Projeto Mestres do Brasil: suas Memórias Saberes e História
Entrevista de Luzia Tavares da Silva
Entrevistada por Winny Choe e Larissa Rangel
Rio de Janeiro, 26/09/2008
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista nº OFMB_HV026 Luzia Tavares da Silva
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Fernanda Belarmino da Silva e Gustavo Kazuo
P/1 – Luzia, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Luzia Tavares da Silva, eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 24 de julho de 1954.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Genovefa Assunta Manarino Tavares e Carlos Tavares.
P/1 – Você tem irmãos?
R - Tenho atualmente duas irmãs, e um irmão que eu perdi.
P/1 – Qual é a origem da sua família?
R – A minha ascendência é portuguesa e italiana: do lado do papai é portuguesa e do lado da mamãe é italiana. Mamãe é italiana e papai é filho de imigrantes italianos. Os dois lados, imigrantes que vieram dos seus lugares de origem para trabalhar no Brasil, especificamente no Rio. Vieram de navio, aquela história toda dos imigrantes. E o vovô também do lado do papai.
P/1 – Você cresceu no Rio?
R – Cresci no Rio, vivendo nessas duas famílias, que eram supertradicionais. O pessoal brinca que são duas famílias superbarulhentas, voltadas para a questão familiar. A gente tem muito essa tradição da reunião da família dos dois lados. Você ia domingo para a casa de um avô e outro para a casa do outro avô, com aquelas mesas compridas, enormes. A gente sempre teve muito isso. Moramos a vida inteira em casas, na Tijuca, e a vovó, do lado da mamãe, também morava lá. Era perto, a gente ia a pé; do lado do papai também. Era bastante interessante, a gente formou essa questão do núcleo familiar, os imigrantes tinham muito isso: reunir aquele grupo todo e quando não era só família, eram os vizinhos. As pessoas se reuniam muito antigamente e a gente guardou isso até...
Continuar leituraProjeto Mestres do Brasil: suas Memórias Saberes e História
Entrevista de Luzia Tavares da Silva
Entrevistada por Winny Choe e Larissa Rangel
Rio de Janeiro, 26/09/2008
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista nº OFMB_HV026 Luzia Tavares da Silva
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Fernanda Belarmino da Silva e Gustavo Kazuo
P/1 – Luzia, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Luzia Tavares da Silva, eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 24 de julho de 1954.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Genovefa Assunta Manarino Tavares e Carlos Tavares.
P/1 – Você tem irmãos?
R - Tenho atualmente duas irmãs, e um irmão que eu perdi.
P/1 – Qual é a origem da sua família?
R – A minha ascendência é portuguesa e italiana: do lado do papai é portuguesa e do lado da mamãe é italiana. Mamãe é italiana e papai é filho de imigrantes italianos. Os dois lados, imigrantes que vieram dos seus lugares de origem para trabalhar no Brasil, especificamente no Rio. Vieram de navio, aquela história toda dos imigrantes. E o vovô também do lado do papai.
P/1 – Você cresceu no Rio?
R – Cresci no Rio, vivendo nessas duas famílias, que eram supertradicionais. O pessoal brinca que são duas famílias superbarulhentas, voltadas para a questão familiar. A gente tem muito essa tradição da reunião da família dos dois lados. Você ia domingo para a casa de um avô e outro para a casa do outro avô, com aquelas mesas compridas, enormes. A gente sempre teve muito isso. Moramos a vida inteira em casas, na Tijuca, e a vovó, do lado da mamãe, também morava lá. Era perto, a gente ia a pé; do lado do papai também. Era bastante interessante, a gente formou essa questão do núcleo familiar, os imigrantes tinham muito isso: reunir aquele grupo todo e quando não era só família, eram os vizinhos. As pessoas se reuniam muito antigamente e a gente guardou isso até hoje.
P/1 – Luzia, você estava falando que você tem uma família grande e que, além dela, tinha todos os vizinhos, também imigrantes.
R – Temos essa experiência do domingo reunido, das pessoas ficarem na rua. A gente vivenciou uma infância de diálogo, do coletivo, dos dois avós que a gente tem. A gente teve aquele período de brincadeiras: de roda, de pique, pique bandeira, bento frade, mamãe mandou. Montava uma escola na rua, eu era a professora – eu me lembro disso muito bem – eu fazia teatrinho na rua. A gente antigamente fazia muito isso e as famílias apoiavam, porque eles trabalhavam, mas tinham aquela hora do lazer. Ainda temos esse costume de fazer reunião todo domingo. Atualmente nos reunimos na minha casa, os meus filhos vão para lá, filhos, namorados. Às vezes, as minhas irmãs vão no domingo, a mamãe vai, porque não tenho mais pai. Praticamente todo domingo a gente está com a família reunida. Não com esse grupo enorme todo, mas, domingo, por exemplo, em casa quando a gente se reúne, temos vinte e oito ou trinta pessoas. É um núcleo menor: eu, minhas irmãs, os filhos, porque a gente ainda faz questão. Eles gostam, quando não tem nada eles perguntam: “Hoje não tem comida aí, não, pra gente almoçar?” Eles brincam porque gostam desse tipo de reunião, eu acho que leva a uma coisa mais sadia, de construção de família mesmo. Eu estou com trinta e quatro anos de casada e “o que você vai deixar”? Não que eles tenham que trabalhar com trinta e quatro anos, mas são coisas que você vai ensinando. Não vou dizer que é assim que tem que ser, uma receita de bolo. Eu acho que é a vivência que a gente teve, gostou. Tem problemas, tem brigas. Ainda mais italiano e português, briga por tudo. Às vezes, conversando, está falando em um tom tão alto que se passar na rua pensa que está brigando.
P/1 – Como é que é essa reunião? Tem comida?
R – Tem. Em casa de italiano e português, você já viu não ter comida? Não pode! Você se reúne pela comida. É o almoço de domingo, Natal. A vovó fazia, por exemplo, Natal na casa dela, você tinha todas as carnes. Naquela época era assim: matava o porco, o cabrito, as galinhas; tudo em casa, o peru. Tinha aquilo tudo ali feito em casa e todo mundo ia para a casa da vovó, ou para uma ou para outra. Do lado do papai era aquela famosa bacalhoada, e da vovó, era macarronada com todas essas carnes. Na Páscoa a gente também fazia esses almoços e eles tinham o costume de fazer o pão e o macarrão. As crianças faziam o pão. Era um pão torcido; fazia feito uma trança, botava um ovo, ia para o forno e a gente ficava lá. Nós éramos, na época, onze netos na casa da vovó, esperando o pão assar para comer no dia seguinte. Tinha a farra do sábado e do domingo. A gente não ganhava ovo de Páscoa, era aquele ovo que todo mundo tinha trançado na coisa do pão. Eram coisas que a gente fazia e que permanecem até hoje. Tinha aquela história de Papai Noel chegar, eles se vestiam – a gente passou por essa fase de acreditar no Papai Noel – pulavam o muro ou entravam pela janela, eu morava em casa. Tivemos essa experiência, que a gente fez com as crianças, os meus filhos ainda tiveram. Os deles eu não sei, não sei se vai ter Papai Noel.
P/1 – Nessas reuniões o que você mais gostava de comer? Era comida italiana ou a portuguesa?
R – Comida italiana, se bem que eu adoro um bacalhau, são as minhas comidas preferidas. Adoro uma comida italiana, a gente aprendeu a cozinhar em função disso. Fazia aquelas porpetas, que são aqueles bolinhos de carne, uma delícia. Hoje em dia a gente faz algumas receitas que são italianas, eu faço berinjela em conserva. Geralmente o pessoal conhece a conserva no vinagrete, a gente faz toda no azeite: a berinjela, a pimenta, o pimentão, o jiló, a azeitona. Tem todo um procedimento: primeiro você cozinha, bota em uma pedra para tirar a água toda, fica quase uma semana. A gente saber fazer o alice também, dessa maneira toda artesanal. Depois você faz um tempero que você trabalha. Essas coisas ficaram, a gente continua fazendo e as crianças hoje falam: “Mãe, tem a berinjela? Tem a azeitona?” São coisas que a gente aprendeu. Acho que lá em casa o pessoal gosta mais da comida italiana, os meninos comem o bacalhau. Eu acho que o grupo é mais ligado à família da mamãe, que é uma personalidade forte. A vovó era fortíssima – são famílias tradicionais – mas, ela era de vanguarda, a vida inteira. Vovó morreu com 91 anos, casada duas vezes. Para esquecer a viuvez e tal, as filhas a mandaram para Itália, que era a terra dela, voltou casada. Achou que tinha que continuar a vida e ficou casada mais 27 anos. Ela estava casada há 41 anos quando o vovô morreu. E com esse marido, mais 27, ele morreu com 94 e ela com 91, para você ter uma ideia. Todo ano ia para a Itália, ia para Chicago. Ele era italiano, mas com cidadania americana, então todo ano viajava. A influência dela é muito forte na gente. É a questão da vontade, de fazer, essa coisa de determinação. Vovó era mais determinada até que a mamãe, era muito exemplo para todo mundo. A “bivó” era uma figura muito forte. Eles hoje são mais ligados nessa figura feminina por causa da importância dela na vida da gente.
P/1 – Qual era o nome da sua avó?
R – Tereza Tórtura Manarini. Aliás, era Tórtura Tereza Manarini, porque na Itália eles trocam.
P/1 – Luzia, essas receitas maravilhosas de que você falou, você foi aprendendo nas reuniões?
R – Não, no dia a dia. A gente fazia junto, a gente via a vovó fazer, a mamãe fazer. A gente lembra o macarrão: elas faziam aquela massa, enrolavam, deixavam secar, esticavam a massa em uma mesa quilométrica. Devia ter uns três ou quatro metros, e ainda abria quando a família ficava toda reunida nessa casa. Depois, eles enrolavam essa massa e iam cortando com a faca, não tinha essa máquina que sai aquele macarrão bonitinho que tem hoje, não. Então, espalhava na mesa, deixava secar. Hoje a gente não faz mais porque é muito trabalhoso, mas na casa da vovó era tudo feito. O molho do macarrão: comprava o tomate, aquele tomate italiano, que não é o redondinho, é o oval, na feira, botava para cozinhar, ficava não sei quanto tempo cozinhando e botava o peito do boi – porque só podia ser o peito – deixava ali. É um procedimento que você acaba aprendendo. As porpetas também a gente aprendeu vendo fazer, até porque o italiano, o português, às vezes perguntava assim: “Qual é a receita?” Você sabe falar, mas não está escrito, as receitas estão nas cabeças das pessoas. Mas era aquela coisa: você sentava e tinha a copa, o salaminho, o provolone; era aquilo tudo na mesa e era o dia a dia que você faz. E você aprende ali na hora, eles vão comentando, vão falando e você vai aprendendo. O que eu digo que é muito bom dessa reunião de família é que você não aprende só a cozinhar, aprende a dividir, a como se colocar. Uma questão de ética, até de filosofia a gente falava na época, só que a gente não chamava de Filosofia. Mas aprendemos a ser muita coisa que a gente é, a acreditar, a se tornar cidadão para esse mundo, com eles. De onde eles vieram? O que eles passaram? Eram pessoas muito corretas, muito honestas. Trabalhando em comércio, o que também ajudou muito, isso de você ser honesto, fazer as coisas muito certas, muito organizadas. Às vezes, pareciam desorganizados, porque no que fala, fala todo mundo junto. Ajudar muito as pessoas também. Os imigrantes quando vieram se ajudavam muito: um estava sem emprego, era com o outro. O vovô, dos dois lados. Eu tinha o vovô que sempre trabalhou com importação de fruta na CADEG [Mercado Municipal do Rio de Janeiro]. Hoje é o meu tio que continua, o filho dele. Do lado do papai, ele era padeiro, mas papai foi também para o ramo de frutas, só que eram frutas nacionais. Ele trabalhava naquele mercado, antigo São Sebastião, que hoje funciona no Irajá. Esse mercado comum, eu esqueci o nome agora. Sempre nesse ramo de frutas, ele fez a vida em função disso, conseguiu se firmar, comprar imóveis, e dali para frente foi uma vida mais tranquila. No começo, bastante difícil, mas depois eles conseguiram – naquela época, praticamente todas as pessoas desse ramo conseguiram se firmar, comprar casa e depois passou para carro.
P/1 – Você se lembra de alguma reunião em especial desses finais de semana? Ou de Natal?
R – Não, todas as reuniões eram muito especiais, porque a gente falava de um tudo. O que marca muito para nós eram os domingos porque a gente saía de casa e ia pela rua. Eu me lembro, naquela época, eu ia andando cantando na rua, não sei por quê. Ia eu e as minhas duas irmãs de braço dado e papai na frente com a mamãe, ou atrás, e a gente cantando músicas comuns. Eu me lembro disso perfeitamente, a mamãe – não sei por que razão – vestia a gente igual, então era assim: saia e blusa, todo mundo igual, sapato igual, e lá vinha a gente cantando. Eu morava em uma rua mais acima e minha avó em baixo. A gente ia todo domingo e isso marcou muito, essas reuniões e as festas de finais de ano, porque Natal e Ano Novo era uma reunião. Sempre coisas muito grandes: tinha a hora da janta, do Papai Noel chegar, tinha a hora de você receber os presentes e, no dia seguinte, você voltava para fazer a ceia do dia 25. No final do ano, a gente fazia a mesma coisa.
P/1 – Como era a Tijuca na infância assim? Como é que era a sua casa? A rua?
R – A Tijuca era um bairro bastante calmo. A vida inteira eu morei em casa, a Tijuca era formada por muitas casas. Agora não, você tem muitos prédios. Mas a gente ainda tinha as feiras nas ruas. Em dia de feira, a gente ficava no muro olhando os feirantes, as pessoas que passavam; ainda eram aquelas caixas grandes que eles levavam para as feiras. Eles vendiam feijão, arroz, roupa, panelas. Hoje só em poucas feiras você vê isso. Pano de prato, toalha de mesa, tinham aquelas pessoas que vendiam roupa mesmo; tinha o frango que você ainda vendia vivo; às vezes, também tinha porco. Essas feiras eram, justamente, na rua da vovó – porque nós morávamos na rua transversal – e a gente adorava ir para essa casa porque tinha um muro de onde a gente ficava vendo a feira. A minha rua também tinha muito pouco movimento. Tinha uma escola onde a gente estudou, uma escola primária que é a Prudente de Morais. A gente ficava, depois que voltava da escola, umas quatro ou cinco horas, era hora da reunião na rua: as pessoas saíam para conversar, mamãe conversava muito na porta, a gente tinha os armazéns antigamente e as quitandas nas ruas. Em frente a minha casa, tinha uma quitanda, com frutas, balas; e do lado, o que eles chamavam de botequim, onde tinha umas mesinhas, além de algumas coisas para vender. Tinham pessoas que iam lá para beber, mas era uma coisa mais arrumadinha. De manhã nesse botequim chegava – eu lembro muito bem – o leite, que era em garrafa. Você escutava aquele barulho de garrafa chegando e sabia que eram cinco e pouco da manhã, porque o caminhão do leite encostava. Você tinha o padeiro, que vinha com aquele cesto e a bicicleta, entregando o pão. A gente fazia conta no padeiro, e era “hoje pode ser bala, hoje pode ser pão doce”. O padeiro todo dia tocava a campainha: “Vim deixar o pão.” Deixava, e sabia: “Duas bisnagas.” Eram bisnagas, não tinha muito essa coisa do pãozinho francês. Hoje está voltando o padeiro de rua, na minha rua tem o padeiro, com bicicleta e o cesto de pão, mas ele usa uma buzina, já é o pão industrial, que ele vende em saquinho. Não tem bisnaga, no máximo é o pão francês, salgadinhos – porque antigamente não tinha salgadinhos. Hoje ele vende coxinha, salsicha, naquela época, não, era bisnaga, o doce, o sonho, o pão doce com creme. A gente brincava na rua todo dia, de todas as brincadeiras que você possa imaginar. Ainda fazia essa brincadeira de escola, porque, antigamente nas casas, tinham os bancos – que hoje eu acredito que nem tenha – eram bancos compridos, e aquilo era a mesa da escola. A gente botava dois ou três bancos, a pessoa sentava no chão, e a gente dava aula na rua; aula e fazia teatrinho. Os pais ficavam, às vezes, assistindo, porque a gente chamava para o teatrinho, ensaiava, apresentava peça no final do ano e os pais iam ver. A gente cresceu com isso. Na época que eu comecei a namorar, sei lá com treze ou quatorze anos, era outro tipo de evento na rua. De pique sempre a gente brincou, nessa fase a gente ainda brincava; jogo de bola, todo dia com a garotada. Mas a gente começou a fazer as festas, que viraram discotecas e que, agora, são essas festas que a garotada vai, era na rua. A gente levava antigamente a vitrola, tinham umas ruas sem saída, eram mais escuras; tanto que eu conheci o meu marido, que morava na rua ao lado, nessas festas. Todo mundo, nessa época que a gente fazia as festas acabou casando com as pessoas da própria rua. É muito engraçado. A gente se fala e tal, e foram casais formados ali que estão casados até hoje. Depois passou para as casas, porque começou a ficar mais complicado fazer na rua, para os plays, e agora evoluiu para as discotecas, que não pega o tempo de agora, mas o nosso tempo ainda pegou.
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho para a primeira escola que você estudou. Você lembra como foi?
R – Eu estudei na Escola Municipal Prudente de Morais, na Rua Enes de Sousa, a rua onde eu moro. É uma escola pública pequena, de um andar só, com salas lineares, não é uma escola com dois andares. Ela tinha um sino e, batia aquele sino, era para formar ou então para parar. Estava no recreio, o sino tocava, você tinha que parar. A gente se lembra muito disso, até hoje a gente não entende por quê, mas não podia mais andar. Formava, era uma escola tradicional, a gente cantava Hino praticamente todo dia. Eu fui alfabetizada por uma professora fantástica que é a dona Célia Chaves. Ela alfabetizou a gente desenhando, fazia uns desenhos e contava história. Eu acho que hoje eu sou professora talvez por causa disso também. Foi fantástica essa alfabetização porque era uma pessoa muito interessante que, se tivesse tudo que a gente tem de tecnologia, de mídia, seria uma professora... Vive até hoje, de vez em quando eu a encontro. Eu faço cabelo no mesmo salão que ela faz, encontrei-a por um acaso. Ela continua ainda trabalhando, não mais alfabetizando, mas é uma pessoa que me influenciou bastante. Eu fiquei lá até a antiga quarta série, que era o antigo primário. Na época, tinha o curso de admissão, eu ainda peguei esse curso para o antigo ginásio, que corresponde ao sexto ano do ensino fundamental. De lá eu segui para outra. Fiz concurso para o Pedro II, passei – porque o meu sonho era estudar no Pedro II. Passei para o Pedro II, fiquei um ano e depois mudei para o Lourenço Filho, que era uma escola no Grajaú. Por que essa escola no Grajaú? Porque eu tenho uma irmã, a gente pode voltar depois a esse depoimento dos três irmãos. Eu tenho atualmente duas irmãs, porque eu perdi esse meu irmão – até eu estava mostrando a foto – por bala perdida tem quatro anos. Tinha ido apanhar a escritura do apartamento, houve um assalto na rua, a polícia perseguiu, e ele faleceu. Eu mudei de escola porque a minha irmã mais velha, que nasceu de seis meses, foi para a incubadora e perdeu a visão. Inclusive meu nome é Luzia por causa de Santa Luzia, porque a minha mãe disse: “Essa irmã que vai nascer vai ser os olhos da irmã mais velha.” Ela é superagarrada comigo. Foi para essa escola no Grajaú e falou: “Eu não posso ficar no Pedro II.” Foi uma época que me mobilizou muito, porque eu não queria sair do Pedro II, adorava a escola, mas eu tinha uma ligação muito grande com essa irmã; tenho com todas duas. Mas não tinha como ela estudar em uma escola e eu em outra, mamãe não podia levar, porque era muito complicado, e se chegou a um acordo que eu tinha que ir para essa escola. Não me arrependo porque foi uma escola muito boa. A gente trabalhou mais essa questão dos laços, a vida inteira, fiquei com essa minha irmã. Hoje ela é professora do Estado, fez concurso para o Benjamim, fala quatro línguas, é superenturmada. Mamãe sempre trabalhou muito isso: a gente brincava na rua de cabra cega, ela era a cabra cega, ela nunca teve problema. É uma pessoa de um astral fantástico. Dá palestras, dá depoimentos, porque é extremamente integrada, fez curso para andar sozinha em São Paulo. Vai embora sozinha de vez em quando, volta de carona de moto. É super resolvida, casada com uma pessoa que enxerga. É uma pessoa super light, que tem todas essas questões, mas está sempre buscando coisas. Ela influenciou muito a minha vida. Essa se chama Maria da Penha. A outra é Tereza, que também é professora, somos três professoras. Ela também é muito ligada, é a mais nova. Ficou dando aula no antigo primário, está se aposentando. Eu moro na Enes de Souza e elas também, eu moro no 88, essa minha irmã mais velha, no 58, e a mais nova, no 94. São três casas e a mamãe mora em uma rua transversal. A gente está muito próximo, por isso estamos sempre junto. Mas eu estava falando que fiz no Luís de Camões, fui para o Grajaú. Meu pai, na época, falou: “Eu não quero ninguém sendo professora, porque ganha mal e não sei quê.” A família não queria que eu fosse professora e me inscreveram no antigo científico, que atualmente é o ensino médio. Eles me botaram para fazer o científico, digo me botaram porque, naquela época, a gente tinha uma autonomia. Decidia, mas não decidia muito não. Mas eu cismei que queria ser professora e eles falaram: “Se você quer ser professora, vai fazer as duas coisas.” Eu falei: “Tá bom, então eu faço os dois cursos.” Não pude entrar no estado porque essa escola era estadual e você não podia ocupar duas vagas públicas, eu já estava matriculada. Eu falei: “Tá, então me bota em uma escola particular.” E consegui, eles me colocaram em uma escola particular para fazer o curso normal, Nossa Senhora Auxiliadora. Eu fiz três anos de curso normal junto com o científico, fiz os dois cursos e fui para a faculdade. Eu fiz Pedagogia pela UFRJ e depois fui fazendo especialização, fiz pós, fui caminhando até chegar.
P/1 – Como era estudar com a sua irmã? Como era o dia de aula de vocês? O que vocês gostavam? Intervalo?
R – Eu não estudava com a minha irmã. Eu estudava na mesma escola, mas a gente não era da mesma série, ela era uma série acima da minha porque ela é mais velha que eu um ano. A gente ia junto, a gente sempre andou muito junto, mas ela estudava na sala dela e eu na minha. A gente se encontrava sempre no recreio. Ela sempre foi uma pessoa muito. A mamãe sempre colocou. Ela tinha um apoio de professores especializados; na época, o que se conseguia era o Benjamim, que dava uma pequena assistência porque mamãe não podia pagar, nem papai. Ela estava na rede, fez essa inclusão, então, era uma coisa normal. Eu estudava nessa escola, a gente tinha todas as disciplinas, nós nos encontrávamos no recreio e íamos e voltávamos juntas. Pegávamos o ônibus, vínhamos de ônibus normalmente para a casa, fazíamos as coisas à tarde também. Quando ela entrou para a faculdade, só que ela fez UERJ e eu fiz UFRJ, às vezes, para levar, para buscar, a gente ainda se organizava. Era uma coisa muito mais nossa do que da família, porque tinha uma idade mais avançada, éramos adolescentes, final de adolescência, porque estávamos com dezessete e dezoito anos. Não era uma decisão da família. Sempre foi assim. Ela era muito inteligente, estava sempre em destaque: concurso de redação, ela ganhava. E a gente ficava nessa aba, porque ela aparecia, no sentido de ser uma pessoa cega, com algumas limitações, e estava sempre se destacando, porque sempre foi muito lutadora, muito inteligente.
P/1 – Antes de você ir para o científico, você se lembra de alguma aula que você tenha gostado? Alguma disciplina? Algum professor?
R – Nessa fase não, especificamente. Eu gostava de tudo. Essa faixa etária do aluno com treze até quinze anos é uma coisa mais assim: você faz porque você tem que fazer. Eu me lembro de disciplinas, de professores, ou no princípio, como eu falei da dona Célia, ou no Curso Normal. Eu me lembro muito da minha professora do normal de prática de ensino, porque eu era apaixonada por ela. Seu nome era Patrícia, ela era pernambucana, inclusive arrastava no sotaque, mas era uma pessoa fantástica. Eu acho que também fiz Pedagogia em função dela; a prática de ensino que ela nos mostrava era uma coisa muito real. Ela trabalhava muito em cima de casos, de situações, a gente saía muito para ver essa prática, isso me fascinou. Ela influenciou muito nessa minha formação atual ou na minha escolha de profissão. A escolha de profissão, eu acho que já pensava quando eu brincava de professora, porque eu tinha uma família com muitos professores. A minha tia era professora, o meu tio, eu tinha muito essa questão do professor e a gente tinha esse contato. Naquela época, o professor era muito valorizado, a escola ainda era escola, você tinha muito respeito pelo diretor, respeito pelo professor. Ainda era o melhor lugar. Hoje isso fica meio que em segundo plano, a escola não é mais daquele jeito. A escola tem que mudar também – porque eu acho que ela está mudando – mas você não vê mais o mesmo respeito, é outro tipo de relação. Não estou nem julgando se está certo ou errado, até porque a gente está em um momento de transição. Mas esse relacionamento de professor/aluno e aluno/professor é outro momento de vida. Eu acho que a escola era meio endeusada, a gente tinha essa coisa muito boa da escola, você a via como um lugar muito bom. Hoje a garotada questiona se é bom ou se não é, e você tem que contextualizar isso, porque não é totalmente errado esse questionamento. Então, a gente tem que ver em que momento isso aconteceu.
P/1 – Quando você foi fazer a escola normal e o científico, como é que era o seu dia a dia?
R – Uma correria: eu acordava, a mamãe preparava aquele café da manhã para os quatro – eu lembro que, às vezes, era Toddy, aquele copo enorme, e um sanduíche que a gente saía comendo, porque era tudo na correria. Saíamos os quatro juntos sempre de casa, cada um ia para o seu local de estudo e eu ia para o curso normal, que era de manhã. À tarde, eu tinha estágio supervisionado, porque, no normal, você tem dois ou três dias, como se fosse uma escola de aplicação. Você tem que fazer a prática em uma escola onde você vai atuar. À noite, eu ia para o científico e ficava até mais ou menos nove e meia ou dez horas, era o dia inteiro.
P/1 – Você ia a pé? Como é que você ia?
R – Ia a pé, porque todas as duas escolas eram na Tijuca. A partir do segundo ano, a gente quando queria podia ir de ônibus, porque era da Praça Saens Peña até a Ibituruna, que não é muito próximo, é como se fosse de um bairro para outro. Dá para ir a pé. A gente até ia, porque ia conversando. Tinha isso: às vezes, a gente saía os quatro ou as três irmãs e íamos conversando e, às vezes, a gente encontrava colega. Então, era prazeroso e a gente ainda fazia isso. Mas, a partir da segunda série, terceira série, a coisa ficou mais corrida, porque você tinha os trabalhos, tinha o estágio. Assim, eu comecei a usar a condução, porque ficava mais apertado, muitas vezes comia na rua, às vezes, ia para a casa e almoçava, jantava, e ia para a outra escola.
P/1 – O que mais te interessava em cada escola? No científico e no normal?
R – Além dessa prática que a gente fazia no dia a dia no curso normal, as saídas. A gente saía muito para essas visitas, para passeios. E, principalmente, o relacionamento com os colegas. Até hoje a gente tem contato, a gente fez um grupo muito bom. Eu estudava em uma escola de freiras, que é uma realidade completamente diferente, a gente tinha aquelas curiosidades: “O que tem lá no quarto das freiras?”, subia e fazia muita coisa que aluno fala e eu digo. Hoje a gente briga, eu sou diretora de escola, então, “o aluno está fugindo da escola, está matando aula”, mas a gente também fez isso. Eu digo: “O que a gente vai contar depois?” Matava aula. Fugia da escola, claro! A curiosidade de saber o que tinha na sala do diretor. Ia lá, às vezes, subia, porque você não podia subir lá. As freiras tinham os quartos, porque era clausura; era uma coisa para gente: “O que tem na clausura?” Subia lá e se escondia para ver o que tinha, e não tinha nada: era um quarto, uma cama com nada, mas não podia. Então, a gente era do curso normal e eu estava com quinze, dezesseis anos, mas isso ajudou muito. Antigamente não tinha grêmio, mas eles chamavam de grupo de reflexão, grupo de alguma coisa. Tinha uma salinha dos alunos e a gente montava a sala com livros, com almofadas. A gente ficava lá com as turmas todas, era como se fosse um grêmio que naquela época a gente tinha. E foi bom, fez a gente crescer muito, a gente conversava. A escola noturna era uma coisa mais corrida. Eu estava na faixa etária, porque saí do antigo ginásio diretamente para essa escola, mas o noturno já atendia muito ao aluno trabalhador. Os tempos parecem que são mais corridos, o recreio mais curto. Inclusive a gente tem essa crítica com a escola noturna, é uma coisa muito apressada, não tem muito essa parte social. Na saída não pode marcar determinados passeios, porque os alunos são alunos trabalhadores, às vezes, são alunos casados. O que eu guardei muito dessa parte do noturno é a aprendizagem que você tinha da experiência de vida das pessoas que estavam com você nas salas. Pessoas que trabalhavam e que se viravam, que eram casadas, e eu com dezesseis anos. Às vezes, pessoas mais novas com dois ou três filhos. Como é que era isso? Tudo isso ajudou muito na formação do que você poderia vivenciar mais tarde. A experiência desse grupo foi muito importante: se de um lado eu tinha no curso normal toda a vivência do adolescente, da traquinagem, de subir, de descer, de se conhecer a questão relacionada a sexo, a droga, que era a discussão do adolescente; à noite você tinha essa discussão, porque tinha adolescente, mas você também tinha a experiência de quem tinha vivido isso. Então, juntou as duas coisas. Se fosse para você fazer uma formação desse tipo hoje seria muito bom, porque você tem a vida do seu lado, dá a opção da escolha mais tarde. Você escutou, ouviu, você tem os dois lados e tem como escolher que caminho você vai seguir. Na minha vida, em termos de personalidade, na questão da minha profissão, isso pesou muito, porque você teve a oportunidade, em um momento da vida, de ter essas duas visões. E dentro da escola, que também é outro contexto.
P/2 – Com essa agenda cheia como é que ficavam os passeios com os amigos?
R – A gente não deixava de sair porque “Hoje é sábado, vamos pra festa.” A gente adorava fazer festas, na rua sempre tinha alguém que estava organizando, porque tinha que namorar. Eu namorava. Papai tinha as restrições, porque na época não podia sair de carro com namorado, essas coisas. Foi deixando aos poucos. Tinha que sair de carro com o namorado e com alguém junto. Eram aquelas coisas que a gente ainda tinha que passar. Tinham as festas que a gente chamava de Domingueira, olha bem, no Tijuca Tênis Clube, porque era fantástico. Eram os conjuntos ao vivo que tocavam, não era discoteca como pegou em uma faixa dos anos 80 por aí, que a gente chamou de discoteca. Agora a garotada chama – eu esqueço o nome – as festas de hoje que não são mais discotecas. Mas antigamente era domingueira. A gente ia para lá namorar, isso a gente não deixava, sábado e domingo sempre tinha festa. Às vezes, ia passear: Pão de Açúcar, Corcovado, mas não ia só para ver o ponto turístico, a gente ia fazer escalada, andar. Muitas vezes fizemos. Esse grupo da rua ia para o alto, para a Quinta da Boa Vista, fazer piquenique, levava comida, sentava e ficava ali comendo, bebendo. Não se bebia cerveja, mas levava suco e ficávamos ali a tarde inteira. Cinco horas, seis horas e estávamos nós descendo o alto, porque para a gente Tijuca era muito perto. A gente subia a pé, sentava naquelas pracinhas, porque não tinha também essa violência que tem hoje. Tinham aqueles banquinhos, aquelas coisas na Floresta da Tijuca, e ficávamos ali; fizemos muitos piqueniques. Em uma escola que fica na Tijuca, o Batista, que tem uma extensão verde imensa, tinha umas descidas. Eles deixavam a gente entrar, jogar vôlei. Ou os meninos jogavam bola e as meninas iam para assistir, levavam coisa para comer e ficavam a tarde toda. A gente nunca deixou de fazer nada por causa do estudo. Às vezes, você tinha que fazer as coisas mais tarde porque você tinha uma prova, ou acabar mais cedo porque no dia seguinte era segunda feira, mas não deixamos de aproveitar nada.
P/1 – Vocês iam muito à praia?
R – Ah, ia também. Praia era muito engraçado porque a gente não ia de carro, não dirigia, era de ônibus. Imagina, a gente da Tijuca para a praia. Pegava o ônibus na rua, o 409, e ia ao Flamengo. Imagina se hoje a gente vai para a praia do Flamengo! Depois, passamos a ir à Barra porque o Flamengo não era bom. Esse grupo todo, vinte ou trinta pessoas, ia de ônibus. Descíamos em frente ao Novo Mundo, que era o point na época. Todos com aquela parafernália toda, só não levava comida, e voltava todo mundo junto. Passamos também a ir ao Arpoador, que se tornou point. Mais tarde um pouquinho, com dezoito, dezenove anos, passamos a ir para a Barra. Nesse tempo o grupo começou a se dividir porque estavam namorando, tinha gente que estava casando.
P/1 – Esse grupo era todo lá do seu bairro?
R – Era tudo da rua, porque a Tijuca tinha muitas casas, eram famílias muito grandes. Do lado da mamãe eram quatro irmãos, do lado do papai, quatro irmãos. Eu tive três filhos, minha irmã teve quatro, o meu irmão tem quatro. Agora que o pessoal tem um, dois filhos. O meu marido vem de uma família de onze irmãos, que moravam ali também. Um pai militar, por isso cada filho é de um estado, e famílias imensas. Nessa família que eram onze, eram onze na rua; da mamãe eram quatro, mais quatro. E cada família era assim: quatro, cinco irmãos. Esse grupo, quando a gente fala trinta, hoje em dia é muita coisa, mas era muita gente mesmo. E os grupos se fechavam entre eles mesmos: os meninos que iam jogar bola, as meninas que iam fazer roupinhas de boneca; a gente costurava roupinha de boneca na rua – eu me lembro disso – pegava meia e recortava. A gente fez muita coisa boa.
P/1 – Luzia, você estava contando que na rua da sua casa passava o bonde.
R – Na Tijuca a gente tinha o bonde – eu não me lembro especificamente dele, mas durante bastante tempo a gente via aqueles trilhos passando. Tinha uma fábrica lá, essas fábricas em que você vê os operários todos entrarem. Eu não me recordo exatamente do que era, mas em frente à casa da vovó existia essa fábrica. Você escutava o apito, o bonde – ela dizia que o bonde parava em frente à fabrica. Havia aquelas casas, que eram uns cortiços. Antigamente havia casas imensas com vários quartinhos. Não eram pessoas muito pobres como agora, que tem uma renda muito baixa; era classe média, imigrantes que viviam todos juntos. A gente brincava nessa rua da vovó, mas tinha o bonde, tinha todas essas coisas. Meus filhos pegaram isso também. Não o bonde porque a rua foi asfaltada, ficou só com uma mão, passou a ter sinal. Tem uma infraestrutura da própria questão urbana da cidade que dificultou nesse espaço de tempo essas brincadeiras. Meus filhos pegaram, mas os netos eu acredito que não. Ainda brincam, hoje a minha rua é sem saída, você ainda encontra as crianças. Ontem mesmo elas estavam jogando vôlei, crianças de oito, dez anos, porque tem poucos carros. Mas chega certa hora, oito e pouco, os pais começam a tirar da rua por questões de violência.
P/1 – Você falou que havia umas festas na rua e que você conheceu o seu marido lá. Ele era novo?
R – Eu o conheci novo, meu marido tem um ano a mais só do que eu. Eu era muito amiga da irmã dele, que tinha a mesma idade que eu. Até frequentava a casa deles, eles frequentavam a nossa. Um frequentava a casa do outro, mas nunca nem dei bola para ele, nem sabia que ele existia. Em um determinado dia – antes se pedia para namorar – ele falou: “Quero namorar você." Eu falei: “Não, não quero namorar agora, não.” “Não, mas vamos ali um instante que eu quero falar com você." Aquelas coisas que hoje em dia não tem mais. “Eu quero conversar com você, quero pedir você para namorar.” Demorei um tempão, porque a gente tinha outros interesses, eu não queria namorar naquela época. Mas acabou que foi uma insistência, uma insistência, e pronto: começamos a namorar. Eu comecei a namorar em 1970, ele foi o meu primeiro namorado. Tinha outros namoradinhos, paqueras, ele ficava às vezes com ciúme porque era “eu quero te namorar”, “eu pedi para te namorar”, acontecia isso nos bailes. Não era o ficar, porque hoje o pessoal fica; era pedir para namorar e tinha aquela história: “Não quero mais você falando com Fulano, falando com Beltrano.” Mas, em 70, a gente começou a namorar, em 72, a gente ficou noivo e, em 74, a gente casou. Na verdade, eu estou com o meu marido há trinta e oito anos, uma vida. Ele é engenheiro. Hoje está praticamente aposentado, só fazendo consultoria, porque ele fez segurança do trabalho, ou está em plataforma. De vez em quando está embarcado, de vez em quando não está, mas a gente viveu isso tudo junto. Depois começamos a ficar um pouco afastado porque ficou uma coisa mais de nós dois, a gente queria curtir a relação. Continuávamos indo a festas de rua, indo a festas de Tijuca, mas a gente teve mais o nosso momento porque a gente foi curtir namoro, o noivado, pensar nas coisas do casamento, ver móveis, ver dinheiro. A gente começou a juntar essas coisas quando eu comecei a trabalhar. Eu me formei no Normal em 72, no final do ano, eu fiz o concurso e passei para o Município e, ao mesmo tempo, eu passei no vestibular da UFRJ. Então, eu estudava na UFRJ, a Pedagogia era na Urca e eu comecei a trabalhar na Vila Kennedy, onde eu tinha que ir de trem e pegar uma Kombi. Era uma escola que não tinha acesso e o estado disponibilizava umas kombis para levar os professores. Eu tinha que pegar o trem às cinco horas da manhã. Eu e meu marido somos parceiros em tudo e para tudo. Ele também é superfesteiro, inventa tudo muito mais do que eu. Churrasco para ele é todo final de semana, chama todo mundo, e para ele a casa tem que estar sempre cheia. No sábado agora, nós vamos para a casa desse meu filho casado e ele falou: “Domingo vou fazer uma comida.” Adora cozinhar, sábado e domingo só quem está na cozinha é ele, eu nem sei mais onde se localiza o fogão da minha casa, porque não faço mais comida, ele que faz. Naquele tempo, ele acordava às cinco horas da manhã e me levava até Cascadura, porque eu tinha medo de ir, para eu pegar o trem e, depois, pegar essa Kombi. A gente sempre foi muito unido e ele viveu isso comigo. Depois eu consegui porque, como eu estava na faculdade, fiz um pedido para a Secretaria de Educação me colocar mais perto. Não dava conta de estudar na Urca, algumas matérias minhas eram lá no fundão, e dar aula na Vila Kennedy. Por isso, eles me trouxeram para Sampaio da Rocha, e surgiu a oportunidade de outro tipo de transferência em função do curso que eu estava fazendo. As escolas normais pediram professores que estavam habilitados a dar aula nesse segmento. Eu consegui minha transferência para o ensino médio e desde 74 eu fui para o Júlia Kubitscheck, onde eu me tornei diretora. No mesmo ano, eu casei, e foi outro percurso de vida, porque é outra história.
P/2 – Quantos anos você tinha quando se casou?
R – Quando eu me casei, vinte, e ele ia fazer vinte e um. Eu casei em novembro de 74 e faço aniversário em julho.
P/2 – Você comentou que fez o concurso e entrou na primeira escola. Como é que foi o seu primeiro dia de aula, você lembra?
R – O primeiro dia não, eu me lembro da primeira escola. A primeira turma eu lembro muito bem, porque eu cheguei, era a mais nova na escola, e os mais novos sofrem. Hoje eu vejo, sendo diretora, você geralmente arruma a escola e os mais novos ficam com o que sobra, porque a opção de escolha vai do mais antigo para o mais novo. Então, sobrou. Eu estava acabando de chegar, peguei uma turma de repetentes há dois anos na escola, alguns há três anos no antigo CA, alfabetização. Esses meninos deveriam estar com seis anos mais ou menos, eles estavam com dez, onze anos. Era uma escola pequena. Essa turma, que era a pior turma considerada pela diretora, era de rodízio, não tinha sala. Eu digo: “Meu Deus do céu como eu vou alfabetizar essas crianças fora da faixa etária e em rodízio? Eu não posso ter mural, não posso ter uma biblioteca em sala de aula, eu não posso ter um cantinho para Ciências, não posso nem trabalhar a identidade dessas crianças, como é que vai ser?” Essa experiência para mim foi muito marcante, porque eu falei: “Eu vou conseguir, esse é o meu desafio.” Foi a turma que mais marcou na minha vida, porque eu acabei alfabetizando todos eles. E depois, durante os dez anos, eu tenho ainda alguns que escrevem cartas para mim. Gente casada com filhos, quer dizer, são os meus netos, porque todos foram alfabetizados, eram vinte e oito alunos. Era uma turma muito interessante porque, à medida que você motivou essas crianças e que a gente mostrou para elas que eram capazes, elas respondiam. Na época, a resposta era dar alguma coisa para o professor: tinha dia que eu saía de lá com jaca, com galinha, com as coisas mais inusitadas, porque eram pessoas pobres, mas que trabalhavam com isso e que tinham sítios, porque ali estava ainda se criando a Vila Kennedy. Foi no início. E como é que eu levava no trem? Levava, às vezes, para casa, para a Tijuca, galinha, jaca, melancia, porque eu não ia deixar na escola. Eram pessoas superafetivas e todo dia tinha isso; as cartas que eu ainda tenho até hoje, é a glória. Eu ainda tenho aluno meu, daquela época, que escreve e isso foi muito positivo na minha vida. Outros alunos me escrevem, de outras épocas, principalmente do tempo do curso normal – que foi um segmento com que eu me identifiquei muito – o curso de formação de professores é minha paixão. Agora estou em uma escola voltada para a tecnologia, mas acho que é em função dessa experiência de um novo desafio, eu adoro desafios, mas a minha paixão é a formação de professores. Eu tenho alunos assim: “Eu me tornei professora porque fui sua aluna.” Isso é fantástico, o que você influenciou na vida dessa pessoa, que responsabilidade a sua. Sempre levei muito a sério o que faço dentro da sala de aula, que tipo de exemplo, o que estou ensinando, que tem que ser dentro de uma realidade. Mas você tem que formar, informar, e trabalhar isso muito bem, porque o professor que você forma é um multiplicador, é um formador de opinião ou de opiniões.
P/2 – Como você chegou mais perto de trabalhar com gestão escolar?
R – Com gestão, foi no Júlia Kubitscheck. Em 74, eu prestei outro concurso e fiquei com duas matrículas no Estado, essa do município, que eu pedi para ser amparada no Júlia Kubitscheck, e a outra, trabalhando no supletivo. Na época, eu desenvolvia muitos projetos, sempre fui festeira, sempre inventei muitos projetos e invento até hoje, adoro trabalhar com projetos. Uma diretora me convidou e me apresentou para uma pessoa que trabalhava na Secretaria de Educação. Assim, fiquei com a matrícula no Júlia e com a outra eu fui para Secretaria de Educação, no antigo ensino de primeiro grau. Trabalhei um tempo lá, continuei envolvida com os projetos, e fui trabalhar na assessoria do Governador, no Palácio Guanabara. Peguei essa experiência na área de Educação no Palácio Guanabara, mas eu não queria ficar fora de escola. Pedi meu retorno para a educação e fui trabalhar no Instituto de Educação. Depois pedi para voltar para o Júlia, trabalhei com turma, que era onde eu queria ficar. Dei Práticas Pedagógicas, que antigamente era Didática Geral, trabalhei com as Didáticas Especiais, em que você faz uma didática voltada para Matemática, para Antiga Linguagem, para Ciências. Eu me formei trabalhando com disciplinas que eu chamo de pedagógicas, dei Fundamentos de Educação. Trabalhei muito tempo com aluno em sala de aula e consegui trazer a outra matrícula para o Júlia. Como eu sempre gostei muito dos projetos, eu comecei a trabalhar na área administrativa. Trabalhei com grêmio escolar, que antigamente chamava Centro Cívico, depois trabalhei com a coordenação de turno, trabalhei como agente de pessoal, que trabalha com todo o pessoal da escola, o núcleo da escola é o departamento de pessoal. Trabalhei como coordenadora da parte de prática pedagógica da escola e fui convidada para trabalhar na direção da escola. Foi uma época de bastante mudança, porque até 1980 as escolas recebiam seus diretores por nomeação, por indicação. Em 1985, começa um trabalho do próprio professor de buscar eleição dos diretores e o pessoal falou: “Luzia, por que você não fica?” Mas eu era muito nova, falei: “Não quero ficar, ainda não estou preparada.” Nessa época eu fui convidada, mas entrou outra gestão. Continuei trabalhando em turma, no Departamento de Pessoal, e um pouco na Secretaria da escola, ou seja, você tem toda noção do que é gerenciar. Eu tive, na Secretaria da Educação, a educação em outro contexto, porque você está vendo de fora; e a vivência em todos os setores da escola, Coordenação, Departamento de Pessoal, a Secretaria da escola, eu tive dentro escola. No mandato seguinte foi feita uma nova eleição, eles me chamaram para formar uma chapa como diretora adjunta. Eu aceitei, porque tinha vivenciado esse processo da eleição, tinha visto como isso acontecia, eu falei: “Eu acho que vou aceitar esse desafio.” Fiquei dois anos, 88 e 89, na direção adjunta. A eleição era mais ou menos de dois em dois anos. Em 1990, por solicitação da comunidade escolar, eles falaram: “A gente queria que você se candidatasse.” E eu me candidatei junto com o grupo e fui eleita. Foi muito bom, eu fui eleita com 97% de aceitação. Em alguns anos a gente não teve eleição, por uma questão política, e a cada dois anos se abria inscrição para eleição e eu sempre concorria em função da solicitação da comunidade. Eu não tive outras chapas, porque as pessoas se diziam satisfeitas e, graças a Deus, eu fui eleita durante esse tempo todo com 90%, 95, quando saí, em 2005, foi a minha última eleição, a aceitação foi em torno de 93%, em consideração das mudanças e tal. Eu fiquei dezoito anos na direção da escola, eleita. Aprendi muito a trabalhar com gestão e é difícil, principalmente quando você é um gestor eleito, porque tem a questão do que você pode e do que você não pode, tem a autonomia. Você tem uma autonomia, mas é parcial, você tem um compromisso com sua comunidade escolar que te elegeu, porque não é só o professor, tem os pais do aluno que estão te elegendo, porque o pai está ali trabalhando. Eu tinha uma escolinha de aplicação que a gente também criou, depois eu falo um pouco disso. Esse pai participava da eleição e o aluno também, então você tem esse compromisso com a comunidade e com a Secretaria de Educação. Uma coisa que eu sempre achei muito importante é que, hierarquicamente, você está presa a essa estrutura. Concordando ou discordando, há uma hierarquia que tem que ser respeitada por uma questão de organização, e você, dentro disso, se você está trabalhando junto, cumprindo o que está sendo pedido, tem condições de contra argumentar o que você não quer fazer. A escola, de um modo geral, foi sempre muito respeitada, tanto que eu saio de lá muito bem, muito satisfeita. Eu tinha acabado de ganhar um prêmio de referência da gestão escolar e, no dia que recebi o prêmio da Secretaria de Educação, eu fui convidada para dirigir o José Leite Lopes. Eu fiquei mais satisfeita ainda porque foi uma indicação do diretor, não foi uma direção eleita, foi uma escola criada e ela teve que ser indicada. Mas a minha foi uma indicação técnica e muito importante para mim porque foi por merecimento. Fiquei muito feliz, marcou muito a minha vida, porque foi o reconhecimento de um trabalho que eu realizei. É um caminhar que se mistura com a minha vida, foram trinta e quatro anos dentro do Júlia Kubitscheck. Eu fui para lá em 74 e saí em 2008. A vida da escola, como ela cresceu e o que ela desenvolveu, mistura-se na minha vida pessoal, porque eu não vou desvincular. Meus filhos muitas vezes foram para aquela escola, participaram das festas, dos eventos, dos prêmios que a gente ganhou. A Secretaria de Educação faz uma avaliação das escolas desde 2000. No Rio de Janeiro, só duas escolas foram classificadas como máximo, que receberam nota cinco, e o Júlia sempre ficou com a nota máxima. Isso é fruto do trabalho dessa gestão e não só. Quando eu digo gestão, é um trabalho meu, mas é também do professor, do aluno, do pai do aluno e da própria Secretaria de Educação que te dá o respaldo. Dos parceiros, porque a gente fazia muitas parcerias com a comunidade, a gente fazia parcerias com as universidades. Gerir uma escola não é do outro mundo, mas é uma coisa de muito compromisso e muito comprometimento. Você que dirige uma escola não tem que ter um compromisso só com aquilo que você acredita, mas com o que a tua comunidade espera de você, onde a tua comunidade está inserida, do que ela precisa. Dessa forma, você vai entremeando, vai fazendo uma rede, que é o que vai dar sustentação para essa escola ser o que ela é. Hoje, o Júlia Kubitscheck tem uma identidade, um nome, é uma escola considerada padrão e eu tenho muito orgulho de ter feito o que eu fiz. Saí muito mobilizada, primeiro, porque foi em maio onde tudo eu tinha programado, porque a gente faz um planejamento conjunto, faz o projeto político-pedagógico da escola, isso sempre eu fiz no ano anterior. E todas as festas, os eventos, tanto que eu estou fazendo ainda formatura. Uma vez por semana estou indo lá para passar a escola para o grupo que ficou; a gente conseguiu junto à Secretaria de Educação que eles indicassem uma pessoa que desse prosseguimento à linha de trabalho. Depois, talvez, tenha uma nova eleição. A gente até conseguiu mudar, mas a Secretaria concordou, e nós indicamos, o nosso serviço pedagógico ficou com o diretor de escola. Ainda continuo fazendo algumas coisas, porque me pegou muito de surpresa. Foi uma comoção. No dia que eu passei, porque a gente segurou essa informação, a gente não estava muito certa, era um desafio muito grande, não era a área que a gente estava acostumada. Quando os professores receberam a notícia, acharam muito bom, porque era o reconhecimento de um trabalho, mas a gente também não esperava. Foi uma choradeira, que eu digo: “Gente, eu não acredito que a gente faça isso tudo.” Que essas pessoas gostem da gente a esse ponto da gente dizer, a palavra que usei foi comoção. A gente achou que as pessoas iam sentir e tal, mas foi uma coisa tão significativa para todos nós na saída, que eu digo: “Meu Deus do céu, como a gente tem influência na vida dessas pessoas.” Não só em termos pessoais, porque para alguns foi pela questão da amizade, mas profissionais, pelos depoimentos que essas pessoas fizeram na nossa saída, porque a gente abriu no final. A gente colocou o porquê que a gente estava saindo: que era um novo desafio, que a gente tinha feito tudo que a gente poderia por aquela escola e que era um novo momento. Eles sabiam que eu estava com a minha aposentadoria pedida, porque eu suspendi a minha aposentadoria, eu tinha trinta e quatro anos e podia ter me aposentado com vinte e cinco. Eu falei para eles que estava esse tempo todo além da minha aposentadoria, porque professor se aposenta com vinte e cinco e eles já sabiam. Que a gente tinha esgotado ali e precisava ir para outro espaço; que era um espaço muito bom, diferente, era uma nova aprendizagem para alguém que vivenciou muita coisa. Que era o reconhecimento do nosso trabalho, que era a oportunidade da gente estar sendo valorizado porque, às vezes, nesse contexto da Educação, você faz muita coisa e as pessoas não reconhecem. Aquele era o momento de reconhecimento que a gente não poderia perder. Mas o que a gente gerou nesse grupo foi um desequilíbrio enorme, que agora está tranquilo. A pessoa que está lá é fantástica, a professora Sheila, o grupo que está com ela é muito bom. Mas na hora foi uma coisa assim, uma complicação, que vocês não imaginam o que foi. E para nós também, largar. Eu digo que foi um pouco parecido com quando o meu filho casou, saiu de casa, “ah, que bom, que beleza”, mas quando você olha aquela cama e não tem mais ninguém, o armário não tem mais roupa: foi embora. Foi mais ou menos a mesma sensação.
P/1 – Nossa! E para você, pessoalmente?
R – Pessoalmente foi muito difícil, muito difícil mesmo. Está sendo, porque eu estou vivendo essa separação, ainda estou indo lá toda semana, estou com um vínculo ainda. Acho que, talvez no ano que vem, quando a gente não for mais lá. Foi muito complicado, mas é o que eu digo: era o momento, a gente tinha que aproveitar. Você entra em um novo desafio que, para mim, está sendo muito importante, é uma aprendizagem. O trabalho na NAVE [Núcleo Avançado em Educação] tem sido fantástico, a Oi Futuro está dando muito respaldo, junto com o pessoal de Secretaria de Educação. Você está tendo tempo com os professores para capacitação, para integração, para coisas novas e o nosso objetivo é buscar metodologias inovadoras para replicar para a rede. Está sendo muito proveitoso. Em termos de gestão, é um aprendizado completamente novo, porque lá você faz uma cogestão. Toda quarta feira a gente tem uma reunião de cogestão com o diretor da escola, um representante da Oi Futuro, um representante da Secretaria de Educação e todos os parceiros que estão trabalhando com a gente na parte técnica. Realmente é uma cogestão de uma escola estadual. Qualquer coisa que você está trabalhando, a grade do currículo, o horário, mudar um móvel do lugar, mudar uma sala, organizar um laboratório, comprar equipamentos, você está discutindo em grupo, que é bem mais trabalhoso, mas é muito mais interessante, mais proveitoso – se eu posso dizer assim. É muito mais rico porque você não tem só a sua visão. O diretor, que não está dentro da sala de aula, olha a escola às vezes em uma visão dele. Quando ele é sozinho, mesmo que ele tenha a direção adjunta, ele vê uma coisa muito mais em uma única direção. Essa aprendizagem está sendo muito importante, porque você abre um leque de direções e você tem que fazer um acordo, ceder, dar sugestão, contrapor algumas coisas, defender suas ideias. Eu digo que lá na escola eu trabalhava com a pedagogia do não, eles falavam: “Ih, professora, o que é pedagogia do não?” Primeiro eu sempre digo não, para que as pessoas possam pensar; porque sim é muito fácil. Eles, às vezes, pediam: “Professora, eu posso fazer alguma coisa assim?” Eu digo: “Pode.” “Pode mesmo?” É igual filho que pede para ir ao cinema: “Posso ir ao cinema?” “Pode.” “Posso?” Eu digo para eles que gosto muito do não, porque com o não você vai ter que me convencer, ter argumentos. A gente trabalha muito isso na cogestão, você tem que negociar. O importante é você estar aprendendo com um, com outro; ele está aprendendo com você e você está negociando o tempo todo: é a cogestão. E você está com a empresa. É importante que você tenha a escola com todas as coisas: todas as dificuldades, as coisas boas da escola. Você tem as coisas boas e ruins da empresa, as coisas boas e ruins dos parceiros e você junta aquilo em um todo. Assim, você consegue tirar muito mais coisas boas disso tudo, porque você está tirando tudo o que há de bom de cada um, é interessante.
P/1 – Luzia, conte um pouco como é que foi o prêmio do Júlia Kubitscheck e o convite para entrar no NAVE?
R – Muito difícil. Esse prêmio é dado pelo MEC em nível nacional e tem os parceiros: Ondine, Fundação Roberto Marinho, depois eu posso te dar os nomes com precisão. Você se inscreve, faz uma avaliação na escola, e os professores participam dessa avaliação, você pontua a escola e depois vem alguém dessas instituições para analisar o relatório que você mandou e aquilo que você faz. Não é marcado, eles chegam à escola o dia que eles quiserem para ver. “Hoje eu vim ver o projeto do grêmio que você disse que é muito bom.” E eles sentam com os alunos, com os professores, com os pais; fazem uma averiguação. Mandam para as pessoas que estão responsáveis pelo prêmio, para Secretaria de Educação, e em nível nacional, fazem a premiação dessa escola. Eu fui premiada em nível estadual no ano de 2007 para 2008, ganhei em 2007 com a premiação que aconteceu em abril. A gente fez uma solenidade e depois eles me chamaram para a premiação dentro da Secretaria de Educação; foi quando eu recebi o convite. O pessoal da Oi estava conversando comigo e eu disse: “Não, não vou. Largar o Júlia Kubitscheck com trinta e quatro anos? Não vou mesmo, estou em uma situação que conheço a escola, conheço as pessoas, tenho os meus projetos. Mas não vou mesmo.” Eu fiquei dizendo “não” de março até meados de maio, acho que eu recebi o prêmio lá pelo dia 17, e o “não” foi desde esse tempo. Então, a Secretaria e o pessoal da Oi me chamaram e me levaram para conhecer a escola. Eu comecei a gostar de lá e eles começaram a dizer o que a gente ia fazer, com que a gente ia trabalhar, que a gente ia ter tempo para estudar, para fazer integração, que a gente ia buscar novas metodologias. Assim, eu comecei a ficar interessada e eles perceberam que eu comecei a abrir a guarda para o desafio. Chegou um momento em que eles falaram: “Luzia, a gente precisa de uma pessoa que tem essa experiência de gestão, você vai trabalhar com professores e alunos novos, a gente precisa de alguém que tenha essa abertura de direção participativa." Eu sempre fiz uma gestão participativa com todos os senãos desse tipo de gestão. “A gente precisa de alguém assim.” Então, eu conversei com as minhas adjuntas, aquele negócio da negociação que a gente aprendeu, e falei: “Eu vou levar minha equipe.” Levei um grupo, desfalquei a escola. O pessoal reclama comigo, mas eu levei as adjuntas, levei alguns poucos professores, porque senão a gente tirava de turma e seria muito complicado. A equipe de direção, a Secretaria autorizou, a gente levou e começou a trabalhar. A inauguração foi no dia 27 de maio. A gente está lá há quatro meses, em meses corridos de um a 30, mas praticamente 90 dias, assim de dias letivos ainda não chegamos a 90 na NAVE.
P/1 – Qual a proposta da NAVE?
R – NAVE é Núcleo Avançado em Educação. O objetivo primeiro é trabalhar novas metodologias e pesquisas para você replicar para a rede toda. Não é para ficar uma escola diferente, é justamente para abrir esse leque. A NAVE atualmente tem um ensino médio integrado em horário integral, eles ficam das 7h até 17h. A gente forma três técnicos – vou chamar de habilitação, que não é bem habilitação – dá diploma de Técnico em Jogos Digitais; em Multimídias e TV Digital; e Roteiro para Multimídias, que são profissões novas do século XXI, não tem nenhuma escola que forma alunos para esse mercado, é uma coisa nova. O NAVE é composto de três setores: tem a escola, estadual, que é uma parceria da Oi Futuro com a Secretaria de Educação, com toda a estrutura do Ensino Médio da rede. É uma escola da rede, os alunos são da rede, os professores são concursados da rede, foram selecionados para lá, a direção é da rede, os funcionários são da rede. Os parceiros que são da área técnica, trazidos pela Oi. Então, tem a Escola, a Usina de Expressão, onde você tem um local só de exposições, você pode trabalhar com várias exposições em um salão multiuso: desde os eventos da escola até outros que você pode trabalhar fora da escola. E tem a Fábrica de Jogos, onde estão os laboratórios com equipamentos de última geração, e a praça de convivência, onde estão os computadores de jogos, televisões que os alunos ficam o dia todo assistindo. Os recreios deles podem ser ali, eles se utilizam daqueles jogos dos computadores, podem usar sem nenhum problema. Tem o Germinal que é o centro de pesquisa, tem o convênio entre a Secretaria e as universidades, para pesquisa realizada dentro da escola, e os laboratórios que a gente tem. Um professor que é do estado, além da regência de turma, tem o tempo de capacitação, de integração, que é muito bom, possibilita a pesquisa de novas metodologias. É um trabalho que promete muito, e tem muita coisa boa para fazer.
P/1 – Como os alunos ingressam na escola?
R – Esse ano passado, que foi o primeiro ano que eles entraram, divulgaram a escola pela internet. Os alunos se inscreveram e foram selecionados com uma prova de habilidade que foi feita pela Oi Futuro. Foram selecionados 176 alunos, a gente tem quatro turmas de 44 alunos. Esse ano agora, a gente fez o edital que deve estar para ser publicado. Eles vão ter prova de Português e Matemática e nós vamos classificar os primeiros 1000 alunos, que farão prova de habilidade, e desses, vamos classificar 140. Estão esperando, pelo que a gente tem sido procurado, mais ou menos 5000 alunos.
P/2 – Como é a prova de habilidade?
R – A prova de habilidades é voltada para essa área, eles chamam de Raven. É uma prova que – eu não posso te garantir que é tipo um psicotécnico, porque eu não tenho dados para colocar – são elaboradas e aplicadas por psicólogos. É habilidade nessa área de Ciências Exatas, para jogos digitais. Ela passa a ser classificatória. Foi o que a gente fez esse ano, a gente só trabalhou com essa prova de habilidade mesmo porque não tinha tempo hábil. O aluno geralmente entra pelo 0800 da rede. Já estava matriculado na rede, não era um aluno que estava até maio sem estudar. Divulgaram que ia ser criada essa escola com esse perfil, com essa formação, e eles entraram para se inscrever, ligaram e fizeram essa seleção. Foram chamados e foram classificados, os 176 foram encaminhados para lá e fizemos via transferência. Eles são alunos da rede com tudo que a rede tem, eles têm uniformes.
P/1 – Você falou que no começo você disse “não”, só que algumas coisas foram te cativando, até que você entrou. O que te cativou, além do desafio?
R – O desafio no primeiro momento. Sou uma profissional da área de Educação, mas ela tem que ser trabalhada em cima dos desafios. A cada dia o mundo muda, de hoje pra amanhã a informação já ficou velha, a Educação tem que tentar acompanhar. Eu sou uma pessoa de desafios, de coisas diferentes. Quando eu fui conhecer o projeto, também me encantou, era uma coisa completamente diferente do que eu fazia, porque eu estava exclusivamente voltada para a formação de professores, e trabalhar com a Tecnologia me mobilizou bastante. O objetivo dessa escola era trabalhar com metodologias inovadoras, formar um profissional para o século XXI, o que me interessou muito. E nós que estamos lá, professores, a gente também está aprendendo, está construindo essa escola em conjunto. Você diz assim: “Você está projetando um técnico para o século XXI, mas daqui a três anos, quando eles tiverem formados, a gente de repente está mudando isso tudo outra vez.” Um dos cursos é Técnico de Programação de Jogos Digitais, mas que tipo de jogo haverá em 2010, 2011? De repente pode ser uma coisa bem diferente. É uma escola que está sempre em movimento, buscando alguma coisa nova, ela não é uma escola – não vou te dizer, porque no Júlia eu tenho experiências muito positivas. É uma escola de todo dia e de toda hora, que trabalha com aquilo que é do momento, a informação, a comunicação. Lá você percebe que ela não para no tempo, que está tentando seguir – seguir não – acompanhar toda essa mudança. Às vezes, você entra em uma escola e tem a nítida impressão que é bonitinha, arrumadinha. Ela não é assim. Nela um professor que tem que estar correndo atrás de coisas novas, porque ele trabalha com tecnologia, com coisas de ponta. Hoje ele comprou um software para trabalhar com o aluno e amanhã ele está obsoleto. E eu resolvi: “Acho que está no momento.” Eu tinha pensado alguma coisa em termos de aposentadoria e guardei para ver se a gente podia trabalhar com isso.
P/1 – Como você vê esse relacionamento da Oi Futuro com uma escola estadual da rede?
R – Muito positivo. Eu acho que o futuro é isso, são as escolas fazendo parceria com as empresas e as empresas com a escola. O que a Oi Futuro está fazendo é muito inovador, é fantástico. Eu acho que o projeto serve de exemplo para muitas pessoas e tem sido visto por muitos empresários. A gente esteve na semana passada com parceiros da educação que estão interessados, que querem adotar a escola, e ele está servindo de base. Eu acho que o primordial nesse projeto é que as empresas tem que ver a beleza do que é uma escola, se você conversar com o pessoal da Oi Futuro ou com os parceiros, que não são professores. A Mônica, que vai te dar o outro depoimento, não é professora, ela está professora, porque ela trabalhava na universidade. Ela é matemática, mas se encantou tanto que eu falo: “Você está professora, você já virou.” Ela agora mora na escola. Nessa troca do que é a escola e o que é a empresa, eu acho que a empresa começa a ver a Educação de outra forma, eles mesmos dizem: “a gente tem aprendido tanto.” Do nosso lado, a gente aprende muito com a empresa, o pessoal do ensino médio e do Estado aprende muito com as empresas, porque você às vezes olha o Estado como aquela coisa menor e a empresa “não, é uma empresa ótima”. Mas não é. Quando você começa a aprender, vê que são pesos idênticos, e eles têm dito que tem aprendido muito com a escola e a escola com eles. Coisas que eles não sabem começam a aprender e a ver a escola diferente, ver como esse professor trabalha. A gente, por outro lado, vê a visão da empresa, o que é muito importante, porque esse menino vai entrar para o mercado de trabalho, vai para algumas empresas que podem ser parecidas com essas. O caminho da Educação são essas parcerias, ela está precisando desse apoio da empresa, pois ela não tem condições. Se a gente ficasse só no Estado, a gente não teria tudo que a gente tem: uma infraestrutura fantástica, desde o local, o prédio em si, até todo equipamento disponível, todo o apoio que a gente tem. E em contrapartida tem a Secretaria de Educação. Já que a empresa está abrindo as portas, a Secretaria de Educação também está dando um apoio muito maior. Temos recebido um apoio muito bom da Secretaria de Educação porque ela está vendo que existe um caminhar, uma abertura muito grande para a educação do Rio de Janeiro, estadual, colocar-se nesse mercado e dizer: “A gente também é muito bom.” Esses professores que eu tenho, todos eles tem Pós Graduação, eu tenho muitos professores com Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado, ou seja, eles estão ali por opção.
P/1 – Qual a importância para os alunos de você estar sempre pensando em novos procedimentos pedagógicos, novas influências, uma nova proposta de curso?
R – Da escola em si, eu acho que é uma escola muito próxima da realidade, porque, às vezes, o aluno falava: “Eu estou aprendendo isso pra quê? Pra que eu aprendo função? Ah, não vou aproveitar nunca.” Nessa escola você não tem isso. No momento que você está na escola, você está ali, junto com a informação, com a comunicação, com a vida. Aquela escola te dá oportunidade, a tecnologia te ajuda, porque ela entra como ferramenta, mas a maneira de você pensar dentro daquela escola é que está sendo diferente. Você sai daquele mundinho da escola – é horrível falar mundinho – você sai do mundo da escola para a escola do mundo. O mundo é uma escola, a vida é uma escola; se você pensa, enquanto diretor, que você tem que estar todo dia aprendendo, que tem que participar das reuniões. O dia que tem capacitação você não está na sua sala, presa, você faz uma direção presente com professor, com aluno, porque você está aprendendo tanto quanto eles em sala de aula. Cada coisa você também tem que aprender, diretor, professor, agora mesmo a gente está botando o nosso pessoal de apoio, está todo mundo estudando. É uma escola em que ninguém pode ficar parado, isso é importante para o aluno ver como exemplo. Para ele ver que se a gente parar, a gente não consegue ficar dentro dessa realidade. Ele está vendo compromisso, comprometimento, ele está vendo que você nunca para de estudar. A gente não pode parar de ler, de estudar, de se atualizar, se não você fica parado. A vida te dá tempo, dá ganho de vida, dá, não só experiência, porque não é a experiência por si, é a experiência vivenciada com esse aluno. E o mais importante é nem estar à frente desse aluno e nem estar atrás, é você estar do lado. Outro dia eles estavam brincando comigo, eu sempre trabalhei de modo muito participativo, a gente estava vendo o uniforme, e eles: “A gente vai ter uniforme, por que está demorando?” “Porque vocês vão escolher o uniforme.” Eles estão começando a escolher, e falam: “Mas é tão diferente, aqui a gente pode até escolher o uniforme.” Claro! Eles é que vão usar o uniforme. É uma escola nova! Não existe isso, porque você fica no mundo da escola, que está estruturada. Mexer nessa estrutura é possível. Nós mexemos na do Júlia e, graças a Deus, hoje é uma escola padrão. Essa você está construindo junto, é um pensar diferente, você abre um arco que te dá mil possibilidades. Por que eu não pedi a minha aposentadoria? Vou pedir, mas enquanto eu tiver ali naquele burburinho, a gente vai trabalhar, vai fazer os projetos. Agora a gente está empenhada para fazer a primeira jornada do colégio. O pessoal falou: “Luzia, você não tem noventa dias e está inventando para outubro uma jornada pedagógica?” Estamos inventando uma jornada em que o professor tenha condições de trabalhar, de fazer as oficinas, de trazer pessoas de fora. Não queremos só para escola não, vamos fazer para a rede. É desafio, é todo dia. No momento em que você está preparando uma atividade dessas e o professor é o ator dessa jornada, primeiro, ele se sente importante e, segundo, você está fazendo com que ele pesquise, com que ele trabalhe com o aluno que é professor igual a ele. Eu quero também que ele trabalhe com o aluno dele – não de igual para igual, porque você tem guardado os devidos papéis do professor e do aluno – mas que, no diálogo, no pensar, no produzir, seja uma relação muito boa de ensino/aprendizagem, que ele veja uma escola diferente, que sirva para ele. Pode não ser tudo, mas que faça parte de uma área muito positiva da vida dele, se não, não tem sentido a escola. Só tem sentido quando faz parte da história da gente, se não a escola fica perdida. E você diz: “Você se lembra da sua escola?” “Ah, eu não lembro muito bem não.” Ou “eu quero esquecer”, o que geralmente não acontece. A escola, mesmo com todos os senãos, tem um peso muito grande na vida da gente seja em qualquer momento da vida, mas ela tem. E é muito grande.
P/1 – Luzia, novas ferramentas pedagógicas, como o computador, não entraram na escola há muitos anos.
R – Mais ou menos, entrou há pelo menos uns dez ou quinze anos, está entrando muito devagar.
P/1 – É uma entrada devagar, dependendo da escola?
R – Devido à questão financeira.
P/1 – Como você vê a entrada na escola dessas ferramentas pedagógicas que vocês estão implementando no NAVE?
R – Eu tinha experiência na escola anterior, a gente trabalhava com laboratório. Para mim, ou talvez para esses professores que sempre trabalharam com tecnologia na educação, não é muito novo, a gente vinha trabalhando. No NAVE, a gente trabalha muito melhor, mais próximo do que existe, são muitas ferramentas, muitos programas para utilizar na sala de aula. E não é só o audiovisual, é a utilização desse trabalho na sala de aula, porque você tem muitas coisas. Não, eu me perdi no que eu estava falando, não era isso que eu ia falar, não, o que você perguntou? Eu me perdi.
P/1 – Como vocês estão lidando com essas novas ferramentas pedagógicas em sala, pensando a interação com o aluno?
R – Eu estava falando das ferramentas. Todo esse material, a gente está trabalhando de forma integrada. Como é ensino integral, a gente está buscando uma nova maneira de trabalhar: o professor de Matemática trabalha junto com o professor de Jogos, o de Jogos junto com o de Geografia. Está sendo um trabalho multidisciplinar. A gente está trabalhando com essas ferramentas, programas, tudo que a gente tem, para mudar a maneira de apresentar o conteúdo para o aluno. Está sendo completamente diferente, mas não é fácil. Está sendo trabalhoso no sentido de que você tem que estudar para aprender, e saber a maneira como você vai utilizar. Não é difícil para o professor que está com a gente porque ele é formado nessa área, tem Pós-Graduação em Tecnologia da Educação; é muito positivo. A estrutura da escola te dá tudo isso e, se precisar, vai adquirindo programas novos e a gente vai implantando. Enriquece muito as aulas, não só enriquece como traz isso para o cotidiano da sala. O diferencial é que as matérias do Ensino Médio fazem um diálogo muito importante com as matérias do Técnico. Assim, você não tem duas escolas, o José Leite Lopes não é uma escola em que você tem ensino médio e ensino técnico, você tem uma escola integrada, no pensamento, no seu currículo, no seu dia a dia; e estamos fazendo a integração dos professores. A tecnologia está ajudando muito nisso: um programa serve para o outro, que vai dar suporte para o outro grupo, e a gente vai integrando a tecnologia, porque ela facilita os tipos de aula. Todas as nossas salas tem a tela digital, o que é ótimo. Hoje o aluno não deixa de usar o caderno, mas ele pega todo o conteúdo dele no pen drive. O professor dá aula, ele faz tudo na tela digital, pluga o pen drive, leva o trabalho para casa e abre lá, ou o professor deixa disponibilizado. A gente tem hora de estudo, porque eles estudam o dia inteiro, então, o professor deixa no computador para ele, ou manda por e-mail, ou ele mesmo vai lá e a gente disponibiliza o computador para ele pegar o trabalho. Isso não só torna muito diferente a escola, como facilita a vida do aluno. Ele fica maravilhado, extremamente motivado. Você entra na escola, tem uma alegria do aluno, do professor; isso também é muito importante, trabalhar com a motivação positiva de alunos e professores. Cerca de 50% da escola ou mais, uns 80%, é a motivação, porque ela te leva a novas conquistas, a novas metodologias, a novos projetos. Motivação é tudo.
P/1 – Quais são as suas expectativas como diretora do NAVE?
R – A gente está engatinhando. A minha expectativa agora é dar continuidade ao trabalho que a gente começou, sobre as novas metodologias, formar esse grupo que a gente tem; há muito pouca evasão. Receber um grupo cada vez maior de alunos em cada ano, fazer do José Leite Lopes, dentro do núcleo, não uma escola diferente, mas uma escola dentro do contexto da rede, onde ela possa multiplicar metodologias inovadoras. Que aquele núcleo seja um centro de pesquisa, que esse professor possa trabalhar com o professor da rede, como um centro de pesquisa. Eu acho que são coisas ousadas. Aumentar o número de alunos é ousado, porque a gente tem uma estrutura pequena, mas estando nas metas da escola. Ser a primeira escola do Rio de Janeiro – temos essa meta, a gente foi uma vez, por que não ser agora? Ser a primeira escola – não gosto muito de modelo – mas pode ser uma escola padrão, aberta, onde você possa receber visitantes, professores, para que eles possam estar dentro da escola também, aprendendo e construindo coisas novas; que ela não fique fechada em si mesma. Que seja uma escola da rede referência em pesquisa, em metodologias inovadoras. Seria essa a minha meta principal e acho que de nosso grupo todo. Receber esse aluno e esse professor de fora para pesquisa, que esses professores venham da rede para criarem metodologias, junto com a gente, porque não vamos dar receita de bolo para ninguém. A gente está descobrindo algumas coisas que serão muito boas para aquela escola ou para duas ou três, mas que, às vezes, não servem para a rede. O objetivo nosso é que esse professor venha para ter condições e buscar novas metodologias para replicar para a rede.
P/1 – Quando você fala em tecnologia da educação, você está fazendo referência a quê? Para quem não conhece o termo.
R – A todas as ferramentas que você tem, desde o computador simples com mouse, teclado, a todos os programas que a gente tem para serem utilizados, e você passa pela tela digital, pen drive, o celular com que a gente trabalha lá. Um data show, tudo que você tem em termos de mídia. Quando você fala em tecnologia é toda tecnologia a serviço da educação, não tem uma coisa específica. Não é só o programa, porque o programa é muito fácil, você pode rodar em qualquer lugar. É tudo o que você tem como ferramenta para que você possa trabalhar com o aluno de um modo enriquecedor, inovador, diferenciado. De uma maneira que esteja próxima da realidade dele, que seja prazerosa, que ele tenha o desejo de estudar, que ele diga: “Puxa vida, eu aprendi isso que serve para Português, Matemática, História, que serve para a minha vida diária.” Eu não gosto de Física, porque eu nunca vi nenhum significado nas coisas que aprendi, hoje eu sei porque eu estudei aquilo, mas eu não fazia ligação do que e para quê. Outro dia a gente estava tendo aula com um professor e um repórter esteve lá e falou: “Nossa, que aula legal que esse professor está dando, que aula de Biologia boa.” Eu falei: “Não é Biologia, não, é Educação Física.” Ele estava trabalhando com um contexto que era de trabalhar o corpo, os músculos, porque em Jogos eles estavam desenvolvendo um jogo, era tênis de mesa, em que eles precisavam criar onde os bonecos iam ficar e o que ia precisar desenvolver naquele movimento de braço. Desse modo, você não vai estudar só programação de jogos, você vai precisar da Biologia, do professor de Educação Física para trabalhar as regras daquele jogo, qual é o posicionamento daqueles jogadores. O professor de Física vai ter que saber esse conteúdo de Biologia, de Educação Física, de Programação de Jogos, de quantos jogadores, vai trabalhar com a Matemática o tempo de jogo. Você trabalha com o todo. É uma escola diferente e o aluno fica muito preso: “Estou aprendendo isso em Física por causa disso.” Quanto tempo o bonequinho vai ter que descer? É Física, ligada à Matemática. Que músculos do corpo eu vou trabalhar, onde vou desenhar, para o boneco fazer o movimento no momento certo? Na Usina de Expressão, que é do NAVE, tem todos esses jogos; o Batman, a pessoa que faz a exposição – está fazendo essa agora – fez uma exposição só de jogos. Depois ele vai trabalhar como desmontar essa exposição. Os meninos vão ver como aquilo foi montado e como e por que os jogos foram planejados para lá, qual o objetivo daquele jogo, por que foi o jogo de botão, o jogo de tênis. Não está ali só para enfeite, toda aquela tecnologia não está ali por acaso, está ali porque esse menino vai usar isso no cotidiano dele, no mercado de trabalho e, mais do que nunca, essas crianças estão usando em casa. Quantos jogos que a gente nem sabe jogar e eles sabem, baixam um programa, baixam um jogo, em um minuto; coisas que você, às vezes, demora, que você tem que aprender. Ou saem dali e vão para uma lan house. Eu tenho aluno de Paquetá a Santa Cruz, aluno de outro município, que acorda às três horas da manhã. Esse meu aluno pega a rede toda. Eu tenho aluno que não tem computador em casa e ainda tem esse problema diferenciado, porque é uma escola que trabalha com computador, como é que esse menino faz? Mas eles não se perdem: “Ah não, lá perto da minha casa tem uma lan house.” É interessante porque a gente achou que isso seria um dificultador. Estamos pensando em como resolver esses problemas. Um deles a gente já resolveu: vamos fazer um laboratório na escola, e quem não tem computador em casa vai ficar depois da hora. Eu digo que “qualquer dia vamos comprar uma cama para dormir na escola”, porque não vai ter jeito. Ou outro tipo de projeto, que a gente possa fazer parceria com alguém, para comprar computador para os carentes, não sei, porque tem que ter, essa é a ferramenta dele. A gente está caminhando e os meninos mergulham de cabeça. É muito interessante, filmar aquilo dá uma história, agora, implantar uma escola é muito mais difícil do que dirigir. Eu brinquei com o pessoal que eu nunca pensei que fosse tão difícil: “Não pensei que com toda a experiência, 34 anos de Magistério e 18 de direção, que eu fosse tranquila, mas, olha, é difícil.” São coisas muito novas, muito diferentes, não porque é aquela escola, mas porque você tem uma estrutura dentro do Estado e uma estrutura da escola: móvel, pessoal, um monte de papéis para trabalhar.
P/1 – Eu queria que você desenhasse um dia de aula do aluno do NAVE?
R – Deixe-me pensar se vou saber.
P/1 – Por exemplo, ele entra tal hora, e depois? Porque eu fiquei curiosa, aqueles espaços dos jogos, o espaço de exposição que você falou que vai se transformar a cada momento, é lá que eles passam o intervalo?
R - Sim.
P/1 – Todos?
R – Todos. Vou tentar falar, vamos ver, se eu me atrapalhar, eu paro. O nosso aluno estuda na escola de 7h às 17h, eles têm onze tempos de aula, chegam às 7h horas e podem entrar até o segundo tempo, 7h50. A gente trabalha muito próximo a esse responsável: até três atrasos a gente notifica, ele fica ali embaixo, e no quarto atraso a mãe vem com ele à escola. A gente dá muita importância a que a família esteja presente no cotidiano da criança. Fazemos reunião de pais, entregamos boletim na mão do pai junto com o aluno, se o menino está chegando atrasado, a gente chama o pai porque é um aluno ainda com quatorze anos. O aluno chega e vai para a sala de aula, fica até umas 9h30, vem para o recreio, tem o primeiro lanche que a escola dá – por enquanto, eles estão fazendo recreio na praça de convivência e na Usina de Expressão, onde tem os jogos. Eles ficam brincando, baixam os programas nos computadores na praça de convivência, ficam mandando mensagem um para o outro e alguns ficam nos jogos. O recreio não vai ser sempre ali porque a quadra está sendo construída e o pátio também. Depois eles vão ter opção de ficar ou lá em baixo para olhar a rua ou vão ficar no pátio em cima, no quinto andar e no quarto, e ali na praça de convivência, porque isso é livre. Volta para a sala de aula e tem mais três tempos, intervalo e três tempos. Então, é hora do almoço, aquela hora da brincadeira, eles ficam na fila e contam coisas; almoçam de 12h20 até 13h20. A gente faz mais ou menos dois grupos: um grupo começa a almoçar e o outro fica na praça de convivência e depois a gente inverte; e voltam para a sala de aula. Tem mais três tempos, tem o recreio, a escola dá novamente um lanche, eles têm mais dois tempos e vão embora. Mas, nessa arrumação da grade curricular em onze tempos, eles ainda têm horário de estudo, porque ficam o dia inteiro. A gente resolveu criar um horário de estudo porque, que dia eles iam estudar para a prova? Tem criança que sai cinco horas e chega em casa às nove da noite, porque moram muito longe, tem gente que mora em Caxias e a condução ali não é boa. Eu tenho crianças que moram em Vargem Grande, às vezes, são duas ou três horas; ainda mais, cinco horas da tarde é muito tempo para a viagem, porque é horário do rush. Todo dia eles têm pelo menos duas horas, dois tempos de aula, quando eles fazem os trabalhos, vão pegar o trabalho do professor no pen drive, e fizemos algumas parcerias com as universidades, porque para eles era muito difícil. Horário de estudo era como se fosse hora vaga – não sei se vocês se lembram disso, da hora vaga, quando faltava professor? Eles achavam que era brincadeira e a gente está começando a mostrar. Agora eles estudam sozinhos, depois desse tempo, fazem o trabalho. Mas a gente tem os estagiários que ficam com eles tirando dúvida, e também criou nesse espaço dos onze tempos a recuperação paralela. Com a entrada desse aluno que vem do município, nós temos quatro disciplinas críticas: Português, Matemática, Física e Química, a gente está dando uma recuperação paralela, como se fosse uma aula de apoio, com a parceria com os universitários, com os estagiários. Esse é o dia deles na escola, normal, como qualquer outra criança. Toda hora eles querem ir para a praça de convivência, porque é a parte de recreio deles. Eles não ficam só no computador. O pessoal fala: “Mas, eles ficam o tempo todo ligados nessa máquina?” Não ficam, não; a gente tem essa experiência. Uma coisa que eles adoram é sentar no chão, eles sentam ali para conversar e adoram ficar ouvindo música em conjunto, porque botam um fone no ouvido e um no outro, porque todos têm. Cantam. Semana retrasada eles perguntaram se podiam trazer violão, pandeiro, eu falei: “Gente, pra quê?” “Ah, a gente queria fazer um pagodinho, queria tocar uma música.” Eu falei: “Bom, vamos pensar.” Porque eu nunca digo sim no primeiro momento. E falaram por quê? E eu fico me questionando: “Realmente, por que não?” Na outra escola eu deixava na hora do recreio, e o deles é ali. Agora todo dia na hora do recreio, se você for lá, em algum canto tem alguém tocando violão ou fazendo um pagode. Junto com a Secretaria de Educação, a gente conseguiu fazer um enriquecimento de grade, porque ficamos preocupados deles ficarem muitos ligados só nos programas, de ficar muito individual. Às vezes, a gente está em casa, e meus filhos falam: “Muito prazer, sou seu filho.” Porque eu estou tão distraída no computador, que eu fico, às vezes, o dia inteiro. Então, eles dizem: “mãe, você me conhece”? A gente fica com medo de eles ficarem muito individualistas nesse sentido, por isso a gente trouxe para essa grade a música, eles têm aula uma vez por semana. E tem Teatro, e dentro da grade curricular, tem Religião. O pessoal fala: “Religião é diferente?” Só que não é uma religião voltada para algum credo, eles falam mais da Filosofia, da Ética, da solidariedade, do trabalho coletivo. Eles adoram – a gente achou que eles não iam gostar – mas a gente deu esse cunho, tanto o professor respondeu ao que a gente tinha solicitado, como a escola também pediu que fosse assim. De um modo geral, no Estado, você não trabalha a religião com um único credo, é mais ecumênico. Isso ajudou muito e ajuda no cotidiano da escola, eles são muito companheiros.
P/1 – Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o projeto NAVE? Porque eu queria mudar um pouco de assunto. O que você faz durante o seu tempo livre? No seu dia a dia com sua família? Tem viajado?
R – Eu trago um pouquinho da minha história, adoro estar com a família. Eu saio muito, meu marido sai demais, adora estar com os amigos. Frequento muito o clube na Tijuca, o meu marido inclusive é conselheiro do clube. Tem muitos eventos lá com a parte social do clube e ele adora desse tipo de coisa, está sempre envolvido. Não tem final de semana que eu fico em casa. Tenho um grupo da igreja, sou católica, a igreja fez um movimento de encontro de casais, que começou em 85. São seis casais, desde 1985, uma vez por mês a gente se reúne. Nossos filhos tinham seis ou sete anos, os dois hoje estão casados. Quando a gente começou era mais para trabalhar com as questões da igreja e tinha uma parte social. Hoje tem vinte e tantos anos que a gente se reúne todo mês. E mesmo que a gente tenha reunião, que a gente marca com antecedência, no final do ano fazemos o Natal, que a gente chama de grupo do encontro, saímos muito para tomar um chopinho, ir a um teatro, cinema. Eu saio muito com as minhas irmãs, com a minha mãe, a gente adora andar pela Praça Saens Pena, quem não gosta? Adoro fazer umas compras, ir a shopping, saio muito com essa minha irmã que não enxerga, ela também adora comprar; com a minha outra irmã também eu saio. Praia eu adoro, gosto muito mais do que de montanha. Carlos não, meu marido gosta mais de um clima bem frio, eu gosto de clima muito mais quente. Tem uma amiga minha, desse grupo da igreja, que tem uma casa em Angra. A gente a vida inteira alugou casa quando as crianças eram pequenas e agora ela comprou, tem uns oito anos. Nos grandes passeios a gente vai para Angra, passear de barco, uma farra muito boa, porque é uma casa muito grande, a gente faz tudo junto. Não dispenso nunca os finais de semana em casa, que eu adoro, e o almoço de domingo. A curtição é que é o Carlos, meu marido, que faz a comida, adora fazer isso, e fica todo mundo na cozinha, um pica a cebola, um pica o tomate e rola uma cervejinha, um inventa suco. Os meninos todos vão, e estar com meus filhos é a coisa mais fantástica. Eu preservo muito a família; adoro a minha profissão, mas amo a minha família. A família não é só o núcleo Luzia, Carlos e meus filhos. Nesses domingos, a gente chama sempre minhas irmãs, minha mãe. Vira e mexe não se comemora nada, é assim: vamos almoçar. Acaba o almoço, vai cada um para a sua casa, está todo mundo cansado, todo mundo tem liberdade: “Olha, vou dormir, até logo.” Ajudam a arrumar a cozinha, nós mesmos arrumamos porque no domingo eu não tenho ninguém para ajudar. Isso eu gosto muito de fazer e adoro trabalhar com essas coisas de evento. Às vezes, na rua, tem festa junina e eu gosto muito de fazer. Tenho uma vida muito atribulada, muito movimentada, às vezes, não tenho tempo, deixo de curtir determinadas coisas, porque eu faço tão rápido. Tem vez que tenho duas ou três coisas no mesmo final de semana. É uma escola, outra escola, é o clube e lá eu faço um trabalho voluntário na parte social. As festas que são feitas no clube são revertidas para os funcionários. Tem shows, tem chá, tem festas. Eu não paro, mas sobra um tempinho para sair à noite, às vezes, só para andar com meu marido, vamos à padaria tomar suco, os dois de mãos dadas, e o pessoal fala: “Ainda ficam de mãos dadas?” Ficamos, a gente se curte muito, é um núcleo familiar muito bom, é um apoio.
P/2 – Quantos filhos você tem?
R – Eu tenho três, o Carlos Eduardo, que é casado com a Patrícia; a Juliana, cujo namorado é o Igor; e o Pedro, que é o mais novo, que namora a Bárbara. Todos estão muito grudados com gente, até as noras e o genro estão juntos, ficam lá no final de semana, estão sempre na nossa casa. Acho que é porque a gente sempre curtiu isso. As famílias deles, talvez, sejam um pouco diferentes. A gente conversa, brinca, é muito livre. A hora que quer ir embora, vai. Não sou aquela mãe pegajosa: “Ah, tem que vir.” Eu, às vezes, reclamo. Meu filho que mora agora na Barra, eu digo: “Eduardo, você não tem mãe, não? Nem me ligou.” Às vezes, liga todo dia, mas o dia que não liga eu também reclamo. Porque é o que está mais longe agora, é o meu filho mais velho, que foi sempre muito ligado. Em casa ninguém reclama porque o Eduardo é o mais velho, é o primeiro neto da família, tudo fez primeiro, andou primeiro, foi à escola primeiro. O Pedro é o mais novo, então, tem tudo porque foi o caçula, e a Juliana porque é a única mulher, é grudadíssima comigo, é minha amiga, é confidente, a gente faz tudo junto. Eles dizem: “A sua filhinha, o seu filhinho, o seu mais novo.” Mas eu digo que cada um tem o seu quê.
P/2 – Você tem um netinho?
R – Não tenho, estou ansiosa, eu digo que “qualquer dia eu vou alugar um neto.” A minha irmã tem quatro e eles dois não se decidem; mas estão casados vai fazer um ano ainda. Eu digo: “Vocês estão demorando muito.” Quem mandou ter filho homem primeiro. Ela teve filha mulher, acho que é mais rápido. As mulheres acho que saem mais rápido para casar. Eles falam: “Mãe, a gente vai fazer uma produção independente.” “Não precisa também acelerar, nenhuma produção independente, é melhor esperar o tempo.” Mas eu estou querendo um netinho.
P/1 – Tem alguma coisa que você queria contar que a gente não tenha perguntado?
R – Não. A coisa importante que eu tive foi a perda do meu irmão, que foi muito significativa. Papai era uma pessoa muito forte na família, que a gente também perdeu minha avó, incrível, como eu falei para vocês. As minhas Bodas de Prata, que foi uma festa, não adianta, eu tenho que falar em festa. Foi muito importante, porque eu entrei com meus dois filhos e teve todo aquele cerimonial, foi muito badalado. Ah, tem uma coisa, festa também: os meus cinquenta anos. Eu tenho uma foto desse aniversário, fiz tudo que eu sabia, dancei, brinquei e foi muito significativo, eu fiz questão de comemorar meus cinquenta anos. E o nascimento dos meus filhos, foi fantástico, cada um no seu momento. Entre o Eduardo e Juliana eu perdi um filho, que chegou nascer, a gente até hoje não sabe por que nasceu. Eu ia parar de ter filho, mas veio o Pedro que foi muito bem vindo. Tem uma diferença de dois em dois anos que, na verdade, seria de ano para ano, porque eu tive o Eduardo, perdi um e tive a Juliana; depois eu não queria mais filho, mas veio o Pedro. Mas, sempre em momentos muito bons, bastante positivos. Às vezes, você tem o senão do dia a dia, atropelos de vida, de emprego. Além do Estado, eu trabalhava em algumas escolas particulares, eu trabalhei no Sion em Laranjeiras durante dezoito anos, mas teve uma reviravolta, eles mandaram todo mundo que era do staff mais alto, porque eu era supervisora; emprego, às vezes, faz você sofrer. Até hoje eu converso, mas fica uma coisa muito sofrida. Passei por muitas coisas na família, questões de perda, de falta de emprego, doenças de filho. Com meus dois filhos eu tive experiências complicadas, o Pedro, eu quase perdi com dez meses com uma pneumonia, foi internado desenganado. Meu filho Eduardo, que hoje é engenheiro, trabalha na Oi por acaso, também teve um problema de saúde. A gente vivenciou coisas complicadas, não é sempre uma maravilha, um período de festa. Na escola em que eu fui eleita houve muitos problemas, com a comunidade, com a Secretaria, não foi sempre esse mar de rosas. Mas eu acho que, de tudo que a gente colhe, ficou muito mais o positivo, se fosse pesar, do que o negativo. Quando a gente lembra, até para falar, a gente lembra muito dos momentos positivos. Mas teve essa coisa que serviu como aprendizagem, o negativo – eu vou me lembrar da pedagogia do não – faz crescer muito, porque as pessoas falam: “Mas, por que eu fui escolhido, por que eu nesse sofrimento?” Eu digo: “Nada é por acaso.” Você está sempre aprendendo porque, para sair de uma situação difícil, você se desprende das coisas com mais dificuldades, você pensa e se desgasta muito mais. O retorno para a situação anterior vai ser muito mais proveitoso, você vai ter muito mais aprendizagem do que as coisas que são dadas com mais facilidade, que você trabalhando, fica guardada, mas como uma coisa do prazer. Acho que como aprendizagem é um ganho muito grande, se você sair de uma situação difícil, você trabalha muito mais, em tudo, corpo, mente, social. As experiências negativas são muito necessárias em todos os sentidos.
P/1 – Luzia a gente podia continuar conversando por muitos dias sobre as suas histórias. Eu queria saber o que você achou de nos dar essa entrevista, contar um pouco das suas histórias, dos seus desafios.
R – Foi muito interessante e difícil, nunca tinha feito dessa maneira. Eu tinha passado por outra experiência, fazer o meu memorial em doze capítulos. A gente fez um curso de gestão e eu tinha que fazer o link entre a minha vida e o que a gente estava estudando naqueles módulos, eram doze. Eu fazia citações, com leituras. E foi muito difícil escrever, porque eu nunca tinha parado para pensar onde eu nasci, por que meu nome era Luzia – eu sabia, mas escrever isso é mais difícil. Falar foi a primeira vez, mas eu achei diferente, é uma experiência boa, você faz um retrospecto da sua vida. Às vezes, você leva até um susto: “Será que eu fiz isso tudo? Será que eu vejo dessa maneira mesmo?” Estou acabando o meu depoimento muito satisfeita, porque é aquilo que eu sinto. Falei muito mais das coisas positivas do que das negativas. Então, a minha vida é muito positiva. Foi fantástico, eu sou uma privilegiada: as coisas positivas que me marcaram são muito maiores do que as negativas. É tudo que eu sempre achei que deveria ser e hoje, quando eu paro para dar o depoimento, que você verbaliza, mostra em uma entrevista, você percebe isso. É muito bom.
P/1 – Você já conhecia o Museu da Pessoa?
R – Só de nome. Eu conheci naquele dia com vocês, achamos incrível. Não queria ir, porque a gente falou assim: “Meu Deus do céu, é tanta coisa.” Mas eu falei: “Vamos lá.” Entrei, saí, depois que eu fiquei com as meninas, que estavam fazendo o cartão, vocês falaram e apresentaram, e pronto: a gente resolveu ficar. E adoramos. O Eric também gostou muito, a gente passou para os meninos e, no dia que a gente saiu, eu falei para o Eric: “Bem que a gente podia fazer a memória dessa escola, a gente está criando uma escola.” Ele falou: “Vamos fazer uma memória e um museu.” E começou a fazer um museu das coisas antigas dos computadores. Ele tem aquele Atari, tem um computador que é uma máquina, grande, que o irmão dele trouxe não sei de onde. Você vê que aquele momentinho ali influenciou a escola. É isso que movimenta a escola. A gente está querendo que todos os professores escrevam desde o dia que entraram até o final do ano. Vamos pedir por escrito toda a vivência deles, porque a gente pretende, daqui a três anos ou um pouco menos, publicar a experiência da implantação de uma escola, que é completamente diferente. Estamos começando a fazer o museu das coisas que a gente tem. Depois vão dizer o nome, mas começou pelo Eric trazendo as coisas dele. Como aquele momento foi importante de vocês para a gente, influenciou na vida da escola. Foi muito interessante porque aquilo foi para a sala de aula e os meninos ficaram maravilhados: “Mas como você jogava com isso.” Era uma coisa que os meninos nem sabiam que existia. Uma coisa puxou a outra, que puxou a outra, e a escola está ali, buscando coisas novas.
P/1 – Luzia tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
R – Não, eu devo ter falado umas duas horas e tanto, eu falo muito.
P/1 – A gente queria agradecer em nome do Museu da Pessoa e desejar muitos mais desafios para você. Ficou ótimo, obrigada.
Recolher