Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Antonia Marta Feitosa da Costa
Entrevistada por Karen Worcman
Almeirim, 27 de julho de 2013
Realização Museu da Pessoa
HVC065_Antonia Marta Feitosa da Costa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Eu ia começar porque eu vi que todo mundo chama a senhora de Dona Marta, mas o seu nome é Antonia Marta.
R – É Antonia Marta.
P/1 – A senhora sabe a origem do seu nome, por que a senhora chama Antonia Marta?
R – Olha, porque a minha mãe queria que fosse Antonia, meu pai queria que fosse Marta, aí eu me identifico mais com Marta, eu gosto mais de Marta, então depois que eu fiquei de maior idade, aí eu troquei, eu fui no cartório e inclui Marta.
P/1 – Mas desde o início não tinha Marta?
R – Não.
P/1 – Era Antonia Feitosa?
R – Era Antonia Feitosa.
P/1 – Eles tratavam a senhora por Antonia?
R – Por Marta.
P/1 – Ah, mesmo que não tivesse sido registrada eles chamavam, a sua mãe chamava de Marta?
R – Todo mundo só me chamava de Marta, é por isso que eu incluí, como não pode ser Marta Antonia, aí ficou Antonia Marta.
P/1 – Então a senhora foi lá e incluiu Marta?
R – Foi.
P/1 – A senhora gosta mais do nome de Marta?
R – Gosta mais de Marta.
P/1 – Marta é o nome que quem que queria, era a sua mãe ou seu pai?
R – Minha mãe.
P/1 – Me conta um pouco quem era a sua mãe, como ela chamava e como é que ela era.
R – A minha mãe chamava-se Francisca Pereira da Silva, foi uma boa mãe, uma senhora muito dedicada, morreu aos 75 anos.
P/1 – Da onde que ela veio?
R – Do Acre.
P/1 – Do Acre?
R – É, minha mãe era acreana, veio do Acre.
P/1 – O que a senhora sabe da história dela, alguma coisa?
R – O que ela me contava, que ela veio muito pequena do Ceará com o pai, foram para o Acre, e lá do Acre ela já saiu já casada com o meu pai.
P/1 – O pai dela foi fazer o que no Acre?
R – Olha, ela dizia que ele queria conhecer e tal e foi pra lá e pra lá ficaram.
P/1 – Mas ele era seringueiro?
R – Não, ele era, não, não, não era seringueiro, não, a profissão do meu avô, minha mãe fala que ele era, assim, ambulante, vendia as coisas assim.
P/1 – E aí ela conheceu o seu pai lá no Acre?
R – Lá no Acre e casou com ele.
P/1 – Ou seja, seu pai também era do Acre?
R – Meu pai cearense também, meu pai era cearense.
P/1 – Todos foram pro Acre e o seu pai?
R – Estava no Acre.
P/1 – Estava no Acre?
R – Estava no Acre quando se conheceram.
P/1 – Ele era seringueiro?
R – Não, meu pai não era seringueiro.
P/1 – O que ele era?
R – A minha mãe conta que depois que ela, ela primeiro foi viver com ele, depois casou, aí vieram pra cá pro Pará, aqui.
P/1 – A senhora sabe o motivo, por que os dois vieram pra cá?
R – Porque na época a notícia era muito grande que a balata estava dando muito dinheiro, e ele já foi cortar balata na época.
P/1 – A senhora pode me explicar, Dona Marta, o que é cortar balata?
R – Corta balata é o seguinte, é uma árvore, essa árvore, ela dá leite, um leite, aí as pessoas têm que ter um aparelho, eles têm que ter um aparelho, parece assim tipo um soldado, sabe?
P/1 – O aparelho é um soldado?
R – Parece, o soldado se paramenta de bota, de tudo, e o balateiro, ele tem que ter umas botas, eles têm que ter um cinto que atraca por aqui, bota um arame, vai se puxando no pau, ele corta da raiz do pau até onde tem os galhos da árvore.
P/1 – Vai subindo assim pelo pau?
R – Vai subindo, cortando.
P/1 – Cortando como, Dona Marta?
R – Eles cortam assim, aqueles golpes, não pode ser muito de atravessado assim, não, o pau, agora, vai deixando um saco aonde vai pingando aquele leite, vai pingando aquele leite, aí eles deixam lá, quando sai todo aquele leite eles voltam pra colher aqueles sacos todinhos, aí já tem uma vasilha grande, uma bacia muito grande onde eles vão depositando aquele leite.
P/1 – Joga o saco assim dentro da vasilha?
R – Joga o leite, o saco não, o saco vai aproveitar pro outro dia, é só o leite.
P/1 – Joga o leite e faz o que com esse leite?
R – Aí esse leite fica lá, quanto eles já têm uma boa quantidade, que dá 50 quilos, 60 quilos, aí eles vão, coloca noutra bacia no fogo, aí vai mexendo, mexendo, até virar aquele elástico, aquele, aí é que é a balata que se chama.
P/1 – Essa bola de balata?
R – Essa bola, faz uma bola grande.
P/1 – Que chama como, chama bola de balata mesmo?
R – É bloco, bloco de balata, nesse bloco eles têm que furar, fura pra meter o arame, que é pra colocar umas bóia pra essa balata vir de muito longe, passando cachoeira e cachoeira e cachoeira pra poder chegar aqui.
P/1 – Aí ela chega aonde?
R – Chega no Porto do Recreio, até lá onde já não tem mais cachoeira, aí embarca nos barquinho e traz pra cá que é pra poder entregar pras pessoas que compram.
P/1 – O porto de comprar a balata aonde é, aqui em Almeirim?
R – Aqui em Almeirim, agora faz muitos anos, parou esse negócio de balata.
P/1 – Mas me explica uma coisa, quer dizer, a pessoa fazia as bolas de balata.
R – Os blocos, chama bloco.
P/1 – Bloco de balata e joga no rio?
R – Joga, aí faz o arame, tem o arame, sabe o que é arame?
P/1 – Sei.
R – Uns arame grosso, aí mete aqui.
P/1 – Quantos blocos por arame?
R – Dependendo, tem arame muito grande que cabe 12, 14, entendeu, aí vem aquela jangada, aquele bocado de arame.
P/1 – Mas não vem ninguém acompanhando?
R – Vem, tem que vir acompanhando, uma canoa, quem leva é a água mesmo, entendeu, sem remar não pode.
P/1 – E a canoa vem do lado?
R – A canoa vem do lado, quando chega na cachoeira ele solta, ela vara do outro lado da cachoeira, aí já tem que está lá pra pegar pra tornar a fazer o mesmo processo.
P/1 – Então, por que, quando chega aqui como é que sabe quem é que vendeu aquela balata?
R – Porque, vamos dizer, eu vou pro balatal, aí você tem a mercadoria pra vender, você me oferece dinheiro, aí eu tenho compromisso com você, aí eu compro a sua mercadoria, você me dá o dinheiro pra deixar com a minha família, tudo, eu vou trabalhar, quando eu chegar eu entrego pra você.
P/1 – Mas eu quero comprar a balata, eu vou pegar essa balata aqui em Almeirim, não é?
R – É.
P/1 – Então eu encomendo da senhora, vai, eu encomendo bloco?
R – É.
P/1 – Eu pago por bloco?
R – Toneladas de balata, é no peso.
P/1 – Eu pago direto pra quem faz a balata?
R – Você paga direto pra mim, eu que cortei a balata, você paga direto pra mim, agora, você já exporta pra Belém, pra outro canto.
P/1 – Mas em geral, por exemplo, paga pra quem faz a balata ou tinha alguém que cuidava disso?
R – Não, não, é o seguinte, tem que ter o líder, eu, por exemplo, levo você, ele, outro e outro pra trabalhar comigo porque eu tenho que trazer bastante, agora, eu entrego pra pessoa que me vendeu, que confiou em mim, aí ele me paga, eu vou pagar os outros, que aí a pessoa recebe e vai pagar os seus liderados.
P/1 – Eu queria, antes da senhora me contar como foi feito, quer dizer, qual que é a diferença entre a balata e a seringa?
R – Porque a seringa eu não sei te explicar bem, eu nunca cortei seringa, mas eu sei que ela também é um látex, é igual quase a balata, tira o leite, cozinha, quase a mesma coisa, sabe, só que a seringa você não sobe na madeira, é cortada embaixo, isso eu sei bem.
P/1 – A árvore que dá a balata é uma árvore muito alta?
R – Uma árvore muito alta, alta e reta, que a pessoa vai subindo naquele arame, vai subindo, subindo, subindo, até chegar no último, eu, por exemplo, eu coloquei todos os preparo, mas eu não consegui subir.
P/1 – A senhora não subiu?
R – Eu cortava até onde dava, fazia, não sei se você vai saber o que eu vou dizer, que é um jirau, vamos dizer, um jirau assim, pegava a madeira, colocava pra mim cortar até onde dava.
Aí tinha dias que eu não ia cortar balata, eu ficava em casa pra fazer a comida pros que trabalhavam pro meu esposo, aí fazia a alimentação pra eles, lavava a roupa deles tudo, aí eu ganhava, eles me pagavam tudo com o leite da balata.
P/1 – Vamos voltar lá atrás.
A senhora vai me contar melhor tudo do início, o lugar e a data do seu nascimento.
R – É Almeirim, eu nasci 3 de março de 1943.
P/1 – A senhora é a primeira, segunda?
R – Não, sou a terceira.
P/1 – Quer dizer, então vamos recuperar, os seus pais vieram do Acre.
R – Foi.
P/1 – E chegaram aqui.
R – Foi.
P/1 – Atrás da balata.
R – Atrás da balata.
P/1 – E aí o que aconteceu até a senhora nascer?
R – Não, eu cheguei aqui quando, o meu pai, quando o meu pai, eu cheguei aqui com os meus pais, com dois anos meu pai morreu, com dois anos que meu pai estava cortando a balata ele morreu.
P/1 – A senhora sabe de quê?
R – Ele foi envenenado pelos índios.
P/1 – Pelos índios?
R – Foi.
P/1 – Como é que foi, por que, eles brigavam com os índios?
R – Não, não, meu pai, o que contaram pra minha mãe, que os índios gostavam muito dele, e tinha um índio lá que todo dia ele queria a mesma coisa, ia lá comprar, pra matar uma caça tem que ter pólvora, chumbo, você sabe disso, espoleta, e todo dia ele ia comprar a mesma coisa e o meu pai vendia, quando foi nesse dia meu pai disse que não tinha, mas tinha porque todo dia ele comprava, aí meu pai comia muito a alimentação que eles faziam, eles gostavam muito dele, ele comia.
Aí ele foi pra lá preparou e trouxe, o que eles contaram, só isso, aí meu pai comeu, com poucas horas ele deu uma dor muito grande e ele morreu imediatamente e eu tinha dois aninhos, aí dois anos, quando foi quando foi que eu ia completar três anos a minha mãe, aí a minha mãe casou com outro, foi quem me criou.
P/1 – Como ele se chamava?
R – Pedro Menezes da Silva, aí foi que eu também andei no balatal com eles, quando tinha mais.
P/1 – Então era a senhora, a sua mãe?
R – A minha mãe e já o segundo, já o pai de criação e a minha irmã, nós ficamos duas irmãs.
P/1 – Do seu pai?
R – Do primeiro matrimônio, duas irmãs, eu e a minha irmã.
P/1 – E aí, e esse segundo esposo da sua mãe era, a senhora se dava bem com ele, ele foi uma boa ou ele era, não era bom?
R – Era mais ou menos (risos).
P/1 – Conta pra mim como que ele era.
R – Não, a gente sofreu um pouco com a minha mãe, porque a minha mãe, na época a minha mãe casou muito nova, ela tinha 12 anos e quando ela passou, quando ela casou com esse outro ela tinha 18 anos, não, ela tinha 19 anos, ele tinha 18 e ele não gostava nem que eu chamasse de pai pra ele, com três aninhos, fazer quatro anos, ele não gostava que eu chamava de pai pra ele, ele maltratou muito a gente.
P/1 – Ele batia em vocês?
R – Batia, batia, na época batia.
P/1 – E a sua mãe achava normal?
R – Aí a minha mãe é daquele mulher que ela sofreu muito, mas foi até o final.
P/1 – Com ele?
R – Com ele.
P/1 – Ele bebia?
R – Não, não, era bom mesmo, meu pai era muito trabalhador, meu pai que eu digo o que me criou, que o outro eu não conheci, muito trabalhador, agora homem, trabalhava em roça, na época ele ainda trabalhou na balata, mas eu não me lembro disso aí.
P/1 – Ele era o que, ele era impaciente com vocês, ele não tinha?
R – Impaciente.
P/1 – Então o que a senhora lembra dele, assim, o que a senhora sentia quando era criança com ele?
R – Eu tinha medo, tinha muito medo, quando dizia que ele tava chegando em casa eu já ficava triste pensando que ele ia chegar, porque por qualquer coisa batia na gente.
P/1 – Ele batia como, Dona Marta?
R – Batia com cinto, com tapão, com corda, qualquer coisa, naquele tempo não tinha conselho tutelar, minha mãe sofria muito por isso.
P/1 – Ele batia nela também?
R – Batia, chegou a bater, chegou a bater, eu dizia: “Mãe, deixa esse homem, mamãe, vamos embora”, aí depois a gente trabalhava junto com ele, se era na roça trabalhava junto, se era pra tirar castanha trabalhava junto, todo tempo junto.
P/1 – Por que a família era pobre?
R – Era uma família pobre.
P/1 – Vocês moravam aonde?
R – Depois que a minha mãe, depois que ele deixou de cortar balata nós viemos pro Recreio, pro Paru, aí em vez da balata já era castanha e a roça.
P/1 – Disso que vocês viviam?
R – Disso que a gente vivia, a gente era assim uma família pobre, mas que a gente nunca andou pedindo nada pra ninguém, nunca faltou, assim, o necessário pra gente, a gente trabalhava muito, mas a gente tinha o necessário, graças a Deus.
P/1 – Vocês iam pra roça também?
R – Ia todo mundo pra roça.
P/1 – Quem ia, a senhora?
R – Eu, a minha mãe, a minha irmã ficava em casa fazendo a refeição, eu, a minha mãe, minha mãe teve 21 partos e 22 filhos.
P/1 – Ela foi tendo mais filho, mais filho depois?
R – Dele.
P/1 – Dele?
R – Ela teve 21 parto e 22 filhos, que teve gêmeos, criamos 12, ela criou 12.
P/1 – O que aconteceu com os outros dez?
R – Os outros morreram, assim, eu não me lembro de todos, eu só me lembro de dois, que um deu um problema muito sério intestinal e morreu e o outro, deixa eu ver, meu Deus, o que foi, naquele tempo, hoje a gente chama derrame, naquele tempo chamava doença não sei o que, eu sei que ele morreu muito rápido também.
P/1 – Então dez morreram dos 22, sobrou 12.
R – Foi, nós somos 12, era 12, agora já morreu mais uma irmã minha, só somos 11.
P/1 – E todo mundo nasceu aqui então, em Almeirim?
R – Na região, todo mundo, aqui em Almeirim, no Paru.
P/1 – Ela tinha os filhos em casa?
R – Todos em casa.
P/1 – Como é que nasciam os filhos, tinha parteira?
R – Com parteira, parteiras curiosas, que nunca tinham feito nem curso, com parteiras.
P/1 – E foi aí que a senhora aprendeu a fazer parto?
R – Não, não, não, o caso foi o seguinte, quando eu deixei de cortar balata, aí é uma história que eu não gosto muito de lembrar, aí deixei, eu não fui mais cortar balata, eu tinha só, eu tenho um filho homem, dois filho homem, não tinha mulher, a mãe dela era prostituta, aí tinha essa menina que ela quando bebia queria matar a criança, aí eu fui lá pedir essa criança pra mim criar, um dia meu esposo disse que tudo que estava se ganhando estava se gastando com ela porque ela era muito doente.
Aí eu fui na casa dos padres franciscanos e pedi um emprego pra ele chorando, que eu queria tratar da minha filha, eu disse pra ele que eu não tinha profissão, mas tudo que ele me desse pra fazer, mandasse eu fazer, eu ia fazer, aí ele mandou eu voltar, me deu, me entregou a parte da cozinha da casa dele.
E lá eu fiquei trabalhando com ele, trabalhava na cozinha, trabalhava na cantina, administrava a casa dele, o primeiro padre que veio aqui, que fez aquele colégio, que fez o hospital que estão reformando aí, aí ele mandou ela pra Belém, mandou ela pra Belém, eu fiquei trabalhando.
P/1 – Mandou ela pra Belém?
R – Mandei, muito mal, ele mandou ela pra Belém, ele mesmo, aí apareceu o curso de parteira, ninguém aqui na cidade quis ir, aí ele perguntou se eu queria ir, eu disse que eu queria, começava no outro dia, me levou de voadeira, eu cheguei lá e fiz o curso de parteira, vim trabalhar aqui no ambulatório, aonde tão reconstruindo.
Aí graças a Deus fazia um trabalho bom, veio uma enfermeira americana, eu trabalhava junto com ela, e com isso eu fui tendo uma amizade, assim, muito grande, porque eu não cobrava nada das visitas que eu fazia em casa, eu não cobrava nada.
P/1 – A senhora começou a fazer parto então?
R – Eu fazia parto, eu aplicava soro, eu fazia tudo que era pra fazer, que eu aprendi, aquelas senhoras, senhoras antigas não ia pro hospital, fazia parto em casa, fazia tudo que eu tinha aprendido dentro da minha profissão.
Aí me convidaram pra entrar na política, eu disse que não, que eu não queria entrar, que eu não gostava de político, que político é mentiroso, aí quando passaram uns tempos, uns meses antes da política, veio um médico, eu trabalhava junto com ele, aí ele me pediu muito pra eu me candidatasse, que sabia que eu ia ganhar, isso que eu não entendia nada de política, aí foi que eu entrei na política, ganhei.
P/1 – Aí a senhora se candidatou?
R – Me candidatei, aí tinha aqui um que foi prefeito, Sebastião Águila, ganhou em primeiro lugar e eu ganhei em segundo, aí depois ele foi a prefeito, fiquei ganhando em primeiro lugar, toda eleição eu era a mais votada, mas eu nunca gastei nada porque o povo votava em mim, eles gostavam muito de mim, votavam em mim.
Aí as coisas foi melhorando, aí depois o padre foi embora, antes dele ir embora ele me apresentou, me deu uma carta de recomendação, eu fui trabalhar na Jari.
P/1 – Então chegamos na Jari, agora vamos voltar de novo lá pra trás, na sua infância ainda, que a gente foi muito rápido, a senhora ficou trabalhando então na roça.
R – Fiquei na roça.
P/1 – O que era o plantio da roça?
R – Toda planta, todo tipo de planta que os agricultores faz, mandioca, banana, todo tipo, querida, a gente planta milho, feijão, arroz, tudo o meu pai plantava e tudo a gente tinha, tudo dava, banana, tudo.
P/1 – Vocês moravam na cidade ou vocês moravam numa casinha na roça?
R – Não, primeiro a gente morava no interior mesmo, no Recreio, morava no interior, lá é interior, no Rio Paru, aí tem uma vila lá, lá que a gente morava, trabalhava no próprio lugar mesmo, só fazia se retirar um pouco, aí quando foi com 14 anos eu casei.
P/1 – Catorze anos?
R – Catorze anos.
P/1 – Até 14 anos a senhora tinha ido à escola ou não?
R – Eu vim estudar já gestante do primeiro filho.
P/1 – Você, até lá era só trabalhar?
R – É, estudei algumas vezes, mas não deu pra aprender nada, vim aprender mesmo já depois de casada, que morava aqui, que fui estudar.
P/1 – Então a senhora casou com 14 anos?
R – Catorze anos.
P/1 – Seu marido a senhora conheceu aonde?
R – Querida, isso é uma história.
P/1 – Ah, vamos lá, vai, uma história de amor.
R – Eu casei, a senhora ouviu falar nos casamentos que tinha antigamente, que o pai dizia assim: “Você tem que casar com fulano” ou então você está sofrendo e você ter que dizer: “Eu vou casar com fulano”, pois é, devido os maus tratos que eu tinha eu não namorei com o meu marido, ele pegou na minha mão no dia do casamento.
P/1 – Mas quem que decidiu que a senhora ia casar?
R – Eu mesmo porque eu queria, eu achava que se eu casasse ia viver uma vida livre, eu só não queria era sair de casa, assim, pra dar desgosto pra minha mãe porque ela foi muito boa pra mim, sofria junto comigo, então eu casei, foi um casamento que eu casei sem namoro, sem nada, aí a gente ainda viveu ainda oito anos.
P/1 – A senhora veio conhecer ele no casamento praticamente?
R – Não, eu não conhecia ele muito, não, conheci pouco, poucas vezes, conversei com ele no dia que a gente se encontrou no jogo, depois conversei umas três vezes, aí perguntou se eu queria casar: “Quero”, aí casamos.
P/1 – Foi assim?
R – Foi.
P/1 – Mas a senhora se importa de me contar um pouquinho o que era esse cotidiano do mau trato que fez a senhora querer sair tão rápido de casa?
R – Querida, eu acredito que eu também não era, assim, muito comportada, eu, vamos dizer, no interior se eu fosse na casa da vizinha, quando eu chegasse meu pai me batia, tu entendeu, se ele dissesse uma coisa pra mim fazer e eu não fizesse direito ele me batia.
P/1 – Quer dizer que era apanhar todo dia?
R – Quase todo dia, então se ele mandasse, se determinasse uma coisa pra fazer, se eu não fizesse direitinho aí eu apanhava, me batia.
P/1 – Isso dava muita raiva dele?
R – Não, eu sou uma pessoa que até agora eu tenho raiva, se você me fizer uma coisa naquela hora, passou, passou, pronto.
P/1 – Mas naquele momento o que a senhora sentia?
R – Ah, naquele momento sentia vontade de ir embora, sentia revolta, sentia muita vontade de ir embora.
P/1 – Sua irmã também queria ir embora?
R – A minha irmã, ela morou pouco em casa, minha irmã morou mais com uma família, ela morou muito pouco em casa.
P/1 – Então ficou mais a senhora?
R – Mais eu, eu que fiquei mais do lado da minha mãe.
P/1 – Dona Marta, eu ia pedir desculpa que eu estava fazendo a senhora lembrar desses momentos difíceis, mas eu queria ver se ainda dava pra entender um pouquinho mais, esse mau trato era um mau trato, assim, de bater muito?
R – Era.
P/1 – Tinha mais coisas nisso?
R – Não, não, não, ele só batia mesmo, agora, era uma pessoa, foi uma pessoa que sempre me respeitou muito.
P/1 – Mas ele batia na sua mãe também muito?
R – Não, na minha mãe ele bateu algumas vezes, em mim que ele batia por qualquer coisa.
P/1 – Era com a senhora que ele tinha pinimba?
R – Era por qualquer coisa ele batia.
P/1 – E nos filhos dele?
R – Os filhos, batia também.
P/1 – Ele era violento mesmo.
R – Ele batia, era violento, ele batia nos filhos, mas como, mas em mim era mais, em mim era muito mais.
P/1 – A senhora tinha algum irmão ou irmã que a senhora se ligou mais?
R – A minha irmã, com a que estava perto de mim aqui, nós somos por parte de pai e mãe, quando ela estava perto, assim, uma comentava com a outra, uma chorava com a outra.
P/1 – Ela tinha que idade, mais ou menos que a senhora?
R – Ela é mais velha do que eu cinco anos.
P/1 – E vocês choravam?
R – Chorava, (risos) quem que não chora quando apanha? Chorava sim, mamãe chorava também.
P/1 – Sua mãe chorava também, mas a sua mãe não quis largar ele?
R – Não, a senhora sabe que as mulheres de antigamente elas quando casavam era, ia até as últimas consequências, hoje não, qualquer coisa, são descartáveis os casamentos, mas antigamente não.
P/1 – Então ela não tinha nem dúvida, ela era muito católica, a sua mãe?
R – Minha mãe, ela era, antes ela era muito católica, depois ela, uns sete anos antes de morrer ela era da Igreja Sétimo Dia.
P/1 – Ela largou o catolicismo?
R – Deixou.
P/1 – Por quê?
R – Não sei, querida, não sei explicar a senhora porque eles, foi ela e o esposo, eu, por exemplo, eu era muito católica, eu saí da igreja católica, trabalhei com os padres franciscanos muitos anos, mas foi conhecimento dentro da bíblia, não foi ninguém que me convidou.
P/1 – Pra sair da igreja, entrar no.
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R – Foi, eu gosto da Igreja Católica, eu estou acompanhando a chegada do papa, estou vendo tudo, mas só tem uma coisa que a bíblia diz que nós não podemos usar, crer nas imagens de escultura e os católicos se espelham muito, São Benedito, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora Aparecida, e o nome que tem ser é de Jesus, ele não dá a glória dele pra ninguém, então comecei a ler a bíblia, ganhei uma bíblia de presente e eu comecei a ler, eu descobri, não foi ninguém que me convidou, foi só por isso.
P/1 – A senhora na bíblia, lendo isso, foi chegando a essa conclusão?
R – Cheguei a conclusão, ali no salmo 115, a senhora lê a bíblia?
P/1 – Mais ou menos.
R – Mas tem que ler, todos nós temos que ler, seja católica, seja crente, mas é uma coisa só, só que a do católico, eles acrescentaram mais uns livros e se você ver a palavra de Deus, diz assim, que não se pode nem aumentar, nem tirar um til da bíblia, e lá no salmo 115 diz assim: “Maldito quem faz e quem adora imagem de escultura”, foi isso que chamou atenção.
Eu só saí por isso, porque o nosso Deus, ele está vivo, ele não tem porque andar com um pedaço de pau pra cima e pra baixo, o nosso Deus, ele é vivo, ele anda, ele é alegre, ele é feliz, já pega o pedaço de pau, fazem o santo, aí anda aquele monte de gente adorando, se benzendo, Deus não quer isso pra nós, querida, só foi por isso que eu saí.
P/1 – Mas isso foi uma conclusão sua?
R – Não, está na bíblia, meu amor.
P/1 – Eu sei, mas foi a senhora lendo.
R – Foi, eu lendo eu cheguei a uma conclusão, eu lendo.
P/1 – E aí o que senhora fez, saiu procurando a igreja, outra igreja, como foi?
R – Não, não, eu, depois que li, porque a bíblia, querida, é o maior dicionário da sua vida, lá ensina tudo, lá diz tudo, então o que eu fiz? Fui pra igreja.
P/1 – Tinha já perto, porque são muitas igrejas, como que a senhora escolheu essa?
R – A nossa é pentecostal, Igreja Assembleia de Deus.
P/1 – Como que a senhora decidiu sair da católica, ir pra Assembleia de Deus, porque são muitas?
R – É, eu fui pra Assembleia de Deus porque eu frequentei a Adventista, aí achei que não dava pra mim, fui em outras igrejas e achei.
P/1 – A senhora foi procurando?
R – Nem tanto procurando porque eu já tinha uma ideia formada, aí eu fui, fiquei na Assembleia de Deus, só é por isso, não falo, não desfaço do católico, respeito, esse papa aí, meu Deus do céu, se ele não tivesse com Maria ali beijando, mostrando, meu Deus, esse homem era um fantástico, eu estou acompanhando, estou vendo, um homem que é, assim, humanitário, é do meio dos pobres, do meio dos necessitados, você já assistiu? É, ele chama muita atenção, mas falta uma coisa, que ele induz as pessoas a Maria, a Maria, ela foi mãe de Jesus, mas ela não tem poder, nenhum santo tem poder, o poder todo está em Jesus, Deus, pai, filho, espírito santo.
P/1 – Isso foi quando, que a senhora chegou a essa conclusão?
R – Noventa e, 72, 73.
P/1 – Ah, faz muitos anos.
R – É, 73.
P/1 – A senhora tinha mais ou menos uns 30 anos.
R – Tinha, é.
P/1 – Me conta, vamos voltar lá, a senhora está com 14 anos, conheceu esse seu marido na beira da igreja.
R – Não, querida, meu esposo não era crente também.
P/1 – Ele era católico?
R – Católico, ele era católico, só que ele foi primeiro e depois eu fui.
P/1 – Mas como foi esse início de casamento, que a senhora nem conhecia ele?
R – Ah, a senhora está falando primeiro matrimônio?
P/1 – Primeiro matrimônio.
R – Pois é, devido aos maus tratos, conversando com ele, ele tinha uma noiva e tinha separado da noiva, a gente ficou conversando sobre a noiva dele, eu também era noiva e tinha terminado o noivado, aí ele perguntou se eu queria casar com ele, foi pouca conversa, foi pouca coisa, aí a gente casou.
P/1 – Como foi esse início do casamento, a senhora foi feliz no início, levou um susto, o que aconteceu?
R – Não, querida, nunca teve essa felicidade, não, sou feliz agora com o segundo, respeitava, trabalhava, tive dois filhos, e tudo, mas felicidade não.
P/1 – Por que, o que era, como era a relação de vocês?
R – Uma relação, assim, muito restrita, ele passava o maior tempo cortando balata, passava seis meses.
P/1 – Ele era cortador de balata?
R – Era, passava seis meses, tratava bem, tudo, mas não existe, assim, um diálogo.
Agora, casamento mesmo foi com o segundo.
P/1 – Mas antes disso, então a senhora casou com 14, vocês foram morar aonde?
R – No Recreio mesmo, Paru.
P/1 – E aí ele foi cortar balata.
R – Foi.
P/1 – E a senhora foi fazer o quê?
R – Eu ficava, eu ainda foi uns três anos com ele pra balata, foi quando eu fui cortar balata, foi com ele, quando eu casei com ele que eu fui cortar balata.
P/1 – Aí a senhora aprendeu a fazer a balata, a cortar?
R – Não, a cortar aprendi, agora, fazer aqueles bloco ali, aquilo é só homem mesmo, é ruim pra fazer, pra mulher fazer.
P/1 – A senhora ia cortar balata.
R – Tirava o leite.
P/1 – Por três anos e depois?
R – Aí depois foi que eu já fiquei, vim embora pra cá pra Almeirim, foi quando eu conheci, fui trabalhar com os padre franciscano.
P/1 – Aí a senhora já tinha quantos filhos?
R – Dois.
P/1 – Depois de três anos a senhora tinha dois filhos?
R – Foi.
P/1 – A senhora veio pra cá, ele veio também, não?
R – Veio.
P/1 – Ele veio por quê?
R – Não, nós mudamos pra cá, mudamos aqui pra Almeirim, aí meu pai veio também, minha família toda,mudou todo mundo pra cá pra trabalhar na colônia, aí depois viemos morar aqui pra cidade, aí isso já passado acho que três, quatro anos, eu acho.
P/1 – O que era essa colônia, que veio todo mundo trabalhar?
R – Não, querida, é porque não tem, não tinha outra alternativa.
P/1 – Mas o que é trabalhar na colônia, o que se fazia lá?
R – Roça, é roça, trabalho de roça, lavoura, plantar tudo, é isso.
P/1 – E aí que foi que a senhora teve essa sua filha também, que foi parar nos padres, é isso?
R – Foi.
P/1 – De lá a senhora continuou casada por quanto tempo mais?
R – Acho que uns quatro, cinco anos, quatro anos eu acho, acho que uns quatro anos.
P/1 – E aí, a senhora foi estudar também, além de estudar pra parteira, a senhora começou a estudar?
R – Quando eu cheguei pra cá eu comecei a estudar, estudava aqui no Colégio Mendonça quando eu fui estudar pra parteira eu já tinha terminado.
P/1 – A senhora foi estudar por quê? Quem que quis que a senhora estudasse?
R – Eu mesma, eu mesma, eu tracei um plano na minha vida, pra criar meus filhos tinha que ter uma profissão.
P/1 – Foi na sua cabeça isso?
R – É, foi, porque eu já tinha trabalhado na roça, já tinha cortado balata, já tinha cortado castanha, eu já sabia tudo do duro que a gente dava, então eu fui estudar porque eu queria uma profissão e eu consegui, graças a Deus.
P/1- Como foi, a senhora estudava de noite, como que a senhora fazia?
R – Era à noite.
P/1 – A senhora entrou em que série?
R – Terceira, terceira, foi a quarta, estudei até a quarta no interior.
P/1 – O que foi de mais importante que a senhora aprendeu, assim, da escola, a senhora lia a bíblia antes, o que mudou na sua vida ter ido pra escola?
R – Ah, muda muita coisa, você ter uma boa leitura, não ter e ter já muda muita coisa, não muda? Aí você já passa a ler melhor, já passa, melhora muito.
P/1 – Isso mudou um pouco a relação com o seu primeiro marido?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Isso não.
P/1 – Só que aí a senhora separou?
R – Separamos.
P/1 – Então agora conta pra mim do seu segundo e melhor casamento, como é que foi?
R – Aí nós nos separamos, ficamos sendo amigo, visitava os filhos, tudo, e meu esposo também separou, na época separou também, aí com um ano e pouco, um ano e meio separada eu fui pra Jari e ele fazia serviço de cartório, ele fazia, lá na Jari, tudo, e a gente era muito amigos antes.
Aí a gente fez um contrato, que a Jari na época não aceitava ninguém, era muito restrita a entrada lá na Jari, não é como é agora que tudo pode, a gente fez um contrato em Macapá e passamos a viver, em 75.
P/1 – Mas a Jari não podia saber?
R – Não era permitido, eu, como funcionária, se eles por acaso soubessem que homem, que não era meu esposo, não tinha nada comigo, fosse na minha casa, eu era chamada a atenção, não podia nem entrar, era muito restrito, pergunta pro Garcilázio, era difícil.
P/1 – Na Jari?
R – É, aí tinha que fazer um contrato, que era como se fosse casada, aí de lá pra cá, graças a Deus, foi tudo, melhorou muito.
P/1 – Mas a Jari controlava, assim, um pouco a vida dos funcionários?
R – Controlava demais.
P/1 – Como é que era isso?
R – Tinha, pra entrar ali não tinha táxi, só era carro da empresa, tinha uma guarita, igual nessas outras cidades, ali pra entrar era tudo revistado.
P/1 – Em Monte Dourado?
R – Era, sim, senhora, tudo, era muito restrito, era muito bom pra gente morar ali, não tinha nenhum comércio particular, não tinha nada, tudo era da Jari, tudo era da empresa.
P/1 – Nós estamos falando da época do americano?
R – Do americano, quando eu fui pra lá, eu fui na época do americano.
P/1 – E aí a senhora foi trabalhar de auxiliar de enfermagem?
R – Foi.
P/1 – No hospital?
R – Não, não, eu trabalhava em frente a fábrica, pra atender toda a peãozada.
P/1 – Era um posto?
R – Era posto de saúde, depois eu fui transferida pro hospital, porque eu precisava sair pras reuniões da câmara, aí eu fui transferida, continuei trabalhando.
P/1 – Enquanto a senhora estava nesse posto qual era o seu trabalho?
R – Fazer curativos, aplicar injeção, dar remédio pros peão quando tinha algum problema intestinal, quando tinha febre, se estava com muita febre ficava na enfermaria, a gente dava injeção, ficava dando assistência, melhorava, se era uma coisa grave botava na ambulância, a gente ia levar no hospital, era isso que era o nosso trabalho.
P/1 – Os peões, eles vinham da onde, Dona Marta, era o pessoal que vinha, era trabalhador de que lugar?
R – O pessoal que vinha de todo lugar, era japonês, era maranhense, era cearense, era de todo canto, de todo canto, tinha muita gente, a gente ali trabalhava mais ou menos com cinco mil e pouco peão.
P/1 – Era muita gente.
R – Era muita gente, muita gente, aí depois que eu fui pra Jari, aí tudo melhorou, ganhava bem.
P/1 – Ganhava bem lá?
R – Ganhava bem, eles davam casa, vinham buscar, a gente tinha transporte pra ir pro trabalho, aí ganhava bem.
P/1 – E os filhos, eles estudavam aonde?
R – Ah, lá tinha escola boa.
P/1 – Isso tudo em Monte Dourado, a senhora foi morar pra lá então?
R – Fui morar em Monte Dourado.
P/1 – E o seu marido que tinha um cartório também?
R – É, ficava aqui, mas sempre estava lá em Monte Dourado.
P/1 – As crianças foram com a senhora pra lá?
R – Foram, foram pra lá, aí já era outra coisa, outra vida.
P/1 – Aí, antes disso, a senhora foi com os padres, a senhora se candidatou, me conta um pouquinho.
R – Não, não.
P/1 – Eu preciso entender esse pedaço, que eu estou um pouco confusa.
R – Eu só me candidatei depois que vim de Santarém.
P/1 – Ichi, esse pedaço, conta um pouquinho o que aconteceu.
R – Ai, Jesus (risos).
Eu já estava trabalhando eu acho que uns três, quatro anos já no ambulatório, a gente chamava ambulatório o hospital lá, quando eu fui convidada, já não estava na casa dos padre, não, eu já estava trabalhando já direto no ambulatório.
P/1 – E a senhora já tinha morado em Santarém?
R – Não, eu estudei só em Santarém, e Belém, eu fiz o curso de parteira em Santarém.
P/1 – Aí a senhora veio.
R – Aí vim, aí depois eu fiz técnico, auxiliar em Belém, que naquele tempo era seis meses, era muito rápido, hoje é um ano, aí foi que eu me candidatei, aí foi pra Monte Dourado como vereadora.
P/1 – A senhora se candidatou primeiro a prefeita ou a vereadora?
R – Não, a vereadora, aí eu fiquei em Monte Dourado, aí tirava licença e vinha pra câmara.
P/1 – Qual que era o seu trabalho como vereadora aqui na câmara, quais que eram as principais questões?
R – O que é que a gente desenvolve? Porque o vereador, ele é pra legislar, aí você faz pedido dos seus projeto pro prefeito, você é aquela pessoa que tem que ver a necessidade do povo pra levar pro prefeito, quando o prefeito é um bom prefeito ele atende o vereador, quando ele não é ele não está nem aí, aí você, se você quer ser um bom vereador você tem que tirar do seu pra poder ajudar, em meu primeiro mandato eu não ganhava nada.
P/1 – O vereador não recebia salário?
R – Não, não era remunerado, não, senhora.
P/1 – Não?
R – Não, era uma gente que não ganhava nada, meu primeiro mandato, quatro anos, dois anos, foi dois anos, a gente não ganhou nada, aí depois que criaram salário pro vereador.
P/1 – Aí a senhora passou a ganhar do Jari e de vereadora.
R – Ganhava.
P/1 – Podia ganhar dos dois?
R – Podia, podia ganhar dos dois.
P/1 – E aí que a senhora veio morar nessa casa aqui?
R – Não, não, não, a minha casa era em frente a Assembleia de Deus, já passou na Assembleia de Deus aqui?
P/1 – Não.
R – Se a senhora passar pela primeira, segunda rua, aí tem a Assembleia de Deus, minha casa ficava lá, primeira rua, pra mim vir morar aqui foi depois de prefeita, que eu troquei minha casa de lá com essa daqui, foi trocada, aí eu fiquei em Monte Dourado, trabalhava como enfermeira e como vereadora.
Aí foi quando me convidaram pra vir me candidatar, eu não me candidatei, o povo que me convidou, tanto daqui como de Monte Dourado, que eu não queria, aí eu tirei licença da Jari, me deram licença, eu me candidatei e ganhei, aí fiquei os quatro anos de licença, quando terminou meu mandato aí eu me aposentei.
P/1 – O que é ser prefeita, Dona Marta, de Almeirim, o que é o dia a dia, qual foi o seu maior trabalho como prefeita aqui?
R – Querida, numa cidade do interior o dia a dia maior é atender as pessoas, como é que se diz? Aquelas pessoas necessitadas sempre, toda hora está ali pedindo pro prefeito as coisa, quando é um prefeito que dá atenção, e quando eu era vereadora o meu sonho, eu dizia assim: “Se um dia eu chegar a ser prefeita da minha cidade”, era fazer uma lancha com tudo pra atender o povo da ribeirinha.
Eu fiz essa lancha, eu mandei fazer essa lancha, uma lancha muito bonita, aonde tinha alojamento pros médicos, enfermeiro, essa lancha se deslocava pro interior e já tinha os dia certo, qual era a comunidade que ela ia atender, já não vinha, o pessoal do interior nem vinha mais pra se consultar aí, aí meu primeiro trabalho foi, trazemo até pra cá telefone que não tinha, não tinha Telepará aqui, Telemar, não tinha.
P/1 – A senhora fez o que pra trazer o telefone?
R – A gente gastou um pouco.
P/1 – Como foi?
R – Convênio, convênio com a prefeitura e não, não teve ajuda do governo, convênio com a prefeitura, aí a gente trouxe, era uma luta, tinha uma cabine, pra você conseguir uma ligação era uma luta, aí eu trouxe, graças a Deus agora não, já melhorou tudo aí, aí eu trouxe, de início eu trouxe a Telepará, que era Telepará na época.
E também eu tinha um sonho na saúde, na educação e na agricultura, esse Garcilázio, esse me ajudou muito, aí nós fizemos, até agora não teve nenhum prefeito pra dar o salário de professores que nós demos, até agora não teve um prefeito pra dar o salário que nós pagamos, pode ver, ele sabe disso, o Garcilázio, a saúde que nem tinha saúde no meu tempo, educação e agricultura não teve.
P/1 – O que a senhora fez na agricultura?
R – A agricultura nós ajudamos os agricultores com transporte, com condições, com técnicos pra ajudar, os técnicos iam pras comunidades pra ajudar como plantar, orientar, entendeu?
P/1 – E na escola, o que a senhora achou que estava faltando?
R – Na educação estava faltando muita coisa, naquela época os professores não tinha treinamento, trouxemos pra treinar, houve um treinamento pra eles que fez servir muito, que hoje era como se fosse a faculdade, naquele tempo gavião, que chamam, era como se fosse a faculdade hoje, e a gente procurou melhorar muito transporte pra eles, porque o professor do interior, ele sofre muito, agora já houve até greve, no nosso tempo não houve isso, então ser prefeito não é fácil quando você quer fazer aquilo que o povo precisa.
P/1 – O que é que dificulta pra senhora fazer as coisas?
R – Querida, mais, o que dificulta mais é a burocracia, da documentação, que tudo você tem que fazer certinho, isso dificulta um pouco, que agora já melhorou muito também, você sabe que tudo agora já melhorou muito, naquele tempo ninguém tinha internet, hoje já tem, é tudo já informatizado, naquele tempo a gente não tinha, tinha que ser na maquinazinha.
P/1 – Mas tinha alguém, que era a oposição da senhora?
R – Oposição, nós tínhamos oposição, como tem até hoje, tínhamos várias pessoas ali que eram oposição.
P/1 – Mas era que tipo de gente que era contra o seu governo?
R – Ex-prefeito, ex-vereadores, sempre tem.
P/1 – O povo que ia fazer os pedidos pra senhora, a senhora recebia muita carta com pedido?
R – Muito pedido, eu chegava, eu sempre chegava oito horas.
P/1 – Me conta o seu dia a dia.
R – Eu sempre chegava oito horas, vinha pra casa três horas pra almoçar, que eu queria atender todo mundo, quando eu chegava em casa, eu tinha uma mesa de 24 lugares, aí sentava pra almoçar, sentava todo mundo que estava lá pra almoçar comigo, aí só fazia tomar banho, trocar de roupa, voltava de novo, aí saía da prefeitura, eu com ele, que ele era o meu chefe de gabinete.
P/1 – O Garcilázio?
R – É, aí eu saía da prefeitura às vezes dez horas, nove horas, onze horas, dependendo, entendeu, mas atendia todo mundo, não queria que ninguém ficasse sem ser atendido.
P/1 – Mas pra atender a pessoa tinha que ir até a prefeitura ou a senhora tinha uma seção de pedido, de carta que chegava pra prefeitura?
R – Não, geralmente o povo do interior não usa carta, querida, é pedido verbal mesmo, difícil, mas a verbal mesmo.
P/1 – Quer dizer, essa coisa de receber pacote ou Correios, tem Correios por aqui?
R – Temos, sempre teve.
P/1 – E aí os Correios servia pra alguma coisa pro seu trabalho ou não?
R – Não, servia.
P/1 – Pra quê?
R – Mas não para quando tinha correspondência de Belém, do tribunal, alguma coisa assim, servia, agora, as pessoas daqui mesmo dar logo assim pro prefeito eles não usam não, é verbal mesmo, você vai, você sai daqui de pés aí uma hora você está cercado, aí um quer uma coisa, outro quer outra, outro quer outra, aí você já marca pra ir pro gabinete, aí dá muita gente, na casa desse prefeito aí não dá uma pessoa, ele sai na rua, não se aproxima dele nenhuma pessoa.
P/1 – Por quê?
R – Porque ele não dá nada, ele não gosta de conversar com ninguém, é por isso.
P/1 – Mas como que a senhora, ninguém consegue atender o pedido de todo mundo, certo?
R – Não consegue, isso aí não.
P/1 – Como é que a senhora decidia o que a senhora ia atender, o que não ia?
R – Até porque a gente conhece todo mundo aqui, então muitas pessoas que a gente vê que vem, porque pessoas que têm condições, aí vem pra tirar proveito, essas pessoas a gente conversava, mostrava pra eles, ou então dava um outro tipo de ajuda, dava outro tipo de ajuda, vamos dizer, o pobre, ele vem atrás de um gás, dinheiro pra comprar comida, ele quer uma casa, se é possível a prefeitura fazer, já outras pessoas que têm mais condições, ele quer o quê? Ele quer um trabalho, ele quer uma empreitada, ele quer alguma coisa, isso aí quando você pode dar você dá, quando você não pode você tem que conversar com eles, principalmente aquelas pessoas que votaram em você.
P/1 – Que botaram, por exemplo, a senhora, todo mundo pra ser eleito precisa de um pouco de dinheiro.
R – É.
P/1 – Quem que botou dinheiro pra sua campanha?
R – Olha, o meu vice, ele era empresário, mas eu tive muitos amigos e o mais pobrezinho que tinha um dinheirinho, eles traziam pra mim, a gente não faz carreata pra prefeito? Eles compravam chapéu pra eles, eles compravam bandeira, eles compravam tudo eles mesmos, o Garcilázio sabe disso, eles mesmo faziam, a minha campanha foi, assim, uma campanha que foi do pobre mesmo, que eles queriam mesmo que eu fosse prefeita, eles ajudaram mesmo, meus cartazes me deram de presente, todo mundo ajudou, eu não tinha dinheiro, querida, como não tenho.
P/1 – Mas a senhora queria muito ganhar?
R – Eu tinha vontade porque eu tinha vontade de fazer alguma coisa que como vereador você não faz, eu tinha.
P/1 – A senhora já tinha sido vereadora quantas vezes?
R – Quatro vezes.
P/1 – Antes de virar prefeita?
R – Sim, foi antes, porque eu fui 20 anos vereadora, porque o vereador, ele não tem dinheiro, ele não tem autonomia, ele só tem o salário dele, e o prefeito não vai pedir pra ninguém, ele faz, ele tem, era essa que era a minha vontade, só que o tempo passa tão rápido que a gente não pode fazer tudo aquilo que a gente deseja.
P/1 – O que ficou faltando?
R – Muita coisa.
P/1 – A mais de todas, o que fez a senhora sair?
R – Muita coisa, eu tinha vontade de fazer um abrigo pros idosos, não deu tempo, eu tinha, outras coisas, outros projeto.
P/1 – Mas a senhora se candidatou de novo?
R – Não, não, não.
P/1 – Não?
R – Não.
P/1 – Por quê?
R – Porque depois que terminou, que eu deixei de ser candidata a gente observou que tem que ter dinheiro agora, só é no dinheiro, se não tiver dinheiro aqui não ganha, é vereador, é tudo, eles pedem muito pra mim me candidatar.
P/1 – A senhora tem que, o dinheiro é pra que hoje em dia?
R – O dinheiro, eles pedem dinheiro pra eles, é individualismo.
P/1 – Como, Dona Marta? Não estou entendendo.
R – Vamos dizer, eu sou candidata, você chega comigo, você vem me pedir dinheiro pra você mesmo, assim que o povo ficou aqui na minha cidade.
P/1 – Eu, como povo, vou pedir, pra votar na senhora vou pedir dinheiro?
R – Vai, pra você votar em mim você quer dinheiro, você quer uma casa, você quer um barco, você quer um carro, aí pede tudo, e quem não tem?
P/1 – Entendi.
R – Entendeu? Esse prefeito aí ele está aí porque ele comprou demais voto, a outra, como tinha menos, não tinha, ela, coitada, perdeu.
P/1 – A senhora era mais pela outra?
R – Eu trabalhei pra ela, porque ele passou quatro anos, não fez nada, como é que vai fazer agora?
P/1 – Ah, ele foi reeleito agora.
R – Foi.
P/1 – Ele, quando a senhora saiu foi ele que entrou?
R – Não, não, não.
P/1 – Quem que entrou quando a senhora saiu?
R – O meu mandato terminou em 96.
P/1 – E aí quem que entrou, que partido que entrou?
R – Entrou o Araci, PMDB também, PMDB.
P/1 – Quer dizer, a primeira vez que mudou o partido foi com esse prefeito daqui?
R – Não, a primeira vez que o PT ganhou em Almeirim pra prefeito foi agora, PT, sempre era PSDB, PMDB.
P/1 – Isso porque a senhora acha que o PT ficou com mais dinheiro, o que aconteceu?
R – Muito dinheiro, muito dinheiro.
P/1 – A governadora era do PT, não é mais.
R – PT também, era do PT também.
P/1 – Mas a senhora acha que a situação, assim, hoje de Almeirim está boa, está ruim?
R – Não, querida, está péssima, ação social, o povo vai lá, não funciona, a saúde é uma tristeza, educação, já fizeram greve aí não sei quantos dias, então.
P/1 – E na região, independente da política, assim, chegou uma barragem aqui, a Jari tá mudando de mão, como é que a senhora acha que está acontecendo aqui?
R – Não, olha, a vinda dessas empresas pra cá ajudou muito, porque muita gente se empregou, se não fosse isso estava difícil, agora, nosso maior problema é que nós, a luz está passando por cima e nós vamos usar esse, não vamos se utilizar dessa energia.
P/1 – Não vão usar a luz, a dessa hidroelétrica não vai parar aqui?
R – Não, senhora, o prefeito não se interessou, vai ter em Porto de Moz, bem aqui, vai ter em Macapá, Monte Dourado, todos esses outros cantos, nós não, vamos ficar de fora.
P/1 – Dona Marta, agora a senhora está num momento, qual que a senhora acha que é o seu trabalho pra frente, o que a senhora quer fazer?
R – Olha, querida, eu ajudo alguns amigos no tempo da política, mas o meu trabalho mesmo é pregar a palavra de Deus, nós temos trabalho na colônia.
P/1 – Então a senhora trabalha como?
R – Trabalho como missionária.
P/1 – Missionária, como é que é o seu trabalho como missionária?
R – Olha, quando eu tinha o meu salário como missionária eu tanto pregava a palavra como ajudava aquelas pessoas que tinham necessidade, porque você, às vezes você chega numa casa a pessoa tem vários filhos, não tem condições, trabalha na roça, tem só aquele pouquinho, a gente ajudava, depois de 2010 ele tirou nosso salário.
Então agora eu só faço levar a palavra porque eu não tenho o que oferecer, a não ser quando eu vou pra Belém, que as outras minhas igrejas se reúnem, aí dão muita roupa usada, calçado, aí eu trago pra eles, porque eu não tenho como ajudar agora, então eu e meu esposo, nós só somos missionários agora.
P/1 – Ele também está trabalhando disso?
R – Também.
P/1 – Vocês passam quantas vezes por semana lá pregando?
R – Às vezes a gente vai sexta-feira, só volta na segunda, às vezes a gente vai todo dia e volta, porque é perto, é uma hora e pouco daqui a lá, uma hora e 20 minutos, a estrada está boa.
P/1 – O povo recebe vocês bem?
R – Ah, adoram a gente, gostam muito da gente.
P/1 – Dona Marta, me fala um pouquinho dos seus filhos, onde eles estão, qual é o nome deles e o que eles tão fazendo.
R – Filho eu tenho em Porto de Moz, tem outro aqui, o de Porto de Moz estudou, se formou em Administração, ele agora está desempregado, o que está aqui se embolou muito na política, mas o último mandato agora ele se candidatou, não ganhou, ele está sem emprego agora.
P/1 – Ele também?
R – Também, está sem emprego, e a minha filha, a caçula está em Belém estudando, ela estava fazendo faculdade quando o prefeito tirou nosso salário, aí ela teve que traçar, agora começou tudo de novo.
P/1 – Ela está fazendo o quê?
R – Ela faz Informática, Bacharelado em Informática, aí está em Belém, trabalha, ela trabalhou, trabalhou aqui mais de um ano, aí agora ela já vai começar a trabalhar lá de novo pra poder pagar os estudos, então é isso.
P/1 – E essa outra daqui que eu conheci?
R – Essa que estava aqui, essa mora na casa dela, é porque a minha neta operou e ele está aqui comigo.
P/1 – Ela está ajudando a senhora?
R – Ela é só doméstica mesmo.
P/1 – Então esses são os filhos que a senhora tem?
R – São.
P/1 – Então agora a situação tá difícil porque os filhos estão desempregados, a senhora tá?
R – Mas esse que está, esse lá que mora em Porto de Moz, ele já vai começar a trabalhar, ele nunca ficou sem emprego.
P/1 – Dona Marta, de todas as experiências que a senhora teve, como agricultora, balateira, política, parteira, missionária, o que a senhora acha que é.
.
.
R – Mais gratificante?
P/1 – Mais gratificante.
R – É ser missionária.
P/1 – De tudo foi o que senhora acha mais importante?
R – De tudo.
P/1 – Por quê? Explica pra gente.
R – Porque eu acho assim, eu estou fazendo um trabalho que é o único que vai comigo quando eu passar dessa vida pra outra, por quê? Porque eu visito sua casa, eu estou vendo seu sofrimento, eu vou orar com você, eu vou, às vezes você está numa situação tão difícil que não quer acreditar mais que existe Deus, que existe nada, eu vou ler aquela palavra, eu vou trazer aquele ânimo pra você aceitar Jesus.
Isso pra mim é muito gratificante.
Eu chego numa casa, tem um doente, aí eu vou, como já trabalhei muito na saúde, sempre aí eu vou ajudar aquela pessoa a amenizar aquela dor, então eu me sinto bem, já na política é boa porque, pro seu lado, porque eu vou te dizer uma coisa, eu não quero aqui, como é que se diz? Ser egoísta, parecer pra você, mas eu tive 20 anos como vereadora, eu ganhava bem na Jari, eu sempre dei muito as coisas, como prefeita, eu vou te dizer, tu está vendo a minha casa, eu não tenho nada, o que eu tenho é isso aí que tu está vendo, minha casa tá precisando de uma reforma desde 2010, eu não fiz, eu não saí com dinheiro, eu não saí com propriedade, eu não saí com carro, eu não saí com nada, tudo o que eu fazia era em prol dos outros.
Eu disse que eu ia fazer nos últimos, nos últimos dias, no último ano fazer alguma coisa pra mim, eu não fiz, Garcilázio sabe disso, eu não fiz, e o que mais me revolta é que tu ajuda tanto, tu ajudou tanto na política e na hora que tu precisa te viram as costas pra ti, tu só vale o que tu tem, tu está me entendendo? E aonde eu estou se eu não tiver, se eles não tiverem o que comer, eu tiver aqui, nós vamos comer tudo junto.
Então eu vou te dizer uma coisa, eu já sofri, quando tu está lá em cima, quando tu está lá embaixo que tu vai pra cima, aí tu te acostuma bem rápido, mas quando tu está em cima, que tu desce de uma vez é difícil (choro), amiga, é difícil.
P/1 – O que a senhora sentiu mais impacto?
R – (choro) Desculpa, (choro) desculpa, é que eu não pude segurar.
P/1 – Não tem problema nenhum.
R –Olha, o que eu senti mais impacto é que eu era acostumada a ajudar as pessoas quando eu recebia meu salário, eu ajudava muita gente pobre aqui nessa cidade, e quando eu fiquei sem salário eles batiam na minha porta, eu não tinha nem pra mim (choro).
Que eu vou te dizer uma coisa, analisando uma infância sofrida que eu tive, lutei tanto por esse objetivo, se eu cheguei onde eu cheguei não foi roubando, foi trabalhando, se eu cheguei na vida política foi porque eu atendia todo mundo muito bem, eu terminava meu expediente no hospital, vinham me chamar uma hora da manhã, meia noite, eu saía com a minha bolsa, fazia parto em casa: “Quanto é, Dona Marta?”, “Não é nada”.
Mas eu não tava visando política porque eu não gostava de política, eu não gostava, Deus transformou meu coração assim porque eu não gostava, aí o pessoal não ia atender, tinha uns enfermeiros aqui, que tem uma área que era só de prostituta, aí não iam lá, quando iam: “Fulano está passando mal, pra senhora ir lá”, eu ia lá, aplicava soro, aplicava injeção se elas estavam passando mal.
Conclusão, eu não sabia que eu estava me preparando pra uma vida pública, quando eu fui candidata essas mulheres foram pra rua, agora o que me dói é eu ter conquistado com tanta luta, vim um homem desse e tirar meu salário (choro).
P/1 – A senhora está reagindo então a isso?
R – Foi muito difícil, querida, no início, muito difícil, até porque eu tinha feito um empréstimo noutro salário, no salário da aposentadoria por tempo de serviço, tinha feito um empréstimo, então quando aconteceu isso eu fiquei recebendo menos de um salário e meu esposo também sem ganho, aí ficou muito difícil.
A senhora sabe que foi difícil no início, mas é aquilo que eu estou lhe dizendo, quando a gente tem fé em Deus, Deus nos encoraja e a gente vence, aí a gente ficou mais unido do que a gente era, nessa crise, com a família, minha família também é pobre, não tinha como alguém me ajudar, o contrário, eu que ajudava, sempre ajudei.
Aí a gente ficou mais unido, procurou ver o que a gente, aí foi que a gente ficou mais no trabalho, sabe, a gente se imbuiu mais no nosso trabalho no interior e 2010, foi junho de 2010, 2011, 2012, 2013.
P/1 – Desde 2010 que ele tirou?
R – Desde, agora que tem uma luz no fundo do túnel, se Deus quiser que nós vamos conseguir, meu esposo também não era aposentado, agora está sendo aposentado, então Deus é poderoso, querida, eu sei que eu vou superar, sabe, não tenho raiva dele, desse prefeito, ele não fez só comigo, não, ele fez com muita gente, pessoas tinham 35 anos de serviço, ele tirou sem ter direito nem de olhar pra trás, ele fez com muita gente, muita gente mesmo.
Então o que eu mais senti, eu vou te dizer uma coisa, olha, nem quando eu não era evangélica, eu nunca fui vaidosa, eu nunca fui, eu sempre fui de querer ajudar as pessoas, entendeu, isso eu sempre gostei de fazer muito, minha casa é cheia, sempre eu gostei de fazer isso, então o que mais eu senti foi isso.
P/1 – Tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de falar?
R – Não, eu acho que, desculpa aí a minha emoção.
P/1 – Imagina, muito obrigada pra senhora, muito obrigada mesmo.
R – Queria tanto que o meu esposo tivesse aqui.
P/1- Quem sabe a gente volta e faz um com ele depois.
R – Pois é, tomara.
P/1 – Obrigada.
R – No balateiro eu não chorei, não, mas, assim, eu vou te ser sincera, duas pessoas, duas pessoas, esse que está agora fazendo um esforço pra que a gente possa voltar a receber e outra pessoa que se colocou, assim, muito, não com dinheiro, mas apoio, que eu acho que um apoio é muito melhor do que um dinheiro, do que o dinheiro, uma palavra, você demonstrar que você é amigo, do que eu chegar com um bolo de dinheiro e te dar e te dobrar as costas, eu acho que é, então que eu me lembro mesmo duas pessoas.
P/1 – É mesmo, Dona Marta?
R – Estou te dizendo, duas pessoas.
P/1 – Disso a senhora não tem mágoa?
R – Não, nenhuma, nenhuma, tenho não, eu oro por eles, que nunca cheguem onde eu cheguei (choro).
P/1 – A pergunta que eu tinha feito pra senhora é que depois de tanta gente que a senhora ajudou, tanto trabalho, se quando a senhora ficou nessa dificuldade.
.
.
R – Só duas pessoas.
P/1 – Quem que ajudou a senhora?
FINAL DA ENTREVISTA.
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