Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Cremildes Lima da Silva
Entrevistada por Gisele Rocha e Rosana Miziara
São Bernardo do Campo, 08/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB03_Cremildes Lima da Silva
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Oi, Cremildes. Você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Cremildes Lima da Silva, eu nasci no dia três do setembro de 1956.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Nasci em Conceição do Coité, Bahia.
P/1 – Conceição do Coité?
R – É.
P/1 – Até quantos anos você viveu lá?
R – Eu vivi... Bom, quando eu vim pra São Paulo, eu vim com 13 anos.
P/1 – Com era essa cidade, Conceição do... Do...?
R – Do Coité.
P/1 – Do Coité. Como é que era a cidade?
R – Era uma cidade boa, bonita.
P/1 – Como é que era?
R – Era uma cidade pequena, mas era bem bonitinha. Tinha mercado, tinha bastante loja.
P/1 – E o que seus pais faziam lá?
R – Meus pais trabalhavam... Meu pai comprou um terreno, nós fomos trabalhar na roça. Nós trabalhamos na roça. Com a idade de oito anos, eu já trabalhava plantando mandioca, feijão, milho.
P/1 – Você ia com seu pai pra roça?
R – Ia com meu pai pra roça. Plantava de tudo lá: melancia, abóbora. Bastante coisa a gente plantava lá.
P/1 – E sobrava tempo pra brincar?
R – Sobrava tempo pra brincar.
P/1 – Quais eram as brincadeiras?
R – Nós brincávamos de esconde-esconde, de boneca, cortava aquele mato, fazia comidinha para as bonecas com mato (risos).
P/1 – E como era a casa onde você morava lá?
R – A casa era de barro. Era de barro, coberta de telha por cima.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Nós somos dez irmãos.
P/1 – E como vocês dormiam lá na casa?
R – Colocava o colchão no chão, aí dormia no chão, porque os quartos não cabiam cama, por as camas tudo, pra dez irmãos.
P/1 – E por que você veio pra cá com 13...
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Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Cremildes Lima da Silva
Entrevistada por Gisele Rocha e Rosana Miziara
São Bernardo do Campo, 08/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB03_Cremildes Lima da Silva
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Oi, Cremildes. Você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Cremildes Lima da Silva, eu nasci no dia três do setembro de 1956.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Nasci em Conceição do Coité, Bahia.
P/1 – Conceição do Coité?
R – É.
P/1 – Até quantos anos você viveu lá?
R – Eu vivi... Bom, quando eu vim pra São Paulo, eu vim com 13 anos.
P/1 – Com era essa cidade, Conceição do... Do...?
R – Do Coité.
P/1 – Do Coité. Como é que era a cidade?
R – Era uma cidade boa, bonita.
P/1 – Como é que era?
R – Era uma cidade pequena, mas era bem bonitinha. Tinha mercado, tinha bastante loja.
P/1 – E o que seus pais faziam lá?
R – Meus pais trabalhavam... Meu pai comprou um terreno, nós fomos trabalhar na roça. Nós trabalhamos na roça. Com a idade de oito anos, eu já trabalhava plantando mandioca, feijão, milho.
P/1 – Você ia com seu pai pra roça?
R – Ia com meu pai pra roça. Plantava de tudo lá: melancia, abóbora. Bastante coisa a gente plantava lá.
P/1 – E sobrava tempo pra brincar?
R – Sobrava tempo pra brincar.
P/1 – Quais eram as brincadeiras?
R – Nós brincávamos de esconde-esconde, de boneca, cortava aquele mato, fazia comidinha para as bonecas com mato (risos).
P/1 – E como era a casa onde você morava lá?
R – A casa era de barro. Era de barro, coberta de telha por cima.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Nós somos dez irmãos.
P/1 – E como vocês dormiam lá na casa?
R – Colocava o colchão no chão, aí dormia no chão, porque os quartos não cabiam cama, por as camas tudo, pra dez irmãos.
P/1 – E por que você veio pra cá com 13 anos?
R – Eu vim porque lá a gente trabalhava na roça, aí teve uma seca, aí não tinha condições de a gente... Do meu pai sustentar a gente tudo. Aí minha prima veio daqui de São Paulo, aí tinha uma senhora que tava precisando de uma mocinha pra trabalhar na casa dela, aí minha prima me levou, me trouxe pra São Paulo. Eu comecei a trabalhar com a idade de 13 anos em casa de família.
P/1 – Você fazia o quê? Em que bairro era?
R – Era na Santa Cruz, na Vergueiro, São Paulo.
P/1 – Aí, você morava no emprego?
R – Morava.
P/1 – O que você fazia na casa?
R – Eu lavava a louça, lavava a roupa, limpava a casa. Minha patroa era já de idade, ela adoeceu e faleceu. Depois que ela faleceu, eu saí da casa dela, fui trabalhar em outras casas.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá?
R – Fiquei uns três anos na casa dela.
P/1 – Mas seus pais vieram pra cá, ou não?
R – Meus pais não vieram, ficaram lá no norte.
P/1 – E fim de semana, você ia pra casa da tua prima?
R – Fim de semana, eu ia pra casa da minha prima, de lá a gente ia para o Museu do Ipiranga passear lá. Levava um toca-discos pequeno, daqueles pequenos, vitrola, que chamava naquela época. Aí nós colocávamos debaixo das árvores, ficava lá passando música.
P/1 – Qual foi sua impressão quando você chegou a São Paulo?
R – Minha impressão?
P/1 – Assim, que você chegou à cidade?
R – É uma cidade muito grande, muito bonita. Eu falei: “É muito bonita essa cidade”. Gostei muito daqui.
P/1 – E essa sua prima morava onde, que você passava o fim de semana?
R – Morava na Vergueiro também. Morava na Vergueiro. Ela trabalhava lá na Vergueiro na casa de uma portuguesa lá.
P/1 – Depois disso, como você veio parar aqui nessa região, em São Bernardo?
R – Depois disso, minha prima comprou um barraco e me convidou pra morar com ela. Aí, eu fui morar com ela nesse barraco. Eu comecei a trabalhar numa fábrica chamada Trorion, aqui em Diadema.
P/1 – E esse barraco é onde?
R – O barraco era na Vila São José, ali perto da... Era na Naval. Na favela Naval. Aí, ela arrumou um marido, foi morar com ele, um namorado, foi morar com ele. Aí, eu peguei, aluguei uma casinha e fui morar sozinha. Aí trabalhava na Trorion, depois passei um ano na Trorion, aí, saí da Trorion. Aí, fui trabalhar em casa de família outra vez.
P/1 – Mas onde era essa casinha? Na Naval?
R – Era na Naval.
P/1 – Como era a Naval?
R – A Naval quando chovia tinha muita lama, tinha muitos barracos. E o barraco onde nós morávamos era sobradinho, era embaixo, construído embaixo de tábua, de madeira, e em cima. A gente morava em cima, embaixo morava outra pessoa.
P/1 – E como eram os vizinhos? Como era a convivência lá na Naval?
R – Os vizinhos eram gente boa. Eram gente boa, os vizinhos.
P/1 – Tem algum fato marcante que aconteceu com você lá na Naval? Uma história?
R – Uma história? Não.
P/1 – Você viveu alguma enchente lá?
R – Vivi. Deu enchente lá. Enchia tudo, né?. Enchia tudo lá na Naval.
P/1 – E o que vocês faziam quando enchia?
R – Quando enchia, a gente ficava dentro tirando a água e esperando baixar a água. Depois disso, eu fiz um barraco na Jesus de Nazaré. Aí tinha um barranco grande, eu peguei, tava dentro do barraco, aí, os vizinhos gritando pra eu sair de dentro do barraco, que tava “esbarrancando”. Aí, eu saí pra fora. Eu pensava que era brincadeira dos vizinhos, que eles estavam mandando sair de dentro. Quando eu saí pra fora, o barraco “esbarrancou”, derrubou o barraco, tinha um arame assim na frente. Eu ainda corri pra sair de dentro do barraco, bati a cara no arame, cortou assim um pouquinho, o bombeiro veio, me levou para o pronto socorro. Aí, eu fiquei sem moradia.
P/1 – E as suas coisas?
R – As minhas coisas foram tudo no barranco. “Esbarrancou”, ficou tudo lá.
P/1 – Você perdeu tudo?
R – Perdi tudo. Aí, eu fiz outro barraco. Nesse que eu fiz agora, estalava, tava querendo cair, aí a Defesa Civil veio e mandou a gente... A Defesa Civil veio e deu auxílio aluguel pra mim, pra eu poder ficar...
P/1 – E aí? Você pegou esse auxílio aluguel e mudou de lugar?
R – É. Mudei. Aí fui morar de aluguel, a prefeitura pagava o aluguel pra mim. Daí eu vim morar aqui no apartamento aqui.
P/1 – Como você chegou? Como foi que você conseguiu vir morar no apartamento?
R – É porque há cinco anos já a prefeitura pagava o aluguel, aí a habitação ligou pra mim perguntando se... Tinha um apartamento vazio, perguntou se eu queria, aí eu falei que queria. Eles marcaram o dia pra poder mostrar o apartamento. Eles me trouxeram aqui pro apartamento, mostraram, aí perguntaram se eu gostei, eu falei que tinha gostado, aí me mudei pra cá.
P/1 – Qual foi... O que você sentiu logo que você entrou no apartamento? Como foi?
R – Ah, eu senti muito alegre, viu, quando eu vi o apartamento bonitinho, arrumadinho. Eu fiquei muito contente.
P/1 – E aí você mudou quando?
R – Eu mudei dia 14 de dezembro.
P/1 – E como é seu apartamento?
R – É bonitinho, todo arrumadinho, tem dois quartos, sala, cozinha, lavanderia, banheiro.
P/1 – E como ele é decorado? A decoração dele?
R – É decorado? Decoração dele?
P/1 – Assim, você arrumou, pôs sofá, pintou?
R – Pus sofá, pus a cama, pus o guarda-roupa. Agora falta eu comprar o armário, porque lá onde morava de aluguel não cabia armário, aí eu peguei e vendi o meu armário, porque lá não cabia, era pequeno. Agora, eu vou comprar armário. Vou comprar o armário e a máquina de lavar, que faltam.
P/1 – Cremildes, quais foram as principais mudanças na sua vida desde que você tá morando aí no conjunto? O que mudou na sua vida?
R – Ah, mudou totalmente a minha vida. A minha vida tá melhor. Eu moro numa casa que não entra água, num apartamento que não entra água, então a minha vida mudou muito.
P/1 – E os vizinhos, como é a convivência na comunidade, lá no conjunto?
R – É tudo gente boa, os vizinhos. Os vizinhos não me aborrecem, é tudo gente boa.
P/1 – Quanto tempo você já tá morando lá?
R – Vai fazer três meses dia 14 agora, de março.
P/1 – Três meses?
R – É.
P/1 – Acabou de entrar?
R – É. Acabei de entrar.
P/1 – Tem alguma coisa que você se lembra da sua vida que você fala: “Tenho saudade daquilo”?
R – Da minha vida?
P/1 – É. Quando você tá aí no conjunto, você pensa assim: “Nossa, quando eu morava em tal lugar...”.
R – Bom, eu lembro assim, quando eu morava no barraco, dava enchente, era muito ruim. Era muito ruim, as coisas estragavam tudo, os móveis. Depois que eu vim morar pra cá, no apartamento, minha vida mudou totalmente. Aí, é outra coisa. É tudo bom, aí, no apartamento.
P/1 – E você trabalha hoje?
R – Eu trabalho de diarista. Tô mandando currículo para as firmas, pra eu trabalhar em firma. Eu trabalho de diarista. Todo dia na semana eu tenho casa pra trabalhar.
P/1 – E você não quer mais trabalhar assim?
R – De diarista? Não. Preferiria trabalhar mais registrada, carteira registrada, porque, aí, quando eu for me aposentar... Eu tô pagando o carnê. Já tenho dez anos pagos, que eu pago o carnê do INSS. Então, registrada era melhor também porque já ajudava. Quando eu for me aposentar, aí, já contribuiria os 15 anos pagos.
P/1 – Gi.
P/2 – Nossa, tá bom.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meus sonhos? Meus sonhos são pagar o apartamento e receber os documentos do apartamento.
P/1 – Quanto você paga por mês?
R – Aí, no apartamento? Eu pago o condomínio. O condomínio, a água... Não. O condomínio, a luz e o gás. Eu pago 30 reais do condomínio; e gás, eu pago 17; luz, eu pago 36, 36 reais.
P/1 – E quando você recebe os papéis do apartamento?
R – Quando eu recebo?
P/1 – É. Quando ele vai ser seu?
R – Aí, eu não sei. Não sei quando vai ser meu. A habitação que vai saber o dia certo de entregar o documento do apartamento.
P/1 – E quem mora no apartamento com você? Quantas pessoas moram...
R – Moramos eu e minha neta, que eu tenho um filho também. A minha neta mora comigo, ela tem 13 anos. Aí, ela mora comigo pra fazer companhia pra mim.
P/1 – O que você achou de contar a sua história aqui?
R – Ah, eu achei muito bom (risos). Muito bom.
P/1 – Ah, obrigada. Você tem alguma pergunta, Gi?
P/2 – Não.
R – Não tem, não?
P/2 – Eu ia voltar. Mas posso voltar?
P/1 – Claro.
P/2 – A Maria, que contou a história pra gente mais cedo, falou que quando tinha enchente no barraco dela, ela tinha que ferver as roupas. Você também fazia isso pra aproveitar?
R – Fazia.
P/2 – O que mais vocês faziam pra conseguir recuperar o que ficava?
R – Bom, a gente fervia as roupas, lavava tudo direitinho. O que dava pra aproveitar, a gente aproveitava; o que não dava, não podia fazer nada.
P/2 – E o colchão? Quando molhavam os colchões, como fazia?
R – A gente colocava no sol. Não dava pra lavar.
P/1 – E como você... As pessoas se ajudavam? Como você conseguiu reconstruir tudo que você perdeu?
R – A igreja ajudava, dava cesta básica. A habitação levou colchão pra gente, pra mim. Levou colchão, levou cobertor, uma cesta básica. Ele não podia ajudar sempre com cesta básica, mas a igreja ajudava. Aí fui recuperando aos poucos, aí eu fiz um barraquinho.
P/1 – Como você conseguiu superar tudo isso? Assim, quando vinha enchente, o que você pensava?
R – Ah, eu pensava em tanta coisa, pensava que, sei lá, tinha medo de morrer na enchente. Pensava muita coisa.
P/1 – Bom, passou. Obrigada.
R – De nada. É só isso?
FINAL DA ENTREVISTA
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