Depoimento de Ítalo Tucci
Entrevistado por Valéria Barbosa e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 31 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Bom, seu Ítalo, eu queria iniciar com o senhor dizendo o nome completo do senhor, a data de nascimento e o local de nascimento.
R - Ítalo Tucci, nascido em São Paulo, aos 30 de agosto de 1930.
P - Qual era o nome dos pais do senhor e o local de nascimento deles?
R - Meu pai João Tucci e minha mãe Rosa Lerário, nasceram na cidade de Polignano A Mare, na província de Bari, na Itália.
P - Qual era atividade do pai do senhor?
R - Meu pai era filho de comerciantes naquela região, que é uma região agrícola e de pesca também, e cada um tinha o seu trabalho de sobrevivência, por assim dizer. Os que trabalhavam na lavoura vendiam os produtos da terra, e os que trabalhavam com barcos pesqueiros, trabalhavam com os produtos do mar. E por uma grande coincidência, tanto o meu pai era da parte agrícola e minha mãe era descendente de família que trabalhava com pescados. E daí surgiu então uma tradição comercial.
P - Quando o pai do senhor veio para o Brasil? E por que é que ele veio?
R - Meu pai veio pra cá em 1921, após servir o serviço militar na Primeira Guerra Mundial. Conheceu minha mãe, namoraram, noivaram, casaram. Tiveram um filho e minha mãe, como tinha parentes aqui em São Paulo, ela... ele resolveu vir pra cá também, para o que se chamava fazer a América nesse momento, né? E aí veio pra cá trabalhar com o cunhado que já estava aqui.
P - E que tipo de trabalho era?
R - Cereais. Era o grande... era a exploração do campo naquele momento. Então muitos dos imigrantes foram para o café, para os cereais e para outras atividades em geral, ligadas ao abastecimento. Quem trabalhava com alimentos, trabalhava com alimentos aqui também. Houve uma tradição, uma continuidade.
P - Fala um pouquinho da chegada dele aqui. Para onde que ele...
Continuar leituraDepoimento de Ítalo Tucci
Entrevistado por Valéria Barbosa e Roney Cytrynowicz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 31 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Bom, seu Ítalo, eu queria iniciar com o senhor dizendo o nome completo do senhor, a data de nascimento e o local de nascimento.
R - Ítalo Tucci, nascido em São Paulo, aos 30 de agosto de 1930.
P - Qual era o nome dos pais do senhor e o local de nascimento deles?
R - Meu pai João Tucci e minha mãe Rosa Lerário, nasceram na cidade de Polignano A Mare, na província de Bari, na Itália.
P - Qual era atividade do pai do senhor?
R - Meu pai era filho de comerciantes naquela região, que é uma região agrícola e de pesca também, e cada um tinha o seu trabalho de sobrevivência, por assim dizer. Os que trabalhavam na lavoura vendiam os produtos da terra, e os que trabalhavam com barcos pesqueiros, trabalhavam com os produtos do mar. E por uma grande coincidência, tanto o meu pai era da parte agrícola e minha mãe era descendente de família que trabalhava com pescados. E daí surgiu então uma tradição comercial.
P - Quando o pai do senhor veio para o Brasil? E por que é que ele veio?
R - Meu pai veio pra cá em 1921, após servir o serviço militar na Primeira Guerra Mundial. Conheceu minha mãe, namoraram, noivaram, casaram. Tiveram um filho e minha mãe, como tinha parentes aqui em São Paulo, ela... ele resolveu vir pra cá também, para o que se chamava fazer a América nesse momento, né? E aí veio pra cá trabalhar com o cunhado que já estava aqui.
P - E que tipo de trabalho era?
R - Cereais. Era o grande... era a exploração do campo naquele momento. Então muitos dos imigrantes foram para o café, para os cereais e para outras atividades em geral, ligadas ao abastecimento. Quem trabalhava com alimentos, trabalhava com alimentos aqui também. Houve uma tradição, uma continuidade.
P - Fala um pouquinho da chegada dele aqui. Para onde que ele foi, onde que ele se estabeleceu?
R - Naqueles anos, houveram grandes problemas aqui em São Paulo e era difícil de se estabelecer. Teve uma... revoluções em 1924, uma crise de gripe em (Florença?), que obrigaram as pessoas a saírem de São Paulo, tudo isso faz parte de uma história muito bonita naquela época. E onde a pessoa podia se empregar, ela trabalhava, ela agarrava-se àquele trabalho, para juntar algumas economias e depois se estabelecer. E, via de regra, foi o que aconteceu com meu pai, que, após trabalhar, sete, oito anos com o cunhado, juntou algumas economias e se estabeleceu, em 1929, com uma pequena casa comercial, na zona do mercado na chamada Rua Santa Rosa. Foi uma época difícil e já com mais dois filhos, depois nasci eu, em 1930, e algum tempo eu... foi com que os dois trabalhando, meu pai e minha mãe com eles, juntos, criando os filhos... Foi um trabalho bonito.
P - Como era o nome do estabelecimento do pai do senhor?
R - Bom, papai pôs o nome dele, né, todos usavam o nome de origem João Tucci Cereais e Companhia. Então era o... o cunhado dele, a firma se chamava Lerário e Companhia. Outros companheiros dele tinha sempre os nomes próprios é que fazia a sua casa comercial. Então todos, como eu disse, todos que vieram com a parte do trabalho comercial se dedicaram ao trabalho de cereais, no ramo de alimentos.
P - E qual era o principal produto comercializado?
R - Naquele momento, a tradição vinha mais para os alimentos em grãos, cereais: feijão, arroz, milho, farinhas de trigo, de milho e... era... a necessidade do povo naquela época fazia com que houvesse uma especialização da atividade. Então quem sabia fazer, trabalhar com o feijão, ia buscar o feijão no interior a centenas e centenas de quilômetros de distância usando-se a estrada de ferro existente. Na Mogiana, naquele lado da capital a 200, 300 quilômetros de distância, depois surgiu o Sul de Minas, também houveram grandes produções de feijão e arroz, e os aqui estabelecidos, oriundos, italianos, espanhóis, portugueses, saíam pra comprar o produto no interior, esperavam o trem semanal passar, carregava a mercadoria, vinha aqui para a Estação do Pari ou da Estação Barra Funda onde, com carros puxados a boi ou a cavalo, traziam a mercadoria para o centro da Rua Santa Rosa, que era onde nasceu todo comércio, na Rua General Carneiro, Rua 25 de Março e Rua Cantareira, Rua Santa Rosa... E lá foi que nasceu o comércio de São Paulo, que até hoje persiste como centro de abastecimento. Daí houveram a continuidade do trabalho dos mais velhos para os filhos, para os netos e persiste até hoje.
P - O que o senhor lembra da sua infância, senhor Ítalo? Começou a trabalhar muito cedo com seu pai, ou ajudar ele, o senhor ia muito no armazém?
R - Bom, naquele momento você estava sempre ao lado do pai, né. Muito embora sem um trabalho específico, que não havia a existência. Mas infelizmente meu pai faleceu em 1940 e já no advento da Segunda Grande Guerra Mundial com o filho mais velho italiano sem poder operar, sem poder trabalhar, o segundo filho masculino, o Júlio havia sido chamado para o... convocado para o exército naquele momento e a viúva Rosa, legalmente, montou uma firma sucessora até que passasse o... e o filho brasileiro pudesse ter atividade comercial. E assim foi até... final da guerra, 44, 45, quando o filho brasileiro mais velho, desconvocado pôde assumir o comando do trabalho e formou uma firma chamada J. Tucci e Companhia Ltda., sempre operando no mesmo ramo de atividade, com cereais e já com o... após a guerra houve uma liberação para o estrangeiro trabalhar. E ele e meu irmão mais velho fundaram essa firma e eu ajudava lá todos os dias, eu estudava de manhã e à tarde ficava no estabelecimento comercial.
P - Desde que idade o senhor ficava no estabelecimento?
R - Ah, com 11, 12 anos, 13 anos. Eu passei a trabalhar mesmo em 1946, quando fui fazer a Escola Técnica Alvares Penteado e passei a estudar à noite. E aí já ficava no período integral na firma, ajudando na seção de vendas, cuidando da parte de bancos, os pagamentos, os recebimentos, como qualquer office-boy hoje ainda faz, né. Só que eu era o irmão caçula dos sócios e passei a participar dos negócios. Os anos se passaram, os mais velhos se casaram. O mais velho se casou com uma moça que... de uma grande família do norte do Paraná. A nossa especialidade era feijão e já surgia então um novo estado fornecedor de feijão naquela época. Era o norte do Paraná, onde houvera a colonização da Companhia Norpa dos ingleses para o plantio do café. E os meeiros que plantavam o café, cuidavam do cafezal, tinha o direito de produzir cereais nas avenidas dos cafezais. Daí então começou a surgir uma enorme produção de milho e feijão no norte do Paraná e foi pra onde meu irmão passou, se uniu a um cunhado que vivia lá e passaram a explorar o ramo de cereais em maior escala. Nos anos 47, 48, 50 e até 1974, onde houveram já também outras... ramificação do trabalho para comércio de armazenador, compra e venda de gado...
P - O que é exatamente o mercado armazenador? Aluguel de armazéns?
R - Não, nós construímos dois grandes armazéns em Maringá e Apucarana e explorávamos o... por nossa conta própria e por conta de terceiros, a armazenagem de milho e de feijão, porque as quantidades eram muito grandes e o estado ainda não tinha condições de armazenar mercadorias. Existia somente os armazéns do Instituto Brasileiro do Café e nós então estávamos lá operando. Qualquer problema de... lembrando bem, não havia estradas de rodagens, a estrada de rodagem era de terra, quando chovia não passava nenhum caminhão, havia enormes problemas para os trens que faziam a linha até Londrina, com os comboios saíam uma vez por semana.
P - Como o feijão chegava até São Paulo, senhor Ítalo? Havia vagões especiais para transporte?
R - Sim. Vagões normais de 36 toneladas.
P - Mas ele vinha em sacos, o feijão?
R - Sim, sacas, sacas de alinhagem. Vinha aqui pra estação na Barra Funda, Estrada de Ferro Sorocabana. E era feita a distribuição para todo o Brasil, e o grande pólo produtor era o norte do Paraná naquele momento. Depois que surgiram novas regiões produtoras, principalmente aqui no estado de São Paulo. Porque, hoje, o estado de São Paulo é um grande, é o maior produtor. E no norte do Paraná, na parte do café foi para a soja, para o trigo e para o gado. Também houve essa derivação da exploração da terra. Daí pra frente nós organizamos mais uma outra firma paralela que se chamava Riobom Comércio e Importação, porque também havia já interesse nos anos 50, uma importação de azeites de Portugal, da Espanha, o bacalhau do Canadá, da Islândia, da Noruega e alguns outros grãos da Argentina, que já também aparecia no mercado.
P - Quais grãos, senhor Ítalo?
R - Por uma questão de tradição os oriundos todos: portugueses, espanhóis, italianos e também da parte do Oriente Médio tem o hábito de comer lentilha, grão de bico e ervilha, são produtos que o... (tosse) por problemas climáticos aqui não se produz. E quando começou a desenvolver o transporte marítimo, também surgiu a oportunidade de se importar esses produtos. Tudo começou, no Brasil, após a Segunda Guerra Mundial, isso é um fato histórico. E o Brasil começou a conhecer outros produtos por causa da facilidade que surgiu no transporte. Então surgiu as firmas importadoras, pioneiras na atividade. Tudo aconteceu nos anos 50.
P - E foi boa a aceitação desses produtos no mercado?
R - Enorme, porque os imigrantes que já estavam aqui sempre comeram esses produtos, sempre consumiram esses produtos e sempre houve uma grande aceitação. E por isso que surgiram as variações da empresas, quiçá, tudo faz parte da distribuição. São Paulo, junto com Rio de Janeiro, era o grande centro distribuidor desses produtos. Os outros estados praticamente eram somente consumidores, com toda a dificuldade de transporte que existia. Então houve um impulso do transporte ferroviário, depois com o transporte rodoviário, com a construção das estradas na década de 50. E foi quando houve uma maior distribuição e um maior distribuimento de cada empresa por si só. Foi algo marcante na história do Brasil. E nós estávamos aí colaborando com esse crescimento. Era o que nós sabíamos fazer naquele momento e cada um cuidava do seu setor, porque na história da descendência do comércio, quem foi comerciante na Europa, veio para o Brasil e continuou comerciante. Quem foi para o interior cuidar dos cafezais daquela época, conseguiu juntar algum dinheiro e comprou uma propriedade. E passou também a produzir porque eram pessoas do campo, cada um na sua profissão, né, no seu costume de trabalho. E nós... a família Tucci, junto com a família dos meus tios da família Lerário, que também eram comerciantes na Itália, também desenvolveram o mesmo ramo de atividade e outras dezenas e dezenas de empresas que se transformaram no centro atacadista de São Paulo.
P - Senhor Ítalo, uma pergunta, como é que funciona, qual é a cadeia pra venda desses produtos. O feirante vem diariamente no depósito e compra, como funciona isso, o senhor poderia explicar?
R - Bom, eu estou falando de evolução.
P - É, o senhor poderia contar de 50, mostrando como isso mudou?
R - Eu estou falando de evolução. Naqueles anos o feirante vinha buscar o produto na zona cerealista. Com o passar dos anos surgiram os supermercados, diminuiu muito a força da distribuição do cereal que era exclusivamente feito pelas feiras livres e já passou a dividir com os supermercados. Daí começaram a surgir os empacotamentos.
P - E quem fazia isso, o senhor ou o supermercado?
R - Nós vendíamos aos empacotadores, cujos empacotadores forneciam aos supermercados. Então nós aí ficávamos com duas distribuições, tanto para o feirante como para os empacotadores, que forneciam aos supermercados. Então isso foi crescendo enormemente.
P - Como eram os primeiros pacotes, senhor Ítalo, de que material eram?
R - A marca eu não...
P - Não, o material...
R - Saco de papel craft. Depois surgiu polipotileno, polipropileno e o plástico, o saco plástico hoje. Eram embalagens de dez quilos, de cinco quilos, depois veio a transformação de dois quilos para um quilo, para meio quilo e assim está hoje já totalmente distribuído e aceito por toda a população. Então, ainda hoje existe o fornecedor do produto para o empacotador. Não é só uma cadeia, uma só linha, produtor, empacotador, distribuidor... Ela sempre tenta... numa intermediação que é obrigatória, digamos, não dá para fazer todas as coisas ao mesma tempo, né. Então, ao supermercado interessa comprar o produto empacotado e sem que ele se sujeite a ter o maquinários e tudo mais. É muito mais fácil comprar o produto já empacotado como todos os outros produtos. Principalmente o produto agrícola assim tipo cereal, arroz, feijão, grãos, todos eles são empacotados. E ainda hoje persiste as feiras livres que também tem o seu produto a granel. Ou ainda... acredito que milhares e milhares de donas de casa gostam de ter o produto na mão para comprá-lo. Mas passou a ser uma coisa normal hoje em dia.
P- O senhor saberia dizer, mais ou menos, qual a porcentagem, por exemplo, de feijão vendido em supermercado e feira, só pra ter uma noção?
R - Em termos de que, de São Paulo, você diria?
P- Em São Paulo...
R - Acho que 50%.
P - Meio a meio.
R - 50% vai pelas feiras e 50% vai pelos supermercados. Porque os supermercados cresceram enormemente, em grandes lojas, em todos os bairros, dezenas de empresas que exploram o ramo de supermercado. Então isso ficou normal. As feiras livres também foram se estreitando, não é?, o crescimento da cidade. Elas ainda existem mas não houve uma evolução da feira livre. Eu acredito que a feira livre nesses próximos dez anos deixa de existir. O prognóstico que nós temos assim de que a própria atividade... o trânsito, as regiões urbanas, a necessidade de... de provocar o maior fluxo de horários de piques. As feiras livres já estão atrapalhando um pouco, mas eu acredito que em dez anos elas deixam de existir passando somente a trabalhar na periferia. É o futuro que a gente espera. Mesmo o nosso comércio atacadista, mercê da evolução do comércio, já começamos isso a sentir na produção de arroz, o arroz é um produto mais nobre, não é, tem maior durabilidade e o arroz já está sendo distribuído, talvez, em termos de 80, 85% já empacotado, vindo já das zonas de produção. Provavelmente vai acontecer isso com o feijão. Por que não agora? Porque ainda não existem zonas produtoras de feijão como existem zonas produtoras de arroz. O feijão está muito, está distribuído em cinco, seis regiões produtoras que se completam nos ciclos de produção. Então o feijão vai ser um pouco difícil essa venda direta da zona de produção empacotado, mas no arroz já existe.
P - Senhor Ítalo, quando que surgiram as marcas de arroz e feijão, e quem definia a marca, o produtor, o armazenador?
R - A marca era... sempre do empacotador.
P - Do empacotador.
R - Sempre foi do empacotador. Ele quem faz a sua marca... o produto é sempre o mesmo.
P - Quer dizer, não existe... quando a gente compra um arroz de uma marca nunca está diferenciado o produtor?
R - Não.
P - O tipo de arroz?
R - O tipo de arroz sim, tipo de arroz sim. Isso é uma questão de prática porque nós tínhamos... nesse período a que eu estava me referindo, há 40 anos atrás, os grandes centros produtores eram Minas e Goiás. Isso aqui... os mais... logo um dia quem vai me ouvir vai lembrar de um arroz chamado amarelão que era produzido em Minas Gerais e Goiás. E surgiu, há 20 anos atrás, surgiu uma semente americana, de muito maior produtividade. Um grão de arroz branco, muito bonito, sem manchas, e encontrou o clima adequado no Rio Grande do Sul e com maior produtividade. Com maiores áreas plantadas no Rio Grande do Sul, é claro que houve uma transformação de hábitos. O povo passou a preferir o tal arroz de semente americana e... em detrimento do arroz dos estados de Goiás e Minas, que eu citei, que eram os grandes produtores, aliás, eram 80% da produção. E daí então houve a mudança de costume, onde produzia arroz em Goiás e Minas passou a produzir soja e foi pra pecuária também. Houve uma mudança muito grande nos hábitos e costumes do brasi... do consumidor brasileiro através das novas variedades que foram colocadas. Mesmo do feijão, falou em arroz eu me lembrei do feijão agora. O feijão tinha uma variedade enorme, 15, 20 qualidades de feijão. A Embrapa desenvolveu o produto de... também de alta produtividade que chama, hoje, conhecido como carioquinha. É um produto que vai persistir por muitos e muitos anos como preferência do público. Ele é macio, ele é gostoso, ele é fácil de produzir, então ele vai ser... ainda hoje já é um, substituiu, daquelas 15 variedades substituiu 14 e ficou sozinho.
P - Quais que desapareceram, por exemplo?
R - Ah, que eu me lembro, tinha diversos nomes curiosos: bico de ouro, porque ele tinha uma pontinha douradinha na vagem, o feijão rosinha, rosinha porque era cor-de-rosa, feijão jalo, jalo, de onde vem? jalo em italiano é amarelo, então tinha um feijão chamado jalo, aqui no Brasil, introduzido por sementes européias. Depois tinha o feijão lustroso, que era um feijão cor de café, de alta produtividade e... mulatinho, sabe, roxinho, e vai por aí a fora, tantas e tantas qualidades que eram produzidas e hoje nós estamos todos 80, 85% do produto assim, carioquinha, e o outro feijão que é o preto é altamente consumido no estado do Rio de Janeiro. É o ...deve fazer a quarta parte da produção nacional é o feijão preto. Então está aí mais ou menos a história do cereal nestes últimos anos, né. Então tem uma parte da distribuição, do empacotado, que você falou, a marca é do empacotador ainda hoje, porque não há o produtor direto ligado, é o intermediário que empacota e distribui aos supermercados.
P - Senhor Ítalo, aconteceu alguma vez do senhor ter importado algum grão, algum produto, e apostado nele e o consumidor ter rejeitado?
R - Olha isso aqui, sempre com muita cautela, né. Não ouve nenhuma falha...
P - Mas um exemplo, vamos dizer, não importante do ponto de vista econômico, mas alguma coisa que o senhor achou que a população podia gostar e não deu certo.
R - Olha eu não... houve muita dificuldade. Não é questão de cereais, que eu me lembro houve muita dificuldade para impor o óleo de soja, também faz parte do comércio. A grande aceitação que existia era do óleo de algodão. No Brasil produzia muito algodão, produzia muito óleo de algodão. Depois surgiu o óleo de amendoim. E havia esse hábito de toda a população para fazer o uso na cozinha do óleo de algodão e do óleo de amendoim. E como é o direito da soja, a soja é um grão, uma leguminosa de grande poder de gordura, de óleo, né, passou a se usar. E havia, eu me lembro que os primeiros óleos que chegaram aqui em São Paulo vieram do Rio Grande do Sul e... esse produto, ao esquentar ele tinha um... ele soltava um odor muito forte, então foi uma dificuldade enorme até virem novas químicas para extrair esse cheiro do óleo de soja. E o óleo de soja hoje é o rei do abastecimento. Não tem mais óleo de algodão, não tem mais óleo de amendoim. E outros óleos aqui são todos óleos experimentais, tipo de girassol, pra dar um exemplo do que é... nós trabalhávamos naquele momento com esse óleo de soja, então teve dificuldade de venda. E foi muito difícil, grandes negociações de devolução do produto. Mas na parte de outros alimentos, com um produto novo assim, é... não houveram muitos produtos novos não, sempre mais ou menos direcionados. Não houve problema não, que eu me lembre.
P - Feijão branco o senhor tentou importar alguma vez?
R - Sim, isso também é o hábito do lado do continente europeu. Portugal, espanhol, italiano, francês, gastam, consomem muito esse feijão, tanto como salada, como na sopa, com pastas e o nosso... como eu estava me lembrando, o clima brasileiro não dá pra, não dá boa produção desses grãos que eu mencionei, ervilha, lentilha, grão de bico, feijão branco que são produzidos em clima temperado para frio. Então eles são muito suscetíveis a insetos e tem que ter um (fim da fita 026 / 01-A) pouco assim é... um clima mais ou menos homogêneo, frio, calor, primavera, verão, inverno, então no Brasil não tem produção e é onde o nosso comércio se especializa um pouco no produto importado sem similar brasileiro. Que você tem uma aceitação do produto, não é questão de falta de concorrência, mas é que tem uma aceitação por parte dos descendentes, do... daquela corrente migratória do século passado, ainda hoje o filho, o neto, bisneto, ainda ele come aquilo que a vovó fazia, não é, que ele lembra do prato, então tornou-se um hábito. A mesma coisa, aproveitando falar de alimentação, é o bacalhau, não é? O bacalhau, ele vem para o Brasil porque é um produto de larga aceitação dos descendentes espanhóis e portugueses, mais dos portugueses. E é um prato que faz parte do cardápio desses descendentes aí. E como é um bom produto também houve a disseminação por parte de outros habitante daqui, tanto o nordestino, como o nortista, pessoas do interior, a população do interior também, passaram a conhecer o produto, a famosa bacalhoada. Então esse é um produto que o Brasil importa através de um acordo comercial com a Noruega, uma quantidade expressiva, em torno de 15 mil toneladas por ano, parece que é pouco, que é muito, mas é o segundo país consumidor do mundo, afora Portugal com suas colônias e logo em seguida vem o Brasil, porque aqui têm as colônias portuguesas e espanholas, e o hábito de comer. O comércio foi feito dessa maneira, em cima da... do que poderia se chamar preferência, hábito de consumo. E daí surgiu o comércio atacadista que nós trabalhamos nestes últimos tantos anos. Mais alguma coisa?
P - Que outros produtos o senhor trabalha, cereais, grãos, bacalhau?
R - Ah, também tem o azeite, né, o azeite de oliva. E como... a mesma coisa que no... a oliveira aqui no Brasil não dá fruto. Você pode plantar um pé de oliveira pra festejar o dia da Páscoa, né, de Ramos, mas ela não tem fruto que é a azeitona, a azeitona que dá o azeite. Então é nas zonas frias também que dá azeitona. E hoje o Brasil consome muito azeite de oliva, porque também, sempre dentro do mesmo quadro de preferência, sendo que a Argentina, Espanha, Argentina, Espanha e Portugal que são os maiores fornecedores de azeite de oliva, sempre também para esses descendentes de europeus. Sempre dentro também da linha de distribuição. Os grãos são tradicionais, para você comer o grão você precisa pôr a tradição do azeite. Aí você vai complementando o hábito alimentar da população. Nosso comércio está baseado nisto, no alimento, no arroz, no feijão, nos grãos e nas especiarias que dão o tempero.
P- Que especiarias, por exemplo?
R- Nós também importamos especiarias. Veio cominho, a erva-doce da Síria, da Turquia, também do Irã, a canela, a noz moscada, o boldo, o louro, são todos produtos que também nós não produzimos, sempre por causa do clima, não é? E também são de, de... você complementa, né, o tempero, com essas especiarias que vêm de outros países do outro lado do mundo, da Ásia, do Oriente Médio, e alguma coisa também do Cone Sul aí, do Chile, da Argentina, que também tem o clima frio e um pouco desses produtos. Muito pouco vem daí da região da América do Sul, mas bem pro sul, né, bem pra zona fria. E complementa-se mais ou menos aí o quadro da distribuição atacadista. Nós te damos aí os grandes atacadistas que faziam a sua distribuição. Hoje, São Paulo está diminuindo um pouco a sua hegemonia, a sua força de distribuição, porque houve um crescimento no interior. Esse desenvolvimento do interior fez com que aqueles nossos clientes se transformaram também em atacadistas. Municípios de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, você vai pra Uberlândia, pra Uberaba, pra Sorocaba, pra todas as regiões e nós tivemos satisfação de ver que aqueles nossos antigos clientes, clientes dos nossos pais, hoje, são grandes atacadistas também no interior do estado. Também fazem as suas importações, também fazem a sua comercialização e é a evolução, né. Sem dúvida nenhuma, nós não íamos querer que São Paulo fosse sempre o centro abastecedor, aí nós seríamos, o Brasil não teria crescido. Então essa transformação, hoje, ela é muito, muito... ela tem uma presença muito forte, o comércio atacadista no interior do Brasil. E muito mais no interior do estado de São Paulo. O estado de São Paulo é mais pujante, não é?, tem mais força de trabalho, então as grandes empresas estão aqui no estado de São Paulo e algumas no, nas grandes capitais, também tornaram-se grandes atacadistas, nossos clientes. Pra ter uma idéia, houve um cidadão, paraibano parece, (Mamette?) Paes Mendonça, ele tinha uma loja de... que lá no Nordeste chama estiva, estiva é comércio de gêneros alimentícios, e nós, em mil novecentos e qualquer coisa, né, naqueles tempos, nós fornecíamos feijão, farinha de mandioca, charque para essa firma. Você vê, todo mundo sabe quem é Paes Mendonça, hoje. São uma das grandes redes de supermercado, ele começou assim, com o pequeno atacado e transformou-se num grande supermercadista e... que é que se veio dar aquela continuação do nosso cliente transformar-se.
P - Ele continua comprando do senhor?
R - Agora ficou um negócio muito esporádico, né. Eles importam, fazem seus próprios negócios, de muito maior escala do que... o comércio atacadista, hoje, se pulverizou perante uma grande rede de supermercado. Então cada... você tem um determinado produto que a rede compra e você fornece, mas sem...
P - Diminui a importância relativa do comércio atacadista, senhor Ítalo?
R - Ah, sem dúvida, sem dúvida. Nós temos aí uma previsão de dez anos, aproximadamente, de sobrevivência, não é? Porque o mundo, o Brasil cresceu muito, não é o mundo, o Brasil cresceu muito. E essa transformação faz com que o transporte, 24 horas, 36 horas, 48 horas o caminhão esteja na porta desse atacado do interior, ou dessas grandes lojas do interior. Então nós somos saudosistas, nós somos, todos os descendentes da... daquela primeira leva do meu pai, dos meus tios, dos... e outros tantos, e nós tínhamos aquele orgulho de ser o centro abastecedor do Brasil, não é? E hoje, não por nossa incapacidade, mas é porque a evolução é superior à nossa vontade de trabalhar - ou você teria que pôr filiais em todas as capitais, o que seria uma coisa impossível, ou senão passava a vender para a segunda escala. Aquele que se tornou muito grande passa a fazer o que você faz. E você vai avançando um pouco mais para o interior onde você ainda vai encontrar o distribuidor menor que ainda se abastece de São Paulo. Então é um ciclo que vai continuar por muito pouco tempo, esse ciclo de compra e de venda para atacado, para médios atacadistas ou varejistas. O caminho vai ser isso aí, sem dúvida nenhuma. Fizemos a nossa parte de implantação do comércio. Estamos juntos aqui através da Bolsa de Cereais de São Paulo, que já tem 70 anos de idade. Meu pai foi um dos, nos anos 20, foi um dos fundadores da Bolsa de Cereais onde se realizavam todas as intermediações de compra e de venda e tudo através de amostras. Comprava assim um vagão de feijão, um vagão de arroz, que demorava 15 dias, 20 dias pra chegar em São Paulo. Então essa parte aqui eu acho que nós temos orgulho de ter participado dessa transformação. Todos os mais velhos e nós (tosse) que estamos continuando, e dentro da tradição acho que passa de três, quatro gerações. Mas eu diria que não... qual a expectativa do que vai me substituir, que é meu filho, que está no comércio, eu não sei qual é a expectativa dele de dar uma continuidade para o filho dele, que seria meu neto. É isso que eu não estou vendo, a continuação do comércio atacadista nesses próximos anos.
P - O senhor acha que isso é mais específico pra todos os gêneros alimentícios ou em todos os tipos de atacado?
R - Eu diria mais para gêneros alimentícios. Os outros atacados, vamos falar, por exemplo, armarinhos, artigos de vestuário, não é?, vestuário, armarinhos, tecidos. Hoje eu, o que eu estou vendo, estou sentindo, essa sensação, aquele atacado está também fazendo varejo. Porque houve uma evolução na distribuição, hoje surgiu o ambulante, surgiu o camelô, surgiu o trabalho terceirizado, em casa. Então já... aquele atacado que também vendia armarinhos, os tecidos para o interior, também tem a sua própria evolução, igual a nossa. Então eles estão, o atacado também, que nós participamos juntos, lá no Parque Dom Pedro, onde nasceu tudo, tudo nasceu no Parque Dom Pedro, também eles estão indo para o varejo porque não tem mais atacado para varejo. Eles já estão vendendo diretamente ao ambulante, diretamente à mão-de-obra terceirizada, que é o trabalho que a dona de casa faz dentro de casa para sobreviver. Também isso é uma transformação. E daí o... então você pega o advento dos supermercados, dos anos 60 para cá, você pega o crescimento do interior brasileiro e a mudança de hábitos, tanto da parte da família que deixou de ter aquela cozinheira dentro de casa. A mulher também se transformou, a mulher também evoluiu, não tem mais a empregada doméstica que cozinhe. Isso falando em classe média, não é?, porque temos que falar de classe média porque, dentro do comércio, quem compra é a classe média, não é, faz-se o abastecimento popular, mas ele é de uma outra escala. Então, dentro dessa linha de comércio, desses produtos que nós mencionamos, que nós trabalhamos, o que acontece é que houve transformação também, transformação social. Daí você passa a ter uma outra derivação... por isso como você vai dar uma continuidade de atacado e varejo se outros segmentos crescem? Quando um segmento cresce eu acredito que o outro está diminuindo, é a lei da natureza, não é? Então você está tendo uma substituição por causa da evolução. Daí (tosse) tivemos o século XX pra contar toda essa história, desde o... como é que se formou a parte brasileira do... a imigração e aqui, nós estamos aqui depondo hoje para dar a nossa presença em nome dos meus pais, dos avós que aqui vieram e trabalharam, e nós estamos aqui na... ainda hoje participando. Não crescemos tanto quanto outros cresceram, mas também faz parte do jogo. Porque quem acompanhou a evolução, naturalmente, teve um maior desempenho comercial, patrimonial. E outros ficaram, sempre ativos, sempre na sua atividade, no seu patrimônio, no seu trabalho. Até quando? Até as coisas se modificarem agora para os próximos séculos. Quaisquer tipo de comércio que não tiver distribuição direta, ele tende a perecer. Essa é a lei do século XXI. Nós hoje temos uma nova mentalidade no comércio, e você tem que se estruturar, para fazer a distribuição diretamente ao varejo. Então você vai tornar-se um grande atacadista varejista, para vender diretamente ao consumidor menor. Porque houve o surgimento dessa nova categoria comercial que é o pequeníssimo, o microcomerciante. Aí nós vamos ter que pensar em outras atividades para o futuro, talvez dentro da mesma atividade, com uma distribuição mais miúda, menor. Vender mais volumes em menores quantidades do que o atacado faz hoje, menores negócios com maiores quantidades. Atacado é isso, você vende mil volumes para outros comerciantes, quando você agora vai ter que vender mil volumes para dez mil pequenos consumidores, pequenos distribuidores. Vai ser mais ou menos por aí.
P - Deixando um pouquinho o comércio, eu queria que o senhor falasse do casamento do senhor. Como é que o senhor conheceu a sua esposa, o nome dela?
R - (pausa) Bom, isso aqui é registro, não é? Na Bolsa de Cereais de São Paulo, que pertencíamos, nós tínhamos um departamento social. Esse departamento social executava diversas festas, durante o ano. Comemorava-se o aniversário da Bolsa de Cereais e outras homenagens a algum patrocinador. Eu conheci, então, a Marilda numa dessas festas aqui. Ela era filha de um comerciante, também atacadista. Eles tinham uma firma de cereais, eu falo tinha, porque já faleceram. E começamos a namorar em 1957, 58 mais ou menos e casamos em 1960. Ela também descendente de... neta da mesma terra que meus pais. É uma outra família que também teve toda essa história aqui, que veio pra cá nos anos... no início do século. E casamos em 1960, tivemos três filhos: a Sandra, o Fábio e a Fernanda. A Sandra hoje é artista plástica, faz umas exposições; o Fábio está trabalhando comigo pra dar uma continuidade no trabalho, e a Fernanda formou-se advogada, casou-se agora há pouco tempo, também tem uma administradora de empresas de bens e, junto com o marido trabalha também. E, o que mais você precisa saber?
P - A gente faz duas perguntas sempre no final, senhor Ítalo. A primeira é qual que é o seu maior sonho ainda por realizar, o seu projeto, algo que o senhor ainda tenha vontade de fazer?
R - Bom, projeto depois de passado um certo tempo de vida fica difícil. Um projeto projetado, não é? Que você ainda está ansiando pra fazer. A gente fica, mais ou menos, desejando que haja uma continuidade do trabalho. Que, como eu me realizei profissionalmente, comercialmente, através do meu pai, do meu irmão mais velho que me encaminhou, eu espero também ter dado essa contribuição para que meus filhos (tosse) tenham a sua atividade. E o projeto é manter o trabalho, porque está regado no sangue, né? E dar uma continuidade para o filho, para o sobrinho que tá trabalhando junto, sem grandes ilusões, de trabalho, não tenho. É dar àquele dia-a-dia uma boa perspectiva, de bom exemplo de trabalho, uma parte moral. É o que se tem feito, né, pra dar um sentido de vida. Não tenho muita coisa pra pensar não.
P - E o senhor então, o que é que o senhor achou de ter dado esse depoimento e contado a sua história, a sua experiência de vida e comercial ao Museu da Pessoa?
R - Bom, aí... francamente? O meu depoimento não tem nenhuma novidade, mas faz parte de um pedacinho, de um grão de areia de como é que foi feito o comércio em São Paulo. Porque comércio é alavanca, no meu modo de ver. Alguém produz, alguém tem que vender; esse alguém que tem que vender é comércio. Seja lá no produto agrícola, seja na parte industrial, essa intermediação, desde o tempo dos Fenícios, no início do mundo, no início da história do mundo, essa parte de intermediação ela sempre foi altamente necessária pra execução de toda essa história; e a história tem que ter registro. Aí então, minhas congratulações com vocês por esse registro. E se assim não fosse eu não estaria dando esse modesto depoimento, tá certo? Eu acredito que com mais de uma dezena de depoimentos vocês vão formar um pouco, ao vivo, a história do comércio brasileiro. Por que brasileiro? Porque é São Paulo, aqui que começou. Isso precisa estar registrado, e através do Sesc, do Senac, do Sebrae, da Federação, eu acho que alguém tem que se preocupar em montar um pouco de história, sabe, no Brasil. Nós temos tão poucas coisas, mas tão poucas coisas guardadas que alguém precisa fazer o registro. Então está de parabéns o Museu da Pessoa por essa iniciativa e espero que seja uma grande realidade que alguém um dia... que alguém um dia vai estar no museu e apertar um botão e vai ver um depoimento.
P - Muito obrigado, senhor Ítalo.
Recolher