Projeto Memória do Comércio de São José do Rio Preto 2020-2021
Entrevista de Hayssam Mohamad Akad – Kiberama
São José do Rio Preto, 11 de maio de 2021
Entrevistado por Ana Eliza e Cláudia Leonor Oliveira
Entrevista MC_HV068
Transcrita por Selma Paiva
(00:51) P1 – ‘Seu’ Hayssam, para começar eu gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que o senhor nasceu.
R1 – O meu nome é Hayssam Mohamad Akad. Eu sou da Síria, de Damasco. Nasci dia 29 de julho de 1943.
(01:19) P1 – Perfeito. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Meu pai, falecido, chamava Mohamed Akad e a minha mãe chamava (01.30) Hizaji Akad.
(01:35) P1 – Legal. E o senhor chegou a conhecer os seus avós, lá na Síria? Como eles chamavam?
R1 - Na Síria. Conheci a avó, a mãe da minha mãe. O meu avô lá, o pai do meu pai, não cheguei a conhecer, não.
(01:54) P1 – Certo. E, ‘seu’ Hayssam, o que eles faziam, o seu pai e sua mãe, na Síria? Eles eram de qual profissão?
R1 – A minha mãe cuidava do lar, éramos em nove filhos, no total. E o meu pai era comércio. De secos e molhados. Produtos de vendas de comércio em geral.
(02:27) P1 – Sim. Muito bom, ‘seu’ Hayssam. E quando o senhor nasceu, o senhor nasceu em Damasco, né?
R1 – Perfeitamente.
(02:35) P1 - O que o senhor lembra da cidade de Damasco, da sua infância? A gente sabe que Damasco é uma das cidades mais bonitas do mundo, né? Quando aparece na TV...
R1 – A mais antiga do mundo. O segundo... acompanhando por livros religiosos, históricos, a cidade de Damasco é a mais antiga do mundo. Eu nasci lá e cresci lá e saí com quase 19 anos de idade. E saí porque a guerra estava acabando com muita gente e a família quer segurar os filhos, por isso mandaram sair de Damasco. Era a fim de ir para a Alemanha. Só que, na época, estourou uma confusão lá dos atletas e proibiram a ida lá para a Alemanha. E o único país do mundo que estava aceitando imigrante era o Brasil. Então, eu parti para o Brasil, na época.
(03:46) P1 – Certo. Mas, ‘seu’ Hayssam, quando o senhor era criança, como é que era Damasco? O senhor lembra, assim, da casa que o senhor nasceu, da rua como é que era, o que o senhor brincava na rua, como que era?
R1 – Eu... nossa família, nós temos era a casa da antiga Damasco. Aquelas ruas estreitas, não tem aqueles prédios modernos, mas assim mesmo nós saímos de lá porque as ruas antigamente eram tão estreitas, que não passavam carro. E a gente, de manhã cedo, antes de ir para a escola, eu lembro muito bem na época que passava aquelas ovelhas, com sino no pescoço, fazendo barulho, para a gente levantar e tirar o leite, naturalmente a pessoa, o dono, tirava o leite na hora e a mamãe pegava e preparava o leite e a gente ia para a escola de manhã. E acontece que lá é quatro estações por ano. Daí chega na época da neve, a gente tem de sair bem agasalhado e ia correndo, às vezes chegava, antes de chegar, começava a brincar com aquela neve, fazia bola de neve, brincava. Só que o professor era mais enérgico, na hora de entrar para a escola, todo mundo tem de parar em fila e cantava o hino nacional de lá e depois subia a escadaria até a sala das aulas. Nas salas de aula não pode entrar de uma vez, tem de ser um por vez para sentar e antes de sentar eu lembro que ficava de pé, até a professora ou o professor entrar para a sala e aí todo mundo: “Bom dia, professor”, aí ele pegava o local dele e mandava sentar. E a gente tem que participar de um hino nacional, participava de uma leitura de um livro religioso e não podia relaxar, brincar, brigar, aí tem castigo. Isso eu lembro bem.
(06:27) P1 – Certo. E, ‘seu’ Hayssam, qual língua que era dada na escola, na Síria? Que língua que vocês aprenderam a falar lá e escrever?
R1 – O árabe é língua oficial. Só que o árabe pegou depois que a França, depois da saída da França, depois da guerra mundial, porque era a França também que dominava a língua francesa. E o árabe, depois que a França saiu de lá, pegou a liberdade e aí que só o árabe e mais língua, pode falar em francês, pode falar em inglês e o árabe é a língua que domina lá.
(07:16) P1 – Certo. Mas o senhor foi alfabetizado em árabe, então? Não em francês?
R1 – Em árabe. Não, em árabe. Inclusive esses dias até eu estava brincando com a minha netinha aqui e eu falei: “O vovô tem um diploma. Vem cá ver”. Mostrei o diploma em árabe com a minha fotografia (risos). Eu era novo, né?
(07:39) P1 – Muito bom. ‘Seu’ Hayssam, o senhor, além de estudar, ajudava na loja do seu pai, de secos e molhados? O senhor trabalhou lá? Como que o senhor começou a trabalhar?
R1 – Eu vou te falar uma coisa, trabalhar, como a gente estudava não dava tempo, porque estuda o dia inteiro, integral, o dia inteiro. E à noite tem de ficar fazendo as tarefas, isso, porque eu era um dos mais novos e não ia lá para ajudá-lo. Tem que fazer tarefa e ajudar os irmãos também.
(08:18) P1 – Certo. E, ‘seu’ Hayssam, o que vocês faziam com a família, no final de semana, assim, para se divertir? Onde que seu pai e sua mãe levavam vocês para passear, lá em Damasco?
R1 – Lá nós temos tipo uma... não é sítio, é uma propriedade que a gente ia lá para nadar, brincar, jogar bola, final de semana e lá o dia de descanso é sexta-feira, por causa da religião de lá, que é a religião muçulmana que domina e a gente, chegava final de semana, um quer jogar bola, outro tem aquela brincadeira de criança e a gente sempre juntava os amigos, tem aquelas brincadeiras de final de semana, a gente... tipo um piquenique. Pegava o trem, vai lá numa propriedade rural, lá onde tem fruta, tem um rio, a gente nadava. É um final de semana alegre.
(09:28) P1 – Muito bom. Muito legal, ‘seu’ Hayssam. E o senhor, a família do senhor é católica?
R1 – Olha, eu vou te falar: a religião não faz a pessoa. A gente tem fé em Deus, a religião lá tem católico, ortodoxo, tem maronita e a maioria, por causa da religião, é muçulmana. Porque é a Turquia que manda no país, era, nos países árabes e a religião lá que tem que seguir, é muçulmana. Então, a gente tem, aprendemos, o aprendiz, desde pequeno a gente seguia a religião que os pais ensinam. E final, uma vez por semana, vai na mesquita. Lá tem mais mesquita do que outras religiões. Então, a gente ia lá rezar com os pais, com os irmãos e, final do dia, porque a religião muçulmana, não entrando nesse assunto, é só uma religião que cinco vezes por dia você tem de rezar. Então, de manhã, ao amanhecer, na hora do almoço, a tardezinha, na hora que o sol se esconder e antes de dormir. São cinco orações por dia. Não todo mundo segue. A gente gosta, respeita, só que é a religião que domina lá. É muçulmano.
(11:12) P1 – Tá certo, ‘seu’ Hayssam, e na escola o senhor foi até qual ano, assim, estudando lá na Síria?
R1 – A gente, antigamente não se falava o ginásio, aquilo não, mas eu terminei o ginásio e ia fazer faculdade, mas a família, com aquela confusão de guerra, fez eu sair de lá. Aí saí fugido, apenas o passaporte que eu tinha, gastei para ter, porque eles não liberavam, porque estava na época de fazer o serviço militar, obrigatório lá. Então, com dezoito anos você tem que fazer. Aí eu consegui fugir da Síria para o Líbano, com passagem comprada, com passaporte pronto. Gastamos o que podíamos e o que não podíamos para sair de lá e eu fugi de lá e fui parar no Brasil. E até hoje.
(12:15) P1 – Sim. E o senhor gostaria de ter feito faculdade de que área, naquela época?
R1 – Engenheiro Eletrônico. Eu ia sair para a Alemanha, só que teve aquela confusão dos palestinos, atletas, foram lá para Munique e teve aquela matança entre os atletas israelitas e, no fim, o governo da Alemanha proibiu a entrada de estrangeiros árabes, por causa daquele caso. Aí eu tinha que sair, eu estava no outro país já para sair, aí o único país que estava lá livre para eu passar, sair da Síria, foi para o Líbano. E no Líbano peguei o navio e fui embora, por que era República Árabe da Síria e eu entrei por causa do quê? O nome estava marcado, em São Paulo pode entrar. E era o nome tipo Estados Unidos e eu não sabia que Estados Unidos era América do Norte, Estados Unidos do Brasil e eu acabei ficando no Brasil. Mas eu estou feliz, viu?
(13:45) P2 – (risos). Foi em 1972, ‘seu’ Hayssam, que o senhor veio?
R1 – Aqui em 1965.
(13:57) P2 – 1965?
R1 – Isso.
(14:00) P2 – Certo. Muito bom. (risos)
(14:03) P1 – ‘Seu’ Hayssam, como foi a chegada do senhor no Brasil? O senhor foi primeiro para São Paulo, para depois vir para Rio Preto?
R1 – Fui para São Paulo, isso. São Paulo. O navio era italiano, saí da Itália, de Gênova, fui para Roma e depois fui parar em Santos. E Santos porque tem que descer, porque o meu passaporte, a passagem tem que ir para o Brasil, na chegada foi para Santos. De lá, porque não falava português, não falava, não tem parente, não tem irmãos, não tem pai, mãe, primos, não tem ninguém. Aí tem que partir, primeira coisa, para hotel e depois tem que dar um giro nos patrícios que têm lojas lá, para pegar orientação, onde mandaram para São Paulo. Em São Paulo, naturalmente a Rua 25 de Março, tem aquelas ruas bastante árabes, sírios, não só sírios, como tem palestinos, ‘egipciano’, tem libanês, tem sírio. E aí comecei a escrever algumas palavras, para me defender em árabe e a tradução. E aí que comecei a andar até um amigo que conheci, que era professor em Damasco e, por coincidência, era professor de um tio meu. Aí me acolheu, falou: “Não, você vai ficar na minha casa e nós vamos ver o que a gente vai fazer”. Mas acontece que a solução era restaurante, para mexer com comida árabe e você sabe, para aprender a falar, tem que ter contato no balcão, com o povo, para você aprender a falar. Apesar que muitas palavras eles ensinaram a falar errado, errado quer dizer besteira. Chegava numa pessoa e falava aquele besteirão para ele, era gozação, no começo. Mas aprendi, porque a gente só aprende apanhando. Aí comecei, entrei num restaurante que chama Almanara, um tradicional restaurante árabe em São Paulo e tem em vários lugares e aí comecei a ser o novato de lá. E lá a turma, pela idade que eu tinha e a conversa em árabe, a situação, isso e aquilo, fiquei dois anos trabalhando num restaurante que chama Almanara. Até que um dia apareceu uma oportunidade para vir para Rio Preto, São José do Rio Preto, onde eu comecei um restaurante meu e tinha sócio, porque sozinho não dava conta, não entendia. E foi cinquenta e tantos anos com esse restaurante em São José do Rio Preto. E meus filhos, casei, meus filhos o braço direito, todos eles. A gente gosta de fazer reunião em casa. E casei, já tenho três netos, graças a Deus. E hoje eu tô aposentado, pronto! Hoje eu tenho aposentadoria.
(17:32) P1 – Sim. ‘Seu’ Hayssam, mas lá em São Paulo não deu para o senhor se sentir muito sozinho lá? Porque, assim, é uma pergunta isso, né? Porque tinha muita gente da sua comunidade, né? Sírio-libaneses. O senhor encontrou um bairro lá que tinha bastante gente, que o senhor podia conversar, se enturmar? Teve isso?
R1 – Foi. Foi. Acontece que quando é uma pessoa novata, aí vai apresentar um para o outro e me levaram para o Clube Homs, o Clube Sírio-Libanês, o Clube Sírio, o Monte-Líbano. Comecei a frequentar e inclusive eu sabia aquela dança folclórica, chama “dabke”. Eu comecei a ensinar o pessoal e aí adquiri uma amizade grande. Eu ia para a casa de um, casa de outro, para a gente não se sentir sozinho, porque você sabe, a saudade... (choro).
(18:40) P1 – Eu imagino como foi difícil.
R1 – Mas é, a necessidade ensina você a enfrentar tudo. E sozinho, o que vai fazer? E como eu tinha que fazer visita à minha mãe que estava lá na Síria, com saudade do meu pai, família, eu não podia viajar, porque tem que... se for, tem que fazer serviço militar, obrigatório lá. Então, completei dez anos, fiz a minha naturalização e acabei indo com passaporte brasileiro. Além disso, o governo queria me pegar, para fazer serviço militar. Mas evadi, eu estou aqui. (risos).
(19:33) P1 – Tá certo. E, ‘seu’ Hayssam, como é que o senhor conheceu a sua esposa? Foi em São Paulo ou em Rio Preto?
R1 – A minha esposa, a minha esposa você vai rir, mas tudo bem. A gente tem que arrumar namorada, noivar, casar. Aí cheguei do Monte Líbano, era o clube da sociedade libanesa, sírio-libanesa, apesar que atualmente é mais brasileiro do que sírio-libanês no Monte Líbano. Aí eu comprei um título e eu fui frequentar o clube. E eu peguei uma pessoa conhecida lá e falei: “Vem cá, quais famílias boas daqui e ricas, que eu quero encostar, né?” (risos). Ele falou: “Olha, tem família...”. Ela está rindo de mim, né?!
(20:32) P2 – Eu estou adorando.
R1 – E falou: “Olha, tem família Tarraf, Haddad, Cury, várias famílias árabes são bem de situação. E eu falei: “Me mostra qual deles, dessas famílias, está tomando sol aqui”. E ele falou: “Olha, tem aquelas três moças lá são filhas de Tarraf”, que Tarraf é família tradicional em Rio Preto, né?
(20:59) P1 – Sim. Sim.
R1 – E eu falei: “E aí?” E ele falou: “Ué, se quiser namorar é só chegar lá, tem que enfrentar”. E eu falei “Ué, tudo bem”. Eu olhei qual era a mais bonita das três - aliás uma cunhada minha faleceu há pouco tempo, Deus que tenha - fui lá com a cara de pau, ofereci um refrigerante e fui conversar com a mais bonitinha, né, que é a minha mulher (risos). Aí o tempo foi passando, fui namorar, frequentar a casa do pai dela, mãe dela, que eles gostam de ter um árabe na família. E, no final, acabei ficando noivo e deu tudo certo. Só que, no casamento, na hora que falaram Tarraf, ele foi lá para saber Tarraf qual deles, porque tem três, quatro famílias aqui e eu escolhi a mais simples delas, não tinha dinheiro, mas eu casei. (risos). Era a mais simples. Porque era bonita, deu para conversar, porque você sabe que aqui o respeito em primeiro lugar. Então, casei através do conhecimento do clube, conheci, frequentei a casa deles e acabei me enforcando. (risos).
(22:24) P2 – Onde foi o casamento, ‘seu’ Hayssam?
R1 – Muito obrigado. Ela me deu quatro filhos lindos e ainda três netos. E está tudo bem.
(22:36) P2 – Que benção, né?
R1 – Todos casados, formados. E eles trabalham comigo, tomam conta do restaurante e tomam conta de mim também, porque estou com 67 anos atualmente e está bom.
(22:51) P2 – (risos) ‘Seu’ Hayssam, onde foi o casamento? Foi em São Paulo?
R1. Não, foi aqui. Foi naquela igreja da Redentora, em Rio Preto. E na época eu tinha que fazer o curso para fazer noivado, senão o padre não casava a gente, porque a religião era outra. Acabei sendo batizado aqui, mas com respeito, não tem nada de obrigação. E hoje eu tô aqui trabalhando, não parei de trabalhar, mas eu dou uma chegada lá. Meus netos juntam, brincam, eu tenho uma chácara, a gente nada, faz comida árabe e, graças a Deus, está tudo bem.
(23:40) P1 – Tá certo. ‘Seu’ Hayssam, e como é que foi essa decisão do senhor largar o emprego lá no Almanara e abrir um restaurante em Rio Preto? Por que o senhor escolheu Rio Preto e decidiu abrir o seu próprio negócio?
R1 – O caso é o seguinte: você quer que eu falo a verdade? A gente não gosta de trabalhar para os outros. Tem que trabalhar para você. Você tem que plantar e o mais difícil não é montar, é manter. Então, eu cheguei para Rio Preto, escolhi Rio Preto porque tem bastante, mais de vinte e tantos por cento de árabes aqui em Rio Preto, filhos de árabes. E a gente tem quase uma família só. Porque aqui eu me senti mais à vontade, por causa que o negócio é meu, trabalhando, fazendo uma casa, depois eu fiz outra e comecei a negociar como árabe, tem que mexer, né? Vender uma casa, comprar terreno, construir, e assim foi indo, mas está bom. Tá bom. O importante é que a gente está numa cidade, como diz, “abençoada por Deus”, porque o povo daqui é excelente, me recolheu bem e quando eu comecei, fui bem recebido. Todo mundo botou apelido: “o Salim da Kiberama”, “o Salim da Kiberama”. E até eu me apresento como o Salim da Kiberama. Afinal de contas é da raça, eu não nego. (risos) E aqui, graças a Deus, fui recebido pela Câmara Municipal como cidadão honorário, recebido pela maçonaria, recebido pelo Rotary, fui até presidente do Rotary. O Clube Monte Líbano, o clube Automóvel Clube, que eu tenho tudo aqui, então, o que eu vou fazer em São Paulo?
(25:49) P1 – Tá certo.
R1 – São Paulo é bom, bom. Só que São Paulo, deixa São Paulo pra lá. (risos). Eu vivo em Rio Preto, me orgulho da amizade, da minha família, de todo mundo aqui.
(26:05) P1 – Tá certo. ‘Seu’ Hayssam, e como foi para escolher o lugar do restaurante? É o mesmo lugar até hoje ou mudou?
R1 – Mesmo lugar, não. Ficou mais de quinze anos lá perto da Rua Bernardino de Campos, mas o dono do prédio, o dono da casa lá disse que ia fazer um prédio, aí eu precisei procurar um lugar por perto. Era doceria e depois foi choperia e os dois saíram e eu fiquei o ponto para mim. Aí reformei e eu tô ativo nele até hoje. Fui entrar no Shopping Rio Preto, tá bom. Fui entrar no outro shopping, mas não deu certo, porque o povo de lá é cabeça dura, não ajudou a gente, para fazer movimento. E movimento é importante num restaurante. Então, escolhi um lugar em São José do Rio Preto, na rua Bernardino de Campos, só que a rua, antigamente falava footing, é rua de passeio, de gente ficar passeando, namorados, isso e aquilo. E não deu certo aquele ponto, passei para outro. Mas está bom, graças a Deus.
(27:37) P1 – Tá certo. E como é que o senhor escolheu o nome do restaurante?
R1 – O nome? A verdade, você que conhece a comida árabe, quem kibe, tem esfiha, tem kafta, tem babaganoush, tem homus, tem isso e aquilo, vários nomes, mas o kibe todo mundo sabe que é coisa de comida árabe. Apesar de quem tem bastante chinês, bastante japonês que fazem os botecos, bares e vendem kibe e esfiha, mas o nosso é tradicional, o tempero é outro e a gente sabe que kibe tem que chamar atenção, chamar Kiberama. “Rama”, a Arábia Saudita tem um local onde que o profeta Muhammad, o profeta muçulmano, tem uma casa do Abraão lá na Arábia Saudita, em Meca. E aquela casa foi coberta com pano preto e está escrito em árabe nomes, coisa religiosa. Então, todo mundo conhece, chama “rama”, “rama”, “rama”. Então, para eu mostrar que o kibe é origem árabe, chama Kiberama. E está bom. A origem da palavra é isso. Mas como eu já fui uma época, há pouco tempo, uns cinco, seis anos, como bom árabe muçulmano, eu tenho de visitar aquela terra santa lá. E eu fui e eu peguei na mão aquele pano que chama “rama”, e falei: “Você me deu sossego. Graças a Deus”. É isso aí.
(29:31) P1 – Que bom! O senhor foi lá em volta da...
R1 – Meca. Meca. Isso, onde que vai... todo mundo dá volta, são sete voltas. Fui lá para receber sorte, a benção. E o povo muçulmano vai todo mundo, do mundo inteiro, para lá. Não interessa se é chinês, japonês, russo, árabe, menos judeu, né? Judeu eles têm outra religião deles lá. E a gente vai lá para tomar a benção de Deus, rezar e a gente abre o coração e mantém aquela coisa sagrada na gente. É a fé. Fé.
(30:23) P1 – Está certo. Certíssimo. ‘Seu’ Hayssam, e como é que foi no início da Kiberama aí em Rio Preto, para o senhor conseguir os clientes? O senhor teve que fazer muita propaganda? O senhor arrumou um monte de amigos pra trazer para o restaurante? Como foi arrumar a clientela?
R1 – Propaganda do restaurante são duas, três coisas importantes: comida boa, tratamento especial com as pessoas, os fregueses, os clientes e o preço razoável. Não pode começar a ‘puxar o tapete’ do povo, porque aí não vai. E como eu criei bastante amizade, então eu comecei a fazer tipo uma festa: trazia dançarinas árabes para dançar. Árabe não, dançarinas da dança do ventre. E fazia almoço, jantar, dias especiais. Como agora não podia fazer, era Dia das Mães. Mas sempre fizemos assim: um jantar especial, as moças dançando, dando presentes para os clientes especiais. Tem que agradar, agradar. Comida boa, preço bom e alguma coisa diferente, pra você fazer demonstração da sua origem. Então, as dançarinas, esse Brasil aqui, os homens gostam de ver a moça dançando e tem que agradar, né? (risos).
(32:07) P1 – Está certo. E mudou muito os clientes do senhor, com o passar dos anos? Mudou muito o tipo de cliente?
R1 – Você sabe que comida, a comida tradicional, é como dizem as mulheres, “pega o marido pela boca, pela barriga”. Então a gente faz comida legitima. Comida que eu sei, aprendi na minha casa, no restaurante que em São Paulo me ensinaram e eu vim aqui, lancei alguns e outros pratos, mas, afinal de contas, a menina dos olhos chama “Kiberama”. E eu não deixo a peteca cair. E taí. Chamando o povo, amigos e aqui está no Centro da cidade também, na rua principal. E a gente tem frequentado o Automóvel Clube, o Monte Líbano, na Loja Maçônica, Rotary e tem bastante amizade, graças a Deus. Como os meus filhos cresceram, eles também estão tomando à frente e eles mesmos têm amizade e seguem o principal: comida árabe, comida bem-feita tem que ser, senão não faz. Por isso o mais difícil não é montar, é manter. Estou aqui há cinquenta e tantos anos, está bom. Atualmente Rio Preto... no começo tinha uns quatro, cinco restaurantes, a semana passada, infelizmente, a Gaúcha, no Centro da cidade, comida lombo, carne, churrascaria, fechou. O San Remo, tem o Salada Paulista, tem vários restaurantes fechados. E eu estou aqui, aguentando mais um pouco.
(34:08) P1 - Sim, sim. O senhor concorda que uma coisa boa do restaurante do senhor é a localização dele? Porque em Rio Preto o Centro da cidade é um Centro muito bonito, organizado, diferente de outras cidades como Bauru ou Ribeirão Preto, que estão meio bagunçados, o de Rio Preto está bem-organizado. As lojas estão lá, as boas lojas, então isso atrai clientes para o senhor?
R1 – Meu amigo, o restaurante, quando é bom, a gente percebe que aqui em Rio Preto está abrindo muitas churrascarias, restaurantes, fora do Centro. É pela amizade e pela comida boa. E o povo aqui no Centro, difícil estacionamento. Difícil, assim, a pessoa estacionar pra levar a família. Mas como eu assumi compromisso no Bradesco, no estacionamento deles, aí o povo vai para lá para estacionar e vem, é pertinho. Mas Rio Preto é assim, você tem que saber trabalhar. O local é importante, tradicional, só que o povo gosta de sair, ficar numa churrascaria, ficar naquele barzinho. Eles querem beber, ver o movimento na rua, porque o Restaurante Kiberama é recuado, não tem cadeiras e mesas na calçada. O povo volta porque a comida é especial para nós.
(35:51) P1 – Tá certo. ‘Seu’ Hayssam, e aí, depois que o senhor teve a ideia de montar aquele restaurantezinho do lado ali, onde é mais como se fosse um bar, porque tem o restaurante que eu fui, eu almocei lá e do lado você pode pedir uma coisa mais rápida, né?
R1 – Isso, a lanchonete. A lanchonete que faz parte. Primeiro onde que você foi na lanchonete, tem umas mesas e atende por telefone, para levar, comer rápido também. Só que depois apareceu uma oportunidade em uma livraria, chamava Shangrilá, a pessoa saiu do prédio e eu corri e aluguei o outro salão e abri um no outro, fiz a cozinha em cima e montei o estilo árabe. O desenho da parede, como fosse você estar no Egito, ou no Líbano, ou na Arábia, ou na Síria, então ajudou, porque fazia comida à vontade e a pessoa sentava, leva a família, porque tem o espaço para isso. E moderno. (risos). Bonito.
(37:09) P1 – Tá certo. E, ‘seu’ Hayssam, quando começou esse negócio de vírus, da pandemia, o ano passado, o senhor pensou em fazer o quê? Como que o senhor enfrentou esse desafio do vírus aí?
R1 – Você sabe que esse vírus o mundo inteiro pegou. E aqui nós somos aqui, no Brasil, infelizmente, o governo não conseguiu, no começo, cercar, por causa de gastos, gastos, gastos, isso aí deles. Agora nós somos aqui, abrimos uma parte para fazer entregas só. A pessoa liga, prepara a comida, tem os motoqueiros, manda carregar e levar lá para a casa das pessoas. Não atendemos mais no restaurante. Nem pode entrar para comer aqui. Então, o que nós fizemos é fazer aquelas marmitas e pratos. Eles atendem por telefone, preparam os pratos que a gente sabe qual é o que a pessoa gosta, tem cardápio, menu e as pessoas ligam e nós passamos para eles o que tem. Aí a cozinha tem, fizemos um... dividimos a cozinha, cinco de manhã, cinco à tarde, até “x” horário, depois encerra. Então, mandava o cardápio, ou por telefone ou a pessoa leva o cardápio e pede e nós entregamos. Como diz: “Antes pingar, do que secar”, porque nós temos bastante funcionários e não vamos mandar os funcionários embora. A gente tem que usar a cabeça. A cabeça não é só para colocar boné, não, é para usar. (risos).
(39:14) P1 – (risos) E deu para minorar o prejuízo?
R1 – O movimento, eu vou te falar uma coisa: a despesa grande, que tem luz, aluguel, condomínio, empregados, isso e aquilo. Então, uns quarenta por cento do movimento da casa aqui, como, o shopping fechou lá, não atende lá, não é encerrou, fechou para não ter confusão. E aqui o movimento dos quarenta por cento, trinta e cinco por cento, a gente estava lutando para, pelo menos, pagar despesas. Não tem outro jeito.
(40:00) P1 – Entendi. ‘Seu’ Hayssam, e você sabe se os seus filhos, que agora estão assumindo o negócio do senhor, têm interesse em um dia ampliar o Kiberama, abrir em outra cidade?
R1 – Têm. Têm a ideia. Mas só que, para fazer isso, tem que esperar mais um tempo, porque não tem jeito, não tem, não pode andar rápido e fazer as coisas e depois não vai pra frente. Então, a gente está firme aqui, segurando e lutando. Eles querem fazer, abrir, vender, como é que fala? Franquia.
(40:49) P1 – Franquia.
R1 – Isso. Mas eu estou dando um tempo agora, né? Afinal de contas, como dizem, você carrega duas melancias num braço só, de repente cai uma, não dá. Então, vamos manter a firma firme, vamos trabalhar, vamos manter. E eles são firmes no pedaço, eles... eu chamo: “Você é meu braço direito”. Uma delas está aqui ao lado, está ouvindo. E a outra está lá no shopping, o menino está lá no shopping, agora está abrindo um pouco e eu tenho uma filha que não quer sabe de restaurante, ela está morando em São Paulo, ela se formou como arquiteta, já casou, tem um filho, graças a Deus tudo bem. E aqui a Najla, ela tem uma filha linda. E a outra neta também é uma menina linda, porque puxaram o avô aqui. (risos).
(41:48) P1 – Tá certo. E, ‘seu’ Hayssam, o que o senhor gosta de fazer, quando o senhor não está trabalhando? Eu sei que o senhor falou que agora o senhor já está começando a se aposentar, mas no dia a dia, o que o senhor faz?
R1 – A minha filha está com gozação na minha cabeça aqui ao lado, ela fez assim que jogar baralho. Mas jogava, não jogo mais. Eu fico assistindo televisão, tem uns CD’s que a gente assiste em árabe, ou música árabe. De vez em quando a gente se reúne, a família. Uma coisa importante que é a família. O resto, o resto. O resto, o resto. Eu não faço nada, vamos ver: viajar agora não pode. Fazer o quê? Jogar baralho as filhas não sabem. E a gente tem, uma pessoa ou outra vai em casa, a gente conta histórias, umas mentiras e vai levando. (risos).
(42:50) P1 – Está certo. E o senhor chegou a ir visitar a Síria, depois que o senhor veio para o Brasil?
R1 – Eu fui. Eu fui. Eu tenho um parente, um cunhado, casado com minha irmã, em Damasco. E ele é ligado mais assim ao controle de quem entra, sai para a Síria. Quem não fez serviço militar, isso e aquilo. E eu ligo para ele e ele me aguarda. E sempre tem aquela passagem que ninguém te para e ele é conhecido. Ele tem uma frota de táxis, Damasco e Beirute. E quando eu tô indo lá, ele faz o quê? Pega um carro, coloca três, quatro amigos dele e eu tô no meio e passo reto. Tem de ser esperto, né? Mas agora, até setenta anos de idade, ninguém mais pergunta onde você vai e o que você tá fazendo. Tá bom.
(43:50) P1 – É, mas é uma aventura, né? É uma aventura, né?
R1 – É família, família, mas a gente quer ver. Éramos em nove. Agora perde um, perde outro, perde um, perde o pai, a mãe, não sei o quê. Atualmente eu tô, eu e um irmão e uma irmã em Damasco. Vai fazer o quê? Uma vez vou aventurar de novo em vida, né? Se Deus quiser.
(44:16) P1 – Tá certo. ‘Seu’ Hayssam, de todas as comidas árabes qual que é a que o senhor mais gosta? E o senhor come ainda comida árabe todo dia? Não cansou ainda?
R1 – Vou te contar uma coisa: se não tivesse a comida árabe eu não ficava aqui, não. Eu ia embora para o país árabe. (risos) Comida árabe você sabe que é uma comida deliciosa, tempero gostoso, a gente usa mais carne de carneiro e a gente usa aqueles temperos de homus, kibe cru, coalhada, tem muito coalhada e tem bastante cereais, que a gente usa muito. E a carne você sabe que, depende do tempero, a gente gosta. E está acostumado nisso. Então, a comida, em primeiro lugar a comida árabe; a segunda, árabe também. (risos).
(45:18) P1 – (risos) Tá certo. Tá certo. Eu gosto.
(45:21) P2 – ‘Seu’ Hayssam, quando o senhor montou a Kiberama foi difícil achar, assim, esses temperos árabes? O zaatar? A folha de uva? A folha de repolho, para fazer o charuto? Como é que foi essa adaptação, assim, para o senhor conseguir os elementos da comida árabe?
R1 – Bom, o tempero a gente não acha tudo aqui. Eu pego em São Paulo, tem uns cinco, seis empórios que vendem tempero. Agora, folha de uva para fazer charutinho, o repolho, o tempero de tahine, essas coisas, tem que comprar em São Paulo, tem tudo. Pega o telefone e pede num dia, no dia seguinte você tem tudo. Pagando, tem. (risos).
(46:13) P1 – (risos) Tá certo. E o senhor chegou, no início, a pegar o trem para ir em São Paulo fazer compra para o restaurante? Ou já entregavam aí?
R1 – Eu ia de carro. Eu ia lá porque São Paulo eu tinha bastante amizade, através do restaurante Almanara. Então, eu reservava tudo o que eu queria, o tempero que eu usava lá trouxe para usar aqui e o resto por telefone. Por telefone você pede, entrega, não tem mais nada difícil. Desde que você pagando, né? (risos).
(46:52) P2 – (risos) ‘Seu’ Hayssam, a gente conhece bem o Almanara, assim, eu morava perto, mas eu queria que o senhor falasse assim, aproveitasse e falasse um pouquinho assim: quem eram os donos do Almanara, ali de São Paulo? O senhor trabalhou ali mais no Almanara do Centro? Ali da...
R1 – Do Centro. É uma rua, chama, chamava, mudou o nome, é Rua Santo André, é paralela com a 25 de Março. Onde tem Rua Cantareira, Rua Barão de Duprat, essa... o Centro. Então, o começo o libanês, eram sócios, um chamava José Cury e o outro (47:33). Eles que eram os donos. Primeiro lugar era na Rua Santo André, depois na Rua Basílio da Gama, Rua...
(47:47) P2 – Na Sete de Abril tinha um também.
R1 – Na Sete de Abril, esse chamava Basílio da Gama, é uma travessa da Sete de Abril, onde tem cinema lá.
(47:56) P2 – Isso. Isso.
R1 – E o resto, tem bastante. Agora abriram bastante nos shoppings, mas os donos mesmo já faleceram. São falecidos, já. Mas os filhos, os netos, abriram bastante franquia em shopping e está lá, Almanara, não muda o nome.
(48:13) P2 – Não, não muda.
R1 – Cidade Jardim, shopping, isso mesmo. Eu tenho saudade.
(48:19) P2 – E o senhor trabalhou dois anos ali? Foi ali que o senhor aprendeu o negócio do restaurante, de trabalhar com comida? Foi ali que o senhor aprendeu?
R1 – Foi. Não, apesar que, você sabe, quem aprendeu na casa dele, a comida árabe é feita todo dia, né? Aquele arroz com macarrão, charutinho, abobrinha, berinjela, kafta, toda a comida árabe, os pratos frios, a gente aprende desde pequeno. E aqui apliquei o que eu aprendi mais em São Paulo. E hoje, graças a Deus, está tudo bem, está tudo correndo bem. Ninguém morreu até hoje. (risos).
(49:04) P2 – É muito bom. E quando o senhor montou o restaurante, tem toda uma decoração árabe ali, muito bonita. A gente esteve lá, eu e o Luís Paulo, eu queria que o senhor falasse assim, como que o senhor bolou essa decoração, as paredes...
R1 – Os arcos.
(49:20) P2 – Os arcos.
R1 – Eu tenho um amigo meu aqui em Rio Preto, que chama Romeu Patriani Junior e ele é decorador, consultor e, quando eu cheguei, eu tenho bastante, eu tenho ou tinha ainda, algumas revistas daquelas de decoração oriental. Aí a gente dava uma fotografia e ele desenhava e mandava o pessoal dele fazer. Então, isso ajudou bastante. Agora, você tem um restaurante árabe, qual decoração vai fazer nele? Árabe. Porque eu não vou colocar de japonês ou de chinês ou de baiano. Então, nós estamos bem, graças a Deus. A ideia foi minha e desse arquiteto.
(50:13) P2 – E, assim, infelizmente eu não conheço a Síria, não conheço o Líbano, mas assim, quando o senhor entra no restaurante, o senhor tem a sensação de que o senhor está na terra do senhor?
R1 – Tenho. Tenho. Você não precisa ir lá para a Síria ou para o Líbano, você chegou no restaurante Kiberama, você já está lá. A comida, a decoração. Uma época eu cheguei a decorar, até a colocar os funcionários com roupa típica ainda e eu falei lá para o teu colega que qualquer comemoração eu contratava as odaliscas, a gente chama, bailarinas de música árabe e elas dançavam, depois distribuíam as flores, coisa assim. Para mostrar que a gente não é do jeito que os outros falam, que é miserável, pão duro. Nós fazemos a pessoa viajar para o Líbano ou pra Síria, dentro de Rio Preto. Isso é que é gostoso.
(51:13) P2 – Tem uma colônia grande de árabes e sírios em Rio Preto, né?
R1 – Tem mais de 25%.
(51:21) P2 – É mesmo?
R1 – Apesar, apesar... é. Apesar que essa confusão da Síria, vem muitos refugiados e a gente dá atenção especial para esses refugiados, porque nós somos daqui, praticamente. E eles são de fora, sem dinheiro, sem família, sem nada. E a gente arruma casas, empregos, vai nas igrejas, arruma o salão. Deus ajuda. E cresceu mais aqui ainda, em Rio Preto.
(51:58) P2 – E eles estão indo para Rio Preto porque tem essa colônia árabe representativa em Rio Preto? Por que eles procuram Rio Preto?
R1 – Em primeiro lugar: Kiberama. Kiberama, eles têm que comer. E eles sabem que eu tenho essa boa amizade, graças a Deus, na prefeitura, nos clubes e a gente procura ajudá-los. Você sabe que não é para dar o peixe, ensina a pescar. E a gente está ajudando, até eles começarem a andar. Arruma emprego, crianças pequenas arruma escola, tem duas, três igrejas aqui que eu tenho bastante amizade com o padre, ajudamos bastante. O salão pedimos uma ajuda, enchemos dois salões de mantimento, comida, roupa, material para limpeza, tudo, tudo, tudo. E arrumar os empregos também. Então, cresceu mais um pouco. Mas está bom. Deus ajuda. Deus ajuda.
(53:07) P2 – Agora, eu não sei se eu entendi direito, mas por que o senhor escolheu ir para Rio Preto?
R1 – Porque tem moças bonitas igual você. (risos). Gostou?
(53:20) P2 – Ô. (risos)
(53:23) P1 – Mas é porque tinha muito patrício aí, né? Não tinha muitos patrícios?
R1 – A gente não chama patrícios. Fala primo. Primo. O árabe, a maioria, casa entre famílias, primos. Por que a gente não fala irmão? Pensa aí, por que a gente não fala irmão? Porque, se chamar irmão, dá os direitos de dividir herança. Então é primo, só de longe. (risos). Pra nós dividirmos a herança, não chama irmão.
(53:55) P1 – Sei, é verdade.
R1 – Você entendeu? Então, você é primo. Se chama irmão, dá os direitos de dividir a herança. (risos).
(54:06) P1 – Mas a história de Rio Preto é muito importante os sírio-libaneses, por causa dos caixeiros viajantes, né? O senhor já ouviu falar disso?
R1 – Antigamente. Opa. Antigamente tinha muitos, andava até com a mala nas costas, a cavalo, de charrete. E chegava no lugar, nas fazendas, para vender mercadoria. Vinha de trem de São Paulo, carregar mercadoria. Porque diz que o carro, o ônibus, às vezes levava dois dias para chegar aqui, antigamente. Isso.
(54:44) P1 – É. Foi por isso que teve tanta presença da colônia sírio-libanesa aqui, porque...
R1 – Isso, perfeitamente. Por causa disso, porque pessoas que carregavam as coisas e aí vai nas fazendas, não tinha comércio antes, muito comércio. Diz que uma vez um patrício meu estava à noite com a mala, vendendo roupa, entrou numa fazenda, cansado, estava meio chuvoso, ele queria comer, queria descansar. Aí de madrugada levantou e foi contar o dinheiro dele, mas antigamente as casas antigas não tinham forro, sabe como é que é? Lage. Então, dá para ouvir e o patrício meu começou a contar o dinheiro dele, aquilo que vendeu. E aí a língua árabe fala muito assim... quer dizer: 11, 12, 13, 14. E aí a mulher cutucou o marido e falou: “Marido, levanta. Acho que aquele turcão lá está querendo roubar nosso tacho”. (risos). Ela achou que ele estava falando tacho, estava então de olho no tacho pra levar. (risos).
(56:02) P1 – (risos) Muito boa história. Muito bom, ‘seu’ Hayssam. Cláudia, você tem mais alguma pergunta?
(56:11) P2 – Só aquela. Estamos acabando?
(56:14) P1 – Ah, acredito que a gente percorreu a história.
(56:16) P2 – ‘Seu’ Hayssam, tem mais alguma coisa que a gente não perguntou, que precisaria perguntar, que o senhor gostaria de falar?
R1 – Você sabe como o sírio-libanês gasta dinheiro ou não?
(56:27) P1 – Não. Conta.
R1 – Não sabe? Enfia a mão no bolso, pega duas moedas, esfrega uma na outra, até gastar. Se gasta desse jeito. (risos).
(56:42) P1 – Sim. Esse é o folclore. Esse é o folclore.
(56:46) P2 – ‘Seu’ Hayssam, e a parte da religião?
R1 – Sim.
(56:54) P2 – O senhor é mais para o lado dos muçulmanos ou mais para o lado dos católicos?
R1 – Bom, eu falei no começo que a gente tem que ter fé em Deus.
(57:05) P2 – Sim.
R1 – Deus é único, não tem outro. Então lá nasci, cresci, minha família tradicional, todos são muçulmanos, da religião muçulmana. E quando eu cheguei para o Brasil, eu casei na igreja, fui batizado. Minhas filhas casaram na igreja, todos batizados, netos e, graças a Deus, eu vivo num ambiente que tem que agradar todo mundo. Agora, para rezar, rezo em árabe. Rezo de acordo com o Alcorão. Alcorão é o livro sagrado muçulmano. Mas, de vez em quando tem a igreja aqui pertinho do restaurante, eu vou lá cumprimentar o padre, sento com ele, converso bastante, não tem nada de briga. É questão de respeito.
(58:00) P1 - Que bom!
(58:01) P2 – Respeito.
R1 – Ué, o Deus une. Tá certo? Cláudia ela chama?
(58:07) P2 – Perfeito. Perfeito.
R1 – Perfeito, Cláudia. Você nasceu onde, Cláudia?
(58:14) P2 – Eu sou de Bauru.
R1 – Bauru. Muito prazer.
(58:18) P2 – Também.
R1 – Na hora que você estiver aqui, você traz o companheiro e vamos almoçar juntos. Tá bom?
(58:22) P2 – Opa. A gente já almoçou aí no começo do projeto. Eu conheço. Nossa, é lindo. É muito lindo.
R1 – Comida árabe. A primeira coisa que você vai vir é para comer, depois a gente conversa. De barriga cheia (risos), de barriga vazia, não para em pé. O que mais?
(58:47) P1 – Viu, ‘seu’ Hayssam, depois...
R1 – Fala, amigo? Fala.
(58:52) P1 – Daqui a alguns dias o nosso fotógrafo vai ligar aí para a Najla, para marcar um dia que o senhor estiver mais sossegado aí e fazer uma sessão de fotografias. Ele tira foto do Kiberama com o senhor, com a sua filha, né? Para poder sair no livro, a exposição que vai fazer no Sesc. Tá legal?
R1 – Certo. Sem problema. Eu estou sempre às ordens aqui, à disposição. Tem umas fotografias de camelo e sem camelo. (risos).
(59:22) P12 – Isso. (risos) Maravilha! ‘Seu’ Hayssam, o que o senhor achou de ter feito essa entrevista com a gente e ter deixado a sua história para o Museu?
R1 – Fazer o quê? Museu o quê?
(59:38) P2 – O senhor fez essa entrevista para o Museu da Pessoa, né? Ter deixado registrado a sua história, a sua narrativa. Como que o senhor viu essa entrevista, assim, essa experiência?
R1 – Excelente. Aqui tínhamos um, temos um, ele fez dois, três livros de Rio Preto. Inclusive eu saí num deles. Agora, depende de que jeito vocês querem lançar o livro, com foto, sem, pode vir aqui. Inclusive a Najla está perto de mim, ela disse que vai passar perfume o dia que vai tirar foto. (risos).
(01:00:15) P1 – (risos) Tá bom. Tá legal. Muito bom.
(01:00:18) P2 – (risos). O senhor gostou de dar essa entrevista?
R1 – Gostei. Principalmente com profissionais iguais a vocês dois, né? Tá bom? Parabéns!
(01:00:30) P1 – Obrigado. Tá legal.
R1 – Luís Paulo, né?
(01:00:34) P1 – Luís, Luís Paulo. Isso mesmo.
R1 – Luís.
(01:00:38) P1 – Agradeço...
R1 – Foi um prazer aqui falar com vocês. Apesar que vocês estão longe e não pode oferecer nada para vocês aqui. Mas o dia que vocês chegarem com o fotógrafo nós estamos aqui aguardando.
(01:00:53) P1 – Tá legal.
(01:00:54) P2 – Combinado. Combinado, ‘seu’ Hayssam .
(01:00:58) P1 – Muito obrigado. Agradeça à sua filha também, a Najla.
R1 – Deixa ela falar perto de mim. Deixe-a falar perto. Olha aqui.
R2 – Obrigada, gente.
R1 - Tá vendo?
(01:01:07) P2 – Obrigada pela oportunidade, viu, Najla?
R2 - Obrigada vocês.
(01:01:12) P1 – Muito bom. Um abraço.
R1 – Dá um abraço, dá um abraço no fotógrafo também.
(01:01:19) P2 – Pode deixar, ‘seu’ Hayssam .
(01:01:21) P1 – Obrigado.
R1 – Tudo de bom para vocês.
(01:01:23) P2 – Obrigada, gente. Tchau, tchau.
R1 – Tchau, linda. Tchau.
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