Depoimento de Anna Maria Garrone Negrini
Entrevistada por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de janeiro de 1995
Transcrita por Laura Marina G. de A. Oliveira
P - Bom, eu queria começar com a senhora falando o seu nome completo, local e a data de nascimento?
R - Bom o meu nome é Anna Maria Garrone Negrini, eu nasci em Torino, na Itália, dia 26 de dezembro, precisa falar o ano também? (risos)
P - Gostaria.
R - De 33.
P - Certo, e o nome dos pais da senhora e aonde eles nasceram?
P - O meu pai nasceu em Caluso perto de Torino em 1905, dia 6 de novembro. E a minha mãe também na província de Torino, em Querasco, dia 12 de maio de 1912 e minha mãe chama Gema Bongionne Garrone e o meu pai Enrico Garrone.
P - Certo, dona Anna Maria, como era a casa da senhora na Itália, do que a senhora lembra?
R - Ah, eu lembro de tudo, eu saí de lá eu tinha 14 anos. Bom, foi muito diversificado o meu pai, meu pai fez muitas coisas diferentes então eu me lembro mais na África quando era, a gente era pequeno eu tinha acho que uns três anos que ele foi com transporte. Meu pai tinha doceira, meu avô era doceiro, meu bisavô era doceiro, todos eles. Seja do lado paterno que do lado materno, mas aí o meu pai, como é um trabalho duro doceira, né, então ele resolveu vender as três doceiras e foi para África, que naquele tempo era África Oriental Italiana, com caminhões para transportes. Aí eu me lembro muito disso, me lembro quando nós voltamos da África em Bari, também com os caminhões, o meu pai atravessava, ia para a Albânia, né, que durante a guerra, eu não, nós não tínhamos doceira nesse tempo. Nós tivemos doceira quando o meu pai resolveu vir para o Brasil, aí minha mãe ficou lá com nós duas, éramos duas mocinhas, e abriu uma doceira para poder... é, enquanto o meu pai não estava, ela, durante um ano e meio nós viemos para cá também. Então na Itália eu morava em Torino,...
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Entrevistada por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 16 de janeiro de 1995
Transcrita por Laura Marina G. de A. Oliveira
P - Bom, eu queria começar com a senhora falando o seu nome completo, local e a data de nascimento?
R - Bom o meu nome é Anna Maria Garrone Negrini, eu nasci em Torino, na Itália, dia 26 de dezembro, precisa falar o ano também? (risos)
P - Gostaria.
R - De 33.
P - Certo, e o nome dos pais da senhora e aonde eles nasceram?
P - O meu pai nasceu em Caluso perto de Torino em 1905, dia 6 de novembro. E a minha mãe também na província de Torino, em Querasco, dia 12 de maio de 1912 e minha mãe chama Gema Bongionne Garrone e o meu pai Enrico Garrone.
P - Certo, dona Anna Maria, como era a casa da senhora na Itália, do que a senhora lembra?
R - Ah, eu lembro de tudo, eu saí de lá eu tinha 14 anos. Bom, foi muito diversificado o meu pai, meu pai fez muitas coisas diferentes então eu me lembro mais na África quando era, a gente era pequeno eu tinha acho que uns três anos que ele foi com transporte. Meu pai tinha doceira, meu avô era doceiro, meu bisavô era doceiro, todos eles. Seja do lado paterno que do lado materno, mas aí o meu pai, como é um trabalho duro doceira, né, então ele resolveu vender as três doceiras e foi para África, que naquele tempo era África Oriental Italiana, com caminhões para transportes. Aí eu me lembro muito disso, me lembro quando nós voltamos da África em Bari, também com os caminhões, o meu pai atravessava, ia para a Albânia, né, que durante a guerra, eu não, nós não tínhamos doceira nesse tempo. Nós tivemos doceira quando o meu pai resolveu vir para o Brasil, aí minha mãe ficou lá com nós duas, éramos duas mocinhas, e abriu uma doceira para poder... é, enquanto o meu pai não estava, ela, durante um ano e meio nós viemos para cá também. Então na Itália eu morava em Torino, numa casa muito bonitinha, num apartamento num bairro muito bonito, muito tranqüilo, estudava, era uma vida tranqüila, boa.
P - E em que cidade a senhora morou na África?
R - Na África, em Iasmara, era a capital, acho na ocasião, era a cidade mais importante e o meu pai fazia transporte de Marsala, que era como se fosse Santos e São Paulo, né? Iasmara era alta, eram mais de mil metros de altura e Marsala era no porto. Então, ele fazia transportes. Ele tinha 12 caminhões e ele trazia os, eu não sei o que ele trazia para dizer a verdade, mas devia ser tudo, né?, porque lá era colônia italiana, né, e aí depois em 1940, 39, 40, quando começou a ouvir barulhos de guerra, né, de pelo menos se falar em guerra, ele resolveu voltar. Só que ele voltou através da Albânia e aí pegaram ele e ficou na Albânia durante, desde a guerra praticamente toda. Ele subiu, subiu a Albânia toda, entrou pela Itália, pela Triesta e Trento e foi e voltou para Torino. Mas foi um período longo de... durou acho que uns quatro anos isso tudo, né?
P - E a senhora estava junto?
R - Não, nós estávamos em Bari, que é uma cidade no Sul da Itália, que ele atravessava de noite de navio para poder vir ver a gente e voltava para lá, acho que demorava uma noite, uma noite e pouca a travessia, né, porque lá o mar é estreito, e a gente estava em Bari com a minha mãe, eu e a minha irmã, com os parentes todos em Torino e nós ali. Depois, quando o meu pai conseguiu subir com os caminhões, então nós subimos também e ficamos em Torino. Pegamos ainda guerra no Piemonte. O fim da guerra foi lá no norte da Itália, eu me lembro muito bem de tudo, eu tinha uns cinco anos e meio, seis anos, quando foi declarado a guerra e tinha 11 quando terminou, então eu tenho a noção completa do tempo da guerra.
P - E quando a senhora era criança, quais eram as brincadeira que existiam?
R - Ah A gente brincava de guerra acredita? Nós éramos as enfermeiras e os meninos eram os guerreiros que caíam mortos toda hora. (risos) A gente brincava de guerra, não tinha, a gente fazia armas, os meus primos faziam armas, pegavam pedaços de madeira e talhava. A gente brincava de boneca, claro, mas brincava de guerra também, era o que a gente conhecia, né? Eu me lembro que eu tinha 11 anos e eu não sabia o que, ouvia dizer pão branco e eu pensava: "O que será pão branco?" Porque eu imaginava um pão branco dessa cor, né, eu dizia: "Como será?" Porque a gente comia pão preto, tinha falta de muita coisa. Mas passou, foi um período que passou e foi, vamos dizer, diferente, né?
P - E nesse período também, qual foi, como foi a escola, a vida escolar da senhora?
R - A minha vida escolar foi muito movimentada porque o meu pai como viajava muito, eu comecei o primeiro ano na África, depois em Bari, depois nós ficamos em Bari acho que um ano, um ano e pouco, subimos para o norte da Itália, aí nós tivemos que ficar em Torino, que é a minha cidade, depois nós fomos, chamava Foslate, a gente se refugiava no interior porque tinha muito bombardeio em Torino porque tinha, tem a Fiat, né, então era visada muito a fábrica. Então fomos morar no interior, a gente freqüentava assim quando podia, né, um pouquinho aqui, um pouquinho lá, eu e a minha irmã a gente ia estudando, e deu para estudar até o ginásio, depois nós viemos para o Brasil daí paramos.
P - E nesse período que a senhora morou na África, qual foi a diferença que a senhora sentiu de educação?
R - Bom, não, acho que nenhuma. Eu era, primeira coisa eu era pequena, eu não tinha noção do que era a Itália, então no começo eu me lembro da África, mas como era uma colônia italiana tinha, naquele tempo, era a Pequena, era Pequena Loba, era Piccola, Filha de La Luppa. Porque Mussolini era um homem muito... ele organizava, então era uma coisa que tanto na África como na Itália aquilo era igual, né? Agora não, eu não tinha assim uma comparação, entende?, eu vivia o meu dia, né, sem saber como era antes, assim tranqüilamente. Não, eu não tenho assim dizer que eu sentia diferença. Senti diferença aqui quando nós chegamos que já era mais mocinha, já tinha uma coisa para comparar, né? Mas naquela ocasião não. Era uma vida boa, meu pai tinha transporte, nós tínhamos uma casa muito bonita também, era em frente a casa do vice-rei da Itália, um bairro muito bonito de Iasmara, e eu me lembro assim, não tudo, né, me lembro de certas coisas, por exemplo, uma chuva de granizo muito forte que aconteceu. Eu me lembro de gafanhotos, tinha assim invasões de gafanhotos, eu me lembro disso, mas também a gente não lembra de tudo, né, quando era pequena assim, né?
P - E quando a senhora veio para o Brasil como foi a viagem de vinda?
R - É, nós viemos, meu pai veio antes, ele veio em 47, nós viemos em 48, e aqui realmente as coisas não foram como o meu pai esperava. Porque logo após a guerra a gente foi para uma cidade de Riviera perto de Chiaro, perto de Gênova, que era muito frio em Torino, então não tinha ainda como a gente aquecer as casas, tinha tido mil problemas, né? Faltava carvão, faltava tudo. Então ficamos um ano lá e o meu pai foi assistir àquele filme, até já comentei, né, "Salut los amigos" e ele se encantou pelo Brasil E veio, arrumou um sócio brasileiro, comprou caminhões de novo, Fiat na ocasião, e veio com dois caminhões, dois reboques, mas as coisas aqui não foram bem. Mas o meu pai, acho que um pouco por orgulho, um pouco por teimosia, né, que os torineses são famosos pela teimosia deles, quis ficar, aí ele trouxe a gente, nós viemos num navio muito bom, de primeira classe, e quando chegamos aqui foi um pouco, sabe, era um pouco... para nós era um mundo desconhecido para mim e para minha irmã eu não sei como a minha mãe e o meu pai encararam, né? Eu sei, por mim e pela minha irmã, a gente realmente ficou um pouquinho, um pouquinho surpresa, realmente aqui não tinha muita coisa, isso falo em 48, vocês eu acho não estavam nem vivos, né? (risos)
P - Dona Anna Maria, e como é que foi a viagem de vinda, os dias de navio?
R - Ah Foi ótimo, foi ótimo, foi. O navio chamava o Golino Vivardi era um navio pequeno só tinha primeira classe e acho que classe turística, não sei. Foi uma viagem ótima, sabe. Eu tinha 14 anos, alegria, baile, batizado do Equador, foi muito bom, foi muito bom, um pouquinho de enjôo, mas tudo bem, foi ótima.
P - E quando a senhora chegou aqui qual foi a impressão da senhora? Em que cidade a senhora chegou?
R - Nós chegamos em Santos. Nós paramos antes no Rio, ficamos algumas horas paradas, né, talvez meio dia, nem lembro, e depois o meu pai estava esperando a gente em Santos. Aí realmente foi como se nós saíssemos agora daqui e fôssemos parar numa ilha do Havaí, sabe? Eu me lembro, tinha as palmeiras, eu nunca tinha visto assim, tem na Itália palmeiras mas não como aqui. Então era manhã bem cedo tinha... estava amanhecendo tinha aquelas colinas ainda em Santos mesmo, né, escuras com as, sabe quando aquela hora que se vê até as antenas de televisão? Então era assim. Eu achei bonito, tropical, mas nós ficamos um pouco deslocadas, né, aqui. Eu e a minha irmã, a gente não falava a língua e nós fomos morar numa pensão que o meu pai não tinha, né, como comprar ou alugar um apartamento e não foi um período fácil para nós. Foram uns três, isso de 49... Em 51 abrimos a Dulca, né? De 49 para 51 foi muito duro, foi muito duro, a gente não podia estudar, ficava em casa, a gente ajudava a minha mãe, numa pensão, né, ficávamos lá.
P - Que bairro a senhora foi morar?
R - Lá em Santos?
P - É.
R - Na Avenida Ana Costa, quase perto da praia, era uma pensão na ocasião. É na avenida, no fundo da Avenida Ana Costa tem um largo que não sei o nome, era um pouquinho antes desse largo, que depois tem mais um pedacinho tem o Parque Balneário Hotel. Era antes desse largo que o bonde dava a volta lá para voltar e a gente morou lá na pensão. Era um... era bom, mas era completamente fora, né, do nosso... Eu me lembro que a gente ia ao cinema ao domingo, meu pai deixava, levava a gente ao cinema, e era uma guaraná metade eu, metade a minha irmã, que não tinha como, era muito duro, foi muito difícil para nós. Acho que mais para os meus pais, porque a gente jovem a gente se adapta, né? Então bem ou mal a gente, em vez do meu pai e minha mãe, eles sofriam por eles e por nós também, né, porque tiraram a gente do nosso mundo, do nosso sistema de vida, encarar aqui uma coisa completamente diferente, né, daquilo que era, mas passou também (risos), passou
P - E como a senhora e a sua irmã, como vocês fizeram para aprender português?
R - Ah, falando, ouvindo, eu nunca estudei português. Eu devo ter sotaque, eu não percebo mas eu sei que eu tenho, porque eu já vi algum, engraçado eu ouço o meu sotaque quando eu ouço a minha voz gravada, normalmente eu acho que eu falo, mas eu não erro, quer dizer, dificilmente eu erro um verbo porque eu estudei latim na Itália e o latim eu acho que ajuda muito, né? A gente estudou latim, italiano, claro bem, francês e ouvindo a gente aprendeu. Nós aprendemos. (risos) E sabe que eu tenho, os meus filhos já são adultos e o meu filho, quando eles estavam na faculdade e, às vezes, eu pegava trabalho deles e procurava e encontrava erros: "Bruno, olha que não é assim, é assado." Acho que a gente cria uma memória fotográfica, às vezes, não me ocorre: "Como será esta palavra, será que é com "s" ou com "ç"? Aí eu escrevo e tenho noção exata daquilo que é, né, porque realmente nunca estudamos português nem eu nem a minha irmã, mas a gente lê. Eu leio muito, minha irmã também e isso ajuda, né?
P - E aí quando a senhora veio para São Paulo?
R - Ah, sim, nós viemos para São eu acho que 45, começo de, não lembro bem as datas, eu sei que aqui em São Paulo nós fomos morar também numa pensão, num lugar muito triste que o meu pai não deixava nem a gente sair. Era na Capitão Vastino de Lima. Que tinha o gasômetro e uma fábrica de vinagre naquela rua, era horrível e realmente naquele tempo a minha mãe o meu pai sofriam muito. A gente tinha um quarto, dormiam os quatro juntos, e a minha mãe foi ser gerente no Gardano, porque o senhor Gardano era de Torino também. E aí como nós somos de Torino sempre tem uma certa né, uma amizade aí, eles arrumaram para a minha mãe ser gerente da loja Gardano e aí depois eu e a minha irmã nós fomos trabalhar lá como balconistas mesmo no Gardano. E o meu pai começou a se interessar para procurar um lugar para abrir a Dulca, juntar um pouco de dinheiro para comprar o forno, sabe essas coisas? E o meu tio também, que estava na Itália, que seria o irmão da minha mãe, veio para cá. Ele era um técnico muito bom, ele foi trabalhar no Gardano também, que ele que fez o mentex do Gardano, foi o meu tio que criou, né, e aí tiveram a oportunidade de encontrar esse lugar na Dom José de Barros, que era uma livraria, era uma coisa assim, tem uma parede fechada, tinha uma escadinha que subia e abrimos a Dulca. Aí foi um sucesso, foi mais sucesso na ocasião do que hoje. Realmente não tinha na ocasião então... Nossa A Dulca na hora do lanche era uma loucura ficar no caixa, era assim, duas horas você tinha que sair porque não dava para encarar. Mais do que isso era cansativo.
P - O que é que ela oferecia de diferente, a Dulca?
R - Bom todos os doces que nós temos até hoje. O mesmo tipo de doce só que era novidade e naquele tempo havia uma possibilidade maior do pessoal gastar dinheiro, né? Não era essa crise tremenda que tem hoje. Então era um movimento enorme que nós tínhamos na Dulca, muito grande, sucesso total, praticamente nós abrimos, às cinco já encheu de gente já e daí, foi durante anos, anos, depois com os governos, política o sistema, né, não sei nunca foi...
P - Mas já existia doce, por exemplo, bomba de chocolate?
R - Nós fazemos, né?
P - Mas existia antes?
R - Não sei, acho que não, porque a Cristallo depois, eles são também de Torino, eles abriram depois de alguns anos a Cristallo, quer dizer que quando nós abrimos a Dulca acho que não tinha, não tinha mesmo, merengue, canudinho de chantilly, essas coisas, né? E a gente na ocasião não fazia bombons, não tinha sorvete, era só doce, doce, doce, mas era um colosso de doce que a gente fazia, agora diminuiu bem. Tudo né, mudou, tudo mudou em geral.
P - E quem era a clientela que ia consumir os doces?
R - Bom tinha muitos italianos, essas famílias tradicionais da Mooca, do Brás, eles eram assim de vir no domingo, levava bandejas e bandejas de doces, né, que agora infelizmente não vem mais, né? Agora o movimento da Dulca é mais assim gente que vem, que pegou o metrô e vem na Praça da República. Então passa por aí, toma um sorvete, um doce, mas aquela clientela fixa que nós tínhamos... e depois tudo se tornou difícil, o trânsito, é, realmente ninguém mais saí da Mooca para vir aqui para comprar doce. Não dá nem ânimo. Eu também não sairia, né? (risos) Mas, é verdade Depois chega ali, não tem lugar para parar o carro então a coisa, as coisas mudam, né, com quanto vai passando o tempo, eu acho que nós temos que nos adaptar ao sistema novo, porque as coisas mudam, as pessoas, né, e muitos clientes continuam nossos clientes, mas já não é mais aquela coisa de todo domingo ia na missa, vinha buscar doce para o almoço. Agora as mulheres não cozinham mais, né, (risos) ninguém quer mais saber, vai no restaurante tudo muda.
P - E as receitas para os doces?
R - São sempre as mesmas. Inclusive eu trouxe o livro aqui na ocasião que era do meu pai, escrito não sei em que ano, mil e novecentos, comecinho, né, do século e continua com as mesmas receitas.
P - Mas ele herdou muitas delas do avô a senhora falou?
R - É meu avô, meu pai e o meu avô, como o meu avô era também doceiro, meu avô mandava o meu pai viajar, o meu pai ia para França aprender a fazer croissant. Sabe, era uma coisa diferente, lá na Europa é diferente, sai vai para a França é como ir daqui para o Rio de Janeiro, certo? Então ele ia para França, pra Alemanha, fazia estágios em confeitarias e fazia as receitas e o meu avô fazia. Depois o meu avô faleceu, mas o meu avô quando faleceu já não tinha mais essas lojas, que o meu pai vendeu para ir para África, depois ele não abriu mais abriu só aqui. Ele não queria mais, mas a vida levou ele a fazer de novo a Dulca, né, trabalhar de novo em confeitaria.
P - E não tinha diferença de gosto, por exemplo, fazer as mesmas coisas em São Paulo?
R - Tinha, tinha, não, teve problema. A nossa sorte é que o meu pai era um grande técnico, então ele, por exemplo, o açúcar é diferente, na Itália o açúcar é de beterraba, é um açúcar muito mais doce, então precisa de menos açúcar para adoçar. A água é diferente, a água italiana tem muito cálcio, quer dizer o meu pai também lutou aí muito, ele fazia experiências não servia, mudava isso, mas ele era um técnico. Então ele pegava, às vezes, um doce cheirava e dizia: "Vocês esqueceram o sal." Coisa que eu não consigo fazer hoje com tanto que tenho 40 anos de Dulca, o meu pai era um homem que entendia ele sabia o que ele fazia. Então ele adaptou as receitas, claro, na medida do possível, né, por exemplo na Itália se faz muita coisa com amêndoa, avelã, porque lá é barata e aqui já é caríssimo, então ele substitui o caju, sabe, em alguma coisa ele, enfim, foi tentando fazer coisas boas e que pudessem ser feitas aqui no Brasil, né, e conseguiu.
P - Nessa época tinha algum tipo de doce que saía mais?
R - Bom sempre o que continua saindo muito na Dulca é a bombinha de chocolate, o merengue, o canudinho de chantilly. O que a gente fazia na ocasião era uma sfogliatella que chama sfogliatella napolitana, que era um técnico napolitano que nós tínhamos. Parece incrível, mas na Itália cada região tem o seu estilo de doce. Quando esse técnico saiu, nós deixamos de fazer, porque fazer mal feita é preferível a gente não vender. Então mudou alguma coisa. A gente fazia canólis siciliano, que nós não fazemos mais hoje. Por quê? Por falta de saber o suficiente sobre isso. O meu pai não era um técnico de doces napolitanos e sicilianos. Ele era um técnico de doces de Torino, então a gente continua com a nossa, o nosso estilo de doce. Agora a gente adaptou salgadinho, que na Itália não tem coxinhas, empadas, croquetes, né, na Itália não tem isso, então a gente aprendeu, está fazendo aqui com os nossos confeiteiros, né, e alguma coisa a gente deixou de fazer, mas realmente o que continua vendendo é o patinho. Tem gente que fala: "Oh Meu Deus, eu tinha dois anos e vinha comer o patinho" , né, e já tem a terceira e a quarta geração na Dulca que compra, né? Aniversário, a gente fazia muito bolo de aniversário, muito bolo de noiva a gente não faz mais. Por quê? Porque agora todo mundo faz festa em salão, o próprio salão já fornece o bolo, sabe, modificou, modificou muito. Mas nós continuamos trabalhando, né, não é que nós estamos paradas, mas a gente tem que ir mudando.
P - E a tradição do petit-fours daonde que vem?
R - Tanto dá, do Piemonte também, né , mas eu acho que o petit-four é, o petit-four é francês o nome, né: petit-four, são pequenas formas, mas na Itália se faz muito, na França acredito que também, né, então petit-four a gente trouxe tudo de lá mesmo, as receitas são de lá.
P - Dona Anna Maria, na outra entrevista a senhora falou que o panetone da Dulca vende o ano inteiro?
R - Ah O ano inteiro, nós fazemos o ano todo só que, lógico, a gente, durante o ano, faz o quê? Umas duas vezes por mês três, né, e no mês de dezembro a gente faz praticamente quatro é... chama enfornada por dia e o panetone tem uma durabilidade de 30, 35 dias. Então a gente começa fazendo fim de novembro para poder ter estoque, né, e vender durante o Natal e depois faz normalmente uma, duas vezes, três vezes por mês, a gente faz o panetone que tem procura o ano todo.
P - E da onde vem a receita?
R - O panetone veio da Itália, que eu sei do Piemonte, inclusive os Bauducos também trouxeram, e as primeiras experiências de panettone foram drásticas, né? Porque o panettone também é uma coisa que tem personalidade própria, por que se esquenta um pouquinho, ele já fermenta mais aí ele já não fica bom, se o clima é mais frio, ele não cresce, então é uma coisa que tem que ser acompanhada muito de perto e também às vezes nós mesmos não sabemos, às vezes não cresce Mesmo esse ano nós demos uns 300 quilos panetone, ele fica ótimo só que ele não cresce (risos) Sabe, ele fica baixinho de repente, não se sabe o que foi, então esse a gente dá, né, dá para, tem tanta gente precisando, né, tem crianças né, orfanatrófilos, orfanatrófilos que fala ou orfanatos?
P - Orfanatos.
R - Orfanatos, né, orfanatrófilos é italiano. (risos) Então a gente dá esses que não saem direito a gente dá. Esse ano mesmo nós tivemos problema. O fermento ele é natural, então ele tem que ser mantido o ano todo, ele é alimentado, então a gente pega um pouquinho deixa, põe farinha deixa crescer joga fora o que cresce demais, fica com um pouquinho e vai segurando aquele fermento. Ele, por ele mesmo ele cresce, né, ele é natural. E quando estraga esse fermento, tem que ser procurado ou na Cristallo ou na Bauduco e vice-versa eles fazem conosco porque aí não tem mais remédio, aí tem que ter, vamos dizer, a alma dele, né, para ele poder continuar a ser usado. Se por acaso, por um descuido qualquer, ele ou morre, que não dá um alimento suficiente, ou ele passa e azeda, joga tudo fora aí tem que procurar alguém para dar.
P - Qual seria o alimento do fermento?
R - A farinha.
P - A farinha mesmo?
R - A farinha, a farinha. Que eles põe o fermento, põe a farinha eu sei que eles põe, eles fazem isso de manhã, de noite de manhã ele cresce, depois eles amarram um saco em cima, (risos) é fica feito um... ele cresce parece um, uma bola assim amarrado, né, porque senão ele levanta tudo. (risos) Aí eles tiram o necessário, jogam fora e cuidam dessa parte que a gente tirou para aproveitar. A Bauduco faz isso o ano todo, ele mantém vivo.
P - Mas quando tem que fazer uma produção muito grande esse fermento dá conta?
R - Dá, dá conta sim, e a Bauduco também ele mantém o ano inteiro o fermento vivo, tem gente lá só para isso, quer dizer o funcionário só para manter o fermento vivo. Cristallo também, a Cristallo também faz um panetone bom, né, e é o mesmo sistema, não é aquele Fleischmann, é um fermento natural, que ele é mais azedo, ele é um fermento mais azedo, mas é aquele que precisa para o panetone, né? Porque tem muito panetone aí que não é panetone, é pão doce, né, que não, que a gente viu agora e a gente experimenta compra, né, para ficar bem ao par, (risos) então aí já não é panetone. Panetone tem que ser feito com fermento natural que é difícil, eu, por exemplo, não entendo. Eu vejo, às vezes, quando saiu do forno que eu fico brava às vezes: "Puxa mas vocês não viram, né, 200 quilos." Cento e cinqüenta quilos não é pouco que a gente tem que perder, mas eu não saberia dizer porque tem que ser técnico, né, para saber.
P - Dona Anna Maria, quando o seu pai abriu a Dulca a senhora imediatamente foi trabalhar com ele?
R - Imediatamente.
P - E a sua irmã também?
R - Nós trabalhamos antes no Gardano, como eu já disse, né, durante eu acho que um ano, um ano e pouco. Como a gente nunca tinha trabalhado então nós tínhamos que fazer um pouquinho de treino, né, com a minha mãe e aí nós estávamos prontinhas, aí fomos direto nós duas para a Dulca.
P - E o Gardano não tinha esse tipo de doce assim?
R - Não, o Gardano era uma fábrica muito grande de bombons, eles tinham uma fábrica enorme na Mooca acho, era uma potência na ocasião o Gardano, uma potência para o Brasil inteiro, né, depois também infelizmente não continuaram os filhos.
P - E a senhora trabalhava no balcão?
R - No balcão. Era balconista mesmo de aventalzinho e tudo mais.
P - E quando esse tipo de doce, como bomba de chocolate ou canudo de chocolate, virou, vamos dizer, o padrão de doce de São Paulo?
R - Eu acho que logo após. Nós abrimos, fizemos... teve um sucesso enorme e trabalhamos muito, não posso dizer quando foi, imediatamente tinha procura, muita procura, né, e foi logo, foi sucesso total mesmo a Dulca.
P - E quando que foi...
R - E eu queria ter até hoje esse sucesso.
P - E quais as outras doceiras que abriram depois copiando o doce?
R - Que eu conheço a Cristallo, o proprietário, ele é de Torino também, e ele montou em sociedade com uma outra senhora também de Torino, também fizeram sucesso. Também fazem doces ótimos e continuam até hoje, né, e acho que mesmo com estilo Dulca só mesmo a Cristallo, a Bauduco mas, mais ou menos a Bauduco e agora tem Amor aos Pedaços, mas não, não é a mesma coisa. Tem a Brunella, eles tentaram fazer mas não quero falar mal de, não é para falar mal eu tenho a minha opinião entende? Então eu acho que a Dulca é o seguinte: quando nós abrimos a Dulca era a Leco que fornecia o creme, era a Leco que fornecia a manteiga, era o que tinha de melhor e hoje nós continuamos com os mesmos fornecedores: o que tem de melhor. Então eu acho que isso faz um produto, né? São 43 anos e até hoje tem gente que fala: "Puxa, mas não mudou nada." E não mudou nada, né, a gente mantém, fazemos questão aliás, né, de manter um padrão alto. Mesmo quando nós tivemos aquele, acho que foi um ano e meio que teve congelamento, a gente, o congelamento nos pegou assim com os preços muito baixos e nós chegamos no fim do congelamento era uma troca de dinheiro, mas nós não deixamos de produzir coisas boas, né? Depois, aquilo melhorou deu já, agora já está melhor desde que entrou o Plano Real, viva o Fernando Henrique Cardoso, acho que melhorou, talvez nem tanto quanto eu esperava mas melhorou a gente percebe que o povo tem um pouquinho mais de poder aquisitivo, pode até comer um docinho que não é aquele fim de mundo, né? Nós atravessamos uns dois ou três anos que foram muito difíceis e eu dou graças a Deus que nós conseguimos nos manter, né, que a gente conseguiu sustentar todo mundo os funcionários, não deixar de pagar ninguém mas realmente a Dulca não dava assim muito lucro não, aliás bem pouco. Mas passou também, né, tudo que é ruim e passa a gente tem que... (risos)
P - Mas a senhora começou então trabalhando no balcão?
R - No balcão.
P - E a senhora ficou muitos anos?
R - No Gardano eu fiquei um ano e pouco, depois...
P - Não, na própria Dulca.
R - Na Dulca, é eu comecei no balcão porque eu era a caçula. Então eu tinha a minha mãe que ficava no caixa, meu pai, claro, meu pai ficava tudo onde ele devia, uma irmã que era um pouquinho mais velha, é um pouquinho mais velha do que eu, casada. Então eu que ficava de sábado, domingo, eu não tinha filhos, não tinha problemas, então era, não tinha escolha também era ali, durante anos, a nossa vida não foi fácil porque mesmo depois quando eu casei eu tinha os meus filhos, mas eu tinha que depender muito de babá, o meu pai era um homem muito severo. Então ele exigia da gente, sabe, os italianos são realmente um pouco, né, assim autoritários, meu pai era o chefe clássico italiano mandão, ele era, então a gente tinha que obedecer, obedecer o horário. Às vezes, eu deixava até as crianças com febre, ficava meia preocupada mas tinha que vir. Mas foi bom, foi bom porque assim ele nos ensinou a trabalhar, né, foi bom, eu agradeço a tudo que o meu pai me ensinou e a minha mãe também, né, porque a gente aprendeu a trabalhar e ele nos deu a possibilidade hoje de viver sem depender de ninguém. Viver por nosso trabalho mesmo eu acho isso muito bom, estou tentando passar isso para os filhos, (risos) que já são mais acomodados é mais difícil mandar em filho, viu, do que naquele tempo. O filho hoje é mais... tem idéias próprias você deve saber como é, né, (risos), fazem mais o que eles querem. O meu filho veio nos ajudar na Dulca e ele falou para mim: "Tá bom mamãe eu venho, mas sábado, domingo e feriados, não conte comigo." E são os dias de maior movimento nosso, né, mas ele já se programou. Eu vou, eu dou graças a Deus que ele esteja lá mas as condições são essas e nós não tivemos essa chance nenhuma.
P - A Dulca era também ponto de encontro quando ela abriu?
R - Era, depois ponto de encontro foi aqui na Vieira de Carvalho. Porque nós oferecíamos o aperitivo, né, todos os domingos, nós começamos em grande estilo, tinha garçons, tinha copinhos de vidro, tinha aperitivo que a Cinzano inclusive colaborava conosco e depois, o que derrubavam de copinho (risos) que no fim foi pondo copinho de papel e no fim eu precisei fechar, eliminar isso, porque nós tínhamos problemas com os funcionários. Porque eu não fico lá todo santo domingo, então domingo sim, um domingo não, e no domingo que eu não estava infelizmente eles tomavam aperitivo a gente não podia, eu não ia permitir isso. Então eu, e não adiantava falar, então eu falei: "Bom, sinto muito, vamos cortar isso." Mas isso fazem poucos anos, acho que uns cinco anos, cinco ou seis anos, meu pai já era doente, por causa não nossa, entende, às vezes, a gente muda o sistema por causa das coisas que vão acontecendo, né, então como eu não podia, não tinha, eu não estava aí, também não ia me sacrificar ficar todo domingo na Dulca para que não acontecesse isso, então eu: "Ah, é assim, vocês fazem isso, muito bem acabou, acabou aperitivo." Aí nós tivemos umas queixas de clientes mas tudo bem, aí explicava: "Ah, não, a senhora está certa."
P - Mas as pessoas vinham para se encontrar e conversar?
R - Vinham, tomavam aperitivo, compravam, e tinha muitos que vinham só para tomar aperitivo, (risos) que eu ficava: "Olha que cara dura." Tinha umas pessoas que saíam e eu ficava até torcendo: "Será que vai acertar a porta?" Porque tomavam quatro ou cinco e saíam cambaleando. É, foi um período bonito também, foi um período bom, tinha muita gente, era um tempo mais áureo vamos dizer, né, depois tudo aos poucos foi eliminado, mas continua sendo um ponto de encontro, até hoje eu fico no domingo, não todos, né, como eu já disse. Mas então entra aquele cliente: "Oh, como vai, e sua mãe, e seu pai, o que aconteceu, e os filhos e os netos, né?" Quer dizer, eles fazem questão de conversar com a gente e eu faço questão de conversar com eles, nós temos muitos clientes assim, que nos conhecem desde, eles falam para mim: "Eu conheço você que você tinha esse tamanho." Eu digo: "Olha que eu já era maior." Mas: "Não, não você era desse tamanho." "Está bom, então tá, eu tinha esse tamanho." Então ainda na Dulca tem muitos, assim, clientes amigos da casa, né? Há uns tempos atrás saiu uma reportagem, não faz muito tempo uns 15 dias na, no Jornal da Tarde que fizeram um, que vieram uns fiscais, é uma blitz para ver a limpeza e saiu no jornal que as únicas duas que se salvaram aí no centro da cidade foi a Dulca e o Casserole, o restaurante Casserole no Largo do Arouche, e nós recebemos um monte de telefonemas de clientes para nos cumprimentar. Isso é gostoso, não é? Quer dizer: "Não, vimos no jornal, vocês estão de parabéns não sei que lá, né?" "Ah, muito obrigada, a gente faz o que pode, né?" Isso é muito bom é um retorno, né, pelo esforço que a gente tem.
P - A loja da Dom José funcionou até quando?
R - É, esses são os anos que me fogem, acho que 74, 75.
P - E já tinha mudado muito o perfil da rua?
R - Já. Sim. Sim, tinha, porque a Dom José quando nós abrimos era uma rua normal de movimento, tinha o ponto do circular, né? Depois, o centro decaiu muito, né, o centro, o centro, o centro... da Vieira também mas a Vieira ainda se salva porque realmente é uma ilha, porque você sai daí chega na Praça da República é um oásis, você chega aqui no Largo do Arouche também é outro, né? Aí em cima tem uma ilha boa, mas lá quando veio o calçadão daí, depois também tinha os problemas com o senhor Pacheco, que era o proprietário, ele de repente queria luvas, queria coisas, meu pai falou :"Não, quer saber de uma coisa? Vamos fechar." A Dulca já estava aqui bem encaminhada, tudo, e fechamos lá e ainda bem, né, porque já viu o que é agora na José de Barros é um horror, né? Tem todas aquelas bancas, aquele pessoal que vende no meio da rua, né? Fizeram calçadões e encheram de gente, isso foi há alguns anos atrás, uns três ou quatro anos, né, de barraquinhas, vendem de tudo até doce.
P - E a Vieira abriu em que ano?
R - A Vieira acho que abriu, deixa eu pensar, é, em 71, 72, eu não sei muito bem eu não lembro bem os anos mas se depois quiserem saber com certeza eu posso ver lá. Mas foi 70, 71 que abriu a Vieira de Carvalho. Agora estamos em 94 são vinte, quantos anos? Trinta, né, estamos ali, mais ou menos.
P - Quando abriu na Dom José de Barros qual, como é que era o espaço da loja, os balcões, as prateleiras?
R - Era menor porque nós tínhamos, logo atrás da loja tinha o laboratório, né? Então era uma loja pequena e tinha o caixa de um lado, entrando assim à direita tinha o caixa, depois tinha uma vitrine que era tudo petit-four, depois tinha um balcão grande e outro balcão e eram só doces. E a vitrine do lado de cá, como tinha uma porta no meio, eram duas vitrines, da vitrine da direita a gente fazia balas, minha mãe vendia na ocasião produto do Gardano também, e do lado de cá eram só doces. A gente enchia a vitrine de doces, coisa que eu não posso fazer mais porque eu não vou vender uma vitrine de doce. Lá naquele tempo enchia duas, três vezes durante o dia de pratos de doces. Era uma lojinha bonita simples, né, como continua sendo até hoje, era pequena era mais ou menos como o tamanho desse quarto assim e todo o laboratório atrás. Depois quando nós fizemos o laboratório na Vieira, que está até hoje, aí nós fizemos uma loja grande aí ficou uma loja bem grande e tudo. E no fim eu acho que não comportava mais aquele espaço, era praticamente perdido, está agora lá o Bruno Blois, está lá, está inclusive a mesma vitrine com aqueles vidros, aqueles tijolos de vidro em, baixo, né, a vitrine manteve, o piso da Dulca manteve está lá.
P - Era comum na época expor os doces na vitrine?
R - Acho que não, mas nem agora. Como a exposição de doce da Dulca hoje, eu acho que nunca vi ninguém aqui em São Paulo, acho que nem no Brasil. Na Itália sim, se expõe muito, mas aqui não, eu vejo, por exemplo, não sei, a Cristallo tem umas vitrines com flores de papel, a Amor aos Pedaços, é ninguém é Nós temos produto, a gente enche uma vitrine, nós temos uma vitrine agora, não sei se o senhor conhece agora na Vieira de Carvalho, tem uma vitrine enorme, né, e é tudo bolo e esses vende, bolo, panettone, enfim a gente vende bem.
P - Havia concorrência por exemplo entre bolos e chocolate, chocolate feito embalado ou um produto nunca concorreu com outro?
R - Não. Como? Na Dulca o senhor diz?
P - É, ou, é, na Dulca, ou se a Dulca sofria esse tipo de concorrência?
R - Não.
P - Não?
R- Não, nós temos o nosso estilo, nossos preços que sem querer fazer propaganda são bem melhores do que muitos outros e então a gente mantém, né, aquilo. Agora não sei, nós temos muitos clientes... nosso bombom é muito bom, modéstia parte, (risos) então... e a gente, não sei, não sinto concorrência não, de vez em quando alguém fala: "Não, porque lá, porque é assim." Mas eu falo: "Aqui é Dulca." E é assim, né, tem o nosso estilo de trabalho e a gente mantém.
P - Qual que era a forma de pagamento que as pessoas se utilizavam na Dulca?
R - É, como naquele tempo quando entravam? Tinha ficha na caixa, que era uma vergonha mas era a única forma de manter uma certa ordem, porque é muito inato no brasileiro, não é querer tapear, é querer brincar. Então realmente tinha muita gente que saía sem pagar, (risos) até hoje eles fazem isso e nós ficamos com ficha no caixa que era desagradável muitos clientes se queixavam: "Nossa que chato, eu queria comer outro e não vou comer mais porque não vou de novo pegar dinheiro." É, de fato era, mas ficou muitos anos. Agora, quando diminuiu o movimento, nós conseguimos ter um controle melhor, a gente agora tem comanda, então o cliente, mas assim mesmo às vezes nós encontramos comandas jogadas no chão, o pessoal sai simplesmente, né, come mas... acho que um ou outro, devem ser poucos. Então a gente agora não tem mais ficha mas tem comanda. Comanda a pessoa recebe quando entra, fica com a comanda na mão, vai comendo, vai anotando só que não tem a borboleta para sair, a saída é livre, então se a pessoa não passa pelo caixa que sai simplesmente, fica fácil, tem guarda na porta mas também não pode controlar tudo, né?
P - E no começo existia, por exemplo, caderneta ou tipo de conta para um cliente mais assíduo?
R - Não.
P - Alguém que viesse todo dia pagava...
R - Não, pagava normalmente todo dia, não tinha nada não. Tinha pessoas que levavam sei lá, seis fichas, depois comiam assim um doce por dia (risos), mas isso era uma coisa muito, muito difícil, muito esporádica.
P - Daonde que vem o nome Dulca?
R - Dulca vem do latim: doce né, uma conjugação latina. Doce é Dulca não sei agora se é genitivo, indativo, ablativo, não me lembro, eu sei que é do latim. Doce em latim.
P - E quem escolheu?
R - Meu pai. Meu pai escolheu, que no primeiro tempo queriam chamar com o sobrenome do meu pai, Garrone, mas depois como tinha o meu tio que era sócio e tinha outro sobrenome então acharam melhor pôr um nome que não, né, e foi Dulca e está até hoje lá, Dulca.
P - Dona Anna Maria e, assim, existia algum treinamento para os vendedores, para as pessoas que trabalham lá?
R - Existe, existe mas é difícil precisa realmente, nós, todas as moças que entram são alertadas: "Olha, você não pode falar você para o cliente, nem meu bem." Pior ainda, né, que elas tem hábito, né, não pode dizer: "É só isso?" Sabe, não pode dizer para o cliente: "É só isso?" Dá impressão que não está comprando nada. "Deseja mais alguma coisa?" Mas, ontem eu estava no caixa, uma das minhas funcionárias mais antigas falou para o cliente: "Só isso?" É difícil mudar o modo de falar, né, é muito difícil. Eu reparo, às vezes, eu estou no caixa eu percebo, tem pessoas que entram e falam: "Tia, você tem hora aí?" Então eu olho né, vai embora (risos) nem faz favor, nem obrigada, é um hábito. Eu reparo também que muita gente fala: "Manda fazer Espera aí" É uma forma, eu já até pensei deve ser de quando tinha escravos, ninguém pedia nada para o escravo, mandava, não é? O escravo não entrava, esperava na porta, e são coisas que eu percebo que o povo aqui usa talvez inconsciente e é feio, "espera aí." Como "espera aí"? A minha empregada fala para mim: "Espera aí." Então como "espera aí", claro que eu vou esperar aqui e não vou esperar na esquina. Mas é uma forma deselegante, mas nós temos que ficar atrás disso tudo para as moças não falarem assim, né, mas é difícil conseguir mudar. "Você", eles falam "você", então não é "você", é senhor e senhora. Eu não falo "você" para ninguém, nem para minhas empregadas eu não falo. Mas isso deve ser criação não é querer fazer, né, é o modo, é o modo que, então a gente tem que treinar essas meninas. Não quero que faça pacote com durex, quero que passe barbante, barbante tem que ser passado de uma forma certa, não ficar virando pacote, né? Tudo isso a gente tem que treinar mesmo, porque aqui balconista não, também, também é uma classe que se julga mal não se julga, não se julga uma, e eles, sabendo atender, é uma arte, saber atender é mais arte ainda, mas não é levado dessa forma, entende, é levado mais como depreciativo, uma coisa que, sabe? Então, você precisa realmente treinar. Eu até, nós fizemos cursos, é, palestras, na hora aquele entusiasmo. Depois passa uns seis meses já esqueceu tudo já voltou aos costumes. (risos)
P - Por que a senhora prefere usar barbante em vez de durex?
R - Porque eu acho mais elegante, simplesmente por isso, porque eu acho que um pacote amarrado com lacinho entregue assim é muito mais bonito que um durex né? Então, tudo isso tem que ser visto lá na Dulca e tem que ter um sistema para embrulhar. Se não fizer aquele jeito aí vira os doces, né, tombam, tem que ser feito direitinho, a gente treina, treina assim.
P - E sempre foi embalado dessa maneira os doces?
R - Sempre, sempre, sempre, inclusive o meu pai tinha bolado, no início da Dulca, um papel que durou até agora pouco, era um papel com umas estrelas escrito Dulca em todos os tamanho e em todas as... virado para cá, para cá, para cá, né, e nem eu nem a minha irmã gostávamos desse papel e agora nós trocamos e nós chegamos à conclusão que o meu pai sabia o que ele fazia. Porque, como a folha é grande e tem que ser cortada, no cortar a folha, nós percebemos que o Dulca em vez de ficar nesse sentido, fica nesse sentido, entende, agora que a gente faz as coisas que vai mudando a gente vê: "Puxa, papai estava certo, ele tinha o porquê das coisas." Só que ele não explicava.
P - Como é o papel novo?
R - Papel novo agora é branco, que nós já erramos nós fizemos azul, escrito Dulca em ouro. Aí tinha cheiro de tinta, aí tivemos que refazer, aí eu falei: "Bom, vamos fazer em tom branco com escrito em azul." Agora é branco escrito em azul que seria a cor que nós adotamos, que nós gostávamos de pôr em uniformes das moças, manter um tom, né, para a Dulca e agora ficou assim. Mas erramos Porque agora tem uma das folhas que quando embrulha o Dulca fica nesse sentido, né, a gente aprende, vai vivendo vai aprendendo todo dia um pouco.
P - Eu queria que a senhora falasse um pouco da figura do mestre que acompanhou a Dulca.
R - Que era o meu pai?
P - É, que era o seu pai e seu tio.
R - É o meu pai e o meu tio, porque o meu pai era um mestre, vamos dizer, um técnico na parte de doce, e o meu tio era o técnico da parte de confeitos e bombons, então os dois realmente eles, para eles a Dulca era a vida deles, era um hobby para o meu pai. Meu pai, eu dizia: "Mas papai vamos para casa?" "Não." Ele ficava lá, ele adorava aquilo sabe quando faz aquilo com muito amor, um amor que hoje eu estou pondo no meu trabalho, mas quando eu tinha 20 anos eu não entendia, o meu amor era sair correndo para poder, né sair, andar alguma coisa assim e eles então realmente se dedicavam e procuravam pessoas para poder passar, né? Só que agora os netos não aprenderam, as filhas, nós trabalhamos na Dulca, mas nós trabalhamos mais em contato de público, eu por exemplo me interesso de vitrines. No Natal todos os enfeites passam, são bolados por mim, passam por... Então técnica mesmo eu não tive tempo de aprender e não vou aprender agora, e a minha irmã também. Então falta um homem na família que assumisse isso. Não tem Não tem Nós temos, eu tenho um filho, minha irmã tem dois filhos, mas cada um tomou umcaminho, né, e, realmente, que esteja ali ajudando... o meu filho vem agora mas é mais computador, franquias, contabilidade, né? Técnico mesmo nós temos que procurar agora, nós temos o nosso Henrique, que trabalha conosco há muitos anos, que ele é que é o mestre cuca, e eu estou tentando procurar pessoas que tenham vontade de trabalhar no nosso ramo, que não me interessa um que de repente não encontrou no escritório, não encontrou no banco, não encontrou na oficina e vem querer trabalhar na Dulca. Eu queria um que tivesse vontade de ser um mestre cuca mas é muito difícil. Eu já falei antes para você, aqui no Brasil é dificílimo, dificílimo, já procuramos no Senac, no Senai, sabe, essas que ensinam o garçom não sai, não tem nem noção do que é o princípio da ordem, o princípio da limpeza, sabe, então se torna difícil.
P - A senhora disse que o seu marido também trabalha na Dulca?
R - É o meu marido ele, depois de, já faz uns bons anos, meu pai tanto fez, tanto fez, até que trouxe o meu marido e foi muito bom porque hoje a gente agradece muito que o meu marido esteja aí. Mas o meu marido também entrou lá devia ter lá seus 38, 40 anos, não era o ramo dele, ele se adaptou então ele realmente vai lá todo dia de manhã, ele que controla, ele que faz compra, ele que está em cima do pessoal, mas não é um técnico, não é um técnico também. Portanto, que ele tente, mas eu acho que é uma coisa muito da pessoa, né, como um pintor, um cantor. É uma coisa nata e o meu marido era, antes, tinha uma oficina de motores, imagina, não tem nada há ver. Ele se esforçou, é muito bom, ele está lá e a gente tem uma pessoa de extrema confiança, né, e mas fazer doce assim ele não faz, ele fica lá.
P - Quando que a senhora casou com ele?
R - Eu casei em 55, é 55.
P - E nesses anos todos a senhora fez, o seu pai fazia muitas experiências com receitas novas?
R - Não.
P - De adaptar, por exemplo, frutas brasileiras?
R - Não.
P - Não?
R - Não o meu pai era muito clássico, nós somos, nós mantemos, né? Então, por exemplo, se o mamão entrou a fazer parte de um certo petit-four que seria laranja, mas era mais difícil conseguir, mas muito pouco não, não nós não fizemos, nós mantivemos, a gente faz brigadeiro só e os salgadinhos, né, que são tipicamentes brasileiros, né? Na Europa nem conhece coxinha, empada. Não, nunca vi, lá fazem salgados mas são sanduíches, então aquele pão de fôrma com recheio de maionese, de cogumelos, de alcachofrinhas, muito gostosos, mas coxinha, empada. Deveria até alguém ir para Itália fazer, que talvez faria sucesso.
P - E quando começou a franquia?
R - A franquia só uns 5 anos atrás mais ou menos, acho que em 90, também não posso jurar o ano, mas não faz muito tempo não. Foi a primeira, que foi aquela da Padre João Manoel e depois eles mesmos abriram a do Eldorado e depois teve essa do Butantã agora que abriram também não faz muito tempo, acho que faz um, não chega a um ano. Agora nós estamos também querendo ampliar também o laboratório para poder ter mais algumas franquias, para poder atender melhor, mas nós não queremos mais em shoppings, nós queremos franquias que sejam de rua e com os proprietários, quer dizer, a gente vai poder selecionar. São só mais umas duas ou três, mas eu quero os proprietários que assumam porque na mão de qualquer um, o nosso nome é muito importante para ser seguido, não é? Simplesmente assim: Dulca. Tanto que nós já fechamos uma no shopping Ibirapuera, tinha uma Dulca lá, ficou uns três ou quatro meses depois nós tiramos. Eu prefiro perder, vamos dizer, o movimento que essa loja nós dá, mas não vamos arriscar o nome da Dulca, né? Porque a Dulca levou 43 anos para fazer não é qualquer um que vai poder acabar com o nome, né, é uma coisa que a gente tem que zelar. Então, por enquanto a gente está só com três e se a gente conseguir aumentar vai ser uma coisa muito estudada, muito pensada.
P - Como é que funciona o sistema de franquia no caso dos doces, eles pegam com vocês?
R - Eles retiram, quer dizer a gente tem todos os tipos de doce, eles escolhem o que eles querem. Também a gente não pode obrigar a levar tudo, então eles encomendam, nós temos o fax à noite eles passam o fax. De manhã cedo, a gente abre às seis horas, né, não a loja mas o laboratório, e é retirado o fax, é preparada a encomenda tudo, e mais ou menos 11 horas eles retiram; eles têm uma Fiorino, né, eles retiram os doces todo dia, todo dia.
P - Varia muito o que vende uma loja para outra?
R - Não, não. São sempre mais esses tipos clássicos, né, por exemplo, nós temos essa franquia do Butantã que eu achei que iria trabalhar bem no Natal ela trabalhou bem com o doce porque ela está numa praça de alimentação, então o pessoal realmente vai lá para comer e não para comprar. Então, eu pensei que como é no Butantã, os clientes de lá iriam comprar... não, não teve quase venda; sim, panetones alguns, mas não foi aquilo que nós achamos que seria, entende? Então também isso é uma coisa importante: o ponto que eles estão... já a da Padre João Manoel trabalhou muito bem, a do Eldorado mais ou menos que também está eu, já disse, num lugar assim tão escondidinho, né, e então tudo isso, também para nós foi uma experiência franquia nós nunca tínhamos tido. De repente nós fomos procurados com muita insistência, né, e no começo a gente não queria, depois realmente o nosso laboratório, como diminuiu o movimento da Vieira de Carvalho, porque o movimento diminuiu também por um monte de coisa como eu disse, ninguém mais sai de longe para vir comprar doce. Então nosso laboratório era, não produzia tudo que era, que poderia ter é produzido sendo que os funcionários são pagos. Então nós começamos a considerar uma franquia para poder também encarar melhor o laboratório com todo esse pessoal que nós temos, assim, o pessoal que ganha bem lá, que também estão conosco há muito tempo, né, e merecem ganhar. Então nós devíamos ter mais venda para poder continuar sem ter que dispensar ninguém e tal, e foi o que nós tentamos e está dando certo, né, não é aquela oba-oba, mas enfim vai.
P - E hoje em dia a senhora falou que a senhora queria tirar o laboratório lá da Vieira de Carvalho...
R - É da Vieira para ter um laboratório mais funcional né? Eu gostaria de fazer um lugar para entrada de automóveis, para poder carregar, que não seja na rua porque é péssimo esse negócio de parar carro na rua, às vezes está chovendo, às vezes tem sol, e tem horário para entregar, né? Então fazer uma coisa para um trabalho mais tranqüilo, um fluxo de trabalho mais... sabe menos... sempre meio assim, entende? Então a gente está querendo fazer isso e a Dulca fica ali reformada, a gente pode até pensar num café, alguma coisa, mas isso vai demorar ainda um pouquinho.
P - Eu esqueci de perguntar: a senhora falou um hora em confeitaria, em confeitos e doces.
R - É.
P - Qual a diferença?
R - Ah, sim trabalho de doce é um tipo e confeitos é completamente diferente, precisa ser técnico de confeitos. Por exemplo, nós fazemos amêndoas confeitadas, nós fazemos bombons, cada um dele tem uma arte, tem um sistema, tem um modo de fazer, então realmente são duas coisas são sempre doces mas duas coisas que precisa saber. Então, nós temos também um técnico confeiteiro que também o meu tio ensinou, nós já temos técnicos que saíram e abriram umas coisinhas por conta deles e com a nossa benção, porque eu acho que todo mundo na vida tem que tentar progredir, né, por sorte este que está conosco está lá tranqüilão. (risos)
P - E qual é o dia-a-dia da senhora hoje, é na Dulca?
R - Meu dia-a-dia?
P - É.
R - Bom eu chego na loja mais ou menos às nove e meia. Aí eu dou uma olhada na loja, nas moças, na vitrines se tiver uma vitrine para trocar eu já programo uma vitrine. Porque é programada realmente, eu vou fazer uma vitrine, por exemplo, não sei, de bombons, então eu preparo as caixas, os cartuchos, preparo as bandejas, né? Preparo, mando preparar, mas eu fico pensando aquilo que e vou fazer. Depois eu subo, eu faço o caixa, eu atendo pessoas que veio para falar comigo para me oferecer produtos para... aí chega mais ou menos uma e meia eu vou almoçar, duas e meia quinze para três eu estou de volta e quando eu posso às cinco, quando não posso é as seis, quando não posso é as sete, quando não dá é as oito, eu volto para casa.
P - A senhora faz vitrines com motivos, por exemplo...
R - Fazemos, é nós já fizemos assim teve uma ocasião que tinha um, não me lembro o que é que era, Semana da Pátria nós fizemos então bombons todos verdes e amarelos, (risos) com fita; a gente faz a Páscoa. Eu até me divirto com isso porque daí eu faço uma vitrine toda cor de rosa, aí eu bolo, sabe? É gostoso, quando a gente faz com gosto tudo é bom, né, tudo é bom. Então o dia-a-dia é esse, né, que a gente vê um pouquinho de tudo. O meu marido já chega cedo, é ele que abre, ele que vê o que tem que ser comprado, o que falta o que não falta: farinha , açúcar , chocolate, uvas passas todas essas, e as pequenas compras também tudo, né, a gente tem que ver tudo desde duas toneladas de chocolate ao rolinho de papel higiênico. Tudo tem que ser visto e tudo tem que estar ali. Então, o meu marido já vê essa parte, já fica no laboratório e é um pouquinho para cada um e a gente vai fazendo.
P - Agora, no sentido mais geral, né, o que é que a senhora mais gosta de comprar, de consumir?
R - Como assim, para a Dulca?
P - Para a senhora.
R - Para mim?
P - É, o tipo de coisa que a senhora gosta?
R - Ah, tudo que eu preciso. (risos) Eu sou mulher, uma boa mulher gosta de gastar então tudo eu gosto de sei lá roupas, sapatos, bolsas, coisas para casa, presentear muito os meu netos, os meus filhos, quando eu posso, né, tudo. É, mulher, sabe como nós somos, né? (risos) Eu vinha vindo agora para cá de táxi, porque aqui da outra vez não tinha aonde pôr o carro e então o motorista estava se queixando comigo que a esposa dele reformou a casa e eu falei: "Mas olha, se não tivesse mulheres no mundo o mundo pirava viu? Ainda bem que tem mulher." Que nós que damos, né, ênfase à coisa. A gente está sempre pensando. Eu gosto de comprar tudo. Mas tudo também com muito bom senso, né, eu também não sou uma consumidora dessas que querem gastar a todo custo. Eu penso, eu vejo, procuro fazer as coisas bem feitas e na Dulca também, na Dulca também eu compro muita coisa, porque eu tenho que fazer enfeites, então eu saio, eu vou nas exposições eu vejo fitas, enfeites, cestas. Então eu começo em agosto a comprar para o Natal, porque eu tenho que ir lá bolar tudo, né: "Vou fazer uma cesta assim com uma fita assim." Então eu tenho que providenciar tudo que no Natal eu tenho que ter tudo na mão, sem poder mais sair, né? Então eu providencio tudo antes e tudo com um certo programa feito, claro né, como aliás tudo, né? E é isso aí.
P - E tem algum lugar, ou tipo de coisa que a senhora não goste de comprar que a senhora....
R - Não. Que eu não goste? Não, não, não sei nesse momento assim não me ocorre. De comprar? Não. É se for, não sei, comida essas coisas, mas eu compro tudo. Eu não vou fazer a feira, por exemplo, não vou na feira, mas eu penso aquilo que eu quero. Quando eu vou no sítio eu vou na feira comprar as verduras, eu vou na horta catar. Qualquer coisa que é para eu fazer eu faço não tenho problema de não gostar, de não gostar. Eu faço o que é necessário, né, sempre bem, não tem problema não. Eu lavo louça se for preciso, eu lavo até a Dulca se for preciso (risos), quantas vezes eu falo: "Meninas precisa passar um pano nos vidros." Aí elas pegam o pano vão lá dentro lavam o pano, elas demoram dez minutos só para, né, às vezes eu pego o pano, em dois minutos eu já passo o pano, já está feito, é mais rápido eu faço mesmo não tem problema.
P - Mais alguma pergunta? Infelizmente nosso tempo está acabando.
R - Acabando, né?
P - A gente vai querer fazer mais duas perguntas.
R - Diga.
P - Uma é: quais são seu projetos ou seus sonhos para o futuro?
R - Bom, eu gosto de viajar quando posso né? E o meu sonho maior é poder levar para a Itália, se eu puder esse ano, senão o ano próximo, uma vez cada um, eu tenho um filho e uma filha, então o meu sonho maior é levar para Itália o meu filho com a minha nora e as minhas duas netas e depois a minha filha com o meu genro e os outros três netos que tenho, cinco netos no total. Esse é um sonho muito grande que eu tenho. O meu pai fez isso, meu pai quando os meus filhos eram mocinhos ele levou para Itália todos para conhecer o meu ninho, né, o meu lugar então eu tenho. Os meus filhos já conhecem, mas os netos ainda não, então esse é um sonho que tenho muito grande, continuar trabalhando, ter a possibilidade de trabalhar, de ter uma tranqüilidade econômica da gente se sentir aqui como a gente se sente lá, quer dizer uma base, uma coisa tranqüila, né, isso é uma esperança que eu tenho, né? E só eu acho que é só, as esperanças são essas de ter saúde, que eu sempre tive, espero continuar tendo e continuar bem trabalhando não tenho grandes, acho que as minhas, os meus desejos são assim super-realizáveis, né, uma viagenzinha para a Europa, (risos) com todo mundo, todo mundo me diz :"Vai para a Disney." Eu falo: "Não, eu só saio do Brasil para ir para a Itália, senão..." Para a Europa, né, que quando a gente está lá é tudo ali: França, Espanha , Suíça, Áustria, então a gente roda ali, você conhece?
P - A senhora tem família lá na...
R - Tenho, tenho tios, irmãos da minha mãe, tenho um tio que é frei, tenho duas tias, tenho muitos primos, filhos de primos. Temos uma casa no campo lá que era do meu bisavô, está lá, nossa, está lá fechada, abandonada mas está lá, lindo, num lugar lindo, e só que a nossa vida agora é aqui, né, tudo é aqui. Inclusive quando o meu avô faleceu, o meu pai, o meu pai era um homem que tinha uma fé aqui no Brasil assim enorme e ele trouxe a herança para cá para poder fazer aqui, abrir a Dulca, construir prédio onde nós morávamos e, às vezes, eu dizia: "Papai não faz isso não, deixa lá." E ele: "Não, não, nós vivemos aqui nós temos que..." O meu pai era muito, muito brasileiro, muito, muito mesmo, foi uma escolha, né? Ele veio para o Brasil então ele tinha que encarar. (risos)
P - E alguém da Itália ainda trabalha com doces?
R - É, até alguns anos atrás, digo, uns três ou quatro, o irmão do meu pai tinha uma confeitaria que chamava Garrone. Meu tio nunca saiu lá de Torino, agora ele faleceu, a minha tia está viva, a esposa dele, mas ela já tem uma certa idade então fecharam, venderam. A confeitaria está lá, a loja está lá mas tem outros proprietários, até pouco tempo atrás tinha ainda uma confeitaria.
P - E quando era da família as receitas, a senhora reconhecia os doces comendo, como as receitas...
R - Ah, sim. Eram iguais lá e aqui, tem alguns que nós deixamos de fazer. A gente fazia um que chamava funghi era muito bonitinho, era uma bombinha feita meia pontudinha e era uma cabecinha que encaixava, parecia um cogumelo deitado. Mas aquilo, o pessoal não conhece muito cogumelo, então realmente não, nós tivemos que mudar, então se fazia... cogumelo não diz nada para, daqui, né, agora conheça mais talvez o funghi seco, mas realmente visto assim no mato, né? Sabe que nós temos um sítio em São Roque que dá cogumelo lá e nós o recolhemos e comemos só que a gente não espalha, senão pessoal come. E é ótimo Só que ele é formato diferente, mas o povo em geral não conhece, então tem coisas que nós deixamos de fazer, mas quando chego na Itália, eu vou em confeitarias eu compro doce, como marrom glacê eu adoro, sorvetes lá muito bons. Então, quando eles faziam era mais ou menos o petit-four, lá se usa talvez muito mais amêndoa, avelã, eu já disse, aqui é muito caro é importado, né? Mas a gente adaptou o caju, se bem que o caju também é caríssimo aqui, e enfim dá pra mais ou menos compensar, os bombons também a gente... Quando eu vou para a Europa, eu vou muito para ver lojas vitrines, para eu também ter uma noção daquilo que se faz lá, né? O que a gente não consegue aqui sabe o que é? Embalagem, embalagem aqui é caríssima, é difícil. Então lá realmente dá muito mais prazer porque você consegue coisas lindas que aqui, ou são caríssimas que você não pode vender que fica, encarece muito o produto, né, então já fica mais difícil vender. Então a gente, quando eu vou lá, eu fico olhando, eu fico vendo que dá para trazer eu trago.
P - Tem alguma tradição de algum país que a senhora gosta dos doces. Por exemplom os doces austríacos, os doces, tem algum que a senhora gosta?
R - Não, não. Eu gosto de croissant da França, que ele é bem crocante, né, eu gosto mas é, não, nada especialmente não, não. Também eu procuro não comer muito doce não, eu já tenho que experimentar, sabe que a gente experimenta, né, às vezes, eu experimento um ou outro e sinto uma diferença então eu puxo o chefe: "Olha, não está legal isso aqui, está com um sabor diferente, repassa a receita veja." "Ah, mas é o fulano que faz." "Então quando for fazer dá uma controlada nos pesos." Porque tudo é pesado, né, e alimento a gente experimenta, tem que experimentar, né, também não é todo dia porque senão sai do sério. (risos) Mais alguma coisa?
P - Para concluir, a gente gostaria que a senhora dissesse o que é que a senhora achou de dar o seu depoimento e contar sua história de vida para o Museu da Pessoa?
R - Ah, eu achei bom, eu achei muito bom, achei interessante, né? Espero que possa interessar a mais alguém, né, não sei, não quero ser tão importante assim, mas eu achei bom, achei bom. Achei interessante esse trabalho que vocês estão fazendo. Vamos ver, eu quero ver depois os resultados, né? O meu filho no primeiro tempo ele não queria porque eu sou um pouco, eu sou um pouco, não é envergonhada, aliás eu sou muito até extroversa, mas eu não gosto muito quando vem tirar fotografia, de aparecer, depois o pessoal, os amigos ficam caçoando, sabe essas bobeiras, né, então eu não queria, mas o meu filho falou: "Não, bambina, mas isso é bom, a Dulca o nono." Acho que o meu pai ficaria muito feliz se ele, se onde ele estiver, ele esteja vendo, né, acho que ele vai gostar porque realmente ele se dedicou muito a isso, então para ele seria um, vamos dizer, uma coroação, né, ao trabalho dele. Isso, né? Então eu achei muito simpático.
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