Entrevista de Marcia de Sena Melo
Entrevistada por Torigoe / Daniela
Projeto: Memória de Furnas
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P/1 - Qual que é seu nome completo? Onde você nasceu? E que dia que foi, por favor?
R - Meu nome é Marcia de Sena Melo, eu nasci no Rio de Janeiro, num sábado de carnaval. 14 de fevereiro de 1964.
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P/1 - Os seus pais te contaram como que foi o seu nascimento?
R - Sim! Eu Sou a primeira filha de um casal. Fui muito desejada. Vim de uma família bem pobre, até me emociono, mas muito amada. Nunca passei fome, mas tudo com muita dificuldade. Tenho uma lembrança maravilhosa da minha infância, da minha adolescência, da minha história de vida mesmo.
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P/1 - Sua mãe e seu pai te contaram alguma história com relação ao dia que você nasceu? Como foi a gestação? Como é que foi você nascer num carnaval?
R - Na verdade eu não tenho grandes detalhes do dia do nascimento. Sei que a minha mãe já estava no nono mês, eles estavam até fazendo uma comemoração por conta do carnaval mesmo. Aí a minha mãe sentiu as dores do parto, aí correram. Eu nasci num hospital público, depois teve o batismo, aquela coisa de antigamente, aí faz uma festa para batizado. As fotos que eu tenho, eu não tenho nem muitas fotos, mas as coisas que eu tenho é de um amor muito grande, de ambos, mas principalmente da minha mãe, porque mãe é um laço muito inexplicável. E a minha mãe sempre foi uma batalhadora, eu me vejo muito parecida com ela. Desde pequena, ela fazia de tudo para dar o melhor para gente, para mim e para o meu irmão, ela lavava roupa para fora para a gente poder estudar. A gente morava num lugar, no subúrbio do Rio, mesmo sendo no subúrbio, era um lugar de classe média, era uma rua fechada. Nós éramos a família mais pobrezinha ali. E aí eu lembro, que até o uniforme eu ganhava, minha mãe ganhava das outras crianças, e minha mãe botava no anil, coisa que eu acho que nem existe mais, para poder ficar clarinho, com cara de novo, para eu ir super arrumadinha para o colégio. Tanto eu quanto meu irmão, nós aprendemos desde pequeno a dar muito valor, eu sou até exageradamente comprometida com as coisas, porque nada foi fácil, tudo foi difícil. A minha mãe minha mãe morreu muito cedo, minha mãe morreu com 60 anos, e assim, eu não tenho dúvida que ela abriu mão de muita coisa para dar para gente. Volto a me emocionar, porque realmente é uma história de vida muito bonita, você vê a doação. Hoje, graças a Deus, tanto eu quanto meu irmão, nunca imaginei chegar a uma gerência, vindo de uma família bem pobre, e o meu irmão também é gerente da Dataprev. Eu não tenho dúvida que isso foi semeado nos nossos corações, plantado e a gente dá muito valor, nada foi fácil. Eu também, o meu marido, a gente procura passar isso para os meus filhos, porque mesmo hoje a gente tendo uma condição imensamente melhor do que eu tive, a gente procura sempre mostrar para eles que nada é fácil, que tudo é fruto de trabalho, tudo é fruto de muita dedicação, e que a gente precisa dar valor a tudo, mas principalmente não dá um valor desacerbado ao dinheiro. Porque o dinheiro é consequência, eu preciso do dinheiro para trabalhar, mas eu costumo dizer que a minha história de Furnas e de vida, se tivesse que dá um título para minha história, seria de amor, sonho e fé. Amor, sonho e fé, esse seria o título, de amor sonhe e fé, porque realmente é uma história de amor em todas as minhas fases da minha vida. Meus sonhos, eu agradeço muito a Deus, porque eu nem sou digna de tantos sonhos realizados, eu tenho certeza que isso também foi produto da fé que eu tenho nele, porque eu acredito muito em Deus. Eu não sou religiosa, eu tenho fé em Deus, porque religião é um procedimento, eu não tenho aquele procedimento, eu tenho fé em Deus. Então assim, eu sou muito grata a ele, grata aos meus pais, grata ao meu marido, grata aos meus filhos, e é isso. Fugi da sua pergunta né.
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P/1 - É isso que eu falei para você, não tem resposta certa ou errada. Fica tranquila! Me conta mais um pouco sobre a sua mãe. Qual o nome inteiro dela? E me conta um pouco da família dela, dos seus avós, de onde eles vieram, o que eles faziam?
R - O nome da minha mãe, é uma história até engraçada, Antônia Firmino de Sena, mas ela tinha pavor que chamasse ela de Antônia. Hoje Antônia é um nome que está na moda até, mas ela tinha horror desse nome. Engraçado que ela se intitulava com um nome mais feio ainda, todo mundo da vizinhança só conhecia ela pelo outro nome, que era Lindalva. Se a gente quisesse irritá-la, a gente chamava ela de Antônia ou de Tonha, caraca, ela ficava muito zangada. Minha mãe também veio de uma família bem pobre, na Paraíba, ela veio para o Rio de Janeiro, jovem ainda, para procurar melhores condições de vida. Ela mal sabia ler e escrever, eu dou muito valor, porque ela sempre, mesmo ela não tendo quase nada de educação, ela escrevendo pouco e lendo razoável, mas escrevendo muito pouco, ela sempre procurou nos dar o melhor legado, que era educação. Eu lembro que ela lavava roupa para fora, mas ela me colocou com 13 anos no curso de inglês, eu nem imagino quanto sacrifício ela fez para pagar aquele curso de inglês para mim. Então assim, ela veio para o Rio, jovem, casou com 27 anos, com o meu pai, conheceu também no carnaval, eu tenho uma história de carnaval na minha vida. Casou com meu pai, conheceu meu pai no carnaval. E ela era tecelã, trabalhava na fábrica de tecido, ela teve um acidente, antes de eu nascer e perdeu um dedinho. E com esse dinheiro da indenização... Eles já estavam casados, eles compraram um terreno em Anchieta, que só tinha, ela conta isso, só tinha amor, quando eles foram morar lá. Só tinha amor, barro vermelho. E aí eles construíram uma meia água, e a gente morava naquela meia água, eu cresci na meia água, quarto, sala, cozinha e banheiro. E a gente depois que começou a trabalhar, inicialmente eu, depois o meu irmão, que a gente construiu a casa, que hoje ainda existe. Que é uma casa boa hoje, fecharam, hoje é um condomínio. Apesar que a Anchieta hoje, virou uma terra, um lugar complicado, na época não tinha, era bem agradável, hoje está rodeado de comunidade. Mas o meu pai ainda mora lá. Mas assim, tudo foi com muito sacrifício, tudo com muito sacrifício.
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P/1 - E agora vamos falar um pouquinho do seu pai. Qual que é o nome completo dele e a família dele é de onde? Como que é essa história?
R - Meu pai se chama Valdésio Barbosa de Sena, ele é o filho mais velho de seis Irmãos. Ele era considerado um boêmio, ele era de um lugar chamado Rio Tinto, também na Paraíba, eles não se conheciam, se conheceram aqui, como eu já disse, no carnaval. Era um galã, minha mãe dizia que era super bonito, mas se apaixonou pela minha mãe. E o meu pai na época, também trabalhava numa outra fábrica. Minha mãe trabalhava numa fábrica em Deodoro e o meu pai trabalhava de vendedor de panela. Mas vou continuar, meu pai trabalhava na fábrica Bangu, ele trabalhou bastante tempo nessa fábrica, até se aposentar, ganhava pouco. Depois que minha mãe teve esse acidente, ela se aposentou por invalidez, porque realmente a mão dela ficou, não tinha condições de trabalhar. Aí ela começou a lavar essas roupas para fora, para poder a gente estudar. Meu pai também sempre foi um super pai, bastante dedicada para família, até hoje ele um fofo, ele mora ainda em Anchieta, hoje ele tem 86 anos, mas é lúcido, não usa nem óculos para ler a Bíblia. Aquela letrinha pequenininha da Bíblia ele lê, claro, tem assim, alguns nuances de esquecimento, por conta da idade, mas é apaixonado por mim, pelo meu irmão e pelos netos. A pandemia de uma afastada, mas a gente se fala sempre e de vez em quando eu ainda vou lá. Ele ficou com bastante medo da pandemia, então assim, ele ficou com medo de sair de casa, a gente vai, ele fica o tempo inteiro de máscara. Agora teve aniversário do meu filho, ele veio aqui, mas a gente sente que ele fica ansioso, por conta da idade, mas é um fofo, um homem exemplar.
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P/1 - Márcia, qual que é o nome do seu irmão? E como que é você nessa escadinha? Tem quantos anos de diferença de você?
R - Então, o meu irmão, a minha mãe conta que quando estava grávida dele, tia novela, a gente via novela, nem sei se a gente tinha televisão, eu não lembro. Mas tinha uma novela, que a minha mãe disse que o ator principal, provavelmente Tarcísio Meira, porque eu lembrei disso aqui agora, se chamava Márcio. Só que o meu irmão era para ser chamado Marcelo, já estava escolhido se fosse menino, aí eu perguntava, aquela coisa de perguntar para a irmã mais velha, “qual o nome do bebê”? Aí minha mãe falava, “Marcelo”. Eu falava, “não, é Márcio”. Então ficou original, Marcio e Márcia. Meu irmão é quatro anos mais novo que eu. Eu tenho uma sobrinha linda, é minha única sobrinha, sanguínea mesmo, Isabela. A gente mora longe, eu moro em Camboinhas, ele mora na Barra, mas a gente é muito próxima. A gente viajava muito antes da pandemia juntos. Ele também é muito dedicado, ele é bem engraçado, sabe aquele engraçado que fala as coisas sérias e você morre de rir, é um fofo. É um marido exemplar, é um profissional, acredito que bastante exemplar, porque ele é muito dedicado, a tudo que faz. A gente tem um relacionamento muito bom, estamos um pouco afastados, porque a minha cunhada teve um problema, um pouquinho antes da pandemia, no pulmão, e aí a gente está evitando de ir lá. A gente se fala sempre, eu participo de uma reunião de oração, eu convidei ela, ela participa diariamente comigo, então assim, a gente bastante próximo. Claro, eu só tenho ele e o meu pai de família de sangue mesmo, é isso.
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P/1 - Márcia, como foi crescer em Anchieta? Como é que era o bairro naquela época, vocês brincavam aonde, do que vocês brincavam?
R - Gente, eu era da pá virada. Filha única, então assim, fui sempre presa, não era menina de ir para baile, nada disso. Eu era filha única, mas eu era bagunceira. A minha mãe, eu falei que ela teve o problema com o dedo, mas agora eu lembrei de uma coisa que é bastante importante. Eu lembro que nem tinha o meu irmão, ela tinha que trabalhar, saia de casa, acho que ela pegava 6 horas da manhã em Deodoro. E ela não tinha dinheiro para pagar ninguém para tomar conta de mim, e eu era pequena, engraçado que eu lembro disso, como eu não sei, mas eu lembro dessa imagem. Dela saindo de noite ainda, comigo no colo, para uma vizinha, que tinha uma condição bem melhor, mas assim, acho que tinha pena da gente mesmo, e ela ficava tomando conta de mim, minha mãe acho que trabalhava até 3 horas da tarde, e eu ficava... Cecilia essa vizinha, está viva até hoje. E minha mãe saiu de madrugada comigo e me deixava na casa da Cecília para tomar conta. E aí depois eu fiquei maior, claro, e minha mãe teve que continuar trabalhando. E eu acho que é por isso que eu sou meio mandona, eu sou autoritária mesmo. E eu tinha que tomar conta, meu irmão nasceu e eu tinha que tomar conta do meu irmão, imagina isso nesses dias... Conselho Tutelar vinha em cima, mas naquela época, graças a Deus, não tinha isso. Minha mãe saía, deixava tudo pronto, a gente nem tinha micro-ondas, mas deixava tudo pronto, a gente comia comida fria, porque ela não deixava a gente esquentar, para eu não mexer no fogo. Mas ela deixava tudo pronto, para eu dar para o meu irmão. Então, ela saía para trabalhar, inicialmente eu ficava com a Cecília, mas depois, maiorzinha, com 10 anos provavelmente, eu ficava tomando conta do meu irmão. Então se o meu irmão brigasse na rua, eu ia lá tomar as dores do meu irmão. Eu era a dona da casa, e acho que isso contribuiu muito com a minha personalidade, se bobear eu mando. O meu marido é militar, então aqui em casa, eu costumo dizer que é uma briga, pelo poder. Porquê eu fui criada, eu fui ensinada assim, a tomar conta da casa, tomar conta do meu irmão. E a gente brincava, como você disse. Gente, era uma delícia, sinto muito pelos meus filhos hoje, porque a gente brincava na rua minha. Minha mãe chegava, umas 3 horas ela já estava em casa, depois que ela chegava que a gente podia brincar, antes a gente não podia ir para rua. Então a gente brincava de bandeirinha, pique-esconde, queimada, aí voltava para casa fedorenta, era muito bom. A gente tem um grupo de amigos, até hoje, que é o grupo de Anchieta, que a gente se reuniu tem uns 4 anos, todo mundo se achou, e a gente tem esse grupo, que em dezembro antes da pandemia, a gente se reuniu pela última vez. E assim, todos eles, tinha uma condição melhor que a gente, mas assim, em nenhum momento a gente foi discriminado. A gente fazia o hi-fi, naquela época tinha o tal do hi-fi, cada um levava o seu pretinho, eu não sei se eu levava o pratinho, talvez eu levasse um litro de refrigerante lá, eu não lembro, ou de repente a gente era até liberado de não levar, eu não lembro disso. Nunca era feito lá em casa, claro, porque a gente não tinha um espaço bom. Mas assim, engraçado, o que eu vejo hoje, se olhar para trás, hoje, tanto eu como meu irmão, a gente tem uma condição, ou melhor, ou minimamente igual a maioria deles. Eu falo para você, de repente eu coloco esse peso muito na minha mãe, talvez por uma culpa, que a gente carregue, da minha mãe ter morrido tão cedo, na época de não ter tido tempo para se cuidar, para poder cuidar da gente. Eu vejo que tanto eu como meu irmão, temos uma casa muito boa, temos um emprego muito bom, estudamos, demos uma formação para os nossos filhos, muito boa, que os nossos amigos que tinham uma condição melhor, não tiveram essa oportunidade. Mas morar em Anchieta foi um presente. Eu casei e fui morar em Anchieta, para morar perto da minha mãe e meses depois ela faleceu. Ontem, eu quebrei o meu vínculo com a Anchieta, eu tinha uma casa em Anchieta, onde os meninos nasceram, onde eles aprenderam a andar de bicicleta e ontem eu vendi a casa, então ontem eu quebrei o meu veículo com a Anchieta. Porque o meu marido morre de ciúmes da Anchieta, porque ele dizia que eu não tinha tirado as raízes da Anchieta, ontem eu tirei as minhas raízes. Meu pai continua lá, mas assim, ele tem a família dele, ele se casou de novo, minha mãe faleceu, ele se casou de novo. Mas assim, o vínculo com a Anchieta era muito forte, é muito forte ainda.
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P/1 - Márcia, onde no Rio de Janeiro fica Anchieta? Como são os lugares que tem lá, que vocês iam, que vocês vão, que marcaram você?
R - Então, Anchieta da minha adolescência e da minha juventude, não é Anchieta de hoje. Anchieta de hoje, eu vou visitar o meu pai, é muito triste, o lugar onde o meu pai mora, e onde eu tinha casa, é um lugar bem bonitinho, condomínio fechado. Hoje tem, não perto, mais próximo, acho que é Chapadão, tem uma favela bem perigosa. Anchieta, eu costumo dizer... eu lembro quando eu fiz faculdade de direito, uma vez um menino virou e perguntou para mim, assim: onde você mora? Aí eu falei: em Anchieta. “Nossa, você vem do Espírito Santo todo dia para cá”? Eu falei: não meu querido, você conhece o Arpoador? O Arpoador é Anchieta. E é bem assim, porque Anchieta é o último bairro do Rio de Janeiro, porque logo depois vem Olinda, que é Baixada Fluminense. Mas se a gente falar, “ah, você mora na Baixada”. Todo povo de Anchieta se arrepia, porque a gente não queria morar na baixada, a gente morava em Anchieta. Que era assim, um lugar super agradável, minha rua era uma rua arborizada, hoje é um condomínio fechado, que a gente brincava o tempo inteiro. Então assim, não tinha perigo, carnaval a gente saía para brincar no carnaval de rua. Eu lembro que, voltando para história, não querendo fazer disso daqui o muro das lamentações não, porque hoje eu tenho orgulho disso, eu acho que quando eu era adolescente eu cheguei até vergonha, da minha situação social, porque adolescente é um serzinho horrível. Mas hoje não, hoje eu tenho muito orgulho, porque eu lembro que a gente ia para o clube, para o carnaval de clube, clube depois mais velha, mas para o carnaval de rua, e a minha mãe levava pipoca, porque não tinha dinheiro para comprar pipoca lá para gente. Mas era muito agradável, hoje realmente, eu tenho até medo quando eu vou visitar o meu pai. Mas é isso, é perto de Olinda, Deodoro, Ricardo de Albuquerque, talvez vocês não conheçam nada disso, mas é o suburbão do Rio de Janeiro, tá ali, em Anchieta.
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P/1 - Vocês tinham essas coisas tecnológicas em casa? Você lembra de ouvir rádio, de ter LP, ver TV? Do que vocês gostavam com relação a isso, ali naqueles anos?
R - Então, quando éramos crianças, eu acho que a gente não tinha televisão, eu acho que a gente via televisão na casa dos vizinhos. Pouquinho maior, minha mãe fez um sacrifício e comprou uma televisão, acho que para ver jogo da copa. A gente enfeitava a rua, a gente pintava a rua, copa do mundo era um acontecimento. Então a gente arrecadava dinheiro para enfeitar, desenhar o símbolo da copa na rua, os jogadores, a rua ficava linda, muito bonita. Uma outra coisa que também era muito legal, é que a gente fazia muita festa, então tinha festa junina. Eu lembro que tinha as panteras, um seriado da época, e a gente nessas festas juninas, a gente se reunia e dançava aquelas músicas lá, e assim, claro, para variar, eu não tinha dinheiro, minha mãe não tinha dinheiro para comprar as roupas, porque as meninas tinham dinheiro para comprar as roupas. Aí todo mundo se conscientizava e comprava a minha roupa, era uma coisa de uma família, era uma família. Eu me lembro, que quando eu mudei para Niterói, aí que o meu marido morre de ciúmes, porque eu vim morar em Camboinhas, Camboinhas é um lugar bem calmo, de casas, eu moro numa casa, mas assim, a gente não conhece o vizinho, o máximo é oi. E em Anchieta eu costumo dizer que é uma favela, porque era assim, todo mundo entrava na casa de todo mundo, passava na fruteira, pegava uma banana e comia. Minha mãe chamava para almoçar, “não, já estou almoçando aqui na casa da dona Marlene”. Antão assim, na verdade era uma mistura de culturas, eu lembro que a dona Marlene, era uma Gaúcha, que era uma amiga muito querida, que morava em frente, tinha três filhos, Ana Emília, Miguel e Ana Paula. E quando eu fiz 15 anos, eu não tinha dinheiro para fazer festa de 15 anos, viajar, acho que nem existia isso naquela época, mas festa de 15 anos, que era o point. Mas a dona Marlene me levou para o sul, e eu fiquei, porque as férias escolares de final de ano eram bem compridas, e eu fiquei de dezembro, início de dezembro, até quase março, no sul. E como eu faço aniversário em fevereiro, meu aniversário de 15 anos foi lá. Eles tinham uma fazenda, a família deles lá, eram muito bem de vida, e eles fizeram uma baita festa, para mim de 15 anos. Chorei, claro, porque não estava com meu pai e minha mãe. Mas assim, eu tenho certeza que deve ter sido muito difícil para minha mãe, comprar a passagem, mesmo de ônibus, para Vacaria. Então meu aniversário de 15 anos foi em Vacaria. Claro, eu levei algum dinheiro, mesmo a dona Marlene querendo arcar com muita coisa, mas eu levei, para não ficar na dependência deles o tempo inteiro, mas eu tenho certeza que isso foi com muito sacrifício. Mas qual a história boa disso, eu não vejo isso, não sei se isso ainda existe nos bairros do Rio, mas infelizmente aqui. Por exemplo, os meus filhos eles tem os amigos da escola, não tem amigos de rua, e a gente na verdade, nós não tínhamos amigos, a gente tinha uma grande família, é isso.
27:07
P/1 - Márcia, me conta como era você na escola? Você lembra as primeiras escolas que você frequentou? Como era a Márcia nessa época?
R - Eu acho que eu sempre fui meio futurista. Quando eu estava para ir para escola, eu acho que a minha mãe já trabalhava, claro, escola pública, até porque naquela época escola pública era a melhor. Eu acho que ninguém estudava escola particular, na minha época. E aí eu lembro quando eu fui para o CA, com sete anos de idade, eu não queria ir para escola, não queria, porque eu achava muito chata aquele negócio de ir para escola, eu queria ficar na rua brincando, eu queria ficar na rua aprendendo fazer as coisas de casa. E aí eu lembro, que assim, eu fui reprovada, você acredita nisso? Fui reprovada no CA. Porque a mulher mandou eu ler, e eu não li, mas eu não li não porque eu não queria, eu não li, porque eu me recusei a ler, entendeu. Porque eu não sei, eu sei que a minha mãe falava isso sempre. Aí minha mãe mexeu os pauzinhos, “como, você ler tudo, como você não quis ler”. E aí fizeram um novo teste para mim. E aí claro, eu sabia ler, aí eu voltei para mesma turma. Enfim, é engraçado que depois eu acho que a minha mãe falou tanto, da coisa da dificuldade, que eu não podia chegar lá e ser rebelde, porque ela trabalhava muito. E aquilo me pesou muito, me pesou, eu era uma criança. E depois disso, eu comecei a encarar a escola, com um outro olhar, isso foi um marco mesmo, aquela rebeldia, foi um marco, porque depois eu comecei a estudar. E ver que assim, minha mãe fazia muito sacrifício. Então eu não podia me dar o luxo de não querer ler, de não querer, de faltar a aula, de não querer me dedicar. E aí a partir daí eu comecei a me destacar no colégio. Eu fui primeira aluna no ensino médio, fui primeira aluna na faculdade de letras, que foi a minha primeira faculdade. Tomei um susto, eu nem sabia disso, no dia da formatura me chamaram lá na frente, eu não conseguia nem ficar em pé, que eu não sabia que eu ia ganhar uma plaquinha, que eu tenho até hoje. E assim, o que eu costumo falar, que eu falei para você no início, a minha história é uma história de sonhos, de amor e de fé. Virou o clipe, aquela coisa da rebeldia, porque até hoje, quando eu vejo alguma coisa que está errada, eu tento consertar o mundo. Depois eu fui fazer curso de Direito, na época da faculdade de direito então, foi um horror, porque aí eu achava que eu tinha o poder, eu tinha o poder, eu vou consertar o mundo. Mas hoje em dia eu já estou mais velha, já sei que não é com essas armas que a gente muda o mundo, é isso.
30:05
P/1 - Você fez faculdade de Letras então, em primeiro lugar, é isso? Quando foi na sua vida que você parou e pensou, eu acho que eu quero fazer isso? Como é que veio essa decisão, em que momento?
R - Então, eu fiz escola normal, Carmela Dutra. Passei no concurso, minha mãe ficou super feliz. Primeiro porque não tinha dinheiro para pagar escola de ensino médio para mim, então eu tinha que passar para uma escola pública, e passei. Fazer normal por quê? A opção era, o que eu posso fazer para ganhar dinheiro? E o que não tem matemática, que até hoje é mais ou menos por aí. E aí eu fui fazer escola normal, me apaixonei pela escola normal. Eu nunca dei aula de verdade, só em trabalhos voluntários, na igreja, mas assim, e o estágio, mas no estágio as crianças me adoravam, porque esse meu jeito meio extrovertida, de brincar, foi realmente apaixonante. Eu fiz um concurso, na época do Brizola, só que eu não tinha passado de início, e aí eu precisava ajudar a minha mãe. Eu já estava formada com 18 anos e eu precisava contribuir em casa. E aí minha mãe começou, tinha muita gente, que ela lavar roupa para essas pessoas. E começou a pedir emprego. Aí eu lembro que essa entrevista, eu fui para entrevista, minha mãe, “se arruma”. Minha mãe pagou um curso de datilografia para mim, “se arruma que estão te chamando para você ir lá”. E era no mesmo lugar, lá em Anchieta. Aí eu me arrumei, e fui para lá para fazer a entrevista. E fui assim, decoradinha, “fala o que você já fez”. Minha mãe me ensinou o que iam me perguntar, fui decoradinha para entrevista. E aí tudo que eles me perguntaram, eu já estava decorada. Se hoje eu tenho 57 anos, engano, sei que eu engano pouco, agora você me imagina com 18 anos. Quando eu entrei na sala para ser entrevistada, o menino falou assim para mim, o gerente, “gente, aqui não é jardim da infância, não”. Porque eu tinha 18 anos, mas com cara de 13, era muito magrinha, pequenininha, porque eu sou miúda, com aquela cara de menina. E aí fez todas as perguntas para mim, e aí eu respondi com entusiasmo, e aí no final ele falou assim: tá bom, mas qual é a sua faixa salarial? Essa pergunta não estava no meu script. E aí olhei para cima e falei: qualquer coisa, qualquer coisa. Aí ele riu, e a vaga foi minha. Então foi meu primeiro emprego, logo depois eu fui chamada para o concurso para dar aula. Mas eu era aeroviária, era uma empresa da Aeronáutica, que fazia manutenção para peças de aviões. Eu entrei como auxiliar de escritório e lá trabalhei por quase 17 anos. Sai como gerente, e só saí porque o meu marido foi transferido para Natal, porque ele é militar. E aí eu sai dessa empresa, para ir acompanhar o meu marido. Mas na época eu entrei como auxiliar, e depois eu fiz a faculdade de Letras, porque era uma faculdade que eu podia pagar, porque eu tinha que ajudar em casa, eu não podia pagar uma faculdade cara. Então era uma faculdade que eu queria, eu tinha um sonho, minha mãe colocou isso na cabeça da gente, da gente estudar. Então o meu sonho era fazer uma faculdade. E eu fiz letras, porque não tinha matemática, e eu podia pagar. Mas só que eu também me apaixonei por letras. E assim, eu questionava os professores, a aula acabava, porque eu trabalhava o dia inteiro, saía de Anchieta e ia para Realengo, para uma faculdade chamada Castelo Branco, para fazer a Faculdade de Letras. Pegava ônibus, às vezes ficava com fome, porque às vezes não tinha dinheiro para fazer um lanche maior. Enfim, porque eu tinha que pagar a faculdade. Na metade da faculdade o pessoal da empresa começou a pagar a minha faculdade, aí foi um alívio. Aí a gente começou a fazer a obra em casa, aí eu comecei a fazer curso de secretária executiva, curso de inglês, fiz Brasis na época, que era um curso caro. Aí depois eles pagaram meu curso também, porque eles viam a minha dedicação, quantas e quantas vezes. Eu tinha a chave da empresa, é uma empresa pequena, eu ia trabalhar sábado e domingo, não porque eu queria aparecer, porque eu queria puxar o saco, porque eu tinha um trabalho a fazer e eu sempre fui assim, sempre fui essa coisa dedicada mesmo, com tudo que eu faço, é isso, senão eu falo até amanhã.
35:03
P/1 - Como é que era na época, trabalhar numa empresa ali nos anos 80, 90 e o que você acha que você levou essa experiência para hoje?
R - Eu também menciono bastante. Eu comecei a trabalhar com esse gerente, Luiz Augusto Cavalcanti Miranda, ele que me entrevistou, e que falou que eu tinha cara de criança e que ali não era jardim da infância. Trabalhava numa salinha, pequenininha, que tinha a mesa dele e a mesa do Paulo filho, que era um militar e todo mundo, quando eu entrei, falou assim: cuidado que o Paulo Filho é neurótico de guerra. Ele não tinha me visto na entrevista, quando ele me viu no primeiro dia de trabalho, ele me chamava de estafermo. “Quem é esse estafermo”? Se alguém entrasse, jogasse lixo na lata de lixo dele, eu tinha que ir lá, catava e jogava no meu, porque ele era realmente neurótico de guerra. Mas assim, eu conquistei aquele coração duro, acho que com autenticidade. Eu lembro que aquele homem de coração realmente duro, ele foi se transformando, eu tenho muito carinho, ele já faleceu. O Luiz Augusto era um querido, que me ensinou quase tudo que eu tinha na vida, eu lembro que uma vez, teve uma demissão em massa na empresa, a empresa tinha na época, uns quase 100 funcionários, que era muito para uma empresa pequena. E teve que mandar muita gente, eles mandaram da pior forma possível. Eu tinha, sei lá, meses de empresa. Eles chamaram todo mundo hangar, porque nós éramos uma empresa de aviação, e consertava peças. Chamou todo mundo no hangar, ninguém sabia o que era, e aí eles começaram a falar os nomes, de quem embora. Então assim, tinha gente que era muito antigo, foi uma choradeira. E eu, eu não sou uma pessoa de chorar, a gente vai ao cinema, o meu marido chora, e eu fico, “tá chorando por que”? Poucas coisas, saúde, família, são coisas que me fazem chorar, de resto eu sou durona. Mas nesse dia, foram muitas famílias, muitas pessoas ali, e o choro te comove. E muita gente chorando porque perdeu o emprego, e eu subi chorando. E aí o Luiz Augusto perguntou assim: você está chorando por quê? “Luiz Augusto, você viu? Fulano de tal, ele não vai mais arrumar emprego, ele já tem muita idade”. Ai ele falou: você tem que aprender uma coisa, se você quer ser uma excelente profissional, as emoções precisam ficar com você. E aí eu engoli o choro. “Você não tem que ficar chorando, porque mulher que chora no trabalho, é uma chatice, não tem que ficar chorando no trabalho”. Hoje, é claro, eu discordo, mas aquilo funcionou, porque na verdade você tem que ser posicionar, eu acho que essa coisa de você conter emoções, hoje, foi até uma bandeira que eu tive em Furnas, com a gerente que eu tive. Mas na época, aquilo. Gente, eles já me acham com cara de menina, se eu virar uma chorando aqui por tudo. Mas foi difícil continuar com a saída deles, e eu tive que aprender muita coisa, porque acúmulo trabalho, isso foi muito bom. Eu lembro que o primeiro dia de trabalho, até voltando um pouco, tinha uma máquina de telex, quando eu olhei... Gente, não tinha ninguém para ensinar e eu não sabia fazer aquilo, eu olhei assim, Deus, escangalha essa máquina, porque eu não vou saber fazer isso, vai chegar o Paulo Filho, eu não você vai saber passar. Você acredita, a máquina deu bug, bug mesmo, não funcionou. Mas assim, são coisas que estão lembrando, mas a minha grande escola foi aquela empresa, eu comecei como auxiliar de escritório, logo depois eu virei secretária, um pouco depois... Eles pagaram curso na ESPM, de marketing para mim, então eu fiquei muito voltada para a área comercial e para Marketing. Eu representava a empresa em grandes licitações, a empresa teve que pedir concordata e mesmo assim a gente participava de licitações e quem ia era eu. Então assim, foi um aprendizado, porque a gente tinha que aprender, e sozinha. E quando eu entrei para Furnas, eu senti inicialmente, porque lá a gente tinha que tomar decisões, a gente tinha que fazer acontecer. E Furnas, hoje bem mais diferente, mas quando eu entrei para Furnas, as coisas eram muito segmentadas, muito de moradas e eu trabalhando numa empresa aeronáutica, a gente não tinha tempo. “O avião parou”, ligava o dono do avião, o prefeito, “cadê a minha peça”? Não dava para dar uma justificativa, um embromation. Então assim, foi uma grande escola, tudo que eu aprendi de liderança, foi ali.
40:29
P/1 - Como que essa experiência nessa empresa aeronáutica te formou, como ela te ajudou?
R - Então, era uma empresa pequena, uma empresa que a gente tinha que fazer acontecer, não tinha como ficar esperando decisões, cada um ali era um centro decisório. E isso foi muito bom para minha formação. Eu trabalhava na área comercial, como auxiliar de escritório inicialmente, então eu tinha a parte civil, que era área comercial das empresas aeronáuticas civis e a área militar, dois gerentes, eu era auxiliar deles dois. Então assim, os dois com temperamentos totalmente díspares e que me ensinaram muito. Um altamente rígido, que a hierarquia é a bandeira, o outro, uma pessoa muito prática, e que a decisões precisam ser tomadas, você tem que mostrar a sua liderança, sua força, seu poder, não pode titubear nas respostas. Então assim, eu aprendi muito lá, muito mesmo. Logo depois eu virei secretária deles. Há, uma coisa muito importante, o Luiz Augusto, que era o gerente comercial da área civil, ele recebia comissão, pelas vendas realizadas, pelos serviços. E ele via minha dedicação, ele via todo meu comprometimento com o trabalho, se eu tivesse que trabalhar sábado e domingo, eu ia, não porque ninguém me pediu, mas porque eu queria que o trabalho saísse. E logo depois, ele me deu um pedacinho da comissão dele, só que um pedacinho era muito dinheiro para mim, eu que trabalhava bem naquele salariozinho, que era o piso do Aeroviário, que até hoje é o piso maior. Mas era um piso que já me deixava confortável, para toda minha história de vida. E com essa comissão que eu recebia dos serviço, gente, vocês não tem noção, para uma menina de 23, 24 anos, era muito dinheiro, que vem de uma família muito pobre. Então assim, eu pude com muito mais tranquilidade ajudar em casa, eles começaram a pagar por opção deles, a minha faculdade, pagaram o meu curso na ESPM, pagaram o meu Brases. Então assim, o que eu vejo disso, isso foi conquista, do meu trabalho, porque eu me dedicava, eu me dedicava e dava resultado. Então assim, o que eu trago para minha vida, o que eu trouxe para Furnas, essa experiência de dedicação, de liderança, de tentar fazer o melhor, sempre, sempre, e tentar decidir. Claro, que quando eu vim para Furnas, eu senti isso, porque quando você trabalha numa empresa privada, principalmente numa empresa menor, as coisas precisam acontecer, não dá para esperar, esperou perdeu, perdeu dançou. Então assim, eu lembro que a primeira vez que eu fui para uma reunião de Furnas, eu não entendi, parecia que eram várias empresas numa mesma reunião, e na verdade eram vários departamentos, cada um tentando jogar a decisão para o outro. E aí eu falei, meu Deus, eu não estou entendendo. Hoje, eu fico muito feliz que isso está culturalmente mudando, a empresa está entrando realmente numa tendência de mercado, e isso me deixa bastante feliz, é isso.
44:27
P/1 - Você saiu dessa empresa com uns 35 anos, mais ou menos, é isso?
R - Isso! Eu fui para Natal, porque o meu marido inicialmente foi transferido. Eu tinha o meu filho mais velho, que é o Igor e tinha perdido um bebê com 9 meses de gravidez. E aí o meu marido tinha assumido, ele já tinha ido para Natal, porque militar tem que segurar a casa, porque senão fica na fila, ainda mais Natal que é um lugar todo mundo quer morar. Então meu marido foi antes, me deixou grávida com o Igor e eu trabalhando ainda na Comaf, esse é o nome da empresa. E ele voltou para ver o parto, na semana do parto, que era perto do carnaval, eu senti uma cólica, aí liguei para o meu médico, sai do trabalho mais cedo. Como eu tinha consulta no dia seguinte e era uma a última consulta, era tipo uma quarta-feira e na sexta-feira ia ser o meu parto, já estava com barriga gigante. E na hora da consulta, o médico... a gente combinou tudo, porque eu ligar para não ter mais filho, porque eu já estava com uma idade. E aí na hora de escutar o bebê, não escutou o bebê. Então foi uma tristeza, que foi Deus que me segurou no colo, a gente estava com quatro pronto do bebê. Eu com 9 meses de gravidez. Aí eu tive que fazer uma cesárea. Só que em Natal, meu marido ia comandar um quartel em Natal. Todo mundo estava esperando o comandante, com a esposa, com um bebê e com bebezinho recém-nascido. Então assim, foi uma tristeza muito grande, porque eu tive que viajar sem o bebê. E viajar de resguardo sem ter ninguém para me ajudar e o meu filho era bem gordinho, então assim, foi uma barra pesada. Mas chegando lá, passado alguns meses, eu quis fazer uma entrevista, porque eu queria trabalhar, porque senão eu ia enlouquecer, não foi fácil perder esse bebê, foi bastante pesado. E lá em Natal eu fiz uma entrevista, que eu não sabia nem qual era empresa, e passei por vários testes, sempre com homens, naquela época era bem machista ainda, e só homens, era cargo de gerência, só eu de mulher. E na última entrevista, eu lembro que todo mundo tinha que vender um pente para careca, fiz a festa, ganhei o cargo. Vende o pente para careca, com louvor e trabalhei lá até o meu marido ter que voltar para o Rio de Janeiro e nisso eu já voltei com um bebezinho. Que é o Yuri, que hoje faz medicina e os dois são o orgulho da minha vida.
47:38
P/1 - Como é que você vende um pente para careca?
R - Pois é, você tinha 5 minutos para fazer a criação ali, todo mundo. Eu falei que tinha um produto no pente, a medida que a pessoa ia flexionando, com o tempo ia nascendo, que descobriu-se uma metodologia revolucionária, que naquelas cerdas do dente, tinha um produto que você ia flexionando e ia estimulando o seu couro cabeludo para nascer, voltar nascer cabelo. Mas eu fiz todo um cenário ali, teatral. Ganhei a vaga.
48:20
P/1 - Como que é o nome do seu marido e como é que você conheceu ele?
R - Eu tive um namorado de sete anos, que não deu certo. E aí minha mãe quase que morreu, porque filha única, com casa comprada, que essa que eu vendi ontem. Com casa comprada, tudo pronto, e a gente resolveu desmanchar, com quase tudo pronto para fazer o casamento. Minha mãe, gente, vivia com terço na mão, pedindo para Santo Antônio, para aparecer... porque ela já achou que eu ia ficar encalhada. Para aparecer o marido para mim. E eu nem aí, que nisso eu já ganhava a minha comissão, já ganhava, já tinha meu carro, gente, era tudo, para quê eu queria marido, não queria marido. Minha mãe que queria. Minha mãe, “minha filha”. E eu nem aí para marido, mas eu tinha uma secretária, que ela falou: Marcia, eu tenho primo, eu falei de você, ele está doido para te conhecer, ele é militar. Gente, militar não dá, na época eu era petista roxa, roxa, saía de Anchieta ia para Candelária, Lula já! Paulo Filho, que era o militar, e eu cheio de botão de PT, PT, PT, ele quase que morria “tira isso estafermo, vai vir a aeronáutica aqui e você cheia de boton do PT”. E eu nem aí para ele. Aí ela queria me apresentar o primo que era militar, falei amiga, não dá para mim não, militar? Caraca, ele vai ficar doido comigo. E aí acabou que teve uma festa e eu fui a festa e ele estava lá. Não mexeu comigo na época não. No dia seguinte a gente foi à praia, só que eu acho que eu mexi com ele, porque no outro dia ele foi a praia, até hoje ele conta que foi testar o material, foi olhar o material na praia. E aí acabou que a gente começou a namorar, namoramos 2 anos. Minha mãe ficou feliz, imagina, filha dela com um oficial da marinha. Então assim, tudo que ela queria. Com o passar do tempo, no início... eu tinha tido uma experiência ruim, de um namoro que estava prestes a acontecer de 7 anos, eu tinha uma situação bastante confortável, para o que eu era antes. Então assim, eu não estava pensando em casar, mas a minha mãe, ela morria, seu eu não casasse, entendeu? Mas acabou que o Arquimedes, que é o meu marido, uma pessoa Ultra mega inteligente, ele foi me conquistando, super gentil, à moda antiga, ele foi me conquistando. E eu realmente fiquei apaixonada com o tempo, e a gente casou, na verdade nós tivemos três filhos, o Igor que hoje é oficial do exército, fez IME, o primeiro lugar do IME, se formou em dezembro em engenharia, primeiro ele se forma em tenente e agora em dezembro ele se formou em engenharia. Ele já é independente, a gente já não tem mais preocupação nenhuma com ele, já foi embora, mora no Rio, solteiro. Mas ele serve em Guaratiba, então ele não quer vir para Niterói todo dia, então ele mora independente lá em Guaratiba. E eu tenho o Yuri, que faz Medicina na UFRJ de Macaé, tem uns dois anos, que se você viesse a Niterói, para orgulho da mãe, ele estava em todos outdoor de Niterói. Porque ele foi o único que passou para medicina. Então assim, são dois meninos super dedicados, super tranquilos, totalmente diferente da garotada de hoje, eu digo muito que eles são rurais, porque eles cresceram em Camboinhas. Então, as festas de Niterói, era no máximo até 11 horas da noite, totalmente diferente do Rio. Então assim, o Igor gosta muito de praia, gosta de barco, gosta de mar. E o Yuri, como um jovem que nasceu nos anos 2000, é altamente tecnológico e se bobear ele fica na internet, estudando, porque é muito estudioso, mas joga os seus jogos também. Mas assim, eu não tenho do que reclamar, eles são meninos altamente dedicados, estudiosos, não dão nenhum trabalho para a gente, graças a Deus.
53:11
P/1 - Márcia, me conta como você descobriu Furnas, foi quando vocês voltaram de Natal?
R - Não! É uma história de amor, fé e sonhos. Eu fazia ESPM, primeira vez que escutei falar de Furnas. Eu fazia ESPM na Teófilo Otoni, no centro do Rio, era solteira e morava em Anchieta e tinha aula até às 10 horas e andava até a Praça Mauá, com medo, claro, não era a Praça Mauá de hoje. Mas eu tinha medo, é engraçado que a minha mãe ia me buscar no ponto de ônibus eu chamava ela de Thor, com uma tesoura, porque para me defender do bandido, então todo dia de noite ela me buscar no ponto de ônibus com uma tesoura. Eu tinha que estudar dentro do ônibus, tanto indo para lá, quanto voltando, porque não tinha tempo, eu trabalhava muito. E um dia eu peguei o ônibus, no ponto final, na praça Mauá, para ir para Anchieta, sentei, ligava a luzinha do ônibus e começava a estudar. E aí sentou um velhinho, que eu lembro da cara dele, como se eu tivesse olhando para você, aí o velhinho sentou, velhinho gosta de puxar assunto, você sabe que eles são carentes, e eu nem aí para o velhinho, estudando, até porque eu tinha prova no dia seguinte, eu precisava estudar. E aí o velhinho olhava para mim, eu senti que ele estava querendo puxar assunto, mas eu nem olhei para a cara dele, daqui a pouco, ele não se conteve, quando o ônibus saiu, ele virou e falou assim: você gosta de estudar né? Eu falei: gosto! “Você tem que trabalhar em Furnas”. Aí eu olhei para a cara dele, gente, esse velho está caduco, o que é Furnas? Nunca ouvi falar nisso. Aí ele: minha filha, Furnas é uma empresa... Aí começou a falar de Furnas, começou a falar de Furnas do nada, eu nunca tinha ouvido falar de Furnas. “Lá é muito bom, minha filha, tudo que eu tenho, eu devo a Furnas, olha, eu criei família, eu tenho carro, eu estou de ônibus hoje, porque não vale a pena, mas eu tenho meu carrinho, a minha casa, tudo eu comprei... Aí ele começou a falar de Furnas, falou de Furnas, nisso eu desci, e ele continua a viagem. Não tinha internet né, porque se tivesse eu ia olhar no Google, o que é Furnas? Porque eu nunca tinha ouvido falar em Furnas. Não sei nem como, mas eu pesquisei o que era Furnas, “hum interessante”. Passou, mas aquilo ficou guardado. Tempos depois, eu já estava casada, a minha cunhada me ligou, casada com meu irmão, e falou: Márcia, vai abrir um concurso para Furnas, você já ouviu falar? Lembrei do velhinho. Falei: sim! Mas só que eu estava com os dois meninos pequenos, eu já tinha voltado de Natal. “Mas Claudia, eu não tenho tempo de estudar, com os dois pequenos, como que eu vou estudar”? Ela: faz! Bom, aí eu fiz a inscrição, só que eu fazia curso de direito nessa época. Ainda fazia curso de Direito. Meu marido logo em seguida foi para fazer uma missão internacional, na Croácia, e me largou com os dois pequenininhos. Então eu fazia Faculdade de Direito, tinha os dois, um com dois anos e outro bebê, e fazia faculdade de direito. E em 2004 teve o concurso, eu comprei uma apostila da Degrau Cultural, eu acho que eu nunca saí da primeira folha, não estudei nada. Só que eu estudava muito para minha faculdade de direito, e aí a história de fé. Parecia que na hora da minha prova, a professora de Direito Administrativo, estava falando ali, todas as questões eram a professora falando, e assim, eu não tive dúvida, eu fui fazer a prova por fazer, e quando eu sai da prova, eu tinha certeza que eu tinha uma chance, porque eu achei a prova muito fácil, muito fácil. Eu não fui chamada, claro, porque demorou, foi um concurso bastante complicado. Eu mandei até carta para o Lula, para poder ser chamada para Furnas. Eu passava, meu cunhado tem um sítio em Rocha Leão, e eu passava pela subestação de Rocha Leão, que eu não sabia nem o que era subestação, mas eu vi escrito lá, Furnas. E eu falava, todas as vezes que a gente passava, vou trabalhar ali. Tinha um ônibus, que às vezes, aqui na região oceânica, passava, passava escrito Furnas, vou andar nesse ônibus. Meu marido falava que já estava com uma ficção doentia, porque tudo era Furnas. E quando saiu o resultado, eu vi que eu te passado, e quando eu passei pronto, eu cresci. Eu tenho que entrar. Mas não chamavam ninguém, para o nosso cargo. E aí eu mandei uma carta para o Lula, pior, quem respondeu foi o RH de Furnas, me esculhambou, eu falei pronto, agora eu não entrou mesmo. Aí esqueci de Furnas, deixei, comecei a frequentar uma igreja, entender que tudo acontece no propósito de Deus, na hora que ele quer. E aí aquela doença de ficar sempre pedindo para entrar para Furnas, eu falei, se eu não fui chamada, é porque não é bom para mim. Aí voltando um dia da natação com as crianças, uma confusão, as crianças gritando, e tinha que arrumar correndo para levar para escola, telefone toca, nisso eu já tinha até esquecido, porque na minha cabeça, o concurso já estava precluso. E aí toca o telefone, achei que fosse meu marido, as crianças gritando, uma confusão, aí a menina fala: oi, por favor a Márcia”? Eu falei: é ela. “É Marcia de Sena Melo”? “Sim” “Você fez um concurso para Furnas”? Gente, parou o mundo naquela hora, e aí eu falei assim: sim” “Pois é, você vai receber um telegrama, você ainda tem interesse”? Eu só ajoelhei, eu só ajoelhei e agradeci a Deus. Aí quando eu desliguei, liguei para meu marido, “amor me chamaram de Furnas”. Ele: é trote, que te chamaram, já está vencido esse concurso, pode ligar para lá”. Ai gente, eu não sabia, aí liguei para Furnas para perguntar se era trote, e não era, era realidade. E assim, por isso que eu falei para você, eu tenho uma história muito linda, eu acho que aquele velhinho, plantou no meu coração uma semente, eu fiquei com uma ideia fixa depois de entrar para Furnas, eu não estudei para o concurso, eu tenho certeza que Deus me ajudou, me deu uma cola bonita, para eu fazer aquela prova. E quando eu comecei em Furnas, voltando só um pouquinho para trás, voltando para trás é horrível, mas voltando um pouquinho. Quando eu fiz a faculdade de direito, tinha uma eletiva, que na época da eletiva, acho que agora é até obrigatório, que era direito ambiental, e eu fiz por conta de horário, criança pequena, fui fazer por conta de horário. Gente, me apaixonei por direito ambiental, me apaixonei, e o professor sempre falava: gente, informática é legal, mas a matéria do futuro é direito ambiental. E aquilo ficou guardado no meu coração. O meu concurso para Furnas, tinha que comprovar experiência, e eu comprovei experiência, com licitações, porque eu trabalhava na empresa com licitações também. Então eu comprovei a minha experiência com licitações. E o meu concurso foi para esse cargo, assessor para área de licitações, eu não tinha terminado a faculdade de direito, e não tinha sido chamado para Furnas. Mas no meu coração já estava em Furnas. O meu TCC foi para contratações em emergência, porque na minha cabeça eu ia trabalhar em Furnas, com licitações. Então no meu TCC eu defendi com louvor. E nada de me chamar. Quando eu fui chamada para Furnas, fiquei um dia lá na sala, esperando para ser entrevistada, e aí o Alexandre, ele já é até falecido, do RH, ele perguntou assim: você fez concurso para licitações, mas você quer ir para trabalhar com a área de meio ambiente? É sonho, é fé é amor. Eu falei: sim! “Mas você falou que tem filho pequeno, você vai ter que viajar”. “Não, mas eu posso, eu posso”. Gente, me apaixonei. Então assim, eu entrei para Furnas para área ambiental e eu estou até hoje na área ambiental. E eu quero sair de Furnas, dando tchau para área ambiental, que é sonho, paixão e fé.
1:02:10
P/1 - Conta um pouquinho mais sobre esse velhinho que você falou? Você lembra o que ele falava de Furnas? Você hoje consegue entender em que área que ele trabalhava, o que ele era? Você chegou a buscar ele, inclusive?
R - Não! Quando eu entrei para Furnas eu tentei, mas não estava mais, eu não lembro o nome dele, ele era motorista, era a única coisa que eu sabia, ele falou o nome, mas eu não lembrava, eu lembro do rosto dele, mas ele não está mais lá. Ele já era velhinho, provavelmente não está mais vivo. E assim, eu lembro muito do que ele falava, ele se traduz no que a gente sente, nesse amor, que antes da gente começar a gravar a gente falou tanto. Porque eu acho que é uma unanimidade, vocês vão ver isso reiteradas vezes, independente do tempo de trajetória da empresa. Cheguei até a ficar arrepiada aqui. Todos, acho que não deve ter ninguém que não tenha esse amor pela empresa. E esse velhinho ele se materializou nisso, porque eu não entendi o que que era isso, você entendeu? Eu não conhecia isso. Ele falou do amor que ele tinha pela empresa, ele falou com a empresa era uma empresa maravilhosa, como ela dava condições para todos aqueles que trabalhavam na empresa, de terem uma vida digna, como Furnas realmente recompensava as pessoas que ali se dedicavam. “Você é uma menina que se dedica, estou vendo que você está estudando quase no escuro, em Furnas quem se dedica assim, é recompensado”. Então assim, é um amor. É uma história de amor, então assim, ele colocou no meu coração, um amor de uma empresa que eu nunca tinha ouvido falar, eu não tenho dúvida que foi ele que plantou essa floresta, botou uma sementinha e hoje a gente tem uma floresta, é isso.
1:04:24
P/1 - Como é que foi o seu primeiro dia em Furnas? Foi no escritório central? Em que ano que foi, foi no primeiro governo Lula?
R - Sim! Nossa eu acho que eu nem dormi depois que me chamaram, eu lembro que fizemos até um churrasco aqui em casa, para comemorar. O meu marido já, sem condições, história engraçada, porque eu comi tanto coração de galinha, porque eu adoro coração de galinha, eu comi tanto, tanto, eu estava tão feliz, tão feliz. E aí eu fui para Furnas, peguei o ônibus. Gente, assim, eu sou suburbana, e depois vem para Niterói, então não sabia nem andar em Botafogo. Então eu peguei o ônibus, eu lembro que meu marido me explicou, mas eu estava muito nervosa, muito nervosa, onde eu tinha que saltar do ônibus, explicou tudo direitinho. Eu fui ficando angustiada achando que eu ia passar, que eu ia perder o horário, nisso eu saí de casa horas antes. E aí eu perguntei para uma mulher, que estava assim perto de mim, “você sabe onde eu desço para Furnas”? Porque eu pedi para o motorista, mas o motorista já tinha me esquecido. Aí ela virou e falou assim, “Furnas, eu estou indo para lá”. “Ah é, posso ir com você”? “Claro, claro”! E aí a gente desceu juntas, aí eu falei para ela, “você trabalha lá”? “Não, eu vim me apresentar hoje”. “Eu também, eu estou tão feliz”, eu falei para ela. E ela falou assim para mim, e começou a chorar, “eu não estou não, estou triste”. Eu falei: mas por que? Chorava, chorava, chorava. Mas por quê? “Porque eu estou num emprego que ganha muito, ganha quase cinco vezes mais, o salário para quem vai entrar no concurso, você sabe quanto que é”? Eu falei: sim, pra mim! Realmente não era um salário, mas era tudo que eu queria, não queria saber de salário. E ela chorava. Essa pessoa foi a primeira pessoa que eu conheci em Furnas, hoje ela é uma amiga muito querida, essa história a gente conta para todo mundo. Porque ela chorou, chorou, e não chorou só comigo não, ela foi para RH, ela chorou lá no RH, ela não queria entrar, e hoje é claro, ela está super feliz em Furnas, tá super bem. O nome dela é Zangara, trabalha na TI. Olha, eu não posso nem falar o nome de uma pessoa, porque assim, sabe aquela história que eu te falei dos meus vizinhos de Anchieta, é a minha história de Furnas. Hoje eu tenho uma família, o dia que eu sair de Frunas, eu vou sair de Furnas, Furnas vai sair de mim, eu vou levar um monte de amigos, eu não tenho dúvida, que a melhor conquista, o melhor legado que Furnas me deu, foi essa história de amor e de amizade
1:07:15
P/1 - E como é que foi você chegar lá no escritório central, você se lembra das primeiras impressões? Esse primeiro dia como é que foi para você?
R - Nossa, eu trabalhava numa empresa pequena como eu te falei, Furnas para mim era um mundo, era Anchieta, Nova York, mais ou menos isso entendeu. Antão aquela coisa da catraca, era um mundo, para mim aquilo ali era um manstii. Eu fui dois dias seguidos para Furnas. No primeiro dia eu não consegui ser entrevistada. Aí eu fui no dia seguinte, fiquei lá o tempo inteiro com o Alexandre, e aí ele tentando ver onde ele iria me colocar, acabou que ele me conheceu, a gente foi conversando e tal, foi quando ele me ofereceu e para o meio ambiente. Tudo para mim era um sonho, era um sonho, o bandejão era um sonho, ir para Botafogo já era um sonho. Eu morava em Anchieta nessa época ainda, morava em Anchieta, morava em Anchieta? Não! Minto, morava já aqui em Niterói, mas assim, era um sonho, tudo era um sonho. O Bandejão, os amigos, porque logo no começo, tinha um grupo, do pessoal que fez o concurso junto comigo, da minha área, então a gente ficou muito juntos. E aí eu falei para você do churrasco, eu comi coração de galinha até, porque eu não bebo, aí eu comi coração de galinha. Eu não sabia, eu tinha que fazer exame médico, meu colesterol deu lá em cima, meu Deus. Aí eu fiquei desesperada, não vão me chamar, três noites sem dormir, porque falei: pronto, deu problema meu colesterol, não vou me chamar mais. Aí o Alexandre me mandou para eu ser selecionada, ser entrevistada pela área de Meio Ambiente, eu fui lá. E aí a gerente, que na época era Mariângela Gutemberg, uma querida, só que ela estava viajando, não pode me entrevistar. E a substituta dela que me entrevistou junto, com uma grande amiga hoje, a Valéria, que ainda tá no meio ambiente até hoje. E aí elas fizeram perguntas, aquelas perguntas tradicionais, e eu com coração muito aberto, falei tudo que eu já falei para você, minha paixão por Furnas e elas perguntaram que experiência você tem no meio ambiente, eu falei: nenhuma, mas eu tenho certeza que vocês não vão se decepcionar comigo, eu tenho certeza que eu vou me dedicar o máximo, que eu vou aprender rápido, eu vou aprender rápido. Aí eu fiquei, eu lembro que tinha a secretária, que saiu há pouco tempo de Furnas, aposentada, que era de Niterói, aí quando a gente saiu da entrevista a Ana Amélia falou para ela, “aqui Lucimar, de Niterói também”. A Lucimar virou para mim e falava assim: não é para chegar 10 horas aqui não, hein. Lucimar hoje é uma grande amiga minha. E eu chegava em Furnas todo dia 6:30 da manhã, porque o meu marido ia dar aula, da aula até hoje, na escola na Escola Naval e me deixava 6:30 em Furnas todos os dias, então eu chegava em Furnas todos os dias 6:30 da manhã. A luz as vezes estava apagada, eu ia lá, acendia as luzes, é isso.
1:10:59
P/1 - Márcia, me conta agora um pouquinho da área, então? É direito dentro da gerência de meio ambiente, é isso? Como é que funcionava?
R - Isso! Na verdade o meu concurso era para trabalhar com licitações, o Alexandre me ofereceu a área, porque ele viu que eu tinha feito curso de Direito. E como o meu cargo era nível superior, eu poderia ir para qualquer área. O licenciamento ambiental, na época, até hoje são poucas pessoas, mas na época era 4, 5 pessoas. Então eu lembro que eu tinha 27 empreendimentos para tomar conta, quando eu entrei. Então assim gente, eu aprendi apanhando, mas foi uma mega escola, uma mega escola. E assim, era legal, porque a Mariângela, era super responsável, coerente, mega professora, só que a Mariângela também era bastante autoritária, e ela dizia o seguinte: Márcia você fez direito, mas aqui nós não somos do jurídico. Gente apanhei muito, porque volta e meia, tem aqueles termos, ia, fazia cartinha para a Mariângela, Mariângela me devolvia. “Não é de direito Márcia, a gente aqui é de gestão”. E assim, hoje, todo ensinamento que a Mariângela passou, da gente está dentro da nossa caixinha, da gente não tirar o pé da nossa caixinha, isso foi muito bom, claro que você pode sempre agregar. Mas a gente não pode pular para o muro do outro. Então assim, isso foi uma briga minha comigo mesmo, porque eu vim de uma empresa que eu tinha que resolver os problemas, na época eu não tinha nem o curso de Direito, mas assim, toda minha experiência, era sempre bem aceita e em Furnas não, era tudo muito certinho, tudo muito dentro de cada competência. Então assim, lá onde eu trabalhei a minha vida inteira, eu tinha que resolver o problema, se eu não sabia, eu tinha que aprender, eu tinha que pesquisar. Em Furnas não, qual a sua área? Meio ambiente, licenciamento ambiental, então você responde dentro dessa área, qualquer outra coisa você tem que consultar. Então foi assim, eu reaprendendo, e essa coisa do aprender, no início, o ser humano tem resistência a mudança, todos nós, não adianta quem fale que não, não tem, porque a gente tem, não tem jeito. Mas isso foi uma superação, para mim mesmo, porque eu já não era uma garotinha, e eu tive que reaprender, eu vim de uma empresa que eu tinha que decidir, eu fui para Furnas aonde eu tinha sempre submeter. Então assim, foi um aprendizado? Foi! Mas foi ótimo, foi ótimo! Isso me fez crescer muito, é uma outra visão, claro que de vez em quando eu não entendia alguma coisa, “Mariângela a empresa tem que entrar com recurso”. Ela até me ouvia tal, a gente questionava os bastidores do jurídico. Isso também está mudando em Furnas, acho que hoje a gente está sendo muito mais conectados, está muito mais conectados com as outras áreas, a gente está muito mais ágil, tem coisa que a gente sofre, enquanto colaborador, a coisa da capitalização, a gente sofre, porque a gente tem o amor. Mas assim, hoje eu vejo Furnas muito mais eficiente, do que quando eu entrei. Eu não estou questionando a parte técnica não, eu estou questionando a parte burocrática, que era bem lenta, e hoje eu acho que está ágil até demais, porque eu me vejo no teletrabalho, às vezes trabalhando até 11 horas da noite. Eu engulo a comida, volto para o trabalho, porque as coisas estão bastante pesadas, é isso.
1:15:19
P/1 - Onde que entra parte de licenciamento ambiental na vida de Furnas, dos empreendimentos, se você puder explicar para gente?
R - Claro! Eu não estou mais no licenciamento ambiental, eu estou na parte de socioeconomia da empresa, que conversa muito com licenciamento ambiental. Mas eu trabalhei no licenciamento ambiental praticamente 10 anos da minha vida. Então assim, eu sempre falava que o licenciamento ambiental é o coração da empresa, o coração da empresa é o licenciamento ambiental, porque se caça uma licença ambiental, o empreendimento para. Todos os empreendimentos de Furnas, com a lei 6938 de 83, a gente teve que mitigar os impactos que o empreendimento causa. Então todos os empreendimentos precisa passar por um processo de licenciamento ambiental, que é uma obrigação do empreendedor. Então assim, o licenciamento ambiental, ele conversa com todas as áreas da empresa praticamente, a gente conversa com área operacional, a gente conversa com a área que faz os estudos, a gente conversa com as áreas que estão na linha de frente, a gente conversa com jurídico. Então a gente conversa com todo mundo. Por quê? Porque se caça uma licença nossa, o empreendimento para de operar. Então a gente tem que estar em consonância com todas as áreas, é muito trabalho, porque são milhares de consonantes para atender, a gente não pode perder prazo. Então tem uma obrigação, Furnas faz esse trabalho muito bem, mesmo com pouca gente, as pessoas são bastante dedicadas, toda minha bagagem dentro de Furnas, veio do licenciamento ambiental. Hoje eu estou numa área muito mais executiva, que subsidia o licenciamento ambiental, a gente faz os estudos, é realmente se reinventar e sonhar acordada, porque primeiro foi eu sair e entrar numa área de Meio Ambiente, que eu nunca tinha feito uma faculdade, todo mundo que fez faculdade aqui, sabe que é coisa teórica, 1 período direito ambiental. Aí vem para prática, para guerra, de não perder licença, de responder Ministério Público, enfim, aprendizado o tempo inteiro. E para fazer vistoria, tem que fazer xixi no mato, você não tem lugar, para comer comida, fazer uma vistoria, eu tive uma vistoria que foram 11 dias, da norte, sul, foram 11 dias. E teve um lugar que não dava para comer gente, olha que eu não sou fresca, eu não sou fresca, eu nasci em Anchieta, mesmo assim não dava para comer, eu comi biscoito, no almoço eu comi biscoito, assim, milhares de moscas. Mas era apaixonante, o melhor era ir para o mato, aquele pessoal que conhece, parece que tem um radar, tem um GPS dentro da cabeça deles, eles vão entrando nuns lugares, “a gente já não passou por aqui, a gente vai saber voltar”? É fantástico, e o amor deles que estão lá também, é apaixonante. Então essa coisa de ir para o mato, de fazer vistoria, de fazer inspeção, realmente, sinto muita falta disso, muita falta. Fui muito, muito, funcionará recém-chegada, quem ia pegar o pior. Então toda hora, às vezes, teve época que eu tive que voltar, para pegar calcinha, para poder viajar, porque eu já tinha viajado no dia anterior, chegava em Furnas, “vai ter que viajar de novo”. “Mas não tem nem calcinha”. Tinha que voltar para Niterói, mas era muito bom. Meu marido também foi um parceiro, porque ele ficou com as crianças, esse tempo todo, porque eu viajava muito, muito, muito. E a 3 anos atrás, eu fui convidada para assumir a gerência de socioeconomia. Gente, para mim era tudo novo, o que eu trato? O que eu cuido? Quilombola, índio, arqueologia, programa de gestão de resíduos de fluentes, plano de atendimento de emergência. Gente, eu não sabia nada, eu sabia receber no licenciamento, o documento, e enviar para o órgão ambiental. Agora você imagina você gerir isso, plano de comunicação social, plano de educação ambiental. Então a minha gerência hoje, e ainda tem agora, a gente cresceu mais agora com a reestruturação que teve em abril, a gente ganhou as atribuições da antiga GEF, que era dos estudos. Então a gente ganhou a parte de sustentabilidade, de efeito estufa. Gente, quando eu penso assim, agora estou aprendendo isso aqui, vem coisa nova. Então assim, eu acho que eu estou num constante teste, espero que eu seja aprovada no final. Mas é isso é apaixonante, não tenho dúvida que papai do céu me dá cada dia um presente e esse presente se chama Furnas.
1:21:24
P/1 - Você pode contar um pouquinho mais para mim sobre alguma dessas viagens, as que mais te marcaram na sua cabeça, das situações que você viveu? E também a conexão que você teve com trabalhadores, outros funcionários de Furnas no campo, no mato?
R – Gente, ir para o mato é muito bom, eu sou apaixonada pelo que eu faço hoje, mas eu lembro que adorava, sempre amei fazer o que eu fazia na época do licenciamento. Mas era muito burocrático, era cartinha, responder cartinha. Então era um conflito, porque eu ficava mega feliz quando eu tinha que fazer vistoria, só que tinha as crianças. Mas como meu marido sempre foi um paizão, era um conflito bastante administrado. Então assim, a escola administrativa, digamos assim, é fantástico. Mas a vida real no campo, não tem, não tem, o trabalho deles, eu amava ir para uma vistoria, amava, porque era 10 anos de faculdade que você fazia ali. Quando eu parei de ir para vistoria, gente, eu sinto falta até hoje, não por conta de viajar, porque viajar, quando você começa a viajar, no início você ama, depois já fica um saco, você pegar avião toda hora, conexão e tal. Mas a história, que você adquire para sua vida nessas viagens, não tem preço, foram inúmeras vistorias, inúmeras. Teve essa que me marcou bastante, eu tinha pouco tempo de empresa, acho que eu não tinha nem um ano, que foi uma vistoria da norte-sul, de 12 dias, com o Ibama e acabou que eu fui assim, jogado aos leões, não propositadamente, porque não tinha gente para ir, tinha que ser alguém e era eu. Eu nunca tinha ido para uma vistoria, e eu lembro que tinha uma história, lembro até o nome do técnico do Ibama, Rafael, era um menino, hoje ele tá bem mais velho, tem 13 anos, quase 14 anos isso. E ele tinha acabado de entrar no Ibama, ele tinha acabado de entrar no Ibama e eu tinha acabado de entrar em Furnas, só que ele era um menino, eu já era uma senhora, e ele era um menino. E aí no meio da vistoria, eu não tinha tempo de aprender quase nada, nada ainda de licenciamento ambiental, ainda mais na prática. Mas a experiência é tudo né gente, experiência é muito bom. E aí ele disse que ele queria botar uns sensores em todas as torres, para os passarinhos não morrerem, e falou isso umas três vezes, depois tinha uma reunião no final, depois dos 12 dias de vistoria. E aí ele voltou com esse assunto, e eu, siri na lata como eu sempre fui, eu falei: Rafael, presta atenção, a gente ficou 12 dias no campo, quantos passarinhos mortos você viu? Bom, enfim, ele não colocou isso na condicionante da licença. Então assim, não por isso, por essa conquista, nada disso não, mas eu acho assim, por causa da experiência. Eu não sei, eu não tinha experiência de licenciamento ambiental naquela época, hoje eu tenho bem mais, mas eu não tinha. Mas assim, prática, se ele quer botar para o passarinho não morrer, a gente rodou aquilo ali, de cabo a rabo, não vimos um passarinho morto, como ele quer botar, gastar dinheiro público botando o negócio. Essa foi uma vistoria que você bastante, porque foi muito tempo, era muito pesada, a gente não parava, trabalhando sábado e domingo, direto. A equipe era toda nova, a equipe do Ibama estava com todo o gás, então a gente trabalhou muito. Demorou a sair essa licença depois, anos, mais saiu. Teve algumas, audiências públicas, audiência pública é a coisa mais maravilhosa que existe, a aula de direito ambiental, e é teatral, porque você vê aqueles políticos que vão lá, e falam do empreendimento, mas você ver que é tudo teatro, no final depois você aprende muito com isso. Eu tenho até uma foto que eu separei para mandar para vocês, que no final... E a gente foi várias vezes, foi no ministério público, por conta de Bom Despacho, uma linha que a gente estava brigando pela licença. E o Ministério Público se meteu, e aí a gente ia, pedia para cancelar a reunião pública e não tinha, e voltava. Tem uma foto que tá eu a Mariângela, Bianco e o Assis, eu acho que Marcelo, segurando como se fosse um troféu numa olimpíada, a licença emitida. Foi uma briga para gente conseguir, a Maria ngela subia lá, falava, defendia com amor também Furnas. E assim, é realmente uma coisa muito gratificante, você ver, você brigar, na hora que você tem que brigar, para você conquistar aquela licença. Então audiência pública eu participei de algumas, foi uma coisa que me marcou bastante. E também teve uma, também por conta de Bom Despacho, que foi uma reunião pública, que a gente foi fazer com os quilombolas. E eles chegaram, assim, eu tinha essa foto, não consegui achar, eu acho que tá até lá no licenciamento essa foto, lá no nosso arquivo, com a pandemia fica tudo mais difícil. Eles chegaram para reunião pública, todos eles, porque tinha tido uma festa da região deles. Então eles chegaram caracterizados, para reunião pública, eu achei aquilo tão fantástico, eles são tão humildes. A gente tinha pedido, Furnas sempre fez um lanchinho para eles, porque normalmente é a noite, aí tem apresentação do empreendimento. Então eles vieram direto dessa apresentação, para a reunião pública. E eles dançaram para gente. E assim, a alegria, e depois eles comerem pão com queijo e refrigerante, foi assim, uma alegria mesmo. Eu acho que essa troca e depois a gente foi visita-los lá na igrejinha, eles vendendo os artesanatos deles. Então assim, é uma coisa, eu nunca tinha visto um quilombola na minha frente, tão perto, e daqui a pouco eu vejo aquela comunidade, com histórias de vida tão diferente, eles são humildes, com um sorriso no rosto, uma alegria ali. Teve outras, várias experiências, várias, várias, são tantas, várias reuniões, várias vistorias que você passa... Teve uma da Serra da Mesa, que realmente foi bastante marcante, porque a gente rodou aquele lago todo, foi uma semana também. E aí tinha cobra, e não tinha lugar para a gente ir ao banheiro, tinha que ser no mato, ai eu gritava assim: sai cobrinha, sai cobrinha, sai, morrendo de medo da cobra, mas não tinha jeito, ou ia fazer nas calças, ou fazia ali. Então assim, superação, é isso.
1:29:44
P/1 - Durante esses 10 anos na área ambiental, qual empreendimento, qual licença você acha que para você foi mais desafiadora conseguir? Foi a mais difícil, mais marcante para equipe?
R - Tem várias! Bom, a mais difícil eu diria que foi Bom Despacho, foi um estresse, essa que tem lá segurando o troféu de Bom Despacho. Ainda rola até hoje, eu não estou lá, mas estou na gestão socioeconômica, chegou uma demanda para mim ontem, tive uma reunião sexta-feira, porque é uma licença que está sob judice, uma licença que até hoje é complicada. Mas foi muito estresses. Eu era a coordenadora desse empreendimento, então assim, nossa, eu apanhei muito. Mas foi muita conquista. Agora tem um empreendimento, que ele nem tem licença, mas é um empreendimento que eu sou apaixonada, eu sou apaixonada por ele. É um empreendimento que eu consegui várias anuências, para fazer várias obras, muitas obras, na época que eu estava lá no licenciamento, CTA, fiz a caixa separadora de água e óleo, várias obras. Que é usina de Furnas, eu acho que por conta de toda a tradição, toda cultura que tem em torno da usina de Furnas, foi a minha primeira usina. Eu lembro que uma vez ficou eu e Mariângela fazendo uma defesa, Ministério Público tinha pedido, a gente tinha que mandar, não era para o ministério, era para a SUPRAM, o órgão ambiental, não era Ministério Público, nos saímos de lá, quase meia-noite. Então a gente ficou juntando todas as contribuições de todos os departamentos, tinha departamentos que não tinham mandado, e a gente ficou procurando, foi fazendo, ligando para as pessoas, até hoje a usina de Furnas, não sei se vocês têm visto aí, está num momento complicado aí, que o ministério público está pedindo um monte de coisas. E eu, toda vez que eu vejo isso, eu esqueço até que não estou mais no licenciamento ambiental, eu compro a briga, “gente, é um absurdo isso, a gente já entregou os estudos”. Então assim, é um empreendimento que eu sou apaixonada, porque eu consegui várias anuências, porque ela é uma usina, como é uma usina antes da lei do meio ambiente, ela está em regularização ambiental. Só que a mídia está falando aí, que a gente opera sem licença, nada disso é verdade, na verdade mudou, tem uma briga, porque ninguém quer... O órgão ambiental, eles ficam brigando quem vai ter a competência para fazer esse licenciamento ambiental, porque é um empreendimento que tem várias nuances. Tem Capitólio lá, muita gente com dinheiro, tem vários problemas políticos. Então assim, o Ibama joga para o órgão estadual o órgão Estadual volta para o Ibama. Mas a gente entregou, entendeu. Agora está de novo a mesma briga, dizendo que a gente não entregou o documento. E aí eu que não tenho nem que me meter nisso, eu fico, “gente, a gente já entregou isso, como é que podem ficar pedindo dinheiro público, um novo estudo”. Mas é um empreendimento que eu sou apaixonada pela usina de Furnas.
1:33:25
P/1 - E como é que foi para você o convite de gerenciar uma área, como é que foi esse dia, como é que foi aceitar esse novo desafio? E essa questão da mulher na gerência?
R - Deixa eu voltar só um pouquinho, em 2006/2005, o superintendente da época, que era o Júlio Darmada, ele me convidou. Eu entrava na sala dele só para reclamar, gente, meu Deus, eu não sei como ele só entrava para reclamar. E eu estava numa vistoria e a antiga gerente me ligou, falando que talvez eu fosse indicada para gerência. Eu nem acreditei, porque assim, na minha cabeça em Furnas, ainda tinha aquela coisa dê muita gente que tem uma história, tem alguém que conhece. Eu falei, gente, eu não conheço ninguém, sou meio rebelde, tiver que falar eu falo mesmo. Nunca estava no meu radar ser gerente, não estava mesmo, sem hipocrisia, não estava. Então assim, eu lembro que a Vera ligou para mim, depois o Júlio conversou comigo, perguntando se eu aceitava ser gerente de uma divisão de licenciamento de geração, eu já não acreditei. Aí assume assim, muito feliz, por que era dentro do licenciamento, para mim estava fácil. Era uma equipe pequena, fácil assim, em temos, porque era uma equipe pequena, mas eu fiquei só nove meses 9 meses, 9 meses depois o filho nasceu e eu perdi a gerência. Teve uma reestruturação, e eu perdi a gerência, voltei para o mesmo lugar, fazendo o mesmo trabalho, eu era substituta antes, e voltei para ser substituta, trabalhando, eu nem vou usar o termo que eu costumo falar, porque é feio. Trabalhando, mas trabalhando muito, muito, inclusive eu era debochada por alguns amigos, “Marcia para que trabalhar tanto”. Mas assim, era por amor mesmo. Aí perdi e continue fazendo o meu trabalho normal. E eu lembro que quando eu fui convidada, para ser gerente desse departamento que eu estou agora, eu não tinha experiência nenhuma, como eu falei para você, é uma área totalmente técnica. E aí a Letícia, me chamou e perguntou se eu aceitava, porque a Katia, que era antiga gerente, estava entregando o cargo. Na hora... a Katia, eu gosto muito dela, se ela está entregando o cargo, esse negócio não é fácil, não é fácil, ninguém entrega o cargo de gerência assim. E a Katia realmente conversou depois comigo... a substituta dela também não quis. E aí eu falei: Ok, é para mim mesmo. Arregacei a manga e lembro que quando foi falado o nome dos novos gerentes da época, quando falaram que eu assumiria essa gerência, estava toda a superintendência, bateram palmas, gente para mim aquela palma valeu muito mais, do que o valor de gerência que eu ia agregar no meu salário, sem hipocrisia, sem hipocrisia mesmo. Eu achei assim, gente é uma área complicada, ninguém quer essa área. Quando eu cheguei lá, foi bem legal, a área toda me recebeu muito bem, muito bem. Foi um momento muito difícil, porque a gente estava entrando num momento de luto. Por quê? Porque muitos funcionários, que eram terceirizados, iriam sair. E eles já sabiam disso, e eu entrei nesse momento. Teve uma coisa que eu não falei para vocês, que eu acho que é importante, se vocês acharem que não vale a pena colocar, não precisa. Mas lá no escritório central, tinha uma salinha de reunião de oração, eu fui umas duas vezes antes. E lá atrás, quando eu fui, eu fiquei meio assustada, porque... Eram poucas pessoas que participavam, terminou a reunião de oração, a gente dava a mão, acho que foi a segunda vez que eu fui lá, a gente dava a mão, isso na hora do almoço, pessoal chegava da hora do almoço, para aí para essa salinha de reunião de oração. Aí a gente dava a mãe e fazia a oração, acho que era primeira ou segunda vez que eu estava indo ali. Depois... voltei agora antes da pandemia, eu fiquei um bom tempo sem ir, porque eu fiquei assustada. Eles começaram a fazer oração, a menina que estava fazendo a oração, veio para mim. Eu estava ainda como técnica lá no licenciamento. Eu estava de olho fechado, ela veio para mim e falou assim: olha, Deus está mandando te falar, que você está aqui em Furnas, não é para ganhar dinheiro, você tem uma missão muito maior. Gente, eu só chorei, eu só chorei. Eu nunca tinha visto aquela mulher na minha vida, a mulher nem sei se já tinha me visto, eu só tinha ido ali, eu não sei se era a primeira vez ou a segunda. E ela me fala isso. E nessa época, eu estava passando por um conflito, porque eu tinha, como eu te falei, 27 empreendimentos, e o meu salário era pequenininho. Foi um tapa na cara de novo, eu falei gente, não estou aqui para ganhar dinheiro. Depois disso, eu tive a certeza, então o que foi coroado, quando eu fui pela primeira vez chamada para ser gerente, que eu estava ali por algum motivo. Quando eu perdi a gerência, claro, eu sofri, mas eu não sofri, sofri quando você bate, mas o carro tem seguro ok, porque eu perdi a gerência, mas eu continuava trabalhando. Eu fiquei, continuei fazendo meu trabalho com toda dedicação que eu sempre fiz. Quando a Letícia me chamou para essa gerência nova, aí sim, foi uma surpresa, porque era um departamento, eu não conseguia me ver, aquela menina que entrou em 2008, sem conhecer ninguém em Furnas, falando às vezes tudo que pensava, tanto para Mariângela, quanto para a Vera Paiva, para todos os gerentes que passavam. Toda vez que alguma coisa não me agradava, eu sempre falei, doía a quem doesse. Quando a Letícia me chamou, eu falei: gente, deve ser porque ninguém quer isso, deve ser. Mas eu fiquei muito feliz. Como estava falando, estava num momento de luto, e eu lembrei disso. Eu não estava ali para ganhar dinheiro, eu não estava sendo convidada para trabalhar, para gerenciar aquela gerência, num momento de luto à toa, eu tinha que fazer a diferença. A primeira coisa que eu fiz, mesmo sem saber nada gente, porque era tudo novo para mim. Então eu tinha que me dedicar muito. O licenciamento eu já fazia as coisas, mesmo se não fosse o empreendimento que eu coordenasse, era uma coisa que estava no meu métier. Ali não, era tanta coisa diferente, que eu nunca tinha ouvido falar, que era muita dedicação. Mas o problema maior não era o procedimento, o problema maior eram as pessoas. Porque era gerência que ia mais perder gente. A gente perdeu na época 8 pessoas, e elas sabiam que iam sair. Então era um momento de luto, eu comecei usar a tal da expressão de trabalhar de portas abertas, que era difícil para mim, porque eu não conseguia trabalhar, porque virou um divã de psicólogo. Porque todo mundo entrava para contar as suas histórias, as suas tristezas, as suas mágoas. Foi um momento difícil, eu quase fiquei doente, porque na verdade a gente é meio esponja, não tem jeito, não adianta você falar, não vou separar, porque você sofre com a dor do outro. Então foi um momento bastante difícil, bastante difícil. Eles saíram, a gente ainda conseguiu, a Letícia conseguiu resgatar três pessoas que iam sair. Porque ainda tinha os aposentados. A gente ia praticamente não ter como trabalhar, porque ia acabar, como é que a gente ia fazer o trabalho, sem aqueles especialistas todos. Então assim, foi difícil. Mas mesmo a gente conseguindo ficar com 3 pessoas, a gente teve que se reinventar, com a saída deles, porque teve um momento até uma pessoa de saúde, teve que fazer educação ambiental, para a gente não ganhar muito. Então assim, o que eu vi, todo mundo dando a mão, todo mundo juntos. Outro dia eu participei de uma reunião com diretor novo, eu não tenho colaboradores, eu tenho guerreiros, eu não tô à frente deles, eu tô junto com eles. Porque gente, todo dia é uma luta, todo dia é algo novo, se você pensar tá fácil para mim ficar essa manhã aqui? Não, não tá fácil. Porque todo dia tem um problema, todo dia tem uma emergência, são coisas totalmente novas. Aí veio a pandemia logo depois, pessoal saiu, veio a pandemia. Não tem ninguém que possa falar assim: foi fácil! Não tem! Eu critico muito quando alguém fala o novo normal, gente não tem novo normal, isso não vai ser normal nunca. A gente não pode, a gente tem que repudiar isso, isso não é normal, nós somos seres sociais, brasileiro gosta de abraçar, gosta de toque, essa coisa de estar falando com você e você tão distante, eu não poder ver direito o brilho do teu olhar, é muito difícil. Então assim, eu continuo trabalhando de portas abertas, eu me dedico, digamos que 80% do meu tempo ao ouvir, porque são muitas histórias, foram perdas. Semana passada, uma amiga minha, que trabalha comigo no departamento, perdeu a mãe. Gente, eu não saio de casa, não saio, porque eu tenho medo mesmo, eu sou hipertensa, mas eu fui no enterro, porque eu precisava ir. Então, mais uma superação, eu fui lá, eu precisava ir, não podia estar a distância. Então assim, está sendo difícil, não tá fácil, muitas pessoas com problemas emocionais, sérios. E ainda tem a Capitalização, se fosse uma capitalização numa empresa fria, numa empresa de pessoas que não tem vínculo, ok. Mas é uma capitalização numa empresa que as pessoas amam o que fazem, que tem histórias e aí é bem difícil, é isso.
1:45:05
P/1 - Onde que entra a gestão socioeconômica em Furnas? E se você puder detalhar todas essas áreas que você falou que são várias que aglutinaram, quais são essas áreas e quais são essas responsabilidades desses guerreiros que trabalham com você, Márcia?
R – Sim! Então na verdade, como uma boa mãezona, eu tinha dito antes que meu coração era lá, coração de Furnas estava no licenciamento ambiental. Hoje eu não penso duas vezes de falar que o coração está na área de socioeconomia. Porque, como eu já falei eu tenho alguns guerreiros, poucos, mas todos guerreiros. Eu tenho vários, é uma área totalmente sui generes, porque eu não tenho uma competência, eu não tenho uma atribuição, eu tenho inúmeras, com poucos especialistas. Então eu tenho responsabilidade da área de educação ambiental, de todos os empreendimentos de Furnas, seja linha, usina, subestação, constam como condicionantes. E a gente precisa fazer a educação ambiental e a comunicação social, que são duas áreas distintas, com condicionantes distintas. Da comunicação, eu acabei de receber uma pessoa, que está começando a se apropriar, conforme eu já falei lá em 2019, finzinho de 2019, eu perdi a minha especialista de anos, de comunicação social. E a gente ficou em 2020, todo, atendendo as pessoas que a gente tinha. Então eles arregaçaram a manga, sem conhecimento, se debruçaram para aprender, e fizemos, não perdemos um prazo, não perdemos um relatório e atendemos a todas as condicionantes. Educação ambiental, a mesma coisa, eu tenho para todos empreendimentos, que a educação ambiental é mais complexa, ela objetiva que a comunidade mude a sua cultura, então isso é uma coisa de formiguinha mesmo. Então eu trabalho bastante dedicado, eu tenho três guerreiros, para fazer esse trabalho para todos empreendimentos, parte deles a gente faz com mão de obra contratada, parte deles a gente faz com mão de obra própria, para minimizar os custos para empresa. Eu tenho ainda, um arqueólogo, e eu tenho vários condicionantes com arqueologia, então ele toma conta dos contratos de arqueologia e ele também faz várias outras coisas, pareceres, laudos, analisa todo o contrato, se precisar e a área para verificar o que a empresa contratada está fazendo, é verídico, é correto, ele vai lá para dar o seu parecer, com olhar de Furnas, não agora por conta da pandemia. A gente também tem Eliana Granado, que trata da parte de antropologia. Então assim, tudo que é de índio, não só de Serra da Mesa, que é um empreendimento que a gente tem lá os Avá-canoeiro, dentro do vertedouro, que foi instalado dentro de uma terra indígena, a gente tem ela dando pareceres para todas as questões indígenas da empresa. E além disso, é importante falar, que o licenciamento ambiental, ele trata dos órgãos ambientais, o DGS, que é o meu departamento, ele trata também, de todos os órgãos intervenientes nesse processo de licenciamento ambiental. O que é isso Márcia? Então assim, questões da FUNAI, questões do IFAM, questões do IEFA, questões do INCA, questões da fundação Palmares, quem fala somos nós. Quem faz os pareceres, as cartas, somos nós. Quem pega as anuências, somos nós. Então essa uma nova atribuição também. Além disso, a gente também trata, de toda uma questão do plano de gestão integrada, o que é isso? A gente trata com um funcionário de cada, de plano de gerenciamento de resíduos, de todos os empreendimentos, do plano de influentes, de todos os empreendimentos, do plano de atendimento de emergências, de todos os empreendimentos, e todos eles com mão de obra própria. Então assim, são pouquíssimas os funcionários, só o PEMECA que e de influências, que eu tenho dois, todos os demais, eu só tem um funcionário, para tratar de resíduos, emergência, que é uma coisa que está muito em voga, resíduos também, influente também. E a emergência, toda vez que tem uma emergência em Furnas, eu e a minha funcionária, nós somos pontos focais para atender as emergências ambientais. Então nosso telefone fica à disposição para a gente auxiliar e ser contatada quando ocorre uma emergência ambiental. Essa é uma outra atribuição. Além disso, a gente faz também toda parte de georeferenciamento, mapa, shapes, tudo que é ligada a mapa, tem dois funcionários para fazer todos, para tudo, tudo. A gente analisa, verifica se está certinha, toda vez que tem uma supressão para ver se o mapa está certo, área de APP, são os meus dois funcionários, não só parar ambiental, a gente também dá apoio para área de operação. Além disso, a gente agora também, ganhou a partir de abril, uma nova atribuição, que são os estudos ambientais. Então tudo que tem haver com sustentabilidade, com gases de efeito estufa, com ISIN B3, também é com a minha gerência. Então gente, não tem um dia, é complicado você tratar, por exemplo, área jurídica, são questões jurídicas, não estou diminuindo o trabalho de ninguém não, pelo contrário, sei que são muitos trabalhos. Mas é um foco, como eu não licenciamento tinha um foco, de licenciamento. Na questão da socioeconomia, a gente tem trabalho que é muito dispare uma atividade da outra. O que eu vejo com isso? Um presente. É complicado? É complicado, porque a minha prioridade sempre vai ser os funcionários, sempre. Toda quinta-feira a gente se reúne, toda quinta-feira a gente tem um bate-papo pelo teams, mas assim, independente disso, o meu celular virou um grande divã, porque foi um ano difícil, desde 2020, está sendo ainda, quando a gente começa a achar que vai passar, vem uma nova variante. A gente tem que administrar os trabalhos, os meninos que fazem os trabalhos dos planos de gestão, eles precisam ir à área. Então a gente fica assim olhando, melhorou a curva, corre, vamos fazer. Piorou, não vai poder viajar mais. Então assim, está sendo todo um trabalho diferente. Eu costumo dizer que... eu repudio a frase do novo normal, não vai ser normal nunca, não vai ser novo normal nunca. Nós somos seres sociais, a gente precisa de olhar no olho do outro, ver o brilho do olhar, se tocar, sair para almoçar. Então essa coisa da gente trabalhar em casa é um momento que vai passar, eu creio que vai passar. Está sendo difícil, a gente aprendeu muito? Aprendeu muito, hoje todo mundo não precisa mais de salto alto, mulher não precisa comprar um monte de sapato, a gente aprendeu que o consumo desacerbado não precisa, a gente aprendeu que a gente pode também ser social à distância. Mas a gente precisa voltar, a gente precisa voltar a se relacionar, a gente precisa voltar a trabalhar juntos, a gente precisa voltar a ser equipe. A gente não deixou a bola cair, mas eu entendo que depois da pandemia a gente vai ser melhor, trabalhando talvez de forma híbrida, de forma de diferente, não o novo normal, de forma diferente. Mas que a pandemia também nos ensinou muita coisa, mas a pandemia trouxe muitas lágrimas nos olhos de todos nós, eu acho que não existe uma pessoa que não perdeu uma pessoa querida. Esse papel de estar junto com os meus guerreiros, eu tenho tentado fazer da melhor forma possível, porque é importante que a gente cumpra prazo, sim, é importante que a gente atende condicionante, sim, é importante que a gente não leve multa, sim. Mas é importante que a gente esteja junto com eles, dando valor ao trabalho deles, porque é o que eles mais precisam nesse momento. Eu peço sempre a Deus para me dar sabedoria para eu poder estar ajudando, nesse momento tão difícil que a gente tá passando, é isso.
1:54:53
P/1 - A gente sabe que a geração de energia essencial no país, mas você traduziria a sua gerência como uma gerência que tentar Balancear essa questão, tudo bem esse é o trabalho da empresa, mas a gente precisa fazer com cuidado, é mais ou menos isso?
R - Exatamente isso! A gente tem um contato muito direto, com as pessoas, eu tinha uma funcionária, que ela até saiu no último PDV, e ela dizia o seguinte, a gente não cuida de plantinha, eu até uso esse termo. As plantas são importantes, sim claro, são muito importantes, os bichinhos são muito importantes, muito importantes, tudo é meio ambiente. Mas as pessoas são muito importantes, porque eu vejo, mais recentemente, às vezes a gente se preocupa tanto, tanto, com as plantas, com os animais, que são importantes, mas a gente bota em segundo plano as pessoas. Entendo, pensa a tristeza, a gente tem que se colocar no lugar do outro, sempre, de um empreendimento que foi colocado num lugar, que a pessoa perdeu o lugar que morava, a gente tem que se colocar, a gente não pode ser hostil, claro que agente entende que a energia é super importante, porque se não fosse energia a gente não estava fazendo essa entrevista hoje, a gente não vive sem energia. Quando eu fiz marketing, eu fiz uma mini propaganda sobre energia, nem pensava em trabalhar em Furnas, e a gente começou com tudo escuro. Por que? Porque a gente fala tão mal das empresas de energia, dos empreendimentos, mas ninguém de nós vive sem energia. Mas assim, o que é importante é a gente pelo menos mostrar para o outro, para que ele que está lá, vivendo no empreendimento, no entorno do empreendimento, que Furnas se preocupa com eles, que Furnas está pronta para ouvir suas dores, suas tristezas. E é isso que a gente faz, então por isso que eu falei, mudei de protagonista, hoje eu entendo que nós somos o coração de Furnas.
1:57:39
P/1 - O que você pensa dessa missão de mudar uma cultura, dentro e fora da empresa? Que você falou, como é que é isso para sua gerência?
R - Eu vejo o seguinte, mudança de cultura, mudança de imagem. Eu lembro quando eu entrei para Furnas, até porque eu fiz marketing, eu falava: gente, porque nós faz tanto trabalho bonito, a gente não divulga isso. A gente não divulga, porque a gente não faz isso, Petrobras faz isso, lá atrás isso tá gente. Petrobras faz isso tão bem feito, olha quanta coisa legal que a gente faz, e a gente não divulga. Tanto é que eu nunca tinha ouvido falar de Furnas. E quantos e quantos lugares você fala Furnas, e ainda tem gente que fala, “o que é Furnas”? Eu fico muito triste com isso, fico muito triste. Essa mudança de cultura, essa mudança de imagem, são trabalho de formiguinha, cultura a gente não muda assim, mudou, não é isso. Mas a gente fazendo devagarinho, de pequenininho, fazendo bem feito, acreditando naquele trabalho que você está fazendo, sempre levando verdade, confiança, credibilidade, é isso. Não é só com dinheiro, por isso que eu falo, a nossa gerência é muito importante, porque a gente está lá ouvindo. Às vezes a única coisa que o moradorzinho quer, é ser ouvido, “isso é hipocrisia”. Não é, ele só quer ser ouvido. Então assim, é um trabalho de formiguinha, é um trabalho de formiguinha, e muitas, e muitas vezes, não é reconhecido. Às vezes eu fico triste com isso, isso não é Furnas, isso é mundo. Porque as pessoas estão tão automatizadas, tão na correria do dia a dia, que a gente passa não se preocupar com a dor do outro, com o sofrimento do outro, ou com alegria do outro. Quantas doenças psicossomáticas isso causa, quantos traumas isso causa. Então assim, por isso que eu acho muito importante essa coisa de mudar imagem, mudar cultura. Eu acredito sim, eu acho que a gente tem poder para isso, a gente tem gente para isso, não quantitativamente, qualitativamente. E a gente precisa fazer devagarinho, porque cultura não se muda de uma hora para outra, é plantando a sementinha que a gente vai ver a floresta florescer um dia. Mas acreditando nisso.
2:00:24
P/1 - Você poderia apontar e falar para gente um pouco de alguns funcionários que te marcaram de Furnas? Você acha que os funcionários de Furnas são diferente dos funcionários de outras empresas, você diria isso? Tem um perfil de funcionário de Furnas?
R – Bom, como eu falei já em alguma outra pergunta, eu tenho amigos, eu vou levar quando eu sair de Furnas, amigos. Eu não estou falando de amigos, eu estou respondendo à sua pergunta profissionalmente. Profissionalmente eu diria, que uma pessoa... eu tive vários outros líderes bons, mas sabe aquela coisa do primeiro amor, a gente nunca esquece. Então eu vou voltar para isso, não desmerecendo os outros, não é isso, a Mariângela Gutemberg, foi a minha primeira gerente em Furnas, então eu diria que foi meu primeiro amor, ela me ensinou muito, levei puxão de orelha, cartas voltava mil vezes, eu ficava irada, porque eu fiz letras, eu fiz direito, como ela manda minha carta voltar mil vezes. Tinha um funcionário dela que falava, “é bumerang, fui até para o psicólogo”. Ele era muito engraçado. Mas a Mariângela me ensinou muito, primeiro que ela me ensinou a deixar todo meu passado de empresa privada para trás e olhar para Furnas como ela é, a realidade de Furnas. A Mariângela virou uma grande amiga, ela nem sabe dessa entrevista, mas a gente se fala de vez em quando. Eu tive grandes discussões com ela, de botar o dedo no olho assim, e brigar com ela, porque eu sempre fui siri na lata. Mas ela foi uma pessoa que me marcou. Tive outros gerentes que viraram meus amigos. Tive o Dráuzio, que trabalha comigo hoje, que foi meu gerente, e virou meu amigo. A Letícia é uma pessoa querida, que eu gosto muito. A Greice que trabalhou, digamos quase minha vida inteira, eu trabalhei com ela, como técnica, depois ela virou minha gerente, fui vários anos substituta dela, e depois ela me liberou para ser gerente desse departamento que eu estou. Então assim, eu não estou querendo desmerecer ninguém, mas a Mariângela foi, pelo momento que eu entrei Furnas, pela minha cabeça como eu entrei em Furnas, e como ela me ensinou a me transformar dentro da empresa, então ela foi uma pessoa que me marcou. E a sua outra pergunta, que eu estou ficando velhinha e esqueci.
2:03:48
P/1 - Se você acha que o funcionário de Furnas, ele é diferente em relação a funcionários de outras empresas que você já conheceu, seja pública ou privada?
R - Não tenho dúvida disso. Eu trabalhei em 3 empresas, outras tempos mais rápidos, por conta desta transferência do meu marido, sempre privada. E o que eu vejo em Furnas, a unanimidade do amor que todos têm por Furnas. A gente vê muita gente criticando, algumas sugestões, algumas atitudes, alguns momentos, mas uma coisa é unânime, quem passou, quem está passando, ou quem ainda vai passar, tem um amor pela empresa, contagia. Por que isso? Eu acho que é conquista da própria empresa, independente de nomes, independente de pessoas, isso é um valor que a empresa, como ser institucional que é, conquistou.
2:04:55
P/1 - Márcia, desde o momento que você entrou até agora, você diria que você consegue perceber que Furnas passou por alguma fase diferente? E o que você pode falar da fase atual?
R - Mudou muito! Como eu falei para você, quando eu entrei em Furnas, eu era apaixonada, eu sou, mas eu era muito apaixonada sem saber o porque, mas tinha assim, um ranço, um ranço, cada um na sua caixinha, “isso aqui não é meu não, isso aqui é seu, ah isso aqui não respondo até aqui, a minha responsabilidade vai só até aqui, tem que fazer? perdeu o prazo”. Ninguém conseguia atender um prazo. Gente, acabou isso, aonde não acabou, está perdido aí no tempo. Porque na verdade a empresa hoje é outra. A gente está sendo muito cobrado, muito cobrado, a gente precisa trabalhar para ontem, que isso é o lema da empresa privada, a gente continua todo mundo apaixonado pela empresa, mas o ritmo é outro. O ritmo de respostas, o ritmo do trabalho mesmo, eu fico impressionado, uma ata às vezes, durava um mês para sair, hoje a ata sai no dia seguinte. Teve uma mudança aí, eu não sei, dos três últimos anos, eu não sei precisar, mas hoje eu vejo uma nova Furnas.
2:06:41
P/1 - O que você pensa que vai acontecer no futuro da empresa? E o que você gostaria que acontecesse?
R - Eu vou falar uma coisa, que não vai agradar muito, não vai, eu tenho certeza. Eu como muitos, somos apaixonados pela empresa, mas eu acho que quando você ama, você quer o melhor, independente do que venha. Eu não vou ser hipócrita de falar: Márcia, a capitalização é legal para você? Não! Para mim quanto colaboradora, enquanto amante de Furnas, não. Porque a gente entende que é uma empresa que não pode ser privatizada, que é uma empresa que tem muito a contribuir, que os especialistas são ótimos. Mas eu acho o seguinte, eu sempre acho que nada acontece por acaso, e que se chegou a isso, é por vários problemas que tiveram no passado, e que isso já está sendo falado, eu nem pensava entrar em Furnas, todo mundo já falava de privatizar, falava de capitalizar. E a gente sempre brigou como grandes guerreiros, mas eu acho assim, eu quero que seja feito o melhor, que seja feito o melhor para empresa. Independente da gente ficar pensando no nosso bolso, independência da gente ficar pensando como vai ser a nossa vida, que seja feito o melhor, mas que seja feito o melhor mesmo, sem hipocrisia. A gente fala, não vai melhorar, então assim, eu sou uma pessoa que crer, que se acontecer, que seja feito o melhor, para empresa, não para as nossas cabeças. Eu costumo falar isso nas minhas reuniões, gente, quem é bom vai ficar, não tenho dúvida, vocês são muito bons, e vocês vão ficar, e se vocês não ficarem, vão para outros lugares, vocês vão para lugares melhores. Então é isso, eu costumo falar muito, vamos viver o dia de hoje, não vamos ficar pensando no que vai acontecer amanhã, vamos fazer o nosso melhor hoje, a gente, não está na nossa mão a caneta, então vamos fazer o nosso melhor. O que vai acontecer, vai ser o dia de amanhã, vamos viver o dia de hoje, fazendo nosso melhor. E o que eu queria, se eu pudesse pedir para papai do céu que seja feito o melhor para empresa, não melhor para mim, não o melhor para o pessoal da DGS, pessoal da DA, melhor para empresa. Porque eu acho isso? Porque eu acho que quem ama que é o melhor, mas não é o melhor para os colaboradores, o melhor para empresa é isso.
2:09:40
P/1 – Márcia, o que você achou de contar um pouquinho da sua história para gente hoje e contar uma grande parte da história da empresa? Como é que foi para você, o que você sentiu, o que você pensou?
R - Estava ansiosa, porque eu não sabia nem o que vocês vão me perguntar. Vocês são fofos, me deixaram bastante calma, eu acho que o nervosismo acabou em 5 segundos. E assim, eu não tenho dúvidas que isso foi um presente, não tenho dúvida. Porque eu não sei quanto tempo eu fico em Furnas, mas assim, só de saber, que é a minha história e de vários outros, vai ficar plantada. Gente, isso é um presente, eu não sou digna disso, não sou digna mesmo. Mas assim, só tenho agradecer a vocês, porque realmente, nessa pandemia, poucos momentos foram verdadeiramente felizes, verdadeiramente felizes foram poucos momentos, e esse está sendo um momento feliz na pandemia, com vocês aqui. Muito obrigado por essa oportunidade.
2:11:02
P/1 - Eu que agradeço você Márcia, agradeço mesmo. Por mim a gente ficava mais horas e horas, como falei para você, mas infelizmente a gente tem que fechar. Mas foi um prazer imenso, foi uma honra, eu achei muito legal tudo que você falou, adorei. Eu conseguiria ficar muito tempo aqui ainda, mas é isso. Eu que agradeço você, o Museu da Pessoa agradece você, e com certeza a empresa agradece também. Vai ser uma honra poder guardar a sua história, poder divulgar ela, para as pessoas que vão vir aí de Furnas ou não, poder conhecer a empresa, imagina daqui uns anos, pessoal acessar a sua história, Furnas era assim, era assado, as pessoas adoravam trabalhar lá. Então acho que valeu a pena também. Muito obrigada mesmo Márcia.
R - Obrigada vocês gente, como eu já falei, você me deixaram feliz nesse dia, de verdade!
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