é para todos, ele não vai fazer mudar a nossa dinâmica porque é celebridade, ele vem porque ele gosta, porque ele quer, então ele é tratado como todos, não precisa mudar, a gente atende do mesmo jeito.
P/1 – Qual é o seu plano pro seu restaurante a médio e longo prazo?
R – A médio e longo? Ah, eu acho que, como eu disse no início da entrevista, eu nunca fiquei buscando: “Ah, vou isso, aquilo”, tal. Eu sempre vou, como diz, eu vou na onda, a onda vai me levando. E tem dado certo, eu vou andando, não faço projetos, ficar sonhando, eu vou vivendo o momento, fazendo direito o momento, e aí as coisas vão acontecendo.
P/1 – Isso no restaurante, agora eu vou ampliar a pergunta: – é a última, eu prometo – e um sonho pra sua vida? Qual que é o atual sonho da sua vida?
R – O meu sonho? Putz, eu não tinha parado pra sonhar, pra pensar num sonho, hein? Ah, o meu sonho acho que é, sei lá, chegar até quando eu puder fazendo o que eu gosto, esse é meu sonho, não tenho outro.
P/1 – Você gostaria que seus filhos morassem em São Paulo a vida toda?
R – Hum, será? Não sei se eu gostaria, não sei. Ah, eu acho que os filhos devem ficar aonde eles estiverem feliz. Acho que, se eles conseguirem viver bem em São Paulo, vive. Acho que não tenho sonho também pra eles, acho que eles devem sonhar o sonho deles próprios.
P/1 – Obrigado.
R – Eu que agradeço, muito obrigado.Recolher