Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de César Gonçalves Santana
Entrevistado por Fernanda Prado, Carolina Margiotte
Paracatu, 16/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV25_César Santana
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Dona César, pra gente começar, eu primeiro gostaria de agradecer de a senhora ter aceitado o convite para essa entrevista. E pra gente seguir a nossa conversa, eu queria que a senhora falasse pra gente o seu nome completo.
R – César Gonçalves Santana.
P/1 – Fala pra gente o dia que a senhora nasceu e a cidade do seu nascimento.
R – 25 de dezembro de 1942, Paracatu (MG).
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Paulo Coelho e Maria Gonçalves.
P/1 – O que a senhora sabe dos seus pais, da história deles?
R – Olha, dos meus pais, minha mãe eu nem conheci. Ninguém da família de minha mãe. Meu pai eu conheci, que era Paulo Coelho, eles eram do Fundão, Fazenda Roça Fundão, naquele tempo era roça. Meu pai era carpinteiro, mexia com negócio de carro de boi, fazer roda, pôr aqueles pregos, banco, essas mesas, telhado. Agora, minha mãe eu não sei o que ela fazia. Só sei que eles faziam, na roça, farinha, mexia com farinha, isso daí.
P/1 – E por que a senhora não conheceu sua mãe?
R – Minha mãe, quando ela morreu, eu tinha dois anos. Aí nós ficamos sendo criados pelo pai. E eu com seis anos o meu pai veio a falecer. Meu irmão levou ele pra fazenda porque ele já estava bem velho, a gente já estava trabalhando, minhas irmãs tudo empregadas, eu era a mais nova, também já comecei com sete anos a trabalhar, olhando menino pros outros, lavando vasilha e veio vindo assim aquela vida. Fui crescendo, aí fiquei com minha irmã mais velha, depois fui pra casa de Nedina, morei muitos anos e depois fui pra Brasília. Logo que saiu Brasília eu fui pra lá, trabalhei lá muitos anos. E logo achei meu marido, casei, aí ele ficou lá um pouco que ele não quis ficar lá mais porque estava muito difícil, a gente levantava às quatro da manhã e eu saía às 5, ele achou muito difícil e nós viemos pra cá. E aqui estou eu mexendo, com a vidinha, lavando roupa, criando galinha, criando porco, mexendo com Bolo de Domingo, pão de queijo, passando roupa pros outros. E fui criando meus filhos. Está a Juranda aí, a Juranda trabalhava na faculdade, depois com aquele negócio de ir mandando embora, mandou [ela embora]. Agora, meu filho trabalha na Kinross, Paulo César. E mora lá, esqueço o nome da rua (risos). Carambola, Rua Carambola! (risos) E estou aqui, muito satisfeita, tenho meus dois filhos que não me dão trabalho, sempre tem aqueles trabalhozinhos mas, criando meus netos, ainda fazendo Bolo de Domingo, meus pães de queijo. Sou pensionista aposentada. Estou aqui.
P/1 – E a senhora conheceu seus avós ou mais gente da família?
R – Não, nadinha. Nem do meu pai e nem da minha mãe. Minha mãe eu não conheci ninguém. E nem retrato naquele tempo não tinha, não conheci.
P/1 – Mas nem histórias, ninguém contava pra senhora?
R – Não. Eu sempre pergunto, as pessoas não sabem. As pessoas bem mais antigas que ainda tem aí não sabe, a família dela não sabe.
P/1 – Nem das histórias do seu pai.
R – Não. Só mesmo que meu pai chegou a trabalhar na roça, depois é que eles vieram pra cá, ele era lá do Fundão. Aí ele tava meio pobre pra morar em roça naquele tempo, ele já velho, foi ficando sem força, não tinha essas mão de obra que tem hoje, aí ele veio pra cidade e ficou aqui mexendo com tamborete, mesa. E a gente foi crescendo, foi empregando, né?
P/1 – A senhora falou de irmãos, quantos irmãos a senhora tem?
R – Nossa! Tenho irmão com força. Meu pai trabalhava, menina, com força! (risos) Eu tenho, por parte de mãe, tem Maria, Benedita e eu. Agora por parte de pai tem Nido – tinha, né, já morreu – Ana, Inocência e até esqueci o nome do outro, era filho demais (risos). Era filho demais! E Luiz, que foi embora muito tempo daqui. Aí tinha Antônio. A primeira mulher do meu pai morava nessa rua aqui mesmo. Primeira mulher assim, primeira, segunda, os casamentos não existiam, ia juntando, porque eles não eram casados. Tem o Nido, que é do Coqueiro, vocês já ouviram falar? Que era dono do Coqueiro. Aí ele levou ele pra lá, ele morreu lá e foi enterrado lá. Eu fui lá pra ver se eu achava a sepultura dele, não tem nem sinal. Muito filho ele tinha e mais e mais e mais que eu não sei, cada dia vai aparecendo um (risos).
P/1 – E quais são suas primeiras lembranças de menina, criança?
R – Era aquela pobreza, mas era aquela pobreza, aquela paz. O dia que tinha pra comer, comia, o dia que não tinha não comia. E o que tinha, a gente ficava satisfeito. A gente brincava de cozinhar, cozinhava planta, esses trens, bordava nas folhas de bananeira, escovava com folha de laranja, folha de andu, brincava de comadre, boneca de sabugo, boi de mandinha. Era muito bom. Escorrega na gamela, mamãe na praia, pique esconde. Hoje o povo não brinca, né? Mas é muito bom. A lua clara porque não tinha luz, a gente brincava ali nas portas, cada dia na porta de um. Nove horas a gente já estava tudo em casa ali, cada um ia pra sua casa. Era bom, muito bom. Povo fala: “Ah, a vida de antigamente era ruim”. Não, era boa, muito boa. Quem fala, não deve lembrar aí, eu alembro, eu gosto de alembrar. Aqueles banhos na praia, tomava aqueles banhos na praia que a gente vinha cinzenta de tanto banho (risos), lavando roupa e tomando banho. Lavando roupa, tomando banho e a gente pulando, dava salto mortal naqueles poços fundo, não tinha medo. Minha irmã nadava em ciminha da água. Tinha aquelas mulheres tirando o ouro, fazia aqueles puxados fundos. E elas não gostavam que a gente tomava banho, a hora que ela saía a gente caía lá no puxado. Era muito bom. Agora que não coisa, mas de primeiro era bom. Essa pobreza, sem roupa, sem sapato, sem nada de comer, tinha dia que não tinha. Tinha dia que não acendia nem fogo. Quando achava uma coisa pra comer, um arroz que a pessoa chegava da roça e trazia, a gente pegava fogo num vizinho pra acender o fogo da casa da gente. Mas era bom, a gente não sentia fome. Agora hoje o povo fala que rouba porque está passando fome. E a gente não comia, não sentia fome e não precisava de roubar. Meu pai falava: “Ói gente, trem alheio”, eu nunca esqueci, “brasa no seio”. Tudo o que a gente chegava em casa com ele, ele queria saber. “Onde vocês arranjaram isso? Vai pôr lá onde vocês acharam”. E outra coisa, nós falávamos: “Papai, compra isso fiado, todo mundo compra fiado”. Ele falava: “Não. A pessoa compra fiado, ele tem o que tirar pra pagar e eu não tenho, eu vou pagar com o quê?”, aí nós calávamos. “Quando vocês estiverem na casa dos outros na hora deles comer, vocês vêm embora pra casa, não é pra ficar olhando”. Então assim, na hora do almoço nós ia tudo pra casa. As pessoas terminavam de comer, a gente vinha, continuava o brinquedo outra vez nos quintais. Brincava ali o dia inteirinho. Aí de tarde tinha o que comer tinha, não tinha ia deitar. Meu pai fazia uma fogueira, que coberta não tinha, né? Ele fazia um fogo no meio da sala e ficava aquele fogo ali a noite inteira aquecendo. Tempo de frio, a casa chegava a fazer um buraco ali. E ele ali. E ele falava: “Meus filhos come pedra ou pau, mas é junto comigo”. Separamos quando ele estava ruim, meu irmão levou ele pra roça. Mas aí eu fiquei, tinha minha irmã mais velha, aí ela arranjou um emprego pra mim, eu fiquei no meu emprego, ela no dela, de noite eu ia dormir com ela. Mas era bom, foi bom porque não precisou nós roubar, não é? Por isso eu sei viver, com pouco e com muito. Eu falo pros meus filhos: “Tem que aprender a viver, com pouco ou com muito. E se vocês não têm pra comer”. Porque era assim: “Se vocês podem repartir, vocês vão comer na vista dos seus colegas, o que ocês não pode repartir não vai comer. Só depois que eles for embora. E tem pra dar a eles é pra dar”. Então, na minha casa é assim, o que eu como qualquer um que chegar come. O que bate na minha porta pedindo, o que eu tenho eu dou, se tem pouco eu reparto e dou. E naquele tempo era mais difícil, né? E hoje não, eu estou trabalhando ainda, estou com minha pensão, é pouca, é um salário, aposentadoria que eu aposentei agora, mas continuo fazendo bolo porque não dá, não dá. Porque tem essa neta que eu crio, está estudando, eu pago curso pra ela, dou a ela as coisas, então não dá, eu tenho que trabalhar. A Juranda: “Mãe, para! A senhora disse que ia parar quando aposentasse”, eu falei: “Mas ainda não dá, o dinheiro ainda não deu”. Não é? Porque tem os jovens, eles hoje não são como eu, vê uma coisa, quer, vê outra coisa, quer. Tem o estudo, precisa de uma roupa, precisa de um tênis, precisa de qualquer coisa, tem que ter o dinheiro, né? Então quer dizer que esse dinheiro fica mais é pra acudir eles, é assim. Mas é muito bom (risos).
P/1 – E onde que ficava a casa da senhora aqui na cidade?
R – No Arraial D´Angola, um rancho de capim, ali... vocês conhecem a dona Serafim ali, vocês já foram por ali? É na rua, passando na outra rua de lá, lá na rua que vai pro Paracatuzinho. Era lá no Arraial d´Angola, um rancho de capim. Quando meu pai morreu ele ainda deixou nós lá nesse rancho. Depois o meu irmão vendeu, aí nós ficamos sem lugar de morar. E aí cada um no seu emprego, que nós aprendemos a trabalhar, se tem um quintal pra capinar eu sei capinar. Se tem uma comida pra fazer, eu sei fazer. Se tem uma roupa pra lavar, eu sei lavar. Pra passar, eu sei passar. Meu quintal, eu que cuido, capino, tudo isso aqui, tudo. Cozinho, limpo casa e dou graças a Deus porque ainda estou fazendo isso.
P/2 – E ainda pra falar do rancho, como você e seus irmãos dividiam as tarefas de casa, quem que ajudava?
R – Era meu pai. Não tinha sabão. Meu pai falava assim: “Óia, pra lavar vasilha não precisa de sabão. Você vai lá, pega uma cinza, espreme um limão”, aquelas vasilhas de folha que enferrujava, aí ele ariava, aquilo ficava brilhando. A vassoura não tinha, ele ia, cortava aquela vassourinha de Santo Antônio, ou uma folha que chama Assa Peixe. Amarrava aquele feixe no cabo, a gente varria uma vez só, a casa de chão, a gente aboava. Porque não tinha nada. A gente aboava ali, varria, varria ali... hoje eu varro o quintal, de antigamente a gente varria só a parte do terreiro, varria ali, nós não tínhamos mais nada pra fazer, nós ficávamos ali o dia inteiro. De tarde, quando as lavadeiras saíam da praia, elas sempre deixavam aqueles pedaços de sabão lá, nós íamos, catava, botava dentro da latinha lá, elas embolavam, que esse pedaço de sobra de sabão dava a nós e nós lava a nossa roupa, o que tinha. Então assim.
P/1 – Como era lavar a roupa na beira do rio?
R – Ah, nós íamos lá e a água corrente, não nessa praia hoje, porque hoje não pode buscar as águas pra beber lá na praia, lavava a roupa, tomava o banho lá na praia, aquela água corrente. As pedras da gente bater a roupa, o quarador, a gente estendia a roupa lá pra quarar. A gente ajudava as lavadeiras, elas davam pedação pra gente lavar a roupa. E era assim.
P/1 – E durante esse trabalho das mulheres na beira do rio era comum de ter alguma música?
R – Gente era muuuito animada. Era gente apanhando areia, era carroça apanhando cascalho, era caminhão apanhando areia que as mulheres quaravam, que fazia tudo aquilo com a areia da praia. Era mulher lavando roupa, era lavando vasilha, era ariando tamborete, era boiada passando, a gente vinha correndo, apanhava as roupas ali. Que vinha um na frente: “Ó a boiada vem aí”. Nós juntávamos a roupa tudo, quarador punha lá em cima. Aí a gente corria, né, pros barrancos. A boiada passava, a água limpava e nós voltava ali pra enxaguar as roupas e estendia. Era muito animado, era muito bom. E quando ia dando quatro horas todo mundo indo pra casa, né? Terminava de lavar as roupas. Punha as roupas que não deu conta de lavar lá nas moitas. No outro dia a gente voltava e a roupa estava lá. Hoje aí fazer isso, chega lá e não tem nada (risos). Batendo roupa, as mulheres cantando, contando história. Era movimentado. Eu quase não ia em festa não mas, as outras iam preparando pra ir pros baile no sábado, primavera, fazendo aquelas roupas, sabe? A festa de hoje é de rosa! Os homens de terno preto. E as meninas ali programando aquela festa. Festa na roça. Reza. Sempre nas roças eu ia. Aqui mesmo era um clube, o Saca-rolha era aqui nesse quintal. Já ouviu falar no Saca-rolha? Era um clube que tinha aqui, bem assim, a casa caiu. Aqui era dos pais de meu marido. Aí vinha, tinha o baile, ele com o Luís Dario tocava. E quando era cinco horas todo mundo indo para casa. Saía assim, com um mais velho, tinha que ter uma mais velha para tomar conta das mais novas. Na hora de ir embora ia tudo junto entregar cada um na sua casa. Era bom, era bom demais. Tem gente que fala que não era, mas era. A única coisa que eu não gosto de antigamente é fogão de lenha (risos). Eu mexi muito com lenha, carregando caminhão de lenha, sabe? Para guardar para dentro, rachando lenha. Aquelas lenhas molhadas, a gente pelejando para o fogo acender. Aí eu não gosto, não gosto de fogão a lenha não. Aqueles panos de prato tudo preto, a gente pelejando para limpar, aí eu não gosto fogão de lenha, não. De jeito nenhum.
P/1 – A senhora falou das festas tocadas embaladas pelo seu Luís.
R – É.
P/1 – Elas eram animadas, como eram essas festas?
R – Muito animada! Ele muito animado tocando a sanfona, né? Eu nunca cheguei a vim não, mas minha irmã vinha. Hummm. Aí a minha irmã, coitada, fazia o Bolo de Domingo (risos), aí tinha que deixar tudo preparado, né? Aí ficava na festa e ia lembrando que ia chegar e ia pro forno. Colocava no forno de lenha, punha fogo nesse forno a noite inteira. Aí quando chegava, o fogo já ficou ali, já ia pro forno. Aquilo ela falava (risos): “César!, mas eu queimava porque eu dormia (risos), dormia e assustava com a queimadura”. Mas ela conta e ri, viu? E assava bolo porque a mulher que criou ela também mexia, ficou viúva e criou os filhos também assim, fazendo bolo, doce.
P/1 – O que é esse Bolo de Domingo?
R – Vocês viram ali uma bandeja de fubá? De arroz? Você bate ele no pilão, e eu já soquei muito, agora não posso porque a pressão é alta. Aí a gente soca no pilão, hoje eu faço no liquidificador. Depois eu mostro a ocês o fubá. Aí eu já preparei ontem, quando é dia de sábado eu já começo, uma hora dessa eu já estou começando. É amassando pão de queijo, é já escaldando bolo, de noite preparo e deixo dormindo, no outro dia que assa. É. Aí duas horas da manhã, todo domingo, eu estou no forno. Aí eu vou até às dez. Dez, dez e meia. Aí se dá tempo, tem vez de fazer 300 bolos. Aí se ainda tem encomenda que não tem bolo eu faço de novo, estou precisando do dinheiro, né? Aí vou escaldar mais bolo e faço. Eu pego aquele dinheiro e fico muito satisfeita, estou pagando aquelas continhas até o mês chegar, um dinheiro meu. É bom. A vida de antigamente era melhor.
P/1 – Ainda falando lá de trás, conta um pouco da origem do seu nome, dona César, o que a senhora sabe?
R – Ah, só sei que não gosto dele. Eu falo: “Gente, mas que povo atrasado demais! César um homem tão ruim e ainda colocar meu nome desse homem!”. Aí tinha Maria, eu falei: “Mas que disgrama de tanta Maria!”. Que eu chamo Maria, minha irmã chama Maria, que tanta Maria? Aí meu marido veio, eu no hospital ainda, ele pôs no meu filho o nome Paulo César. Eu falei: “Mas que diacho, eu não gosto do meu nome e ainda pôs o nome do menino de César e de Paulo, que diacho de tanto Paulo!” Aí ficou. Mas eu não gosto do meu nome. Mas já tem Maria, pra pôr só Maria não dá, tinha que inventar outro nome, né? Eu falei: “O nome de um homem tão ruim como aquele pôr no meu nome desse jeito”. Eu não gosto do meu nome porque dá uma confusão danada, tanto em hospital, quanto em qualquer lugar. Ai o povo fica procurando o César porque é homem. Aí o povo fica procurando: “Cadê o César?”. Eu falo: “Ele aqui. Mas só o nome, porque o resto é mulher” (risos). Dá uma confusão danada mas, fazer o quê, já estou com 70 e tanto, pra que mudar? É pra deixar, que tem outros nomes piores aí, né?
P/1 – O que a senhora tinha falado é que também até o registro teve uma diferença.
R – Teve uma diferença por isso, porque de primeiro o povo não registrava, só fazia os filhos, né? E registrava não. Aí eu já estava com uns 20 anos que eu fui me registrar. Aí eu fui na mulher que era minha mãe de leite pra ela ver se ela sabia a minha data do nascimento, ela falou: “Você nasceu no dia 24 pro dia 25, você nasceu meia-noite porque eu ajudei no parto. Você é mais nova do que o meu filho cinco dias. Você é do dia 25 de dezembro porque você nasceu meia-noite, de 42”. Eu fui lá e registrei. Quando eu fui casar, que eu tirei o bastistério, minha data de nascimento não é essa e meu nome é Maria César, deu essa confusão. Mas eu já tinha me registrado com esse nome. Aí quando eu casei já foi com o batistério. Não é uma bagunça?
P/1 – E como é que fazia pra comemorar os aniversários?
R – Eu só comemoro 25 de dezembro, só. O outro eu nem lembro, eu quero é tirar ele (risos), deixar só um. É confusão. Meu irmão mais velho, quando eu mudei pra cá, já estava casada, eu que registrei ele, pra ele aposentar. Ele não ligou, nós ligamos. Aí foi que nós foi procurar lá e não achou, paguei pra procurar e não achou, ele não era registrado. Foi que nós registramos ele. Ele já morreu. Aí meus pais eram bons, mas de vez em quando a gente revolta. Tem assim, minha mãe, eu fiquei no lugar de caçula, mas teve uma, que ela estava de resguardo dela, ela morreu, morreu de raiva. Eu falei, pra que isso? Porque minha irmã levou uma irmã pra ver a Festa do Divino no fundo da nossa casa e ela chamou e ela não escutou. Ela foi e mandou recado. Quando ela veio, ela bateu muito na mais velha, na outra que estava com ela, só não bateu em mim que estava pequena. Aí as outras correram pros braços do meu pai e ela muito enfezada foi batendo, até pegou no meu pai e, ficou com muito ódio, deitou numa caixa que tinha lá e morreu. Morreu de raiva, não foi? Morreu de raiva. Pra que isso? E eu não sou de violência, não gosto. Então ela morreu assim, morreu de graça, porque não precisava. Aí eu não conheci ela, a gente ficou criada por mão dos outros, sofrendo, porque a gente sofre, não deixa de não sofrer não, sofre. Sofre que tem vez que você apanha sem saber do que você está apanhando, né? E aí a gente sofre. Aí a gente fica lembrando, mas depois a gente vai lendo a palavra, a gente vai vendo, né? Aí Deus fala, eu até falava assim: “Meu pai era um barrão, ele só fazia filho e não cuidava”. Eu chegava a falar assim. Minha mãe morreu de raiva, por que isso? Pra nós ficar sofrendo porque mesmo que tendo eles pobre, mas a gente tinha eles, né? Aí nós ficamos aí pra mão dos outros, até nós escutávamos os conselhos dos mais velhos, ia aceitando aquilo. Hoje as empregadas não aceitam, mas sempre eu aceitei, elas ensinando a gente a fazer as coisas porque se ela não ensinasse eu não sabia, então eu aceitava, fui pra Brasília, aprendi muita coisa, que a gente sabia o trivial, né? Lá a gente já vai aprendendo mais coisa, mais coisa. E foi dando pra chegar até hoje, né? Elas ensinando como fazia, a gente ia aprendendo. Eu falo com as minhas meninas: “Ó gente, vocês têm que escutar os conselhos dos mais velhos, têm que ver quando as pessoas estão ensinando as coisas, que se ocês não aceitar uma pessoa ensinar a ocês as coisas, ocês não vai aprender. E não vai saber governar suas casas. Porque se vocês não sabem aprender, vocês não sabem mandar, não é?”. Então eu estou sempre aflando com eles.
P/2 – E Dona César, um pouquinho antes de ir pra Brasília, como foi a morte do seu pai, depois da morte do seu pai?
R – Ele morreu lá no Coqueiro, lá com o meu irmão, que o meu irmão já tinha levado ele pra lá. Nós ficamos, minhas irmãs nos empregos domésticos e eu também, olhando menino pros outros, lavando vasilha, puxando aqueles poços fundo, quando o balde chegava cá em cima, as pernas da gente chegavam a endurecer! Pra você receber o balde e puxar ele pra fora, quando você puxava ele pra fora, ai que benção! E a hora que o balde escapulia e caía lá dentro, que você tinha que debruçar na beira do poço com um gancho, com aquele medo todinho, e ocê lá pelejando pra pescar o balde lá no fundo. Aí quando ele vinha chegando, tinha vez que ele chegava cá em cima e escapulia, caía lá embaixo de novo (risos)! Aí a gente ia de novo. Quando eu entrei na escola, mas não fiquei muito tempo, não, estudei mais lá em Brasília, que minha patroa ensinava, eu ia pra escola de noite, mas aqui foi pouco. Você tinha que deixar o fogo acesso, café pronto, feijão no fogo, água puxada, água buscada na praia pra beber e cozinhar. Você tinha que encher as latas d´água e aí você ia pra escola. Você chegava lá também e você não aprendia nada (risos). Em casa você tinha que ter uma pessoa pra ensinar, né? E eu não tinha. Aí depois que eu fui pra Brasília, minha irmã tava lá, foi que a minha patroa foi começar do “a-e-i-o-u”, ensinar a escrever o nome direito. Fui pra escola de noite, ela chegava, ia ensinar a fazer o dever. Eu fui até quarta, mas ela ensinando, fazendo aqueles trabalhos, depois aquela luta de serviço demais a gente até esquece. Muita coisa, né? Eu não dou conta de escrever, é muito ruim, a gente vai escrever e aí eu fico escrevendo, às vezes eu vou escrevendo, escrevendo, quando pouco eu esqueço tudo, até meu nome! Acho que é de tanta luta que a gente já passou na vida... Mas eu leio a bíblia direito, essas letras de forma, tem mais problema de escrever, faltar letra assim. Eu aprendi porque eu fui pra Brasília: “Deus me livre chegar aqui, como é que eu vou ler os ônibus?” A precisão obriga, né? “Eu tenho que aprender”, aprendi. Pelo menos pegava meu ônibus. A gente tem que ter força de vontade também, não é? E eu lutei muito pra meus filhos tirar o segundo grau e estou lutando pra minha neta. Eu falo, a gente dá o básico e vocês vão se esforçando, fazendo outras coisas, uns cursos que a gente pode pagar, até chegar no nível que eles querem fazer outro, né? A gente vai, naquele tempo a gente não tinha. Naquele tempo o povo não criava a gente, criava pra trabalhar mesmo, serviço escravo! Era pra trabalhar. Pilão eu soquei demais. Arroz, milho pra fazer farinha de milho. Açafrão. Hoje eu arranco açafrão do quintal e (inaudível) (risos). E de primeiro você estava socando, o calo dava, arrebentava, está a escorrer sangue e você socando. Não podia parar enquanto não acabasse. Aquela masseira de açafrão. Você começava de madrugada e socava tudo. A gente socando o milho e a mulher fazendo a farinha e a gente socando. Porque o milho só pode socar na hora que a pessoa está fazendo a farinha porque tem que fazer dela molhada. Aí eu socando e ela fazendo a farinha. Não ganhava nada. Eu lavava roupa pra comprar minha roupa. Aí comprava um corte de pano (risos), no outro mês comprava um chinelo, era assim. Andava mais era descalça. Mas foi bom que a gente aprendeu a trabalhar, foi bom que aprendeu. Não estudou, mas aprendeu a trabalhar.
P/1 – Todas essas águas que a senhora falou antes de ir pra escola, que tinha que puxar a água do poço e pegar água na praia. Como é que se carregava essas águas?
R – Na cabeça!
P/1 – Como que fazia?
R – Punha na cabeça. Punha uma rondilha e vinha com aquela lata cheia na cabeça, a gente soltava e vinha, subia barranco e ela nem caía. Aí a gente despejava, voltava, apanhava mais, deixava três latas cheias, o pote, a água do poço era só pra lavar vasilha, tomar banho. Pra cozinhar era a da praia. Aí de tarde já estava acabando, pegava mais. Era assim.
P/1 – E dessa escola aqui, mesmo que a senhora falou de ser um pouco de tempo, do que a senhora se lembra de lá, como era o espaço?
R – A escola naquele tempo, eu achava que tinha muita adulação. Fulano era era mais bem tratado, dava mais o assunto. Professora na carteira. E a gente não, chegava em casa não tinha quem ensinasse o dever e eu era doida pra aprender ler! Eu ficava doida com o caderno pra poder achar um pra ensinar eu fazer o dever e não tinha. Não me arrependi, o pouco que eu aprendi já deu pra mim. Não vou morrer sem não saber nada, né? Vai saber um pouco. Mas naquele tempo era difícil.
P/1 – E como era o entorno de onde a senhora morava? Como era aqui Paracatu, a cidade antes da senhora ir pra Brasília?
R – Paracatu cresceu muito. Quando eu fui para Brasília que eu vim, achei já bem adiantada. Que quando eu fui, não tinha asfalto, era piçarra mesmo, terra mesmo, que a gente andava chutando a terra. Não tinha luz, depois que veio a luz da Batalha, aí certa hora ela ia embora e eu morava na casa de Nedina, lá no Arraial d´Angola, lá perto da praia. Depois eu saí de lá, fui pra Brasília, também mudou pra lá, mas eu fui trabalhando, já ganhava meu dinheiro, né? E trabalhei numa pensão na Velhacap [atual Candangolândia], porque só tinha a Bandeirante e a Velhacap quando eu fui pra lá. Trabalhei numa pensão, depois vim pra cá, que eu fui eu era de menor, eu peguei um caminhão, vindo de gente daqui que trabalhava lá que foi buscar esses Fenemê [caminhões], quando ele chegou aqui eu pedi ele, se ele não arranjava um emprego lá pra mim, ele falou: “A dona da pensão tá precisando de uma menina, até me pediu pra levar”. E ó, eu fui. Viajamos o dia inteiro que naquele tempo a estrada de Brasília era ruim. Chegou lá eu fiquei na pensão, fiquei lá arrumando, lavando as vasilhas pra ela, ajudando ela na cozinha, eles era muito bons. Aí eu adoeci, vim embora. Quando eu tratei, eu inchei muito, naquele tempo não sei o que era, eu vim e quando eu melhorei eu voltei. Voltei e já fui trabalhar no Armazém Cristal, mas na casa da mulher eu morava no fundo, dona Iancita. Ali eu fiquei muito tempo também, eles eram muito bons, eles eram daqui, morava lá. Eu quase não passei [de] emprego lá não, porque a hora de ficar mais no emprego o povo gostava muito de mim. Eu ficava lá. Lá em Brasília eu só trabalhei em dona Iancita, em dona Glorinha e dona Canusa, que é de onde eu saí pra casar. Já saí de lá vestida de noiva. Muito boa ela. Achei muita gente boa em Brasília. É onde a gente foi ter mais espaço foi lá. E aqui foi sofrido, não foi brincadeira aqui, não, muito sofrido.
P/1 – E como oram esses rumores, as histórias de que Brasília ia acontecer, de que iam fazer uma cidade, a capital, aqui perto?
R – Brasília, quando surgiu Brasília, eu fiquei sabendo, eu olhava de lá e eu via a jardineira passando, né? E eu falava: “Ainda vou passar naquele lugar (risos). Eu quero ir praquele lugar”. E achei muito bom quando saiu Brasília. Aí uma amiga nossa que mudou pra lá, ela mandou: “Tem emprego aqui, se ocê quiser”. Aí eu fui com ela, quando ela teve aqui eu fui com ela, aí comecei a trabalhar lá. Com Teozinho eu fui, na segunda vez eu fui com essa mulher, que eu adoeci e vim embora, né? Aí já foi com essa Maria que eu fui, aí ela arranjou esse emprego pra mim, lá no seu Maroto. Já não fui pra casa do seu Eurico, fui pra casa do seu Maroto. Na pensão, eles não queriam que eu viesse: “Não, nós vamos tratar d’ocê aqui, não vai, não”. Aí eu fui, mas eu já saí daqui, aí no dia que eu saí daqui eu não falei com a minha irmã, aí no dia que eu saí, que minha irmã foi na casa da minha madrinha atrás de mim, eles falaram: “Ela foi pra Brasília”. Aí ela mandou o marido dela atrás de mim. E eles foram certinho na pensão! Chegou lá, eu sabia que era pra me buscar, né? Aí eu fiquei lá no quarto, não queria sair. Eu falei: “Eu não vou sair porque eu não vou”. Aí a mulher falou: “Vai lá conversar com ele”, que era o meu cunhado. Eu vim, conversei com ele. Ele falou: “Dita mandou te buscar”. Eu falei: “Mas eu não vou”. Mas adoeci e tive que vir, mas depois voltei de novo. Aí ela falou: “Pode deixar ela que eu tomo conta dela. Pode ir despreocupada”. Ele veio, eu fiquei lá, mas deu uns dias e eu voltei. Mas eu inchei tanto, mas tanto, aí eu tive que vir. Aí eu vim, mas eles não queriam: “Nós vamos te tratar”, mas antes eu tivesse ficado lá, né? Ela falou que ia tratar, mas eu falei: “Não, eu vou”. Aí eu voltei com essa Maria, aí ela arranjou no Armazém Cristal pra mim, eu trabalhei lá muitos anos no Armazém Cristal. Serviço duro, cozinhava pra 15 homens! Quinze homens porque todos os 15 trabalhavam no armazém. E pra família, ali pros empregados e pra família. E eu só cozinhava e lavava, mas era muito bom.
P/1 – E como a senhora aprendeu a fazer comida, a cozinhar?
R – A gente naquele tempo interessava, né? Você passava e tinha um fazendo uma coisa, você olhava e as pessoas ensinavam a gente. Você olhava, passava, você estava vendo a pessoa fazendo ali, ocê aprendia. Ocê via. Hoje eu vejo, mesmo aqui né, os meninos não querem. Vai fazer o arroz, joga o arroz tudo em cima do fogão (risos), minha neta, né? Eu falei: “Mas tem que aprender”. Não quer. E a gente, a precisão era tanta que você passava, olhava. Lá em Brasília eu chegava, dona Vânia falava: “César, você sabe fazer bolo pequinês?” “Não, nunca fiz não” “Eu vou sair e vou te ensinar”. Ela saía, me ensinava, quando ela chegava ela falava: “Tá melhor do que o meu”. Maionese, esses trens tudo eu aprendi lá com as minhas patroas, caso de comida lá, porque eu precisava eu tinha que aprender, né? Aí elas ensinavam e eu aprendia tudo. A precisão obriga. E hoje em dia ocê vai ensinar e eles não quer, eles acham ruim, né? Tem gente que vai ensinar e eles acha ruim, depois não sabe fazer. Fica difícil. Eu falo: “Se ocês não sabem fazer, ocês não sabem mandar”. Porque entra uma empregada ali e ela não sabe fazer, como é que você vai ensinar? Aí vai sair tudo errado porque você não sabe e ela não sabe, não é? Então fica difícil. Trabalhei de governanta. Patroa saía, viajava, deixava filhos, chegava tava tudo ali. Fazia. Também era assim, corrigia, patrão não achava ruim. Eu corrigia e eles iam corrigir. Tinha as outras empregadas, eu governava, não tinha briga. Quando entrava eu falava: “Aqui eu não gosto que outra empregada vai adular o patrão com conversa, porque culpou o meu nome eu não aceito”. Não tinha briga entre eu e outra empregada porque eu não falava e nem ela falava. Porque se eu falasse e ela falava, aí ia ser aquela briga, aquele fuxico, né? Então não tinha esses negócios. Tinha as outras, tinha lavadeira, tinha passadeira, eu governava tudo. Acertava salário, pagava, não tinha briga. Patrão viajava, filho ficava, tinha hora de ir pra escola, tinha hora de almoçar, tinha hora de chegar, Kombi pegando. E passeava lá. Agora quando elas não tava não tinha como, né? Mas a vida lá foi boa.
P/1 – Por onde que a senhora passeava?
R – Nós íamos no Gama, depois foi surgindo os Gamas, foi surgindo Buritis, foi surgindo uma vila que tem perto do Bandeirante. Aí aquele povo foi mudando pra lá, daqui a gente ia passear na casa deles. Tinha rádio na W3, depois veio a rádio. Tinha um programa que começava às oito, terminava às dez, nós íamos. Tinha eu, minha irmã e mais duas colegas, a gente ia onde tinha uma tava as outras. Tinha aquela água mineral que nós íamos, depois teve a água mineral, a gente ia. A gente sabia partilhar a festa que ia, as festas boas. Se ia numa festa a gente tinha mesa. Sabia mexer com aquele dinheiro pouco. Eu não bebia, minha irmã não bebia, as outras bebiam, mas não tinham dinheiro, não bebia pra embebedar. Sentava numa mesa. Ali não tinha dinheiro pra abastecer, né? Então que esvaziasse não deixava tirar, a gente não deixava tirar pra mesa não ficar vazia (risos). A gente bebia o guaraná, elas bebiam cerveja, comia o que comia, mas os trens vazios ficavam ali. Garçom vinha pra tirar, não tirava: “Não, pode deixar aí”. Porque se tirasse nós íamos ficar sentada numa mesa vazia! Aí na hora de ir embora, ali associava, todo mundo tirava um tanto pra pagar o táxi, ou ônibus, quando na hora de ir uma pagava, na hora de vir a outra pagava, era assim. As festas, tudo que a gente ia, as festas muito boas.
P/1 – E as danças, tinha dança nessas festas?
R – Tinha as danças! Mas dança, música com letra! Hoje a gente vê aquelas coisas louca, não tem nem como a gente ouvir.
P/1 – A senhora gostava de dançar?
R – Ah, eu gostava!
P/1 – O que a senhora gostava de dançar?
R – Bolero. Valsa. Samba não, mas bolero, valsa, ouvia as músicas com letra, eu gostava. E gosto, eu gosto. Ainda gosto. Só não vou, né? Mas eu gosto de ouvir em casa. Quando as meninas fazem aniversário aí faz em casa, né? A gente coloca aquelas músicas, a minha irmã gosta, então, ela coloca aquele CD bem antigo (risos), aí a gente dança aqui mesmo, eu, ela, a menina aí. Eu gosto. É muito bom dançar. Porque a gente ia primeiro em festa pra dançar. Comer a gente não comia, não. Tinha, mas não queria, queria era dançar. Aí quando tocava aqueles boleros, aquelas valsas, hummmm. As rezas na roça, aquela sanfona, aquele pandeiro. Ah, a gente dançava! E as meninas riam e riam, e riam. Vinha aquelas comidas, a gente chegava, aquela tachada de comida, né? E muito doce, muito biscoito na peneira, mas as meninas nem tchum. As meninas vinham, iam a pé, eu nunca fui de pé, não. Ia a pé e vinha de pé depois do baile. Cinco horas da manhã elas tavam chegando da festa da roça. E trabalhava o dia inteirinho! E de noite ia a pé e chegavam lá, dançavam a noite inteira e vinham no outro dia a pé.
P/1 – E tinha como paquerar nessas festas?
R – Tinha! Tinha, tinha, eu não era muito paqueradeira, não, nunca fui namoradeira não. Nem eu e nem minha irmã. Mas a gente dançava. Naquele tempo que a gente não podia refugar ninguém, porque se refugasse eles enfiavam o cacete (risos). Aí quando via que vinha um pra chamar, que eles não queriam, a gente já ia logo despistando pra não dar briga. Mas quase todo mundo dançava, o toque era quase um só, né? Aí dançava ali, ficava a noite inteira, chuva. Tinha hora que ocê tava dançando, as barracas tava passando chuva debaixo assim, as enxurradas, se tirava os pés os sapatos ficavam lá. Mas a gente ria demais, gente! Nossa senhora! Quando vinha aqueles homens que as meninas não queriam dançar com eles, o chapeuzão na cabeça, cigarrão aqui, mas eles estavam sempre limpinho. Aqueles mutirões? Eu sempre ia com essa Maria. Ela ia fiar, eu cardava, ou então eu ia descaroçar o algodão pra ela, né? Aquele tanto de gente fiando, os homens na lavoura. E as mulheres lá tudo fazendo comida, aqueles tachões de comida, sabe? E aqueles ossões de vaca no feijão. Ninguém queria pôr o osso, com vergonha de pôr o osso no prato. Aquele osso grande, que eles cortavam grande, e a gente punha o feijão, punha outra coisa e aquele ossão grande. Aí a gente apanhava e ficava gozando: “Fulano, olha esse osso aqui!” (risos). E essas meninas riam, riam e riam. Aí elas falavam: “Não, eu não to com fome, não, eu quero é dançar”. Mas tinha lata de doce, lata de tudo, carne de tudo quanto é jeito! Era muito bom. A gente ia, dançava, comia o que queria e o que não queria. Era bom. Mas tinha que trabalhar, o serviço, dançou ou não dançou tinha que trabalhar. Chegava, tinha que trabalhar. Cinema nunca fui, não gosto de cinema. Às vezes dona Dilce me dava entrada pra ir no cinema. Circo eu gostava, parque não, mas circo eu gostava. Todo circo que tinha aí eu ganhava entrada, eu ia. Izote me dava os ingressos. Mas parque e cinema eu não gostava, não.
P/1 – Conta então como eram esses passeios do circo, o quê que tinha, como é que era?
R – O circo era os trapézios, os bichos, tinha muito bicho, né? Tinha palhaço, eu gostava muito do palhaço. Os trapezistas. Os parques eram só aquele movimento, era pondo música, oferecendo música pros outro. Os homens faziam assim, as mulheres vinham assim, que era pra encontrar os rapazes de frente. E o rapaz e a moça de frente porque se fosse tudo assim, né? Então os rapazes faziam assim, as moças faziam assim, dava aquela volta ao contrário, que era na Rua Goiás e ali na porta do cinema antigo. Era ali que a gente ia. E a dona Dilce às vezes pagava, dava dinheiro pra nós ir pro cinema, aí eu e mais a outra que trabalhava junto nós não íamos pro cinema (risos), nós íamos pra lá, pra esse vai e vem e comprava outra coisa. E nós não ia no cinema. Eu não gostava, ela também não, aí nós íamos pro vai e vem na Rua Goiás ou lá na porta do cinema. Era divertido. Agora, Paracatu nem cinema tem, né? Tem não. Os jovens saem, fica, por aí com essas festas doidas, som alto demais. E a gente fica preocupado, nossa senhora! Eu não durmo, não, menina! Porque Larissa é doida pra sair, enquanto ela não chega eu não durmo, preocupada com ela.
P/1 – Aí a senhora contou pra nós de Brasília, que a senhora morou lá até casar. Conta então como foi isso, como que a senhora conheceu seu esposo?
R – Eu já conhecia ele aqui, mas ele era casado. Aí depois que ele ficou viúvo ele foi pra lá, o irmão dele morava lá. E aí a gente ia passar lá em Planaltina, lá no Buritis, pra diante de Planaltina. Aí a gente ia lá na casa da prima dele, um dia nós tava lá, ele chegou mais o irmão dele. E eles estavam arrumando ele pra casar com uma amiga minha. Mas ele não queria. Ele queria era eu. E eu nem, ó... Depois de passado uns tempos, a Antoninha, cunhada dele falou: “Ele quer ocê, quer casar com ocê. E não quer que demora porque ele já tá velho”. E ele deu só dois mês pra namorar, noivar e casar. Aí a gente casou. Ele trabalhando lá também, né? Depois ficamos lá, casamos, continuamos lá, mas a lida dos ônibus era difícil, ele saía às quatro da manhã, eu saía às cinco pra trabalhar, casei e continuei trabalhando. Aí ele falou: “Não aguento mais, não. A gente sai cedo, não tem hora de chegar, pode até nem não chegar”, aí viemos pra cá. Aí ele construiu aqui, só levantou, ficou só no tijolo, no cimento grosso e nós passamos pra cá. Aí ele ficou trabalhando de pedreiro e eu mexendo, galinha, porco, Bolo de Domingo, roupa, passando roupa, levando menino na escola, buscando. E estou aí.
P/1 – E como é que foi o seu casamento? A gente viu algumas fotos, conta como é que foi.
R – Sabe que eu nem acreditava que eu tava casando? Quando ele me deu a aliança, eu já estava com 33 anos. Eu tinha vontade de casar pra ter uma casa e ter uma família. Quando ele pôs a aliança, que ele mandou fazer a aliança, eu não acreditava. Gente, não pode, será que eu vou casar mesmo? (risos) Casei e ficamos nesse tempo. Eu queria ter filhos, mas eu já estava meio velha, mas arrumei um casal, eu só fui ter dois porque meu sangue é Rh negativo e o dele é o positivo e a menina já veio O positivo, já teve que trocar o sangue quando nasceu. Aí o médico falou que eu não podia ter mais, que eu tinha que ter tomado uma vacina antes do primeiro e não tomei, ai fiquei só no casal mesmo.
P/2 – E onde vocês foram morar lá em Brasília?
R – No Buritis. Lá em Planaltina. Alugamos um barraco e moramos lá nesse barraco muitos anos. Depois nós mudamos pra Taquatinga e depois mudamos pra cá. Aí ele trabalhava em firma, ele pediu conta. Ele chegou aqui e construiu aqui e estou aqui até hoje.
P/2 – Como foi voltar pra Paracatu?
R – Ruim. Eu falei que eu casava, mas não voltava pra cá. Ele disse: “Tá, nós não vamos, não”. Daí ó ele querendo vindo pra cá e eu já tinha Paulo César, que nasceu lá e Juranda. Quando Juranda veio pra cá ela tinha três meses. E a gente morando em barraco, pagando aluguel, tudo difícil. Eu tinha um lote, mas ele não quis construir lá, lá em Planaltina de Goiás. Aí tinha aqui, que era do pai dele, aí ele construiu aqui. Aí chegou aqui e a vida foi dura, viu gente? Nossa, dinheiro pouco, o que ganhamos aqui era menos. Dinheiro pouco, eu lavando roupa mas era pouco. Criando porco, buscando lavagem nessa cidade toda. Tinha vez de eu ter 12 porcos aqui assim, ó. Vendia, mas vendia pro açougue. E lavando roupa, buscando menino na escola, levando. Leva um, busca o outro. Ixi, foi muito duro. E tudo longe, lá na [Escola Estadual] Afonso Arinos, era longe, de pé. Almoço na hora, onze horas, pra marido trabalhando, filho na escola. Não foi brincadeira, não, a vida quando veio pra cá não foi fácil, não. Foi bem difícil, não foi fácil.
P/1 – Como foi pra senhora ser mãe e ganhar os meninos?
R – Até pensei que não ia ganhar, ter filho. Logo, engravidei, tive o primeiro que é o Paulo César. Aí o médico falou: “A senhora não pode ter outro filho, só quando for três anos a senhora pode ter outro”. Nesses três anos, veio Juranda. E eu queria o primeiro fosse mulher, eu esperando mulher e veio homem. E depois veio Juranda. Aí Juranda já deu problema na gravidez, dois meses já deu problema. E a doutora falou: “Vai ter que tirar porque ela já está dando problema desde agora”. Aí eu falei: “Não, eu quero mais um”. Corri pra outro médico. Aí ele falou: “Nós temos que salvar o feto, nós não podemos tirar, nós temos que salvar ele”. Aí foi que eu passei pra esse médico, que foi o médico que fez o parto do primeiro, né? Aí eu fazia lá em Planaltina, com doutor Alvarenga. Ele foi lutando, foi fazendo exame e ele falava: “Tá evoluindo e nós tem que lutar”. E eu não podia pagar o exame, que esse exame era pago, muito caro. Ele foi, conversou com o dono do laboratório, que era amigo dele, eu tirava sangue toda semana. Já quando foi ficando mais próximo eu fui de 15 em 15 dias. Eu caminhava daqui ali e desmaiava, não podia sair sozinha. E foi levando e ele falou: “Nós temos que levar ela até oito meses e meio, porque de oito meses não vive. Nós temos que ir com ela até oito meses e meio”. Aí ele foi, foi, e ela nasceu foi forte, com quase quatro quilos! E eu não comia era quase nada. E ele foi ali e falou: “Ela vai ter que nascer com pediatra e ocê vai ter que ter o anestesista e vai ter que pagar, o pediatra dela e o anestesista. Eu não vou cobrar porque o parto seu vai ser no dia que eu não estou trabalhando”. Aí ele fez o parto, trabalhou, pagou o pediatra, pagou o anestesista. Ele fez, aí fez o exame já não tava dando problema. Já no outro dia já tava dando. No outro dia ela foi pro Hospital de Base e eu fiquei no Dom Bosco. E aí eu morri. Morri. E ele falou: “Olha, eu to indo pra chácara, mas tá ficando o médico que me ajudou a fazer o seu parto aí. Qualquer coisa ocê chama”. Menina, e essa pressão foi baixando, baixando e eu chamei a enfermeira, falei com ela e ela falou: “Não, não tem médico aí não, você não tá sentindo nada, não”. Eu não tava sentindo dor, mas tava sentindo mal. Ela veio com injeção e aplicou pra dor. Ainda bem que ele chegou na segunda-feira e eu morta conversei com ele. Ele falou: “Você tá bem?”. Eu falei: “Não, não tô não”. É Deus, né? Aí ele olhou, logo ele já levou a mão no meu pulso e falou: “Nossa, você tá morta! Você tá morta!”. Aí ele chamou lá os médicos. E fazendo massagem no meu coração, não morri porque não era para morrer, eu passei por isso tudo. E ele fazendo massagem, meu coração, e foi. E aplicando remédio, e não sabia se ele brigava com a enfermeira, se ele perguntava qual que era, que ele já era amigo do meu marido, né? E meu marido trabalhou pra ele, pra pagar o pediatra e o anestesista. E ele pelejando. E ele colocava soro e eu vomitava o soro todo e fui vomitando e vomitando e a pressão baixa, baixa. E eu tomando ali aquelas drogas, pelejando, e eu vomitando e ele falou assim: “O remédio daqui do hospital, o estoque, já acabou, não tem. Vou na farmácia pegar um ali. Se esse não coisar, aí não sei”. E ele foi na farmácia, comprou o remédio, me deu, eu tomei, vomitei todinho. Mas eu tava com uma febre tão grande. E eu pedi a São Benedito que ele pusesse a mão naquele remédio, que não deixasse eu vomitar. Ele falou: “Eu vou pôr ele aqui e você vai tomando ele devagarzinho pra não vomitar”. Eu tomava, mas vomitava. E eu fui tomando aquilo ali, pedia a São Benedito que ele pusesse aquela mão santa dele, não deixasse ele vomitar porque eu tinha um menino que estava com minha irmã e a menina lá no Hospital de Base, ela recebeu alta e eu não. Aí na mesma hora, gente, não vomitei mais. Eu fui aumentando a dose, fui aumentando, aumentando, não vomitei mais. Passei a tomar água e não vomitei mais, mas a comida não ficava no estômago. A comida não aceitava. E ele vinha e vinha com prato de sopa, ele mesmo pondo na minha boca e eu vomitando e ele mandando eu engolir. E ele vinha. E ele não me deixou mais, ele ficou ali rente comigo. E foi que eu fui pelejando, pedindo. Eu fiquei 13 dias no hospital! E a menina recebeu alta e eu sem poder pegar. E eles não entregavam a ninguém. Aí fiquei boa, aí ele me punha pra andar descalça dentro do hospital, deixava eu circular lá tudo, que ele falou: “Eu tenho que deixar que é pra pressão dela controlar, tem que deixar ela andar”. E as enfermeiras falavam que eu tava saindo pra fora. Aí eu passei a ir, tinha um Jumbo lá, eu atravessava a W3 e eles reparando, né? E eu ia lá, voltava, andava lá e vinha. A operação abriu tudo, de tanto eu vomitava. Que foi cesárea, né? Abriu tudo, mas depois ele foi deixando, eu andava, saía lá fora, fui melhorando, até que a pressão foi controlando.
P/1 – E como foi quando a senhora segurou ela no colo?
R – Nossa, eu já saí do hospital e fui direto pro Hospital de Base. Estava com meu marido, né? Cheguei lá, ela nasceu com quase quatro quilos. E ela tinha o cabelo pretinho, cabecinha rapadinha, tadinha, porque recebeu sangue pela cabeça, né? E o soro. Cabeça rapadinha. Já não queria aceitar, não queria mamar mais, mas acostumou. Aí fez exame de novo, já estava boa, ele falou: “Se não trocar o sangue ela vai morrer. Quando ela tiver certa idade ela morre. Fica boba e morre”. Trocou o sangue todinho, ó aí o tamanhão dela (risos). E se eu tivesse ficado com a outra médica eu tinha perdido ela, né? Mas foi muito bom também esse médico, muito bom.
P/1 – E a senhora falou como foi aqui em Paracatu, toda essa luta e começou a contar que a senhora fazia também algumas coisas pra vender, os doces e tal que são daqui. Conta um pouco mais, a senhora falou do Bolo de Domingo, conta da história dele, o que a senhora sabe desse bolo.
R – O Bolo de Domingo, eles falam que é dos escravos e é. O Bolo de Domingo hoje a gente já tem o açúcar, já tem o queijinho que as pessoas gostam de pôr por cima e naquele tempo dos escravos não era assim. Porque eles não tinham açúcar, não tinham o queijo, o que eles faziam? O Bolo de Domingo daquele tempo eles faziam com o arroz que eles tinham, o açúcar sujo ou a rapadura. Eles faziam com a rapadura ou com o açúcar sujo, que eles mexiam com aquilo, né? Que era o alimento deles, que eles faziam pra eles, né? Aí era feito na palha de banana, que eles faziam, palha de milho. E hoje a gente já tem as latinhas, né? Aí o povo fala: “Ah, o bolo dos escravos”. Mas o bolo dos escravos mesmo é esse aí, feito do fubá de arroz com rapadura. E feito na palha de bananeira, não tinha queijo, não tinha nada, era o arroz, a agua, a rapadura e o cravo que eles punham. Aí o bolo ficava escuro porque o cravo fica escuro, né? Agora hoje não, nós fazemos o Bolo de Domingo mais facinho, a gente põe o açúcar. E tinha a banha, que ele é feito com banha, a banha é tradição, a gente faz com banha mesmo. Hoje a gente faz com a banha, o fubá do arroz, mas a gente já coloca o açúcar. Já tirou o cravo, a gente põe erva-doce. Porque quando você põe o cravo ele fica escuro e o povo fica com nojo, né? Aí hoje a gente põe o açúcar, já põe o queijinho ralado quando ele tá na forma, põe um queijinho ralado por cima. A gente procura melhorar ele cada dia mais. Naquele tempo esse Bolo de Domingo chamava Mamá, que os escravos falam Mamá. E esse bolo meu já foi pra lá, eles já compraram aqui pra levar pra lá, pro, como que chama, que tem só os negros?
P/3 – Quilombo?
R – É. Está lá, fora do Brasil, né? Porque eles falaram: “Aqui não é Bolo de Domingo, aqui chama Mamá”. E o bolo dos escravos é assim, o nosso aqui é Bolo de Domingo, mas é tradicional fazer no domingo porque o povo procura mais é no domingo. Mas é diferente, porque o dos escravos era com rapadura e cravo e a banha. Ele não leva leite, nem ovo. Agora o fermento deles é que eu não sei o que é que era, porque de primeiro não tinha esse fermento, né? O fermento eu não sei, que leva fermento esse nosso, era o fermento que eles mesmo faziam.
P/1 – E é gostoso esse bolo?
R – É. Tem gente que gosta, tem gente que não gosta, não.
P/1 – A senhora?
R – Eu gosto, mas eu não posso comer. Os meninos aqui já enjoaram. Quando eu comecei a fazer, o meu menino comia três e eu escondia o resto pra não comer mais que eu falei: “Nossa, vai morrer” (risos). Agora ele nem olha, ninguém olha. Pão de queijo eles também já enjoaram, ainda comem, mas enjoaram. Agora a Maria Alice prefere o bolo do que o pão de queijo, ela come o bolo e não quer o pão de queijo, porque eu sempre estou fazendo, né, aí não quer.
P/1 – E conta um pouquinho então dessa história do pão de queijo. Quando foi que a senhora começou a fazer, qual é a dificuldade?
R – O pão de queijo, nas casas mesmo que a gente já morava já aprendia a fazer os pão de queijo. Eles faziam já com o queijo, o polvilho, ovo, que era muito que eles punham, hoje numa receita a gente põe dois, três, e era manteiga, manteiga ou banha. Hoje é manteiga e a gente põe óleo. O segredo do pão de queijo é sovar, pôr as medidas certas e sovar. E erva doce que a gente põe, tem gente que não gosta, mas tem gente que já gosta com erva-doce. Eu estava até amassando os pães de queijo ali, mas ocês chegaram, eu falei: “Eu vou amassar os pães de queijo porque a hora que ela chegar, Juranda fica aí e assa, né?”. Aí ocês chegaram, porque ninguém aqui mexe com isso não, ninguém gosta de mexer, não. Eu estava começando a amassar. Eu falei que a menina falou que vinha três e meia, né, eu falei: “Eu vou amassar até elas chegarem e a gente estiver conversando, aí a Juranda assar, ela assa”. Aí eu não amassei (risos). Ficou sem o pão de queijo lá na gamela lá.
P/1 – E conta pra gente desse outro também, o Mané Pelado, que é outro que a gente não conhece.
R – Mané Pelado é feito de mandioca. Você rala a mandioca, espreme ela e tira um bocado da goma, tem gente que gosta que faça com aquela goma toda, mas fica parecendo um grude. Eu tiro, espremo ela e tiro aquela goma. Põe queijo, muito queijo, põe ovo, açúcar, canela e manteiga. E mexe ali e põe pra assar. É gostoso, gente, muito gostoso Mané Pelado, muito gostoso.
P/1 – E a senhora sabe qual é a história dele?
R – Não, não sei, não. Acho que esses trens vêm mais é dos escravos, né? O que eles tinham ao alcance dele pra comer era o arroz, a mandioca. Queijo eles nem tinham, eram os temperos, era o açúcar que eles mesmo faziam, rapadura. O Mané Pelado que eu faço é com açúcar também, é muito bom, o bolo da mandioca é muito bom. Uns falam Manuel, outros acham ruim falar Mané Pelado e fala Manuê, né? Eu falo é Mané Pelado, toda vida eu conheci ele foi por Mané Pelado (risos), então falo Mané Pelado. Mas ele é bom, mas é bom mesmo! Hum. Quanto mais você come, mas você quer comer. Tem gente que come e sente até mal porque quando ocê come ele quente e bebe água, pra quê? Nossa, você fica ansiada demais. É muito bom, marca um dia que eu vou fazer e vocês vêm pra comer. Vocês têm que falar com tempo, que eu vou preparar, fazer e cês vêm comer. Agora, se ocês quiser experimentar eu vou acabar de amassar o pão de queijo e vou assar (risos).
P/1 – E qual é o segredo pra fazer esses doces e essa comida, pra eles ficarem gostosos? O que precisa, qual é o ingrediente secreto?
R – Amor. Você fazer tudo com amor. Você aprendeu, você faz com amor e sai tudo bom. É o amor. Você sabe ali o que leva, você prepara tudo com amor. E cada dia que você faz, você quer que ele fique melhor, então você vai procurando jeito dele ficar bem melhor. É igual Bolo de Domingo, eu faço ele e quero preparar, quero sempre que ele fique bom mesmo. É assim. Se ocês quiserem de domingo, ocês vêm, porque tem o pão de queijo e o Bolo de Domingo. E posso preparar também o Manuel, vocês falando que vem, aí eu preparo.
P/1 – E como a senhora fazia pra vender essas coisas?
R – Vendo tudo aqui na porta. Aí, quatro e meia, cinco horas já tem gente chegando. Aí faz uma pausa e depois vai chegando, sai tudo aqui na porta.
P/1 – Sempre de domingo ou não?
R – Domingo. Agora quando é dia de semana tem que encomendar: “Quero bolo pra tal dia, tanto bolo” aí eu faço. Pão de queijo também, as pessoas ligam: “Eu quero tantos pães de queijo hoje, pra tal hora”, aí eu faço.
P/1 – Como é o tempo da cozinha, da comida? Esse tempo de preparo.
R – O bolo você começa, você escalda ali pras cinco da tarde, que você vai cozinhar a massa, porque você vai pôr uma água fervendo, ele tá ali na beira do fogão, a água está fervendo e você está escaldando ele com banha. Você põe a banha junto ali e vai despejando água fervendo e escalda. Aí você põe pra lá porque depois você vai ter que dissolver todas aquelas bolinhas na mão. Nesse meio tempo, eu estou amassando o pão de queijo, to ralando, uma hora dessas, sábado eu já to na lida. Aí eu to ralando queijo, to amassando a massa do pão de queijo, se tá muito cedo eu ponho na geladeira e quando é de noite eu tiro. Já preparo a mesa, deixo ele em cima da mesa, que duas horas eu começo. Aí quando o bolo já está frio você vai amolecer ele com água fria. Aí ocê amolece ele com água fria, coloca o açúcar, o erva-doce e sal, leva sal, mas não apresenta o sal. Ele tem que apresentar um pouquinho porque se ocê pôr só açúcar e não pôr sal, ele fica ruim, ruim mesmo. Aí ocê coloca o açúcar, o fermento, que é o fermente que faz pão, tampa e deixa. Ali pra nove horas ele tá amassado, já com fermento, já fermentando. Aí ele vai fermentando, aí duas eu levanto, coloco fogo no forno e já mexo ele bastante, coloco ele nas forminhas e ponho pra assar. Meu forno tá ruim, demora uma hora pra assar, porque o forno tá ruim. Aí, logo que eu asso um tabuleiro, dois, aí eu passo o pão de queijo, vou assar pão de queijo, porque tem gente que vem muito cedo, vou assando pão de queijo, depois eu volto pro bolo, asso mais bolo, volto pro pão de queijo, daqui a pouco eu volto pro bolo. Vai faltando e eu já aumento na hora (risos). Que dali a pouco fermenta ali, eu já amasseio ele na hora. E geralmente o que eu amassei na hora fica melhor do que o que dormiu fermentando.
P/1 – E como é pra senhora ver as pessoas satisfeitas de terem comigo bolo, delas terem gostado.
R – Eles falam assim: “Nossa, o bolo hoje tá bom demais!”. E aí eles comem, tem gente que come, toma café aí. Eu já faço o cafezinho, fica lá. Tomo café, como pão de queijo, compra e leva. Aí fala: “Nossa! O bolo hoje tá bom demais!”. E outros chegam e falam: “Eu gosto é do da senhora” (risos). Tem pouco aí já leva. Tem gente que leva pra congelar.
P/1 – Como a senhora fica quando ouve isso?
R – Ah, eu acho bom demais! Eu não saio, eu vou na igreja, mas não saio. E quando saio tem que me levar porque eu quase não estou andando, não estou dando conta. Eu gosto porque eles chegam, tiram retrato, filmam o bolo, me filmam. Eu falo: “Nossa Senhora, tem eu de todo jeito nos retratos aí dos telefones” (risos). Eles filmam o bolo, filmam o pão de queijo, tiram retrato de fundo comigo e filma os trens lá na mesa, conversa comigo. Aquilo pra mim é uma distração. Ali vai pra cozinha, um vem comendo bolo pro quintal, é assim. E gosta do quintal: “Ah, eu vou pro quintal, porque eu gosto do quintal da senhora”. Aí vem no quintal, conversa, é assim, muito divertido. Ai eu sozinha, todo mundo tá dormindo e eu to batendo meu bolo, vou fazer o bolo, o pão de queijo, atender telefone. Meu freguês é que põe o bolo, a sacolinha está lá, eles chegam e eles mesmo pegam. Para aqueles que já têm costume, eles pegam a vasilha está ali com o troco, no lugar de pôr o dinheiro, eles põem o dinheiro ali e pegam o troco: “Aqui o troco, ó”. E eu falo: “Tá”. Aí eles põem o bolo lá e falam: “Dona César, a senhora quer conferir?”, eu falo: “Não, eu confio nos meus fregueses”. Aí eles põem o dinheiro, pegam o troco. Quando já tem muito, eu apanho aquele muito, escondo, porque depois eu estou sozinha e com o portão aberto. E eles falam assim: “Cuidado com gente que chega aqui”. Eu vejo aí, a pessoa bate e a senhora manda entrar, sem olhar quem é, porque a senhora está aqui sozinha, eles podem chegar aqui e fazer alguma coisa com a senhora, roubam e ainda fazem alguma coisa com a senhora. Só não deixa o dinheiro aqui, não. A senhora deixa só uns 15 reais aqui pra senhora fazer o troco”. Aí eu escuto os conselhos deles que eu já tenho aqueles que vai entrando, aqueles mais, eu vou levando lá pro quarto e deixando só a miuçalha cá. Aí quando vem nota grande tem que fazer o troco, eu vou lá pego o troco e dou pra eles. Mas é assim, as mesmas que pegam o bolo. E às vezes eu estou aqui no tanque, cá não vê. Aí a pessoa chama, eu falo: “Entra!”. Um dia eu mandei entrar, era um andarilho. Quando eu vim, que eu falei entra e era um andarilho. Aí eu já vim, já encontrei com ele já assim, ele conversou, eu dei a ele o que tinha de dar e saiu. Ele pediu e saiu. Aí os fregueses mesmo sempre me orientam: “Cuidado! Porque a senhora está aqui sozinha e eles chega aí e fazem alguma coisa pra senhora, ainda rouba e vai embora”. Mas eu ainda faço, às vezes eu venho pro tanque (risos), venho cá no tanque, venho cá fora. Às vezes eu venho pôr comida pra galinha. Tem vezes que a pessoa chama e eu não escuto, aí quem está dormindo está lá deitado, mas não está dormindo, aí chama: “Mãee!!! Ó mãe!”, aí eu venho, é gente chamando. Tem umas que chama e fica lá no portão. Aí quando eu escuto eu falo: “Entra!”. Agora eu já dei pra olhar, né? Chama, eu vou olhar. Porque com esses trens que tá acontecendo, Paracatu tá muito violento. Aí eu chego lá e mando entrar. Agora quando eu nunca vi eu vou lá e atendo. Aí eu mando entrar, que eu vejo que é bolo eu mando entrar.
P/1 – A senhora contou da sua história dos filhos, do nascimento deles e contou que você pediu pra São Benedito que olhasse pela senhora, que pusesse a mão no remédio pra senhora ficar bem.
R – É.
P/1 – A senhora fez alguma promessa, teve alguma relação com São Benedito?
R – A minha irmã naquele tempo foi Rainha de São Benedito, a gente sempre tinha aquela coisa de ir nas novenas, nas missas dele e o povo falando muito, então eu pedi: “São Benedito, põe a mão santa do senhor nesse remédio, não deixa eu vomitar mais, não”. Pois ele ouviu. Ele ouviu e daquela hora que eu pedi, não vomitei mais, só fui melhorando.
P/1 – E aí então a senhora é grata a São Benedito?
R – Eu sou, sou. Sou grata e não esqueço disso, sou muito grata a ele.
P/1 – E aí a senhora participa dessas novenas?
R – Participo. Agora participar, o dia que tem um pra me levar, às vezes ainda vou mancando até chegar lá, mas, às vezes, a gente ia os nove dias, tem dia que não tem quem leva. E tem dia que as pernas não dão mesmo, aí eu não vou. Mas eu estou sempre no último dia, nas novenas. Estou dando a minha contribuição nas barraquinhas, no que eu posso. E não esqueço.
P/2 – A senhora estava contando antes, quando a senhora ia brincar lá no rio que tinha as lavadeiras, a senhora comentou que a água do rio não pode usar mais hoje.
R – Não pode, não.
P/2 – O que aconteceu?
R – É porque a RPM [Rio Tinto Mineração, atual Kinross], esse povo fala tem medo e os esgoto que o povo jogou, a Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais] joga dentro da praia, a água fede. A gente buscava água pra beber lá na praia, a gente fazia aquelas cacimbas, apanhava água pra beber lá e não tinha negócio de filtrar, não. Chegava, punha ali no pote, bebia aquela água. E hoje não pode porque o povo já fica com medo da RPM, que fala que desce. E tem os esgotos que a Copasa jogou dentro da praia. Os trens de esgoto são dentro da praia. Aí não dá. E ela mudou muito, que tirou a água que corria pra cá, ela tinha muita água, não corre mais. Agora aquela água fedorenta, não dá. A gente tem até medo de pisar. Ficou muito ruim, ninguém tira ouro mais. Ninguém tira areia, ninguém pega pedra, nem cascalho pra construir. Porque é proibido, né? O ouro é proibido também tirar, eu já tirei muito ouro aí. É proibido, não pode. Os cascalhos também não pode, areia também não pode coar. Porque areia a gente coava pra vender, né? A gente vendia as carroças, vendia os caminhões e hoje não tem, não tem areia. A praia acabou, tem gente que constrói até dentro da praia. Sendo que quando dava aquela chuva ela ia de lado a lado. E agora não tem mais aquilo.
P/1 – A senhora falou agora que tirou muito ouro. Conta pra gente como era essa prática.
R – Era um caixote com uma bica de madeira e a que pegava o ouro era o saco. Que a gente fala saco de linhagem? Forrava a bica e elas iam apanhando aquele cascalho, fazendo aquele puxado, ia lá e tirava a prova, né? Se desse o ouro ali, ali elas iam armar o puxado. Aí ia puxando aquele cascalho, ia puxando, puxando e pondo na beira. Assim ia fazendo igual um rabo, sabe, ia pondo aquele cascalho ali, tinha que saber pôr ele, porque se não soubesse puxar, o ouro ia embora. Quando aquele cascalho estava ali, a gente ia apanhar com a pá, tinha um ralo feito de lata, sabe? Ali punha aquele cascalho e ia lavando, ponhando na água e lavando o cascalho e aquele que a gente falava gró. O gró ia pegando no saco de linhagem. Você lavava só dois caixotes por dia porque demorava muito pra lavar, apurar o ouro. Aí ocê lavava aquele pano na bateia, tirava aquele pano, lavava o caixote, aquele gró que desceu pro caixote? O fundo do caixote, você ia lavar ele e ele ia descendo pro pano. Tinha que lavar devagarzinho porque senão o ouro ia embora, porque o ouro estava ali no caixote. Aí ele grudava no pano, ocê ia o pano, punha na bateia, lavava aquele saco ali, sacodia lá, ia batear e ia tirando aquele cascalho grosso, aquele gró mais grosso e jogando. Aí ia ficando só o esmeril e o ouro, aí ela vinha e ia bateando e tirando aquele esmeril. Tinha um imã que a gente puxava ele com o imã, já tava seco, ia tirando a metade, ficava só o ouro. Aí punha num prato, tirava a escorria aquela água todinha, secava no sol, chegava com o imã, o imã pegava só o esmeril. Pegava esmeril, o ouro ficava purinho. Aí a gente punha num vidrinho, quando era fim de semana, dia de sábado, ia pra venda trocar aquele ouro. Ali onde trocava aquele ouro ficava lá o dinheiro porque comprava tudo ali (risos) com os trem, né? O dinheiro já ficava ali, fazia as compra. Agora a gente que ajudava e tinha da gente eles tiravam a parte da gente e ali já comprava o toucinho, o arroz. Tinha uma balancinha que eles pesavam, os vendeiros, que a gente trocava na venda, os vendeiros trocavam ali, pesavam: vintém. Um vintém, dois vinténs. Tinha uns ouros grossos, outros já eram uns ouros fininho. Eu já tirei ouro dentro desse rasgão aí. Aí não dá ouro não, o povo fala que aí tem ouro, aí não tem ouro, não. Só se tem agora.
P/1 – E como era ver no prato?
R – Prato... Você tinha que lavar o prato com uma folha que chamava Assa Peixe, que ela tira toda a gordura do prato. Porque se você pôr ele no prato com gordura, ele vai todo embora. Aí lavava aquele prato, prato de comida esmaltado e deixava com água ali. Aí você vinha, lavava a bateia assim e jogava tudo dentro do prato. Depois despejava no vidro, né? Quando era fim de semana apurava ele, secava ele e levava.
P/1 – E como era ver o vidrinho cheio de ouro? Aquele amarelinho?
R – Amareliiinho. Uma vez uma mulher foi tirar o ouro, ela foi tirando lá, aí ela foi juntando num vidro assim, ó. Já estava por meio e não tampou bem tampado, quando ela passou na água lá, ela escorregou, caiu e foi embora o ouro (risos). Ah, o ouro foi todinho, meio vidrinho. Aquele ouro finiiinho. Agora não dá mais ouro na praia, não, porque o que fazia trazer o ouro, o povo falava só quando chovia na cabeceira. Aí a cabeceira é que o ouro do Morro do Ouro vinha cair cá. Quando dava chuva, ficava cheio de gente na praia tirando ouro. Mas tirava ouro o ano inteirinho, ia ficando pouco, ficando pouco, aí a gente ia pros barrancos, ia desbarrancando, ia tirando cova, onde tinha. Dava na praia todinha. Onde tinha o ouro, arranchava ali. Ninguém ia, aquele puxado era de Fulano e de Fulano, cada um tinha o seu puxado, ninguém mexia. Aí chegava, quando era uma hora dessa assim, já estava esfriando, as pessoas largavam e já deixavam o puxado com o ouro todo na boca do puxado. Aí, nós íamos tomar banho no puxado e não podia porque se nós caíamos lá, a água vinha com toda a força e levava o ouro fora. Aí quando as mulheres iam embora, nós íamos pro puxado tomar banho. Quando era no outro dia que elas chegavam, já sabiam que a gente tinha tomado banho no puxado porque o cascalho tinha descido mais porque ele já estava preparado para chegar e tirar, já punha no caixote, armava o caixote e punha ali. Quando você começa, os primeiros dias seus dedos ficam tudo duro, de lavar cascalho. Você vai lavando, lavando e jogando na água, lavando. Aí de tarde você está com os dedos duro de tanto que você lavou cascalho. Mas é difícil.
P/1 – E vocês usavam só o imã, não usavam mais nada?
R – Não, só o imã. E secada ele no fogo. Chegava no fogo devagarzinho, ele ia secando, secando, ficando sequinho, aí vinha com o imã, puxava o esmeril todinho. Ali ficava o ouro purim, aí ia pra venda, vender. Vender lá baratinho, né? O que gastou em uma semana. Chegava lá que a gente pensava que ia dar muito, dois vinténs, três vinténs, um vintém. Mas dava pra comprar os trens, né? Comprava o toucinho, comprava o arroz, feijão.
P/2 – Mas qual era a quantidade?
R – Era prato. Era uns pratos assim, ó, quadrado, de madeira, aí falava: “Me dá um prato de farinha”, ia lá e enchia aquele prato. Um prato de farinha é tanto, nem sei, 500 réis. Um prato de arroz, um prato de feijão. Era assim.
P/2 – Mas e a quantidade de ouro que levava pra vender, quanto que era?
R – Ih, naquele tempo sempre dava, eu ouvia o povo falar 500 réis, 200 réis, era assim, eu não entendia aqueles trens, 200 réis, 500 réis, era assim. E eu não sabia o valor dele, 500 réis é quanto hoje, né? Eu não sei. Vendia e levava muita coisa pra casa. Mas também o dinheiro não levava nada, ficava tudo ali nas vendas. Só os toucinhos que eram de quilo, carne seca, aqueles jabá. Comprava aí e ia todo satisfeito pra casa, com o saco cheio (risos). Agora hoje não dá. Mas a gente adoeceu. Muitas pessoas que tiraram ouro não teve uma vida boa, não. Acabou assim, muito doente. É por causa da friagem, né? Aquela alimentação muito ruim. Era o dia inteirinho na praia tirando ouro, chegava quase oito horas esperando a água esquentar. No tempo do frio, quando a gente pisava na água o seu pé doía. E você tinha que aguentar aquela água ali o tempo todo, o tempo todinho. Aquela enxada grande, com o cabo grande, você puxando o cascalho do fundo, tinha puxado e ficava fundo demais. E ocê via mais era mulher tirar ouro, era mulher.
P/2 – Por quê?
R – Não sei por que. Acho que porque os homens tinham mais serviço pesado e as mulheres iam pro ouro. Tinha homem tirando ouro, mas mais era mulher. Tirando ouro e coando areia, mais era mulher. Porque tinha o caminhão, tinha os carroceiros buscando areia o dia inteirinho na praia, que as mulheres coavam. A gente coava aquela areia, vendia. Tinha um monte de carroça e um monte de caminhão, que a gente coava. Hoje eu vou coar um caminhão de areia, era o dia inteiro. Você vinha, ia coando areia, a areia vinha até aqui, ó. Você ia coando, aí quando você arrancava o pé do lado de dentro da areia, ia pra frente, pra ir formando mais, ia compridando, compridando. Aí o caminhão chegava e comprava aquele caminhão de areia. A areia não dava, fazia o dinheiro na areia, mas era barato, né? O dia inteirinho carroceando na praia, apanhando areia. Agora cascalho chegava e apanhava, né? Mas a areia. Aqueles cascalhos que a gente coava da areia, que jogava? Aquele cascalho que eles apanhavam pra fazer os concretos. Era aquele cascalho. Hoje já vem os cascalhos, e se vir hoje fala que não presta, a areia da praia não presta. Também não tem, não tem mais, não. A praia está muito ruim.
P/2 – Dona César, e por que as pessoas pararam de pegar ouro?
R – Foi proibido. Proibido. Esse povo aí, prefeitura com não sei o quê proibiu. Proibiu tirar ouro e pescar, foi proibido. Se pegasse tirando ia preso. Aí veio ladroagem, roubo, proibiu, o meio da pessoa trabalhar foi proibido, acabou. Agora aí ninguém trabalha e nem sabe trabalhar mais, ninguém aprendeu, porque a gente vai aprendendo com os pais, com os adultos, hoje não aprendeu, foi proibido. O meu mesmo eu aprendi com a minha madrinha. Meu pai não tirava ouro, ele era carpinteiro e já não trabalhava mais também.
P/1 – E pensando em todas essas comidas que a senhora falou e que a senhora faz, a senhora pensa em ensinar os seus netos para que essa tradição continue?
R – Eu ensino, eu vou de domingo, as pessoas vêm, eu ensino, mas eles não acertam. É difícil, até eu que faço, tem dia que eu tenho que consertar ele de manhã. Tem dia que ele fica muito mole e eu tenho que pôr mais fubá. Se ele fica duro, você tem que escaldar ele direito, escaldar mesmo do jeito que cozinha a massa. Você ensina: “Ah, ficou mole demais” “Ah, ficou duro”. É assim, eu ensino. Tudo o que eu sei eu ensino, pra quem quiser o que eu sei eu ensino.
P/1 – Por que é importante passar pra frente esse conhecimento, essa tradição?
R – A gente não pode querer só pra si, né? Eu não vou ficar pro resto da vida, vão ter que aprender, não é? Então, eu ensino. Todo mundo que me pergunta eu ensino. Tem gente que eu escaldo o bolo um pouco pra pessoa ver como que eu tô escaldando. Aí a pessoa: “Ah, mas eu fiz” “Não, se ficou duro é porque você não escaldou direito, a massa ficou dura”. Aí eu escaldei um dia aqui pra menina, do jeito que eu faço, ali com ela perto, só escaldei pra ela ver, pus tudo e escaldei pra ela ver como que tinha que cozinhar a massa. O fermento não pode passar, se passar ele fica azedo. Não pode, é o tanto certo. Meço o tanto do fermento pra pessoa. E tem gente que não acerta, não acerta mesmo. Que ele é difícil, ele é difícil. Juranda mesmo fala: “Nem, mãe, eu não quero saber desse negócio, não. Esse trem dá muito trabalho” (risos). Agora, às vezes, tem vez que eu passo mal, nossa senhora, de noite, na hora que eu estou mexendo com o bolo, aí ela levanta pra assar, assa pra mim, mas preparar não. Mas eu quero deixar, já estou querendo deixar, não estou aguentando mais não. Domingo retrasado mesmo eu não aguentei assar o bolo, foi tonteira, tonteira o tempo todo, não aguentava parar em pé. Aí ela se levantou, assou, vendeu. Eu quero parar, mas tem que regularizar um pouco e parar. Essa fazeção de fubá. Soquei muitos anos, muitos anos, eu e Paulo, eu socando e ele também. Agora, liquidificador já quebrei três! Cinco quilos de arroz você leva dois dias pra bater, porque se você for bater tudo ali você queima um liquidificador toda semana (risos). Aí não dá. Você tem que pôr pouco, você vai pondo pouquinho no liquidificador, batendo e coando, batendo e coando. E ele esquenta, tem hora que ele pega um fogo, aquele fumaceiro. Aí eu falo: “Mas eu não vou desistir, vou comprar outro” (risos). Mas eu compro esse simples, né? Que esses outros, Juranda comprou: “Não, mãe, esse aqui bate, é uma beleza”. Não bate. Não bate nem maçã (risos).
P/1 – E pra gente ir encerrando, dona César, o que a senhora achou de contar um pouco da sua história pra gente?
R – Ah, muito bom contar história, sentar um pouco, conversar, é bom. É muito bom.
P/1 – A senhora se lembra de algum causo ou alguma cantiga que você cantava enquanto fazia os trabalhos ali na beira do rio?
R – Nossa, era tanta... Era piada (risos), era música. Ih, era muita coisa. Ah, tem muitas músicas. Era naquele tempo que saía aquelas músicas. É Boneca Cobiçada, era tanta música, era caipirão, que a pessoa cantava, contava caso de assombração. A gente gostava muito era de caso de assombração. Quando era de noite, a gente estava morrendo de medo. E contando, contando. Era piada, era caso, era assim. Era contando de namorado, as meninas. E contando nas roupas que: “Ah, Fulano, você hoje vai com que roupa? Com que cor?”, era assim. Era divertido. Muito bom. Música, cantava mas era pouco. Aquela aflição daquelas pessoas tudo pobre, pelejando com muita roupa, sabe? Não era só de um dono, tinha gente que tinha, ali na praia estava lavando roupa de três donos. Você punha roupa no quorador assim, ó, tudo junto assim e você sabia qual era a sua, do dono. Você apanhava, levava a roupa, lavava, secava, levava tudo direitinho. E ia voando aquelas roupas com aquela água branquinha, jogava aquela roupa ali naquela água que estava correndo, não tinha esse negócio de trocar água no tanque, igual troca. Era divertido, muito divertido. Era contando, era caçoando, o povo caçoava muito dos outros (risos). Mas era tudo farra ali.
P/1 – E pra gente terminar eu queria saber da senhora quais são seus sonhos.
R – Meu sonho?
P/1 – Isso.
R – Arrumar minha casa. Arrumar minha casa, aumentar ela aqui pro fundo, trocar meu telhado que a hora que chove, a casa molha toda (risos). Aí fica pelejando. Eu aposentei, estou esperando o atrasado pra arrumar. Aí eu fico: “Ai, meu Deus, eu quero arrumar”. Porque Juranda não está trabalhando porque ela trabalhava na faculdade, aí foi mandada embora e ainda não está trabalhando. É só o marido dela que é agrimensor, sempre está trabalhando pras roça. E a gente pelejando. Meu sonho é arrumar minha casa. A gente fica fazendo as coisinhas assim: vai dando, a gente vai fazendo. Agora eu falei, estou esperando o atrasado pra ver se eu arrumo o meu telhado. E aumentar um quarto porque tem a menina, né? Eles casaram mas mora comigo e tem a menina, eles falam: “Não, nós não podemos deixar a senhora sozinha”. Aí tem a menina, tem que fazer um quarto que ela dorme no quarto com a mãe dela, né? Aí eu passei meu quarto pra Juranda, que é grande, e fico no quarto dela que é pequeno. E Larissa no outro. Meu sonho é esse, é arrumar meu telhado e aumentar mais um quarto aí. É o sonho meu. Eu fico doida. E ver meus netos caminhando no caminho reto, Larissa que eu crio desde bebê. Ela terminou o segundo grau, estou pagando o curso de Enfermagem pra ela, o que eu faço é pra eles, quer dizer que eu esqueço de mim (risos). Então fico cuidando deles: “Mãe, a senhora tem que cuidar da senhora, da saúde da senhora”. E eu tenho que fazer uma cirurgia, ainda não deu pra fazer. E acho que nem vou fazer, porque aí já estou velha, né? Tenho que fazer a cirurgia de vesícula, ainda não deu pra fazer. “Juranda, não tem condição de eu ir fazer uma cirurgia sabendo que tá faltando alguma coisa em casa. Eu tenho que fazer o bolo e eu tenho que estar lá no hospital pensando que ocê não vai dar conta de fazer o bolo”. Porque o povo come e fala assim: “Não, mas esse aqui não é o que a sua mãe fez, não” (risos). Aí ela fala: “Não, é porque minha mãe está adoentada hoje, aí eu que vinha”, aí vem ele e ela pra cozinha, né? “Não, tá bom mas não é o que a sua mãe faz, não” (risos). E aqueles fregueses de muitos anos, que vem na porta, eu vendo tudo aqui na porta. No começo, meu menino saía vendendo, depois veio todo mundo na porta. Deus me ajude que eu venda tudo aqui, na porta. Diminuiu, sabe? Eu vendia 300, 360 bolos diminuiu, caiu bastante. E também é bom porque não estou dando conta, não. Quando chega ali pras dez horas eu não estou aguentando mais ficar em pé, já estou sentando, pelejando, os fregueses chegam, o forno está ligado, eu falo com ele pra eles vir, eles vêm. Ponho o bolo, ponho o dinheiro lá, ou então eles me dão na mão quando tem que dar trocar, quando tem o troco eles pega ali que é pouco. Mas eu quero arrumar a minha casa porque a hora que os atrasado chegar eu vou trocar meu telhado. Se vocês vierem aqui no tempo de chuva, vocês têm que andar na casa de sombrinha aberta (risos). Aí eu arrumando meu telhado, essas coisas, aí eu paro. Porque aí não sei quando que vai ser esse atrasado, né, se é pouco, se é muito, porque tem o advogado que a gente tem que dar, então, é difícil.
P/1 – Então, Dona César, a gente, em nome da Kinross e também do Museu da Pessoa agradece e muito a sua entrevista, viu? Muito obrigada.
R – Nada! Quando precisar estou aqui (risos). Só que vocês marcam antes que daí dá tempo de eu amassar um Bolinho de Domingo pra ocês experimentar. Eu tava amassando um pão de queijo, tá lá na gamela, se ocês quiser esperar eu terminar de amassar e assar, ou se ocês quiser voltar mais tarde, aí eu vou assar e guardar aí procês.
P/3 – Dona César, deixa eu te perguntar uma coisa, a senhora contou que lembra um pouquinho das músicas. Você não sabe cantar nem um pedacinho de nenhuma?
R – Quer ver? A única música que tocava mais era Boneca Cobiçada. Tem muita música que às vezes eu estou aqui lavando roupa, fazendo os trens eu tô cantando, né? Mas quando chega assim na hora (risos). Ou estou varrendo o terreiro aqui eu estou cantando. Eu rezo muito, gosto de música, gosto de caipira. Mas xingo muito (risos). Tem dia que esse povo aqui fica quente comigo (risos). Quando estou com o pé bem pesado eu xingo, mas eu canto umas músicas boa. Você sabe que eu já perdi a memória uma vez? Que eu nem sabia nem se eu era César, não sabia nem se aqui era a minha casa. Acho que o que a gente tem que passar. E eu levantei, lavei roupa, depois eu não conhecia roupa. Aí eles conversavam comigo e eu olhava, via aquela coisa e eu falava: “O que é isso?”. Também durou poucos instantes, aí me levou pro hospital. A Nininha veio ali e me levou pro hospital e fiquei boa, acho que é de tanta aflição, não é? Mas Deus foi tão misericordioso comigo, não deixou (risos) eu ficar assim sem sentido. Mas eu sabia, eu cantava muito, música de igreja eu cantava, cantava. Tem dia que eu estou ouvindo as músicas, mas eu to com o pensamento no serviço. Eu não sento, eu trabalho o dia inteiro. O dia inteirinho porque eu sou exigente. Elas fazem mas eu não gosto, às vezes elas fazem mas eu quero corrigir. Eu falo: “Não está certo assim”, aí eu vou limpar a casa e tudo e vou xingar (risos). Tem dia que eu não estou aguentando esse fardo. Mas eu levanto cedo, gosto de levantar cedo, levanto cinco, cinco e meia. Gosto de ver minhas galinhas no quintal, vir varrer o quintal, tratar das galinhas. Quando o povo levanta eu já lavei muita roupa. Com o rádio ligado do lado. Mas tem hora que o rádio tá ligado e eu não tô nem, tô vendo barulho. Mas eu cantava, cantava muito. Boneca Cobiçada, tinha uma outra também...
P/1 – Que música é essa, Boneca Cobiçada?
R – Nem sei que começa ela, gente. Falava (canta): “Nas noites de sereno. Seu corpo não tem dono. Teus lábios têm veneno. Se queres que eu sofra. É grande o seu engano. Pois olha nos meus olhos, vê que não estou chorando”. E eu cantava muito, depois fui deixando, as preocupações também vão aumentando, tem filho, tem neto, né? A gente já fica preocupado. Liga o rádio, nem presta atenção, tá vendo que tem um barulho ali, mas tem hora que a gente nem tá prestando atenção. Mas eu ainda vou prestar. Vai chegar uma hora de eu sentar e ficar ali, ouvir minhas músicas, porque eu não sento pra ouvir. Eu ligo e fico fazendo as coisas. Eu venho aqui no quintal, eu vou lá dentro, eu vou lavar banheiro, eu vou lá pra fora, eu vou limpar lá fora, eu vou varrer a porta de rua. É assim. E aí já estou pensando no almoço, na hora certa. Mas vai chegar uma hora de eu poder sentar, ouvir minhas músicas. Agora quando é tempo do Natal minha irmã vem pra cá, traz aquele CD antigo, mas só de bolero, valsa, tem um samba também até que é bom, a gente ouve, nós duas danças. Eu danço com meu filho, eu danço com os outros, eu danço aí. A dor nas pernas some, né? (risos) E a gente dança, é assim mesmo. Depois que eu casei eu não passeei mais não. Às vezes Paulo saía, mas eu tava aqui. Que aí já tinha os dois meninos, já ficava mais difícil. Meu marido tocava, tocava violão. Ele tocava com o Zotti André. Às vezes, ele tocava nas festas, nos aniversários. Agora, meu filho toca, toca violão. Juranda começou os teclados mas não foi pra cima, não. Mas eu sempre estou pagando os cursinhos que a gente dá conta, porque aqueles cursinhos eles vão fazendo, né? Mas ele trabalha muito à noite, porque ele trabalha de vigilante na Kinross. Agora quando o chefão tá aí, ele trabalha com eles, levando eles prum lugar, guarda costa deles. Meu filho é grande, alto (risos). Juranda já é mais baixa. Ele sempre trabalha mais é a noite, aí vai dormir de dia pra de noite ir de novo. Casado também, a mulher dele trabalha em laboratório Carlos Chagas. Eu tenho quatro netos, três mulher e um homem. É Larissa que eu crio, que é a primeira, tem o Gustavo, tem Isabela e Maria Alice a última. Até agora, né? (risos). Sou feliz demais com meus netos, é uma benção meus netos porque eu não saio, mas eu sei que tem eles, eu sonho muito com o futuro deles, eles trabalhando. Quero que Juranda arranja mais um (risos), é bom a casa cheia de neto, né? É. Por enquanto, a atenção é Maria Alice, mas ela também quer mais um. Vamos ver (risos). E eu quero também. Então o Paulo tem os três, né? Duas mulheres e um homem. Mora lá na Rua Carambola, não sei... Se for para eu ir na casa dele eu vou, mas não aprendo. Se for pra ir sozinha eles me levam, né? Se for pra ir sozinha eu não sei ir não. Eu não acerto de jeito nenhum, acho tudo parecido com um lugar só. Agora aqui na cidade eu rodo, se for pra lá, não, nesses bairros, eu não sei, que eu quase não vou, né? Aí não sei, toda vez de ir na casa dele tem que me levar. Ele mora lá, minha irmã mora na Bela Vista, tudo tem que me levar porque de primeiro eu andava, eu andava essa cidade todinha de pé, eu não tenho paciência pra esperar ônibus, você fica no ponto toda vida, aí já fui lá e já voltei, né? Eles brigam: “Não, a senhora anda de ônibus de graça, espera” “Não”. Agora, Valderi, o meu genro tem carro, Paulo César também tem, mas todos os dois trabalha, agora mesmo já tá pra roça, né? Tem dia que ele vai cedo, como hoje ele foi cedo só chega de tarde, não sei se ele já chegou. E Paulo César também, trabalha à noite e vai dormir de dia. Aí eu fico esperando a hora que eles podem. Mas tá bom, né? (risos) Eu nunca pensava de ter o que eu tenho, nunca pensava. Porque eu vim da pobreza mesmo. Porque tem gente que vem da pobreza e eu sou uma pobre que eu nunca sonhei e eu sempre sonhei em crescer. Cresci até assim, tá bom, meus filhos trabalham, eu ainda to trabalhando, to com minha casinha boa ou ruim mas tô aí, então. Mas cresci porque do jeito que eu vim, da pobreza que eu vim, e do jeito que meus pais morreu, nós não tínhamos nada, a moradia nossa era o emprego, hoje eu tenho a minha casa, a minha irmã tem a casa dela, tem uma em Brasília e eu tenho só mais essa aqui mas tenho, não pago aluguel. E tem gente que vem da pobreza e eles atolam na pobreza e não quer sair. Mas tudo quanto era serviço que aparecia pra ganhar o pouco ou o muito eu fazia, não é? Porque veio pouco, veio muito, o pouco com Deus é muito. Se vinha uma roupa para eu passar, eu passava. Pra lavar, eu lavava. De domingo os jogadores jogavam, terminava lá, trazia as roupas, de domingo mesmo eu lavava. Eu tinha esse dinheiro, não é? Aí eu já fiz geladinho pra vender, até isso eu já fiz. Tudinho. Lavagem eu já busquei nesse Paracatu todinho. Trouxa de roupa toda vida eu lavei aqui porque eu tinha meu marido pra comer na hora, tinha meus filhos pra buscar na escola, tinha pra levar, tinha as comidas deles, então lavava tudo aqui. Mas naquele tempo não tinha relógio, hoje já tem. A água fica cara. Também eu já não lavo mais pros outros (risos). Então tá bom, cheguei até agora. Ainda estou pedindo a Deus pra eu ir até os 300 anos (risos).
P/1 – Ah, tá bom!
R – Lúcida, né? Porque sem ser lúcida não dá, faço, trabalho, então, eu quero ir até os 300 (risos). De primeiro eles viviam, né, 500 anos. Também quero viver até os 300 aí, lúcida, vendo meus netos, filhos dos meus netos, tudo aí.
P/1 – Tá certo, então, dona César. A gente de novo agradece a sua entrevista, muito obrigada.
R – (risos) Nada, gente! A hora que ocês precisar pode vir. Aí ocês espera aí que eu vou amassar o pão de queijo e asso. Se ocês quiser dar uma volta e vir.
FINAL DA ENTREVISTA
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