Quinta do Sumidouro na Memória e Vida de seus Moradores
Depoimento de Maura Martins da Conceição
Entrevistada por Danilo Eiji e Mônica Machado
Fidalgo, 09/09/2013
Realização Museu da Pessoa | Intercement | Instituto Camargo Corrêa
QSHV007_Maura Martins da Conceição
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Bom, primeiro gostaria de agradecer muito à senhora por nos receber aqui na sua casa, a gente mexer na sala toda. Juro que a gente vai arrumar de novo antes de ir embora (risos). Muito obrigado por participar do projeto e contar um pouco da sua história. Só para identificação do nosso documento, eu queria que a senhora me falasse qual o seu nome, o local e a data do seu nascimento
R – Maura Martins da Conceição. Nasci em 14 de maio de 1930 aqui em Fidalgo mesmo
P/1 – Dona Maura, antes de começar a falar mesmo, entrar na sua vida, falar da sua infância, queria entender um pouco sobre a sua família. Eu estou vendo aqui que tem as fotos, você está inclusive. Você poderia me contar um pouco sobre os seus avós, de onde eles vieram? O nome? O que eles faziam?
R – Meus avós, eu conheci só a mãe de minha mãe, os outros eu não conheci. E, de modo que sobre eles eu sei que a atividade deles aqui era a mesma de uns anos antes, porque agora, aqui era agricultura e pecuária, agora isso acabou. Então, agora é um presente, né?
P/1 – A senhora chegou a conhecer, a senhora se lembra dela?
R – Lembro, da minha avó Rita porque a minha mãe teve 12 filhos e toda vez que nascia um, a minha avó Rita ia pra lá e ficava uma semana com a minha mãe. Então, ela que ficava lá, todos nasceram com parteira, com exceção dos dois últimos que nasceram em Pedro Leopoldo. Agora a turma toda foi aqui, é quase um por ano e era uma alegria quando chegava um. Chegava e ninguém tinha preocupação, só era alegria. Porque, ‘ô, vai chegar mais um, vai chegar mais um’. E isto a gente levava, né?...
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Depoimento de Maura Martins da Conceição
Entrevistada por Danilo Eiji e Mônica Machado
Fidalgo, 09/09/2013
Realização Museu da Pessoa | Intercement | Instituto Camargo Corrêa
QSHV007_Maura Martins da Conceição
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Bom, primeiro gostaria de agradecer muito à senhora por nos receber aqui na sua casa, a gente mexer na sala toda. Juro que a gente vai arrumar de novo antes de ir embora (risos). Muito obrigado por participar do projeto e contar um pouco da sua história. Só para identificação do nosso documento, eu queria que a senhora me falasse qual o seu nome, o local e a data do seu nascimento
R – Maura Martins da Conceição. Nasci em 14 de maio de 1930 aqui em Fidalgo mesmo
P/1 – Dona Maura, antes de começar a falar mesmo, entrar na sua vida, falar da sua infância, queria entender um pouco sobre a sua família. Eu estou vendo aqui que tem as fotos, você está inclusive. Você poderia me contar um pouco sobre os seus avós, de onde eles vieram? O nome? O que eles faziam?
R – Meus avós, eu conheci só a mãe de minha mãe, os outros eu não conheci. E, de modo que sobre eles eu sei que a atividade deles aqui era a mesma de uns anos antes, porque agora, aqui era agricultura e pecuária, agora isso acabou. Então, agora é um presente, né?
P/1 – A senhora chegou a conhecer, a senhora se lembra dela?
R – Lembro, da minha avó Rita porque a minha mãe teve 12 filhos e toda vez que nascia um, a minha avó Rita ia pra lá e ficava uma semana com a minha mãe. Então, ela que ficava lá, todos nasceram com parteira, com exceção dos dois últimos que nasceram em Pedro Leopoldo. Agora a turma toda foi aqui, é quase um por ano e era uma alegria quando chegava um. Chegava e ninguém tinha preocupação, só era alegria. Porque, ‘ô, vai chegar mais um, vai chegar mais um’. E isto a gente levava, né? O dia que a gente percebia que minha mãe ia ganhar o neném, a gente já sabia pela visita da parteira. Então, aí a gente já sabia e ficava todo mundo curioso
P/2 – Quantos eram, dona Maura?
R – Doze. E ela perdeu uma menina com 24 dias. Agora os 11, graças a Deus, todos foram bem criados. Minha mãe assistiu a todos os casamentos, conheceu os netos. Agora meu pai conheceu menos, mas ele também conheceu alguns netos
P/1 – Um pouco dos seus pais. Quem eram eles, de onde eles eram? Conta um pouco o que eles faziam, me descreve seus pais, por favor
R – Ah, meus pais, eu acho que eles foram uns pais excelentes porque, embora meu pai tinha só segunda série, minha mãe acho que a terceira, mas liam muito bem, Matemática ninguém passava pra trás, sabia mesmo. E era assim, lá em casa era uma verdadeira paz porque muita gente e todo mundo, não tinha briga, porque hoje em dia a gente vê muita briga, mas na minha casa não. Meu pai era muito respeitado, mas também nunca foi de maltratar filho e nós tivemos uma criação muito boa. As atividades do meu pai era comércio, ele comprava produção de milho aqui de Fidalgo, feijão; comprava e levava pra Pedro Leopoldo. Vendia lá pro Batista Carvalho, era o atacadista mais forte, então levava tudo pra lá. E uma coisa que eu acho engraçado que ele contava, ele era assim rapazinho e naquela época ele montava no cavalo e ia pra ver o povo trabalhando, né, ele tinha roça também, mas ele só ia lá pra olhar porque ele falava assim: “Olha, o homem tem que trabalhar com a cabeça”. Ele punha lá 18, 20 pessoas trabalhando, mas ele passava lá. E quando ele passava tem uma lagoa aqui da Várzea Comprida, ele passava a cavalo e as donas estavam lá lavando roupa, então ele não tinha mãe. Então ele vestia e falava assim: “Eu vestia duas, três calças, vestia umas três camisas e ia. Quando passava uma e falava assim: ‘Oi João, me dá sua roupa pra lavar!’. Ele: ‘É agora’, tirava uma camisa e jogava, tirava uma calça e entregava. Diz que quando era de tarde as roupas estavam todas lavadas e as moças: “Ah, mas as moças ficavam, quando eu passava, me sentia pra procurar assunto: ‘Me dá sua roupa João’, aí ele mandava pra elas”. Ele conta assim, muito. E era uma simplicidade, né, muita simplicidade. E minha mãe era do lar mesmo, só olhava os meninos, fazia os afazeres da casa. Enquanto ela aguentou ela fez sozinha, depois ela teve que ter uma ajudante porque 12 filhos, né? Depois a mais velha casou-se, também teve 10 filhos. A segunda também. A Edith é a mais velha, chamava-se Edith. Brites, a segunda, casou e teve cinco. E, deixe-me ver, José Dionísio acho que teve, lá na casa dele, casou com Elza Leandro e teve, parece que lá são, deixa eu ver... [silêncio]. Ai, deve ter sido acho que oito. Pois é, oito filhos. Depois Agenor, também casou-se com Edwiges de Almeida. Vamos ver, então ajuda aí, lá acho que são dez, na casa de Agenor. E depois do Agenor... Zenite, tem um filho adotivo, ela não teve filhos. Depois eu, tive dois, tive um casal. E depois a Cecília, teve três filhas, Cecília casada com Roberto. Agora eu casei com Abel, né, não posso deixar de falar o nome dele (risos). Depois Herculano. Herculano teve quatro, casado com Ana, Ana Ribeiro. E, depois, Geraldo, que é o caçula, tem um casal, casado com Conceição Freitas, tem um casal e muito bem, porque todos os dois são médicos, não, a moça é médica e o filho é advogado. Então, eu falo com ele assim: “É, você pode agradecer a Deus porque...”. Agora essas outras famílias também, muito bem, essas que são daqui mesmo, a Valdete, é filha do Zé Dionísio e é minha sobrinha, né? Ela tem curso também, tem o segundo grau, trabalhou como secretária muito tempo. E Geni Lúcia segue a minha carreira mesmo, Pedagoga. Meu filho era especial e eu considero o maior presente de Deus, ele era um amor. Ele deu muita lição aqui em casa, lição de amor, de perdão, de tudo, ele era um amor mesmo. E o quarto dele até hoje eu não posso mostrar porque eu não tive coragem ainda de organizar o quarto dele, mas o quarto dele é marcado com a raposinha, ele era cruzeirense, então tudo dele é Cruzeiro. Então eu falei, o quarto dele continua marcado aí, ó, com a raposinha. Agora Geni Lúcia, não posso nem falar nada, é uma filhona que eu tenho, graças a Deus
P/1 – Tá aqui firme e forte acompanhando (risos)
R – E ela já tem duas meninas, muito engraçadinhas, é uma pena que elas não estejam aqui. Uma está com oito anos e está na terceria série e a pequerrucha com três anos está no maternal três
P/1 – Dona Maura, eu posso voltar um pouquinho?
R – Pode
P/1 – Eu queria que você me descrevesse um pouco como era essa dinâmica com 12 na família, como era a casa? A senhora se lembra como vocês se organizavam com tantos, né?
R – Ah, isto. Era assim, quando são muitos, cada um vai se virando, né? Mas todos muito obedientes, e eu me lembro que meu irmão mais velho, o José Dionísio, ele nunca fumou perto de meu pai. Às vezes, quando ele estava com o cigarro, meu pai chegava, ele enfiava o cigarro no bolso, se apagasse ou não, ele enfiava o cigarro no bolso. Era um respeito, sabe? Todo mundo tinha respeito, muito. E ele brincava muito, eu pelo menos brincava muito com ele, fazia muita graça, ele ria muito. Eu fazia dentadura de casca de laranja e chegava perto dele séria, depois eu chamava ele assim, quando ele olhava pra mim, mas que ele ria. E eu ficava conversando com dentadura de casca de laranja. E as outras meninas, as mais velhas, elas eram mais receosas porque quase que a gente não saía de casa, só mesmo pra ir à igreja ou num casamento. Ou quando havia carnaval, a gente chegava na porta, o bloco passava na rua toda, então ia lá em casa, primeiro era o Boi da Manta, né? O meu irmão mais velho é que fundou o Boi da Manta aqui. Então ele levava, mamãe não estava podendo ir porque, cansada, então ele levava o boi lá na porta de casa e fazia festa lá na porta e depois ia embora com a turma toda. Então a gente acompanhava um pouco o Boi da Manta. E de vez em quando a gente dançava também porque o carnaval era na rua, então havia aqueles blocos, a gente dançava pela rua e meu pai sempre por perto, porque ele não deixava, ele não dava trégua, ele estava sempre por perto. E aí, por exemplo, de um casamento, a gente só dançava no dia do casamento porque lá a gente podia dançar, ele ficava lá, mamãe também. A gente dançava, era bom demais. E depois só essas oportunidades que a gente saía
P/1 – A senhora se lembra de um casamento pra contar pra gente como é que foi?
R – Eu lembro do casamento de Edith, minha irmã. Ela casou-se com José Beraldo Bastos, eu lembro que foi o primeiro casamento, então a minha casa ficava a uma distância da casa dele, mais ou menos, será que eu vou saber calcular? Uns três quarteirões. E entre a casa do noivo e da noiva havia um salão e uma casa de um vizinho, meu pai alugou o salão, então o povo dançava lá em casa, nesse salão e na casa do noivo, foi um trança pra lá e pra cá a noite toda, foi muita festa mesmo, muita. E comida à vontade, leitoa na mesa, que usava uma leitoa não podia faltar na mesa. E muito doce, né? E bebida também. E o povo divertia a noite toda
P/1 – O que era de música? O que tinha de música? Como as pessoas iam vestidas? Era um dia diferente, imagino, era um dia especial
R – As roupas eram, as mangas tipo esta minha mesmo aqui. E umas usavam uma gola alta, outras usavam decote, mas não como hoje, né? Tudo assim, discretamente. E só vestido mesmo e saia, não existia esse negócio de calça comprida pra mulher, não. Então era assim, roupas rodadas, roupas curtas, conforme o gosto
P/1 – E as músicas? A senhora se lembra de alguma da época, que fazia sucesso?
R – Deixa eu ver. Tinha muita música porque tinha um jazz aqui em Fidalgo, o que eles falam hoje, como que eles falam quando a turminha canta hoje?
R/2 – Banda
R – É, banda. E naquele tempo era jazz, então tinha os que tocavam instrumento de sopro, de corda, eles cantavam e tocavam, aí era a noite toda. Outra hora era sanfona, a sanfona era sempre utilizada
P/1 – E essas festas religiosas? A senhora comentou do carnaval, mas e por exemplo o Congado, a senhora ia também?
R – O Congado? O Congado tem pouco tempo porque o Congado não é muito antigo. Porque aqui eles fundaram essas guardas não tem muito tempo, não. Mas eu sempre apreciei porque era sempre uma novidade, né? Tinha Folia de Reis. Folia de Reis visitava, toda vida, desde criança que eu via Folia de Reis. Ela visitava as casas, dançavam e cantavam. E toda casa, eles chegavam e davam o sinal na caixa, aí a gente abria a porta, eles vinham de madrugada, fosse qualquer hora, se eles estivessem numa rua, as pessoas às vezes davam sinal com a caixa e a gente abria a porta. Então tem essa folia, só a gente não acompanhava a folia, muita gente. No início eu lembro que as moças e os rapazes acompanhavam, mas meu pai falava assim: “Não, mulher não acompanha folia, não”, então a gente não ia mesmo
P/1 – A senhora ficava nessa casa mesmo onde nós estamos hoje? A sua família era aqui desta? Onde que era a casa de vocês? O que era essa Fidalgo?
R – O retrato da minha casa está ali, ó, depois vocês podem olhar. E a nossa casa fica ao lado do posto médico. Agora eu até soube que ela está estragada, ontem eu estive conversando com a minha sobrinha, eu falei, nós não vamos querer que a casa estrague porque é uma lembrança, né? A gente gosta muito, é um valor sentimental muito grande. E é histórico, ela é uma das primeiras casas daqui de Fidalgo
P/1 – Como que era? Você consegue descrever pra gente um pouco da casa, como era o bairro naquela época? Como era Fidalgo nessa sua infância? Mudou muito?
R – Ah, mudou bastante, mas, eram poucas casas e as casas todas muito simples, então, não tinha estas, era assim, uma casa de quatro cômodos, não tinha esse negócio de varanda, não tinha nada. Então, não tinha muito não. Depois que foi povoando, né? E voltando na minha família, tem uma coisa interessante, que eu acho, quatro irmãos casados com irmãos, sabe? Então todos primos. Por exemplo, o meu pai, o tio Altino, tio Zé, tia Abigail, são irmãos. Casados com tia Maria Eduarda, tia Isoleta, tio Juca e mamãe. Então todos da mesma casa, quatro irmãos, só faltou um pra casar lá nessa casa, assim mesmo ainda foram namorados (risos). Família de Eduardo com a Martins
P/1 – Que foram as primeiras aqui
R – É, são as primeiras
P/1 – A senhora se lembra dos seus vizinhos? Quem morava nesse começo?
R – Como?
P/1 – A senhora se lembra dos vizinhos, quais eram as outras famílias?
R – Nossos vizinhos eram a família do Raimundo Xisto, era o vizinho mais próximo. José de Almeida, à direita. No início eram essas casas. Ah, José Felipe em frente. Eram essas famílias
P/1 – Pouquinho mesmo, Fidalgo era bem pequeno
R – Era pequeno. E tinha outras famílias, mas assim, em outras ruas, né? Tinha uma, outra
P/1 – E o que fazia as pessoas estarem aqui? Era trabalhar na roça aqui perto, era isso?
R – Trabalhava numa roça. Uns trabalhavam e eram patrões, né, poucos patrões porque todo mundo era mais, eles falavam, camarada. Então os camaradas é que faziam o serviço todo, era com arado, capinadeira e enxada, não tinha trator, não tinha nada. Foice. Então eles trabalhavam com essas ferramentas. E as mulheres plantavam. Aquela turma. O dia que ia arar a terra, só os homens, com os arados. O arado puxado por bois. E para capinar eram capinadeiras puxadas por cavalos
P/1 – E escola? Como que era a escola aqui? Era aqui em Fidalgo?
R – Era aqui
P/1 – Você ia, seus irmãos iam? Como vocês se organizavam?
R – Olha, quando mamãe, eu fiz a história da escola através da minha mãe. E a escola funcionou em três salões primeiro pra chegar à escola mesmo. Então, eram salões, a minha mãe assistia às aulas pela greta da porta, ela não podia porque ela tinha cinco, seis anos, então ela só olhava pela greta da porta. E ela ficava olhando, então ela que me falou sobre os primeiro professores. Teve o professor Elói, até tem uma curiosidade, o Professor Elói era assim, ela contava isso, que eu não sei, não conheci. Se um menino fosse pinta brava na sala, ele colocava um chapéu na cabeça do menino, se ele continuava, punha outro chapéu, então ele castigava os meninos colocando o chapéu na cabeça deles. Então quando eles recebiam o primeiro chapéu eles acomodavam, com medo de vir mais. Isso foi o professor Elói. Depois teve uma tal de dona Coleta, ela não era brasileira, ela morava na Fazenda Jaguar e dava aula aqui, a dona Coleta. E dona Corina também, que eu não conheci, são muitas. Depois quando...
P/1 – Mas eles eram professores de uma escola aqui de Fidalgo?
R – Daqui. Mas é assim, eu tenho impressão que uma vinha, ficava uns tempos, outra vinha. Devia ser assim porque quando eu frequentei escola, eu frequentei em um salão ainda. Eu era pequena e a escola era assim, eram salas pequenas e só duas professoras. Então a gente era primeiro, segundo e terceiro só. Então a gente ficava aqui até a terceira série, quem tinha mais condições ia pra Pedro Leopoldo fazer a quarta série, e o resto todo mundo ficava aqui, ninguém estudava. Eu lembro que na minha época, pra fazer quarta série, fomos cinco: Agenor, meu irmão, Noraldino, José, que eles chamavam José Periquito, Edwiges e eu, nós éramos cinco. E eles iam a cavalo. Toda manhã eles saíam e iam estudar no Grupo São José. Então nós todos tiramos o nosso diploma de quarta série lá. E na nossa época dona Sinhazinha era diretora e a nossa professora era dona... (risos) Eu esqueci o nome dela, que é tantos anos, foi em 42! Acho que foi 42. Então eles iam a cavalo e muita vezes a gente ia na garupa, eu e Edwiges, nós íamos na garupa. E no caminho era aquela farra, Agenor era muito gracista, ele levava aquelas bombinhas e daqui pra Pedro Leopoldo era uma estrada estreitinha, né, e de Lagoa de Santo Antonio pra frente era trilho, então ele pegava bombinha, estourava, jogava na cara dos cavalos e eles saíam loucos e a gente gritava mesmo e eles riam, e a gente com medo de cair. Mas depois o meu pai me deixou em Pedro Leopoldo, primeiro na casa do meu padrinho, padrinho Teodoro, era um dentista de Pedro Leopoldo. Padrinho Teodoro e Madrinha Mariquita, fiquei lá. Depois eu não quis ficar lá mais não, eu falei, e parei de ir lá. Falei: “Não vou ficar na casa dos meus padrinhos mais não, quero sair”. Então, ele conversou com dona Aurora, fui pra lá e fiquei até o final do ano. E a gente vinha pra casa na sexta-feira à tarde e voltava na segunda-feira. O dia que a gente conseguisse, porque não tinha meio de transporte, então a gente vinha a pé de Pedro Leopoldo, passando pelos trilhos, num instantinho a gente chegava aqui. Agora, no dia que a gente arranjava um outro jeito a gente vinha, porque de vez em quando dava sorte de passar alguém e trazia, né?
P/2 – Vocês gastavam quanto tempo a cavalo?
R – Quanto tempo? Ah, daqui lá eram uns 50 minutos porque eles iam bem a galope
P/1 – E a pé?
R – A pé a gente gastava uma hora, de Pedro Leopoldo aqui. Porque a gente vinha devagar, conversando, então dava uma hora
P/1 – Mas mesmo assim foi melhor a senhora ficar lá? É isso?
R – É, fiquei lá porque ninguém aguentava, eu não aguentava andar assim a semana toda. Então o dia que a gente não ia de manhã, que alguém levava, eu não to nem lembrando como que é, não. Mas a gente ia na garupa do cavalo. Isso aí já foi mais tarde. Aí nós ficamos só nós cinco estudando em Pedro Leopoldo, tiramos diploma, estudamos particular com dona Elza Fonseca, dona Efigênia. Porque a gente saía daqui de Fidalgo pra Pedro Leopoldo, a gente às vezes sentia alguma dificuldade, né? Porque era uma professora só, às vezes, pro primeiro, segundo e terceiro, então a gente sempre tomava um reforço, e a gente saiu bem, graças a Deus, e depois, quando a gente terminou a quarta série todo mundo veio pra casa. Depois meu pai falou: “Ah não, mas pelo menos um tem que estudar”, então chamou meus irmãos: “Você quer ir. Geraldo?” “Não, eu quero é trabalhar” “Agenor, vamos?” “Não, eu quero ser motorista, eu quero um caminhão pra eu trabalhar” “Ou Zé Dionísio, vai estudar”. Todos fizeram lá em Pedro Leopoldo, agora só duas irmãs que não foram em Pedro Leopoldo, o resto todo mundo foi. Ninguém quis, então papai disse: “Uai, mas ninguém quer?” Eu falei: “Ô pai, eles não querem, eu quero”. Então ele falou: “Bom, então você vai”. E só tinha o colégio mais famoso era o de Conceição do Mato Dentro e o Nossa Senhora da Piedade em Belo Horizonte, mas meu pai falou: “Se vai estudar, tem que estudar em uma escola boa”, porque pagou caro, né? Então eu fui pra Conceição, eu e Edwiges, essa que é minha cunhada hoje. Nós estudamos lá sete anos. Aí nós estudamos com freiras, tivemos uma educação muito boa, que as irmãs eram excelentes. E a gente estudou interno, vinha em casa só duas vezes por ano
P/1 – A senhora se lembra de algumas histórias desse colégio, dessa época? Como foi sair daqui, de um lugar pequeno e ir pra lá? Como foi isso? Como era esse dia a dia no colégio interno?
R – Mas no colégio...
P/1 – A senhora dormia lá, né?
R – Tudo, a gente era interna, então era tudo lá. Tinha um dormitório enorme, uma cozinha enorme também. Na minha época eram mais de 90 alunos internos. E tinha o internato e o externato. E Conceição do Mato Dentro era pequena, hoje não faço ideia porque nunca mais voltei lá, mas lá já melhorou demais pelo que eu vejo aí pela televisão, mas lá era pequeno. Lá eu me lembro do colégio, de um armazém, que eles falavam armazém, o supermercado hoje, naquela época era armazém. E o meu fornecedor lá, eu lembro que era Carlos Rajão. Ele tinha até um neto que agora é professor em Pedro Leopoldo, ou Belo Horizonte, não sei. Tem um Rajão em Pedro Leopoldo que é neto ou bisneto desse Carlos Rajão. Porque cada uma de nós tinha um fornecedor externo porque só pra coisas assim, a gente queria um doce diferente, um bombom, queria um sabonete, faltava, então a gente tinha a caderneta, a gente anotava o que a gente queria e a Maria Helena era consagrada nessa época, é tipo irmã de caridade mesmo, só não usava hábito, então Maria Helena ia lá e buscava pra gente, e no fim do mês os pais mandavam o dinheiro pra pagar. E lá só tinha a Igreja do Rosário e a Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, até hoje tem o Jubileu, desde a época que eu estudei já havia o Jubileu, que as irmãs tem muitos dias de festa, né? Nesse dia a gente saía, todo mundo em fila, uma irmã de um lado, outra do outro e a fila enorme para o Bom Jesus de Matozinhos, a gente assistia a missa, ficava lá um pouquinho, voltava pro colégio. E tudo era assim, tudo cronometrado. Cinco horas era o jantar, almoço onze horas, agora, de sete as onze era a hora de estudo, tinha um salão grande, cada um tinha sua mesa, a gente estudava de sete as onze, preparando as aulas, preparando as matérias. Onze horas a gente descia para o refeitório, tinha lá meia hora de recreio, depois ia pro recreio, ficava meia hora. Meio-dia a gente subia para as aulas e cinco horas terminava e a gente ia pro jantar. E na parte da tarde, seis horas, todo mundo ia para o banheiro. Lá tinha aquele tanto de chuveiro e dava pra seis tomar banho de uma vez porque tinha seis chuveiros. E aí a gente acaba de tomar banho, jantava, ia pra capela pra missa às sete horas. Aí a gente assistia à missa, comungava. Terminava a missa, a gente voltava pro salão de estudo, ficava até oito e meia, nove horas a gente ia pro dormitório, era tudo muito assim, em cima da hora
P/1 – Essas colegas e você, vocês aprontavam algumas coisas? Vocês saíam da regra, às vezes ou não?
R – Lá tinha umas, né? Umas desciam a escada correndo, subiam, e pras irmãs isso era um tumulto. E tinha muita escada, então quando percebia que a irmã vinha de um lado elas saíam correndo, subiam correndo. A única coisa que eu percebia lá era isso, era a correria nas escadas, mais nada. E na sala todo mundo procedia bem. Na época que eu estudei eu já sofria de vista, mas ninguém percebeu, então eu falava assim com a irmã: “Ô irmã Maria dos Anjos, eu não estou enxergando agora”. Ela: “Não é possível, tá muito, olha bem, tá muito claro aqui, Maura”. Eu falava: “Não, mas eu não estou enxergando” “Passa pra essa carteira aqui do meio” “Ainda não estou enxergando” “Passa para a segunda carteira”. Eu passava. “Tá bom aí?” “Agora melhorou”. De vez de quando eu ainda me levantava pra ver o quadro que eu não enxergava direito. E ninguém percebeu isto? Depois que eu me formei, que eu fui fazer exame pra posse, e neste tempo tudo era mais rigoroso, ninguém fazia exame por Pedro Leopoldo, nada, era em Belo Horizonte, todos os exames. Então quando eu fui fazer o exame de vista, o médico falou comigo assim, me deixou numa certa distância para eu ler, então eu pelejava. “Você está enxergando?” “Não, não” “Então, chega pra frente” Eu chegava. “Mais um pouco”, então ele ainda brincou comigo assim: “Uai, você é cega?”. Eu falei assim: “Cega eu não sou porque, graças a Deus eu enxergo”. E ele: “Mas quase nada”. Então falou: “Hoje eu não te dou o laudo, você vai voltar aqui, vou te dar receita”, me deu a receita pros óculos e eu fui pro oculista lá em Belo Horizonte, tudo na maior dificuldade, que eu era muito tímida, não conhecia nada. Meu pai, coitado, é que me levou por todo lado, ele saía daqui de Fidalgo e me levava. Então eu fiz o exame de vista, o médico oculista receitou: “Agora quando você receber os óculos você volta pra fazer o exame”. Então eu fui de óculos, cheguei lá, tudo o que ele mandou eu fiz. Mas ele que, o médico é que falou, que eu achava que eu era normal, eu achava que todo mundo era assim, eu enxergava embaçado, mas eu achava que todo mundo era assim. Desde criança, às vezes passava um avião, todo mundo: “Ó o avião, ó o avião!”. Eu ficava assim: “Quede, quede?” (risos) Eu era pequena, eu ficava: “Onde, onde?” “Olha lá, olha lá” e apontava, nada. Mas eu nem isso, nem assim caiu a ficha
P/2 – E como é que foi que a primeira vez que a senhora colocou os óculos, a sensação, a senhora lembra como que foi?
R – Nossa, que maravilha! Foi a coisa mais linda, a melhor coisa que aconteceu. E meu óculos era bonitinho, sabe? Tinha o aro até, meu pai era caprichoso, mandou fazer um óculos bonito e não era tão grosso assim, com aro de ouro, eu tenho ele até hoje. Então, mas quando eu coloquei os óculos, que clareou tudo, eu falei: “Nossa gente, que maravilha!”, e fiquei encantada! Aí eu comecei a olhar tudo com ele, mas foi uma sensação única. Mas foi beleza
P/2 – Quantos anos a senhora tinha nessa época?
R – Nessa época que eu fiz esse exame eu tinha 21 anos. Eu sofri esse tempo todo sem saber. Mas também ninguém tinha essa preocupação de hoje. Hoje qualquer coisa corre, leva ao médico. Não, era natural, eu enxergava, né? Enxergava de perto. Mas foi a coisa melhor que aconteceu
P/1 – Dona Maura, mas então só pra entender. Depois que a senhora terminou o quarto ano a senhora foi pra esse lugar em Conceição...
R – Conceição do Mato Dentro
P/1 – E daí esse exame foi para exame de admissão do ensino médio?
R – Não
P/1 – Não?
R – Foi para eu trabalhar
P/1 – Ah, então o ensino médio foi feito no internato, é isso?
R – Não, não. Eu estudei lá sete anos e ninguém nunca, eu falava: “Não, não to enxergando o quadro não” “Chega pra frente”, aí me colocou lá na frente e tudo bem, resolveu o problema
P/1 – Mas esse internato era ginásio? O que era o internato? Era ginásio e ensino médio?
R – Não
P/1 – Esse sete anos?
R – Não. Lá era Escola Normal São Joaquim
P/1 – Escola normal
R – E tinha o ginásio, primeiro tinha o ginásio, né? Quem queria, por exemplo, quem ia fazer o Magistério era ginásio mesmo, eram quatro anos ginásio, três anos de formação
P/2 – Então a senhora é formada em Magistério
R – É, eu formei em Conceição, em Magistério, né? Quando eu estava lá veio a primeira reforma, passou pra sete anos. Lá se formava com cinco anos, veio a reforma passou pra sete anos, aí nós ficamos mais dois anos, Curso de Magistério, sei lá, até já esqueci. E depois eu vim trabalhar e no final quase da minha carreira eu fiz Pedagogia em Sete Lagoas, fiz Administração em São João Del Rey. Administração foi exigência da Secretaria porque eu era diretora, então, pra eu ser, eu fui designada e pra sair a minha efetivação eu teria que ter o terceiro grau. Então eu fiz
P/1 – Como foi sair pra esse mundo? Porque a senhora estava no internato, saiu e já foi pra Sete Lagoas?
R – Não, não
P/1 – Foi trabalhar antes
R – Eu me formei. Eu fui pra Sete Lagoas, parece que foi em, acho que eu formei em Sete Lagoas em 81, depois eu já tinha meus filhos, eles ficavam aí e no último ano eu fiquei seis meses dormindo em Pedro Leopoldo porque o especial que levava, ele chegava em Pedro Leopoldo 10:30 e eu pegava o ônibus daqui, não 10:20 ele chegava, e 10:30 eu pegava em Pedro Leopoldo e chegava aqui 11 horas. E tinha muitos alunos, tinha aluno que fazia Direito, outros faziam Contabilidade, muita gente de Pedro Leopoldo estudava em Sete Lagoas. Então, o ônibus não pode chegar mais 10:30 em Pedro Leopoldo, chegava mais tarde, então eu dormia lá, chegava aqui d manhã. Muitas vezes eu fui direto pra escola, eu vinha de Pedro Leopoldo e ia direto pra escola e encontrava com meus filhos na hora do almoço porque eu ficava na escola até 11 horas e vinha almoçar
P/1 – Posso voltar um pouquinho?
R – Pode
P/1 – A senhora ficou no internato, se formou, aí depois a senhora falou que se casou, teve filhos. Eu queria saber como foi esse namoro, como conheceu o seu marido?
R – É porque o Abel é meu primo de primeiro grau. E eu tive outros namorados, mas Abel era assim, ele era só meu amigo, ele tocava violão muito bem, então ele ia lá pra casa, todo sábado ele ia tocar violão. Ele tocava e eu cantava, eu, Zeni, nós todos cantávamos. E ele não falhava, ficou só indo pra lá tocar violão (risos). Depois nós ficamos assim amigos muito tempo, né, depois resolvemos a namorar, namoramos muitos anos porque eu era meio desanimada, eu achava casamento uma coisa muito difícil e eu tinha muito amor aos meus pais, que só eu lá em casa com eles, todos já tinham casado. Então eu não tinha muita vontade de casar, não. E ele ficava insistindo. Ele falava: “Não Maura, eu já to com vergonha dos seus pais” “Não precisa ficar com vergonha não, pode ficar tranquilo”. E eu não animava, foi indo já tinha muitos anos. A gente namorava, brigava, voltava. Eu namorava outro, dali a pouquinho ele voltava, então, por fim eu falei: “Ah, eu vou ter que casar mesmo porque desse jeito namorar só não dá” (risos). Então resolvi, no dia 29 de julho de 67, aí eu casei. Nós casamos e meu irmão me deu uma viagem pra Ouro Preto, eu não conhecia Ouro Preto, então nós fomos pra lá, ficamos uma semana, eu queria conhecer Curvelo e também aproveitei, passei um dia ou dois em Curvelo. Depois viemos embora e pronto, aí foi só trabalhar
P/2 – Quantos anos a senhora tinha quando casou?
R – Quantos anos? Eu estava com 37, casei com 37 anos e se deixasse eu acho que eu ia pros (risos)
P/2 – Escorregou bem, né, dona Maura?
R – Nossa! Demais (risos). Então, casei em julho de 67, quando foi em maio de 68 eu ganhei o primeiro, Abelzinho, foi dez meses e pouco. Eu tinha medo demais e, afinal, num instantinho eu engravidei, ganhei Abelzinho no dia 12 de maio de 68, Dia da Mães. Eu lembro que as professoras ficaram aqui fazendo feta pras mães e eu fui pra Pedro Leopoldo pra ganhar, fui lá pro São João Batista. Aí eu ganhei Abelzinho e foi aquela luta, eu fiquei feliz, mas assustei muito, mas depois foi a coisa mais linda que me aconteceu, a coisa melhor da minha vida. Quando foi 69, dia sete de setembro, meus meninos são todos patriotas (risos), sete de setembro de 68 Jane Lúcia chegou, aí pronto. Eu fiquei com os dois e ela me ajudou demais, desde pequena porque ela caminhou primeiro do que Abelzinho, então quando eu chegava da escola eu achava bonitinho ela andando, aquele toquinho, pegava na mão de Abelzinho e falava: “Mamãe, Abelzinho, mamãe!” E ia encontrar comigo, e Abelzinho ia engatinhando, porque ele caminhou com cinco anos, mas foi bom demais
P/1 – A senhora comentou que foi muito trabalho, né?
R – É, foi muito trabalho
P/1 – Mas a senhora teve uma carreira com a Educação, né? Dando aula
R – É
P/1 – Conta um pouco como foi essa sua trajetória profissional? Como eram as escolas antes, se mudou muito. E depois, né?
R – Aí quando eu cheguei aqui, primeiro eu trabalhei cinco meses em São Vicente, trabalhei lá de maio a setembro, de 51. E depois, naquela época os políticos falavam: “Não, eu quero Fulana”, e o prefeito de Lagoa Santa, o doutor Lindouro, ele tinha o coletor, o seu Orlando, eles falaram assim: “Não, eu preciso de uma normalista em Confins”. Eu não queria de jeito nenhum, então meu pai foi com eles lá em Confins pra me convencer: “Ah não, porque doutor Lindouro é muito amigo e ele precisa de uma professora formada” porque lá faltava professora formada, mais era leiga. Então eu não queria, depois, Nossa Senhora: “Eu não, eu não vou”. Papai falou assim: “Maura, minha filha, você tem que entender, tem que ir. O que eu vou fazer?” Então doutor Lindouro foi lá pra me buscar, o prefeito e o coletor, então eu falei: “Ah pai, então eu vou, mas não hoje. Eu vou despedir da minha turma”. E lá todo mundo gostava muito de mim, graças a Deus, eu fui muito assim, sabe, os meninos. Eu peguei só menino, pela primeira vez eu peguei só menino, uma classe de 12, 13 anos, era a classe mais bagunceira que tinha lá na escola. Então dona Olga, que era diretora falou assim: “Olha Maura, você vai ficar com essa turma, vamos ver se você vai dar conta porque a professora que estava com eles não deu conta e deixou”, também era uma leiga. Então eu cheguei conversando com os meninos, primeira vez. E a primeira coisa que eu fazia, eu sempre falo com Geni Lúcia, primeira coisa é a gente pedir as bênçãos de Deus, eu não entrava na sala sem pedir ao Espírito Santo pra falar por mim. E comecei a conversar, tudo, todo mundo ficou olhando pra mim porque eu era nova, né? E eles do meu tamanho, muito menino lá do meu tamanho. Aí os meninos, parece que eles gostaram de mim, desse dia em diante a turma mudou. Eu lembro que eu estava dando uma aula de Ciências, e eu gostava muito de, tudo meu era concreto, eu não gostava assim nada... Então eu ia dar uma aula de Ciências, aí eu levei uma planta completa, levei uma planta viçosa, outra murcha, sabe? E depois eu fui estudar a planta com eles. E os meninos ficaram assim, com os olhos em mim, prestando atenção, nenhum barulhinho. Quando eu estou lá bem explicando pra eles as partes da planta e a função de cara órgão da planta, quando eu assustei, a dona Olga estava na porta. Então, ela chegou e falou assim, olhou, ficou admirada porque ela falou que nunca tinha visto, nunca tinha presenciado uma aula com silêncio dos alunos e com participação deles. Então quando eu saí ela falou: “Não Maura, você está de parabéns. Olha que bom! Eu nunca vi isto aqui, esta sala era a mais bagunceira”. E durante o tempo que eu estive lá, que foi cinco meses e 12 dias foi uma maravilha, o dia que eu saí foi um choro, tanto eles choraram como eu chorei. E eu tive que ir pra Confins. Aí eu peguei lá em Confins em outubro, fiquei até 30 de novembro e passei aqui pra Fidalgo no ano seguinte, 52, aí fiquei o resto da vida aqui. E aqui todo mundo me respeitava muito. Hoje mesmo, as donas, mães de filhos ficam assim: “Dona Maura, no nosso tempo, hein? Dona Maura chegava, todo mundo levantava”. E era assim, mas não é porque eu exigia, não, sabe? Porque eu detesto. Toda vida eu trabalhei com a maior simplicidade, eu gostava, conversava com os meninos e sempre falava: “Olha, eu quero que vocês sejam meus amigos, não tenham medo de mim porque eu não sou bicho, então, eu quero ser amiga de vocês”. Então, todo mundo me respeitava. Eu chegava numa sala pra dar um aviso, quando chegava na porta todo mundo levantava. Eu falava: “Não, pode sentar, pode sentar, nós vamos conversar”. E não tinha essa bagunçada de hoje não, sabe? Os meninos respeitavam as professoras, e quando um saía mais ou menos da linha, a professora mandava lá pra mim, na diretoria, então eu conversava, nunca xinguei, só conversava. Então um dia uma menina saiu de lá, mais de uma, umas duas ou três. Saíram, foram pra sala e falaram assim: “Dona Maura, a gente entra na sala, a gente sai até agradecida”. Porque eu sabia tratar, tanto que até hoje todo mundo me respeita muito, essas pessoas, esses mais velhos, é dona Maura, e me trata assim, com delicadeza e fala com os filhos: “Ó, dona Maura, no tempo dela, ninguém fazia o que vocês fazem”, então eu fico feliz
P/2 – Dona Maura, e como é a história dos teatros que a senhora organizava? As músicas?
R – Olha, eu organizava os teatros, eu que providenciava as peças. E quando eu vim do colégio eu trouxe muita coisa, muito bailado, muita coisa bonita porque lá no colégio tinha muita festa, a gente participava. Então eu tinha muito recurso e tudo o que eu trouxe de lá eu passei, inclusive aquela oração que Lena leu, aquela oração eu trouxe, e todos os meninos rezavam de manhã na entrada da aula e todos decoraram. Essa turma mais velha aí, todo mundo reza essa oração até hoje. Todos sabem. E as peças, eu já procurei pensar muito sobre, eu sei que a gente, que o Joãozinho e Maria nós chegamos a passar essa peça. As cozinheiras. E drama, a gente decorava coisas longas, sabe?
P/2 – Mas era na escola que fazia o teatro?
R – Não, eu fazia com os meninos da escola e fazia com as pessoas da comunidade. Eu tinha muito, aqui tem muitos que eu acho a maior graça, os rapazes, por exemplo, de acordo com a parte, né, por exemplo, do drama. Eu convidava, eu olhava quem dava certo, e todo mundo, era da comunidade. E todo mundo ia ao teatro, no dia, Jesus, todo mundo. O salão ficava cheio porque a gente fazia o palco, tudo a gente tinha que fazer porque não tinha, né? Então eu lembro que levava aquelas tábuas, fazia o palco, cortinas, então era tudo semelhante, mas tudo assim, com dificuldade. Mas eu sei que todo mundo gostava e ia. Eles aplaudiam, eu ficava ansiosa, né, mas dava tudo certo. Eu cantei muito, eu cantava samba, teve samba que eu cantei no teatro. Eu lembro de uma, deixa eu ver. Ah, mas acho que não vou cantar não
P/1 – Ahhh!
P/2 – Canta! (risos) Começou, agora vai
P/1 – É, levantou (risos)
P/2 – Só um pedacinho, vai
R – [cantando] “Sou brasileira dengosa, uma sambista sem rival. E sambando eu sou formosa, todos me invejam dançar. E sambando eu sou formosa, todos me invejam dançar. Não há sobre a terra outra dança que é igual e não há. É feiticeira, a brasileira no samba original”. É isso aí. Mas a gente cantava, cantava música de duas vozes, tinha muita gente. Aqui muita gente tem voz boa, então eu sempre fui segunda voz nos cantos
P/2 – Dona Maura, me corrija se eu estiver errada, mas pela história que a senhora está contando, a senhora era uma mulher um pouco diferente da maioria, certo?
R – Eu...
P/2 – Não queria casar, produzia teatro, foi estudar fora
R – (risos)
P/2 – Como é que era isso? Uma cidade tão pequena, num lugarejo tão pequeno
R – Pois é, eu não sei, mas foi assim. Meu pai resolveu, Zé de Almeida é outro amigo, resolveu que Edwiges também fosse e nós duas fomos junto com Norma Bahia, de Pedro Leopoldo, mulher de Albertinho, ela também foi minha colega lá. Ah, nós éramos poucas. Dessa região aqui era Norma, Edwiges e eu. Agora em Belo Horizonte estudavam Eugênia e Elza. E parece que a primeira que formou, foi Nair Bastos, parece que foi. Mas eu tinha coral, formei coral lá na igreja, tinha turma, e o coral continua
P/1 – Mas isso era independente da escola, é isso?
R – É
P/1 – Era um grupo que a senhora começou a organizar, de colegas, o que era?
R – Isto
P/1 – Era um grupo de amigos que começou a fazer esta produção cultural, digamos?
R – Isto. Cultural
P/1 – E estes textos, por exemplo, quem escolhia? Como se organizavam, por exemplo?
R – Pro teatro?
P/1 – É, pro teatro, ou mesmo o samba, como vocês organizavam?
R – Isso aí eu que organizava, os números todos, a responsável era eu
P/1 – E quem fazia parte desse seu grupo?
R – Aqui tinha Eni Martins, Zenir, Zenite minha irmã, Herculano meu irmão, Geraldo, o caçula de casa fez muita parte em teatro e ele era muito bonito, ele com Maria Pereira, Maria Pereira é minha cunhada. Também era engraçadinho, quando os dois chegavam no palco era muito aplauso mesmo e os dois faziam uma gracinha
P/2 – E o seu Abel?
R – Abel? Abel tocava. Abel, Zé Ribeiro, tinha um tal de Dico
P/1 – Eu só queria entender um pouco mais dessa escola porque a senhora saiu daqui e era uma escola rural, multisseriada, foi, passou a vida fora, estudando. E quando você volta como profissional, como era essa escola? Era a mesma, já tinha mudado? Como foi?
R – Era mais ou menos a mesma porque continua como primeira, segunda e terceira. Quando eu cheguei aqui é que eu consegui a quarta série e o jardim, eles falavam pré-escola, os meninos de seis anos. Então eu consegui, com muita dificuldade, uma classe de seis anos e a quarta série. E nós ficamos muitos anos só de pré à quarta série. Depois o Agenor, meu irmão, ele era vereador, então ele trouxe aqui José Bonifácio, que era o Secretário da Educação na época. Trouxe o José Bonifácio e Sessé, doutor Hélio, estiveram aí também, nós tivemos uma reunão lá na sala da banda e então a gente, e o José Bonifácio prometeu que ia autorizar a extensão de série, para a quinta série, então aí nós tivemos, logo ele providenciou e deu autorização para funcionar a quinta série. Depois no ano seguinte, nova autorização para a sexta, depois sétima, depois oitava, sabe? E quando nós conseguimos autorização para a quinta série, a turma toda antiga, 18, 20 anos, 17, todo mundo voltou pra escola, então era só adulto mesmo na escola, a primeira turma foi quinta série, daí eu tenho impressão que a primeira turma formou em oitava série, não sei se foi em 60, acho que mais ou menos, eu não tenho muito assim, ou 69, foi a primeira turma da oitava série. Aí já veio uma facilidade maior, eles já começaram ir pra Pedro Leopoldo, alguns, pra fazer o curso de Magistério. Tanto que antes de eu sair, alunos nossos trabalharam comigo na escola
P/1 – Acho que a senhora passou toda Fidalgo nessa escola, né? A senhora conheceu muitos desses alunos que são moradores até hoje
R – Nossa, conheço todo mundo
P/1 – Você se lembra de algumas histórias, de alguns alunos, alguns casos, né? De umas figurinhas aí que hoje estão aí?
R – Na época?
P/1 – Por exemplo, que aprontaram ou que eram bons alunos e que hoje tá aí, hoje é vereador, hoje é professor na outra escola
R – Tem engenheiro que passou por essa escola, diretoras lá de Pedro Leopoldo
P/1 – Como diretora, por exemplo, da escola?
R – É, Marta Silva foi aluna daqui e foi diretora, não sei se continua. Ana. Ah, é. Ana diretora; Maria Antonieta, escritora, ela fez até aquele livro, o primeiro livro dela foi Fundo de Quintal. Passou por aqui. Deixe-me ver...
P/1 – Nesses anos, por exemplo, na Educação. A senhora se lembra de algum momento, algum desafio que foi marcante, algum período, enfim, como na sua profissão que está em contato com os pais, os alunos, com a prefeitura. A senhora se lembra de causas e queira compartilhar com a gente?
R – [silêncio] Eu lembro de uma, assim, coisa que aconteceu?
P/1 – Sim
R – Por exemplo, uma professora, porque não existia mais no meu tempo, não existia mais vara na escola, né? A que foi minha professora, de vez em quando ela punha uma varinha debaixo do braço assim, sabe, quando ela me via ela tirava, ela não ficava. E uma professora beliscou a manga da blusa da menina, era Justina. Então ela deu tanto beliscão na menina que inchou. Então isso daí, nossa senhora, deu uma confusão, os pais acharam ruim, queriam denunciar, então eu chamei, conversei tudo, então falei muita coisa com os pais e eles querendo ir até pra Secretaria de Educação, eu falei: “Não, isso aí é coisa da escola, vamos resolver aqui mesmo”. Então, acalmaram e não deu em nada. E a professora quase morreu de aperto. E outra professora, uma menina conversava sem parar, então ela escreveu numa folha: “Linguaruda”, pregou nas costas dela e fez ela sair. Quando a menina chegou em casa e a mãe viu, né, nossa senhora! Foi outro. Aí a mãe veio achando muito ruim, xingou muito, mas mais uma vez eu acalmei, não teve nada. Mas isso aí foi uma coisa que eu falei, nossa senhora, foi uma coisa que eu fiquei triste com isso, mas a menina saiu com linguaruda escrito bem grande nas costas
P/1 – Esses professores antigos, né? Dona Maura, tem alguma história que a gente não perguntou que a senhora gostaria de contar? Porque no fim tem a vida inteira, né? A gente foi conversando um pouquinho, tal, mas tem alguma história que você gostaria de registrar que a gente nem tocou no assunto?
R – Nós temos aqui uma banda de música que eu fui presidente uns seis anos ou mais um pouco. E nessa época a banda não tinha os músicos, todos deixaram a banda, só tinha dois antigos e com a Bel e o Zé Ribeiro, meu cunhado, só os quatro mais antigos. Então, eu consegui uma turminha de adolescentes e formamos a banda, eu convidei um professor de música, ele veio, deu aula pros meninos e consegui também, logo eu consegui instrumentos novos na Secretaria da Cultura, em Belo Horizonte. Consegui parece que 18 instrumentos novos, aí todo mundo ficou entusiasmado, mandei fazer uniforme e todos ficaram assim. Na primeira festa, isso aí o professor trabalhou os primeiros meses do ano, logo que eu entrei como presidente. E na festa de julho, de Nossa Senhora, que é a padroeira, Nossa Senhora da Conceição, os meninos já tocaram, então foi muito bonito, só gente nova. Aí a banda ficou, nós fizemos encontros em Sete Lagoas, em Prudente Morais, participamos muitas vezes do desfile em Pedro Leopoldo junto com a banda da Cachoeira Grande, cada um ficava com uma escola, então foi muito bom, houve muita participação. E a secretária da cultura da prefeitura, ela deu muito apoio, sabe, e eu sei que foram anos bem proveitosos
P/1 – Que bom
R – E temos também a Conferência de São Vicente de Paulo, que eu também tomei parte, fui vice-presidente muitos anos, depois passei à tesoureira e faço a escrituração da conferência, desde que entrei pra conferência, mas eu entrei pra conferência depois que aposentei, e já tem 20 anos que eu aposentei
P/1 – Desculpa, o que é a conferência?
R – Conferência de São Vicente de Paulo
P/1 – O que é? Eu não conheço
R – Não?
P/1 - Conferência de São Vicente de Paulo é uma instituição beneficente, quer dizer, ela olha essa parte, dificuldade das pessoas, a gente visita. As pessoas mais carentes recebem cestas e a comunidade toda colabora, então nós temos os colaboradores da comunidade e outras pessoas. Temos as pessoas que trabalham na comunidade, a gente passa a imagem de São Vicente, visita as pessoas, então cada pessoa que ele visita, as pessoas da casa saem com uma sacolinha e pedem donativos, então no fim da semana aquela pessoa que colaborou trabalhando leva o dinheiro para a conferência, a conferência tem a contabilidade direitinha. O que faltar a gente compra, está sempre olhando essa parte, esses carentes e também a gente olha a parte espiritual, a gente vai, a gente reza com a família, a gente tá conselhos, então é uma sociedade, ela é de utilidade pública
P/1 – Isso até hoje?
R – Até hoje. E ela já funciona há mais de 100 anos. Só o meu cunhado, esse que faleceu há dois anos, ele foi vicentino mais de 50 anos, e lá até no dia que nós conseguimos construir a casa de São Vicente de Paulo, que não tinha, então nós temos uma casa boa, com cozinha, tem a sala de reuniões, e tudo isto trabalhando junto com a comunidade. E no dia da inauguração da casa eu convidei o padre, ele esteve lá pra dar a benção, colocamos a placa, tem lá a placa com a diretoria da época, então Luz Martins era presidente, eu a vice e Zenite, minha irmã, secretária e continua até hoje, e tesoureira é Raimunda. Eu sei que tem lá na placa, e tem o dia que ela foi fundada, só que eu não lembro agora, mas há muitos anos. O fundador já tem muitos anos que morreu, já deve ter mais de 30 anos
P/1 – E só uma coisa. Hoje, pra senhora, o que é mais importante pra você hoje, dona Maura?
R – Pra mim?
P/1 – Isso
R – Deixe-me ver. Com relação à comunidade? Porque o mais importante pra mim é a minha família porque é a família em primeiro lugar. E, graças a Deus, né, na minha casa, quando solteira eu tive uma vida que eu não posso reclamar, só tenho que agradecer a Deus. E depois de casada também, graças a Deus sou muito feliz e a gente procura dar bom exemplo pra minha filha, pro meu genro, que é Adriano, eu sempre falo com ele, que nós queremos passar pra eles aquilo que nós somos, que nós vivemos. E outra coisa que eu acho muito importante, que eu gosto muito da minha comunidade, sou amiga de todo mundo e gosto muito de ajudar, mas o meu modo de ajudar é assim, eu respeito aquela palavra, e Jesus nos ensinou: “O que fizer com a mão direita, que a esquerda não saiba”, então eu gosto muito de ajudar, mas assim, que fique entre mim e Deus, então eu levo minha vida assim. E graças a Deus a minha vida, tudo o que tem acontecido pra mim é gratificante porque eu falo muito assim, eu não pensava de ficar como eu estou, mas mesmo assim eu não reclamo de nada porque eu acho que Deus tem um plano pra cada um de nós, então isto está dentro do plano d’Ele; pra mim o sofrimento é bom para o aperfeiçoamento espiritual, a gente cresce. Então eu levo minha vida assim, bem feliz, graças a Deus
P/2 – Esse projeto é um projeto de resgate da memória, né? Então assim, na visão da senhora, o que a senhora acha que é importante não se perder aqui na região? O que a senhora acha que é uma coisa que tem que continuar, manter viva?
R – Bom, eu acho que a gente nunca deve esquecer o que é bom na comunidade, então toda essa parte, a religiosidade eu acho muito importante, essas atividades que acontecem aqui, o folclore, não pode ficar esquecido. Eu acho que tudo o que é bom a gente deve conservar e procurar melhorar o que não está bom, não é? E uma coisa que eu acho também, o que nós temos preocupação é com a juventude. A gente gostaria que a juventude fosse mais olhada pra não acontecer tanta coisa, né, que está acontecendo ultimamente
P/1 – Ok, mais alguma questão? A senhora gostaria de falar? Bom, então em nome do projeto, do Museu da Pessoa, do Instituto Camargo Corrêa, muito obrigado dona Maura, pela entrevista
R – Por nada
P/2 – Obrigada, dona Maura. Mais uma vez, né?
P/1 – Mais uma vez, muito obrigado!
R – Por nada, às ordens
FINAL DA ENTREVISTA
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