Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé: Ouvir o outro – Compartilhando valores
Pronac 128976
Depoimento de Vinícius Scarpa Souza
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Lourenço, 11 de junho de 2014.
Entrevista nº NCV HV028
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Então, primeiro, Vinícius, vou pedir pra você dizer seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Vinícius Scarpa Souza. Eu nasci em quatro de março de 1982. E nasci na cidade de Itanhandu, Minas Gerais.
P/1 – Agora nome completo do seu pai e da sua mãe, e se vocês se lembrar também data e local de nascimento dos dois.
R – São todos nativos do Itanhandu, do pé da Serra da Mantiqueira. Meu pai é João Sergio Oliveira Souza e a minha mãe Vera Maria Scarpa Souza. Antes era Bustamante Scarpa, aí quando casava geralmente pegava o nome do marido. Hoje não usa mais isso.
P/1 – Scarpa Souza?
R – Scarpa Souza.
P/1 – E o que seus pais faziam, ou fazem ainda? Profissionalmente.
R – Meu pai, agora, aposentou esse ano. Mas meu pai trabalhou muito tempo numa siderúrgica, na Contabilidade de uma siderúrgica e depois era autônomo, contador. E minha mãe foi a vida toda professora, primeiro de alunos especiais, trabalhou muito tempo na Apae, na rede estadual de ensino, mas no final da carreira, na creche, na rede municipal de ensino, sempre manteve dois, três empregos, mas de professora.
P/1 – E como é que eles são de temperamento, de personalidade? Descreve um pouco pra gente.
R – Minha mãe é um anjo bom. Minha mãe é uma pessoa pacienciosa. Ela trabalhou muito tempo com criança especial, então ela é uma pessoa que ela desenvolveu habilidades de paciência, de sempre prestar atenção nas virtudes que possam vir do outro, eu acho que isso muito vem do trabalho dela com crianças especiais, e um pouco do temperamento dela também. Meu avô por parte de mãe, o pai dela, e minha vó, são pessoas muito batalhadoras, são pessoas que, como várias histórias das...
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Projeto Nestlé: Ouvir o outro – Compartilhando valores
Pronac 128976
Depoimento de Vinícius Scarpa Souza
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Lourenço, 11 de junho de 2014.
Entrevista nº NCV HV028
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Então, primeiro, Vinícius, vou pedir pra você dizer seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Vinícius Scarpa Souza. Eu nasci em quatro de março de 1982. E nasci na cidade de Itanhandu, Minas Gerais.
P/1 – Agora nome completo do seu pai e da sua mãe, e se vocês se lembrar também data e local de nascimento dos dois.
R – São todos nativos do Itanhandu, do pé da Serra da Mantiqueira. Meu pai é João Sergio Oliveira Souza e a minha mãe Vera Maria Scarpa Souza. Antes era Bustamante Scarpa, aí quando casava geralmente pegava o nome do marido. Hoje não usa mais isso.
P/1 – Scarpa Souza?
R – Scarpa Souza.
P/1 – E o que seus pais faziam, ou fazem ainda? Profissionalmente.
R – Meu pai, agora, aposentou esse ano. Mas meu pai trabalhou muito tempo numa siderúrgica, na Contabilidade de uma siderúrgica e depois era autônomo, contador. E minha mãe foi a vida toda professora, primeiro de alunos especiais, trabalhou muito tempo na Apae, na rede estadual de ensino, mas no final da carreira, na creche, na rede municipal de ensino, sempre manteve dois, três empregos, mas de professora.
P/1 – E como é que eles são de temperamento, de personalidade? Descreve um pouco pra gente.
R – Minha mãe é um anjo bom. Minha mãe é uma pessoa pacienciosa. Ela trabalhou muito tempo com criança especial, então ela é uma pessoa que ela desenvolveu habilidades de paciência, de sempre prestar atenção nas virtudes que possam vir do outro, eu acho que isso muito vem do trabalho dela com crianças especiais, e um pouco do temperamento dela também. Meu avô por parte de mãe, o pai dela, e minha vó, são pessoas muito batalhadoras, são pessoas que, como várias histórias das pessoas antigas, quando o mundo era mais difícil, parece, né? São pessoas que vem de origem bem sofrida e isso de certa forma refletiu em bondade na minha mãe, minha mãe é uma pessoa muito boa. Meu pai também é uma ótima pessoa, mas é um pouco mais agitado, assim, né? Meu pai é uma cara do trabalho, meu pai trabalhou a vida toda, não queria saber de estudar, trabalha desde os 13 anos de idade. Está inconformado que aposentou esse ano, né? Engraçado. São temperamentos bem diferentes dos dois, mas são... Mas vivem bem, sei lá, 30 e poucos anos juntos.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, oito anos mais velha.
P/1 – Como é que ela chama?
R – Fernanda. Fernanda Scarpa Souza.
P/1 – Com o quê ela trabalha?
R – Minha irmã ela formou em Artes Visuais pelo Instituto Benett, do Rio, e ela é autônoma, trabalha com arte, mexe com um pouco de fotografia, e cada hora está fazendo uma coisa, assim, né? Deu aula muito tempo. Trabalhou na Fundação Bradesco. Atualmente ela está prestes a dar à luz a uma menina, a Cecília. Então ela não está trabalhando efetivamente num emprego, mas continua fazendo o trabalho dela de fotografia... Desculpe, preciso desligar o celular.
P/1 – Imagina.
R – Posso desligar?
P/1 – Pode. Claro.
R – Ok.
P/1 – Você sabe qual é a origem da sua família?
R – Sei. Acho que sei, né? Por parte dos meus avós paternos eu sei mais, por parte dos meus avós... Desculpe, por parte dos meus avós maternos eu sei mais, dos meus avós paternos nem tanto, mas sei também um pouco, sei bastante a história da mãe do meu pai, né? Mas vamos lá, você quer que eu conte cada uma das duas, mais ou menos?
P/1 – É, da onde eles vieram...
R – Tá.
P/1 – O quê que eles...
R – Avós paternos. Desculpe, avós maternos, né? Eles são a terceira ou quarta geração de descendentes de italianos que vieram da província de Salento, né, da cidade de Salermo, ou vice-versa, não conheço a Itália. E vieram, como naquele tempo, com um pedaço de terra pra produzir, e tudo isso, que foi a chegada deles aqui na região da Serra da Mantiqueira, não é? Foi o Nicolau e o Batista Scarpa, se não me falha a memória. E por conta disso a gente foi dando uma investigada na vida deles, hoje a gente obteve até cidadania italiana, a gente conseguiu chegar... Alguns parentes meus, meus tios estiveram lá região de onde vieram, conseguiram resgatar a certidão, conseguiram achar os parentes lá. Dos meus avós por parte de... dos meus bisavós, né, no caso, por parte dos avós do meu pai, já são a segunda ou terceira geração, eles têm um sangue bem turco e espanhol, Oliveira vem daquela região ali, eu acho que espanhol, mas não tenho, assim, um detalhamento da... Tem várias coisas, mas eu não saberia contar, assim, né?
P/1 – Não, tudo bem. É o que você sabe mesmo.
R – É.
P/1 – Conta um pouco como é que era as refeições na sua casa quando você era pequeno, quem que cozinhava, o que vocês comiam?
R – Nossa, lá em casa... Eu fui criado na casa da minha avó. Agora eu vou te contar uma história então: eu fui criado nomeio de uma mulherada danada. E hoje eu tenho até duas meninas... Lá em casa a gente só faz menina, graças a Deus. E é uma casa de italianada, assim, sabe? Tinha uma geração que era muito velha e tinha aquela molecada, a gente não tinha muito um intermediário, assim. Então a gente tinha várias tias, inclusive, que moravam em São Paulo, que chegavam com bacalhoadas e potes de doce, de queijo, de azeitona. Então era aquela farra assim. Italiano quando junta come, bebe, chora, briga, tudo junto. E lá era desse jeito. Até hoje acho, assim, por isso que eu sou um pouco guloso, gosto muito de comida, né? Então a gente sempre primou muito... A cozinha da casa da minha avó, que era a cozinha do quarteirão, que a gente brincava lá, quase que do centro inteiro lá, onde a casa mora. É um fogão de lenha funcionando 24 horas, né? E comida. Comida... A gente sempre... A cozinha era deslocada da casa, era uma casinha à parte, que era onde era a cozinha, onde é a sala, onde se reuniam os amigos dos netos, os amigos dos filhos, os amigos dos amigos dos netos. E até hoje é assim. Minha mãe, meio que... por ser a única filha viva, ela deu essa continuidade assim. Hoje a gente chega lá e tá neto, quando vê já tem filho do neto, já tem primo que trouxe o namorado da neta, e tá aquela farra.
P/1 – Vocês tinham o hábito de beber café?
R – Bastante. Muito café. E o café da minha avó, eu me lembro, assim, era fraquinho, sempre muito doce, né? O pessoal quando tem essa origem da roça acho que eles adoçam um pouco demais, acho que tem essa coisa com o açúcar, né? Mas sempre...
P/1 – Você lembra como é que era preparado o café na tua casa?
R – No coador. Café no coador. Tradicional. É. No bule, a chaleira, fervendo, a água geralmente em cima do fogão de lenha o dia todo enquanto o fogão estava funcionando, então você tem água quente o tempo todo, pra fazer comida, pra fazer café, pra fazer tudo, você só regula a quantidade de fogo que você vai colocar no fogão ali, você esquenta ela mais, você deixa ela só amornando. E coador, né? Mas eu me lembro, você falou, e eu me lembro, assim, de uma época que tinha três garrafas de café na mesa, três de um litro, eram uns garrafões assim. Umas coisas absurdas. Essa garrafa deve estar guardada até hoje. Tinha uma garrafa de dois litros e meio assim, era uma coisa desse tamanho, e tinha mais duas de acessório.
P/1 – Era muito café?
R – Muito café porque passava gente o tempo todo. Todo mundo ia tomar café lá. Todos os netos, aí minha mãe vinha das escolas, vinham com todas as professoras, e passavam todas e sentavam, reuniam na mesa. E meu pai chegava do trabalho, e às vezes chegava com duas, três pessoas, e vinha, sentava e comia. E daqui a pouco chegava mais uma leva de neto, que era mais velha, que estudava numa cidade vizinha, aí vinha com colega e tomava. Então, assim, a cozinha é o centro gerador da casa, assim, foi. E até hoje é.
P/1 – Você sabe da onde vinha o café que vocês consumiam?
R – Não. Isso aí a gente já não tinha... Eu não sou de família de produtores de café, né? Apesar de lá no quintal, pela casa ser muito histórica, da época de fato que eles chegaram da Itália, tem ainda alguns resquícios de dois, três, quatro pezinhos de café, a gente tem lá. Sempre eu pego eles lá, colho. Mas não tinha essa cultura do café, não tinha, de fato não tinha.
P/1 – Conta um pouco pra gente como essa casa em que você passou a infância, mas descreve um pouco mais, como é que era a casa, como é que era o bairro?
R – Descrevo. Essa casa ela é uma chácara no centro da cidade. O rio passa ao fundo, que é o Rio Verde, é o rio principal dessa bacia que a gente está aqui, né? Foi um rio que teve uma carga de água muito grande, né, um rio que... Maravilhoso, assim, muita água, muita diversidade, um rio com bastante queda d’água, gostoso de se nadar, com um aporte de fauna, de muito peixe e tudo, que aos poucos, como tudo, sofreu sua degradação e tal. Mas o rio continua passando no mesmo lugar... Essa casa é comprida, é um casarão antigo do estilo colonial com três janelas que eram emendadas com a casa que é do lado, que hoje já se perdeu, né, nas divisões e acabou na mão de outras pessoas. Mas eram seis janelões, os quartos todos na frente com as janelas, a cozinha deslocada e uma sala ao centro, né? Não tinha muita... E o terreno todo de chão batido, e muita variedade de fruta, muita flor, muita. Minha avó a vida toda cultivou flor. E punha rádio de manhã, ligado na Rádio Mineira do Sul, pras flores escutarem, porque aquilo deixava a flor mais bonita e de fato, você falava com ela, ela falava: “Não, as plantas gostam de escutar música”. Então é uma senhorinha de um metro e quarenta e poucos assim que desde os seus 14 anos sustenta e... Só tomou ‘traulhitada’ e só veio fazendo pelo outro, assim, tem uma história sofrida e bonita, de vida. Quem dera a gente ter a força que ela teve. Mas a casa era um pouco ela, assim, era aquilo, a exteriorização daquilo que era ela, sabe? Era muito florida, muita samambaia, muito “antulho”, né? E assistindo alguns filmes, até um tempo atrás, eu fui revisar, fui assistir a trilogia do O Poderoso Chefão, o terceiro, se não me engano, que ele vai pra Sicília, né, o Al Pacino vai pra Sicília, e ele está lá com aquela namorada dele lá, e tem uma cena que mostra aquelas montanhas, e passa numa casa, numa bodeguinha onde está um jarro de azeite, onde está um jarro de vinho, e aqueles “antulhos” de vaso, assim, e eu assisti ao filme e falei: “Cara, olha aí, tá aí, olha da onde vem”. A mesma flora que tem na casa lá tinha ali, sabe? O mesmo jeito de dispor o jardim, a margarida, flores que florescem em épocas diferentes no ano. E as montanhas também têm muito a ver com aqui. As montanhas de lá de onde eles vieram tem muito a ver com essa região onde eles se fixaram.
P/1 – E as brincadeiras de infância? Me conta um pouco assim, do que você brincava, com quem você brincava?
R – A gente era cercado de amigo. A gente saía de casa cedo e tinha a missão de voltar na hora que escurecesse, não podia ser muito tarde, mas... A gente foi criado... Itanhandu é uma cidade muito pequenininha, esses interiores aqui é muito pequenininho, então a gente foi criado na rua, no quintal do outro vizinho, ou na beirada do rio, pescando, ou caçando rã, ou roubando fruta de outro, mas aquela coisa, parece que ainda da boa convivência, assim, sabe? Tudo dentro de uma permissividade, dentro de um respeito. Mas foi... A minha infância fui criado solto, eu nunca tive e-mail, vídeo game. Eu fui ver... Eu fui criar meu primeiro e-mail, entender de fato... Eu não sou muito a base, mas eu fui criar meu primeiro e-mail eu estava entrando na faculdade, tinha 21 anos.
P/1 – Demorou.
R – É, demorou. A gente era criado solto, descalço, todo quebrado, todo cheio de ponto. Todas as férias era um braço quebrado, ou era uma canela que você ia passar na cerca de arame, ia mexer com boi bravo e saía correndo do boi, passar na cerca de arame e rasgar a canela, ponto na canela: “Lá está o Vinícius. Férias, o Vinícius com a perna pra cima”. E soltando bombinha, caçando passarinho, coisa que hoje em dia já fica um pouco incabível, né? Mas uma infância do interior.
P/1 – E quantos anos você tinha quando você entrou na escola?
R – Na escola... Na escola? Qualquer...
P/1 – É, a primeira vez, primeira experiência.
R – Então, por minha mãe ser professora, eu sempre frequentei muito o ambiente escolar. Eu tinha um pouco de dificuldade no começo da escola porque eu entrei na escola eu já sabia ler, e aí eu estava um pouco à frente, aí a minha mãe teve que me tirar um pouco da escola e me levava um pouco mais pras coisas que elas estava fazendo. Na época ela estava na Apae, então eu participava de atividades de teatro, de outras coisas, assim, né?
P/1 – Quantos anos você tinha isso?
R – Puxa, deixa eu fazer conta. Eu sou ruim pra isso. Cinco, seis, 6 anos, 7 anos. Mas eu frequentei essa escola regular. Itanhandu sempre foi uma cidade bem estruturadinha. A gente está num eixo aqui, a 250 km de São Paulo, a 250 km do Rio. Então é uma cidade, é uma região de Mantiqueira que um tempo atrás ela não se mostrava como muito problemática na questão de acesso, era interior, mas a gente está a 50 km da via Dutra, então tudo que é bom e tudo que é ruim a gente acaba que tinha acesso, né? Você estava nesse fluxo Rio-São Paulo ali. Tanto é que BH, que é a capital do estado de Minas, fica muito mais longe de Itanhandu do que São Paulo e Rio, né? O Vale do Paraíba pra nós ali funciona muito mais como ponto de acesso a alguma coisa do que BH. Se você for perguntar pra quem que o pessoal de Itanhandu torce, Flamengo, Flamengo e Corinthians. Talvez eu seja um dos poucos que sou atleticano desde pequeno.
P/1 – E dessa frequentação da escola normal, formal, né, eu digo, que não eram as escolas em que sua mãe trabalha... Quais são as primeiras lembranças, que você tem?
R – Da escola?
P/1 – É.
R – Eu tenho lembranças boas da escola. Eu não gostava de ficar preso, até hoje eu não consigo ficar preso, sabe? Sou uma pessoa muito lá pra fora, eu gosto de ter horizonte, eu gosto de ver a natureza, e na escola às vezes aquilo me prendia. Eu tenho algumas... em alguns momentos, assim, que eu lembro, eu tenho algumas... de falar: “Ah, eu estou indo pra escola de novo”, e eu pedia pelo amor de Deus pra minha mãe, “Não, eu quero ficar, eu não quero ir pra escola”. Pedi pra ela, implorei, assim, quando eu fui ficando mais velho, tinha uns 15 anos, aquela idadezinha triste, eu falei: “Mãe, pelo amor de Deus, deixa eu parar de estudar, trabalhar com meu pai?”. Meu estava até tocando uma fazenda uma época, tirando leite para o patrão dele. Falei: “Não, deixa eu trabalhar com meu pai? Eu vou fazer isso...”, e minha mãe bateu firme ali. Graças a Deus, foi até bom, senão eu não tinha estudado.
P/1 – Você lembra o nome dessa primeira escola?
R – Lembro. Ó, o jardim de infância, que hoje eu não sei como é que chama, chamava Balão Vermelho, é lá eu acho que foi meu primeiro livrinho. Depois veio o Grupo Estadual Felipe dos Santos, que hoje é Escola Municipal Felipe dos Santos, né, que o ensino fundamental, municipalizou. Depois veio o colégio Souza Nilo, que era um colégio... É um colégio que tem uma história, é o antigo Colégio Sul Mineiro, que pegava estudantes de toda região. Então ele era regime de internato, tinha professores reconhecidíssimos. E depois ele virou um colégio estadual que ainda era um colégio bom, tinha professor, mas hoje está bem aquém, assim. Mas estudei no Souza Nilo. E quando eu fui fazer o segundo e o terceiro colegial eu consegui uma bolsa de estudos e fui para o Sistema Objetivo de Ensino, que era uma associação de pais que puxaram o Objetivo pra cidade. Eu vou fazer lá, né? Fui estudar lá.
P/1 – Você lembra de algum professor marcante, assim? Durante sua vida escolar?
R – Pro bem ou pro mal?
P/1 – Pode ser pro bem e pode ser para o mal.
R – Bom, a minha mãe sempre foi uma professora muito legal, eu tenho um carinho muito especial pela minha mãe, porque ela que me ensinou a ler, assim sempre... Foi uma professora pra mim.
P/1 – Ela te alfabetizou em casa?
R – Alfabetizou em casa. Mas de uma forma meio... Hoje se fala em pedagogia Waldorf, Montessori... Me parece que a gente sempre foi Waldorf, a gente sempre foi Montessori. A gente era da rua, da areia, de pegar bicho, de interagir, de entrar em... O Manoel de Barros fala de ter comunhão com as coisas e não competição. Mas tem alguns professores. Tem o professor Étore, que foi um professor de Português, que na época era supervisor do colégio, do Souza Nilo, do ensino médio, que foi um cara muito marcante, assim, era um grandalhão, tinha um vozeirão. Tem...
P/1 – Por que ele te marcou?
R – Ah, pela postura, em especial, pela ironia. O Étore era muito irônico, assim, ele era de uma inteligência. Diz que ironia é sintomático de inteligência, né? Ele tinha uma ironia, assim, sacada assim, sabe? Eu me lembro de um episódio, e a gente, coisa de moleque, pegando um espelho e fazendo reflexo, que a gente chamava de ar, né? “Vou fazer ar”. E fazia aquele reflexo na cara das cozinheiras, e aí quando vi ele chegou do meu lado, assim, e só bateu a mão no meu ombro, não sei de onde ele surgiu até hoje. Ele é falecido, seu Étore? E ele tinha dois metros de altura. Ele falou assim: “Vinícius, o que estás fazendo?”, eu falei: “Não eu estou fazendo ar”. Ele: “Ar não, reflexo”. Ele tinha umas ironias, assim, que era bem marcante. Acho que o Étore foi uma pessoa... Teve uma professora no jardim de infância também que deu conta da minha hiperatividade, que foi a Valéria, porque aí ela punha música, ela quebrava o protocolo de pintar, de desenhar, de pilhar toquinho, de colar papelzinho pra fazer ‘arvrinha’, ela... Eu tinha uma violinha, levava a viola, ela pegava e vestia peruca, e aquilo pra mim era o máximo, assim. Ela era uma professora que me marcou.
P/1 – Você lembra o que você queria ser quando crescesse?
R – Vixe. Não lembro não. Não tenho essa lembrança.
P/1 – Nunca teve isso?
R – Não, não tenho. Eu tenho... Eu tinha uma referência no meu pai, assim, é que eu queria dirigir muito, eu via meu pai chegando de caminhonete, D40, uns carrão barulhento, assim, tudo sujo. Aí eu falei: “Nossa senhora”, tem aquela coisa meio viril. Mas eu não me lembro de falar assim: “Quero ser piloto de avião”. Não me lembro. Não lembro. Não tenho lembrança de nada disso.
P/1 – E nessa fase de infância, assim, tem alguma história, um causo, que tenha ficado marcado? Sabe essas coisas que depois você conta pra família ou que a família sempre se lembra? Um causo de infância, uma história.
R – Ah, tem vários. Se for parar pra prosear mesmo, têm vários. Mas que ficou marcado?
P/1 – É. Alguma coisa que ficou na memória.
R – Eu tenho uma marca, assim, de um dia que a gente não era sair de casa, não lembro por que, eu estava de castigo. “Você vai ficar de castigo, você não vai sair”, eu tinha feito alguma dessas... Eu vivia fazendo... Aprontando umas peripécias assim, né? E vai, fiquei de castigo, mas essa eu era bem pequeno, eu era pequeno mesmo, e eu arrumei um jeito, driblei todo mundo assim e saí de casa, e fui pra beira do rio pescar com um colega meu, meu compadre hoje, compadre da minha filha. E eu me lembro na volta que a gente foi passar numa beira de rio assim, era um brejo mesmo, assim, eu lembro de eu cair e ficar preso entre uma pedra e a beira do rio, com a mão pra trás, prensado no barranco, travado. E eu gritava pra ele: “Ai quebrei o braço, quebrei o braço”. Não conseguia sair dali, e esse foi um momento de pavor, assim. Eu fiquei apavorado nesse dia, isso eu tenho um pavor, eu tenho a cena da cara dele gravada, a cabeça dele assim: “Peraí que eu vou te puxar, peraí”. Puxa, mas isso faz é tempo, hein?
P/1 – Mas você saiu como disso?
R – Eu saí, fui me mexendo lá, saí por baixo, caí assim no rio e subi. Eu lembro de... Eu tenho essa cena do pavor, da saída em si eu não sei, sei que eu saí, que eu estou aqui. Mas eu tenho essa cena e tenho a cena de eu chegando em casa, e pensei que eu tinha quebrado o braço, porque do jeito que eu caí meu braço ficou sem mexer assim. E eu lembro de eu chegando em casa imundo e dando de topo com minha mãe. Aí tomando aquela sova, né, aquele esporro, né, não pode falar...
P/1 – Pode. Pode falar sim.
R – Eu me lembro... Puxa, tem vários, da infância... A gente fazia na nossa rua, né, na Governador Valadares lá, juntava, nas férias, esse período agora, juntava em média 40 crianças pra brincar, então era polícia e ladrão valendo a cidade inteira, era uma partida só, não tinha... Era futebol de rua e, puxa, eram competições, fazia, comprava medalhinha, fazia pódio, e tudo, tudo, tudo. Era muito bom. Nossa! Muito bom. As férias era... E chegava gente também. Eu tenho muitos colegas que moravam em São Paulo, moravam no Rio, ou porque tinha ido já estudar ou... Isso um pouco mais velho, com 15, 16 anos, quando chegava, juntava essa galera era bagunça na certa. Até hoje é, né? Mudou um pouco o perfil.
P/1 – E na fase de adolescência, Vinícius, eu queria que você me contasse o que mudou de lazer? O que você fazia de diferente? O que você fazia pra se divertir com seus amigos? Como é que era ser adolescente em Itanhandu?
R – Bom, acho que adolescente em todo lugar é o paraíso e o caos na vida de qualquer um. Mas Itanhandu sempre foi uma cidade muito tranquila, né? Só que a adolescência a gente começou a... Aquilo que era bagunça, de ir pro mato, que era proibido, começou a ficar mais acessível pra gente. Então a gente tinha uma coisa muito forte no nosso grupo, já na adolescência um pouco mais reduzido, de acampar, de fazer alta montanha, de fazer trilha, né, de... Hoje que tem aí a corrida de montanha, não sei o quê, a gente fazia tudo isso, saía pra acampar, ficava o final de semana acampando, fazendo comida, caçando, caçando passarinho, e comendo, e bebendo água do rio. E muita música, Itanhandu sempre teve um acesso, sempre teve uma turma que gostou muito de música. Tem a cultura do violão na praça. Tem um festival de música em setembro, famoso, que vinha muita gente boa, né?
P/1 – O que você escutava? O que você gostava nessa época?
R – Adolescência? Pô, adolescência escutei muito Heavy Metal, bastante Heavy Metal. Escutei... É os Rock n’ Roll é assim, né? Eu comecei a gostar de música... Eu tenho um marco, assim, pra começar a gostar de música: eu estava numa pré adolescência e eu ganhei duas fitas... Na verdade eu ganhei três fitas, uma dupla, de um disco duplo e uma outra. A do disco duplo era o The Wall, que foi a minha irmã... A minha irmã me aplicou em várias coisas, certo? Ela me chegou com duas fitinhas pretas, assim, tinha um playback... Como é que chama? Era a sensação, era um som que gravava de fita pra fita, que tocava uma fita e acabava já começava a tocar outra. Era da Phillips, assim, compridinho, ela tinha ganhado de 18 anos, de aniversário de 18 anos. Então eu tinha 10, só pra vocês verem, bem pré adolescente. Aí tinha 10, 11, ganhei essa fitinha, a primeira vez que eu escutei aquele helicóptero chegando, aquelas crianças cantando. Eu me lembro de eu escutar com fone de ouvido e falar assim: “Puta, que negócio legal, cara”. Aquele negócio mexia comigo, música. Eu sou muito apaixonado em música. E a outra era de um disco do Marillion, que é o Script for a Jester’s Tear, que é um clássico do Marillion, do primeiro vocalista, que é o Fish, eu acho que é o primeiro do Marillion, assim, que eu escutei assim, e até hoje eu arrepio. A primeira vez que eu escutei o Marillion eu falei: “Cara, achei”. Aí depois fui conhecendo. Aí minha turma também foi conhecendo e a gente tocava bastante. Tive a oportunidade de escutar bastante vinil. Até meu vinil foi pra arrumar, ele fica nesse cantinho aqui, eu tenho uns 300 vinis aí. E fui comprando, né, bastantes primos, e a minha irmã já tinha um tanto, e uns primos mais velhos: “Olha, escuta isso, escuta o Cult, escuta o Queen”. Os meus primos, todos eles, tiveram essa fase de Rock in Rio e tudo. Então essa influência de música não faltou, graças a Deus.
P/1 – Você toca algum instrumento?
R – Eu toco uma violinha, um violão, uma guitarra. Tinha uma bateria aqui, mas eu vendi pra comprar minhas panelas pra fazer cerveja.
P/1 – Você lembra, assim, dessa fase de adolescência e juventude, de algum show marcante? Uma coisa ligada à música, assim? Um show que você tenha visto...
R – Ah, eu não fui em muitos não. Ao mesmo tempo eu sou muito caipira, sabe? Eu gosto de escutar as minhas coisas e ficar lá no meu canto e tal. A gente levava o radinho pros acampamentos. A gente escutava muito Antena 1, Antena 1 tocava uns Rock n’ Roll, mas só tocava uns Rock n’ Rol mas só que uns clássicos, tocava uns Kansas, Chicago, umas coisas assim mais... Não sei se New Wave, umas cafonices assim, a gente adorava aquilo, eu adoro até hoje. Mas um show que me marcou já estava um pouco mais velho, foi no ano de 2001? O Rush no Maracanã, que eu acho que... Se não me engano eu estou até na foto da capa do Rush in Rio, de tanto que eu pulei naquele show. Acho que o Rush foi um show que me marcou. Eu fui no do Roger Waters também. Fui no do Clapton, que foi muito bom. Mas o Rush, pela produção, assim, é algo fenomenal.
P/1 – Um show grande, assim?
R – É, um baita de um showzão, é, de grande foi o único. Nem Rock in Rio, eu nunca fui, assim. Eu sou um pouco contra fluxo, sabe? Se o povo está todo indo pra lá eu vou aqui, assim. Aí quando está todo mundo vindo pra aqui aí eu vou lá e vejo: “Ah, legal, tal”... Mas o do Rush eu não pude perder, porque realmente é uma banda que me chamava... Hoje eu já não escuto tanto, mas na época me chamava muito a atenção o quê que três animais faziam, né, daquele jeito ali.
P/1 – E festa, nessa faixa de adolescência e juventude, vocês iam a festas?
R – Festa era com a gente mesmo, todas. A região tem muita festa agropecuária, muita. O pessoal do interior por uma falta de opção, que na cidade grande tem, vamos dizer assim, uma falta de opção entre aspas, mas uma falta de opção de uma casa noturna, que é coisa que você procura quando está na adolescência e tal, de uma casa de shows ou de um boteco mais maneiro, tal... O pessoal bebe pra caçamba, né? Bebe muita pinga. Eu não fui diferente. Hoje eu estou bem mais tranquilo, mas a gente bebia muita cachaça, então qualquer festa era festa mesmo, não tinha essa, juntava pra fazer churrasco, pra ir nas cidades vizinhas, vinha em São Lourenço, em Baependi tinha uma boatezinha, ia pra Passa Quatro, tinha uma outra boate lá que chamava Metrópole, acho, na época. E aquilo era festa. E pegava carro e andava a toda, né? Mas tinha menos perigo parece, mas perdi alguns amigos com essa brincadeira, aí.
P/1 – Em estrada, assim?
R – É. Perdi.
P/1 – E nessa fase assim, que começa mais aquela coisa de flerte, paquera, etc., teve assim um primeiro amor marcante, alguém que tenha marcado?
R – Minha mulher vai escutar essa entrevista?
P/1 – Ah, a gente vai te dar uma cópia em DVD. É contigo.
R – Então foi ela.
P/1 – Você a conheceu quando?
R – Não, eu estou com a Naiara faz, puxa vida, 11 anos, cara. A gente casou faz... A gente casou em 2011. Se eu errar a data ela vai me capar, né? A gente casou em 2011, quando a Ana nasceu, a Ana nasceu em setembro, a gente casou em... Finalzinho de... Não, em dezembro, finalzinho do ano, isso mesmo.
P/1 – Mas você conheceu ela...?
R – A Naiara é de Itanhandu, né? Ela é um pouco mais nova. Ela é 5 anos mais nova que eu. E a gente se conheceu nessas festinhas assim mesmo, nesses encontros, churrasco, e tal. Tinha um clube em Itanhandu que era bem movimentado.
P/1 – Qual que era o clube?
R – Clube Campestre. Então, assim, eu sempre gostei muito de esporte. Então teve época de eu estar integral no clube, ou nadando, ou jogando bola, jogando voleibol, essas coisas assim, né, de molecão. E era movimentado, tinha várias festas, churrasquinho, parará, parará, parará, aí eu encontrei ela lá. Mas foi muito legal, porque a gente passou 9, 8 anos namorando, né? Eu saí pra estudar, ela ficou, que ela era mais nova. Depois ela saiu pra estudar, em Alfenas, e eu me formei na Federal de Lavras, era um pouco próximo, a gente se encontrava, e foi indo e está aí, tem duas crianças lindas aí.
P/1 – Conta então um pouco pra decidir o que você ia fazer, de faculdade mesmo, né? O que você queria de profissão? Como é que foi essa decisão? Como é que isso te veio a primeira vez, assim?
R – Você quer a versão boa ou a versão ruim?
P/1 – As duas.
R – Não. Na verdade é assim: quando eu fiz o terceiro ano, eu nunca fui dos mais estudiosos, porque o ensino convencional era uma chatice, assim. Eu estava antenado em ler outras coisas, em ouvir outras coisas, o ensino fundamental estava aquela chatice de apostila, assim. E realmente, eu me neguei, na época, a estudar cursinho, assim. Eu não conseguia, não tinha maturidade o suficiente pra ir pra uma aula de cursinho aprender movimento retilíneo uniforme.
(Pausa)
P/1 – Então retoma, fala isso pra mim, que você estava falando, assim.
R – Vou retomar.
P/1 – O negócio do cursinho, como era.
R – Isso. Eu não tinha paciência o suficiente pra... Depois que eu formei, desculpe, o terceiro ano, e vários dos meus colegas tiveram oportunidade de sair pra estudar, pra fazer cursinho, ou até mesmo já passaram de primeira na Federal. Porque eu me lembro que no terceiro todo mundo deu uma recuada, assim, eu fiquei meio que sozinho. Eu falei: “Não, agora que eu tenho 16 anos, 17, 18, agora eu vou botar pra quebrar, vou acabar com o mundo”, e todo mundo: “Não, vou estudar porque eu vou sair e tal”, já tinha essa visão de sair de casa. Aquilo ali pra mim estava bom naquela época, até hoje é muito bom, né, não fosse as necessidades que a gente vai criando na vida eu estaria por ali, ou não. Mas eu não tinha muita paciência pra frequentar aula, escutar. Eu ficava chocado com as aulas de história e geografia, eu falava: “Cara, o que está mulher está fazendo? Vou pegar esse giz, eu vou dar uma aula”. Eu sempre gostei muito de ler, muito de ler geografia, e muito de ler história, e colecionava enciclopédias, e lia, e assinava National Geographic, pra ficar lendo e tal. Achava uma chatice, decorar o número do salto do Luiz XV, pelo amor de Deus. O nome dos enciclopedistas franceses. Não conseguia. E aí eu meio que dei uma abandonada nos estudos, assim, eu fiquei trabalhando com meu pai no escritório. Meu pai tinha acabado de sair da siderúrgica e foi abrir um escritório de contabilidade, eu tocava pra ele uma parte do escritório, né, a parte de pessoal, assim, um pouco...
P/1 – Mas foi seu primeiro emprego?
R – É, mas não tinha carteira, não tinha nada. Trabalhava com meu pai, né?
P/1 – Nem recebia nada?
R – Não, recebia. Recebia os trocos pra bancar as minhas farras, né? Morava com o pai...
P/1 – Você comprou alguma coisa com esses primeiros salários?
R – Meu primeiro emprego na verdade foi na Rádio Itanhandu, né?
P/1 – Ah, então me conta.
R – É, então... Meu primeiro emprego foi lá, porque surgiu uma rádio, foi uma época que acho que estava um debate de rádio comunitária aí e tal. O Sergio Naia era um deputado que estava lá na região e acabou que pintou uma rádio lá na mão de um grupo, e aí chamaram a gente pra trabalhar e a gente pegou. E no começo a rádio funcionava numa caixa d’água lá na Estação de Tratamento de Água de Itanhandu, que a gente chama de caixa d’água, funcionava num pedacinho lá, por causa de ser alto, e a gente tocava a programação da rádio, minha irmã tocava, eu tocava, o Felipe hoje, que narra o Esporte Interativo, Luiz Prota tocava... E o Rodrigo Vesgo, né, tocava também. Então a gente tocava lá...
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Ah, devia ter uns 15.
P/1 – E era um programa específico? Como é que era isso? Vocês tocavam...?
R – Tocava. A gente tinha os codinomes, né? O meu codinome era Lontra, um apelido antigo, assim. E aí tocava o show do Lontra, e o rock comia solto, né? E já naquela época, assim, a gente começou a ter os primeiros acessos a uns CDs de ‘Putz, Putz”, assim, a uns Drum n’ Bass assim, uma coisa assim, e sempre os 15 minutos finais do programa, como o sabadão meu, o programa era das 7 às 9h30, 9 horas, os 20 minutos finais, assim, era onde essa galerazinha estava indo pra essa boatezinha de Passa Quatro, estava indo pra um baile em Itanhandu, então eu tacava um Drum n’ Bass, uns dance, assim já, pra rolar. A turma gostava. A gente tocou bastante. Era a 90 FM. Tocou o terror na cidade, na época, a gente tinha muito ouvinte, muito. Fazia promoção, lançava na rádio: “Ó, quem chegar aqui com uma minhoca vai ganhar um ingresso pra...”, fervia de gente, ligação o tempo inteiro, tinha que tirar o telefone do gancho. A gente era bem escutado.
P/1 – Quanto tempo você ficou na rádio?
R – Uns dois anos? Um ano e meio.
P/1 – E tem algum causo da rádio, de ouvinte?
R – Tem vários causos censurados da rádio.
P/1 – Tudo censurado?
R – Não, de jeito nenhum. A gente fazia umas festas. Depois que a gente ganhou um espacinho, tinha uma saletinha de recepção e aí a gente fazia as festas, ficava tomando vinho e fazendo programação, e todo mundo tomando vinho ali, e depois saía a programação daquele cara já era o outro que estava ali, então ele entrava pra fazer. Tem uma coisa que eu brinco até com o Felipe, com o Luiz Prota... que é o seguinte: a gente, ele apresentava o show do Urubu, ele era o Urubu, né, era As 10 mais do Urubu... era as 10 mais da rádio do sonho, assim, né? Primeiro lugar, assim, eu lembro de rolar mais de 15 dias rolar o primeiro lugar Roots, do Sepultura. Ninguém ligou aqui pedindo Roots. O povo ligava pra pedir Mila, do Netinho. “Toca Mila”. “Então tá bom, Sepultura. Tá”. E a gente era ouvido pra caramba. Era legal, a rádio. Esse foi o primeiro emprego, na verdade. A gente tinha um salário, tinha comissão de propaganda, né?
P/1 – E aí me conta o que você fez com esse salário, com os primeiros salários?
R – Ah, gastava tudo em farra. Moleque. Comprava uma coisinha ou outra, comprava um agasalho de montanha, um tênis, juntava dinheiro pra bicicleta, e tal, mas... Farra.
P/1 – E depois, mais tarde, o segundo emprego então foi esse com seu pai, que você estava descrevendo.
R – É, eu fiquei um tempo com meu pai e depois a minha tia, a minha falecida tia, ela abriu um... Ela pegou uma carona no disque mensagens, de mandar mensagens, e aí a gente ficava mandando mensagens lá, e eu saía pra receber e também ficava passando mensagem lá, né? As pessoas ligavam.
P/1 – E como é que era esse trabalho?
R – É um telefone acoplado a um som, a pessoal liga, fala: “Eu quero passar uma mensagem pra fulano de tal”, aí você tem um monte de modelos de mensagem, de amor, de carinho, e era engraçado, eu me divertia porque, assim, eu ficava sabendo de história de bastidores da cidade, né? Ficava sabendo de traições, de tudo. E é engraçado que a... E isso se repete hoje com a internet com os bate papos. A pessoa quando ela está com a outra pessoa do lado da linha, aquela outra pessoa nunca é aquela pessoa, é uma coisa que ela imagina que seja, ninguém sabia que era eu nos seis primeiros meses, então era uma voz do outro mundo que mandava uma mensagem pra um outro alguém. Eu fiquei sabendo de várias coisas, sem querer. Aí tirava uma grana também.
P/1 – Eram gravadas as mensagens?
R – Eram gravadas em CD já. Tinha fitas, mas veio logo o CD. E comprava de uma firma que vendia e acoplava no telefone. O telefone tinha uma saidinha de áudio.
P/1 – Aí alguém encomendava e vocês discavam e soltavam?
R – Encomendava, você pegava o nome da pessoa, o endereço, marcava a hora, punha a mensagem pra ela escutar ali, pra ela ouvir o que ela queria e tal, e naquela hora marcada, geralmente aniversário e tal: “Passa uma mensagem de aniversário pra minha mãe”. Aí a pessoa acordava, pegava o telefone, aí vinha a mensagem: “Ah, quem te mandou a mensagem foi fulana e tal”. Aí fiz essa parte também.
P/1 – Tinha um nome esse disque mensagem?
R – Minha tia chamava Valda, né, então ficou Disque Mensagens da Valda. Aí tocou um tempo. Mas esse tempo foi o tempo que eu estava sem estudar, né?
P/1 – E quanto tempo foi isso? Quanto tempo você ficou só trabalhando?
R – Eu formei em 1999. Em 2000 teve uma parte que eu pulei. Em 2000 eu passei no vestibular pra Biologia, no Mato Grosso do Sul, na Tríplice Fronteira do Paraguai com Paraná e o Mato Grosso do Sul. A cidade chama Mundo Novo. Fui pra lá e fiquei 6 meses. Aí entrou de greve eu vim embora, na estadual, não estava legal lá. Aí quando eu vim embora, no final de 2000... No final de 2000? É. No final de 2000 eu vim embora e fiquei aproximadamente até 2003, metade de 2003. Fiquei três anos , né, dois anos e meio.
P/1 – Em Itanhandu?
R – É. Em Itanhandu. Foi onde eu trabalhei um pouco com meu pai, um pouco com as mensagens, com meu pai de novo, porque eu já tinha trabalhado na adolescência um bom tempo. Mas, aí eu fiquei, esses dois anos e meio, eu fiquei basicamente com o Disque Mensagem.
P/1 – E quando é que você decidiu que ia fazer outra faculdade?
R – Não, eu estava estudando, só que eu me impus uma rotina de estudo. Foi um período que eu peguei pra aperfeiçoar um pouco o violão, assim, pra aprender alguma coisa. E pus a minha rotina, morava em Itanhandu, às vezes um pouco ansioso, mas pus a minha rotina, estudava, pegava material com um e tal. E aí em 2003 abriu vestibular da UFLA, da Federal de Lavras, eu estava com olho nele e Viçosa. Aí Viçosa eu fiz pra Engenharia Ambiental, e na UFLA... Em 2002 eu fiz vestibular pra Engenharia Ambiental em Itajubá, na EFEI, que era a primeira turma, não passei, fiquei por pouco. Aí fiz em Viçosa, pra... Puxa, eu não lembro pra o quê que foi em Viçosa, não lembro se foi pra Engenharia Ambiental, eu fiz vestibular em Viçosa, fiquei com uma febre no dia da prova, fui fazer a prova lá em Alfenas, mas também não me dei bem. Eu acho que eu nem fiz o último dia de prova. Foi isso mesmo. Eu nem fiz, estava com uma febre danada, tava no final de ano, o vestibular de Viçosa era na semana de 26 a 31 de dezembro. Aí no dia 30 eu estava numa febre mortal, assim, falei: “Ah, não vou fazer prova”, passando mal, vomitando muito. Aí fiz em Lavras, passei. Em 65º lugar. E fui pra Lavras. Aí fiquei em Lavras de 2003 até 2009.
P/1 – E como é que foi essa experiência universitária e também viver em Lavras...?
R – Não. A universidade foi um marco, assim, pra mim. Um marco... Como tudo na minha vida, um marco pelo que ela foi e também pelo que ela não foi. Ela foi... Chegar na universidade, encontrar um galera diferente, eu morei 7 anos dentro de um alojamento estudantil, morava... No quarto que eu morava, morava eu e mais cinco, eram dois quartos, uma cozinha e uma salinha, e um banheiro, né, pequenininho. E desses cinco, quando eu formei, eu era o mais velho, desses cinco já não tinha mais ninguém, já eram outros cinco. E a experiência do alojamento em si foi uma coisa fantástica, assim. Sempre fui muito envolvido com as causas da agricultura, com a produção sustentável de alimento, com tudo isso, me envolvi com o Movimento Estudantil, me envolvi com muita coisa bacana na universidade, a universidade ela deu uma abertura, assim, na cabeça, fantástica. Me oportunizou uma série de contatos, me oportunizou uma série de viagens, me oportunizou uma série de trabalhos. Trabalhei com extensão, trabalhei com pesquisa de campo, né, com questionário semiestruturado, com agricultor, com captação de dados subjetivos sobre manejo de água em ambiente semiárido, como que eles manejam a água, como que a água rebate na pauta alimentar, como que é a estratégia social dessa turma ali naquele ambiente teoricamente hostil. E a universidade foi um mundo à parte, assim. E eu fiquei bastante tempo, né? Eu já estava quase virando um dinossauro lá. E eu tranquei também 2 anos da faculdade pra rodar de mochila, conhecer outros campus, conhecer estratégias de produção agroecológica, ecológicas, orgânicas, no Brasil todo, e um pedaço da América Latina. Eu botei a mochila e rodei um ano e pouquinho aí.
P/1 – E como é que foi essa viagem?
R – Foi ‘bão’.
P/1 – Por onde você passou?
R – Foi muito ‘bão’. Eu comecei em Brasília, que mais tarde eu vim a morar em Brasília. Organizamos alguns eventos em Brasília. Depois... Era um grupo de estudantes, né, de agronomia. Depois eu subi pra Cuiabá. Cuiabá, eu rodei o Mato Grosso, fui Caceres, Tangará, rodei bastante o estado, conheci um pouco da fronteira com a Amazônia. Depois passei pra Rondônia, conheci um pouco do trabalho do Incra lá também, os projetos de colonização do norte, né? Rondon. Depois conheci um pouco do Acre, eu tinha vários colegas já no Acre, colegas que eram colegas da minha irmã, quando a minha irmã estudou na rural, que não saiam lá de casa, que já eram profissionais e estavam no Acre, passei pela casa deles, fiquei uns 20 dias no Acre e depois subi pra Amazônia, pra Manaus, conheci um pouco do Rio Madeira. De Manaus eu desci pra Belém. De Belém eu subi de novo pra Manaus, subi pro Acre, subi o Madeira, conheci Letícia, mentira... Antes de ir pro Acre, conheci Letícia, na Colômbia, que é a fronteira com Tabatinga, Solimões, entrada do Solimões no Brasil, do rio Solimões, rio barrento, né? Desci pro Acre, vim pra Cuiabá. Conheci um pouco do sul também, o Paraná, algumas feiras, algumas comunidades de agricultores colonos no oeste Catarinense, Anchieta, Chapecó, aquelas cidadezinhas ali. Vi muito a questão ligada à semente, à produção ali. Conheci um pedacinho do Rio Grande do Sul, um pouco da Bacia de Santa Maria, da baixada quente de Santa Maria, terra da ovelha, ali. E aí acabei em Minas, de novo.
P/1 – Você fez por conta própria essa viagem?
R – É, muito por conta própria, mas na época a gente tocava muito ligado ao Movimento Estudantil. Então a gente tinha uma série de assuntos que a gente levava pra dentro de grupos estudantis, de agronomia, organizados dentro das escolas.
P/1 – Mas vocês eram um grupo, então?
R – Nós éramos um grupo. É uma executiva de curso, a Federação Executiva de Agronomia do Brasil. Essa executiva ela tem uma diretoria que é anual e cada ano ela está com uma escola, e se organiza através de diretorias estaduais, regionais, né? Então a gente de Lavras pegou a diretoria nacional, a coordenação nacional, e saiu pra fazer esse trabalho.
P/1 – E era um mapeamento? O que era isso?
R – Não, era um trabalho muito ligado aos movimentos sociais do campo, né? Um trabalho ligado com comunidade de agricultura e pesca. Então a gente pegava estudantes e organizava estágios de vivências desses estudantes dentro dessas áreas pra conhecer a realidade agrária, agrícola e tudo. Eu participei do projeto Rondon também, quando reativaram, eu fui da primeira turma, que a gente foi pra Tabatinga, foi em 2005 isso. Eu participei também, fui selecionado lá na universidade, a gente teve um professor que na época pediu pra gente escrever um projeto, escrevemos, passou, e a gente foi pra lá. E estava difundindo técnicas de sistemas agroflorestais, outra hora técnicas de organização de grupo, de dinâmica, e trabalhando tudo isso aí. Em 2006 foi o congresso que a gente entregou pra uma outra coordenação e aí foi onde eu voltei pra universidade e me formei.
P/1 – Conta um pouco dessa experiência de viagem, você consegue destacar assim alguma história? Alguma coisa que tenha ficado... Imagino que você viveu coisa pra caramba, mas, assim, contar alguma caramba, dar um exemplo pra gente concreto, contar uma história marcante...
R – Acho que assim, o mais legal de entender disso é que eu tive contato com uma diversidade tremenda do que é o Brasil e que é a América Latina. Diversidade de hábitos, de línguas, de pautas alimentares. Essa viagem sempre teve o foco... Até antes de eu fazer, cursar agronomia, o meu foco sempre foi muito na pessoa, naquilo que ela come. Acho que por conta daquele passado, da gente ter se desenvolvido ao redor da mesa, aquilo de certa forma, inconscientemente, me chamava atenção: “Por que as pessoas se reúnem tão vorazmente e expõem tanto sentimento de alegria e de briga, de amor, e tudo, em torno da comida?”, sabe, isso era uma coisa que me... Eu falava: “Nossa, que coisa volumosa, né, que coisa... Meu Deus do céu”. Aí acabou que eu acho que esse enfoque foi passando. Então essa viagem minha sempre tinha esse foco, sabe. Passar... Acho que o legal de entender essa viagem, assim, foi a possibilidade que eu tive de entrar em contato com diversas formas de organização, com diversas formas de produzir alimento, de se fixar na terra, de se organizar e o grande insight da coisa era pegar essas experiências e tentar trazer pra perto da formação do agrônomo dentro da universidade que muitas das vezes ele entra nesse... A gente estava... Toda hora eu te chuto, né?
P/1 – Não tem problema.
R – A gente estava num momento de muita expansão com programas de governo, de expansão de campus universitário e diretamente proporcional você perde em qualidade quando você expande qualquer coisa, né? Ainda mais em se tratando de política pública. Então a gente sentia essa defasagem. A gente fazia uma conta na época, falava assim: “Cara, se a gente continuar formando profissionais agrônomos que não tenham perfil pra trabalhar com essa diversidade, com essa especificidade, com essas particularidades que a gente tem nesses Brasis, nós vamos entrar num déficit imenso de uma assistência técnica de qualidade e, de fato, é isso que a gente tem hoje”. O raio X a gente acertou assim, “tá”, na mosca. E tende a piorar se as universidades não se atentarem que elas têm que romper os muros que cercam a pesquisa e a extensão e conhecer de fato o que está se passando.
P/1 – Teve uma situação mais impressionante, alguma coisa que tenha te impressionado durante essa viagem?
R – Algumas. Algumas. Teve uma, que essa história eu sempre conto pra todo mundo: São José dos Quatro Marcos... Eu vou começar igual a narrativa do Alan Paul, que ver? São José dos Quatro Marcos, setembro de... Era mais ou menos colheita do milho e eu estava dentro de um assentamento lá na fronteira, assentamento de governo, ficava a 700 km da fronteira com a Bolívia. Tinha levado alguns estudantes pra conhecer e tal, e no meio da colheita do milho conheci um figura, um assentado de reforma agrária lá, e ele tinha uma marca muito grande aqui no rosto, o Edson, né? E ele... E são pessoas que vivem extremos, muitas das vezes, nesses interiores, pela falta de acesso, pelo processo nosso, não sei, de colonização estritamente litorâneo. O Brasil lá do meio, do centro-oeste, por tempo ficou um Brasil um pouco esquecido, né? Até a fabricação da capital no centro era tentar fazer essa integração e tudo, né? Mas são pessoas que têm acesso a muito pouca coisa. Não é diferente com a informação. E ele me contando que ele... Teve uma hora que eu não aguentei, eu tinha tomado umas pingas, eu falei: “Cara, o quê que é isso?”, ele tinha um vazio assim, sabe, só com uma pele bem fininha. Ele me contando que ele derrubando mata, expandindo fronteira agrícola, derrubando mata em cima de um trator, dias e dias a fio, acampado no mato, com arma, matando onça pra não ser comido e tal, aquela coisa um pouco selvagem, assim. E ele estava com uma dor de dente tão alucinante, tão alucinante, que ele já não sabia mais o que ele fazia, ele desceu, pegou uma estopa, virou a bateria do trator na estopa com aquela água de bateria assim, e colou a estopa na boca, assim. Diz ele que a hora que ele colou aquele ácido sulfúrico, ele desmaiou. Aí ele acordou sem isso aqui assim, mas já cauterizado. Ele falou: “Mas cauterizou na hora”. Ele falou que só sentiu o cheiro de fumaça assim e desmaiou. Isso é uma história que eu fiquei horrorizado. Uma outra história: um senhor, eu indo não sei de onde, não sei pra onde. Mas eu estava dentro de um ônibus. Ah, eu estava no meio da Belém... da Transamazônica descendo pra ir... Como é que chama Tucuruí ali é...? Belém, Tucuruí, e? Gente! Bom, sentido Tucuruí, no meio da Transamazônica, no segundo dia já. Estava um clima tenso nas paradas de ônibus, tinha acabado de acontecer a morte da irmã Dorothy, na época. Então estava um clima super tenso, os ônibus chegavam de noite não iam, paravam, porque tinha regiões que tinha muito assalto, estava tendo jagunçagem, lá, sei lá. Eu estava descendo pra conhecer um sistema agroflorestal em São Félix do Xingu e... Altamira. Na altura de Altamira ali entrou um senhor, sentou do meu lado, aí começou a conversar, eu sempre gostei muito de conversar, de falar, e piriri, pororó e conversar. Aí ele me mostrou, ele trabalhava num frigorífico de abate de boi, ele caiu num... Mentira, num negócio de curtume, ele caiu numa máquina... Eu não sei até que máquina que é essa. Era uma máquina que limpava o couro, que tem uma lâmina, que limpa o couro, o couro passa ela... E parece que ele caiu nessa esteira. Falou que tinha tomado uma e essa lâmina passou nele assim. Aí ele falou: “Olha o que aconteceu meu jovem, e abriu assim, ficou de cueca assim no banco”, ele me mostrou assim. Ele tinha um corte daqui a aqui assim. E só tinha perdido um pedacinho da orelha. Ele falou que olhou pra baixo assim e viu os órgãos dele todos e a máquina travada. Essa foi outra história que eu fiquei: “Caraca!”. Esse foi quase decepado por uma lâmina.
P/1 – Medonho!
R – Não sente mais dor.
P/1 – Já passou pelo pior.
R – Já passou pelo pior, né? Isso foi meio assim. Mas tem muita história legal. Eu fiz muitos amigos, tem grandes amigos que eu contato todos eles até hoje e conheço, conheço um pedacinho do Brasil, que é muito grande, mas conheço um pouquinho da Amazônia, um pouquinho do Cerrado, um pouquinho do Cerradão, que é a baixada cuiabana, que é um lugar extremamente bonito. Conheço um pouquinho do Pantanal. O Pantanal é um lugar maravilhoso. Pantanal é um lugar maravilhoso! A Mata Atlântica que é minha paixão, que eu não troco por nada. Conheço um pouquinho lá da região do sul.
P/1 – Um bom tanto.
R – É. E um pouquinho da Caatinga. Eu gosto disso, eu acho que é prazeroso demais você ver que você é mais um diverso no meio de tanta diversidade assim. É muita riqueza nesse país, é muita beleza.
P/1 – E quando você se formou, Vinícius, você estava trabalhando? Você estava estagiando? Você estava trabalhando? Como é que foi essa passagem...?
R – Quando eu formei?
P/1 – É... Assim, essa passagem da vida de estudante, que foi muito ativa, né? Mas pro mercado...
R – Ah, não, pra mim, foi muito legal, porque, assim, eu faltava algumas matérias pra eu formar, porque lá na UFLA você consegue fazer alguns créditos, puxar aqui, puxar ali, você não tem uma turma, assim, né? Puxa um crédito aqui... Faltavam algumas coisas, eu tinha tomado uma DP em Química Analítica lá nos calouros e nunca mais tinha ligado praquilo; E adoro química, só pra você ver... E aí eu fiz o concurso pro Ministério do Desenvolvimento Agrário, e foi onde eu fui aprovado, fui aprovado até bem, passei em primeiro lugar, assim, pra vaga em Brasília, pra Engenheiro Agrônomo, e eu não tinha formado ainda. Eu recebi a notícia no dia 13 de março, meu aniversário foi... Mentira, no dia quatro saiu a notícia sem oficialidade, dia 13 foi publicado no Diário Oficial. Puta, eu passei uma semana de aniversário comemorando, né, cara. Eu tinha um salário já lá me esperando, você imagina, e meus colegas lá todos: “E agora, acabou a faculdade, né, cara. Acabou o futebolzinho da terça e quinta, acabou a cantina que vendia pão a 10 centavos”. E eu já tinha, assim, pum: “Ó, Brasília, trabalhar com política pública, trabalhar com planejamento de governo”. E já tinha alguns colegas que estavam dentro do governo, que estavam na política, alguns eram servidores, alguns estavam no ramo da consultoria e tal. Então aquilo, eu não passei, graças a Deus, por essa coisa: “Ah, vou deixar de ser estudante...”. A minha vida abriu assim... Foi muito... Eu continuei fazendo tudo o que eu na universidade sem responder chamada. Aquilo pra mim era um puta de um avanço.
P/1 – Você foi pra Brasília então?
R – Fui pra Brasília. Morei quatro anos em Brasília e voltei agora.
P/1 – Como é que foi a mudança e como é que foi a experiência de trabalho?
R – Brasília. Brasília é um lugar muito doido, né, diferente de tudo. Fui pra Brasília... Tem que contar da Naiara nessa parte. Fui pra Brasília, a minha atual esposa, ela estava em Alfenas ainda, pra formar. Eu fiquei dois anos em Brasília, um ano e pouquinho, um ano e ‘poucão’, né, quase dois anos lá e ela aqui. Então eu vinha quase que todo mês, uma vez por mês pelo menos. E depois ela formou e foi pra lá e morou dois anos comigo. E a gente veio pra cá em abril.
P/1 – Que ano foi que você foi pra Brasília?
R – 2009. 2009 eu fui pra Brasília. Fui em agosto de 2009. Agosto de 2009 que eu fui chamado. Deu tempo de eu formar, né? Porque eu fiquei apavorado, tive que correr pra caramba. Bom, trabalho em Brasília: uma baita de uma experiência. Primeiro: o que encanta em Brasília é a quantidade de pessoas que você encontra que estão, que de certa forma, estão historicamente ligadas com as políticas de desenvolvimento do país, com a história do país. Por que... Eu gosto de ressaltar esse ponto positivo, porque é muita gente boa que tem. E geralmente você vê Brasília como aquele antro de corrupção onde aqueles deputados saem debaixo daquele prato lá e só roubam... Mas quando eu falo pessoas boas eu nem estou falando de deputado nem nada, nem duvido que tenha também, não duvido, mas eu trabalhei no miolo do executivo, né? No Ministério do Desenvolvimento Agrário. No miolo do Executivo que trabalha com a questão da agricultura familiar, com a pequena agricultura. Então, eu encontrei pessoas que elaboram muito, que conhecem, que fazem essa leitura de diversidade, de tudo, no Brasil, e conseguem transformar isso de certa forma em algumas propostas pra que isso vire política ou programa de governo. Bom, Brasília tem uma agenda política que é determinante. Seu amigo Guga deve saber muito bem disso. Brasília tem uma agenda política que sobrepõe, em muitas das vezes, a agenda técnica. Mas isso não é uma questão de governo, ou esse, ou aquele, é uma questão que está enraizada no modo de fazer política desse país. Não vou discutir política. Mas o que eu gosto de ressaltar de Brasília é esse lado bom, assim, porque você toma cerveja, por exemplo, com pessoas que são funcionários antigos, são extremamente ativos, trabalham na função, desamarram aquilo que o Estado faz questão, às vezes, de amarrar, da burocracia, essas pessoas estão a vida inteira carregando pedra e jogando gelo ali dentro desses órgãos. E tem uma estrutura de Brasil que é difícil de você encontrar numa cidade de interior, por exemplo, numa mesa de boteco, porque tem uma leitura da onde que é o centro organizacional. Imagino que você deva ter essa diversidade em São Paulo, no Rio, que tem esse resquício de capital, em Salvador, mas Brasília isso é muito vivo porque a capital está lá. Entendeu? Então você senta na mesa e de repente você está com dois... Você vai jogar bola, tinha uma pelada da terça e quinta lá, jogava bola tinha dois camaradas que mexiam no Jurídico do Ministério da Integração, dois do Ministério da Agricultura, eu do Ministério do Desenvolvimento Agrário, mais um do Incra, mais um da Cidade, aí de repente a gente estava conversando de coisas que são comuns a todos os Ministérios e de uma forma que você está muito próximo daquele centro de decisão ali. Então isso é diferente Brasília, é legal. Não que você opine ou saiba mais que qualquer um do Brasil, mas você tem uma proximidade, assim, você vê como é que a agenda política se desenrola, você fica meio: “Ah, puta, não dá pra ser isso, cara, pelo amor de Deus”. Mas foi uma baita experiência. Aprendi a trabalhar, aprendi a pensar o todo, aprendi a pensar estratégia de desenvolvimento, aprendi uma série de coisas.
P/1 – Como é que foi... E a cidade? Você conhecia já Brasília?
R – Conheci quando eu saí pra viajar, eu passei lá por um tempo, mas conheci mesmo agora nesses quatro anos.
P/1 – Mas como é que foi lá? Foi um choque?
R – É, Brasília é caro, né? Brasília é muito caro, como toda grande cidade. E se você chega de fora, eu era de muito longe, o único aporte que eu tinha ali era eu. Então minha filha nasceu, pequenininha, eu não tinha quem ficasse com ela. Minha esposa logo foi passou num concurso também, superbem, arrebentou num concurso. Nego estava demorando 20 anos pra passar nesse concurso, ela saiu da faculdade foi lá e pá, pum, grávida, assim. Foi um encaixe legal. Então a gente não tinha com quem deixar a menina, a gente tinha que ter uma escola, escola é caro, se você quiser pagar... A gente é mais caipira ainda, a gente não vai pra qualquer lugar, né? Porque você está lá... Eu sou tão caipira, eu fico amedrontado na cidade, eu não demonstro, mas eu fico amedrontado com o barulho de carro... Chega de noite... Não medo, mas aquela coisa de: “Ai, eu quero ir embora pra Serra da Mantiqueira”.
P/1 – Estresse.
R – Eu não tenho DNA pra isso. Mas Brasília é uma cidade que ao mesmo tempo ela tem um caráter... Eu morava no Plano Piloto, morava bem, numa casa menorzinha, um apartamentinho, mas uma qualidade de vida fantástica. Não tem o que pague aquela ideia de urbanismo de Brasília, aquilo é fenomenal. No Plano Piloto. Ela teve um crescimento desordenadíssimo por fora, apesar de ser dividida em quadras e tal, mas um crescimento é muito grande. Mas o Plano Piloto em si é muito legal, porque você tem a escolinha aqui, aqui é o parquinho, aí você anda a cada quatro quadras faz um clubinho. Então você tem acesso à escola montessoriana, escola logosófica. No mesmo quarteirão eu tinha uma logosófica, uma montessoriana, e uma waldorfiana, de Waldorf, a Moara, assim, que era debaixo de casa. Então esse negócio se torna mais acessível, né, e tal.
P/1 – E dessa experiência de trabalho? Você destacaria alguma coisa? Imagino... É o mundo também, né? Mas, assim, alguma coisa que tenha sido mais forte pra você, dessa experiência? Uma situação também vivida com o trabalho.
R – Ah, eu tive oportunidade de muitas das vezes reviver e rever alguns amigos meus que eu tinha feito quatro anos atrás. Então eu consegui dar uma rodada um pouco mais centralizada ali em Minas, Minas-DF, Minas-Goiás, ali um pouco mais ao redor. Eu tive oportunidade de fazer alguns cursos com organizações internacionais, tipo Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola. Participei de algumas rodas, de alguns debates, elaboração de PPA, por exemplo, do plano plurianual, né, de agora que está em jogo. Participei... Não participei ativamente, mas acompanhei o debate de perto, representava algumas coisas no momento, formulava um pouco, então assim, era um contato com pessoas que valiam muito à pena, bons profissionais, muito bons profissionais onde eles atuam, pra o que eles atuam, pra pensar estratégico, pra elaborar, muito bons, executivos de fato, executivos...
P/1 – Tinha visita de campo e tal?
R – Tinha menos, menos. Brasília é muita centrada na parte administrativa do negócio, fazer o negócio andar administrativamente. Não tinha tanto. Era uma coisa inclusive que a gente brigava muito lá dentro, que a gente tinha que ir, que a gente era técnico e tal, mas eu sei que continua essa briga lá ainda. Mas teve, teve algumas assim, teve. Mas geralmente como a operação é muito maior, se trata de governo federal, as idas a campo eram geralmente encontros em palestras, em coisas mais massivas pra você divulgar, pra você... Né?
P/1 – Vou voltar um pouquinho pra sua vida pessoal, depois a gente volta pro trabalho. Eu queria saber como é que foi a notícia da gravidez da Naiara. É Naiara, é isso?
R – Naiara.
P/1 – Como é que vocês ficaram sabendo que vocês estavam grávidos? Como é que foi o nascimento da primeira filha?
R – Vou te falar, como tudo na minha, foi de repente. Eu vim de Brasília, a gente tinha passado o Reveillon, juntos, lá em casa, em Itanhandu. No dia dois, no dia seis eu fui embora, fui embora, fui pra um casamento... Peraí, deixa eu não confundir, senão a Naiara vai me bater.
P/1 – Pode reformular.
R – Não, foi isso mesmo. A gente passou o Reveillon, mas não foi isso, o casamento a Ana já tinha nascido, o outro casamento de um colega meu. Acabou o Reveillon eu montei no carro, porque eu não tinha férias, porque eu ia tirar férias mais pra frente, a formatura dela era no meado de janeiro, 16 de janeiro. Eu tinha que ir pra Brasília pra não perder esses quinze dias de férias, porque só tem 30 por ano. Voltei pra Brasília, de carro. Logo assim, virou Reveillon dia 2, isso mesmo, dia 2. Passou dia 1, feriado, dia 2 montei cedinho no carro, fui pra Brasília. Aí trabalhei até dia 14, dia 15, peguei meu carro e fui pra Alfenas, direto pra formatura dela. Aí estamos lá na formatura, e pai, e mãe. Aquela confusão de formatura. Alugamos casa, eu trouxe umas colegas dela que estavam lá em Goiás, e mesa de sinuca, cerveja, churrasco, piscina e ela naquela correria, vai para o baile, vai pra não sei aonde, e tomando com a gente nos intervalos e tal, aí ela começou a sentir mal, muito mal, assim. E no último dia de formatura ela falou assim: “Nossa, eu estou passando muito mal e tal, vamos embora”. A gente ia dormir mais um dia pra ir no outro, depois de quatro dias de festa, a gente ia dormir pra nadar na represa no outro dia e ir na hora do almoço. Aí nada deu certo da gente ficar, tinha que entregar a casa, não conseguimos. E ela: “Ah, estou muito mal, estou muito mal, vamos embora, vamos embora”. Chegou em casa passando mal, aí no outro dia cedo falou assim: “Eu vou fazer o teste de gravidez”. Aí fez, aí deu. Aí falei: “Nossa, agora acabou”. Ela estava saindo pro Rondon, e eu estava indo pegar minha violinha, botar no saco, e eu ia dar mais uma rodada pro norte de Minas atrás de Folia de Reis, porque foi logo quando eu comprei a viola, falei: “Eu preciso conhecer a raiz desse instrumento, preciso conhecer alguns mestres violeiros”. Queria ir no Urucuia, né, conhecer alguns mestres violeiros, que eu já tinha uns contatos com um amigo meu, falei: “Eu quero caçar Folia de Reis, quero tocar junto com os foliões”. Aí quando eu estava com a violinha no saco ela falou assim: “Você não vai pra Folia de Reis não, porque seu filho está aqui na minha barriga”. Filha, né? Aí eu fiquei e ela também não foi pro Rondon. Aí ficou, até agora não fui pra nenhuma Folia de Reis, mas a viola está aí, uma hora ela vai pra Folia de Reis.
P/1 – E como é, você lembra a sensação, assim, quando você recebeu a notícia?
R – Ah, eu não entendi nada, cara. Eu não sei se eu sou muito boboca, mas eu não entendi nada. Falei: “Cara, e agora?”. Mas um filho é muito legal, assim, quando está na barriga é ótimo, o problema é depois que sai mesmo. Problema não, tadinha, não tem nada que ver com isso. Mas é muito mais difícil depois que sai.
P/1 – Como é que foi o nascimento dela? Da Ana, né? É Ana?
R – Aí foi assim, aí nos fomos pra Brasília. Tá grávida, tá grávida. É nosso, vem que tem. E vamos pra Brasília, acabou de formar, passamos a mão no telefone, achamos um estágio lá em Brasília, até meu tio ajudou bastante. Ligamos pra farmácia: “Ó, está aqui formando, precisando de um estágio pra complementar a ganhar o diploma”. Já foi com o estágio, grávida mesmo. Estruturamos um caminho que ela ia fazer de ônibus, pá, dinheiro da refeição todo dia ali, fez o estágio, cumpriu as horas, foi pra Brasília, o estágio até remunerado. Mandou coisa pra Alfenas, já formou, e a barriga inchando, falei: “Naiara do céu, vai estourar, uma hora vai estourar”. Pô, pintou um concurso. Ela fazendo estágio, pintou um concurso da Secretaria do Estado de Saúde, né, do DF. “Não, mas esse concurso é muito difícil, eu vou estudar em casa, e tal...” E a Naiara, ao contrário de mim, ela é muito estudiosa, muito inteligente, e muito cabeçuda mesmo, gosta de estudar e tal, bem diferente de mim. Hoje eu até gosto de estudar, mas do jeito meu, né? E aí ela... Falei: “Não você vai fazer um cursinho”, “Não, como é que eu vou fazer cursinho?”, fomos pro cursinho, achamos um cursinho até caro, na época lá, arrumamos um jeito, vai fazer, fez o cursinho, meses, um mês antes de dar à luz, a barriga assim, a Ana Liz mexia o tempo todo, levei ela na boca da prova, falei: “Faz a prova, passa e acabou”. Ela fez a prova, pus ela no carro, levei no aeroporto, pum, embarcou pra cá, pra Itanhandu. São Paulo, né, que é o nosso aeroporto mais próximo, o pai dela pegou ela lá e no dia de dar à luz, poucos dias depois, saiu o resultado que ela tinha passado, assim, muito bem. Concurso que a galera estuda quatro, cinco anos.
P/1 – Ela se formou em Farmácia? É isso?
R – Farmácia. Aí foi pra lá empregada, né, cara, muito fácil assim, né?
P/1 – Delícia.
R – Delícia. Com um salário bom, com uma jornada de 20 horas, que era o melhor, um salário bom pra jornada de 20 horas.
P/1 – Mas sua filha nasceu em...?
R – Nasceu aqui. Mineiro tem que nascer em Minas. Bairrista.
P/1 – Em Itanhandu?
R – Em Itanhandu.
P/1 – E você estava no dia? Você estava aqui?
(Pausa)
R – Estava. Estava no dia, vim...
P/1 – Não, não conta não. Não conta não. Toda vez que ele falar “Espera um pouquinho” a gente para, que eu não posso perder a história.
(Pausa)
P/1 – Então eu queria que você falasse um pouquinho do nascimento da Ana.
R – O nascimento da Ana. Ana... Aí eu tirei minha licença que eu tinha direito lá, cinco dias, eu tinha acumulado as férias de 30 dias, e vim pra cá, né? Uma semana antes dela nascer. Aí fiquei aí até ela nascer.
P/1 – Você acompanhou o parto?
R – Não deixaram. A gente foi pelo tradicional, que a gente estava numa correria danada, assim, sabe, adaptando em Brasília, a Naiara já tendo que ir, e a médica com hora marcada pra sair também, né? A médica falou: “Ó, é cesárea, porque corre o risco de eu não estar aqui no dia”. A gente foi na cesárea assim, não tivemos muito tempo de fazer uma preparação com a Ana: “Olha, você vai nascer normal, pra você não ter trauma”, essas coisas que a turma faz tudo, hoje, a gente não teve muito tempo disso não. A gente estava “pau dentro”, eu tinha que trabalhar, ela tinha que estudar, e a Ana nasceu bem cabeçuda, assim, sabendo muita coisa de química, porque o que a Naiara estudou de farmacosinética, farmacoquímica, essas coisas todas. E até hoje, a Ana é cabeçuda, se você falar com ela hoje, daqui a uma semana, ela fala: “Você não falou pra mim isso?”.
P/1 – E ela... Como é que foi a sensação, assim, a primeira vez que você viu ela? Pegou no braço?
R – Não. Eu achei estranho. Eu falei: “Não é possível esse negócio. É meu? Não tem nada a ver comigo, não parece comigo e tal”, saiu de olho aberto da sala, dei de cara com ela, falei assim: “Nossa”. Tem o filme, tem tudo. Falei: “Caramba, não é possível, não é não, o quê que é isso?”, aí depois, acho que uns meses depois, assim, que eu fui entendo o que era um filho, né? Mas na verdade, eu posso estar errado, eu posso estar sendo tachado de insensível, mas na verdade você entende mesmo o que é aquela personalidade quando ela começa a se mostrar pra você, porque até então ela é uma coisinha que você põe, ela vira, que chora, você dá as coisas, tem dor... Mas aí quando ela começa a interagir com você, de nove meses pra frente, é que você começa a entender que tem algumas coisas no ser humano que já nasce já pronta já, assim, bichinho já vem sabendo de umas coisas, já vem com umas personalidades. Tanto é que a Ana é totalmente diferente da Maria Clara, em gosto, em jeito de lidar, em tudo. Já vem pronto, né? Mas eu acho que eu fui entender um tempo depois, até hoje eu fico meio assim: “Nossa, eu tenho duas meninas!”. Eu moro com três mulheres, uma mulher é muito difícil, imagina três moças, junto.
P/1 – Quantos anos tem... A sua mais velha tem três, quatro?
R – Não. É. A Ana faz três em setembro, 21. E a Maria Clara fez um dia 29 de maio. Quando a Ana fez um ano em Brasília, a Naiara engravidou da Maria Clara.
P/1 – Foi seguidinho.
R – Foi seguidinho. E até hoje nós estamos tentando, essa semana foi uma loucura, que a menina que ajuda a gente chegou e falou que vai entrar em depressão, que não pode mais, e tal, e saiu fora.
P/1 – Elas são muito pequenas ainda, né? Enfim, dá trabalho.
R – Dá, dá, mas é uma delícia. É joinha as duas. A Ana foi pra creche com cinco meses. Então Ana teve um... Coitada da Ana, ela não teve muito tempo de pensar. Algumas coisas dela a gente atropelou, assim, porque a gente tinha que trabalhar, enfim, com cinco meses ela foi pra creche, um ano já... Falava. E hoje a gente recebeu o relatório, porque ela entrou de férias hoje, porque amanhã é jogo do Brasil, não é isso? E recebemos o relatoriozinho da escola lá, tá, nossa, Ana está com um vocabulário, está conjugando verbo, fala: “Eu fui. Talvez eu vou”, ela fala: “Talvez eu vá, papai”. Fica assim: “Talvez eu vou ou talvez eu vá, papai”, “Não, talvez eu vá”. É uma comédia.
P/1 – E como é ser pai, Vinícius? Como é que é se ver pai?
R – É doido, né? Acho que é meio responsabilidade demais, né? Uma baita... Eu vejo, eu encarei a paternidade assim como responsabilidade. Diz a gente tem mais dos pais da gente do que a gente imagina, né? E eu acho que pelo contato que eu tive com meu pai, assim, de paizão, de amigo até hoje, né? Vai ser a mesma coisa com as minhas filhas, não tem como ser diferente. O pai da Naiara também é mesma coisa, sempre foi ‘o paizão’ pra Naiara. É uma galera que, tanto meu pai quanto o pai da Naiara foram muito porra louca, sabe? Mas é uma galera que chega às 6h30 da manhã veste a botina, bota a calça e vai pra rua, não tem essa. Mas é bom, muito bom. Adoro elas.
(Pausa)
P/1 – Voltando um pouquinho então pra sua vida profissional, eu queria saber quando você saiu de Brasília e por quê? O que mudou profissionalmente?
R – Quando eu saí de Brasília, vamos lá, pra gente chegar na etapa aí, né?
P/1 – E por quê?
R – Quando a Naiara ficou grávida a gente começou a ver que a rotina de uma cidade grande aliada à nossa falta de DNA pra uma cidade grande, e com um pouco da violência que assustava a gente, da cidade grande. Brasília tinha muita coisa do ‘sequestro relâmpago’. Lá em Brasília é moda o sequestro relâmpago, bota num carro, leva pra uma beirada, joga você pra fora do carro num lugar que você nem vê, leva carro, leva tudo, às vezes tem um pouco de violência e tal. E era bem comum, bem comum. Acontecia assim, na quadra ali, depois na quadra lá. “Pô, um dia vai acontecer aqui”. Isso assustava a gente porque a gente não tinha garagem, a gente não tinha o acesso aos aparatos de segurança. Morava num apartamentinho, assim. Casal novo. Falei: “Naiara, eu acho que a gente é meio estranho no ninho aqui.”. Esse conjunto de fatores, aí a gente veio pra cá no Reveillon, Naiara grávida, e pensando assim, pô, se essa terra aqui nossa pudesse fornecer pra gente a subsistência nossa a gente voltaria... Com as nossas profissões... “Ah é, com certeza”. E aí foi onde apareceu a oportunidade de vir trabalhar, né, na área, como agrônomo, e ao mesmo tempo São Lourenço ele tem um pioneirismo na implantação de um programa do governo federal, que também é estadual aqui, de farmácia verde, que é a produção de fitoterápicos e distribuição na rede... Processamento e distribuição na rede pública, de alguns fototerápicos, né? Xarope de guaco, algum anti-inflamatório de uma erva baleeira e tal. Que estava pra ser implementado, que aliás está pra ser implementado como pioneiro no estado de Minas aqui, e a gente... E eu recebi a proposta de vir trabalhar o programa da Nespresso aqui, né, através de um amigo nosso aqui, é um exportador, é um amigo, e é um exportador de café especiais, né?
P/1 – Como que chegou essa proposta? Você estava aqui, aí encontrou...?
R – Não. Era fim de ano, eu encontrei... umas das poucas vezes que eu tinha encontrado ele, eu encontrei ele nesse final de ano, e ele: “Pô, ô véio”... Né, bem assim, bem informal: “Ô véio, você não tem vontade de voltar pra cá?”. Porque a gente sempre conversava de produção e sustentabilidade, de água, e solo, e como é que está o café, e o preço, “Por que é assim? Como é que você acha? Você trabalha no governo, sabe de alguma coisa?”. E você está trocando ideia de várias coisas, né? E aí numas dessas, ele falou: “Ô, véio, por que você não vem pra cá? Acho que você tem o perfil pra vir trabalhar com alguns programas de sustentabilidade, que a gente tem dado tanto enfoque nisso, tem tentado aprimorar, crescer, né?”. Falei: “Cara, faz a proposta”. Mas ficou até então assim, né, numa conversa. E aí eu cheguei em Brasília depois desse Reveillon, desse final de ano, e tocou o telefone, e falou: “Ô, velho, manda seu currículo aí”. Aí eu mandei, preparei um currículo, um recorte pra ele assim e mandei. Aí ele me pôs em contato com a empresa que eu estou hoje, com a Interagrícola. E falou: “Tem essa e essa vaga, é assim”. E ao mesmo tempo a gente tentando mexer essa coisa da Naiara, porque a Naiara trabalhou com fitoterápicos na rede pública do DF, onde tem a primeira do Brasil, primeira farmácia verde do Brasil, e aqui é a primeira de Minas. E a gente tentando fazer esse link dela. Aí: “Pô, Naiara, colou. Vamos embora?”, “Vamos”. A gente está na luta ainda pra entrar o negócio dela, mas eu comecei a negociar no começo de março, dia 20 de março é aniversário dela, dia quatro é o meu. Comecei a negociar no meu aniversário, dia 20 pus ela num avião, dia primeiro estava trabalhando, de abril.
P/1 – Agora?
R – De... Ano passado.
P/1 – 2013?
R – 2013. É, não deu quatro anos de Brasília, deu três e pouquinho. De 2009, metade, 2010, 2011, 2012, e mais um pedacinho de 2013, três anos e oito meses.
P/1 – E o que é a Interagrícola? É Inteagrícola, né, a empresa que você trabalha?
R – Interagrícola.
P/1 – Me explica o que ela é.
R – A Inter ela é uma trader, né, do Grupo EISA, né, que é Empresa Interagrícola S/A. É uma trader que tem um enfoque muito característico do café especial e que é parceira da exportadora de cafés de Carmo de Minas, onde a gente se encontrou hoje, né? Que tem uma relação societária ali.
P/1 – E qual é sua função dentro da empresa?
R – Eu vim especificamente pra tocar o programa, o Triple A, né, a princípio especificamente o Triple A. Então fazer vistoria de campo, aplicação de instrumentos, a gente trabalha com alguns instrumentos de coleta de dados baseados na norma de agricultura sustentável, da rede de agricultura sustentável, né?
P/1 – Que natureza de dados, assim, de uma maneira geral?
R – A norma de agricultura sustentável, só pra você entender, ela é uma norma internacional, né, e algumas entidades... Eu vou resumir bem, tá, pra não ficar muito embolado, pra não ficar citando nome de Global... É uma norma que trabalha alguns princípios, certo? Para a certificação Rainforest Alliance, e em cada país onde ela é estabelecida, pra algumas culturas, um mapeamento de algumas culturas, ela tem uma entidade representando. No caso do Brasil é o Instituto Imaflora, de Piracicaba. Ela trabalha sob dez princípios basicamente, né, que a gente chama de princípios RAS, os princípios da rede de agricultura sustentável, que a gente chama. Que são princípios que vão... Que tem três dimensões, a dimensão econômica, a social, a ambiental, né, e a Nespresso agrega, com o programa Triple A, a qualidade. Então o Triple A é um programa de qualidade sustentável. Sustentabilidade, você vai olhar o pilar econômico-social-ambiental mais a qualidade da produção do café, pra você garantir o máximo de aroma, as qualidade físicas, e tudo, desse café que vem na cápsula. E dentro desses 10 princípios... Então vamos lá, o princípio número 1: sistema de gestão da fazenda, onde você vai averiguar critério por critério se possui, se não possui, qual a dificuldade, se recebe treinamento pra aplicar aquilo ou não. Manejo de ecossistema, então identificação de ecossistemas, geralmente pra trazer um pouco a noção de planejamento cartográfico, de atividade, uso e ocupação do solo e tal. Identificação e manejo de fauna, pra você identificar a fauna de dentro das propriedades de uma região, e tudo, a partir daquela identificação você saber o porquê que ela está com mais incidência em determinada área e com isso poder fazer o seu planejamento em cima de recuperação de áreas degradadas e tudo. Água, que é o princípio quatro. Cinco, seis e sete, são princípios que passam por trabalho forçado, saúde e segurança do trabalho, que são as questões trabalhistas, e manejo, relação com a comunidade ao redor. Oito e nove são... Oito é um princípio exclusivo pra tratar da questão de uso, manejo e adequação de agroquímicos, né, se você faz rotação do princípio ativo, pra você não ter resistência de praga, você aplica, se os trabalhadores que estão fazendo uso de químicos ali na lavoura se estão treinados pra aquilo e tal. O nove, solos, né, manejo de solo da sua propriedade pra você evitar erosão, evitar que esse solo escoe pra dentro do curso da água. E o 10 é o princípio de resíduos sólidos, coleta seletiva e tal. Então dentro desses 10 princípios você trabalha esse universo de dados através de alguns instrumentos, o principal deles é que eles chamam de Task, com alguns critérios dentro de cada princípio, onde você vai ter um raio X, uma foto, daquela propriedade e determinados resultados que vão te determinar onde está mais deficiente aquele tipo de atividade, aquele enfoque, aquela dimensão, naquela propriedade. E a partir daí você começa a trabalhar com o produtor pra que ele consiga atingir o que eles chamam de qualidade sustentável.
P/1 – Deixa eu te perguntar qual que é a relação entre a empresa, e a empresa pra qual você trabalha, a Carmo Coffees e a Nestlé são parceiras no Nespresso AAA.
R – Isso.
P/1 – É isso. E aí a relação exatamente da empresa que você trabalha com a Nestlé é porque ela comercializa esse café que a Nestlé compra.
R – Exato. A Nestlé compra dela.
P/1 – Entendi. E como é que...?
R – Porque é uma empresa antiga que está na região, e tem esse know-how de entrada dentro das propriedades. Entendeu?
P/1 – E queria que você falasse, do seu ponto de vista, no que você acha que essa parceria beneficia tanto as empresas de comercialização quanto a Nestlé, assim. Você acha que beneficia, que é uma parceria benéfica? E por quê? Em que termos?
R – Não, é sem dúvida extremamente benéfica. É uma via de mão dupla com certeza. Primeiro porque a empresa ela tem um olhar, um recorte, já voltado pra essas questões, pra essas dimensões, pra dimensão econômica, porque é uma trader, então ela vai depender de volume de café, e se você não tiver economicamente viabilidade desse produtor se manter na atividade o seu volume de café vai cair, porque não vai ter produção pra poder exportar, pra poder comprar. Ela tem esse enfoque da questão do ambiental, porque isso está ligado diretamente com o econômico, que é o manejo de recursos naturais, de solos. E se você não maneja um solo de forma adequada... Se você não maneja um solo de forma adequada você acaba perdendo fertilidade ao longo do tempo, você torna sua atividade insustentável. E o recorte social, que tem a ver também com a manutenção da atividade, primeiro pela saúde e segurança do trabalhador, como ele trabalha dentro daquela propriedade, e até relações comunitárias, né, como ela se relaciona, aquela unidade produtiva, ou aquelas unidades produtivas, se relacionam com o entorno. Então a empresa tem esse recorte, a Nestlé tem esse recorte forte aqui na região, forte. E hoje o mercado tem, a ponta, tem pedido cada vez mais isso. Não o produto, mas o processo, né? Então eu acho que as duas acabam se beneficiando exatamente por isso, de um lado uma empresa que tem o know-how de fazer esse mecanismo de compra e de entrar dessa forma, né? E a Nestlé que tem esse potencial de poder fornecer esse produto lá na frente, acabado, e tão engenhosamente acabado, como é o caso, por exemplo, do Programa Triple A, vendendo esse processo como um todo, não vendendo só o produto, o café: “Essa aqui é o café, toma aí”. Não. Quando você toma um café daquele, não que aquele café não tenha pegada ambiental ou não tenha carregado na mochila ambiental dele alguns pequenos problemas, se é que se pode dizer isso, mas existe um compromisso em cadeia, firme, com cobrança, com meta, que aqueles pequenos problemas identificados eles estão com prazo de resolução, eles estão rodando pra melhor. Até porque se não você deixa de ser fornecedor Nespresso.
P/1 – Quando você fala da ponta você está falando do consumidor?
R – Consumidor.
P/1 – Você acha que esse consumidor tem uma demanda cada vez maior por esse rastreamento. Não sei se pode chamar assim...
R – É o que tem demandado. É o que tem demandado pra gente. Eu não tenho tanto o olhar lá do marketing, do consumo lá. Eu não conheço a Europa. Vou ter oportunidade de conhecer agora. Mas é o que tem demandado. A rastreabilidade tem sido uma palavra chave. “Onde está o seu café? Qual é o seu café?”. Eu tenho que ter certeza que eu não estou tomando coisa ruim, eu estou pagando por aquilo, né? “Onde ele está? Eu quero ver”. É um pouco da aproximação do consumidor com o produtor também, né? A gente tem... Tem visto isso muito claramente. Os consumidores estão chegando mais próximo do pé de café, e eles entendendo o processo muitas das vezes ele acessa o produto com outro olhar, com uma outra boca, uma outra disposição de pagar o produto, porque ele sabe exatamente o que ele está consumindo.
P/1 – E você acha que isso é bom? E por quê? Assim, como é que você vê isso?
R – Eu como consumidor, então, eu vou falar, não vou falar como agrônomo, porque senão vai ficar muito técnico...
P/1 – Pode falar dos dois pontos de vista, porque você é consumidor e agrônomo também.
R – Mas como consumidor, o que o consumidor quer se não é saber o que ele está consumindo? E um consumidor que está consumindo um alimento café, como um alimento, o que mais ele pode querer que não seja a origem desse alimento, a cadeia por que passa esse processamento. Isso como consumidor. Como agrônomo eu acho que é desafiador trabalhar essa parte da rastreabilidade do café, da questão da implementação, vamos dizer, de uma nova cultura, de uma nova forma de gerir o empreendimento agrícola, seja ele médio, grande, pequeno, mas de profissionalizar a atividade agrícola, que é uma atividade custosa, difícil de se pagar, se você não fizer na ponta do lápis, se você não tiver estratégias de venda do seu produto, se você não calcular sua margem, se você não tem boas relações com seu vizinho de cerca ou com o cara que vai comprar seu café, ou com o agrônomo que te dá assistência, a chance do seu empreendimento andar adiante é muito pequena, porque é a parte mais frágil do sistema de produção, você está solto, é uma fábrica a céu aberto, e seca, ou tem água de mais, tem pragas e doenças. Então, se você não botar na ponta do lápis esses riscos que você está correndo e profissionalizar a sua atividade dificilmente você vai conseguir um produto de qualidade, ou atingir um mercado que você almeja.
P/1 – E esse trabalho que você faz diretamente com os produtores vai nessa direção também, de ajuda-los a organizar...? Me conta um pouco qual que é o trabalho... A partir da coleta de dados, né, que você já explicou um pouco, existe assim: é uma consultoria, é um treinamento, é uma orientação? Me explica como é que é o trabalho...?
R – É tudo junto. Hoje, por exemplo, de fornecedores Nespresso nós temos aí em torno de 120, fornecedores Nespresso, exclusivos, que fornecem uma variedade de café específica, que é o Bourbon Amarelo. É... Esses fornecedores eles recebem visitas, tem mais um técnico que chegou agora, e mais eu que estou há um pouco mais tempo, eles recebem visitas, a partir dessas visitas a gente tenta identificar com esses produtores o que seria a melhor solução a ser trabalhada em determinado momento. O café é uma cultura perene, é anual, então, assim, todo o tempo, todo o ano tem atividade pra ser feita na lavoura. Agora você está na colheita, então você viu hoje o terreiro funcionando, então acabou a colheita, você tem a parte de análise de coleta pra análise de solo e já começa adubação, depois da colheita às vezes tem poda, análise de solo, começa adubação... E tudo isso envolve mão de obra, e quando envolve mão de obra, envolve trabalho de segurança e saúde do trabalhador. Então o tempo todo você está fazendo pequenos ajustes viáveis ou não, fazendo esses estudos de caso com o produtor pra ver como é que a gente vai caminhar no sentido de sempre cumprir com mais critérios desses instrumentos de captação de dados nossos.
P/1 – E o que você acha que isso trás de positivo para o produtor?
R – Profissionalizar a atividade. Profissionalizar a atividade. Gerir recursos, gerir pessoas, gerir processos, gerir procedimentos, profissionalizar. Ele tem que saber quanto de água ele tem na propriedade, ele lava o café, ele tem que saber quanto de resíduo que ele vai gerar. Produtor muitas vezes não tem nem ideia, não para pra ver essas coisas, porque é uma atividade dificultosa, dificultosa. Existem milhões de desafios que estão colocados pra agricultura, não é pro agricultor de Carmo de Minas ou pro agricultor de tal lugar, é para a agricultura como atividade, o input da agricultura tem se tornado muito grande, então se ele não conseguir agregar valor, e nosso caso a gente agrega pela qualidade do produto, e por ter um tomador de porte da Nespresso, que paga pelo produto, dificilmente ele vai se manter, dificilmente.
P/1 – É pra sobrevivência, inclusive, do negócio...
R – É. Dificilmente ele se mantém na atividade, ele para com aquilo, não tem...
P/1 – Você consegue lembrar, assim, agora, de um exemplo dessa sua relação mesmo com o produtor rural, exemplos de orientação, de modificação feita na propriedade, qualquer exemplo concreto, assim, só pra gente ficar...
R – Hoje mesmo a gente foi ver isso, a gente foi ver estação de tratamento de resíduo. O café lavado, descascado, despolpado, né, descascado, ele gera uma água residual muito grande, e tratar essa água é uma coisa que ainda está colocado aí pra gente ver como é que vai resolver, não a gente do Programa Triple A, mas a cafeicultura, não é? Então você tem vários métodos, agora pra cada curva de equilíbrio, pra cada unidade de produção, você vai ter que usar um método ou a integração de um ou mais métodos, por que... E os métodos envolvem custo, entendeu? Então você vai fazer uma lagoa de decantação de sólidos e extrair através de peneira, ou você vai fazer um biodigestor, vai gerar gás metano pra você gerar, botar um pequeno gerador e iluminar, ou você vai por simplesmente uma lagoa bem grande facultativa pra bactéria deteriorar aquilo, se o seu problema não for área, não tem nada demais, se o seu solo não tiver uma infiltrabilidade muito grande, você não vai contaminar o solo, então você dispõe aquele resíduo todo numa lagoa grande e as próprias bactérias fazem o trabalho de “humificar”, de transformar aquilo que fede em húmus, né? Tem que estudar tudo isso. Mas existe algumas coisas que a gente já conseguiu implementar no Carmo. Hoje a gente tem, por exemplo, quatro fazendas que são certificadas Rainforest. E pra ser certificado Rainforest a gente tem um grau de exigência nas três dimensões: social, ambiental e econômica, muito grande, muito grande.
P/1 – A certificação Rainforest tem a ver com um padrão determinado? Explica pra gente como é que é...?
R – É. A certificação Rainforest ela baseia na norma de agricultura sustentável, nesse padrão internacional, né? Onde existem esses 10 princípios possuem um número X de critérios que podem ser tanto aplicáveis quanto não aplicáveis no caso daquela propriedade. Por exemplo, tem alguns critérios que falam de manejo do café em sombra. Não é o caso do Brasil. Nós temos cultivo a pleno sol. Então são critérios não aplicáveis. Então ele não entra no computo da porcentagem de cumprimento no final, não pode ser aplicável, não. Quando aplicável, se cumpre ou não cumpre. Se não cumpre, se está 90% não cumprindo ou se cumpre parcialmente, você tem não conformidades menores ou maiores, né? E aí pra cada não conformidade dessa, um plano de ação e um deadline.
P/1 – Essa certificação aumenta a competitividade desse café que é produzido no mercado? Eu quero entender um pouco como é que ela...
R – De 20% a 30% a mais no preço de mercado, 20% a 30% a mais é pago pela Nespresso... Pela Nespresso.
P/1 – E ainda nessa chave de um exemplo concreto, eu queria que você me contasse uma modificação dos produtores. Quantos produtores você acompanha hoje? Você tem uma noção? Ou, quantos você acompanha desde o começo?
R – Na base de dados nossa da Nespresso são 120. A meta é acompanhar todos. A meta é acompanhar todos. Inclusive está chegando outro técnico agora pra gente fazer essa divisão, porque 120 é muito produtor. E temos propriedades de diversos estilos, né, diversos, vamos dizer, modelos produtivos. Então tem propriedade um pouco maior, um pouco menor, medianas. Então pra cada um o trato muda um pouco, né, a forma de abordagem, a aproximação, o tempo, o deadline que você tem que dar pra alguma correção, o mais capitalizado ele vai fazer antes, ele já tem um sistema gerível de fazenda, ele consegue levantar dados, ele tem uma série histórica do uso de água dele, ele tem uma série histórica... Outros completamente ainda iniciando com muita boa vontade, levantando dados, formando série histórica. Dentro do mesmo grupo que a gente tem certificado, a gente tem propriedade diferentes, tem propriedades pequenas, como a que você foi hoje, e tem propriedades maiores. Entendeu?
P/1 – Me dá um exemplo de mudança que você tenha acompanhado, assim, desde o começo, desde que você começou a trabalhar até hoje, dentro do Triple A.
R – Ah, a gente teve incremento de produtividade de quando o Triple A chegou, não quando eu cheguei, mas quando o Triple A chegou em 2011, 2012 com mais força, até agora, a gente consegue identificar aí um aumento grande de produtividade. Eu não vou saber te falar esse número agora, mas gira em torno aí de passar de 22 sacas pra 35, 40 sacas por hectare, é quase que o dobro, incremento aí de 70%, 80%, de produtividade, com produtores Triple A, tá? É lógico que esse banco de dados é dinâmico, certo? A gente tem essa variação, vai, 120, 118, aí dois estão um pouco mais de tempo sem fornecer então eles saem um pouco fora, ficam de stand by, depois eles voltam. Tem uma variação. Mas o cálculo é esse. Passaram a 35, 40, né? Implementação de técnicas como o manejo de poda, rotação de uso de químicos são técnicas que usualmente nós estamos batendo na mesma tecla, na mesma tecla, né? Tem que fazer a poda no cafeeiro, quanto mais cedo você fizer mais tempo você tem pra planta dormir, e quanto mais ela dormir, mais tranquila, ela consegue acordar mais forte, ela brota muito forte. Então naquele ano que ela brota ela vai vegetar com muito mais vigor e depois, daquela vegetação, como ela vai crescer mais, ela vai dar mais frutos, né, no próximo ano. Então alguns mecanismos de poda, de adubação, de manejo de praga, anotação de níveis de infestação. Então você não entra com químico, por exemplo, na lavoura, né, de forma desordenada, quando é preciso você entra. E pra isso você tem estudos que te identificam através de um manejo integrado de pragas. Você vai olhar, tem um nível de infestação, não tem um nivel infestação... É um pouco... Implementação de pequenos projetos adaptados. Tinha uma propriedade, por exemplo, que estava lavando o trator numa área um pouco mais delicada, porque era declivosa e a 50, 60 metros tinha um córrego, um curso d’água. O óleo não chegava lá, nunca chegou, o óleo de lavagem, de implemento agrícola e tal, né, e de abastecimento também, nunca chegou, mas pra prevenção construção de uma caixa separadora de óleo. Então assim um projetinho extremamente simples, de baixo custo e de uma eficiência tremenda, você separa o óleo da água por densidade. Três caixas de decantação e a água sai limpa, com análise inclusive, análise de contagem de graxa, de concentração, tudo isso. Essa fazenda é certificada Rainforest, primeiro ano agora.
P/1 – Explica pra gente, assim, em linhas gerais o que é o Triple A, ao que ele se propõe e qual é a relação com a qualidade? O que é exatamente a qualidade desse café?
R – Bom, o Triple A é o próprio nome, né, são os três As, a produtividade, a qualidade e a sustentabilidade, certo? O A da produtividade ele foi agregado agora, era o Double A, virou Triple A. Como um entendimento, um amadurecimento do próprio programa de que sem a produtividade a gente não consegue fazer girar o produto, só que você tem que continuar aumentando seu volume de produção mantendo a sua qualidade. Então o quê que busca com o A da qualidade? Nada mais é do que manter naquele grão de café o máximo que ele pode te dar de aroma, tanto de características físicas, visuais, né, tamanho, densidade, se tem defeitos, se tem algum bicho que brocou ele, que a gente chama, se não tem, né, até... que vai refletir nas características sensoriais, no cup. Certo? Sustentabilidade: a dimensão que preconiza o bem-estar de fauna, de homem, de flora, cuida da vida de forma geral. E a produtividade, porque se você tem uma entrada certa, o input, de forma correta... Eu falei, é uma cultura perene, então você não pode errar durante o ano, um atraso na adubação pode te trazer uma série de problemas, é uma chuva que você perde e a infiltração daquele adubo não chega. Então com a produtividade se você tem uma entrada, de input na hora correta, de forma adequada, na quantidade adequada, muito provavelmente você vai ter produtividade, muito provavelmente você vai ter produtividade com qualidade. E se você está fazendo de forma adequada, na hora adequada, muito provavelmente você está se sustentando na atividade. É um pouco isso. Essa, em linhas gerais, é a plataforma do Triple A. Ficou claro?
P/1 – Ficou. Ficou claro. Essa premiação que é... Essa porcentagem que a Nestlé paga por saca, né, você acha que isso... Como é que isso ajuda o produtor assim? É... Como é que isso alimenta a própria atividade? É isso que eu quero entender, como isso incentiva, alimenta a própria atividade? O que isso pode trazer de...?
R – A gente passa por uma... Um pouco de dificuldade às vezes de falar isso pro produtor, mas o prêmio ele... Pra alguns produtores a gente já consegue conversar isso muito mais fácil, em especial os que são Rainforest, os que já estão num mecanismo mais avançado, mais depurado de gestão e tudo. O prêmio ele não é o produto final, ele pode ser a curto prazo, aquilo que te ajuda a converter a produtividade. Toda atividade produtiva tem input e output, certo? De energia, de custos, de dinheiro, de fluxo, é o fluxo da atividade produtiva, entra aqui e sai ali alguma coisa, duas torneirinhas, de entrada e de saída, como essa água vai correr nesse cano entre essas duas torneiras vai determinar aquilo que vai sair, certo? O prêmio ele é um catalisador dessa água que corre dentro dessa torneira, o prêmio ele é um adstringente que limpa esse cano, pra ela correr, talvez, mais fácil, mais rápido, sem muito atrito. Porque ele viabiliza a curto prazo, por exemplo, pequenas obras de infraestrutura. Uma caixa separadora de óleo, dependendo da quantidade que você fornece exclusivo pra Nespresso, você agrega um valor que você vai conseguir fazer aquela obra de infraestrutura, que não estava no seu orçamento anual, mas pra melhoria da qualidade daquele produto, pra melhoria do cumprimento dos seus critérios, pra você caminhar pra passos, levels, superiores do programa, até que você venha atingir uma quantidade de cumprimentos suficientes pra uma certificação Rainforest, por exemplo, que é a parceria. Mas o prêmio é isso, o prêmio ele é um... Sabe quando o motor está engripado? Sabe o que é engripado? Você joga um desengripante quando o parafuso não coxa, não sai, você joga um desengripante e vai... O prêmio é isso. Mas o grande ganho a médio e longo prazo, e isso é uma luta nossa, de extensionista, é você tentar fazer, é você enxergar, primeiro, e tentar se fazer enxergar de que o prêmio não é o produto final. O produto final é a profissionalização da sua atividade, é o controle gerencial sobre a sua unidade de produção, no caso o café, nós estamos falando de café. É o que você produz, como você produz, quando você produz, pra quem você produz, que aí você consegue construir um... Vamos voltar pra metáfora, você consegue construir um duto pra esse fluxo muito mais consistente ao longo dos anos, muito mais adequado pra esse fluxo correr por dentro. E o prêmio é o catalisador que você vai injetando ali, é o que catalisa, né? “Ó, está engripado aqui”, “Não, mas vende pra mim que está aqui o desengripante”, e... e aquilo passa. É um pouco isso, assim. Tem que se convencer primeiro pra poder convencer o produtor. Eu estou convencido de que é isso, ou profissionaliza a atividade ou é difícil, e por isso esse programa é pra gente um baita parceiro, porque ele tem proporcionado isso pra cafeicultura, tem proporcionado, em especial onde eu conheço aqui, onde eu trabalho.
P/1 – E a qualidade, sustentabilidade, todas as normas, né, pra certificação, você acha que isso é uma... Deixa eu ver como é que eu coloco isso... Eu queria entender, assim, se você vê, a médio prazo ou a longo prazo, isso como um tendência mesmo de modo de produzir e de exigência de mercado. Como é que você vê isso assim...? Eu quero saber se você vê isso como início de alguma coisa que é uma tendência mesmo pro futuro. Não sei se ficou muito claro.
R – Ficou. Ficou. Se isso emplaca, se é isso.
P/1 – É, se emplaca, mas mais do que se emplaca, se de alguma maneira você, além de estar... Claro, tem melhorias e benefícios imediatos ou a curto prazo, mas se a longo prazo isso é uma maneira também de ir se transformando, ir se adaptando a uma coisa que é uma tendência.
R – Entendi. Eu não sou muito adequado pra falar de mercado em si, eu dou meus pitacos ali e tal, mas o que se vê, o que se escuta e o que eu tenho tido contato é uma exigência maior, não sobre produtos consumido, mas sobre o processo, em especial mercadores consumidores que estão em lugares mais antigos do globo, pra encurtar a conversa. Tá?
P/1 – É, talvez não precise pensar... Eu falei em mercado especificamente, mas a sociedade como um todo, porque...
R – Acho que sim, porque assim... Eu não vou entrar da polêmica do aquecimento global e tal.
P/1 – Claro.
R – Mas existe uma percepção de que nós estamos muito devastadores pra com os nossos recursos que são finitos, o nosso modo de consumo ele é extremamente agressivo se você botar no ponto de vista de matriz energética, de cadeia produtiva de diversos produtos, a própria agricultura é uma atividade que recebe um input imenso, imenso, se você for pensar na energia gasta pra sintetizar uma grama de adubo nitrogenado... Então existe uma percepção tanto do ponto de vista da população, que foi o que você falou, mas também institucional, de que existe um finitude pros recursos. Hoje a gente estava trabalhando diretamente com um empreendimento que visa crescer muito, e tem mercado pra ele, que é fazer café especial, onde a gente tem... Está crescendo muito num centro de processamento na cidade ali de Pedral. E uma grande preocupação hoje que me chamou a atenção que talvez há 15 anos atrás não fosse o centro, não fosse o centro da preocupação, e hoje é... Uma grande preocupação hoje nas nossas conversas era você florestar, era você recuperar a área de recarga da água que toca aquele empreendimento. Porque no projeto a vazão que tem hoje não toca o projeto lá na frente com a capacidade de expansão que ele tem, então é imediato que se floreste, é imediato que se retenha essa água ali. Então existe. Isso é institucional, isso não é pessoal, isso não é o Zé da esquina, não sou eu que estou falando. Isso é a instituição acordando que: existe uma finitude de recurso, e que se ela não trabalhar aquilo como recurso, um input dela, ela vai ficar sem, a atividade produtiva dela está fadada. Pessoal, também eu acho que existe, eu tenho rodado muito com agricultor que conhece muito as terras da região aqui, das montanhas, eu conheço um pouco também dessa montanha porque eu andei muito a vida inteira nela, então os ciclos de água, as grotas, os indicadores, onde tem árvore que dá solo bom, onde tem árvore que o solo não é tão bom, hoje eu aprendi mais a identificação da candeia com um colega meu. Então você começa a identificar a ambiente, onde tem água, onde não tem, onde é soalheira, onde é mais quente, onde é mais frio, onde é várzea, onde vai gear, onde não vai. Começa identificar um pouco isso tudo. E aí você vê, o agricultor tem todo esse conhecimento de forma empírica de observação ao longo das gerações. E alguns agricultores têm falado claramente, abertamente pra mim, que dos últimos 30, 40, já escutei até 50 anos, não se viu uma seca como a que estar por vir, a que já está, e a que está por vir. Isso é claro em números também, se você for pegar o tanto que chove na região e o tanto que choveu, o tanto que chove de janeiro a março e o tanto que choveu esse ano, puxa, é 15% do que chove, choveu esse ano. Muito pouco. Então existe um pouco dessa percepção de que os ciclos... Porque a água é ciclo, carbono é ciclo, nitrogênio é ciclo, não é? Tudo é ciclo, o átomo está aqui depois ele vai e vira alguma coisa ali, aí lá ele recebe um... Certo? A água vai chove, cai, infiltra, vai pro solo... De que esses ciclos estão sofrendo algumas rupturas em algumas partes deles, e isso está afetando o ciclo. Então se chove e você não retém a água no solo, não tem mata, ou se seu solo está escorregando, tá jogando a erosão, está escorrendo no rio, você está juntando material orgânico no rio, vai faltar oxigênio no rio, você vai matar a fauna que estava ligada diretamente com aquele mosquito que botava ovo ali, então você vai ter epidemia de dengue. Então, esse tipo de conscientização, acho que muito também pelo avanço da comunicação em massa, a prórpia internet, o acesso às coisas aqui, tudo, eu acho que tem deixado o povo... O povo ainda está meio perdido nesse mundo de informação, mas eu acho que de alguma forma chega.
P/1 – Aquela pergunta era mais ou menos por aí mesmo, entender se você achava que o programa está alinhado com questões socioambientais que são atuais e que a gente imagina que serão futuras também.
R – Isso. Exatamente. Respondi?
P/1 – Acho que sim. Você acha que sim.
R – Eu acho que sim, eu acho que sim. Com certeza. É uma demanda, está aí, está colocado. É o que eu falei, a instituição está enxergando isso.
P/1 – E aí eu queria saber assim, do seu ponto de vista, o que você acha, o que a sua experiência dentro do programa te trouxe de aprendizado, se trouxe algum aprendizado...?
R – Ah, todo dia.
P/1 – Pode ser pessoal e também profissional, e também se isso muda a sua perspectiva de carreira, enfim, como é que está sendo...? Ou se mudou sua perspectiva de carreira.
R – É, se o programa...?
P/1 – Se te traz aprendizados?
R – Todo dia. Para mim o contato mais...
P/1 – E quais?
R - Tá, então vamos lá: trouxe aprendizado? Todo dia. Por quê? Porque eu estou em contato com quem mais sabe. Eu estou em contato com o produtor rural, seja ele pequeno, médio ou grande, ele tem um negocinho ali pra te ensinar, quanto à cultura, quanto ao manejo dele, quanto à vida dele pessoal, que seja, uma conclusão que ele tira, ou às vezes até no final do dia, quando você acabou a visita, você vai falar uma outra coisa com ele e tal, ele vai te falar, fala um provérbio assim que você fala: “Putz, é isso mesmo cara, acho que é por aí também”. Então esse afinamento é uma coisa que me encanta. Isso eu trabalho com muito... This is my job! Eu consigo conversar, eu gosto de escutar e ir um pouco além da assistência técnica em si: “Ó, você já joga tanto de adubo”. Acho que não é por aí, tem muita gente fazendo isso aí. Trouxe, traz ensinamentos todos os dias. E a segunda era? Eu já estou perdido aqui.
P/1 – A segunda é pensando na sua carreira mesmo, se isso mudou a sua perspectiva de carreira? Teve uma mudança, né?
R – Teve.
P/1 – Que é recente inclusive... Se muda sua perspectiva de carreira...
R – Ah, eu acho que faz novos apontamentos. Faz novos apontamentos. Eu voltei pra um lado que eu estava sentindo muita falta. Que em Brasília eu estava trabalhando muito um lado em detrimento do outro, do campo, do contato, da coleta de dados aqui e da elaboração de políticas ali, de trazer e tentar fazer aquilo transformar num todo. Brasília era mais operacional, e projetos, e pareceres, e tal. Então muda, é evidente que muda, muda a perspectiva do que tem pra frente assim. E tenho conhecido muito o quê tem sido o mercado do café, o café é uma coisa que é nova na minha vida. Quanto sistema de produção em si, a cafeicultura, então tem uma fase de aprendizado imensa, assim, imensa, todo dia é uma redescoberta em dobro dessa cultura que é muito particular, é feroz, porque ela tem uma pegada mercadológica imensa, ela tem uma volatilidade de mercado estúpida, né, e cai naquilo, na profissionalização do produtor, se ele não tiver, ele não passa nessa peneira, o mercado está a 500, depois ele está a 250, tal, se ele não tiver o tomador correto pra comprar esse café na hora certa, né, conseguir vender esse café com a qualidade que aquele tomador quer, que é o caso do nosso programa, ele passa aperto, passa muito mais dificuldade. E de certa forma, pra mim, está sendo um aprendizado danado, eu estou adorando fazer isso aí, é bem legal. Eu estava sentindo falta dessa parte na minha vida.
P/1 – Bacana. Vou encaminhar pras perguntas finais, mas antes, são sempre duas perguntas que a gente faz de fechamento, eu queria saber se tem alguma coisa que eu não perguntei que você gostaria de falar.
R – Acho que não, acho que foi tudo, né? É isso aí mesmo.
P/1 – É isso mesmo? Então a penúltima pergunta é quais são seus sonhos hoje, seus desejos, de qualquer espécie, assim?
R – (Risos) Difícil, hein?
P/1 – É ampla, né?
R – São vários. Eu sou uma pessoa que eu não sonho com muita grandeza material, vamos dizer assim, né? Mas eu...
Quais são meus sonhos? Primeiro de tudo eu quero ver minhas filhas crescer saudáveis, eu quero que elas tenham oportunidade de passar pelas mesmas coisas ou até melhores que eu passei. Eu sonho muito com... As pessoas têm ficado muito frágeis hoje em dia, tudo é bullying, tudo é... As crianças estão de fragilizando muito, estão perdendo um pouco o contato com o ambiente, com o planeta, assim, sabe? As pessoas estão muito concretadas. Bom, isso eu não estou fazendo juízo de valor, isso não é bom nem ruim, mas eu sonhava de ver um mundo pras minhas filhas mais próximo do mundo que eu vivi do que do mundo que eu estou vendo. Ela poder andar mais descalça, e poder ter esse contato mais. Mas, sei lá, talvez isso seja uma coisa muito retrô, muito brejeira minha também. Mas eu, sinceramente, eu sonhava, às vezes eu fico meio triste de ver minha filha tendo que ir pra aula. Eu falo: “Pô, eu estou perdendo potencialidades dela às vezes muito mais refinadas”, às vezes dela poder sair pro meio de mato comigo assim e identificar um passarinho pelo canto, sabe? Coisa que na idade dela assim... Não, na idade dela não, três anos também não, mas com cinco, seis já fazia. Né? Identificava. Sabia onde que aquele passarinho ali punha o ninho, porque ele punha o ninho no chão. Mas talvez seja uma coisa mais brejeira minha, mas era pra falar de sonho, né? O sonho de ver minhas filhas viver no mundo que eu vivi e não do que eu estou vendo. E que diz que meu pai dizia mesma coisa, falava pra mim: “O que eu vivi, não do que você está vivendo”. Então talvez seja remar muito contra a maré. Ah, meu sonho é tocar minha vida, fazer minha carreira, estudar mais a hora que eu tiver um pouco mais de tempo, porque agora não está dando muito tempo, com criança nova, com trabalho novo, né, então, está tudo meio no fio da pegada. Eu estou chegando de novo na minha terra, então reconstruindo laços de amizade, e tudo, nunca tive dificuldade com isso, graças a Deus. E sonho em estar aí, estar feliz... Se o planeta Terra conseguir suportar a gente por mais tempo pra ver se dá tempo da gente pedir desculpa de tudo que a gente fez de merda aqui em cima.
P/1 – Estamos todos torcendo por isso.
R – É isso. Mas ao mesmo tempo... É isso mesmo, não tem muita história não.
P/1 – Por fim, como é que foi contar sua história? Como é que foi dar o depoimento hoje aqui?
R – Cara, eu revisitei várias coisas, várias emoções aqui, lembrei de várias coisas que eu nem sabia que... Teve alguns até que eu tive que censurar
P/1 – Censurou?
R – Não, é modo de dizer. Mas é legal, revisitei várias coisas que eu nem lembrava que eu tinha estado lá no Paraná pra estudar Biologia. Imagina. Revisitei. No dia a dia você não para pra fazer esse exame de consciência tão, né, esse exame de história tão longe assim. Mas é isso foi bom. Espero que tenha saído do jeito que vocês quiseram.
P/1 – Foi ótimo.
R – Mais uma história que você escutou.
P/1 – Foi ótimo. Obrigada, Vinícius.
R – Muito bom.
P/1 – A gente fecha aqui.
R – Valeu!
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