Projeto A Economia Solidária Na Vida Das Pessoas
Entrevista de Lourdes Dill
Entrevistada por Lucas Torigoe
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Porto Alegre), 31/05/2023
Entrevista n.º:IPS_HV009
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Irmã, então de novo só para registrar, obrigada pela sua presença aqui, é um grande prazer ter você, uma pessoa com a história que você tem! A gente vai navegar um pouquinho pela sua história com algumas perguntas, fica à vontade, não tem resposta certa nem errada, tá bom? Eu quero começar com uma pergunta muito difícil para você, que é a seguinte: qual é o seu nome completo? Em que cidade você nasceu? E qual é a data de nascimento da senhora?
R – Meu nome é Lourdes Maria Dill, chamada irmã Lourdes, porque eu sou freira. Nasci em São Paulo das Missões, Rio Grande do Sul, no dia 29 de setembro de 1951.
P/1 – Irmã, o seu pai ou a sua mãe, alguém da sua família por acaso te contou como é que foi o dia que você nasceu, como é que foi a sua gestação?
R – Sim. A minha mãe sempre narrava a gestação de cada um dos filhos. Nós somos 11 irmãos. Meu pai e minha mãe já são falecidos, mas guardo uma linda memória deles. Então a minha mãe sempre contava, porque eu sou a segunda de 11 irmãos, então ela contava que ela tinha essa primeira menina que se chama Terezinha, minha irmã mais velha e depois ela estava ansiosamente esperando pela segunda filha, que era eu. E daí ela contava que foi tudo legal. Só que depois que eu nasci, eu demorei um pouco para caminhar, pelo seguinte, eu comecei a caminhar aos 2 anos, porque minha mãe sempre estava muito ocupada, com muito serviço, tinha já essa menina mais velha e ela tinha pouco tempo para, assim, naquele tempo tinha um espaço que eles faziam para a gente poder brincar, aí enchia de brinquedos. Mas a minha mãe cuidava bem, só que sei lá, eu demorei um pouco para poder começar a caminhar, no mais...
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Entrevista de Lourdes Dill
Entrevistada por Lucas Torigoe
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Porto Alegre), 31/05/2023
Entrevista n.º:IPS_HV009
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Irmã, então de novo só para registrar, obrigada pela sua presença aqui, é um grande prazer ter você, uma pessoa com a história que você tem! A gente vai navegar um pouquinho pela sua história com algumas perguntas, fica à vontade, não tem resposta certa nem errada, tá bom? Eu quero começar com uma pergunta muito difícil para você, que é a seguinte: qual é o seu nome completo? Em que cidade você nasceu? E qual é a data de nascimento da senhora?
R – Meu nome é Lourdes Maria Dill, chamada irmã Lourdes, porque eu sou freira. Nasci em São Paulo das Missões, Rio Grande do Sul, no dia 29 de setembro de 1951.
P/1 – Irmã, o seu pai ou a sua mãe, alguém da sua família por acaso te contou como é que foi o dia que você nasceu, como é que foi a sua gestação?
R – Sim. A minha mãe sempre narrava a gestação de cada um dos filhos. Nós somos 11 irmãos. Meu pai e minha mãe já são falecidos, mas guardo uma linda memória deles. Então a minha mãe sempre contava, porque eu sou a segunda de 11 irmãos, então ela contava que ela tinha essa primeira menina que se chama Terezinha, minha irmã mais velha e depois ela estava ansiosamente esperando pela segunda filha, que era eu. E daí ela contava que foi tudo legal. Só que depois que eu nasci, eu demorei um pouco para caminhar, pelo seguinte, eu comecei a caminhar aos 2 anos, porque minha mãe sempre estava muito ocupada, com muito serviço, tinha já essa menina mais velha e ela tinha pouco tempo para, assim, naquele tempo tinha um espaço que eles faziam para a gente poder brincar, aí enchia de brinquedos. Mas a minha mãe cuidava bem, só que sei lá, eu demorei um pouco para poder começar a caminhar, no mais foi tudo legal.
P/1 – E qual é o nome da sua mãe? De onde que ela veio? A família da sua mãe?
R – Emelda (02:48) Dill. E o meu pai Silvino Dill, ambos já falecidos. O meu pai já faz 43 anos que faleceu e minha mãe vai fazer agora dia 03 de julho, três anos de falecimento. Ela viveu 92 anos, o meu pai faleceu mais cedo.
P/1 – E o que eles faziam de trabalho? Onde vocês cresceram?
R – Meus pais eram pequenos agricultores familiares. Eles moraram nessa cidade que eu falei, era um povoado, hoje é um município que tem mais ou menos entre 12 a 15 mil habitantes. E eles então moravam nesse lugar chamado São Paulo das Missões, ele está mais ou menos uns 30 quilômetros distante da Argentina. Nós éramos assim, muito frequentados na questão Argentina, porque do outro lado… as compras a gente fazia lá e o preço do produto era muito, muito acessível e também tipo assim, farinha de trigo, algum produto, era muito melhor do que o produto brasileiro. Então era costume nós irmos para a Argentina, passava o Rio Uruguai e a gente ia para lá, fazia o lanche lá, comprava as coisas e vinha embora, 30 quilômetros, é bem perto.
P/1 – E o que os seus pais plantavam? Eles tinham animais também?
R – Não. Eles eram… como eu falei, agricultores familiares. A base do plantio deles era feijão, arroz, mandioca e muita verdura. Minha família toda aprendeu muito a valorizar as verduras, os hortigranjeiros e também as frutas. Então era praticamente o necessário para a subsistência, mas o excedente também vendia, por exemplo, isso a 60, 70 anos atrás, a dificuldade na Colônia era grande, hoje também é, mas eu sei que o meu pai plantava muito feijão, ele chegava à colher 60, 70 até 80 sacos de feijão de 60 quilos. Imagina naquela época que não tinha o maquinário que tem hoje, ele acabava ou colhendo esse feijão, arrancando e depois ele batia, ou então passava o cavalo em cima. Imagina essa quantia de feijão? Depois esse feijão, ele ficava dentro da palha, em um pó, chamado pozinho do feijão, porque daí ele durava, era a forma de conservar o feijão. E na medida que eles iam vendendo esse feijão, a gente fala o termo popular, abanavam, tiravam a poeira, e daí o feijão ficava limpinho. Então essa é a bonita lembrança que eu guardo. Depois também eles criavam animais, né. Criavam suínos, galinha caipira, pequenos animais para ganhar o gasto familiar, às vezes vendiam um pouco de carne, mas assim, uma vida muito simples. Eu venho de uma família feliz e realizada, simples e que tinha o necessário para viver, não o supérfluo.
P/1 – Irmã, me conta como era a sua casa, como era o terreno da sua família, se você puder descrever para mim, por favor.
R – A primeira casa onde nós morávamos, que foi em São Paulo das Missões, era uma casa dividida em duas partes, a parte da cozinha, a parte mais da convivência, depois tinha uma área no meio, isso eu lembro como hoje, e uma segunda parte que era mais para os quartos, para descansar. Então era dividida em duas, mas no fundo era uma casa só. Era uma casa de madeira, simples, pintada com tinta óleo, o piso era marrom, a casa era pintada de verde, por isso até hoje eu gosto de verde, e era assim, simples essa casa. Mais adiante nós fomos morar no chamado Povoado Planalto, ele dá o que, uns vinte quilômetros distante dali. Ali a casa continuou um outro tipo, a casa de madeira, e ali era um pouco mais de terra que o meu pai tinha para plantar. Esse era o motivo dele ter feito essa transferência, foi aumentando os filhos e ele disse: “A terra que nós temos aqui não é suficiente, a gente vai para um outro povoado”. E ficava dentro do mesmo município, São Paulo da Missões. E daí lá então eu cresci, meus irmãos foram nascendo, cada um ano e meio nascia mais um, nós chegamos a ser 11 irmãos, eu sou a segunda mais velha e uma irmã mais nova nasceu depois que eu já tinha ido para o convento, os outros todos eu acompanhei o nascimento, o cuidado e tudo. Então como eu disse antes, uma vida alegre, feliz, realizada e muito participantes da comunidade. Meu pai e minha mãe, eles eram muito assíduos na comunidade, quando tinha uma festa eram os primeiros que iam lá ajudar, trabalhar voluntariado, quando era construído uma igreja, o meu pai dedicava o tempo que era necessário para ajudar, ajudava a fazer campanhas. E uma outra coisa que eu guardo da minha família com muito carinho, isso me trouxe até a vida religiosa é a consciência política. O meu pai e a minha mãe eram verdadeiros profetas da política, nunca eram candidatos a nada, mas eles eram interativos, tanto assim, que no dia das eleições o meu pai usava a melhor roupa e a mãe precisava fazer a melhor comida, porque era um dia de festa, era um dia que o meu pai sempre dizia assim: “Nós temos direito de votar, nós somos cidadãos, hoje é um dia de festa!”. E também naquele dia na comunidade ninguém podia beber nenhuma bebida alcoólica, nada, porque era um dia sagrado. Então eu guardo essa participação dos meus pais na vida da comunidade, mas também na vida política e isso me trouxe essas convicções que eu tenho hoje. Eu sei que tem gente na igreja que diz: “Ah, igreja não pode misturar com política”. Só que tudo, o que nós estamos fazendo agora é um ato político, nós estamos gravando uma entrevista para a história. Então assim, eu sempre dei muito valor para essa participação na vida da comunidade, a doação, a solidariedade, mas também essa consciência política que nos ajuda a eleger quem precisamos eleger, para depois dizer assim: “Eu dei o meu voto na democracia, mas para um Brasil melhor”.
P/1 – E me fala um pouquinho mais dessa comunidade, irmã. É uma comunidade alemã? Que festas vocês faziam? Que comemoração havia?
R – A comunidade assim, primeiro era lá, então onde eu nasci, São Paulo das Missões, depois então no Povoado do Planalto. Cada comunidade religiosa, eu pertenço a religião católica, tem a sua comunidade, tem a sua liderança, tem as festas, tem as promoções, tem as rifas, então em tudo isso os meus pais ajudavam. Daí assim, tinha o churrasco do ano, que falavam, que era da comunidade, quem era sócio participava desse churrasco que era uma festa e não pagava, por que? Porque ele já fazia sua contribuição anual, ou em serviço ou em uma forma econômica de contribuição. Então quando tinha festa, minha mãe, eu lembro como muita alegria, assim, ela fazia os bolos, as tortas para o leilão. E daí uma vez ela meio que se zangou, porque daí ela fez a torta do Colorado e Grêmio e ambos brigaram entre si. Daí ela disse assim: “se vocês continuarem brigando, eu não faço mais o bolo”. E o povo queria, porque eles gostavam muito dos bolos que a minha mãe fazia. Ela pegava uma manteiga caseira, mexia ela bem e fazia um bolo muito saboroso, que hoje eu vou dizer, nunca mais encontrei um bolo igual a esse. E nem as minhas irmãs e nem eu aprendemos a fazer, porque ela fazia com um jeitinho assim, que ele ficava muito saboroso e que tinha gente na comunidade que já encomendava com antecedência os bolos dela. Então assim, a minha mãe e o meu pai eram muito dedicados nessa vida, e a minha família toda, meus irmãos todos herdaram isso. Todos eles hoje participam da vida da comunidade, eu falo comunidade religiosa, também comunidade escolar. Nosso professor, já falecido agora, chamava-se Cornélio Lucabel, ele era orientador da comunidade. O padre vinha só uma vez por mês, ele não era da paróquia, no começo sim, depois não, quando fomos morar no Povoado do Planalto. E daí então, esse professor já falecido, se alguma família tinha algum problema, ia falar com esse professor que era tipo um mestre, um orientador. E ele também passou a incentivar muito a minha vocação, muito.
P/1 – Irmã, me conta um pouquinho sobre a sua vida na escola, onde você começou a estudar? Quem eram os seus colegas e os seus mestres nessa época?
R – Então eu comecei, eu fiz o primeiro ano primário ali em São Paulo das Missões, onde eu descrevi aquela primeira casa. Depois no segundo ano já fomos nessa outra comunidade chamada Povoado do Planalto. Ali então, desde do segundo ano era com esse professor, Cornélio Lauro Lucabel, era o meu professor. E naquele tempo, hoje também é difícil entender, cada professor tinha uma sala de aula com cinco classes, por exemplo, da primeira até… da segunda no caso que eu estava, da segunda a quinta série era uma turma só, dividida em partes na sala de aula e o professor era um só. E era bem trabalhoso para o professor atender todos os alunos, tanto que a gente tentava sempre colaborar para não cansar muito esse professor. E ele era muito bom, ele era um verdadeiro pai, orientador como disse. E eu lembro de alguns colegas ainda, que até hoje, alguns já faleceram, outros ainda vivem, eram vizinhos, e eram muito legais, como de costume hoje é um pouco menos, mas assim, a gente levava na sala de aula a merenda, o lanche. Hoje vem já o lanche na escola, que é o direito das crianças. A gente levava o lanche, a minha mãe muito cedo levantava para preparar o lanche, que a gente ia na aula de amanhã. Nós caminhávamos dois quilômetros e meio para chegar na escola, era longe. A minha mãe então preparava esse lanche, meu pai também levantava cedo e tomava chimarrão. A gente chegava na escola, antes de começar a aula, o primeiro assunto era a troca de merenda, era a maior festa, assim, raramente a gente comia a merenda que a gente levava, por que? Porque sempre a merenda do outro era melhor, embora a minha mãe sempre caprichar, mas assim, para os outros, a alegria dos colegas era ter uma merenda diferente. Então eu lembro que o primeiro assunto ao chegar na escola e nos cumprimentar era já fazer a negociação da troca, isso toda criança fazia e era algo assim, muito legal! E assim, era um convívio na escola, na família e na comunidade. Quando eu falo em comunidade é especialmente essa parte mais religiosa e daí era mais no final de semana que a gente se encontrava, mesmo que o padre vinha só uma vez por mês, mas domingo sempre tinha uma celebração religiosa organizada e coordenada por esse professor que eu falei, ele também era ministro da eucaristia, ele subia a comunhão, fazia a celebração e a gente. E um costume que o povo até hoje tem nessa minha comunidade, quando eu vou para lá, o pessoal chega antes e saí depois, antes uma meia hora, aí eles se reúnem na frente da igreja e ficam conversando sobre a vida, termina a celebração, as mulheres ficam mais um pouco e o homens vão (15:50) lá no clube fazer os seus chumbinhos. Isso segue até hoje, mesmo costumes.
P/1 – Uma hora um pouco de fofocar, de conversar, trocar (16:01)
R – É. Embora hoje muita coisa já facilitou, porque tem o WhatsApp, a maioria já tem, mas na época não tinha telefone, não tinha nada disso, né. Era o jeito de se encontrar.
P/1 – Irmã, nessa época vocês brincavam muito também ou trabalhavam também, ajudavam os seus pais? Como era?
R – Sim. A gente tinha o tempo de brincar e tinha o tempo de trabalhar. Brincar era em horário alternativo do trabalho e da escola. A gente ia na escola de manhã, eu estudei todo o tempo, até a quinta série de manhã, de tarde a gente descansava um pouco, almoçava e depois a gente ajudava os pais, ou na lavoura ou no serviço de casa, o que tinha para fazer. Aos domingos era dia da gente brincar e visitar os amigos, sempre aos domingos era o dia que a gente passeava muito, ou a gente recebia a visita dos amigos ou a gente ia visitar os amigos, era da cultura. Diferente de hoje, hoje o pessoal está bastante preso à tecnologia. Na época não, a gente tinha lá os potreiros de grama muito bonitos, tinha tudo, tinha pitanga, tinha cereja, tinha tudo que é fruta nativa e lá a gente passava a tarde com os colegas de aula, amigos, né. E quando o tempo era frio, o tempo era chuvoso, esse encontro se dava dentro de casa e junto, que talvez hoje nessa cultura também não prosperou, a gente tomava o chamado mate doce. A mãe fazia um chimarrão para os adultos, um chimarrão amargo e fazia para as crianças uma cuia pequena com o chamado mate doce, era com açúcar, com canela e às vezes esse mate doce misturava com leite, mate doce com leite, uma coisa também que hoje o pessoal não conhece mais. Então assim nós passávamos o domingo à tarde, depois uma pipoca, depois uma batata assada, um pinhão cozido, assim, tudo que é tipo de produtos que tinham na Colônia, essas coisas não eram nada compradas, era tudo produzido para (18:28). E quando era tempo bom, então nós íamos na pitangueira e era bem bom! A gente subia naquelas árvores, colhíamos pitanga e saboreava aquela cereja aquela fruta nativa que muito veneiro já destruiu, é uma pena, né.
P/1 – Nessa época vocês tinham rádio, toca disco, EP ou não? O que vocês faziam de noite, assim?
R – O meu pai foi um dos primeiros moradores daquela região que tinha o chamado rádio, esse rádio tinha “esse tamanho”, era muito grande, era uma caixa grande. Lembro até como hoje a marca, marca (Stamp 19:23), e o técnico vinha de Santo Cristo, ele vinha quase 100 quilômetros longe para arrumar quando estragava esse rádio. Esse rádio era uma caixa grande, muito grande e era praticamente o meio de comunicação que a gente tinha. Não tinha televisão, não tinha telefone, aliás, telefone tinha na casa do professor, uma caixa enorme também, que tinha que fazer a maneada, assim, para discar o número e daí entrava na linha, e daí a gente ligava para um outro, ali era ramal que vinha do município, e ali então a gente passava os recados. Mas voltando para o rádio, o meu pai era um assíduo amigo do rádio e de noite, assim, a gente antes de fazer as atividades da família, meu pai e a minha mãe tomavam chimarrão e nós, os pequenos, brincávamos e o meu pai assiduamente assistia A Voz do Brasil. Acho que continua até hoje, né? A voz do Brasil às 19h. E por essa Voz do Brasil, o meu pai ficava sabendo de tudo o que acontecia no Brasil e depois ele contava para nós. Por exemplo, na época em que estava desencadeando, tipo de uma guerra, no tempo de um político que eu acho que já é falecido, aí tinha o Grupo dos Onze, daí não podia falar nada em alemão, as famílias eram vigiadas. Minha família é de origem alemã, nascida no Brasil (21:04). E daí não podia ninguém falar em alemão, nem na escola. E daí tudo isso o pai já orientava em casa, ele dizia: “Oh, crianças. É assim e assim. Vão vir os fiscais, vão vir os policiais, vocês têm que se cuidar na aula, não pode falar em alemão”. E a mesma a coisa era… chamava-se Grupo dos Onze e era uma perseguição política muito ruim em todo o Brasil. E daí o meu pai já antecipava isso, sabendo pelo rádio. E nós também, a gente acabava escutando muito rádio, especialmente música, notícias e também tinha os jornais, sempre, todos os dias tinha um jornal de uma hora, das 02h até às 03h, de um radialista lá no Cerro Largo, chamado Fritz, ele já é falecido, e ele passava todas as notícias da região. Então nós éramos muito assíduos a escutar rádio e a música. Sábado era o dia que a gente não ia para a lavoura, sábado era o dia que a gente limpava a casa, fazia faxina dentro e fora e era o dia do rádio, era música de amanhã até de noite. E o meu pai trabalhava na lavoura, preparava o pasto e depois vinha fazer os joguinhos dele, né. E daí nossa meta era rádio, era rádio pra valer e foi nesse rádio, depois eu conto um pouco mais da minha história, que tinha uma música chamada assim: “Ela tornou-se freira”, uma música muito… se eu achar essa música eu passo para vocês. Para vocês terem uma ideia, essa música me encantou tanto que depois foi nascendo, fortalecendo a minha vocação religiosa, “Ela tornou-se freira” era o nome da música e era cantada pelo Teixeirinha, já falecido, que também canta a música O Colono, aquela música que diz assim: “Não ri seu moço daquele…”. E assim, era uma melodia muito bonita, muito animada, que a gente escutava.
P/1 – E vocês ouviam mais que artistas nessa época? A senhora se lembra?
R – O Teixeirinha era um deles. E na época já tinha um cantor muito famoso, ele continua no Rio Grande do Sul, já tem uma certa idade, chamado Antônio Gringo, não sei se já ouviram falar, ele tem músicas populares muitos proféticas, depois outras músicas, mas as que eu lembro. Outra coisa já desencadeou dentro da igreja a questão do padre Serginho, padre Serginho tem hoje 80 anos, essas músicas para nós eram muito sagradas, porque tinha música assim, tem música antiga muito próximo da vida da família e essas músicas a gente assistia com muita alegria, muita devoção. Era assim, música sertaneja, gauchesca, sertaneja, mas o artista que eu mais lembro é o Teixeirinha, Mary e Teixeirinha.
P/1 – Você falou um pouquinho antes sobre a sua vocação, né? Como que isso apareceu na sua vida? A sua vocação? Teve algum dia ou alguma época que isso apareceu? Como é que foi crescendo dentro de você?
R – Então, falando da minha vocação, minha família era muito assídua em apoiar as campanhas para os seminários, para a vida religiosa, para a vida da comunidade e sempre o meu pai e a minha mãe contribuíam quando eram feitas essas campanhas. E também nas rezas do terço de noite que nós fazíamos, nós sempre rezamos pelas vocações, não só vocações religiosas, mas também vocação para boas famílias, vocação para o sacerdócio, vocação para a vida religiosa, para lideranças leigas, tudo isso fazia parte do conteúdo da nossa oração. E eu fui crescendo desde pequena nesse espírito também da minha família, muito bonito! E a gente guarda, os meus irmãos, todos guardam com carinho esse conteúdo da nossa reza. E daí assim, eu desde pequena, que eu falei da música, era do Teixeirinha, que passava todos os sábados, a gente escutava mais no sábado, uma música chamada, “Ela Tornou-se Freira”, essa música me tocou muito, cantada pelo Teixeirinha e pela Mary, que era uma dupla sertaneja, de feliz memória, muito bonita! E essa música falava e calava fundo, eu dizia: “Eu também quero ser freira”. E daí eu falava isso para o meu pai, a minha mãe, eles concordavam, “Só tem que crescer”. Então aos seis anos de idade, teve essa visita da irmã Ana (26:03), uma irmã filha do Amor Divino de Cerro Largo, veio para nossa casa fazer coleta, que as irmãs faziam coleta para manter suas missões, e era fim de tarde, uma tarde chuvosa, muito frio, nós, todo mundo sentado em redor do fogão a lenha, tomando chimarrão e comendo pipoca. E daí essa irmã veio, ela sentou na roda e fez o pedido que ela tinha que fazer, a coleta, e depois ela ainda perguntou, antes de ir embora: “Alguém dessas crianças…”. Nós éramos acho que uns cinco ou seis já, “Alguém dessas crianças pensam um dia em serem padres o menino e a menina freira?”. Eu levantei a mão e disse: “Eu quero, eu quero ser freira”. E o meu irmão também, que depois ficou sendo seminarista, não perseverou por problemas de saúde, ele disse: “Eu quero ser padre”. E tá, daí ao dizer isso, ela pegou uma bala e deu para cada criança, aquilo marcou. E essa então eu considero esse gesto o início e o despertar da minha vocação. Depois fui crescendo, na aula, na escola o professor também motivava, os meus pais rezavam. E quando eu tinha 13 anos, chegaram lá em casa um grupo das Irmãs Paulinas, aqui de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e daí ela iam nas casas e onde tinham meninas que queriam ser irmãs, elas perguntavam: “Escuta, será que dá para nós inscrevermos ela e ela ir conosco?”. Elas vieram de Kombi de Porto Alegre, imagina de Porto Alegre até lá? Dá umas dez horas de viagem. E daí nós estávamos na lavoura, todo mundo na lavoura, daí fomos para casa, fomos fazer um chimarrão, eles conversaram e daí ficou então combinado que eu poderia ir junto. Tinha uma outra amiga minha que também ia, daí só tinha que fazer o enxoval. Em 12 dias minha mãe fez o enxoval, as roupas que tinha que levar, minha mãe era costureira e na época, uma forma, não tinha tanta roupa pronta como hoje, passavam os vendedores de fardo de roupa, tudo que é tipo de roupa, meu pai e minha mãe sempre compravam esses tecidos, sempre tinha tecido em casa. E daí então tinha o tecido em casa, tinha linha e a minha mãe então costurou o enxoval, trabalhou quase dia e noite. Quando estava pronto, então depois de uns 10, 12 dias, nós fomos, eu fui junto para Porto Alegre e acabei sendo então aspirante das Irmãs Paulinas, congregação que hoje tem um trabalho gigante no Brasil inteiro na comunicação. E daí eu fiquei, então fiz o 5ª ano em Porto Alegre e essa amiga, ela desistiu, ela disse: “Não, isso aqui não é o meu caminho”. E eu disse: “Eu não vou ficar sozinha aqui”. Imagina, eu tinha 13 anos, ficar em Porto Alegre, longe da minha família, nem tinha podido visitar pela distância. “Então tá, eu também não vou ficar aqui”. Eu gostei das irmãs, gostei do trabalho, a gente trabalhava em uma livraria, até hoje tem a livraria aqui, eu trabalhava na gráfica e o resto do tempo a gente estudava, eu fazia o 5ª ano. E eu disse: “Então tá, mas eu continuo querendo ser irmã. Eu não vou ficar, desculpem as irmãs, eu não vou ficar aqui, mas eu quero ser das irmãs do celular”. Essa irmã tinha vindo, irmã Ana (Emely 29:27), eu quero ser das irmãs Filhas do Amor Divino. Dito e feito, fui para casa, meus pais se assustaram, avisei que eu ia, a gente voltou de ônibus. E eu disse: “Mas eu continuo querendo ser irmã”. Eu tinha 13 para 14 anos, fiquei mais dois anos em casa e depois então de fato eu procurei o convento Nossa Senhora da Anunciação em Cerro Largo, lá me registrei para ser filha do Amor Divino. Quem me levou até lá foi meu pai. O enxoval já tinha pronto, as roupas seriam tudo que eu podia aproveitar, que é preciso um pouco, mas igual, serviu, né. E daí então eu acabei sendo, aos 17 anos, Juvenil Aspirante das Irmãs Filhas do Amor Divino em Cerro Largo. Daí repeti a quinta série, porque na realidade, no final do ano, deu problema nos meus exames, não conseguiram o certificado e repeti a 5ª série em Cerro Largo, do padre João Rick. Fiz então aquele antigo ginásio dos quatro anos, vocês não lembram porque não é do tempo, mas eu fiz então a 5ª série, mais os quatro anos, estudei a noite para poder de dia ajudar no trabalho e poder diminuir o custo da minha família para contribuição no convento. E depois então eu entrei no chamado posto (lantado 30:53), depois o enunciado, depois fiz votos e daí trabalhei, fiz um estágio no hospital São Camilo de Lellis. E depois quando fiz os votos, eu trabalhei mais de um ano nesse hospital e daí fui transferida para Campo Mourão, Paraná. E lá então eu fiz o segundo grau, chamado científico, ele era um científico, mas assim, era de noite, eram dois anos, não eram três anos, eu acabei fazendo esse curso e voltei para Santa Maria. Aí fiz um juniorado intensivo, depois trabalhei um tempo em Cerro Largo, em Santo Cristo em Porto Alegre, em vários lugares. E fui sempre aprimorando a formação religiosa, até chegar nos votos perpétuos. Aí fiz o retiro de 30 dias em 1984, e daí esse anel aqui, esse anel que a gente recebe quando faz os votos, mas depois completa esse coração quando faz os votos perpétuos. E acabei então dando definitivamente o meu sim, realizada e feliz, porque sabia que esse era o caminho. E os meus pais também, como disse, os meus pais, meus irmãos, minha família toda sempre me apoiou muito significativamente. Tanto assim que hoje já estou rumo a quase 50 anos de vida religiosa, eu tenho de congregação 54 anos e de vida religiosa já praticamente 50, né. Então eu tenho, assim, uma trajetória muito longa na Congregação das irmãs Filhas do Amor Divino, é uma congregação fundada na Áustria, pela madre Francisca Lechner, hoje presente em três continentes e 22 países. E aqui no Brasil nós estamos já há 103 anos, vai completar 103 anos agora. A primeira irmã que veio, ela era muito corajosa, ela recebeu esse legado da nossa fundadora para não ficar só na Europa, mas para abrir horizontes para outros continentes. E ela fez e veio para o Brasil com muito sacrifício, ela e mais algumas jovens que vieram com ela.
P/1 – Ao longo dessa trajetória toda que você me contou agora, claro que vai ter coisa ainda na frente, mas nesse trabalho ainda apenas com a congregação que você falou, no hospital em Cerro Largo em Santa Maria, o que mais te marcou? Eu imagino que você tenha conhecido muitas pessoas, muitas realidades diferentes nesse período, eu imagino. O que mais te marcou durante esses anos até os votos perpétuos, irmã?
R – Para mim o que marcou muito, essa vida familiar, a minha família. Nem toda família tinha o celeiro vocacional que eu tinha. Eu até hoje eu sou muito grata aos meus familiares, meus pais falecidos, meus irmãos, porque eles sempre me apoiaram muito! Nós somos como eu disse, 11 irmãos, 10 irmãos são casados e só eu fiquei freira. E sempre então esse celeiro vocacional partindo da minha família e da minha comunidade, é a primeira marca. A segunda marca, tanto nas irmãs Paulinas, como nas irmãs Filhas do Amor Divino, eu fui muito bem acolhida. Então a minha vocação, ela tinha um norte, ela sabia para que lado pedia, porque eu não queria me tornar freira para mim mesma. E depois quando eu falar na missão, hoje e da missão futura, vocês vão entender um pouco esse processo. O meu desejo de ser freira era para ajudar os outros, e quando falam naquele calendário, jesuítico, a rotina jesuítica, eu falo dessa missão. Eu lia muitas histórias da missão, da vocação, ou dos padres, das freiras, ou dos missionários e também das famílias, lá apareciam também histórias das famílias. E eu era muito assídua de conhecer essas histórias e elas sempre me motivaram, então isso me marcou muito. Uma outra coisa que me marcou também, foi exatamente esse professor, que já é falecido, professor Cornélio (35:33), foi na realidade um verdadeiro profeta e um professor não apenas da sala de aula, mas ele foi um pai, ele foi um mestre, ele foi alguém que ensinou valores para seus alunos. E depois uma outra coisa que me marcou, foi a prontidão da minha família em dar o meu sim. A gente sabe que tem jovens que às vezes gostariam de seguir um caminho e os pais não deixam, não, os meus pais deram todo apoio, total apoio e disseram: “Cada filho na nossa família tem o direito de escolher a sua vocação”. E eu tive a alegria e o direito de escolher o que seria da minha vida, no caso a vocação religiosa.
P/1 – E durante esse período que você falou, eu vi que o Brasil estava durante a Ditadura Militar, né? Você viveu, como é que você viu esse período? Você acha que o Regime afetou a sua vida de alguma forma ou não?
R – Sobre a Ditadura Militar, duas coisas que eu vou comentar nesse comentário aqui. Eu peguei, eu nasci em 51, 60, 64 foi a ditadura, eu impedi algumas coisas, um pouco pela idade, porque meu pai comentava, ele comentava muita coisa sobre a Ditadura Militar, foi ali que eu tentei entender algumas coisas, pela Voz do Brasil, lembra? Eu falei antes, tem conexão, uma coisa tem conexão com a outra. Então o meu pai comentava, daí veio aquele negócio do Grupo dos Onze, veio aquela perseguição, e daí então no rádio não podia falar tudo aquilo que os outros queriam falar, a língua alemã era proibida, e assim, uma série de coisas. A Ditadura Militar eu fui entender mais e estudar fundo depois que eu fiquei adulta. E por que que eu conheci mais? Que eu trabalhei… depois eu falo um pouco de Santa Maria, eu trabalhei com Dom Ivo Lorscheiter, ele foi um dos grandes perseguidos da Ditadura Militar, tanto assim, que agora está saindo um livro dele escrito por um jovem chamado Thiago Torres, de Santa Maria, que ele fez o seu final de curso sobre a experiência de Dom Ivo na Ditadura Militar, é um livro bem interessante. Quando eu chegar ali em Santa Maria eu quero pegar esse livro e ler. Então muita coisa da Ditadura Militar eu fiquei sabendo através de Dom Ivo e através da leitura também, leitura, escuta de rádio e um pouco nesse cenário. A outra questão também, um pouco desse período também, foi exatamente o período do término do Concílio Vaticano II. Eu também… algumas coisas eu peguei junto com o meu pai, que ele escutava no rádio, na época, mas eu fui entender muita coisa depois que fiz cursos, fiz estudos sobre a renovação da igreja no Concílio Vaticano II. E novamente muita coisa eu aprendi com Dom Ivo, trabalhei 20 anos com ele. Quando ele era um Bispo jovem, ele era Bispo auxiliar de Porto Alegre e ele e o Dom Hélder Câmara foram convidados para participar do final do Concílio Vaticano II. E ali que entra toda minha missão, depois eu comento melhor sobre a missão assumida em Santa Maria, no Rio Grande do Sul (falha no áudio de 39:13 até 30:16). Por um lado, a Ditadura Militar e todo aquele contexto (outra falha de 39:21 até 39:29), católicos perseguidos. E essa questão Então da renovação da igreja quando o Papa João XXIII, beato, hoje foi canalizado, aliás, São João XXIII, ele abriu as portas e as janelas da igreja para tirar o mofo que ao longo da história já tinha se acumulado, então aquilo marcou muito. Tirar o mofo, significa tu fazer uma limpeza geral e dar uma geral para fazer uma mudança dentro da igreja e essa mudança está acontecendo agora com o nosso Papa. Depois quero até falar um pouco mais sobre o Papa Francisco, o que eu penso da vida dele e o que eu penso que isso tem a ver com a humanidade de hoje.
P/1 – Pelo que eu entendi, você tem alguma conexão com alguns religiosos católicos que tem uma orientação mais próxima do povo, mais progressista, é isso?
R – Exatamente. Eu vou dizer alguns nomes, depois não tem como detalhar, porque não vai dar. O Dom Ivo Lorscheiter, com ele, eu trabalhei 20 anos. Dom Hélder Câmara foi o fundador da Cáritas brasileira, fez tudo muito na vida dele, Dom Hélder foi um profeta que também… já em fase de beatificação. Dom Luciano Mendes, Dom Paulo Evaristo que era de São Paulo, conhecido por todos, né. Dom Aloísio Lorscheider que era primo de Dom Ivo, eles não eram irmãos, é bom saber que eles eram primos, só tem mudança no sobrenome por causa das famílias alemãs, quando os pais iam registrar os filhos eles levavam anotado, às vezes sim, às vezes não, chegavam no cartório e não sabiam mais dizer, porque o alemão, de origem alemã, tem muita dificuldade de diferenciar o D e o T, e o que o pai do Dom Aloísio ele fez? Ele disse: “É Lorscheider com D”. O pai do Dom Ivo disse: “Não, é Lorscheiter com T”. E daí deu (falha de áudio de 41:31 até 41:35), isso. Então depois eu tenho algumas forças femininas que eu me inspiro muito, uma delas é a madre Francisca Lechner, a fundadora da nossa congregação. Irmã Teresina Werner, que veio fazer a fundação aqui no Brasil, a primeira filha da Ordem Divina que veio para o Brasil. Depois me inspiro muito na madre Teresa de Calcutá, também na irmã Dorothy, irmã Dorothy que deu a vida por uma causa tão desafiadora que é a luta da terra que eu também apoio, defendo e participo. Depois a irmã Adelaide Molinari, que há 38 anos foi morta na rodoviária em Curionópolis do Pará, ela foi morta, é mártir da justiça. E assim, tantas outras mulheres que passaram também por esse mundo e que para mim são exemplos de vida e de seguimento, e tantas pessoas hoje e como disse também, nossas mães, nossas mães foram heroínas, criar naquela época 11 filhos (falha do 42:38 até 42:50), algumas referências na minha vida que foram sinais e continuam sendo, né. E depois eu (falha do 42:58 até 42:03), agora.
P/1 – Vamos entrar no período de redemocratização, você falou até 1984, dos seus votos, em seguida você continuou com o seu trabalho dentro da congregação, as coisas mudaram? Como é que foi?
R – Não. Daí então em 1984 eu fiz os votos perpétuos. Aí dois anos antes eu passei em Santa Maria no Rio Grande do Sul e fazia um curso chamado Instituto de Pastoral Catequética, dois anos. Depois nesse período também fiz o Juniorado intensivo, eram meio integrados os horários, né. E ainda nesse período eu fiz um curso de seis semestre de cultura alemã, porque era a proposta da nossa congregação, a gente estudar uma língua, ao invés de pegar uma língua que eu tinha que começar do zero, eu disse: “Vou aprimorar o nosso alemão”. Embora ao longo da história a gente fale pouco e sabe que toda língua que tu não fala, tu não prospera muito. Então, mas eu sei escrever em alemão, eu sei falar. E fiz então esses cursos, fiz ao longo desse tempo, então muita formação, pequenos cursos, esses cursos. Depois voltei a trabalhar em Cerro Largo por dois anos e daí eu fui trabalhar em Santo Cristo. Santo Cristo é também uma cidade vizinha da Argentina, fica bem próxima, né, Santo Cristo fica pertinho de, para situar vocês, Santa Rosa, dá uns 15 quilômetros de Santa Rosa. Ali eu trabalhei em uma escola nossa que hoje inclusive já não existe mais, foi fechada, mas trabalhei o ano lá. Trabalhei na formação das novas Juvenistas, que estavam entrando na vida religiosa. E trabalhei em sala de aula e em várias atividades também, ali domésticas, a gente tinha vários trabalhos, fazia integrado, né. Depois eu comecei a faculdade em Passo Fundo, naquele período que eu estava em Santo Cristo, comecei a faculdade, fiz economia doméstica com especialização e extensão urbana e rural, que depois tem a ver com o futuro do trabalho que eu ia assumir. Fiz então o curso de férias durante cinco anos, sempre viajava dezembro, janeiro e fevereiro, depois mês de julho. Depois no intervalo fazia os meus estágios e fazia meus trabalhos à distância, mas eram quatro meses presenciais, o resto era a distância, cinco anos durou o curso. No segundo ano desse curso, aí chegou minha provençal chamada Irmã Beatriz Ênio, que hoje trabalha no Equador, é uma missionária no Equador e ela me convidou para vir para essa missão, para Santa Maria. “Olha, Dom Ivo já pediu tantas vezes, ele quer a presença das irmãs Filhas do Amor Divino. E nós decidimos, o Governo Provincial decidiu que nós abríssemos uma comunidade e você é uma das convidadas”. Aí a primeira comunidade foi feita pela irmã Cecília Dahmer, irmã Lúcia Riffel e irmã Lourdes Dill, nós três. Assumimos então essa missão no dia 06 de janeiro… não, 06 de março de 1987. A missão então do Banco da Esperança e da Cáritas da Diocese e eu desde logo já fui então escalada para assumir a missão da Coordenação e da articulação do trabalho do projeto Esperança e Cooesperança, que depois eu acho que eu vou falar um pouco mais, né. É isso, então até ali foi sempre um ano, dois anos em cada missão. E daí essa outra missão, depois ela vai exigir um pouco mais de conversa para eu explicar o que foi essa missão.
P/1 – Exato. Queria então que se você puder prosseguir, explicar para a gente, para quem vai assistir, vai ler essa entrevista no futuro. O que é o projeto Esperança? A quem ele atendia, atende, né?
R – Exatamente. Eu vou começar nisso e voltarei a falar no nome do Dom Ivo, esse profeta da Esperança, gigante da Esperança e hoje cidadão do céu. Nós então fomos convidadas, nós três irmãs, a envio da província Nossa Senhora da Anunciação, que tem sua sede em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para essa nova missão. Essa missão, ela se realizou em Santa Maria, muito próximo ali da Catedral (48:10). E como eu disse antes, eu já desde o começo fui escalada para destrinchar junto com uma equipe da Universidade Federal de Santa Maria, (48:20) e outras pessoas, esse chamado projeto Esperança. Era um projeto escrito por um grupo de professores da Universidade, pela (48:28), por Dom Ivo e algumas lideranças das pastorais da diocese de Santa Maria. Era um projeto que visava criar uma cultura da Solidariedade pelo trabalho, pela organização, e esse Projeto, ele foi inspirado no livro A Pobreza, Riqueza dos Povos, o professor Singer tinha esse livro se falar com o Marcelo, acredito que o Marcelo localize esse livro nos anais dos materiais do professor Singer. Fui então convidada e esse projeto, ele já estava escrito, ele já tinha construído uma parceria, ele viajava muito, uma parceria com uma entidade da Alemanha chamada Misereor, (falha do 49:14 até 49:18) e faz as campanhas de apoio para ajudar projetos de desenvolvimento no terceiro mundo, né, porque os países mais pobres, o Brasil era um deles. E daí então a gente começou a estudar esse projeto, ele estava chaveado sobre sete chaves, porque a pessoa que coordenava o Banco da Esperança antes de nós, dizia assim: “Eu já tenho idade”. Ela disse: “Eu não tenho mais saúde para começar um trabalho tão desafiador”. Ela que pediu para o Dom Ivo convidar outras pessoas e nós fomos convidadas. Então nós começamos, eu tive muito auxílio, muita assessoria dos professores da Universidade Federal de Santa Maria e várias lideranças que ajudaram. O Francisco Caporal, que já está em materna e feliz memória, foi um agrônomo também bem comprometido. E assim, a Cáritas, a Cáritas era uma grande parceira desde o início, porque nós começamos esse trabalho todo a partir dos PACs, Projetos Alternativos Comunitários que foram nascendo nos anos 80, também por uma motivação de Dom Ivo, em um grande congresso nacional e internacional da Cáritas. Porque a Cáritas no seu início tinha um trabalho um pouco mais assistencialista, por ordem da segunda guerra mundial, quando tinha muita sobra de roupa, comida, queijos, leite, essas coisas que tinha nos Estados Unidos, que mandaram grandes toneladas para o Brasil. E a Cáritas então foi convidada pelo Papa Paulo VI, foi fundada pelo Papa Paulo VI e para fazer desencadear essas distribuições. E daí Dom Ivo disse: “Nós vamos dar um passo a mais, nós vamos criar esses projetos alternativos comunitários e a Cáritas vai ser uma grande agente nisso”. E foi, porque Dom Ivo foi o presidente da CNBB duas vezes e depois duas vezes secretário, isso era uma missão muito árdua para ele, no tempo de ditadura ele foi presidente e depois repetiu, porque politicamente foi o Bispo mais bem preparado para essa função nesse tempo tão difícil. E daí então nós começamos com pequenas experiências da agricultura familiar, da economia solidária, do artesanato, dos povos indígenas originários também, dos catadores, quilombolas, consumidores, moradores em situação de rua, que já tinha, né. Todo esse trabalho ele fez parte de um grande guarda-chuva chamado do Banco da Esperança, que era a Cáritas, e o Banco da Esperança, ele foi inspirado… Dom Hélder Câmara era muito amigo de Dom Ivo, ele foi muitas vezes para Santa Maria… e foi inspirado no trabalho do Dom Hélder, que tinha fundado no Rio de Janeiro, o Banco da Providência que ainda existe e a Feira da Providência. E Dom Ivo então criou em Santa Maria o Baco da Esperança e a Feira Primavera. Debaixo desse guarda-chuva que foi então criado esse chamado Projeto Esperança, era um segmento só com um passo a mais, no sentido assim, não apenas doar coisas, doar produtos, não, é criar um autodesenvolvimento, autogestionário, que significa o povo se organizar, o povo se planejar e criar um negócio próprio de forma coletiva, na linha do cooperativismo, da economia solidária, nessas temáticas todas que depois eu vou falar no nome do professor Singer, né. E começamos esse projeto e logo de início, já, essa entidade da Alemanha, chamada Misereor, apoiou financeiramente uma equipe, depois financiou um primeiro galpão, primeiro prédio, apoiou um caminhão e uma kombi para a gente começar esse trabalho. Que logo já no seu cenário inicial, Dom Ivo disse: “Não adianta nós organizarmos o povo, produzirmos de onde vende, nós não queremos vender no mercado tradicional, nós queremos exatamente criar uma comercialização alternativa que seja boa para o consumidor, mas que seja muito boa também para o produtor. E daí faço o link de um outro profeta que a gente se inspira muito, chamado padre Teodoro Amstad, ele veio da Suíça e foi para ser… ele ficou parco ali em Petrópolis, perto de Porto Alegre e ali ele trabalhava com os agricultores de forma assim, inconformada, porque ele via aqueles pequenos agricultores pegarem uma carroça de boi… sabe o que é carroça? Sabe, né? Às vezes na cidade nem todo mundo que conhece… enchia essa carroça, puxada boi e levava para a cidade, era feijão, era mandioca, era batata, era batatinha, era verdura, tudo que é tipo. E ele chegava na cidade, na época chamava, não chamava de mercado, chamava de venda, ele entregava todo esse produto todo na venda e trazia de volta pouquíssimas coisas, que era o essencial, que não tinha na colônia, erva mate, açúcar, sal, azeite não tinha na época, mas esses produtos que não tinham na colônia e eles trocavam esse produto que tinha o volume tão grande, por uma porção tão pequena. E esse padre Amstad, ele estava inconformado, ele disse: “Gente, eu venho da Suíça e lá funciona muito bem o cooperativismo, vocês não estão de acordo?”. E nós: “É aqui uma cooperativa?”. Aí o povo disse: “Sim!”. Marca uma reunião, é domingo de manhã depois da missa. O padre Amstad marcou uma assembleia, reuniu em uma só manhã, 5 mil homens, na época a cooperativa era muito focada na questão masculina ainda, hoje não, hoje é mesclado, e hoje nós mulheres participamos muito. O padre Amstad, ele subiu em uma pedra, que era o púlpito dele e fez uma palestra para eles sem microfone, sem som, sem caixa de som, sem nada daquilo que a tecnologia nos permite hoje, sem computador, e ele fez então essa palestra. E não é que todos votaram a favor de criar essa cooperativa? Daí ele fez todo o trâmite legal, criou essa cooperativa, mas antes disso também tinham essas Caixas comuns, chamavam, era tipo, que não tinha banco na época, no Rio Grande do Sul não tinha nenhum banco. E ele então… eles criaram essa caixa comum, era uma espécie de zeladores do pequeno dinheiro que os agricultores tinham para guardar, para não serem roubados, chamava-se Caixa comum. Da Caixa comum, então foi criada a cooperativa e foi então a primeira cooperativa da América Latina, criada em Nova Petrópolis, aqui Rio do Grande do Sul e tem mais ou menos 115 anos. Sabe a quem deu origem essa cooperativa? Ao Sicredi, o Sicredi que hoje é um banco gigante em todo o Brasil, praticamente parece que eles estão em quase todos os Estados Brasileiros, e essa cooperativa então, ela deu origem ao Sicredi e a multiplicação da cooperativa. Eles hoje têm que seguir a regra, as regras do Banco Central, isso é óbvio né, um banco que gira muito, tem muitos associados, né. E o meu pai já era associado do Sicredi, mas ele começou sendo associado da Caixa, dessa Caixa comum que eles chamavam para zelar os troquinhos que sobravam. E é uma história muito bonita, eu volto a isso para dizer que Dom Ivo se apaixonou pelo cooperativismo e pelos PACs, Projetos Alternativos Comunitários, que deram mais tarde origem a economia popular solidária. É uma história muito bonita! Essa história tem parte descrita em um dos livros do Dom Ivo e dos nossos, né. Então é um memorial que tem em Santa Maria, que a gente deixou como legado. E tudo isso então foi forjando essa perspectiva de criar o projeto Esperança e ter esse apoio da Misereor, nós renovamos com a Misereor da Alemanha em Santa Maria 11 convênios, nós trabalhamos 30 anos em parceria com a Misereor. No começo eles apoiaram esse prédio, o maquinário que eu falei e uma equipe, depois eles seguiram apoiando uma equipe de quatro ou cinco pessoas, entre as quais, eu, custeavam a minha atuação e disseram assim: “Agora daqui para frente vocês vão procurar políticas públicas no governo brasileiro”. E foi o que fizemos, nós partimos em busca de políticas públicas e também de emendas parlamentares de formas alternativas. E hoje nós temos lá esse trabalho, que é um trabalho gigante, mais ou menos 5 mil metros de área construída para esse trabalho de economia solidária, que congrega hoje a agricultura familiar, artesãos, quilombolas, catadores, povos indígenas, moradores em situação de rua e um grande público de consumidores. E a cada sábado tem há 31 anos o Feirão Colonial. agora em julho, há 29 anos tem a FEICOOP, Feira Internacional do Cooperativismo da Economia Solidária e esse projeto então, que completa agora em agosto 36 anos de história. Eu tive a alegria de trabalhar então 35 anos nesse projeto, ajudar a organizar 27 feiras Internacionais do Cooperativismo da Economia Solidária e 30 anos desse chamado o Feirão Colonial, que hoje então congrega muitas mulheres e muitos homens, em um trabalho alternativo, não é emprego, nós não trabalhamos a ideia do emprego, é trabalho alternativo autogestionário, inspirado muito no Fórum Social Mundial, que teve oito edições no Brasil e várias edições já fora do Brasil, um pouco nessa metodologia.
P/1 – Irmã, antes da gente falar sobre o seu encontro com o Paul Singer, a economia solidária, essa teoria, né. Eu queria que você só me contasse um exemplo para quem for depois assistir a entrevista, um exemplo de coletividade, de cooperativa que vocês ajudaram a serem estabelecidas pelo projeto e pelo Banco da Esperança. Alguma relação que vocês cultivaram com alguns produtores que te marcou, teria alguma história nesse sentido?
R – No caso que eu vou falar, ou que você quer contato com essa pessoa?
P/1 – Não, se você só puder contar (falha de 01:00:24 até 01:00:32), do projeto até, né?
R – Já tem, esse já veio na minha memória.
P/1 – Só para te explicar o porquê. A gente tem muita curiosidade aqui no Museu, para comunicar as pessoas que depois vão ver essa entrevista, de como é que funciona, como é que vocês entram em contato, de repente convencem essas pessoas de que essa é uma melhor forma de produzir, de comercializar, entendeu? Se puder dar um exemplo para mim.
R – Sim, eu dou um exemplo, e depois futuramente posso mandar algum contato também e também eu posso dispor algum materialzinho depois, pode ser, tá bom.
P/1 – Se você puder contar sobre esse exemplo.
R – Tá. Assim, entre as muitas experiências que eu poderia estar compartilhando e nomeando e dizendo, eu quero destacar uma experiência profética que muito marcou a minha vida, a minha história e que também agora em uma reunião (01:01:32), me motivou muito! É um grupo de recicladores de resíduos sólidos, é um grupo chamado Associação de Recicladores de Santa Maria, chamado ASMAR, ele completou agora em setembro 31 anos, uma associação que nós ajudamos a criar e a forma dela ser criada ela é profética. Ela foi criada dentro do 8° Encontro Eclesial de Base de Santa Maria, que foi realizado de 08 a 12 de setembro de 1992. Vieram para Santa Maria todos os Estados Brasileiros, muitos países da América Latina, tinha lá a presença de 15 a 20 Bispos, muitos padres, freis e muito povo, mais de 4 mil delegados da economia solidária, mas também das Comunidades Eclesiais de Base. E esse era um encontro muito grande, também apoiado por Dom Ivo, por nossa equipe, pela articulação da CEBs de Santa Maria, entre eles o Samuel que já é falecido, a Iria, o Egídio que foi um dos coordenadores desse encontro e ele teve mais de 60 comissões de organização, foi preparada durante 3 anos. E eu também fui uma agente participativa na organização deste evento. Foi um evento muito grande, que trouxe para Santa Maria todas as culturas, raças e religiões. Sim, foi algo muito gigante! E para ser algo concreto, que saísse como legado desse encontro, além dos vídeos… até futuramente eu vou mandar também os vídeos, por exemplo, a originação do anel de Tucum, sabe o sentido do anel de Tucum? Eu tenho um vídeo desse anel de Tucum, onde mais da metade das imagens são desse evento. Eu uso dois, esse aqui é para minha missão de dia a dia, essa aqui é a minha missão que eu tenho que falar ainda, Moçambique, a África que eu vou no segundo semestre. Então assim, por que eu coloco esse grupo da ASMAR? Santa Maria são hoje 30 famílias associadas, de recicladores e esse projeto, ele nasceu dentro do 8° Encontro Intereclesial de Sede, de 08 a 12 de setembro de 1992, completou 32 anos. É um grupo que trabalha de forma coletiva, todos os dias, dividem a renda, é um grupo de economia solidária, autogestionário, eles recolhem em mais de mil pontos na cidade e lutam por políticas públicas, de resíduos sólidos. É uma associação e é um povo muito querido que mora no fundo do meu coração! É uma associação que eu pude apoiar, participar e também ajudar a criar. E assim como muitas outras lideranças que ajudaram, como eu falei, é a articulação de sede de Santa Maria, que foi protagonista também dessa criação. E eles então, participaram desse encontro de uma forma muito singela, todas as famílias que foram, as pessoas que foram para Santa Maria, mais de 4 mil delegados se hospedaram nas famílias, e cada manhã quando eles vinham da família, eles traziam a sua sacolinha de material reciclável, colocavam lá no Parque da Medianeira, onde é o Santuário Basílica da Medianeira. E lá então, (01:04:59), já falecido, em feliz memória, eles doaram, a Ilha das Flores daqui de Porto Alegre, doou uma prensa e eles saíram cada dia prensando esse material, já fazendo a separação, fazendo a oficina. E esse grupo então, aprendendo como separar e como prensar o material. Então é um grupo de catadores. Seria muito exemplo para dar, mas eu prefiro esse, porque ele tem uma ligação também com a própria igreja e as Comunidade Eclesiais de Base que nós continuamos acreditando, embora a igreja do Brasil, com o consentimento nosso, colocou agora o nome Comunidade das Missionárias, nós somos comunidades missionárias, mas nós somos acima de tudo Comunidade Eclesiais de Base que acreditamos. A própria teologia da libertação, a própria economia solidária acredita nas Comunidades Eclesiais de Base, era uma das nossas bases, da nossa fé, da nossa região e da nossa coragem e acreditamos.
P/1 – Irmã, me conta agora um pouco sobre o seu encontro com o professor Paul Singer, com as ideias dele, eu imagino que muito do que você já fazia ia de encontro ao que ele pensava, o que ele batalhava, né?
R – Sim. Eu pude… antes do professor Singer, que foi o secretário Nacional da Economia Solidária, muito antes, quando ele trabalhava na USP de São Paulo, várias vezes eu fui convidada por lideranças de São Paulo, para ir assessorar seminários oficinas… eu fui várias vezes e sempre todo mundo falava no tal de professor Singer, e eu nunca tive a chance de conhecer esse homem, eu disse: “Um dia eu vou conhecer”. E daí assim, mas eu conheci as ideias dele. E o que aconteceu? Quando foi a primeira eleição do presidente Lula, nós tínhamos aqui no Rio Grande do Sul o chamado Fórum Social Mundial, teve cinco edições aqui no Rio Grande, depois uma edição em Belém do Pará, uma na Bahia e uma na Venezuela. Eu tive a chance de ir para a Venezuela também. E o Fórum Social Mundial vai tá completando mais ou menos 25 anos. A gente bebeu dessa Simbologia e o professor Singer desde o primeiro Fórum, ele foi participar em Porto Alegre. E quando ele foi convidado pelo presidente Lula para ser o secretário das SENAES, ele movimentou junto com o Fórum grandes atividades em Porto Alegre. Foi em Porto Alegre que foi criado o Fórum Brasileiro da Economia Solidária, foi criado o Conselho Nacional de Economia Solidária, dentro dessa perspectiva dos fóruns estaduais. E foi ali então, em Porto Alegre, que foi gestado a ideia da SENAES a Secretaria Nacional de Economia Solidária, onde o professor Singer sempre estava presente. E foi a partir dali então, que em 2003 foi criada as SENAES, tem 20 anos agora, o SENAES está completando esse ano 20 anos. E ele desde o primeiro mandato do presidente Lula, depois no tempo da presidente Dilma e depois no golpe se desfez essa secretaria, porque o governo que entrou não deu apoio, nem o Temer e muito menos agora o último governo, não deu apoio para esse tipo de experiência. Mas o professor Singer sempre foi para nós uma grande luz, uma grande iluminação! Ele foi alguém que acreditava como economista, como professor, motivou muitos alunos e muitos alunos fez o trabalho sobre economia solidária no final de curso e também como mestrado e doutorado, inspirados nos escritos do professor Singer. E eu vou dizer, me apaixonei muito por essas ideias dele, tanto assim, que a gente o convidou a primeira vez, acho que nem o Marcelo e nem a Helena, em 1998, quando Olívio Dutra ficou Governador do Rio Grande do Sul, a gente o convidou ele a primeira vez para vir em Santa Maria, o professor Singer, ele veio dar uma palestra. E lembro como hoje quando a gente fez o encontro junto com a Cáritas, e daí depois ele… nós falamos que sempre, em cada encontro nós fazíamos no (01:09:33), comunidade de base, a gente fazia uma mística e a mística para nós não é só religião, a mística é aquilo que a gente acredita, é aquilo que a gente aposta, aquilo que o MST faz também da sua luta e da sua produção. E daí ele me chamou para o lado e disse assim: “Irmã”. Não queria falar alto, “Me explica o que é uma mística?”. E eu expliquei para ele, "Professor Singer, o senhor vai vivenciar, nós vamos fazer a mística e depois eu vou explicar, não vou explicar agora”. Também usei a minha pedagogia. E daí ele disse: “Eu entendi o que é!”. E ele ficou tão feliz, feliz, feliz! Quando ele disse: “Hoje eu entendi o que que é mística”. E daí então ele deu essa palestra e depois ele visitou a feira. E depois o professor Singer, ele foi então secretário das SENAES até o final do governo Dilma, no golpe ali, depois ele continuou como um grande assessor nosso. E ele foi 11 vezes, isso eu faço questão corneta de ouro de dizer, ele foi 11 vezes para Santa Maria acompanhar a Feicoop, acompanhar os eventos e acompanhar um livro… também eu vou enviar pelos correios para vocês… um livro que foi escrito e apoiado pela Cáritas Brasileira, onde ele tem também uma participação. E ele foi para o lançamento desse livro, ele saiu de Brasília, veio até Porto Alegre, na época não tinha avião ainda, ele foi para lançar esse livro junto com 21 países da América Latina, que estavam preparando o encontro do documento de Aparecida, da Igreja Católica, onde o Papa Francisco, nosso Papa Francisco era o relator e ele foi. Então nós o convidamos, e ele disse: “Eu vou”. E foi para o lançamento desse livro, depois jantamos juntos e depois ele voltou para Porto Alegre para voltar à Brasília. Ele gastou praticamente uma tarde, uma noite e um pedaço do outro dia para vir lançar esse livro. Esse livro eu vou enviar para vocês, foi feito em 2005. Então a nossa alegria dele ter ido para Santa Maria 11 vezes, e a última vez, hoje de manhã eu confirmei com o pessoal, com André de São Paulo, ele foi a última vez para Santa Maria em 2017, ele morreu em 2018, um ano antes dele morrer. E naquela ocasião ele disse assim: ‘Irmã, dessa vez eu desejo visitar todos os empreendimentos da Feicoop”. Eram mais ou menos mil empreendimentos, mil bancas, muito gigante essa feira. E pegamos ele, eu em um braço e Chirley do Instituto Marista no outro braço, e caminhamos e caminhamos, ele de bengala, a gente meio que ajudava a segurar ele. E ele foi em todas as bancas, tirou foto em todas as bancas e deu um abraço em todo mundo, parecia que ele estava dizendo: “Estou me despedido”. Depois ele não pode mais ir nenhuma vez, foi a última vez que ele foi, em 2017. E naquele mesmo dia, junto com Roberto Marinho, não o da Globo, mas o das SENAES, ele também… nós fomos fazer uma visita no Levante Popular da Juventude, 500 jovens reunidos dentro da Feicoop, do lado em um grande ginásio do colégio Irmão José Otão. Ele foi lá fazer a palestra e disse assim: "Voltarei, voltarei!". Porque eles, os jovens não queriam largar ele, eles queriam que ele continuasse. Ele disse: “Gente eu tenho que ir, meu vôo está perto e eu preciso ir”. E não tinha mais condições, ele ficou meia hora, nós ficamos com ele. Ele ficou muito feliz com esse encontro, ele disse: “Eu voltarei!’. Só não pode voltar. E o meu sentimento foi assim, o dia que ele faleceu, foi em março, né? 24 de março, se eu não me engano… abril, abril! A data depois vocês corrigem. Eu estava indo para Aparecida, São Paulo, meu grande sentimento foi, quero fazer registrar isso! Eu estava indo para Aparecida, no Encontro da Assembleia dos Bispos, onde nós tínhamos sempre… eu era da diretoria da Cáritas Brasileiras, onde nós tínhamos uma grande participação dessa Assembleia dos Bispos Referenciais, quando de repente veio a notícia: “Faleceu o professor Paul Singer”. O meu sentimento era tão grande de não poder ir nesse velório, nesse enterro, porque nós já estávamos mais para o lado de Aparecida do que para São Paulo e não tinha meio, nós tínhamos vôo marcado, tinha reunião marcada e não podia. Então eu disse: “O professor Singer vai aceitar o meu sacrifício de não estar no seu enterro, mas ei de ir um dia no seu túmulo”. E essa chance o Marcelo vai me dar, e a Helena, irei antes de ir para a África, irei no túmulo do professor Singer fazer a homenagem merecida para ele. Então assim, contando essa história e tudo aquilo que o professor Singer defendeu nas suas ideias, na sua profundidade profética, na ideia, na visão socialista, a humanidade do futuro ainda vai dar mais valor do que a humanidade do presente. Embora nós como Secretaria Nacional de Economia Solidária, nós como economia solidária, nós damos muito valor para seus escritos, os seus artigos e seus legados. Com certeza é uma experiência que ninguém vai conseguir apagar, a história não vai apagar. Então assim, eu tenho um apreço muito grande por ele, pelo seu legado, pela sua família e por tudo aquilo que ele fez pelo nosso imenso Brasil na economia popular solidária.
P/1 – Irmã, me conta agora um pouquinho sobre a Feicoop, sobre a feira e sobre as feiras, né. Como surgiu a ideia de fazer essa feira? Onde ela é feita geralmente? Qual é a importância de se ter um espaço como esse?
R – Em si, nós temos muitas feiras no Brasil, feiras nas ruas, feiras em prédios, tudo que é tipo de feira. Agora teve recentemente a feira da Agricultura Familiar do MST em São Paulo, foi bonita, né? E assim, Santa Maria desde os primórdios do projeto Esperança da Economia Solidária, é ligada à feira. A primeiríssima feira que nós fizemos na praça Saldanha Marinho foi em 1987, chamada (FEMUI 01:16:02), feira de Integração Municipal, a partir dali a gente começou a trabalhar a ideia de feiras. E como nós tínhamos esse pavilhão apoiado pela Misereor da Alemanha, nós construímos esse prédio e eles desde o início acampavam às feiras. Então ele começou pequeno, depois começou o Feirão Colonial que tem 31 anos. É um feirão que cada sábado o produtor vem, organizadamente, de forma coletiva, trazer o seu produto e vende direto para o consumidor, cada sábado, já a 31 anos sem falhar, não interessa se é feriado, só quando Natal e ano novo caem no sábado, os outros sábados todos tem, mesmo tendo feriado. E daí então tem essa feira, o Feirão Colonial, tem as feiras nas praças, tem a feira na universidade, tem as feiras com as prefeituras da região e nós temos já há 29 anos, a chamada Feira Internacional do Cooperativismo, a Feicoop. Essa Feicoop, ela que o professor Singer foi 11 vezes, né. Essa Feicoop, começou em 01 de julho de 1994, dia que começou o plano real. Essa feira, ela começou pequena na primeira edição, teve 13 Municípios, 27 empreendimentos e o público de mais ou menos 4 mil pessoas. Era muito gigante para nós naquela época, ter uma feira desse tamanho para uma cidade que quase não tinha feira. E quando foi criado então o Fórum Social Mundial, no ano 2002 em Porto Alegre, nós começamos a seguir rigorosamente a metodologia da Feicoop, inspirada no Fórum Social Mundial, autogestionário, onde sempre teve e tem, seminários, oficinas, conferências, reuniões, troca de experiência, não é uma feira só de produtos, é muito mais do que se ver, do que se vende, é uma grande feira de ideias. Foi a partir dali que a feira se agigantou muito e nós já fizemos nesse período dos 29 anos, em 2010, a primeira edição da primeira Feira Mundial de Economia Solidária, 2013 a segunda, 2018 a terceira, porque foi o jubileu da freira, 25 anos. E agora está projetado para o ano que vem, em 2024, a quarta edição, 4° Fórum Social Mundial de Economia Solidária, estou provocando a turma de Santa Maria, no sentido assim, de fazer esse grande evento. Então é uma feira que congrega multidões! Só para ter uma ideia, antes do Covid em 2019, a feira congregou mais de mil empreendimentos, 565 municípios, os 27 estados brasileiros, praticamente os cinco continentes presentes e o público recorde que passou pela feira, 305 mil pessoas. Então é um evento que a cidade não marca nada nessa data, sempre é no segundo final de semana de julho, agora a próxima edição vai ser de 07 a 09 de julho. É uma feira que todo mundo estima, todo mundo ama e todo mundo ajuda organizar e buscamos recursos públicos para realizá-la. E ela acontece então nesse Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter, no território da Medianeira, no bairro, e é feito um espaço muito gigante para acampar essa feira. São feitas inscrições, o pessoal se inscreve, todas as oficinas, seminários e atividades são autogestionárias, por exemplo, quem promove, quem inscreve também faz o gerenciamento. Vamos supor, para ano que vem vocês vão ter pronto esses documentários, é inegociavelmente necessário que vocês vão lá fazer uma oficina, vocês não acham?”. (01:21:02), documentário para o mundo. Eu não estarei lá, eu vou estar na África, mas eu vou acompanhar a distância. Então é muito bonita a feira! Então nós temos as feiras daquelas com vários tipos, o Feirão Colonial que era sábado, 31 anos, a Feicoop que agora faz 29 anos, ano que vem 30. E assim, nós já tínhamos no tempo do governo Lula também, um Programa Nacional de Feiras, coordenado pelo Instituto Marista durante oito anos, esse programa agora, a gente está cutucando a SENAES, Secretaria Nacional de Economia Solidária a voltar, agora vai depender de recurso. Esse ano vai ser difícil, por isso então a gente está motivando também o PPA, o Plano Plurianual, para ter mais recursos para as próprias SENAES e poder fazer as atividades que sempre os SENAES fez dentro do tempo do professor Singer. Mas quero repetir, o professor Singer mora no meu coração, eu tenho muito carinho por ele, pela sua família, pelo seu legado, pela sua história e por tudo que ele fez pelo nosso imenso Brasil! Ele agigantou com certeza a economia solidária, não só do Brasil, mas da América Latina e do mundo. E ele quando transitava nos Ministérios do Governo Federal, o pessoal o reverenciava com muito carinho, pelo respeito, por tudo aquilo que ele fez e fará agora de outra forma pela economia solidária do Brasil e do mundo.
P/1 – Irmã, me conta uma coisa, porque você se mudou por um período da sua vida para o Maranhão? Foi por conta das feras também?
R – Essa transição eu posso mandar algumas coisas também para vocês, depois por escrito. Ela teve a seguinte origem, eu trabalhei em Santa Maria nesse projeto Esperança Cooesperança que eu ajudei a criar faz 35 anos. Não é muito normal nós freiras, padres, ficarem tanto tempo em um lugar, não é normal, o normal é ficar um tempo. E nós somos itinerantes, a gente vai, fica um tempo, né. E eu vou dizer, eu era uma peça quase anormal em ficar tanto tempo. Eu disse: “Eu não fiz nenhum crime para ficar tanto tempo”. Mas eu fiquei feliz por ter construído uma história que hoje acampa mais de 5 mil famílias e muitos empreendimentos da região. E eu deixei um legado, mas o legado não é meu, o legado é junto com Dom Ivo e junto com toda a equipe daquele projeto Esperança e Cooesperança da arquidiocese aqui de Santa Maria. E assim, até depois eu posso enviar para vocês um pouco. Recebi muitas premiações, mas as premiações nunca foram minhas, elas foram do povo. Eu recebi vários destaques nacionais, também de outros lugares nos lugares, mas não para mim, para esse coletivo que a gente trabalha. A minha ida para o Maranhão se deu da seguinte forma, nós trabalhamos lá 35 anos de Irmãs Filhas do Amor Divino, no Banco da Esperança, coordenando esse trabalho a partir do convite de Dom Ivo. As irmãs hoje são poucas, porque nós temos… todas as congregações tem poucas vocações jovens. O mundo mudou muito, o cenário também está em modificação, as redes sociais provocam muita a Juventude para outras coisas, então nós temos também menos vocações que tínhamos em tempos idos. Em segundo lugar, trocou em Santa Maria o Bispo, no nosso tempo era o Dom Ivo, depois assumiu o Dom Hélio, ficou um bom tempo, e daí agora, desde 2021, chegou um novo Bispo em Santa Maria, Dom Leomar Brustolin, ele veio, era Bispo auxiliar de Porto Alegre e ele foi nomeado Arcebispo de Santa Maria. E ele então veio também devolver… as dioceses tem seus probleminhas, todas as dioceses tem, nós também tínhamos… e ele então veio também fazer algumas mudanças. Ao chegar ele pediu o prédio do Banco da Esperança, que eu posso depois enviar para vocês, esse prédio foi doado pelas lojas da família NI, uma família italiana que vive em Santa Maria e ali funcionou então a Cáritas, o projeto Esperança e Cooesperança, como parte administrativa e todo um trabalho social da diocese. E ao então ele falar com as irmãs que talvez iam fechar a comunidade, ele disse: “Então eu quero esse prédio de volta para a diocese, para atividades”. Hoje ele fez outros projetos lá, não vou entrar nesse mérito agora. E daí automaticamente ao fechar a comunidade, eu também estaria meio saindo desse trabalho. Eu a princípio, tinha pedido um ano para fazer uma transição mais tranquila, ele achou que não, porque isso podia complicar, podia, né. Então ao fazer esse encerramento da comunidade das Irmãs Filhas do Amor Divino, comunidade Mãe da Esperança, então automaticamente eu também estava assim: “Tenho que sair desse trabalho”. Agora não pensa que depois de 35 anos… foi um ressentimento grande, foi, mas venci o desafio. E daí a proposta foi então ir para essa missão em Barra do Corda, Maranhão, onde a nossa província faz quase cinco anos que abriu uma comunidade missionária. Aí então eu fui para lá no dia 03 de maio de 2022, estou lá há um ano e pouco, né. Nessa missão encontrei o caminho, tem muitas atividades, né. O pessoal descobriu que eu estou lá, me convidam para tudo que é lugar, faço também reflexões, palestras, assessorias e ajudo também um grupo de catadores que ainda trabalham no lixão. Mas eu mando algumas fotos também para vocês entenderem um pouco mais dessa parte e essa missão. Fiz a transição muito rápido, porque ele queria o prédio, ele queria o espaço, ele queria começar implantar o legado dele, cada um que chega tem direito de fazer isso, né. Mas não precisava ser tão apressado. A única coisa que eu reclamo desse cenário é a rapidez, né. Porque uma transição de 35 anos, não se faz em um mês, muito menos em dois, eu precisava de pelo menos um ano. Única reclamação que eu tenho desse tempo é que não me foi concedido esse um ano, mas passou. Hoje estou bem, graças a Deus! Fiz a transição, agradeço muito a equipe colegiada do projeto Esperança Cooesperança, a Cáritas, aos parceiros. Com isso eu descobri, porque veio carta de tudo que é lugar do Brasil, eu não imaginava que tinha tantos amigos, tenho muitos amigos pelo Brasil e pelo mundo afora, isso me fortalece o coração, a energia e a coragem para tudo aquilo que a vida me trouxer. Foi isso então. E no Maranhão então, depois eu escrevo um pouco que… mas lá eu encontrei muitas possibilidades de fazer a minha missão, o que eu já fazia em Santa Maria.
P/1 – E agora, pelo que eu entendi, você vai cumprir uma outra missão do outro lado do oceano. Você explica um pouquinho para mim como é que vai ser isso?
R – Exatamente. Diante dos desafios que o mundo tem, a igreja tem e os países tem. A nossa congregação como eu falei, é internacional, e nós temos já missão no Equador, temos missão já há 40 anos no Pará, agora no Maranhão, temos na África, Uganda que é um outro país, que é uma região muito desafiadora também, já temos 20 anos de missão lá, depois a Europa e outros lugares, né. E lugares onde já teve muitos problemas também com as guerras, né. Nós temos assim, um cenário congregacional de 54 anos muito rico. E agora veio um pedido pela CNBB Sul 3 aqui do Rio Grande do Sul, para abrir uma missão em Moçambique na África. Uma região muito pobre, uma região também carente um pouco da evangelização. E quando veio então essa notícia de ir para lá, a gente não é transferida, quem quer pode dispor o seu nome. Desde o primeiro suspiro dessa ideia, eu dei meu nome, e o meu nome então foi aprovado. Seremos quatro irmãs, que vamos assumir essa missão em Moçambique na África. Temos a língua portuguesa para aprender o crioulo, que eles chamam, especialmente por causa das mulheres que falam pouco da língua portuguesa, mas o normal é falar o português. É uma missão aqui do regional Sul 3, já assumida há mais de 20 anos e nós vamos então para essa missão. Eu dei o meu nome, o meu nome foi aprovado, nós vamos fazer um curso em Brasília de 03 até 16 de setembro, esse ano, e possivelmente em outubro a gente vai abrir essa missão. Vou dizer que eu me sinto muito tranquila, muito feliz e muito desafiada profeticamente para essa missão, era um desejo que eu tinha desde a minha infância, quando eu lia aquele livro Calendário (01:29:20), que eu falei antes, né. Eu lia as histórias e eu disse para o meu pai e minha mãe: “Um dia eu vou para a África”. E o meu pai dizia assim: “Filha, é muito longe. Tu não vai poder ir não”. Eu: “Tá. Ficava quietinha. E agora chegou a vez, agora o meu pai já faleceu, minha mãe, e eles vão ser homenageados pela missão que eu vou fazer lá, em nome também da família, da congregação e eu quero ir também, dizer para todos: “Eu quero ir em nome da economia solidária do Brasil”. Agora em um novo cenário, alegria de termos também o Gilberto Carvalho à frente, no lugar do professor Singer. E quando surgiu então esse novo governo, o pessoal dizia: “A irmã Lourdes tem que ir nas SENAES, trabalhar na Secretaria Nacional de Economia Solidária”. Outros diziam: “Ah, vai ocupar o lugar do Singer”. Eu disse: “Nada disso! Eu tenho um nome e esse nome vão fazer passar”. Esse nome é Gilberto Carvalho, esse é o nome de que honradamente, gloriosamente e desafiadoramente vai ocupar o nobre espaço do professor Paul Singer. Eu vou dizer um pouco da minha tristeza de ver tantos agentes no Brasil disputando esse espaço, isso para mim, lá dentro não precisa dar muita ênfase, me causou uma certa tristeza, eu disse: “As pessoas que se prontificaram, eles não tinham o perfil de substituir esse professor”. Mas quem está substituindo o professor Singer, é o professor Gilberto Carvalho, que trabalhou muitos anos também junto com o presidente Lula na presidência da república e também com a presidente Dilma, ele foi digno desse espaço e com certeza levará com muita responsabilidade adiante as SENAES. A gente pôde instaurar um quadro do professor Singer agora no mês de março, quando teve as avaliações das SENAES, eu fui convidada para participar. Então foi instaurado um quadro muito bonito do professor Singer na sala do secretário, é uma alegria muito grande poder participar desse momento também e dizer que de fato o Gilberto Carvalho é o nome que vai levar adiante toda a história das SENAES. E o nosso patrono do céu será sempre o professor Singer e também o Dom Ivo, esse não pode faltar, e o Dom Helder, né, São figuras que não podem faltar junto com todo apoio da Cáritas, todas as organizações que nós acreditamos que pode ajudar fortalecer e recuperar as políticas públicas da Secretaria Nacional de Economia Solidária, cujo o trabalho nós todos ajudamos a construir durante 20 anos. No caso os SENAES completam 20 anos, esse ano, o projeto Esperança Cooesperança 36 anos. Tenho a alegria de ter contribuído um pouco nessa história e quero agora então semear sementes fecundas em terras africanas.
P/1 – Eu ainda tenho várias perguntas, mas vou tentar resumir por conta do nosso tempo, né. Eu gostaria de fazer perguntas que não são tanto nessa linha do tempo, mas algumas perguntas mais temáticas, pode ser?
R – Pode.
P/1 – A primeira, que é muito importante a gente estar fazendo para todas as pessoas desse projeto, é com relação a quais políticas públicas, no seu caso o projeto Esperança, o Banco, as feiras, quais políticas públicas foram acessadas pelos empreendimentos, pelos coletivos durante a época das SENAES e tudo, com o professor Paul Singer? Como é que era estruturado isso? Como é que vocês se ajudavam?
R – Antes de eu vir aqui agora no Rio Grande do Sul, nós tivemos uma reunião com as SENAES bem importantes, que exatamente fazia esse resgate para formação. Então eu vou nomear algumas, não vou lembrar de todas, até porque é muita coisa. Eu vou dizer que nesses 20 anos, fora esses últimos que esse governo devastou tudo, mas o período em que o professor Singer foi o secretário e teve a política Nacional de Economia Solidária, foram muitos problemas, eu vou dizer alguns entres os quais, né. Por exemplo, o Programa Nacional de Feiras, o Recid, que é toda essa forma da formação popular, depois os (CERFES 01:34:00), que foram os Centros de Referências de Economia Solidária, que não trabalhava apenas a formação, mas trabalhava também a comercialização. Depois também toda a parte do crédito, o trabalho com os catadores, o trabalho com as empresas recuperadas que eram uma das grandes paixões do professor Singer. Como é que acontece, uma empresa falida não deu conta de pagar os funcionários, tem o patrimônio, tem tudo ali, então foi negociado com as SENAES a possibilidade desse grupo de funcionários ocupar a empresa, ocupar todo o patrimônio e tudo e eles transformarem e as SENAES apoiarem, em uma grande perspectiva das empresas recuperadas. Eu tenho um exemplo que é do Rio Grande do Sul, de Erechim, as panelas Alumifer, são panelas embutidas de grande porte, de grande valor e dão conta hoje, uma grande cooperativa, assim, que comercializa em todo o Brasil. Um outro projeto também que foi bem importante, foi o mapeamento, nós fizemos em Santa Maria, sempre participou, um mapeamento de todos os empreendimentos do Brasil, nós chegamos a quase 22 mil empreendimentos e mais de 2 milhões de trabalhadores que atuam na economia solidária do Brasil. Esse mapeamento, ele vai ser retomado, só precisa recurso né, e com certeza vai ser um grande momento para todo o Brasil, nós criarmos esse novo cenário. Um outro projeto que foi assim, de grande parceria foi, as SENAES faziam parceria com MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário foi bem importante, porque ali teve muitas possibilidades de fortalecer todo o trabalho também da agricultura familiar, do programa de feiras e tudo. Depois o último projeto que o professor Paul Singer já não pode vivenciar, mas foi assinado ainda o convênio no governo Dilma junto com várias organizações, mas destaco aqui a Cáritas Brasileira. E foi o projeto Redes, a Cáritas ficou de atender e eu participei de muitas atividades, 12 grandes Redes no Brasil, redes de economia solidária, onde não era apenas um empreendimento, era um grupo de empreendimentos. Eu vou dizer alguns, projetos de Rede eu não tenho todos, posso depois conseguir até para vocês aprimorarem essa matéria aqui. Em Santa Maria, única do Rio Grande do Sul, nós criamos a Rede Esperança, com todos esses empreendimentos de economia solidária que a Cooesperança coordena. No Maranhão a Rede Mandioca, são 130 empreendimentos que compõem a Rede Mandioca no estado do Maranhão. Indo para a Bahia, lá tem a Rede Balaio, chamada assim. E assim, são 12 Redes, essas 12 Redes a Cáritas fez uma formação durante quase três anos, e esse projeto foi apoiado, ele foi gestado no tempo do professor Singer, foi apoiado com recursos do governo Dilma. E ele foi concluído agora pouco, porque ele demorou quase três anos, ele demorou para liberar o dinheiro, foi um projeto gigantíssimo. A provocação que estão fazendo para o professor Gilberto Carvalho também, é que esse projeto de rede, ele precisava ser multiplicado no Brasil e lá fora, porque nenhum empreendimento sobrevive sozinho, ele precisa se articular em rede, no coletivo, um empreendimento sozinho não sobrevive, ele precisa de articulação na formação, na comercialização e também na autogestão, um empreendimento que se vai aprender em forma de rede. E é isso então que também ajudou muito esse projeto de redes. E depois é tanta coisa, foi o trabalho dos catadores que eu já falei que ele foi ligado aos SENAES, e assim, as pesquisas feitas, o material. Eu não tenho como dizer quanto material foi produzido no tempo do professor Singer, e hoje tem o grande vasto de material que ainda vai ser recuperado, nós fizemos cinco conferências, fizemos um encontro gigante, o Primeiro Encontro Nacional dos empreendimentos de Economia Solidária, em 2013 eu acho que foi, 2004, eu pude marcar presença em Brasília, nós tivemos a presença também do professor Singer e também do presidente Lula. E assim, é muita história, e eu posso conseguir um pouco mais, até vou mandar um pequeno relatório que foi apresentado agora em março nas avaliações das SENAES, vou mandar daí vocês podem… porque os dados são nossos, podem tirar alguma ideia dali, porque eu não tenho condições agora de lembrar de tudo isso. Mas é um trabalho gigante que foi feito. Nós temos uma alegria desse legado! E esse legado ninguém vai apagar, ninguém vai apagar! A história vai dar muito valor ainda ao futuro desse legado, onde o professor Singer sempre viajava pelo Brasil e pelo mundo afora levando essa grande mensagem.
P/1 – Vamos então para algumas últimas perguntas? Pelo tempo. Eu queria fazer uma pergunta muito aberta na verdade, saber da sua opinião, claro, mas também da experiência que você teve com outras pessoas, vendo a economia solidária na vida das pessoas, como a economia solidária muda a vida das pessoas, dos trabalhadores, coletivos? Através da sua experiência, como é que você viu essa mudança de quem decidiu fazer de uma forma diferente o trabalho?
R – Essa economia popular solidária muda as pessoas a partir de dentro, de dentro para fora e para isso só precisa… a pessoa não necessariamente tem que ter uma religião, ela tem que ter uma mística, ela tem que ter um projeto de vida, um projeto de visão transformadora. E é por isso então que eu aposto muito a economia popular solidária, onde não existe a ideia do patrão e empregado, onde existe o trabalho autogestionário, mas com mística, àquilo que o professor me perguntou: "Irmã, o que é mística?". Mística é aquilo que vem de dentro para fora, que me move, que me encoraja, que me desafia, que me profetiza. Então o empreendimento que tem esse teor, pode pegar o exemplo do MST, que tristemente agora está sendo feita a CPI, que não precisava fazer, eu ainda estou por meio de me pronunciar a nível de Brasil sobre a CPI, mas não retrucando, eu vou dizer o que para mim representa o MST, vou escrever sobre isso. E daí no sentido assim, a mística vem de um projeto de vida dentro para fora, e ela se materializa na medida em que eu me congrego com outras pessoas, não sozinha, o projeto jamais pode ser individual, ele precisa ser coletivo. Na medida em que a ideia é coletiva na organização, na formação, na produção, na comercialização e também no consumo, o mundo vai mudar na hora que nós também mudarmos a nossa forma de consumo. Hoje os problemas ambientais que nós sofremos no Brasil e no mundo, decorrem do consumismo desenfreado. É só pensar assim, nas montanhas de lixo que nós temos hoje nos nossos lixões, que vem das famílias, que vem das casas. Eu ainda vou mandar algumas fotos para vocês do lixão de Barra do Corda, que tristemente ainda os catadores tem que trabalhar a céu aberto. Então isso também são questões que a humanidade precisa repensar e quem vai nos ajudar nisso é a economia solidária, vai nos ajudar a dar um outro modelo. Na realidade a economia solidária é um projeto de vida, e o outro modelo, que não é um modelo capitalista econômico e concentrador, é o modelo de partilha de autogestão. e é por isso que eu acredito nessa mudança. A gente sabe que essa mudança não é para agora, é para o futuro. Tanto assim, que o Papa Francisco, já faço o link que já facilita para ti até, de não ter que fazer essa pergunta, o Papa Francisco hoje é um dos homens mais respeitados da humanidade, o Papa Francisco, e no Brasil o governo Lula, o presidente Lula, pode falar o que quiser, dizer que igreja não fala em política, nós vamos falar em ícones, Papa Francisco é um ícone, não só da igreja católica e o Lula é um ícone hoje da humanidade. São figuras que precisam ser valorizadas e valorizadas muito! Porque são pessoas que nos ajudam a abrir horizontes, por exemplo, o Papa Francisco, quantos documentos ele escreveu? Não sozinho, com pessoas, inclusive o próprio Leonardo Boff ajudou a escrever aquele da (01:42:55), que fala sobre a casa comum, o nosso ambiente planeta Terra, que nós precisamos cuidar e passamos pouco tempo por ele, né. No mundo nós passamos 80, 100, 120, 130 anos, eu quero viver ao menos 130 (risos), se Deus me der essa condição. E dizer assim, são pessoas que olham por projetos no futuro e por isso, o Papa Francisco, ele veio da Argentina, e lá chama economia social, que é a economia popular solidária, ele bebeu da economia popular solidária e toda América Latina que hoje tem a maior força no mundo. E ele agora em 2019, convocou a juventude do mundo, especialmente economistas, administradores, para fazer a economia de Francisco, não Francisco Papa, é Francisco de Assis. E nós do Brasil acrescentamos a economia de Francisco e Clara, porque nós trabalhamos mais a questão de gênero. Então em 2019 ele lançou esse projeto para a humanidade, escolhendo especialmente a juventude, veio a pandemia, daí então teve o evento virtual, não pode ser presencial por causa da pandemia. E agora no ano passado, eu até tinha convite, mas não pude ir, teve em Assis esse encontro com mais de dois mil jovens do mundo, esse encontro presencial, de onde ele fez uma carta muito bonita também, um pacto com essa juventude para fazer assim, realmar as economias do mundo. Então um projeto que vai congregar um outro jeito das economias do mundo, que não é a economia selvagem capitalista, mas uma economia de fato solidária, popular, inclusiva, que cuida da vida, cuida do meio ambiente e cuida acima de tudo do bem viver de todos os povos e nações. Então é um projeto assim… por isso que a gente tem que rezar muito para que o Papa dure mais uns anos, para ele poder motivar a juventude ainda mais. Agora vai ter a Jornada Mundial Da Juventude, em julho, em Lisboa, ele vai, já confirmou a presença e tenho certeza que ele vai falar desse projeto também, vai falar da economia popular solidária também. E assim, são experiências que motivam a gente, engrandece nossa caminhada e nos dão certeza que nós estamos no caminho certo, economia popular solidária está no rumo, no caminho certo e que bom que o professor Paul Singer foi um grande semeador, um grande cuidador e um grande cultivador. E o Papa Francisco está sendo agora e o presidente Lula nós vamos cutucar ainda mais, tem que liberar mais orçamentos para as SENAES. Tenho dito ao professor Gilberto Carvalho, “Nós precisamos que esse governo entenda o que é a economia popular solidária, que ainda lá no centro do governo, não entendem bem”. Não temos o professor Singer que vai cutucar, temos o Gilberto Carvalho e temos outras pessoas que tem que ajudar a cuidar e cutucar. Eu ainda antes de ir para a África, custe o que custar, eu farei uma agenda com o presidente Lula para falar desses temas e quero levar um grupo bom junto comigo, pra gente falar desse tema.
P/1 – Maravilha! Eu tenho só mais duas perguntas para a gente finalizar, tá? Essa penúltima é uma curiosidade minha, porque você falou do seu pai ser associado ao Sicredi e a outros produtores, então a economia solidária é uma coisa que já existia há muito tempo? Estava já no espírito dos agricultores, dos trabalhadores? O que você pensa disso?
R – A economia solidária, na realidade, foi inserida pelos povos indígenas, originários. Se nós formos estudar toda a questão indígena e…. o Maranhão gente, ainda gostaria, não sei se eu vou ter condições de saber, quantos mil indígenas tem no Maranhão, é muito, é muito! Muitas aldeias. Só na redondeza são mais de 300 aldeias indígenas. Então quem começou a ideia do bem viver foram os povos originários, indígenas, quilombolas, esse público é uma primeira resposta. A segunda resposta, já a economia solidária está hoje presente em todos os continentes do planeta terra. Tem Itália, tem em experiência duas, Europa tem, só que assim, centradamente, com mais visibilidade política, é o Brasil, a América Latina, são os maiores cenários. Mas eu sei que o professor Singer foi uma vez para a Europa, Alemanha e lá, em uma noite só, ele reuniu mais de dois mil jovens que queriam ouvi-lo. Isso que nos encanta, o homem que semeou o que semeou, e as pessoas ficam encantadas por esse legado. Então por isso, o acervo dele, Marcelo, ele precisa ser muito valorizado, ele precisa ser visitado, nós temos que dar condições para a juventude pesquisar este acervo. E eu venho também de Santa Maria, do Rio Grande do Sul, desse cenário, nós lá temos mais de 100 trabalhos acadêmicos, final de curso, mestrado e doutorado, feitos por jovens sobre a economia solidária, e agricultura familiar, sobre feira, Feicoop. Recentemente um menino fez uma pesquisa, fez o seu trabalho final de doutorado sobre as cartas da feira de Santa Maria, a cada ano é feita uma carta, e ele fez sobre as cartas e nessa carta tem muita coisa, não é uma cartinha de despedida, é muita coisa que tem nessas cartas. Então eu queria dizer que parece que uma coisa puxa a outra. Então eu queria dizer assim que isso é um projeto de vida, que vem de dentro para fora, que dá essa visão do pensar global, mas com ações locais. Eu diria assim: “A verdadeira economia solidária, faz a transformação local”. Global é o pensar, local são as ações. Isso também o nosso governo precisa entender para acertar as políticas públicas. Nós sabemos que o bolsa família, que todo esse complexo que foi retomado precisa ter, mas ele não pode ser eterno, ele precisa ser passageiro, porque a alegria que a pessoa sente em produzir. Vocês que são jovens, tem essa empresa de vocês, vocês viverem do fruto do trabalho de vocês, isso é grandeza, isso é gigante! E cada pessoa tem esse direito, depender dos outros sempre é duro, é difícil. Então a economia solidária é um grande caminho. E oxalá que a juventude abrace essa causa, não só da economia popular solidária, mas também a economia de Francisco e Clara. E eu estou muito feliz, notei agora, folheei aqui que a ONU lançou para a agenda de 2024, dentro da sua pauta de reflexão a economia popular solidária, gente isso não é pouca coisa! Por uns está sendo criticado, não interessa! Eu disse: “Eu vou agigantar essa ideia!”. Porque no momento que a ONU coloca no seu plano e diz: “A economia solidária é um dos caminhos”. Gente nós precisamos de políticas públicas! E esse é o grande glamour. Quanto mais tiver apoio do governo Municipal, Estadual e Federal, nós aqui, no caso Brasil, mais agigantamos a economia solidária, agricultura familiar e toda essa forma de organização. Então é muito necessária essa ideia do pensar global, mas com ações locais, territoriais. O território é o nosso espaço de convivência e de mudança, né.
P/1 – Irmã, por último então, infelizmente vou ter que fazer a última pergunta. Só te perguntar se tem alguma história ou mensagem que você gostaria de contar que eu não perguntei? E te perguntar também como é que foi contar um pouquinho da sua história hoje, aqui para a gente?
R – É, para dizer a verdade eu tenho assim, muitas histórias para contar, muitas pelas andanças do Brasil afora. Vou contar uma que talvez pode parecer estranho para uns e outros. Em 2009 nós tivemos… porque a Feicoop sempre acontece por ocasião do dia Internacional da Cooperativa, sempre acontece por essa ocasião, no segundo final de semana de julho. Naquele ano, você lembra, nós tivemos a gripe suína, H1N1, isso, nós organizamos como de costume desde… a Feicoop termina uma e começa a outra, a gente lança já no encerramento, a seguinte edição. O que aconteceu naquele ano, nós começamos, agigantamos as inscrições, tudo pronto, organizamos a estrutura, fizemos projetos, as emendas parlamentares, tudo certo, tudo organizado, junto também com o Instituto Marista, que a equipe nos ajudava a organizar feira durante os oito anos de governo Lula, né, depois um pouco no tempo da Dilma. E daí assim, começou naquela semana a desencadear essa gripe, e a gente via que no nosso caso era uma perseguição política, porque assim, em Santa Maria tudo aconteceu normalmente, na região também, porém a feira foi cancelada de forma judicial. E por trás dessa forma judicial, houve uma perseguição política de um grupo, pequeno grupo que não aceitava nossas ideias revolucionárias, inspiradas no professor Singer. E foi o ano que trocou também o governo de Santa Maria, saiu oito anos do governo Valdeci, um governo popular muito comprometido, que fez agigantar essa feira, e entrou um governo de retrocesso. O que que aconteceu esse governo interveio, só que oficialmente é um pouco difícil de eu falar isso, interveio nisso, foi até o poder Judiciário e disse: “Se nós fizermos essa Feicoop, muita gente vai morrer em Santa Maria por conta dessa feira e dessa gripe” O que que aconteceu? Nós, dois dias antes, tivemos que cancelar essa feira, não por nossa vontade, por vontade judicial. Veio a notificação, cada dia vinha um documento, até que veio o conclusivo, “Não pode acontecer a feira”. O que que aconteceu? Os países, nós suspendemos, Argentina, Uruguai, Paraguai, todos países da América Latina que vinham, suspendemos, ligamos, fizemos contato e não puderam vir. Já tinha um grupo da Argentina em Porto Xavier, na divisa, me ligaram de noite e disseram assim: “Agora quando eu chegar em Santa Maria, onde nós vamos?”. Eu disse: “Meus amigos, façam a janta solene de vocês, se despedem do Brasil e voltem para a Argentina. Vocês não poderão vir”. A dureza que é isso para quem eles pedem não tá vindo embora não poderão a dureza que é isso para quem organizou evento durante tantas edições! O que aconteceu? 15 estados do Brasil estavam já viajando, inclusive o ônibus de Belém do Pará, 40 pessoas viajando três dias e três noites, para vir, mais três dias para ficar em Santa Maria, mais três dias e três noites para voltar. Os que estavam viajando, os estados brasileiros, as caravanas grandes de Minas, São Paulo e tudo que é lugar, nós deixamos viajar, e vieram para Santa Maria. A feira estava cancelada, para eles a gente não avisou, não avisou, deixamos eles virem. E o que aconteceu? Eles vieram até o local da feira, trouxeram o produto, não puderam vender por ordem judicial. E o que a gente fez, a gente aproveitou alguma alimentação que podia estragar a prazo, refeição, e deu mais ou menos 600 pessoas, nós providenciamos alojamentos para eles, providenciamos comida e providenciamos o básico necessário. Daí o que nós fizemos? Nós fizemos um ato gigantesco na frente do fórum onde foi cancelada a feira, fizemos uma tarde com todas essas 600 pessoas na frente do fórum de Santa Maria, fizemos um grande momento no túmulo do Dom Ivo, por isso que eu gosto de falar com quem já foi, porque eles me dão um retorno, fizemos uma grande mobilização no túmulo do Dom Ivo e fizemos uma caminhada pela cidade. Embora não podia ficar próximo, estava proibido, mas fizemos, com apoio de todos os policiais, eles tiveram que liberar as ruas para nós passarmos. E lá então no judiciário, cada um levou uma fitinha preta em sinal de luto e atuamos lá em um grande espaço. Só que a gente não pôde ir no território do judiciário, a gente ficou na rua porque na rua nós tínhamos a liberdade de falar o que nós queríamos falar. Se nós pisássemos no espaço do Fórum, nós tínhamos que regrar. Daí ficamos na rua, um caminhão de som bem bonito com música, o Fórum Brasileiro, todo mundo nos ajudou a coordenar. E aí de noite nós fazíamos as nossas mobilizações em ambientes fechados, tipo Ditadura Militar, não podiam saber onde nós estávamos, a gente fazia lá nos seminários, nos centros de evento, as nossas mobilizações. E foi desse espaço que nasceu o primeiro Fórum Social Mundial em 2010. A feira seria em julho, até janeiro de 2010 nós organizamos, já naquele ano fez dez anos do Fórum Social Mundial, e realizamos de forma muito gigante um evento grandioso com 130 mil pessoas e a presença dos cinco continentes e 30 países. No ano seguinte assim, então depois fizemos a segunda missão, a terceira e agora ano que vem a quarta. Mas continuando então, o que aconteceu no final do domingo, a gente… nós estamos… lá no território da feira, fica o Santuário Basílica da Medianeira e nesse Santuário então, nós fizemos uma missa com as 600 pessoas, a presença do prefeito, que foi um dos mentores que era dos contrários, que ajudou a interferir para decidir cancelar a feira e lá nós fizemos uma celebração. E daí eu falei com o padre, ele já é falecido, padre Renato, disse: “Padre, hoje… “. Um padre bem velhinho. “O senhor hoje está dispensado de fazer homilia, o povo vai fazer homilia, cada fórum vai falar cinco minutos, aí o senhor fica só escutando”. E ele perguntou assim: “Mas ninguém vai falar em política?”. Eu disse: “Não, ninguém vai falar em política. O senhor escuta o que eles vão falar, vai ser bem para Santa Maria”. E ele deixou falar, fizemos uma celebração bonita e daí no final fizemos o envio dessas pessoas, 600 pessoas e fizemos então o lançamento da primeira edição do Fórum Social Mundial de Economia Solidária, onde o professor Singer estava presente em 2010. Por isso deu tantas vezes que ele foi para lá, ele foi para o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, veio para Santa Maria em pleno calor, era muito quente no verão e ele participou. Então é uma coisa assim, que marcou, mas que não ficamos no desânimo, isso que eu queria dizer. Eu quero dizer que de cada lição a gente pode tirar uma coisa boa. E dessa lição nós tiramos o Fórum Social Mundial de Economia Solidária que agora já vai para a 4° edição ano que vem, meio que forçado, mas aconteceu. E assim, assim é a nossa história. Nós temos documentado tudo isso, 130 mil pessoas, 5 continentes, naquele ano a gente fez uma reunião de representantes, mais ou menos 50 pessoas com 5 continentes, foi assim uma emoção muito gigante! O professor Singer estava presente, participou, tivemos que arrumar tradutores, porque as línguas, especialmente as que ninguém fala, língua da Ásia, da Oceania, todo mundo presente ali.
P/1 – Maravilha, irmã! Muito obrigada pelo seu depoimento…
R – Eu quero agora mandar a minha mensagem final.
P/1 – Claro, fica à vontade.
R – Eu quero então agradecer muito a equipe do Instituto Paul Singer, a equipe da juventude de vocês, qual é o nome do empreendimento?
P/1 – Museu da Pessoa.
R – Isto. A todas as pessoas que compõem a história da economia solidária do Brasil, do mundo, dos continentes e dizer que eu sou grata a Deus por essa história. Eu não pedi para ser o que eu sou, foi a história que foi me construindo, as pessoas foram me ajudando, começo na minha família, na comunidade, na congregação. Mas eu quero agradecer muito a história do professor Singer, todo esse legado também, os que hoje levam adiante a economia solidária, posso dizer com gratidão a Deus, em primeiro lugar a Deus, a vida, a saúde, o dom da vocação e o dom da missão. E eu quero concluir a minha fala com dois provérbios, um é aquilo que eu falei antes do Papa Francisco, ele tem um provérbio que toda vez que eu faço uma palestra, eu encerro com essa frase que assim fala: “Os rios não bebem a sua própria água, as árvores não comem seus próprios frutos, o sol não brilha para si mesmo, as flores não espalham sua fragrância para si, viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos uns para os outros e umas para as outras, não importa quão difícil seja. A vida é boa quando você está feliz, mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua e por nossa causa”. E concluindo de fato, eu quero dizer, a economia solidária hoje é uma realidade no Brasil e no mundo. Gratos a Deus, gratos ao professor Singer, gratos a todos os militantes da economia solidária, seja no campo ou seja na cidade, qualquer canto desse país, desse planeta e dessa história que Deus me deu a graça de vivenciar. E concluindo então já me direcionando para a grande missão na África, que Deus me deu a graça também de poder assumir. Quero concluir com um provérbio africano que assim fala: “Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão essa face da terra”. Um grande abraço, muito obrigada pela paciência de escutar minha história! Eu vou dizer qualquer coisa que precisar estou as ordens para complementar. Um abraço!
[Fim da Entrevista]
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