Retiro dos Artistas
Depoimento de José Cândido Maia
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 11/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV02_José Cândido Maia
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Maia, você pode falar o seu nome completo?
R – Meu nome é José Cândido Maia Alves.
P/1 – Qual a data e o local do seu nascimento?
R – Eu nasci na cidade de Manaus, na rua Visconde de Porto Alegre, no dia 27 de julho de 1941. Isso já tem muito tempo, né?
P/1 – Seu pai e sua mãe são de Manaus?
R – É, meu pai não é amazonense, nem minha mãe, nem meus avós, nem meus bisavós, nem meus tios, ninguém. Na época da borracha, na década de acho que de 30, 20 e pouco, né, a borracha era o grande sucesso desse país, né, era o que segurava o país, era a borracha e aí, eles migraram ou imigraram – não sei qual seria a palavra certa – do Ceará para o Acre e do Acre para Manaus. As famílias todas cearenses migraram, meu pai era de Sobral, minha mãe, minha família toda de Sobral, foram todos para lá. Aí lá, eles começaram a constituir a família, que nós somos 12 irmãos, lá deve ter uns oito vivos, ou sete, eu não sei.
P/1 – Você é qual nessa escada?
R – Eu sou… deixa eu ver. depois de mim só tem a Teresa e o Roberto.
P/1 – Mas eles nasceram em Manaus ou…?
R – Todos nasceram em Manaus, estudaram em Manaus, se criaram em Manaus, todo mundo.
P/1 – E no Ceará, de onde que eles eram? Sobral, seu pai ou sua mãe que era de Sobral?
R – Meu pai, minha mãe, meu avô, minha bisavó, minha vó, tudo era de Sobral.
P/1 – E você conheceu seus avós?
R – Conheci. Foram todos para Manaus.
P/1 – E quando seu pai e sua mãe casaram e foram para Manaus… para o Acre, eles foram primeiro.
R – Eu não tinha nascido ainda, não.
P/1 – Aí do Acre que eles foram para Manaus?
R – Para Manaus, é. Porque aí, exploraram a borracha no Acre, aí no Amazonas, toda exploração da borracha e aí, eles foram para Manaus e se erradicaram lá.
P/1 – Em Manaus, seu pai fazia o quê?
R – Meu pai, independente dele ter trabalhado na exploração da borracha, ele era marceneiro, carpinteiro e construtor de obras. Ele construiu muitas casas em Manaus, muitas. Ele era um excelente homem de obras.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe, ela sempre foi mulher muito negociante, aquela coisa de cearense, sabe que cearense é meio judeu, né, e eu herdei um pouquinho disso, meio negociante. Então, a vida dela toda foi negociar, comprar joias, vender joias, fazer investimentos, comprar isso, comprar aquilo, compra não sei o que, vende, revende e a gente ajudava ela. Nós tínhamos um terreno muito imenso, ela fez uma horta e aí, plantava, a gente ajudava a colher, ajudava a tirar de manhã para levar para a feira para vender, quer dizer, todo mundo trabalhava, todos nós trabalhávamos. Desde pequenos, todo mundo tinha aquela ansiedade de ajudar pai e mãe. Hoje não, hoje em falar em ajudar pai e mãe, diz que é trabalho escravo.
P/1 – Como que era a casa? Eram 12 irmãos?
R – É. A casa, o meu pai construiu, naquela época era tudo de madeira como é isso aqui. Meu pai construiu… ele tinha uma rua, ele construiu uma série de casas e só tinha de alvenaria, as outras eram tudo de madeira com varanda, né. E a nossa casa era muito grande e tinha sempre uma mesa imensa, né. E os princípios educacionais das famílias era todo mundo sentar em torno de uma mesa para almoçar junto, tomar café junto e jantar junto, tinha a hora de café, almoço e janta. Tinha a hora de lazer, a hora de estudo e a hora de almoço e a hora de dormir, que dizer, tinha toda uma disciplina de família, né? Meu pai sentava na cabeceira, era o dono da situação e a minha mãe na outra e a gente sentava em volta, que ele fez aquela mesa grande com aqueles bancos que ele mesmo construía, a gente sentava ali. Todo mundo já tinha que em determinada hora… podia brincar na rua, mas sabia que naquela hora tinha que recolher, tomar banho e todo mundo sentar ali para jantar junto.
P/1 – Quem que exercia a autoridade? Seu pai ou sua mãe?
R – O meu pai até determinado ponto, ele seria a autoridade. Quando ele saía, minha mãe que comandava tudo, que ela era uma mulher muito de energia, mulher de decisão, ela era uma mulher muito forte, magrinha, pequenininha, mas muito forte, muito ativa, muito… sabe? Ela comandava muito a gente e, se saísse fora, o pau comia, né? Naquela época, comia mesmo, tapa de um lado, tapa do outro, sabe? A gente tinha que… todo mundo tomava benção antes de dormir da minha avó: “Benção meu pai, benção minha vó". Havia todo um respeito. Por causa disso que eu acho que as famílias desarticularam todas, não há mais… não tem mais contato, não tem mais essa harmonia, né? Pois cada um cuida de si, filho responde… Deus me livre, a gente nunca respondeu pra mãe da gente, nem para o pai da gente, nem pra vó da gente, nem pra ninguém.
P/1 – Mas você teve educação religiosa?
R – Eu tive. Eu entrei no seminário, que a minha mãe, o sonho dela era ter um padre na família, olha, eu padre, hoje seria cardeal e já tinha posto aquele Papa, aquele polonês para fora, “Vamos botar ele na rua”, já tava fazendo revolução, né, para botar ele para a rua, porque o homem era contra aborto, contra camisinha, quanto a não sei o que, contra tudo, então bota ele na rua, já. Eu seria um cardeal rebelde, né? Eu entrei no seminário para estudar, para se formar em padre. Minha mãe levou: “Vamos lá botar o garoto no seminário”, eu só fiquei lá uns seis meses ou oito, eu não me lembro, porque eu achei aquilo muito… sabe? E aí, eu mandei logo o padre chefe lá ir para a merda: “Não enche o saco, não, você não tá com nada, não”. Mas eu sempre fui… frequentava todo sábado e domingo, domingo, né, a gente ia lá na igreja São José, na missa, todo mundo acordava cedo para ir a missa. Saía da missa, vinha para a casa, mas todo mundo ia a missa. Catecismo, aquele negócio todo direitinho, né? Aí, eu já falava latim, aquelas… adorava aquilo, né, que eu achava bonito aquelas vestimentas: “Nome do padre, do filho, não sei o que… isso e aquilo, segredo não sei o que do mundo…”, aquela coisa, eu achava aquilo maravilhoso, mas aí, eles me expulsaram, foi onde eu tive a primeira expulsão, porque eu tenho o enigma da expulsão, eu frequento um lugar, daqui a pouco: “Expulsa o Maia”.
P/1 – Por quê que você foi expulso?
R – Porque o padre queria que eu jejuasse, eu com uma fome miserável, eu não jejuava porra nenhuma (risos) “Mas tem que” “mas eu não quero. Você vai me obrigar a ficar com fome? Eu não. Fica você com fome, eu não. Eu quero é tomar um bom vinho e comer alguma coisa”. “Mas não pode agora” “Então, você vá a merda, não quero ficar nessa merda”, aí ele me levou lá em casa e me devolveu para a mamãe: “Ele não nasceu para isso”. Aí, eu fiquei fora do seminário, mas continuei frequentando a igreja, mas o meu sonho não era a igreja, eu gosto muito de igreja, acho bonito, quando... assim, não tem ninguém lá, eu entro, acho maravilhoso, mas se tiver público, eu já saio devagarzinho, porque eu não gosto… eu gosto de fazer uma reflexão, fazer toda uma mentalização altamente espiritual, né? E se tiver muita gente não dá porque não dá, eu não gosto, eu gosto de só, quando tá sozinho ali, eu entro lá, reverencio, falo o que eu tenho que falar, da forma como eu tenho que falar, né? E o latim eu já não falo mais nada…
P/1 – Quais eram as suas brincadeiras de infância?
R – Brincadeira? Primeiro, essa lata de leite Ninho (risos), minha família era muito pobre, 12 filhos não tinha dinheiro para dar presente para todo mundo. Eu pegava aquela lata de leite Ninho, enchia de terra com pedra, tampava ela, furava um buraco, botava arame e fazia esses trator que amassa asfalto, fazia aquilo, era bom. Nós mesmos fazíamos os nossos brinquedos, né? Fazia isso, patinete, lata de goiabada, essas coisas todas que a gente fazia para brincar. Fazia cavalos de pau, cortava pau, madeira, botava os negócios, botava as rodinhas, a gente mesmo fabricava os nossos brinquedos e todo mundo era feliz, né, porque eu nunca acreditei em papai Noel, sempre achei uma tremenda mentira, né? Mas a minha mãe, o meu pai: “Papai Noel…” “Não vai chegar nada, é tudo mentira, se a gente não tiver dinheiro para comprar nada, não vai ter nada, não vai ter brinquedo”, então a gente mesmo fabricava, né? E o meu sonho era ganhar um cavalo branco, achava o cavalo um dos bichos mais nobres do mundo, né, eu era louco para ter um cavalo, nunca tinha, porque o tal do papai Noel nunca trouxe, acho que não ia trazer mesmo. Era cara aquilo e a gente brincava assim, a gente fazia bola de meia…
P/1 – Brincava com os irmãos na rua?
R – Bola de meia, jogo de… bolinha que o pessoal joga aí, bola de gude, era... fazia aqueles negócios, riscava a calcada e ficava pulando, aquela brincadeira que acho que hoje as crianças ainda pulam e a gente mesmo criava o nosso mundo ali.
P/1 – Faziam festas na sua casa para comemorar aniversário, natal?
R – Fazia. A minha mãe sempre fez festa porque lá em casa, depois, a minha mãe resolveu montar uma fabrica de bananada e doce de leite. Ela mesmo fabricava, a gente cortava e ia entregar nas vendas, minha mãe era muito inteligente para ganhar dinheiro para sustentar aquela família toda, senão, o meu pai só não podia, né? Então, ela trabalhava muito e a gente ajudava, entendeu? Mas aí quando tinha festa, tinha bolo, aqueles bolos feito em casa, aquela alegria, né? Forno de lenha, né? Naquela época não tinha gás, nada, tudo forno de lenha, meu pai fazia, né? Hoje eu vejo por aí nessas churrascarias, era nas residências, o forno de lenha. E a gente fazia aquilo ali e era bom, né?
P/1 – E seus avós do Ceará? Vocês iam para lá ou eles vinham para cá?
R – Não, os meus avós ficaram morando, o pai e a mãe da minha mãe ficou morando com a gente, o meu pai foi um homem muito… ele não era um homem muito acessível, ele era meio rústico, meio fechado e meio misterioso, que quando ele casou com a minha mãe, ele já veio viúvo, a minha mãe já apanhou ele de segunda mão (risos). Desculpe, minha maneira de falar é essa, que é a maneira que eu acho prática, né? Ela já pegou ele de segunda mão e ele já tinha uma filha, que morava no Ceará, que nós nunca conhecemos essa moça. Ele tinha todos os irmãos dele, pai dele, tudo vivo, ninguém conheceu essa família até hoje, ninguém conhece um parente do meu pai, porque ele se trancou, não sei o que é que ele tinha que ele achava que nós não tínhamos o direito de conhecer a família dele, tanto é que deve ter Maias e Barrosos aos montes lá no Ceará, que a família dele era um negócio de militar, Marinha, Aeronáutica, Almirante, deve ter que a gente nem sabe o que é e também não me interessa, que era um direito dele que eu respeito até hoje. Quando eu estive em Sobral, recente, com uma peça de teatro, o dono da rádio falou: “Eu anuncio para seus parentes…” “Não senhor, eu não quero, porque eu não quero. Meu pai não queria, como é que agora, eu com 40 e poucos anos de idade eu vou querer que apareça? Eu não quero”. Era um direito dele, eu quero respeitar a vida toda. Ele não queria que nós, da família da minha mãe, não conhecesse a família dele, então é um direito dele, foi respeitado e eu respeito até hoje. Vai ver muitas vezes, eu conversei com parente meu e não sei quem era, também não interessa saber. Eu vou lá no face, aparece uma porrada de Mais Alves e Barroso, eu nem pergunto da onde é, porque eu não quero saber. Era um direito dele, né?
P/1 – Maia, com quantos anos você entrou na escola?
R – Na escola? Lá, a gente entrava muito cedo, com oito, nove anos já estava entrando na escola, sete anos já estava entrando na escola, mas como a família era muito pobre, não podia comprar sapato para 12 filhos, olha que loucura isso! Antigamente, caderno, livro, tudo era comprado, governo não dava nada para ninguém. Hoje dão tudo aí e ninguém quer estudar. Aí, comprava um par de sapatos para um, um calçava um sapato e o outro calçava o outro e amarrava o pé para dizer que tava com o pé machucado, olha que coisa ridícula! A pessoa ir para aula: “O que foi?” “Machuquei o meu pé”, para poder um sapato dar para duas pessoas, olha que maluquice. Então, foi muito duro para estudar, porque a tabuada, a gente tinha que comprar, tinha que comprar tudo, né? Livro de português, hoje nem tem mais isso, de primeiro, você tinha que aprender o português, a pessoa analfabeta, eu, acho que eu sou analfabeto, mas eu falo fluentemente tudo, né?
P/1 – Até que ano da escola você estudou?
R – Eu estudei até o quinto ano primário, que a gente fazia o quinto ano primário, passava para o exame de admissão para depois entrar para o ginásio. Hoje é… eu não sei, a primeira série… agora tem primeiro grau, segundo grau, né? Primeiro era quinto ano, aí passava para admissão e aqui no Rio, eu entrei num teste há uns 30 anos atrás e passei a ter um diploma, tenho um diploma guardado. Era o curso fundamental não sei o que… eu tenho. Quando eu entrei para a Fatec, pediram, tá aqui, olha.
P/1 – Do que você gostava na escola?
R – O que eu gostava? O que eu gostava mais na escola… como eu sou poeta, eu gostava muito de poesia, de falar de poesia, falar dos grandes poetas, grandes poetisas, né? Eu leio muito os grandes poetas, as grandes poetisas, tanto daqui como de fora, Florbela Espanca, que maravilhosa, né? Cecília Meirelles é minha paixão, né, eu amo a Cecília Meirelles. Chiquinha Gonzaga, a minha amiga que foi minha amiga até os 98 anos de idade, dona Nair de Tefé, rainha, que tem até o cinema RIan, né, que ela era esposa do Marechal Hermes, era minha amiga. Ela me deu tanto presente, aquela mulher. Eu ia na casa dela…
P/1 – Por quê que você saiu da escola?
R – Eu saí porque eu fugi de casa, que lá na minha casa ninguém gostava de negócio de teatro. Uma família muito preconceituosa, toda, quase toda família de um preconceito contra teatro, contra negro, contra prostituta, contra homossexual. Eles eram contra tudo isso. E eu… e contra principalmente uma coisa que eu gosto que é batuque. E eu saía muito de casa e tinha um batuque da Antônia Lobão e Maria Joana que eram duas negras maranhenses que tinham um batuque perto da min ha casa, eu me enfiava lá, que aquilo batia três quatro dias direto, né. Ia para lá dançar, molequinho, já dançava o batuque.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 11 anos para 12, eu já fugia de casa e ia para lá dançar. E eles falavam: “Só vive no meio daquela negrada, só vive no meio de negrada…”, preconceituosa, cearense, gaúcho e mineiro, preconceito mora ali nessas três raças, sabia? Tenho horror a eles por causa disso. Aí, me botaram de casa para fora: “Só vive no meio da negrada…”, primeiro, teve o negócio do teatro, aí eu ia para o quintal, subia no caixote, representava: “Ser ou não ser, eis a questão”, né, “To be or not to be”, aí a minha mãe cismou de me levar lá no psicólogo amigo dela, um psiquiatra, porque ela disse que eu tava ficando doido: “Como é que um garoto desse sobe num caixote, reúne os garotos e diz que aquilo ali é um palco e fica representando? Tá maluco”. Aí, me levou lá, sabe o que foi que o médico falou para ela? “Ele não é maluco, ele é artista, ele nasceu artista”. “Artista é coisa de viado, de prostituta, de vagabundo. Ele tem que ser é padre, tem que ser é médico, tem que ser isso, tem que ser aquilo”. Aí, o médico falou: “Não adiante, que a senhora não vai conseguir isso, porque ele já nasceu com isso”. “Mas eu não quero isso lá em casa”. Eu já ia para o batuque, ela já não gostava dos negros, já não gostava de teatro, aí jogou as minhas coisas na rua pela janela: “Rua”, naquela época era assim, jogava tudo na rua. Eu catei as minhas ilusões, meu sonho e coloquei dentro de uma bolsinha e olhei para ela e falei: “Eu só quero que a senhora me abençoe, que tão cedo tu não vai me ver, tu só vai me ver quando eu colocar o meu nome na história do teatro do país. Eu vou colocar. Aí, tu vai me ver”. E eu peguei as minhas coisas e fui embora e fugi para Belém do Pará, também clandestino, que eu me enfiava em navio clandestino e ia me embora, vou andando pelo mundo, né? (risos) Fui para Belém. Chegou em Belém, e eu já querendo sobreviver com 13 anos…
P/1 – Quanto você tinha, treze?
R – Com 12 para 13 anos, querendo sobreviver, caindo no mercado do Ver-o-Peso, fui vender… era época do contrabando, né, eu juntava as minhas moedinhas, guardava, fui comprando as coisas, vendendo, multiplicando, fazendo um dinheiro e de noite, eu me enfiava num cantinho daqueles ali da zona em Belém e ia dormir, aí já acordava de manhã…
P/1 – Você dormia na rua?
R – Dormia. E aí, um dia eu entrei numa pensão, tinha dinheiro: “Será que a senhora arranjava um quartinho para mim, eu sou lá de Manaus, vim aqui para Belém, eu não tenho ninguém aqui e eu tenho dinheiro para pagar”, a mulher disse: “Olha, meu filho, aqui eu não tenho quarto, porque tá tudo alugado, mas se você se ajeitar, dá para se ajeitar num cantinho ali”, eu disse: “Pra eu não dormir na rua, eu lhe pago”, aí vamos supor, cinco mil réis, sei lá, dinheiro da época, aí ela me botou num cantinho. Aí quando foi domingo, o comércio todo fechado, eu tinha um dinheirinho, comia na pensão, ela alugava os quartos na pensão e morava lá com as filhas dela. Eu olhei para a cozinha dela, até a metade, o azulejo lindo, aquele azulejo da época colonial, né, mas para cima tinha um dedo de crosta, aí: “Mas por que que não limpa ali?”, ela disse: “porque as meninas não alcançam”, eu disse: “Eu sei limpar isso”, aí eu comecei a… botei a cozinha da mulher parecia um espelho, ela disse: “Agora não vai pagar nem a comida e nem a dormida”, disse: “Bom, já vou economizar meu dinheiro”, né? Aí, quando coisou um quartozinho melhor, ela botou eu lá, aí eu já morando direitinho, aí fui vender maçã argentina, vinha muito da Argentina: “Olha a maçã…”
P/1 – Você comprava no Ver-o-Peso?
R – É, comprava no Ver-o-Peso e vendia na rua, quando via um rato, a gente metia o pé, pegava a caixa e eu guardava lá na pensão. E aí, um dia de noite, né, eu metido, porque eu sempre fui metido, andava na noite, eu tava na noite, aquela vagabundagem… Belém de noite é uma maravilha para se andar, tem puteiro em tudo que é lugar, uma maravilha (risos). Aí, eu já ganhei à noite, vagabundo da noite, né, eu com 13 anos. Saindo à noite, encontrei numa esquina uma porrada de amazonense que me viram: “Zé, o que você tá fazendo aqui?” “Vim morar aqui”. “Sua mãe falou que você fugiu de casa, nunca mais apareceu”. “Não quero que ela saiba onde eu tô, não”.
P/1 – Mas quem eram esses?
R – Eram os amazonenses que eram da minha rua…
P/1 – Estavam lá em Belém?
R – É. Eu digo: “Vocês estão fazendo o que aqui?” “Não, nós estamos aqui no Almirante Alexandrino – era um navio que após a guerra ele ficou aqui e ele era um grande e luxuoso navio que viajava do Amazonas, Pará, vivia pelo nordeste todo e vinha para o Rio de Janeiro – nós estamos indo para o Rio, depois de amanhã, o navio…”, digo: “Ah, tô nessa”, ah, minha filha, me aprontei todo: “Como é que eu vou entrar nesse navio, com a mala, com as minhas roupas?”, aí eu só vi o cara dizendo: “Vamos embora, quem tá atrasado”, saía para andar, né? O navio ficava três, quatro dias, todo mundo saía para passear, para fazer uma bagunça e voltava para dormir no navio. Aí quando: “Quem tá atrasado, vamos entrando, não tem tempo de mostrar mais nada”, todo mundo tinha que mostrar… eu aproveitei, não tem tempo, me enfiei também e vim clandestino no Almirante Alexandrino, viajei, parou na Bahia, parou… e eu não descia e eu vim lá embaixo na terceira, uma gentalha miserável, mas eu queria era vim para o Rio de Janeiro, capital do samba, a terra do samba, da alegria e aí…
P/1 – Já tinha ouvido falar do Rio de Janeiro naquela época?
R – Ah, eu ouvia muito no cinema, do Oscarito, Grande Otelo, eu: “Aí, meu Deus, um dia ainda vou trabalhar com essa gente”, Heloína, Virgínia, Marivalda, Vera Regina, todos eles, né, Anquito, eu digo: “Um dia ainda vou trabalhar com eles, eu vou”, Silva Filho, Colé, eu digo: “Eu vou trabalhar com eles, eu vou chegar no Rio e eu vou trabalhar com essa gente”. Aí, eu vim, quando chegou aqui no Rio, eu não me lembro mais qual foi a data, o dia, não lembro. Aí, desci naquele negócio Armazém 13, o navio parava ali, descia, tocando “Cidade Maravilhosa”, povo descendo, se abraçando quem tava lá esperando chegar a família, eu não tinha ninguém me esperando, eu tinha Deus, eu e o mundo me esperando. Aí, eu desci e disse: “Meu Deus do céu, estou no Rio de Janeiro, e agora? São três milhões e poucos de habitantes, eu vou ter que vencer esses habitantes, eu vou botar o meu nome nessa história dessa terra aqui”, eu moleque, hein! Eu tinha essa firmeza de pensamento. Aí, eu olhei para um lado, olhei para o outro, eu tinha uma irmã minha que tinha vindo morar aqui com os dois filhinhos dela, que também não se dava muito com a minha mãe não, se mandou cedo e ela era instrumentadora do Hospital Morcovo Filho e morava no edifício Balança mas não Cai, era a única referência que eu tinha dela, que ela morava no Balança… sabe, nunca vim no Rio de Janeiro, onde é isso, onde é aquilo, não ia saber, né? Aí, eu digo: “E agora meu Deus, como é que eu vou fazer…”, aí ia passando um rapaz: “Meu filho, por gentileza – era na época da lotação no Rio, que era uma porta só, lotava, chofer dizia: ‘Agora seja o que Deus quiser’ e metia o pé (risos). “Tem alguma condução aqui que deixa no balança mas não cai?”, todo mundo conhecia o Balança por causa do programa, né? “Tem, pega ali, fala com o chofer que ele te deixa bem na porta” “Obrigado”, aí peguei o ônibus, falei: “Balança”, o chofer: “Entra rápido porque agora seja o que Deus quiser”, eu falo muito isso quando entro em ônibus, todo mundo olha pra mim eu digo: “Já lotou, agora seja o que Deus quiser” (risos). Aí, eu peguei, desci no Balança, caminhei em direção ao Balança, ali que era o carnaval, na Presidente Vargas e na Praça 11, o carnaval, né, fazia aquele... praticava o grande, que as escolas passavam ali por cima e um barraquinho com quatro jogadores jogando (risos). Aí, quarto andar, a gente dali via o carnaval, via o circo Garcia, que montava ali do lado, circo Garcia, que era o circo mais importante, quando era guri, esse circo foi muito em Manaus, também, circo Garcia. Aí, o circo Garcia, Balança mas não Cai, Praça 11, digo: “Tô onde eu quero, tô no meio do puteiro mesmo”. Aí, cheguei na portaria e falei: “Meu amigo, sabe que andar mora a dona Providência, ela é conhecida como dona Neném?”, ele disse: “Olha, a dona Neném sai de manhã cedo. Ela trabalha no Morcovo Filho, que é essa rua aqui do lado, só volta à noite e os dois meninos ¬– o garoto que era filho, a menina assim, o garoto assim, meus sobrinhos, né – eles estão pra escola, eles só voltam lá para uma hora, uma e meia eles estão chegando aí.” Era umas dez e meia, eu digo: “Vou esperar”, aí eu fiquei ali embaixo do Balança, aqueles botequins, ainda tem, né, aí daqui a pouco, quando eu vi os dois apontarem lá, eu digo: “Já sei, aqueles dois, são meus sobrinhos”, conheci logo, né? Aí, eles vieram andando, eu digo: “E aí, vim ver vocês”. “Hein?” “Tio Zé”. “Tio Zé? A mamãe gosta muito de você, ela fala tanto em você”, que a minha irmã mais velha, tá lá na parede ela, ela foi minha irmã e minha mãe, ela que me cuidou muito. A minha mãe não cuidava muito da gente, não, assim. Como ela era mais velha, ela que cuidava da gente e ela tinha um fascínio, eu adorava ela, tanto é que quando faleceu aqui, ah, eu chorei muito porque eu era assim com ela, só nós dois era sempre unido. Bem, aí, eles me levaram pra cima e eles comiam, que tinha uma pensão no Balança, que no Balança tinha de tudo, tinha pensão, puteiro, médico, tinha tudo, ali morava de tudo. Ali era uma verdadeira arca de Noé. A minha irmã morava no quarto andar, que tem uma área, tá lá até hoje e ali a gente via o circo, a gente via tudo. E minha irmã namorava um capitão do Exército, o Juarez, ele deixava aquelas fardas e o meu sobrinho já vestia aquela merda, continência, tal, andava com aquela merda dentro de casa, nunca soube, senão ele matava a gente de porrada (risos), aí: “Capitão, sentido”, não sei o quê. Bem, aí quando a minha irmã chegou, ela ficou muito feliz de me ver e foi um momento muito bom na minha vida que eu tinha paixão pela minha irmã. Ela partiu com 86 anos, se tivesse viva estaria com 98, quase 100 anos, né, eu tinha paixão por ela e ela tinha os dois filhos dela, um faleceu que era o rapaz, teve… casou, eu tenho uma sobrinha em São Paulo e a Ana não quis saber de ter filhos, nunca quis ter filhos, sempre correu desse negócio de filho. Ela… primeiro namorado dela foi o Adelzon Alves, que é da rádio Globo, ela apanhou o Adelzon na primeira tinta, feixe de mola, tudo original, ele com aquele frajolho bonito, tinha chegado do sul, né? Ela que deu o bote, ele veio (risos). Essa mulher há muito tempo me incomoda, como diz Ary Barroso: “Dá nela, dá nela”, ela jogou o bote, ele puta de um garotão, pegou o bote e veio. Depois ela deixou ele, ela trabalhou…
P/1 – Você ficou morando na sua irmã?
R – Eu fiquei lá com ela, com essa minha irmã.
P/1 – Você era garoto ainda…
R – Aí, eu com 13 anos para 14, eu digo: “Gente, meu irmão, o problema é o seguinte, eu vou procurar Praça Tiradentes, lá que eu vou começar a minha vida”. Parti para a Praça Tiradentes. “Ah, você desce tudo aqui, dobra a direita lá, igreja de São Jorge, pega a outra rua, a segunda a esquerda, sai na Praça Tiradentes.” Aí, eu cheguei lá, Broadway do teatro brasileiro, a Broadway. Todos esses letreiros de teatros, tudo iluminado, na Pedro Primeiro, aqueles bares, aqueles restaurantes com aquelas portas de vai-e-vem, tipo porta de cabaré de faroeste, uma maravilha. Aquelas vitrines com peixe nadando, o cara: “Eu quero aquele”, o cara tirava, matava. Teatro Recreio lá, um dos berços do teatro de revista, Teatro Carlos Gomes com a Companhia Brasil Pereira da Silva, Teatro Recreio com Valter Pinto, Teatro João Caetano de Silva Filho, Teatro Ideal, Teatro Íris, Teatro República com o pai do Daniel Filho, com o Juan Daniel que era empresário, todo mundo, tudo que era teatro ali, tudo funcionando de noite, aqueles cigarros para tudo que era lado, aqueles lampiões tudo assim aceso, o Rio era de um glamour, de uma beleza, transformaram… Cesar Maia transformou o Rio numa lata de lixo, tirou todo o Glamour do Rio de Janeiro, que era uma cidade que tinha toda uma coisa bem parisiense, né, tirou tudo aquilo e tá aquele cemitério hoje, que você não pode nem andar na cidade.
P/1 – Mas quando você chegou na Tiradentes…
R – Aí, quando eu vi lá: Silva Filho, eu digo: “é nesse que eu vou”, ali na esquina do Carlos Gomes, todo mundo ficava ali, segunda-feira, o ponto, né? “Como é que eu faço para falar com o Silva Pinto?” “Olha, às segundas-feiras…, não trabalha que o Getúlio botou uma lei, até Redentor do Teatro não sei o que… Botou uma lei que segunda-feira seria folga dos artistas”, então, todos que gostavam de jogar bilhar, tinha um, dois, três, quatro bilhares na Praça Tiradentes, iam tudo jogar bilhar ou iam para o pátio do teatro Recreio que era assim, cheio de árvores. Você entrava no teatro, à esquerda, tinha um pátio todo de arvores, ficavam os artistas de folga tudo jogando baralho ali, carteado. “Silva Filho joga muito carteado no Recreio, que é aquele portão que tá ali na entrada do Retiro dos Artistas”, ali era um conjunto de quatro portões. Quando demoliram o Teatro Recreio, trouxeram e botaram ali. Por aquele portão eu passo há 62 anos por ele, sou o único vivo que posso falar isso, que eu passo há 62 anos por aquele portão. Eu passei pela primeira vez com 13 pra 14 anos por aquele portão, tá ali aquele portão verde, ele é original, até a estrutura dele é original e eu passei por ele para falar com o Silva Filho. Entrei no pátio do Recreio, tava Silva Filho, Colé, Manuel Vieira, aqueles artistas, tudo da época jogando carteado. Eu digo: “Quem é o Silva Filho?” “É aquele lá que tá de costas”, aí eu cheguei e disse assim: “Oi” “Que é, palhaço, o quê que tu quer comigo?”, que o Silva tinha muito a ver comigo, com a Dercy, a gente tem tudo esse temperamento de escrachar logo, né? “Que é, palhaço?”, digo: “Não, sabe o que eu vim falar contigo? É que eu sou lá de Manaus e eu queria começar a trabalhar no teatro de revista.” “Sabe fazer o quê?” “Tudo. Eu faço tudo que tu imaginar.” “Amanhã duas e meia…”, que às seis horas tinha espetáculo, às oito, outro às dez e à meia-noite, três espetáculos por dia, “Amanhã duas e meia lá no Teatro Carlos Gomes, eu quero conversar para ver se você serve para essa merda ou não serve. Tem talento para isso?”, eu digo: “não sei, eu acho que eu tenho”, que antigamente, o artista era escolhido pelo talento, hoje é pela bunda, pela suruba que é escolhido, antigamente não. Se escolhia artista por talento, ou tu tinha ou não tinha, entendeu? Duas e meia, o Silva Filho marcou, uma e meia eu já tava lá. Quando eu chegou: “Ué, já chegou?” “Pontualidade é tudo dentro da nossa profissão”. “Que profissão?” “Artista”. “Como é que tu garante isso? Entra aqui comigo.”, aí sentou assim na quarta fila: “Sobe ali e faz tudo que tu sabe fazer”, olha, eu sapateie, eu cantei, eu declamei, eu interpretei, eu criei título, ele ficou assim, olha. E o Silva Filho era um gênio, gênio! Esse ator é considerado, na história da arte brasileira, o rei da Praça Tiradentes, Silva Filho. Mão teve ator comediante melhor do que ele, não é comediante, é ator-comediante. Aí, ele pegou e disse: “Gostei, não precisa provar mais nada. Vais começar tomando conta da porta da portaria”, botou eu na portaria, olha que… então tá, né, o homem determinou, queria ganhar o meu dinheirinho, porque o bilheteiro estava escamoteando os ingressos, apanhava quatro ingressos, jogava um na urna e três ele levava para o bolso, passava por… porque a bilheteria era embaixo, assim, toda em Art Déco, né, passava para o bilheteiro e revendia novamente e o Silva via a casa cheia e não via renda. Aí disseram: “Silva, acho que estão te roubando”, ele disse: “Eu vou botar um fiscal”, comecei como fiscal. Aí, a caixa de… era toda de vidro, de cristal, bonita assim, a gente jogava o ingresso, você via o ingresso caindo, né, aí entrava três, eu só via cair o ingresso… era o Vavá, porteiro. Digo: “Oh, Vavá, joga os outros três também, foram quatro, só caiu um”, aí a renda do Silva Filho começou a crescer, isso é, “Eu botei o garoto lá e ninguém tá mais roubando”, a renda… ele roubava o homem direto. E aí, esse homem, quando ele acabou a temporada dele, eu digo: “Agora, eu vou fazer o quê?”, o outro veio, trouxe toda a equipe dele. Aí, o Silva Filho chegou perto do Colé e falou: “Colé, eu tenho um menino bom aí à beça, garoto bom, veio lá de Manaus.” A minha renda fez isso, aproveite ele”. Aí, o Colé era amigo dele assim, né, os dois, me pegou pra trabalhar também na portaria e eu nervoso, porque eu via os artistas saírem, irem embora, chegarem, e eu lá dentro não ia, né? Mas aí, quando tinha um… quando fechava a portaria, já tinha feito a conferência dos bilhetes, tava rolando, eu ia para a coxia, podia ir que eu trabalhava na Companhia e ficava olhando o espetáculo, tinham 40 movimentos de varandas, oito esquadros, fora o esquadro de dança, de fantasia, que chamava fantasia, a abertura, né, o grand finale, né, e eu ficava assim, vendo descer cenário. E o maestro, era maestro no fosso da orquestra dirigindo o coral, que era os Golden Boys que faziam o coral para o Silva Pinto e eles fazendo o coral e eu ficava olhando, menina, aquilo e eu tenho uma coisa que eu vou morrer com isso, que já tentaram querer me destruir, mas não teve história, é isso aqui, eu vejo uma novela dessa, defendo ela todinha, o que foi mal feito, o que foi bem feito, quem interpretou bem, quem não teve tempo de representar, eu sei tudo, eu aprendi de música tudo, a mutação, tudo. Eu sou um perigo. Aí, eu olhei aquilo tudo e aí, quando foi no dia seguinte, eu tô lá dentro com o Silva Filho, ele falou assim: “Não vai ter espetáculo.” “O que foi que houve?”, que antigamente era o seguinte, quando o contrarregra faltava, não podia mais ter espetáculo, que ele que tinha todo o espetáculo todo na mão, quem que ia dirigir aquilo tudo? Não tinha, não podia de uma hora pra outra botar fulano, que ele não ia fazer. Aí: “Não vai ter", eu digo: “Vai”, aí o falecido Manuel Vieira era implicante, depois se tornou o meu maior amigo, ele era o diretor da peça, de ensaio da peça, eu digo: “Vai”, ele: “Não vai”, eu digo: “Vai.” “Não vai.” “Vai”, aí o Silva Pinto: “Que vai, não vai é esse?” “Vieira disse que não vai ter espetáculo, tu vai perder três casas lotadas de 1400 pessoas por dia? Vai ter espetáculo sim porque eu vou assumir o espetáculo”, eu era moleque, 14 anos. Aí o Silva Filho disse: “Tu assume?”, eu digo: “Assumo, eu sei esse espetáculo todinho, ele, objeto por objeto, sei tudo, que desce, a hora que desce”, eram 15 maquinistas trabalhando, seis na iluminação, era muita gente na parte técnica, cabo de varanda, os meninos trabalhando na varanda, chamam de varanda aquela parte de cima, eu digo: “Eu sei esse espetáculo todo e eu vou fazer ele, vai ter espetáculo”. Aí, Silva Filho: “Se ele diz que vai ter, porque ele se garante, eu sou o dono da companhia, eu quero que ele faça”, aí eu digo: “É pra já, atenção gente, quero cada um no seu camarim, não quero ninguém aqui de bate-boca”, e aí comecei a botar ordem que o Flavio Rangel falou ali: “O homem que bota ordem no puteiro”, subi, eram 40 girls, tudo sentado assim no camarim imenso, todas nuas se maquiando, eu: “Sou eu, contrarregra, dá licença?”, nunca teve isso em teatro, eles entravam e xingavam as mulheres, ofendiam, elas ofendiam eles, eram bons técnicos, mas não tinham respeito e eu criei o respeito dentro da casa de teatro, é por causa disso que eu sou um homem homenageado e querido, porque eu botei respeito dentro. Porque eu não admito que uma você, uma mulher, saia da sua casa para enfrentar o pão de cada dia e um pilantra qualquer: “Sua filha da mãe… como é que é?”, que é isso, rapaz? Não quero isso aqui, não. Aí, eu bati lá: “dá licença”, todas despidas se maquiando. “Minhas filhas, eu assumi a contrarregragem e…
P/1 – Quem eram, as atrizes?
R – Não, as girls. “Eu assumi o espetáculo e gostaria de avisar para vocês que eu vou dar o sinal, o primeiro sinal daqui a cinco minutos, eu venho aqui avisar para dar o segundo”, aí uma se virou para trás e falou: “Por que que tu não vai tomar no…”, eu disse: “Como é que é? Repete de novo, minha filha, faça um favor, repita de novo”, aí repetiu, né: “A senhora não vai trabalhar hoje, tá suspensa. Eu sou o diretor de cena desse espetáculo, quero respeito aqui dentro”, eu moleque, magrinho, ela mandou… depois, tornou-se minha maior amiga, tinha paixão pela Telma, ia lá para casa, a gente ria pra cacete. Aí, a Telma, suspendi ela, antigamente, a gente fazia a tabela: fulana foi suspensa por não obedecer, chegou atrasada, não tava maquiada na hora da cena, chegou com marquinha de praia, tá suspensa e levava para o diretor geral, ele assinava embaixo e a gente botava no quadro, lá. A gente que marcava o ensaio, a gente que suspendia e nunca foi feito isso porque eles ofendiam elas e elas ofendiam eles, ficava aquela troca de ofensas, porque tudo bêbado, tudo desdentado, tudo encachaçado, aí eu comecei a tirar os cachaceiros da Companhia e buscar um na rua e ensinar ele, comecei ensinar novos contrarregra a trabalhar para pôr respeito, né? Aí, desci, bati de porta em porta, das vedetes, atrizes convidadas e atrações que tinham antigamente. Bati. Minha amiga Heloína, que hoje mora em Portugal, que eu tenho paixão, ela fala comigo… toda vez que fala comigo no face: “Tô com saudades de você, Maia, casei novamente”, ela ficou viúva já quatro vezes, Heloína, linda ela, aquela gaúcha bonita. Marivalda mora na Alemanha, ficou viúva lá também, mora lá. A Jussara Calmon mora na Noruega, estão todas ricas, graças a Deus, minhas amigas estão ricas. Mas eu falo com elas: “Vem pra cá passar 15 dias com a gente, a gente te ama tanto”. Tem uma que mora aqui, a Sonia Lima mora ali na Vila Isabel e: “Eu vou aí, vou passar o dia aí, fazer bagunça”. “Não vem fazer bagunça aqui em casa”. “Já sou avó”. “Bem feito”. Eu tornei essa gente tudo amigos meus.
P/1 – Mas aí, você substituiu esse dia?
R – Substitui, menina. Botei todo mundo nos seus lugares, acabou bagunça de caixa de teatro, confusão, disse, me disse e aí, botei o espetáculo. O espetáculo correu, foi uma maravilha, quando chegou no grande final, o Silva Filho foi agradecer a companhia toda, agradecendo, o povo de pé, ele fez assim: “Hoje é um momento muito importante na minha Companhia, porque está estreando aqui uma pessoa que veio de muito longe em busca do seu sonho e veio fazer o teatro no Rio de Janeiro. Ele é um menino, mas ele é um gênio”, eu fiquei ouvindo: “Que porra é essa, né? Silva Filho tá ficando maluco”. “Eu gostaria de chamar aqui, que nasceu realmente um grande contrarregra no teatro musicado brasileiro, J Maia, pode entrar”, aí ele fez o povo me aplaudir e ele se tornou meu amigo, meu colega e quando ele tava muito velhinho, eu levei ele até o final, ajudei ele na sua decadência, no seu ostracismo, né, quando ele já tava no ostracismo, eu montei uma peça “Madame Clô, a casa de pouco respeito”, nós fomos excursionar pelo Brasil todo, Boni ajudou, (?). que dirigia a parte da Globo lá no sul, ajudou, todo mundo ajudou o Silva Filho, ele fazia uma senhora, né, conduzia aquela personagem com aquela categoria que ele tinha e eu levei ele até o final. E um dia, a irmã dele me chamou na casa dele, ele tava já agonizando, eu fui lá me despedir do Silva Filho e eu digo: “Silva, você vai ficar bom”. “Não, eu tô indo embora, já, não tenho mais gás”, aí eu beijei ele e o Silva foi embora. Eu perdi esse grande amigo, que foi meu mestre, que eu aprendi tudo com ele, arte de representar, de pegar esse palco aqui, mudar o palco de alegria, disso, daquilo. E aí, acabou ali. Aí, eu fui fazer a última revista já lá no teatro da praia com a Nilza Leoni, que também já partiu, né, e o Carvalhinho. Aí, fazendo a última revista que era “Elas entendem de tudo e ninguém entendeu nada”…
P/1 – Deixa eu só voltar aqui no tempo, um pouquinho. Quando acabou esse espetáculo, aí…
R – Aí, eu continuei. Aí eu me tornei… é besteira eu falar isso, eu não gosto de falar essas coisas, eu me tornei o contrarregra mais respeitado da história do teatro desse país.
P/1 – Depois desse, você foi fazer quais?
R – Aí, eu fui fazer o Colé, acompanhando o Colé, o Colé é uma pessoa maravilhosa. Trabalhei com grandes estrelas, Lilian Fernandes que era esposa dele, trabalhei com a Celeste Aída, que foi a primeira esposa dele, aí trabalhei muito com o Silva Filho, com a esposa que ele teve que chamava-se Nilza Magalhães, que cantava as minhas músicas. Aí, eu comecei a escrever músicas, escrevi muita música para teatro, aí recebi o direito autoral, era bom…
P/1 – Qual foi a primeira música?
R – Foi… deixa eu ver se eu me lembro [cantando]: “Atenda por mim o telefone, atenda, para dizer que eu não tô. Vai dizer que eu sumi, vai dizer, vai dizer que eu morri, vai dizer. Vai dizer que eu não quero atender, eu não quero atender. Alô, alô, meu amor…”, era um quadro que tinha, que ela atendia o telefone, né? Depois eu me lembro, só me lembrei desse pedacinho, agora.
P/1 – Mas como é que você chegou, como é que você ofereceu o trabalho?
R – Não, a Nilza era minha amiga e a Nilza era meio boêmia, meio vadia, eu falo vadia, as pessoas pensam que ela é prostituta, não, gostava de vadiar na noite e ela era mulher do Silva Filho e o Silva Filho tinha um ciúmes dela tremendo, o pau comia ali e eu não me metia. Não, mas como o Silva gostava muito de mim, ela quando queria escapulir para vadiar na noite, andar na noite, ela falava: “Silva, o Maia vai comigo” “Se o maia vai, então fico tranquilo, pode ir” e eu saía junto com ela. E a Nilza, tenho um disco gravado com ela, músicas gravadas com ela, a Nilza era levada (risos), ela arranjou um amante que era dono da “Modinha Popular”, uma revistinha que era no Rio de Janeiro, de letra de música e mudou o nome da revista para o nome de “Ronda da Noite”, e ela era sempre capa da “Ronda da Noite”, da “Modinha Popular”, e esse era o Joãozinho da Modinha, ele que trouxe esse negócio de figurinha para o Rio de Janeiro, era o João das figurinhas e ele era do Diário de Noticias, distribuidor do Diário. E o João, antigamente, se eu quisesse alugar um estúdio, o João bancava o estúdio para eu gravar minha música, que cachorrada miserável. A gente era assim, eu não tinha nada com a Nilza, não. A Nilza era minha amiga, como se fosse uma irmã para mim, entendeu? Mas aí, o Silva… ela queria dar os pinotes dela, que o Silvio já tava brocha, velho e ela… pô, o João toda aquela pinta, deu o bote, ela veio, mas ele não sabia, o Silva não sabia que era corno, não, que antigamente, era difícil você saber que era corno, que era um negócio tudo enrustido, né, “Com Maia pode sair, porque o Maia é meu amigo”, eu nunca traí a palavra do Silva Filho, que era… aí, tinha o Magalhães, um cara que era diretor da rádio, ele deu o bote, a Nilza era levada, ela não era brincadeira, não, ela só dava o bote certo (risos) e eu que me dava bem: “Magalhães, tem que botar a minha música lá para tocar na rádio, senão, a Nilza não vai lá porque o Silva só deixa ela sair comigo, eu digo que eu não posso, ela não sai”. “João, se não botar na Modinha na capa…”, olha que bandalheira, “…já viu e outra coisa, tem que bancar o estúdio e orquestra, já falei com o Raul de Barros…”, que era o trombonista, ele era o diretor da Globo, ele que fazia os arranjos tudo para a Globo, a orquestra da Globo, tu não era nem nascida. Aí, o Raul de Barros fazia os arranjos: “João, tem que pagar os arranjos, eu não vou pagar nada, não”, ele pagava. E a Nilza era minha irmã e ela gravava as minhas coisas, era minha parceira, ela entrava na parceria: “Assina aqui, Nilza”, J Maia e Nilza Magalhães. E aí, nas peças ela cantava. Como eu cantava também, eu entrei, formei uma dupla “Preto e Branco”, era eu e o negão e a gente botava roupa toda prata, a gente cantava, fazia um dueto, mas cantando samba e, aí, eu escrevia para o negão, para o Jair, escrevia música. Eu junto com ele, ele era meu parceiro, a Nilza era minha parceira. Eu sei que às vezes, eu botava seis, sete músicas numa peça. Chegou um ponto que teve uma peça que teve que ter o nome da minha música, era o nome da peça, olha que loucura isso.
P/1 – Qual nome?
R – “Sambanana”, samba com banana. E eu fiz um jingle, nessa época, para a Brastel. O Silva Filho ia montar uma peça, vamos supor um nome: “Jamais saberás”, vamos dizer e não tinha dinheiro para produzir, a grana para produzir todo cenário, móveis, tudo da peça. Eu morava em Piedade já…
P/1 – Você saiu da sua irmã?
R – É, eu morava lá na Piedade, já nessa época, já tava lá em cima, né? Já tinha saído da minha irmã. Minha irmã, sempre frequentei a casa dela, mas quando eu comecei a ganhar dinheiro, eu já comecei alugar um lugar para morar. Eu fui morar na rua Paissandu, quem teve em casa comigo tomando café, assim, foi o Pelé. Aquela época, na Copa de 62, todo mundo ali no Hotel Paissandu, a seleção se hospedava ali, eu morava do lado numa cabeça de porco, que chamava, eram aquelas casas antigas que dividia o cômodo, né, que o banheiro era lá nos fundos, que o último a sair, passa o rodo, tinha uma placa (risos), rádio na portaria para ouvir, maravilha aquilo (risos). Aí, eu ficava ali já na minha casa, comia o que eu queria, comia quem eu queria também, né, porque não tava na casa da minha irmã, mas não deixava de ir lá toda hora, a minha irmã nunca larguei ela, Deus me livre. Eu amava a minha irmã, mas “Negócio de morar só, sabe como é que é, ali a Ana, o Carlito, eu gosto de comer uns negócios, eu gosto de comer uns negócios, então não vou te aporrinhar, não vou trazer para a sua casa, né?”, então eu tinha os meus cantos e aí, depois eu vim para Piedade, teve uma época que o teatro caiu muito, fiquei na merda, vim morar em Piedade. Eu sempre quando tive lá embaixo, aparece um troço, uma luz, eu tenho um negócio que me acompanha, que é uma luz que surge, eu pegava o bonde e descia na Piedade, eu morava ali na Gomes Serpa do lado da usina de açúcar, blá, blá, blá, descia do lado da Piedade. Tinha até m samba de caboclo: [cantando] “Quem quiser me ver, vá na Piedade”, e ninguém queria me ver lá na Piedade, vai me ver? Aí, um dia, eu vinha no bonde triste à beça, aí veio o negócio na minha cabeça [cantarolando], pensei: ‘isso é bom rapaz’ , que maravilha rapaz, obrigado mais uma vez quem trouxe o assunto para mim. Aí, peguei o papel de cigarro, abri e vinha escrevendo e eu fiz um jingle Coroa Brastel: “A Brastel tudo a preço de banana”, menino, botei num gravadorzinho, eu tinha aqueles gravadorzinho, cheguei para o meu parceiro de madrugada, disse: “Olha, vamos fazer um samba aqui? Olha a ideia que eu tive”, pega a caixa de fósforo, bate caixa de fósforo, dentro de um quartinho de merda, uma merda que fazia gosto, não tinha nem móveis direito, geladeira já toda penca, tudo ruim, bebida não tinha mais porque eu sempre tive o negócio do whisky, sempre gostei de whisky, da bebida, para chegar a visita… aí, ele disse: “Tu vai fazer o que com isso?” “Com isso aqui nós vamos…” ”O quê? Com essa merda?” “Pois é, essa merda que vai botar a gente rico”. “Você tá maluco”. “Não tô rapaz. Amanhã eu vou sair para resolver isso”, aí sai com aquele gravadorzinho e fui procurar Labo Publicidade, era quem fazia a publicidade da Coroa Brastel toda, tinha um que fazia para o Rei da Voz, outro para Casa Garçô, outra para o Ponto Frio e essa fazia para a Coroa Brastel, que era aquele aglomerado de lojas, né? Fui lá procurar o homem por nome de Márcio e Hélio, eu acho que ainda são vivos, são dois irmãos. Um é meio maluco, sabe, aí subi lá: ‘Onde é a Labo?” “É ali, no prédio ali na Presidente Vargas”, subi, aí cheguei lá, a moça: “Por gentileza, queria falar com o seu Márcio e seu Hélio”, isso já tô na década de 70, já, 68 por aí, sabe, 67, “Eu acho que ele não vai receber o senhor, não, eles dois estão aí dentro e os dois estão até meio aborrecidos, não sei o que foi que houve aí”, eu digo: “Ah, mas você faz um favor? Diz que é o rapaz lá do teatro Carlos Gomes da Companhia Silva Filho”, até usei o nome do Silva Filho, “Que o Silva Filho mandou…”, Silva Filho não mandou porra nenhuma. Aí, eu só ouvi ele dizendo: “Manda ele entrar”. Aí, eu entrei, tava uma mesa lá estava um irmão assim e o outro assim: “O quê que tu quer com a gente?”, eu digo: “Eu não quero nada, quem quer é negócio de mulher grávida que quer comer alguma coisa, eu não quero nada”, além de moleque, debochado. “Sabe o que é? Eu trouxe aqui um presente para vocês, vejam se vocês gostam, tá aqui no gravadorzinho”. “Liga essa merda aí”, aí eu liguei, aí botou lá [cantarolando], aí um olhou pro outro: “Repete de novo essa merda aí”, eu: “Ih, caralho, ele vai jogar eu com o gravador pra fora”, menina, repeti aquilo lá seis, oito vezes: “Repete, repete, repete”, eu digo: “Caramba, esses dois caras são doidos", vão querer me dar uma porrada, eu vou meter o gravador neles”, aí o Hélio deu um soco em cima da mesa, meu gravador fez assim: plá! “Puta que pariu, esse filha da… salvou o dia da gente”, menino, eu senti um negócio me tomando: “Pô, eu salvei?” “Liga para o Blackout agora…”, que era o cantor que gravava as coisas para a Brastel, “Blackout, venha aqui imediatamente. Liga para não sei quem”, e a mulher danou ligar. “Bota o gravador aí, se tiver trabalhando, mando uma escolta lá na loja agora, abre a loja só para ouvir essa merda”, e aí, minha filha: “Vamos fazer o negócio?” “Vamos, qual negócio?” “É tanto por cento em três meses, depois de três meses, se a gente renovar, a gente vai renovar de mês em mês, tanto por cento por mês no direito autoral. Outra coisa, vamos gravar esse disco para o carnaval, fazer mil compassos. Vamos fazer duas mil ventarolas, vamos…”, menina, eles falando e eu ali parado olhando, escutando aquela loucura: “Vamos fazer quatro mil letras…”, só falavam em vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, minha música, né, uma porcaria, digamos, no bonde aquela merda. Menina, ganhou esse Rio de Janeiro, foram 20 e poucos anos nas paradas de sucesso isso: “A Brastel…”, jornal, até hoje eu tenho propaganda da Brastel tudo a preço de banana, não sei o que, tudo a preço de banana… menina, pegou isso no Rio de Janeiro, virou uma epidemia isso e o Blackout: [cantando] “Vou desfilar na Praça Onze…”, cantando aí no carnaval e tome sucesso, e tome direito autoral da música e tome direito autoral da UBC, sou sócio da União Brasileira dos Compositores, e tome direito autoral lá. Menino, nós estávamos na merda… outra coisa: “Maia, como é que tá a sua casa?”, eu digo: “A minha casa tá tudo caindo, morrendo, sem dinheiro, na merda, teatro não vai pra frente”. “Anota tudo aí”, chegou um caminhão baú lá cheio de móveis, geladeira, peguei aquela bagulhada meu e joguei tudo no lixo. Montei a casa no Jaú. Menino, eu ganhei muito dinheiro com isso, porcaria da Brastel, tudo a preço de banana.
P/1 – Ganhou muito dinheiro, quanto?
R – Ganhei. Ganhei muito dinheiro, eu não calculo, porque eu sempre fui de gastar muito, né?
P/1 – Mas dava pra você comprar uma casa?
R – Dava! Não, eu comprei apartamento lá no conjunto da Pavuna, primeiro apartamento ali, primeiro morador foi eu, comprei, depois eu até dei esse apartamento para uma senhora que era uma camareira, que foi minha amante, dei para ela. Depois ela vendeu, foi embora para Bahia. Comprei uma casinha ali na subida de Santa Tereza, aí depois, também dei para Sônia, eu tinha paixão pela Sônia…
P/1 – Mas aí com esse dinheiro, você comprou esse apartamento da Pavuna?
R – Comprei. Comprei a casinha lá da subida de Santa Tereza.
P/1 – Mas você chegou a morar na Pavuna?
R – Morei. Morei, depois não quis mais: “Ah, essa merda… ônibus falta”, agora tem ônibus. Aí, vendi.
P/1 – Essa foi sua primeira mulher?
R – É. Não, a Sônia já era… já era… a primeira mulher que eu amei vocês conheceram. Tá lá na minha parede, Márcia de Windsor, tinha saído do Jardel Filho, na ida, eu apanhei ela lá, Jardel Filho na ida, eu apanhei ela na volta (risos). E ela queria me levar para o Silvio Santos, que ela foi a primeira contratada número um para estrear a TV Silvio Santos foi ela, SBT. Era número um e ela queria levar eu para lá, eu não quis, que eu não gosto de São Paulo, porque não tem esquina, não tem um botequim, não tem um bar, não tem o Flamengo, não tem a praia, não tem… sabe, não tem a marquise pra gente bater papo, pra gente… não tem isso. Rio de Janeiro, eu fiz quatro poemas para o Rio de Janeiro e eu até sempre falo…
P/1 – Deixa eu só voltar. Como você foi do teatro, você continuava sendo contrarregra e fez esse trabalho, esse jingle que você fez que pegou e você continuava no teatro?
R – Continuei no teatro, porque, inclusive, o Silva Filho queria montar uma peça e eu propus a peça do Silva Filho mudar o nome para o nome da minha música. Aí, toda entrada do Carlos Gomes eram aquelas bandanas enormes, sabe, com o nome da minha música. E, aí, eu cantava duas músicas na peça, né, eu com o meu parceiro, entendeu?
P/1 – Quais eram essas músicas?
R – A gente cantava… eu tenho uma música que eu fiz para o Jonatas, não sei para quem eu fiz, não me lembro mais: [cantando] “Dorme meu amor querido, que eu velo pelo teu nome. Esquece amor do que foi, do que somos. Nosso amor é proibido pela lei da maioria, ou somos amor perfeito ou tudo é ironia. Dorme meu amor querido, que eu velo pelo teu sono, esquece amor do que foi e do que somos. Nosso amor é proibido pela lei da maioria, ou somos amor perfeito ou tudo é ironia”.
P/1 – E nessa época você tava casado?
R – Eu sempre morei só.
P/1 – Estava namorando?
R – Namorava aqui, namorava ali, tinha o Buraco da Maria que era ali no Senado e eu passava a noite ali, cantando, que tinha uma bicha amiga minha, que ele tocava violão e a Marlene Casanova, que ainda tá por aí, começou cantando ali, era professor, cantava ali, fazia Carmem Miranda, eu chegava lá, tomava gin tônica, eu gosto muito de gin tônica e me enfiava ali, quando não era ali, eu ia para Copacabana para o La Cuerva, para o Sótão, eu frequentei essas casas todas. Lembrei uma agora, tinha uma lá no Leblon, que eu não lembro mais o nome que o Cazuza era muito meu amigo, eu gostava tanto do Cazuza, era doido, coitado, né? Ele frequentava lá essa boate lá do Leblon, que era boate de entendido “Entendido o que, rapaz?” “Boate de homossexual, entendido”. “Por causa de que, entendido? Todo mundo aqui entende de tudo, esse negócio de entendido, eu não gosto desse termo. Boate de pessoas livres, que amam livremente, que fazem do amor a sua profissão”, eu frequentava isso ali. Quando eu via, sempre arranjava um namoro aqui, um namoro ali…
P/1 – Qual foi a pessoa… a Márcia foi sua primeira…?
R – Não, a pessoa que eu mais amei, eu tive uma decepção muito grande, que era um bailarino, eu fui ver o bailarino dançar e eu fiquei encantado pela dança, me envolveu e, aí, ele me levou, levei pra morar comigo e, aí, ele dançava assim, autodidata, não tinha técnica, não tinha nada, mas dançava muito. Ia pra La Cuerva, quando começava a dançar, abriam tudo na boate para ver o cara se exibir, né? O cara era um show, mas não tinha curso nenhum. Aí foi morar comigo, eu montei um apartamento na Gomes Freire, eu quase que compro esse apartamento, tá lá até hoje, são dois por andar, são seis apartamentos num prédio e, aí, eu montei, levei lá para morar comigo e lá, eu recebia muita gente, o ballet do Senegal ia lá para a casa, as mulatas Del Caribe que vinham dançar no recreio, todo mundo ia lá para casa. Eu sempre gostei de cozinhar, fazer aquela feijoada para receber aquela negrada toda lá de fora, que é uma maravilha (risos), e aí, eu recebia e vivia com esse bailarino lá, era apaixonado por ele. A Nélia Paula que foi grande estrela de teatro, minha amiga, trabalhou comigo, faleceu aqui no Retiro dos Artistas, ela nessa época era estrela lá do Carlos Gomes e a Nélia Paula: “Já vai correndo, hein!” “Tenho meu amor em casa”, que a Nélia era entendida, né? Chamava entendida, ela era bissexual, gostava de homem e gostava de mulher, ela ficava seis meses com a bandeira para o lado de cá, quando ela virava a bandeira, encostava perto dela, ela comia de porrada (risos). “Gente, não passe a mão nela e nem brigue, que ela já virou a bandeira, ela vai meter bala em vocês”, que ela ficava fascinada, ela correu atrás do Jorge Dória por causa disso. O Dória era doido para apanhar ela “Dória, não enche a cara”, pois ele foi passar a mão nela brincando, quando ela saiu, correu atrás dele, eu digo: “Falei pra você. A Nélia eu conheço, quando ela vira a bandeira, ela ojeriza homem, agora quando ela vira para o lado de cá, aí…”.
P/1 – Mas você tava falando…
R – Eu tava morando lá com esse bailarino e aí ele, tinha um alemão, embaixador alemão, que tinha sido embaixador aqui, que bancava ele no Brasil (risos), eu deixava bancar porque o velho já tava todo gagá, nem levantava quase o pé do chão (risos), e aí, ele ia só buscar lá o tal de Marx para trocar… e aí, quando o velho vinha, ele tinha que ficar dois dias lá no velho, lá no hotel em Copacabana. Eu digo: “Puxa vida, dois dias sem você aqui, que merda”, mas eu sempre fui de… eu nunca fui muito radical nas coisas: “Vai, vai, não tá mais dando nada, pode ir”, e aí, ele bancava o ballet. Aí, eu peguei… eu montava muito show em presídio e o Lene: “Maia, quero muito bem a você, meu irmão”, o Lene tinha sido preso, tava no presidio ali da Frei Caneca e sabe quando o cara tá fora aqui, todo mundo é amigo, quando entra em cana, ninguém é amigo mais, sabe? E eu era o único que ia lá ver o Lene no presidio e o Lene ficava feliz, levava revista, levava tudo para ele, cigarro, ele fumava muito e aí, um dia eu pedi do Lene: “Será que você podia dar aula para o meu menino? Porque ele dança pra cacete, mas no tem técnica”, e o Lene saía de lá do presidio para dar aula fora, que o Lene tinha academia, dava aula para a filha do Karabtchevsky, para a Elis Regina, ele que ensinou ela a fazer aquelas coisas, foi Lene e a Elza, aquelas coisas, foi Lene que ensinou também, deu técnica para fazer aquilo. Aí, o Lene disse: “Olha, traz ele para dançar aqui no presídio num show desses, que eu vou ver e te digo”, aí quando ele viu: “Sensacional”, aí botei ele para estudar com o Lene, botei ele para estudar com Carlos João clássico no Municipal, dançamos com o Lene e ele foi crescendo e começou a aparecer nos espetáculos, daí o Maia já não era mais… já tava sendo quase sendo jogado um pouco pra corda, né? Porque quando ele tava lá em Luca na casa do cacete, ninguém lembrou. Tava com o Maia, tá indo, apareceu tudo que é gavião em cima, um barraco assim de gavião, já, né? Aí, ele pegou… um dia, eu vim trabalhar no Carlos Gomes, quando eu cheguei em casa, ele… só encontrei um bilhete, aquele tradicional bilhete, que é aquele bilhete bonito quando… vai para a merda, que eu já fui, né, eu achei sensacional o bilhete, guardei aquela merda, fiquei puto, porque acabei com casa, acabei com tudo, aí saí na noite pra beber, pra viver. Aí, fiz uma marcha…
P/1 – Mas com ele foi a primeira vez que você morou com alguém?
R – Foi. Foi a única pessoa que morou ali comigo, mesmo.
P/1 – Na vida?
R – Foi. Foi o único que morou comigo. E aquilo me deixou marcas muito violentas.
P/1 – Mas foi o primeiro homem que você gostou ou você já tinha gostado de outro?
R – Não, não. Primeira pessoa que eu gostei, mesmo, que eu gostei. Não negócio de farra, mas que eu gostei mesmo, amei mesmo foi aquela pessoa. Tanto é que quando vem brincar o carnaval aqui, que era no São José, os bailes, eu tinha gravado uma marcha com o Arlindo José, que era um cantor de revista, fiz uma marcha rancho que eu falava isso dentro da marcha rancho.
P/1 – Como que é?
R – [Cantando] “É triste dizer frente a frente com você que eu não te quero mais, sei que é triste receber, é sinal de quem amou demais. É triste sim, não gostaria de escutar, que vou fazer? Tem outra em seu lugar. Quero que saibas que ainda te amo, que ainda te quero mais, porém, a minha paixão não deixou o coração sofrer uma vez mais”. E a minha música tava tocando no carnaval, entrou no baile, quando viu assim: “De quem é essa música?” “É do Maia”. “Que filho da puta, ele tá debochando de mim”. “Não, ele fez aí, não sei, ele fez e gravou ai”. Aí, passou depois de 20 anos, um dia eu vou atravessando a Cinelândia, quem surge? Um espanhol tomou-lhe tudo, que é uma raça miserável, né, se cafetou na Espanha, tomou-lhe tudo, ele ganhou muito dinheiro lá, montando espetáculo tenerife nos hotéis de luxo, tomou-lhe tudo, deu-lhe um ponta pé na bunda, cortou-lhe a cara, botou para fora de lá, chegou aqui uma merda. Eu digo: “Tudo bom?” “Tudo bem”. “Legal”. “Você tá bom?” “Tô”. “Tá fazendo o que agora, tá fazendo teatro?”, eu digo: “Não. Eu agora sou assessor do diretor de eventos da cidade do Rio de Janeiro, o homem que manda em tudo que se faz em espetáculos nessa cidade, eu sou o assessor direto dele, sou secretário dele, tô dentro da… tô mandando, dando carta de mão”, meu Deus do céu, isso já foi no primeiro governo Cesar Maia, eu fui trabalhar na Riotur já como assessor do diretor, quem me levou foi o diretor, me convidou: “O Maia é meu convidado para trabalhar comigo”, e aí, eu tinha um apartamento montado no bairro de Fátima, tinha aquela mesa toda de prata, cheia de tudo que era tipo de whisky, de champanhes francesas, eu sempre fui metido à besta (risos), aí montei uma puta de uma casa, arranjei… [cantando] “Eu arranjei um novo amor, um novo amor para o meu coração”, e minha vida transformou. Aí, eu arrumei um novo amor e botei para morar comigo lá, foi a segunda pessoa que veio morar comigo.
P/1 – Quem que é?
R – Isso da marcha é 80 e pouco, 82.
P/1 – Mas quem que era?
R – Agora ele é maître do hotel Hilton em Natal.
P/1 – Era um homem?
R – É.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Zé Carlos, novinho ele, chegou aqui todo… não conhecia ninguém, eu que dei o bote, ele veio no bote e aí, botei para estudar, formei ele e eu coloquei ele no Copacabana Palace, com a minha amiga Sônia Zagury, irmã do Zagury, que foi marido da Brigitte Bardot. Ela casou com um brasileiro, ele que trouxe ela aqui para o Brasil. E a irmã dele era relações públicas do Copacabana e atriz, trabalhou comigo lá no Teatro Copacabana. E aí, eu arrumei com ela, ele entrou no Copacabana como comigo, não sei o que, foi a garçom, de garçom foi a maître e aí, ele cresceu à beça, aí a família dele era muito humilde lá no norte, não tinha situação. Ganhou muito dinheiro, arranjou pra ir para lá, eu disse: “Vai cuidar da sua família que isso é bom, agora tira eles daquele interior e bota direitinho”, e ele foi pra lá, Zé Carlos, meu amigo, meu grande amigo, gosto muito dele. E aí, não quis mais ninguém morando comigo, aí cismei, quer saber de uma coisa?
P/1 – Você teve namoradas?
R – Tive muitas. Eu sempre namorei mulher negra, nunca gostei de mulher branca, não é que eu seja contra cor, preconceituoso, não fala comigo, entendeu? Nunca teve, a única mulher branca que eu namorei que foi a Márcia de Windsor, mas era um negócio mais assim de…
P/1 – Como foi a sua relação com a Márcia?
R – A Márcia foi maravilhoso, não foi melhor porque a Márcia era uma mulher muito educada, muito fina, muito elegante, muito chique e não combinava comigo, eu digo: “Márcia, não combina”. A Márcia, se você tivesse aqui e dissesse “Merda”, ela se chocava, era uma mulher que nunca pronunciou essa palavra: “Merda”. Era tudo muito educado, ela era uma mulher de uma finura, de uma nobreza, de uma beleza, de uma elegância, quem fazia as roupas para ela era o Dener, Clodovil, eram os costureiros que faziam aquelas roupas chiques, ela sempre chique, sabe? Quando ela foi para a televisão, ela inventou esse negócio de nota dez foi ela, Márcia só dá nota dez para as pessoas porque ela não sabia ferir a sensibilidade das pessoas, dizer sete, oito, ela achava que feria as pessoas. Então, ela foi uma mulher muito fina, atriz, mulher belíssima, mineira, né? Bonita, a Márcia era muito linda e ela entrava aqui, passava por aqui, daqui a meia-hora, você vinha…
R – Daqui a meia-hora tu vinha, tu sabia quem entrou aqui: “Maia, o quê que é isso?” “A Márcia de Windsor passou por aqui”. “Como é que tu sabe?” “Eu sei, por onde ela passa fica…”, ela só usava aqueles perfumes franceses caríssimos, ela passava aqui, ninguém tinha visto ela: “Maia, quem passou aqui?”, eu digo: “Márcia de Windsor”. “Por quê?” “Por causa do perfume”, a gente sabia. Eu que atendi o primeiro telefonema do Silvio Santos fui eu, eu atendi na bilheteria do Teatro Lucinda, estava fazendo Alto da Compadecida com a Márcia de Windsor, que fazia Nossa Senhora, Agildo Ribeiro que fez o Guido, ele fez 780 vezes aquele personagem, ele que criou o Chicó, né? O João Grilo e o Chicó…
P/1 – Você trabalhou no SBT?
R – Não. Nunca trabalhei no SBT…
P/1 – Não entendi a passagem da peça.
R – A Márcia estava trabalhando comigo no Teatro Lucinda e aí, eu estava ali embaixo, tocou o telefone, eu tava ensaiando e ela tava no camarim, lá, se preparando para ir para o ensaio e eu desci e fui atender: “Alô”. “Aqui é o Silvio Santos”. “Oi, Silvio”. “Eu tô precisando falar com a Márcia de Windsor”, eu digo: “A Márcia tá lá no camarim, o senhor não se importa de eu dar um pulinho lá”. “Não, não, pode ir lá chamar ela, não tem problema” “Eu vou dar uma subidinha, eu vou correndo, é o Maia, contrarregra”. “E aí, garoto? Como é que tá?” “E aí, tô sempre brilhando, que maravilha”, que ele nasceu ali, na Praça Tiradentes, o Silvio, sabe? Aí eu disse: “pois é, eu tô aqui na contrarregra”. “Pô, mas tu é antigo aí, né, Maia?”, eu digo: “Sou. Vou lá chamar ela”. Cheguei lá, ela tava sentadinha, que ela era muito educada, eu [som de batida de palma], ela olhou: “Diga, Maia”. “Minha filha, desce rápido que o Silvio tá no telefone e quer falar com você”. “Que Silvio?” “Silvio Santos”, ela foi a contratada número um. Fui eu que chamei ela para atender o Silvio Santos na bilheteria do Teatro Lucinda. Como é que alguém vai saber algum dia disso, né, que foi a contratada número um e que atendeu um telefone na bilheteria do Teatro Lucinda. Silvio Santos ligou para ela. Foi igual quando o Jô ligou para mim, o Jô não liga para ninguém, o Jô manda produção, né? O Milani falou: “Jô, se tu mandar a produção, ele não vem. Eu conheço o Maia. Liga você”. “É mesmo, Milani?” “Não vem, ele não vai vim, ainda mais que o Maia não gosta de televisão”. “Ele gosta é de teatro, até hoje ele é obcecado por teatro”, e aí, o Jô que ligou direto. Como o Silvio Santos, ligou direto.
P/1 – Quando que você deu essa entrevista para o Jô?
R – Foi em 2004.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho?
R – Vamos. Volta.
P/1 – Você trabalhou com o Ziembinski?
R – Não, com o Ziembinski, não. Só convivi com ele, nunca trabalhei com ele. O Ziembinski tem muita coisa do Nelson Rodrigues, e o Nelson Rodrigues, eu vim fazer já agora na década de 2000, 90. Eu vim fazer uma peça do Nelson Rodrigues, que eu nunca tinha feito e era meu sonho fazer. Convivi com ele, me dava com ele, adorava ele, dei carona para ele em carro, olha só, e nunca tinha feito uma peça do Nelson. E ele dizia: “Pelo andar da carruagem que a gente sabe quantos canalhas vêm dentro”, eu digo: “Ah, quatro canalhas sentados e um dirigindo”, eu digo: “Mas tem os cavalos, né, Nelson”, ele dizia: “Os cavalos já são cavalos, meu filho” (risos), e nunca tinha trabalhado com o Nelson, adorava ele, tanto é que uma entrevista que eu dei há pouco como sempre aí para a rádio patrulha, uma rádio dessas aí, rádio patrulha, rádio rodoviária, me perguntaram sobre o teatro moderno no Brasil e eu… ah não, foi na... onde dão aula, ali na praia Vermelha, UNIRIO, né? Eu fui lá, me convidaram e fizeram duas perguntas para mim, eu digo: “Olha, o criador da comedy carioca no Brasil no Rio de Janeiro foi João Bittencourt e o criador da tragédia carioca no teatro também foi Nelson Rodrigues. Então, esses dois homens são dois polos do teatro no Brasil. Na comédia, comedy carioca e da tragédia carioca, foram eles que criaram isso, porque até aí, a comédia era muito chata, que ela vinha muito traduzida da Itália, a comédia paulista é muito chata, porque é aquele negócio meio pastelão, sabe? Não tem aquela coisa do carioca, Jorge Dória, o mais importante de toda história do teatro brasileiro, conduzia a comédia, sabe, carioca, aquela malandragem, né? Então, o João Bittencourt é que escreveu essa comédia, toda vida escreveu essa comédia, esses personagens. E o Nelson modernizou o teatro com a linguagem, né, trouxe a linguagem de lá para o teatro. Então, dois caras que eu admirava muito eram Nelson Rodrigues e João Bittencourt, que eu comecei na comédia com o João Bittencourt. Quando acabou a revista, eu pulei para a comédia em 73. Acabou lá, eu pulei para a comédia com o João Bittencourt, foi engraçado aquilo. Nós estávamos onde, mesmo?
P/1 – A gente voltou, porque nessa passagem, a gente voltou para o teatro…
R – Teatro…
P/1 – Essa música que você comprou o apartamento da Pavuna foi antes disso?
R – Foi. Foi no teatro de revista, foi quando eu estava no teatro de revista.
P/1 – O quê que aconteceu com aquele apartamento da Pavuna?
R – Aquele eu dei para a Sônia. A Sônia era uma camareira baiana, pequenininha e ela fazia tudo pra mim, ela tinha um carinho por mim muito grande. No Natal, eu nunca fui de ter festa de Natal, eu fazer, eu sempre fechava a minha casa, ia para a casa da Sônia, ia no Natal da casa da Sônia: “Vou passar o ano aí”. “Vem pra cá”, ela podia estar casada, eu chegava lá, não tinha nada a ver, era problema dele, o marido dela…
P/1 – Mas ela era sua amiga?
R – Minha amiga.
P/1 – Não namorada?
R – Não, eu já não tava mais namorando com ela, mas frequentava a casa dela. Ela casada, um dia ela falou para o marido dela mesmo assim… eu cheguei lá, aquela alegria: “Oi, Sônia, vim te ver, Natal”, ela: “Tem tudo aí, fiz tudo que tu gosta”, aí o cara ficou olhando sério, ela falou: “Não olha sério, não, porque até essa casa que eu moro foi ele que deu, pô”, o cara: “É?” “É, esse é o Maia, meu maior amigo, foi meu marido, meu amigo, ele é tudo para mim”, aí o cara ficou meio devagar, sabe. E eu: “Meu irmão, não precisa ficar com ciúmes dessa neguinha aí, se eu quiser a neguinha de volta, eu apanho ela e levo”, acabou.
P/1 – Você deu um apartamento para ela?
R – Dei. Dei o de lá e dei o de Santa Tereza.
P/1 – Pra ela?
R – É, que ela morava perto do Agepê, falecido Agepê, cantor e o Agepê perturbava à noite toda com aquelas farras na casa dele, ela morava alugado. Ela disse: “Meu Deus, não tenho dinheiro para comprar um apartamento”. “Eu vou te dar um”, aí quando eu comecei a ganhar dinheiro, eu só: “Escolhe lá, que eu te dou”, ela escolheu a casinha lá. Aí, eu comprei o apartamento para mim, depois, eu disse: “Não tô gostando dali, não, quer aquele para você?” “Quero”, aí depois, ela até vendeu, que ela foi morar para a Bahia, ela vendeu. Ela tá lá na Bahia agora, a Sônia.
P/1 – E você ficou sem casa?
R – Não, aí eu comecei a alugar novamente. Aluga daqui, aluga de lá, aluga dacolá, aluga aqui, aluga ali, aí eu comecei a viver de aluguel. Aluguel, aluguel, ganhava dinheiro, gastava tudo nas farras, que o meu negócio era viver, eu sou um homem que eu sou cultuador da vida, eu quero viver todos os momentos da minha vida, eu não vim aqui para me prender em parede, cortina, nada disso. Aquilo ali tá tudo montado, se eu cismar, eu tô com uns três projetos meio malucos, aí, se sair um, tu chegar: “Ué, o Maia não tá?” “Não, ele se mandou” “Pra onde?” “Ninguém sabe”, porque eu vou me embora, sabe? Eu nunca… nada me prendeu, eu sou igual cigano, ao mesmo tempo que eu tô aqui, daqui a pouco eu já não tô: “Ele não tá mais aqui? Tá morando onde?” “Disseram que tá lá para não sei pra onde, lá para Nova Iguaçu, Corte Oito, não sei o que, ele tá por esses buracos aí tudo”. Eu sou assim, eu sou muito irreverente, eu só acredito no momento, porque eu cheguei a esse estágio de idade e a vida é agora, o momento é agora, a felicidade é esse momento. Onde tá a felicidade? Agora, quando a vida começa aqui, tá aqui a felicidade. A felicidade tá onde a gente quer que ela esteja, porque eu tenho um poema meu que eu falo: “Eu sou um errante caminhando por dentro da noite em busca da felicidade”, e a felicidade é aqui, esse momento. Eu posso sair ali e ir embora, o homem chamar, pum, morreu, dormiu, não quis mais ficar, sumiu. Quando morre um amigo meu, nunca: “Morreu um amigo meu…”, eu acho horrível isso, é agressivo. “Maia, e a Isa?” “Não quis mais ficar, foi embora”. Eu tive a felicidade de quatro grandes amigos meus, eu me despedir assim, pegar na mão, ele ir embora comigo, ali. A Isa Rodrigues morreu assim. A mulher: “Seu Maia, seu Maia, entra aqui depressa, que a dona Isa tá morrendo”, eu cheguei: “Isa, minha filha, me dá a mão”, segurei a mão dela: “Vai na paz de Deus, você já cumpriu a sua obrigação aqui, obrigado, Isa, por voce ter sido minha amiga durante 60 anos, muito obrigado. Por você ter dado essa oportunidade para mim, minha irmã, vá na paz de Deus”, ela foi largando assim, morreu. Aqui dentro. A Rosana Toledo, a mesma coisa: “Obrigado”, me abracei com ela, ela foi embora. Sabe por causa de quê? Foram meus amigos que chegaram e me deram essa oportunidade.
P/1 – Posso voltar?
R – Pode. Volta.
P/1 – Voltar para o período que você trabalhou com o João Bittencourt.
R – João é patrimônio da comédia brasileira, né?
P/1 – Como é que foi? O quê que você fez com ele?
R – Bem, o João, eu tava no teatro da praia em 1973, a gente encerrando o teatro de revista no Brasil. “Elas entendem de tudo, elas não entenderam nada”, aí eu saía, ficava ali naquele saguão no teatro da praia, quando eu vi o Jorge dória chegando. Eu era fã do Dória, porque tosos nós, técnicos, temos nosso ator preferido, nossa atriz, nossa cantora, nosso cantor, nossa música preferida, nosso vido preferido, tudo nós temos. O meu viado preferido, Rogéria, aí, minha Rogéria. Eu amo a Rogéria, porque a gente foi moleque juntos, somos da mesma idade, corríamos pela rua… bem, aí eu vi o Jorge Dória entrando, eu digo: “O Jorge não é de vim assistir teatro de revista, o quê que ele vai querer…” “Dória, tu quer o que aqui?” “Vim aí porque eu vou fazer uma peça francesa e o João Bittencourt mandou eu escolher um ator para trabalhar comigo. Ele me deu uma lista, Maia, de três”, digo: “Não, não vamos trabalhar com essa gente, né?” “Me deu o João…”, aquele viado que era de fantasia, esqueci o nome dele agora, era meu amigo, que desfilava na escola de samba, morava ali no Leme…
P/1 – Clovis.
R – É, o Clovis. “Me deu o Clovis Bornai, me deu mais…”, eu digo: “Não, João, eu não quero” “Então, vai escolher um ator para trabalhar, eu me lembrei do Carvalhinho, como é que ele tá?”, digo: “Carvalhinho tá ótimo. Porra, Dória, vai ser o par ideal, vocês vão dar banho. Como é que é essa peça?”, o Dória contou assim, por alto, que ele era meio doido também, digo: “Ih, vai dar certo. Tu vai ver o Carvalhinho fazendo o Grande Otelo que ele faz aí do cacete”. Aí, o Dória entrou para assistir a peça, digo: “Oh, Carvalhinho, não vou te dizer nada, o Jorge Dória vai assistir a peça, ele tá aí, pelo amor de Deus, faz o negócio direito, rapaz, pô, Jorge Dória, rapaz, o maior comediante do Brasil. Vim te avisar”, que o Carvalhinho era muito ciumento, trabalhou muito comigo, era meu amigo e era meu parceiro de carnaval, de música de carnaval. Bem, aí o Jorge Dória assistiu e aí, resolveu fazer o seguinte, pegou o Carvalhinho, Cesar Montenegro, tudo estava nessa peça, pegou o dono da peça, que era o Carlos Pena, levou e acabou a companhia e eu, não falaram nada comigo, fiquei na merda. Eu falei ali pra você e no meio da rua: “Como é que eu vou fazer agora, gente? Vou trabalhar onde? Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor, o que eu posso fazer? não tem mais teatro de revista, vou fazer o quê? Eu nunca fiz comédia. Como é que vai ser essa…”, aí fiquei doido andando pela noite em busca da felicidade e a felicidade não aparecia, né, aí de repente, eu vi o Pena feito uma doida, que ele é um louco, né, ele era muito rico, morava ali na Barão da Torre e era empresário, pai dele riquíssimo. Aí: “Maia…”, aquele escândalo, eu: “Calma, pra que esse escândalo todo?” “A Joana francesa…”, eu digo: “Que Joana é essa?” “…não tem contrarregra”, eu digo: “O quê que eu tenho a ver que ele não tem contrarregra? Não tenho nada com isso”. “E aí, eu falei em você: ‘Olha, João, nós temos um…”, aí me botou lá em cima, fez eu um monstro no teatro, o João Bittencourt olhou bem para eles: “Manda esse tal de Maia, meu filho, vir amanhã aqui”, aí eu digo: “E a peça é o quê?” “Eu tô com o texto, ele não mandou te dar texto, não, eu tenho um texto, toma pra você pra tu ler”, eu digo: “Ah, Pena, que bom, pelo menos eu não chego lá… quer dizer, que horas é?” “Amanhã tem que estar à uma e meia”. “Meio-dia eu já tô lá”, João Bittencourt, né, puta… o mais importante diretor de comédia do país e autor de comedy e tradutor, né? Cheguei lá meio-dia, isso era no Teatro Glória, ali no Hotel Glória, porque a gente ia estrear no Teatro de Inácio, mas no Teatro de Inácio tinha uma peça montada e ensaiava no outro lugar até acabar a temporada para poder passar para cá. Minha filha, o Maia chegou lá meio-dia, já levou uma tábua que eu tinha assim, que era campainha de rua, telefone, eu li a peça à noite em casa, né, fiquei à noite toda lendo aquela merda. Achei a peça boa, a história boa, mas muito chata…
P/1 – Que peça que era?
R – “A Gaiola das Loucas”, porque “A Gaiola das Loucas” se você ler o texto dela traduzido, é muito chato, aqueles italianos fazendo, então, é uma merda aquilo. Agora, na mão de Jorge Dória se transforma numa comedia brasileira, né, Jorge Dória, gênio, né? Aí, eu vi aquilo: “Que chata, a história é boa, mas com o Dória fazendo, ele vai virar essa peça, ainda mais junto com o Carvalhinho, eles vão fazer assim, vão destruir a tradução do João, a adaptação e tudo”. Bem, eram duas horas a peça. Armei aqueles pauzinhos com as campainhas lá atrás, tinha um cenário montado lá de uma peça que eu acho que era a Fernanda Montenegro que tava fazendo lá, não sei, tinha um cenário velho, lá. Armei tudo lá atrás, me sentei com o texto, fiquei lá sentadinho. Antigamente, quando se ensaiava ali uma peça, a leitura… ah, eram 12 atores, eu já coloquei 12 cadeiras no palco, armei tudo para a leitura. Eu nunca tinha trabalhado com ele, daqui a pouco, ele me chega: “Boa tarde”, eu digo: “Boa tarde, seu João Bittencourt, eu sou o J Maia” “Pena me falou muito de você”. “Eu já arrumei o palco”. “Já arrumaste o palco?” “Esses atores é que vão ler”. “Pô, mas que maravilha!”, ele observava tudo, sabe? Aí digo: “Já botei uma mesinha ali, com café, tudo direitinho”, disse: “Ai, que bom, me falaram muito de você, o Pena, eu pensei que ele tava exagerando, ele não tava não…” “Não, ele é meio maluco, mas ele é gente boa, sabe, seu João”. Aí, eu começo, chego num lugar falando seu fulano, seu beltrano, depois, eu: “João, vem cá meu filho”. A Bibi é a mesma coisa: “Oi, Bizinha, venha cá, minha filha”. Tudo bota pra trabalhar comigo, ele chega, bota aquela coisa, digo: “Oi, minha filha, vem cá”, eu chamo a atenção de todos ali. Quero saber se é Bibi, se é fulano, único cara que chama a atenção da Bibi sou eu, ninguém chama, todo mundo se caga. Ela: “Eu gosto do Maia, porque o Maia: ‘Tá errado ali, vamos…’”. Aí, eu esperei chegar os atores e foi chegando um por um, Jorge Dória. O João Bittencourt: “Olha, nós temos um novo contrarregra para a leitura”, mas o João não sabia que eu tinha armado tudo lá trás, campainhas e tudo, que em leitura, o ator fazia campainha tudo de boca antigamente, “triiiimmm”, o outro “piiiii”, sabe? Eu achava aquilo ridículo! Então, eu já montei uma tábua com todas as campainhas, eu ligava: “Aqui é 120?” “É”, ligava, quando o ator ia dar a deixa, eu: "péé”, aí eu fiquei na minha esperando dar o bote, né? Aí, digo: “Seu Jorge Dória, o senhor é ali, Carvalhinho, tu é ali…”, o João ficou parado olhando. Como é que pela peça… eu levando o contrarregra na peça. Aí eu: “Tu é ali, tu é ali, tu é ali. Seu João, tá todo mundo na posição, vai começar agora?”, “Po, tá tudo arrumado”, aí ele disse mesmo assim para mim: “Sente ali atrás…”, ele ficava aqui na segunda fila, “… e fica com a peça para curtir”, eu digo: “Não, eu vou sentar lá atrás daquele cenário”, ele disse: “Por quê?”, eu digo: “Eu sou de ouvir, não sou de ver. Eu não tenho que ver, eu tenho que ouvir só”. “Eu nunca vi contrarregra assim no Brasil”, eu digo: “É, mas eu sou de ouvir”. Eu fiquei lá atrás. Aí, o João começou o ensaio, aí quando… tinha muita companhia, né, tinha boate, aquelas roupas, quando a pessoa ia fazer de boca, eu: “prããã”, aí era para atender o telefone. “Beh”, a porta e aí, eu vi o seu João Bittencourt falar mesmo assim: “Finalmente, temos um contrarregra no teatro brasileiro”, nunca mais eu vou esquecer isso. Olha, rapaz, ouvi o João Bittencourt falar isso, acabou a leitura, ele disse: “Maia, vem aqui. Senhores atores, até que enfim apareceu um contrarregra no teatro brasileiro, J Maia. Aplaudam ele, esse homem é um gênio”, eu digo: “Não, seu João, eu sou um homem, eu não sou gênio, eu sou um homem que eu como, vivo, durmo, fodo, cago, rio, brinco, choro fazendo teatro. É uma coisa que eu quero que seja respeitada é o teatro. Isso aqui é um solo respeitado. Eu, quando entro em qualquer palco, eu vou lá primeiro e peço licença, que aqui estão os deuses da arte e eles não perdoam erro, sabia?”, aí eu falei mesmo, naquela época, Jorge Dória e tudo era um grande ator, eu digo: “Eu não admito que ninguém erre depois que a gente estrear essa peça, porque ou são atores ou não são”, aí foi um silêncio, aí o João disse: “Muito obrigado”. “Amanhã que horas, seu João?” “Duas horas” “Meio-dia e meia eu tô aí arrumando tudo, quem quiser chegar mais cedo, pode chegar”. E comecei ali, teatro de comédia. Estreamos. No dia da estreia no Teatro de Inácio, em 1974, o João Bittencourt chegou na caixa de teatro e fez assim: “A partir de hoje, o espetáculo é seu”, e saiu fora e ele só vinha uma vez… ele vinha todo dia ao espetáculo, uma vez por semana, ele entrava na caixa: “E aí, Maia, o quê que você está achando?”, eu digo: “Olha, João, aquela cena da boate tem um momento que ela tá muito longa, o espetáculo perde o ritmo, tá perdendo, sabe, o tempo”, aí o João anotava, ele tinha uma prancheta. “Outra coisa, João, na mesa, o Montenegro tá brincando muito, porque ele é um deputado, ele tem que estar sério. A troca de olhar tá mal feita”, o João… e o Jorge Dória, um dia, falou mesmo assim: “Respeitem o Maia que ele entende muito de teatro”, você entendeu? E eu passei a entender, até ator eu escolhi. E ali foram seis anos de sucesso. Eu ganhei muito dinheiro lá, porque um contrarregra naquela época ganharia mil e quinhentos, eu ganhava três mil reais. Aí, de três em três meses, renovava, aumento, de três em três meses, aumento. Eu ganhei muito dinheiro, muito dinheiro em seis anos. Viajei depois com a peça. Aí quando…
P/1 – Viajou pelo Brasil?
R – Viajou pelo Brasil. Foi sucesso em tudo quanto é lugar. Aí depois, eu parei com ela e fui trabalhar com o João Bittencourt no Teatro Mesbla. Eu trabalhei em todos os teatros do Rio de janeiro, dos que existem e dos que acabaram, né? Fui para o Teatro Mesbla fazendo do João Bittencourt: “O último a sair, apague a luz”, seria uma história imaginaria dentro do Rio de Janeiro, o assunto era o Rio de Janeiro por causa da ditadura. João Bittencourt foi o único homem que escreveu uma comédia contestando contra todo tipo de ditadura, através de uma comédia sem tocar que era no Brasil, aquilo tudo era em Sodoma, ele transformou o Brasil em Sodoma, “O último a sair, apague a luz”. Aí, ele contratou Milton Moraes, que comediante, Sueli Franco, do primeiro time de comédia brasileira, a Sueli. Iris Bruzzi, André Villon, um dos maiores comediantes do Brasil, é marido da dona Elza Gomes e aí, começou a fazer teste, ele tinha brigado com o Jorge Dória, houve uma briga lá deles dois, se separaram assim, não queriam se unir mais. O João Bittencourt não dava o braço a torcer, o Jorge também, né, e o contrarregra era Maia. Ele fez teste com um, dois, três, quatro, com uns cinco atores, ninguém achava graça lendo o texto. Ivan Candido, Luiz Gustavo, tudo não passou no teste e ele ficando nervoso: “Maia, como é que eu vou fazer? Não tenho um homem para fazer o segundo papel dessa peça, e como é que vai ser?”, aí chamou Milton Carneiro também não passou, sei que ele chamou foi ator. Aí, ele nervoso, nervoso, eu disse: “João, aceita uma opinião de um homem que não entende de teatro?” “Aceito”. “Jorge Dória”. “Mas eu não falo com ele”. “Mas ele tá louco para fazer essa peça, você quer apostar comigo? E ele vai fazer”. “Como, Maia?”, eu digo: “Me dá o texto que eu vou na casa dele, vou buscar ele”. Ele morava lá naquela última rua ali de Ipanema, depois da Rainha não sei do que lá, aquela rua… sai lá na praça de Ipanema…
P/1 – Elisabeth.
R – Elisabeth, né? Aí, o João me deu a peça, eu bati na casa do Jorge Dória, ele disse: “O que é isso, meu filho? O que vieste fazer aqui nesta hora?”, eu disse: “Vim te trazer a peça, que esses atores são umas bostas, Dória. Tu já viu paulista fazer comédia carioca, Dória?”, aí o Dória disse: “Claro que não”. “Acha que Luiz Gustavo sabe fazer comédia do Rio de Janeiro? Não tem nem jeito para isso. Jô Soares vai fazer comédia do Rio de Janeiro? Não vai fazer, né, paraibano vai fazer? Isso é coisa de Jorge Dória, a peça é tua. Ainda vou te dizer mais, é o segundo papel. Sabe que tu vai roubar essa peça do Milton Moraes? Vai passar o primeiro papel para você?”, o Jorge Dória fazia isso, ele foi o gênio da comédia, ele pegava o terceiro papel, ia virando a peça em cena, trabalhando, ia virando, trazendo a peça pra ele, botava vocês tudo para escanteio. Olha como ele era comediante nato, sabia tudo, né, e como fazia graça, né? Ele inventava história que nem tinha no texto, mas ele sabia fazer humor. E ele pegou… eu digo: “Amanhã lá, pelo amor de Deus, senão não estreia essa porcaria”, ele disse: “Qual o problema?” “Lê aqui”. “Sabe que isso aqui não é engraçado”. “Lê pra mim, aí, Dória”, o Dória leu, eu me joguei no chão, ele: “Mas até tu acha graça, eles não acharam graça?” “Não. Paulista vai achar graça onde? Ela disse que ele disse que ela não disse porque se ele dissesse quem lhe disse… é um disse, me disse, paulista sabe fazer isso, rapaz? Só carioca”. Aí, o Dória ficou com a peça, liguei para o João Bittencourt de noite: “João, o Dória vai estar amanhã lá”. “É, meu filho? E ele?” “Ficou louquinho pelo texto. E já leu para mim lá, eu caguei de rir” “Jorginho, porra, meu amigo ficou aborrecido”. “Não tem, não toca em aborrecimento, ele vai chegar e fazer a porra da peça”. Aí, nós fizemos, olha só, os quatro maiores comediantes do país trabalhando numa peça, aquilo assim, olha, briga para entrar. Foi um ano e quatro meses botando gente dentro do Teatro Mesbla, aquilo era lotado, matinê, duas sessões no sábado, duas domingo. O Jorge Dória chegou no ensaio: “Lê ali rápido”, aí a Bruzzete se emperiquitou toda ali, que ele ganhou a Bruzzete, jogou um bote e apanhou a Bruzzete, a Bruzzi tava solteira, ele… deu o bote. Aí: “Porra essa mulher não foi do Walter?” “Foi, mas não é mais. Do Caruso também não é mais, do Regis Cardoso, também não é mais, agora é tua vez”, ele apanhou a Bruzzete e foi viver com ela aqui em Jacarepaguá. Aí, o Dória chegou, leu aquela merda, foi uma gargalhada: “Tá vendo, João, eu não te falei? Essa peça é pro Jorge Dória, rapaz. E Tatá sabe fazer comédia? Ivan Candido sabe fazer comédia?”, aí o Tatá ficou puto comigo: “O que o Tatá sabe fazer são aquelas peças paulistas dele, lá, negócio de…”, uma coisa que ele fazia na televisão que foi sucesso, agora comédia carioca? Pelo amor de Deus. Aí, foi um sucesso. Aí, eu fiquei com prestigio, o único contrarregra no Brasil que começou a escolher ator para diretor e para autor de peça, olha que loucura isso! Nunca teve esse contrarregra, gente. No Brasil, nunca teve. Aí, eu me senti, porra, tô ficando lá em cima, né? Também para esculhambar com a nação, esculhambava na cara, também. A Bibi disse: “O Maia faz uma coisa que eu não tenho coragem, ele fala na cara: ‘Tu é um canastro e acabou’”. Eu fazia isso, nunca um contrarregra ganhou…
P/1 – Quando você trabalhou com a Bibi? Em que peça?
R – A Bibi eu amo, a Bibi é minha ídolo. A Bibi… tem uma coisa, mas isso eu não posso falar, isso eu não posso. Mas tem coisa que eu não posso falar, mas…
P/1 – Depois dessa peça do João Rodrigues…
R – Do João Bittencourt?
P/1 – João Bittencourt, desculpe.
R – Aí, eu fui fazer… que eu trabalhei com os cinco maiores diretores da história do teatro brasileiro. Aí, eu tava lá no seis e meia com o Albino, que era assim, eu fazia seis e meia, acabava, às sete horas eu corria para o teatro, entendeu? Dia de quinta-feira, o Albino me liberava, sabia que eu tinha matinê e eu fazia teatro e seis e meia, fazia duas coisas. Quando parava o teatro, eu ficava só com seis e meia, quer dizer, eu não ficava parado, eu nunca parei, não ficava parado, tava trabalhando, ganhando o meu dinheirinho, né, que no Albino eu ganhava bem, também. Aí, um dia eu tô lá no saguão lá, de conversa afiada, batendo aqueles papos de vagabundo, aí veio uma garota: “O senhor que é seu Maia?”, eu digo: “Sou até meia-noite, né, depois da meia-noite, o homem pode me chamar e eu ãoo sei mais” “Seu Reinaldo…” “Quem é seu Reinaldo?” “Reinaldo Loi”, era uma bicha gorda, que era colunista social, amigo da Lili de Carvalho, que depois virou Lili Marinho, mas era Lili de Carvalho, dona Lili, era um gordão, aquela bicha gordona, colunista social, produtor de teatro. Ele vinha desde aquela época do Teatro Jardel, antigo à beça, aquele viado gordo. Ele só produzia espetáculo que ele ia buscar na Inglaterra, ia buscar não sei onde, aqueles espetáculos caríssimos, né? E ela assim: “Seu Reinaldo mandou aqui falar com você que o Sergio Viotti vai dirigir”, era Sergio Viotti o diretor, “vai dirigir uma peça lá no teatro…”, ali da saída do túnel, até pegou fogo, naquele teatro da saída do túnel, ali eu só trabalhei duas vezes, eu não me lembro muito do nome, pegou fogo, tá lá, é um teatro do estado. “Aí, indicaram você…”, quem foi que me indicou? Não sei quem me indicaram lá. Aí eu fui lá falar com aquela bicha gorda: “Seu Maia, o senhor, eu tô montando essa peça, ela é inglesa, é “Outra vez, outra vez”. Eu sempre digo: “Outra vez, outra vez nunca mais” (risos) “Tem dois palcos giratórios”, era uma peça caríssima, piano de calda em cena, virava os palcos, sabe? “E aí, me disseram que o senhor entende muito, é o Sergio Viotti que vai dirigir. O elenco é o Edwin Luisi, Wanda Lacerda, Marlene…”, era uma Marlene, lá, que é a mulher do Othon Bastos, esposa do Othon Bastos, “… O Leonardo Villar, é um elenco bom, a peça é inglesa”. “Mas é estranho, eu não posso dar opinião no seu elenco, não, só quem vai trabalhar que eu tenho que saber”, mas não dei palpite, sabe? Se eu desse palpite, o Leo dançava de cara logo, “O Leo Villar e da aí?”, pra mim não quer dizer nada. Eu já com aquela autoridade, aí escolheram lá o elenco. Ah, o Charles Möeller, que o Charles hoje é grande produtor aí, né, produtor, cenógrafo, né, figurinista. Ele é ator. Os viados tudo querendo pegar o garoto, o garoto de cabelo enroladinho, tudo, Edwin Luisi, tudo, porra, gente à beça dando em cima do garoto, o garoto veio de São Paulo, novinho ele, sabe? Eu tenho um programa lá em casa dele. Aí, começou a leitura e eu fui olhando: “Ih, tá tudo errado essa merda”, Sergio Viotti todo cheio de… sabe? Aí, eu digo: Meu Deus do céu, tá tudo errado, que elenco é esse, gente? Como é que vai botar o Leonardo Villar para fazer o inglês? Ele é caipira, ele é paulista, caipira ainda. Ele fala “volrta”, ainda fala essas coisas, não pode fazer um personagem inglês, gente! É uma loucura isso. Mas, sabe, tá na televisão, não quer dizer nada isso, tá na televisão, mas não dá para fazer. Edwin Luisi para tocar piano! Olha, tinha que virar o piano, ele ficava dentro de um aquário, largava a música lá, só se via ele assim, olha, não pode fazer isso, gente, tudo escolhido errado. Charles Möeller, o galã, como, rapaz? Viado, todo desmunhecando, tá maluco? Não pode, caralho! Esse garoto não pode fazer isso. Eu olhava e pensava, mas o dinheiro não é meu, é da Lili Marinho, foda-se, não vou gastar nem um tostão nisso, graças a Deus. Só que isso aí não vai durar nada. Menina, estreou, veio toda a TV Globo para puxar saco da Lili, né? Toda a TV Globo, que a Lili, mulher do Roberto Marinho, já tava casada com ele. Menina, parecia uma noite de gala em Hollywood, casacos, época de inverno, o Pamplona disse: “Maia, eu nunca vi uma estreia…”, o Pamplona comentando comigo na porta do teatro olhando: “Eu nunca vi uma estreia de teatro no Brasil assim, essas coisas chiques, tudo”, eu: “É a Lili Marinho, né? Pô, ela é francesa e tal, miss França, mulher do doutor Roberto, todo mundo tem que comparecer”. Menina, naquele dia lotado, segundo dia, ainda era para convidado, no terceiro dia, já era para público, no quarto dia… no Teatro Vila Lobos, no quarto dia, tinham 28 pessoas assistindo. No quinto dia, tinham 20. Aí, o Reinaldo ficou apavorado, aí eu cheguei um dia, ele tava na porta do teatro: “Que houve, seu Maia, que não vem ninguém? Gastamos uma fortuna!”, eu digo: “Seu Reinaldo, não posso dar uma opinião, que eu sou um operário, contratado pelo senhor”. “Mas eu soube que você entende disso à beça”. “O senhor soube. Agora, se eu der a minha opinião, o senhor não vai gostar”. “Não, mas do jeito…”, desesperado, me pediu a opinião. Eu digo: “Leo Villar não era para passar nem na porta p[ara ler essa peça”. “Mas…” “Ele é caipira, tá errado o personagem, é inglês o personagem, ele não sabe fazer. O Edwin Luisi não podia fazer esse pianista, sabe quem que o senhor tinha que chamar para aí? Francisco Milani, um puta de um ator, pianista, cantor, quando a gente girasse, ele tocando, essa peça ia lá para cima. Esse garoto é figurinista, ele é cenógrafo, ele não é ator, tinha que chamar o Lauro Corona, lindo, um puta de um ator para fazer esse garoto”, aí ele foi olhando para mim, assim, “Você bota um elenco desse de bosta, rapaz, quer que levante uma peça dessa? Vai é fechar, vai ficar no prejuízo. Elenco errado. Não se escolhe elenco porque o fulano tá na novela, não, porque o público que vem ao teatro, ele não vem ver novela, ele vem ver a peça e o ator". “O público quando vai ao teatro…”, agora eu não sei porque não tem mais gente de nome, né, de peso, mas de primeiro, sabe como é que era? A pessoa saía de casa e dizia: “Hoje eu vou ver o Procópio Ferreira”, não queria saber o que era a peça e nem nada, porque ele sabia que ele ia dar boas risadas. “Hoje eu tô a fim de ver a Bibi”, alguém vai falar: “Hoje eu quero ver Gota D’água? Quero ver a Bibi hoje. Hoje ela tá em tal lugar”, o cara vai lá. O Dória, todo mundo dizia: “Maia, o quê que o Dória está fazendo de bom agora?” “O Dória tá numa peça”. “Ah, eu vou assistir, o Dória é muito bom”, eu ficava na saída do teatro ouvindo as pessoas falarem: “Puxa vida, o Jorge Dória é deslumbrante, que homem engraçado”, eu ficava ouvindo assim, do pessoal saindo e comentando. Ninguém saía: “Essa peça é muito boa”, nunca ouvi ninguém dizer isso, saindo de teatro, sabia? “Aí, que comediante que ele é. Como ele é engraçado, como ele é bom”, a pessoa vai ao teatro para ver a qualidade do ator. Pela qualidade do ator, ela sabe que ele tá fazendo uma boa peça. Agora, botar um caipira para fazer uma peça daquelas, a peça é linda, minha filha! “Outra vez, outra vez” é muito lindo o espetáculo. Montagem, tudo feito igual na Broadway, mas o elenco: Edwin Luisi, Leonardo Villar, Charles Möeller. Eu digo: “Ah, não vai”, foi para o porão. Aí, vem o Jorge Fernando já na nossa década e monta o “Gaiola das Loucas” foi para o porão. Como é que tu pega um cheque visado, traz ele para o palco e perde o público? Trouxe o Dória e o Carvalhinho, mas sabe o que foi que ele fez? Tirou a magia da peça, passou a boate que você imaginava para dentro do palco para o pessoal ver, tirou a magia da peça. Acabou com a peça. Mas por que que não foi sucesso? Porque ele tirou a magia, porque engraçado é você estar aqui discutindo o teatro e dizer mesmo assim: “Olha, diz para ela que ela tem que subir, né, meu filho”. “Mas ela não quer, ela falou que não canta de jeito nenhum”. “Olha, vou quebrar a boate”, a boate é lá embaixo. Tu tá assistindo, tá imaginando que o palco tá quebrando lá embaixo. Agora, se tu pega a boate e bota aqui em cima, perdeu a magia. Aí, ele veio montar um negócio aqui no Retiro, me encontrou ali: “Porra, você me esculhambou” “Esculhambei, rapaz, porque você é um doido, rapaz, você tirou um cheque visado, você jogou fora. Você tirou a magia da peça”, me chamaram para ser contrarregra, eu não quis. Ele queria que eu fizesse teste, eu fazer teste? Para fazer “Gaiola das Loucas”? Eu conheço essa peça de traz para frente, de frente para traz, tudo. Essa peça eram duas horas, foi transformada em três horas, o Jorge Dória transformou. Nós fazíamos uma hora e meia cada ato, olha que loucura! Saía do teatro à uma e meia da manhã, mas morreu gente rindo, teve gente que eu tive que tirar do palco e botar no meio da rua. Olha, em 75… tu sabe que um cara começou a rir e passou mal e morreu no salão de espera de tanto rir do Jorge Dória? Rindo do Jorge Dória, não foi do “Gaiola das Loucas”, não. A outra, tinha uma escada assim, na beira do palco, ela foi subindo, subindo e entrou em cena: “Eu quero ficar nessa casa”, aí o Dória: “O quê que é isso, minha filha? Isso é teatro, minha filha. Maia, meu filho, me acode aqui”, fez eu entrar em cena: “Minha filha… seu Jorge…”, o personagem era George: “Seu George…”, olha o contrarregra contracenar com um comediante como aquele: “Seu George, eu vou levar ela para mostrar todos os cômodos da casa”. “Leva ela, pelo amor de Deus, meu filho, leva essa louca daqui, mostra a casa para ela”, aí eu fui levando ela assim, a porta dos fundos, no Teatro de Inácio, eu abri: “Vai para a puta que te pariu”, joguei ela lá na rua, vai tomar no cú, atrapalhar a peça!” Isso tudo teve lá, morte de riso, gente que se envolveu com o espetáculo, subiu no palco, achando que aquilo lá era uma casa de louco mesmo, ela era uma doida, né? Eu joguei ela no meio da rua (risos). Então, Jorge Dória, gente, um gênio, transformou uma peça de duas horas em três horas, olha que gênio que esse homem era. E aí, o cara vai e me monta “Gaiola das Loucas”, tira a boate, bota ballet aqui em cima, acabou com a peça. Todo mundo entrava e ficava assim, olha. Já tava vendo aquilo ali. A aula de macheza era dez minutos, o Dória fazia 20 minutos de aula de macheza e hoje em dia, vocês queiram ou não queiram: “Todo mundo aqui é macho, acabou. Acabou a frescura nessa casa. Vai se comportar como macho, vai andar como macho, vai beber café como macho, vamo lá, primeira aula: pega a bolacha aí, não é assim, pode tirar o dedinho, se botar o dedinho para cima, eu corto. Tá vendo? A bolacha parece uma borboleta voando aí pelo cenário”, na peça não tinha… “Muita frescura aqui. Manda seu Languedoque entrar. Chamei um açougueiro para você ver o que é uma aula de macho”, aí o seu Languedoque entrou com aquele… chegou e falou: “Sou Languedoque” “Ensine para eles o que é uma aula de macho, como é que se corta a carne? A carne chegou no açougue, tá lá, o senhor faz o quê?” “Pega a carne e pá”, cada pá que ele fazia… pá, “Vou cortando a carne”. “Tá vendo como é que macho faz? Como é que corta a carne? Não é nhenhenhém não. Vai dando a aula aí, enquanto eu vou aqui tomar um café”, não tinha nada disso. Aí, o Carvalhinho falou: “Seu Languedoque se mal lhe pergunte, o senhor gosta de pintura?” “Ah, pintura eu adoro”. “Qual é o pintor que o senhor gosta?” “Fragonard”. “Ah o senhor gosta de Fragonard? Por que que o senhor gosta?” “Sei lá, fluidez das cores”, o seu Languedoque foi desmunhecando: As cores, ele tem aquela fluidez” “Jorge, seu Languedoque também é viado”. E aí, ia fazendo a peça e aquilo se tornou um gargalheiro… o Haroldo de Oliveira, fui eu que indiquei para o João Bittencourt, ninguém conhecia Haroldo, não. Com aquela tanga, ele com aquela peruca loira, ele era um puta de um ator, trabalhou muito na Globo, ele, né, depois ele cresceu na televisão, no cinema. Menina, o Haroldo entrava: “Jorge, Jorge…”, o Jorge: “Pra que tanta frescura?”, era uma comédia rasgada, carioca, tu não via mais nada de francesa ali no meio, não tinha... que o Dória trouxe a comédia para o Rio de Janeiro. Olha só a inteligência desse comediante! E o João, um dia, resolveu chegar lá: “Três horas de espetáculo, eu não quero. Eu quero que faça em duas horas”, ele disse: “Não tem problema. Eu vou fazer em duas horas para você. Tu quer em duas horas, né? Agora, eu não me responsabilizo se esvaziar essa casa e não vier mais ninguém aqui”, olha, um ator dizer isso para um diretor como o João Bittencourt. Ele disse: “Quer duas horas, né?”, rapaz, o Dória fez em duas horas, ela direitinho. Não houve umas duas gargalhadas na peça toda, silêncio miserável. João Bittencourt veio de lá de fora feito um cão que… “Eu fiz a peça como ela tá escrita, tá traduzida por você essa peça. Eu vou continuar fazendo assim”. Uma peça que voltava 400, 500 pessoas por dia, voltava lá naquela porta do Teatro de Inácio. Aí, começou, minha filha, a… o João Bittencourt começou: “Pelo amor de Deus”, aí o Jorge Dória: “Então deixa eu fazer a minha comédia carioca, tu quer fazer a francesa, vai para a França, vai fazer lá”, e o João Bittencourt ficou rico, o Dória ficou rico por causa daquela peça. João Bittencourt ganhou rios e rios de dinheiro. Agora, o Dória fazendo a comédia carioca, né, transformou a comédia francesa em carioca. E aí, você vai ver um filme: “Gente, a comédia do Dória era boa, esse filme é chato, aqueles atores italianos fazendo”, muito ruim aquilo, não tem humor, porque o engraçado da peça do homossexual é o absurdo, o absurdo se transforma em humor. Agora se for a coisa normal, não tem humor nenhum. Você vê…
P/1 – Quanto tempo ficou em cartaz?
R – Ficou seis anos. Foi a peça que mais permaneceu em cartaz no Brasil e a que mais deu dinheiro em toda a história do teatro no Brasil. Em público e dinheiro, foi “Gaiola das Loucas”.
P/1 – Deixa eu perguntar uma coisa agora da sua família, depois que você veio para cá, já tava fazendo vários trabalhos, ligado na área, você voltou a rever seus pais?
R – Não. Aí, aconteceu o seguinte, eu vou lhe explicar. A minha mãe e o meu pai resolveram vir morar no Rio. Eu não sabia, resolveram vir morar aqui. Onde que eu tô? Não tô em Jacarepaguá, eu tô pensando se eu tô no jardim América, não, no Jardim América, não, São Cristóvão, quando eu tô na escola, eu digo: “Eu morava aqui pertinho, numa rua aqui”. Aí, eles foram morar na Clarice do Brasil, eu não sabia, como eu ia muito à praia, eu já tava morando em Copacabana, na Domingos Ferreira com a Santa Clara, eu morei em tanto lugar, já tava metido já com gente de rádio, com Paulo Gracindo, que depois eu trabalhei com ele, com Gracindo Júnior, com esse pessoal do Viço Costa, já tava envolvido muito com essa gente de rádio, de música, de rádio, eu me envolvia muito, né?
P/1 – Junto com o teatro?
R – É, com o teatro. Me envolvia muito com eles, porque o Paulo Gracindo foi um dos maiores atores do teatro brasileiro, né?
P/1 – As artes eram integradas, né?
R – É. E a gente… então, eu ia ver na rádio, mas trabalhava na peça do Paulo, trabalhava com Gracindo Júnior, trabalhava com o Claudio Cavalcante, trabalhava… trabalhei com essa gente toda, com… o Claudio já falei, né?
P/1 – Mas vamos falar, você tava falando da sua mãe.
R – É, aí, a minha mãe veio pra cá com o meu pai, eu não sabia, eles estavam morando ali na Clarice do Brasil, ali em Botafogo, mas eu não sabia. Eu já tinha nome, teatro, já tinha gravado música, já tinha feito quase todos os teatros do Rio de Janeiro, já tinha feito quase todos os teatros do Brasil, que eu fiz quase todos, sabia? Norte, nordeste, sul, centro, centro-oeste, rodei esse lugar, interior, sertão, Guiana Francesa, Guiana Inglesa, nesses buracos tudo fazendo mambembe, teatro, que eu viajava muito, quando eu não tava numa peça do Rio, eu estava em cartaz viajando, tava voltando, já pegava outro. Eu não descansava, gente. O que eu me lembro, até quando eu fiz 50 anos de teatro, eu descansava dois dias e trabalhava direto, dois dias em casa, daqui a pouco, estava trabalhando. Aí, quando eu fiquei no Seis e meia e teatro, aí pior ainda, que eu trabalhava no Seis e meia e trabalhava no teatro, aí depois eu resolvi que eu tinha que ir para a madrugada também, que eu sou um vagabundo da noite, fui me meter em escola de samba…
P/1 – Vamos falar da sua mãe.
R – Aí, a minha mãe morava ali. Eu não sabia. Aí, um dia eu tô indo na praia, tô na praia…
R – Eu tô na praia e eu encontrei com um jogador de futebol que veio lá do Amazonas, jogava no América e aí, ele: “Oi, Maia, tudo bom? Como é que tá?”, eu disse: “Pois é, eu tô morando aqui, a minha madrinha tá morando ali, agora eu tô ali com ela e tal. Eu sempre vou para a casa dela, aí eu venho para a praia”, aí ele disse: “Rapaz, sabe quem tá morando aqui no Rio?”, eu digo: “Não.” “A sua mãe, seu pai, seus irmãos, estão todos morando aqui”. “É mesmo, rapaz? Estão morando aqui? Pô, já tem mais de 25 e poucos anos que eu não vejo essa gente, nem sei se eles existiam ainda, não tenho conhecimento dessa gente, não. Não gostam de negro, não gostam de viado, não gostam de teatro, não gostam de macumba, não gostam de batuque, não gostam de samba… eu não gosto deles também, porque eu gosto de tudo isso”, ele disse: “Mas eles estão morando lá na Clarice do Brasil, endereço é esse aqui”, eu digo: “Tá legal, vou anotar, me anota aqui e deixa comigo. Muito obrigado, que bom te encontrar e tudo”. “Pois é, mas tu tá bem? Eu tenho visto muita coisa a respeito da sua pessoa”, eu digo: “É mesmo?” “Quando sai um negócio, eu leio e penso: o Maia tá lá nesse parada aí”. Aí, me deu o endereço, era meio de dezembro, a minha mãe fazia aniversario no dia 25 de dezembro, dia de Natal. Eu: ‘quer saber de uma coisa? Deus falou que eles não sabem o que dizem, não sabem o que falam’, agora eu sou muito religioso, né? Eu levanto de manhã, eu agradeço a Deus. Aí, quer saber de uma coisa? Essa gente é muito pobre de espírito, eu não sou dessa tribo deles, eu acho que a minha tribo é outra, mas eu vou lá. Comprei um presente, aí parti para lá. Cheguei lá, bati lá, quem veio abrir a porta? Dona Ideuzite, a minha mãe. “Dona Ideuzite, a sua benção e parabéns pelo seu aniversário. Vim lhe trazer um presente”, ela ficou parada assim, me olhando. “Eu sou J Maia, uma das grandes personalidades do teatro no Brasil. Eu não lhe falei que eu ia escrever o meu nome na história do teatro, da música e do carnaval brasileiro? Escrevi, pois eu escrevi. Vim lhe trazer um presente”. Ela ficou parada, ela não sabia se me abraçava, se chorava, se me olhava. “Não vai me convidar para entrar? Se não convidar, não tem problema, daqui eu volto e vou procurar a minha ‘tchurma’”, ela disse: “Não, você pode entrar”, aí eu entrei lá, aí foi aquela festa dos meus irmãos e minhas irmãs, meus irmãos todos, estavam tudo morando lá. “Eu tô aí no Teatro João Caetano, na companhia do Silva, com a companhia do Colé, agora tô fazendo teatro por aí, de comédia e revista e o carnaval”, fui falando da minha vida, né? “Gravei algumas músicas pro Blackout, para a Sônia Mamede”, era mulher do Vannucci, tem uma filha dele que trabalha lá na Globo, uma filha da Sônia Mamede com o Vannucci. “Mamede, Heloína, Marivalda, Angelita Martini, Virginia Lani, essas mulheres todas que passaram aí no teatro de revista e os atores, Colé, Silva Filho…”, aí eu tive que dar satisfação daquela gente toda. “E eu tô por aí, né, fiz jingle para a Brastel, fiz jingle para não sei para quem… eu fui dono de rancho, eu tive rancho…”, até rancho, eu fui presidente do rancho, eu criei o rancho, amigo do Lala, ganhava dinheiro à beça, sob o investimento do governo, para botar o rancho… frevo, tudo isso eu já fiz. E aí, me receberam lá e eu digo: “Agora, vocês sabem de uma coisa? Eu embora para a minha casa, eu comprei uma casa na ladeira…”, ali naquela subida, o Grande Otelo morava, que vai lá para o Cantagalo, Ladeira do… ali, Copacabana, ali pela Siqueira Campos… esqueci o nome daquela ladeira que o pau tá sempre quebrando por lá. Eu comprei uma casa ali, morava o Grande Otelo, o Blackout, tudo morava ali, um bocado de artistas. Eu tinha comprado uma casinha ali de uma bicha rica à beça, que tinha uma casa ali, mas tinha o negócio de preconceito, beira de morro, aí vendeu para mim, aí eu montei lá a casa, eu morava lá, já nessa época e a minha mãe um dia bateu lá, aí não deixaram ela entrar (risos), aí me trataram bem, aí eles ficaram morando lá.
P/1 – Por que não deixaram ela entrar?
R – Eu não queria conviver com eles, sempre procurei não conviver com eles…
P/1 – Não, mas quando ela foi te visitar, não deixaram ela entrar por quê?
R – Porque ela, a minha mãe era muito abelhuda, gostava de entrar na casa e ficar virando as coisas da gente, eu não gosto de gente que faz isso. Abrindo as minhas gavetas, eu fico meio abusado, sabe? Porque eu não gosto, eu acho que se a pessoa quer ver uma coisa: “Mas, gostaria de ver…” “Toma aqui”, e ela tinha essa mania, que ela achava que ela era detentora daquele troféu, que seria eu: “Ele é o meu troféu”, e um dia ela chegou lá e eu tinha uma pessoa que zelava pela casa, arrumava, organizava. Ela bateu lá: “Eu sou mãe do Zeca”, ela me chamava de Zeca, que o meu nome é José, né? Primeiro nome. Aí, a pessoa disse: “A senhora desculpe, mas eu não posso abrir para a senhora entrar, porque eu tenho ordem dele que ele não quer que ninguém entre aqui. Sem a presença dele, ele não admite que ninguém entre na casa dele”. “Mas eu sou mãe dele”. “Mas ele não quer que ninguém entre e eu não posso mandar a senhora entrar. A senhora espera ele aí, quando ele chegar… às cinco horas ele tá chegando aí em casa”. Quando eu cheguei, ela tava brava: “Não deixaram eu entrar”. “Mas é ordem minha, não quero que ninguém entre na minha casa sem eu estar presente. A senhora é rainha lá na sua casa, o reinado aqui é meu. A senhora lembra que a senhora jogou as minhas coisas pela janela e falou que lá o reinado era seu? Pois o reinado aqui é meu. Eu agora, sou rei aqui. Então, para entrar no meu reinado tem que esperar eu chegar para lhe receber.” “É?”, eu digo: “É. Vamos conviver assim. Eu vou sempre lhe respeitar, mas dali pra cá, o reinado é meu, da sua casa para dentro, o reinado é seu. Eu cheguei lá, eu fui lhe levar um presente, eu invadi? Se a senhora não manda eu entrar, eu voltava da porta e não vou ficar aborrecido contigo por causa disso. Eu acho que os direitos seus acabam quando começam os meus, sabe?”, e ela ficou muito minha amiga até morrer e foi uma data muito marcante na minha vida a morte da minha mãe, porque eu tava justamente, em 1974, no Teatro de Inácio, fazendo a “Gaiola das Loucas”, e minha irmã bateu na porta dos fundos ali do teatro, devagarzinho, eu comecei a abrir, era a minha irmã: “O quê que tu quer?” “A mamãe morreu”, eu: “Ela espera, que eu tô fazendo a minha peça, o show dela acabou, o meu continua”, isso aqui quando fecha, acabou o show, mas o seu tem que continuar, não tem? ‘O show tem que continuar’, né? Não tem uma música aí que eles cantam, aí, acho que a Elis cantava, né? Acabou o meu show, mas o teu continua. Agora porque o teu acabou, eu não tenho que fazer isso, acabou o teu show e o meu vai continuar. No dia que acabar o meu, acabou também, entendeu? E eu sou um homem espírita que eu vivo da realidade. Eu tô preparado para o sim, para o não, para a morte e para a vida. Eu me preparei para isso, porque a universidade do mundo me ensinou. Eu tenho essa força de se tu me disser um “Não” a mim não me aborrece, porque se eu for em busca de alguma coisa sua, eu só posso esperar um sim ou um não, né? Aí, chego lá, tu: “Sim”…
P/1 – Seu pai continua aqui, tua família?
R – Não, o meu pai também, ele não se deu mais com ela, foi embora para o Amazonas, ele faleceu lá.
P/1 – Vamos falar um pouco, agora, dessa… você tava falando que trabalhou com o Paulo Gracindo…
R – Ah, isso aí é a minha vida, minha alegria. Bem, o meu sonho…
P/1 – Vamos falar do Paulo Gracindo?
R – Vamos. Olha, Paulo Gracindo, para mim, nos meus 62 anos de serviço prestado ao teatro desse país, a arte cênica, de modo geral, tudo que se move cenicamente, né, que é carnaval, o teatro, um musical, a televisão, o cinema, para mim… o rádio, né, que leva comunicação ao mais distante lugar, no alto do Xingu tá lá o rádio... O Paulo Gracindo, para mim, ele é o mais importante ator… nós estamos no século 20 ou 21?
P/1 – Vinte e um.
R – Estamos no 21, né? Século 21, do século 20, para mim, o Paulo Gracindo foi o mais importante ator…
P/1 – Como que vocês se conheceram?
R – O Paulo Gracindo, quando eu saí do Exército, em 1959, do regimento Escola de Infantaria, lá no Rei, na Vila Militar, eu saía do quartel para ver o meu amigo Paulo Gracindo, que eu amava tanto, ver ele fazer o programa de rádio, conduzindo a rádio, né, aquela coisa, aquela elegância, aquela alegria que ele tinha de cantar, ele escrevia, ele apresentava um artista… ele era um gênio da rádio, né? Aí depois, eu vi ele no rádio teatro, ele conduzindo os melhores papéis do rádio teatro, era o Paulo Gracindo com, aquela vez personalíssima, inconfundível, Paulo Gracindo era um homem, a gente ligava o rádio, sabia que era ele, pelo timbre de voz dele era a coisa mais linda do mundo, o timbre dele, sabe, marcante e ele veio para o teatro também, né?
P/1 – Você conheceu ele?
R – Na rádio, ele na rádio…
P/1 – Você tava na Infantaria…
R – Na Rádio Nacional.
P/1 – Mas você tava prestando exame?
R – Eu tava servindo o Exército. Vamos ver Paulo Gracindo, aí todo mundo ia ver Paulo Gracindo. A gente ia na Rádio Nacional, a gente não ia pior causa da Rádio Nacional, ia por causa do Paulo Gracindo. Vamos ver o Paulo Gracindo? Vamos. Então, a gente ia, todo mundo corria para ver Paulo Gracindo. Aquilo era uma briga para entrar, né? Que o Paulo Gracindo, independente de ser, ter aquele talento todo, muito talento que ele tinha, ele tinha uma coisa, uma simpatia, ele tinha um carisma, ele tinha um negócio, ele era uma figura fascinante, desde novo eu conhecia ele. E o meu sonho era um dia trabalhar com ele. Eu digo: “Aí, meu Deus, tanta vontade de um dia trabalhar com o Paulo Gracindo, mas eu não sou nada, ninguém, não sou ninguém, quem sou eu para trabalhar com Paulo Gracindo? Mas só de ir lá vê-lo já me satisfazia de ver aquele grande homem do rádio, da comunicação, né, e o filho dele, o Gracindinho começando também com ele, né, o Gracindinho, e eu digo: “Aí que maravilha, bonito à beça, Paulo Gracindo, que maravilha que ele é. E os anos foram passando, aí depois, Paulo Gracindo veio a um evento da televisão, Paulo Gracindo vai para televisão, aí começa crescer, Paulo Gracindo, Paulo Gracindo nisso, Paulo Gracindo naquilo, Paulo Gracindo em todo tipo, o primo rico, o primo pobre, Paulo Gracindo escrevendo “Balança mas não cai”, junto com Max Nunes, criando tipos e o Paulo Gracindo foi crescendo dentro da televisão, fazendo Odorico, aí Dias Gomes escrevendo as peças: “Essa é para o Paulo Gracindo”, ele já escrevia certinho para o Paulo Gracindo, sabia? Dias Gomes escrevia sabendo que quem tinha que fazer era o Paulo Gracindo “Mas Dias, eu já fiz…” “Não, você que vai ter que fazer”, e ele tinha que fazer, porque ele era o ator das paixões de todo mundo, né, todo mundo que via Paulo Gracindo ficava apaixonado por ele e ele foi ganhando esse nome de “O Bem Amado”, né? E eu estava falando há pouco para o seu colega que o Paulo Gracindo era um homem amado por todos nós.
P/1 – Aí, você ia na rádio…
R – É, ia na rádio e aí, quando ele tava em alguma peça de teatro, ia ver, quando ele tava fazendo um grande sucesso na televisão, acompanhava ele fazendo aquele velhinho, aí que coisa maravilhosa que ele fazia, fazendo aqueles homens que falavam aquela linguagem do nordeste, tudo ele fazia bem, né? E aí, um dia, eu viajei com o Silva Filho com a comédia para encerrar a carreira do Silva Filho, fui lá para o nordeste, fiz quatro meses norte e nordeste com a peça de teatro (?) e eu comprava tudo para saber o que tava acontecendo no Rio, era doido para comprar a “Manchete”. Aí, eu abri um dia a “Manchete”, estava escrito assim: “Vai ser montada no Rio a peça de Dias Gomes “O Rei de Ramos”. Aí, eu li aquilo: “Direção de Flávio Rangel, com Paulo Gracindo… Leila Crespi, Marília Barbosa”, e eu lendo no hotel, falei: “Silva, rapaz, olha aqui. Quando eu chegar lá no Rio, eu vou fazer essa peça”, aí o Silva Filho falou: “Como, rapaz? Já estão montando”, eu digo: “Ah, eu vou fazer essa peça, essa eu vou fazer. E vai ser a reabertura 1979, reabertura do Teatro João Caetano”, que tinha entrado em obra, que o doutor Adolpho Bloch era presidente da FUNTERJ, que administrava os teatros do estado, mandou fazer a obra no João Caetano. Então, ia reinaugurar o Teatro João Caetano com essa peça. Eu digo: “Ah, Silva, eu vou fazer essa peça e vou me embora”, já tava voltando para o Rio, né? “Quando você chegar lá, já deve ter contrarregra, já deve ter tudo”, eu digo: “Não, essa peça eu vou fazer”. Paulo Gracindo, Flavio Rangel, meu sonho, como é que eu não vou fazer essa peça? Flavio Rangel já fez duas peças, com ele, como é que eu não vou fazer essa? Aí, ele disse: “Mas já deve ter equipe tudo montado”, aí quando chegamos no Rio, eu já sai de casa… eu sempre ficava dois dias em casa, descansando. Ah, no outro dia, já sai cedo. Aí, fui lá no João Caetano, Teatro João Caetano em obra, quem vê o Carlos Kroeber, conheceu o Carlos Kroeber? Um ator grandão, aquela bichona? Carlos Kroeber: “Meu filho, tudo bem?”, eu digo: “Oi, Carlos”. “Você é um safado. Poxa, vamos inaugurar o teatro e você não apareceu, você que tem que ser o contrarregra”, digo: “Mas agora eu cheguei atrasado” “Olha, eles estão ensaiando lá no teatro…”, da Praça Arcoverde… esqueço o nome daquele teatro, Gláucio Gil, “…estão lá no Gláucio Gil”, eu digo: “Que horas?” “Flavio Rangel tá ensaiando lá de uma até seis, oito horas, ele ensaia”, eu digo: “Pô, mas como é que eu faço? Saí de casa, não trouxe nem dinheiro”, ele: “tá aqui, vai lá procurar eles”. Aí, eu peguei o ônibus, me mandei para lá, aí entrei pelos fundos, né, aí quando eu olhei de costas, tá o Paulo Gracindo lendo um texto lá da peça, um trecho, né, e o Flavio Rangel: “Não, aquele negócio eu vou cortar…”, não sei o que, e eu fiquei quietinho, assim, no cano escondido olhando, né, aí: “Quinze minutos de intervalo para o café”, quem adentrou no palco? J Maia. Quando o Flavio me viu, disse: “Pô, é a salvação da lavoura. (?) que não sabe nem o que é o teatro, não é do ramo, veio fazer teste de ator, ficou chorando aí, foi lá e botou para ser contrarregra, mas não entende nada. Foi bom tu chegar”. Aí: “Paulo, Paulo, conhece esse aqui?”, aí o Paulo era muito brincalhão: “Esse viado aí eu conheço, é meu fã de rádio”, eu digo: “Puxa vida, posso dar um beijo no meu ator querido?” “Pode, mas vê lá, não vai me comprometer, não”, que ele brincava muito, aí eu beijei: “Que coisa cheirosa, gostosa demais”. Trabalhar contigo, puta que pariu, o Paulo era tudo que eu queria, “Manda aquele merda embora que o Maia tá na área”, aí eu peguei a peça, né? Aí o rapaz começou a chorar, eu digo: “Não, vamos fazer o seguinte, eu vou precisar de um ajudante para a peça, deixa ele trabalhar comigo”, também ele só fez essa peça, Humberto, tá velho, gagá, andando por aí, deu um tiro de jornal, foi uma merda. Aí, o Paulo Gracindo, Felipe Carone, Marilia Barbosa, Leila Crespi, Carlos Kroeber, a Mônica Torres era uma bailarina, nem era atriz, não era nada, essa Mônica que anda aí, era bailarina. Era ela bailarina, era Tovar era bailarino, esse que é marido da Lucia Lins, era bailarino lá e o bandeira também, bailarino, tudo bailarino, não era ator, não era nada. Os atores de frente eram esses. E a Solange França fazia a mulher do Paulo Gracindo, toda metida. Aí, eu comecei o ensaio, aí eu comecei já dando os meus shows de ensaio, né, e aí o Flavio: “O quê que tu acha?”, eu digo: “Olha, atropelou a fala do Paulo Gracindo aí, não pode não, hein”, eu lá de trás já tava dando palpite. Aí, o Flavio: “Que foi?”, aí eu digo: “Teve um aí que atropelou a fala do Paulo, daqui eu ouvi”, tu vai ver “O Globo” que botou ali, eu tenho um “O Globo”, a coluna da Gente Boa, escrito assim: “Olhos de gato e ouvidos de ouro do teatro brasileiro”, tá lá escrito no “O Globo”, lá. “Tá atropelando, hein, não pode, não. Pô, Paulo Gracindo, respeita. Você não respira? não tem o tempo de…”, já dando esporro e o Flavio Rangel dizendo: “Ele é do ramo, tem que respeitar ele”, que era eu, “Ele é do ramo”, ele falava muito: “Ele é do ramo”, e o Paulo Gracindo: “Puxa vida, era tudo que eu queria, o Maia me ama”, ele falava para todo mundo, eu falava: “O bem amado desse elenco, deixa eu te beijar”. “Se aquiete, se aquiete”, eu tinha paixão por ele e a gente estreou no Teatro João Caetano e o Flavio Rangel, pela primeira vez, ele fez uma coisa comigo que ficou marcado no teatro brasileiro isso, era um cenário assim, todo branco, aquela descida, parecia um espelho, assim, e abria aqueles painéis tudo em prata, né, era muito lindo o cenário. E aí: [cantando] “Ele disse para a escola caprichar no desfile da noite de domingo”, música do Chico, Chico ia lá ensaiar e tudo, Chico e Francis Hime. Olha, Dias Gomes, Chico, Francis Hime, Flavio Rangel, Paulo Gracindo, Felipe Carone, J maia, olha que timaço, Marilia Barbosa, puta… aí: [cantando] “Ele disse para a escola caprichar no desfile da noite de domingo”, a orquestra entrava, agradecimento: “Entra o Maia”, aí o Maia entrava, ah, ia lá na beira do palco sozinho e fazia assim. Povo de pé aplaudindo. Aí, ele fazia assim, olha, ia lá em cima e trazia, pegava as mãos do meu ídolo, Paulo Gracindo e levava ele assim, até a beira do palco, fazia assim e saía. Flavio Rangel… “Elegância, carisma com o Maia e bota ordem no puteiro”, por causa disso que ele escreveu isso. Eu levava o mais importante ator da história do teatro do Brasil, o mais elegante, o mais educado, o mais criativo, o que mais tinha cultura dentro do teatro, perfeccionista, estudioso do teatro, Paulo Gracindo. Eu levava assim, fazia assim, me curvava para ele, levava ele lá na beira do palco. Paulo Gracindo dizia mesmo assim: “Flavio, nunca mais o teatro brasileiro vai ter um contrarregra igual o J Maia”, eu: “Por que, Paulo, você fala isso?” “Porque é muito bonito, que você não se vê, mas se você souber o que você faz com a gente no palco, as pessoas comentam comigo: ‘Quem é aquele homem elegante?’ ‘Aquele é meu contrarregra’. ‘Contrarregra?’ ‘É. Ele é um misto de ator, ele sabe da magia do teatro’”. Eu levava Paulo Gracindo e aí, ficamos um ano e meio trabalhando. Aí depois, ele parou, que ele já fazia novela, eu não sou de televisão e ele… fui trabalhar com Gracindo Júnior, com o filho, que é outra pessoa maravilhosa, escreve bem, dirige bem, cria bem e representa bem, tudo bem feito. Ele é estudioso igual ao pai, fui trabalhar com ele, Claudio Cavalcanti em “Estou amando loucamente”, no Teatro do Senac, lá na Pompeu Loureiro, fui trabalhar lá. Viajei com ele também, para o centro-oeste, viajei para Minas, viajei para vários lugares com ele, com o Gracindo Júnior. Também foi outra experiência maravilhosa, que ele é a continuidade do pai dele…
P/1 – Que peça que era?
R – “Estou amando loucamente”, já no Teatro Senac. Trabalhei com ele, com a família. Uma das famílias que eu mais tenho amor, ele, quando fez o documentário, eu tava viajando, não me encontrou para eu comentar sobre o pai dele. Nessa época, eu já tava morando na rua Vinte de Abril, do lado da Escola Martins Penna, ali no centro da cidade. Tinha uma lojinha assim, embaixo, que eu sempre descia para conversar besteira, chegou um DVD novo, CD novo. Aí, o Ronaldo, que era dono da loja, eu desci de manhã cedo, ele: “Maia, eu tenho uma triste noticia para te dar”, eu digo: “Pô, logo de manhã, às sete horas da manhã”. “Paulo Gracindo partiu”, menina, aquilo foi meio que… sabe, me deram uma facada: “Não é possível, meu pai, ele não podia fazer isso com a gente”. “É, mas ele partiu”. “Mas ele não podia fazer isso agora, a gente não merecia ele fazer isso com a gente”. Aí, eu subi, me aprontei e fui lá para São João Batista, ele tava sendo velado lá na capela. Aquilo assim, televisão de tudo que era lugar do mundo tava lá, ator, atriz, era muita gente. Só que teve uma ordem, que ele era um homem muito correto, muito sincero e quando ele era amigo, ele era amigo, ele não gostava de meio-termo e ele – depois eu vou falar do Mário Lago, que é a mesma coisa – ele, quando estava muito mal, tudo dele era assim, ele escrevia, ele fazia os bilhetes, escrevia. Se ele quisesse me dizer uma coisa que não fosse muito agradável, para ninguém ouvir, ele escrevia e me dava: “Lê isso aí e depois, me dá a resposta”, aí eu lia: “Ah, Paulo, tu perdoa, ele é uma pessoa legal”, aí eu ia lá explicar para ele, mas ele escrevia, sabe? E ele fez uma lista antes de partir, assim: “Eu só quero que me vejam dentro de um caixão só os meus amigos, não quero curioso, não quero gente com quem eu trabalhei, eu quero meus amigos, só”. Aí lá, fecharam assim, e era uma sala lá fechada, só entrava lá quem tava com o nome na lista que ele deixou escrito. Eu não sabia, né, encontrei com o Larra, que já faleceu e o Lucio Mauro: “Vamos lá no enterro do Paulo”, fomos nós três, chegamos assim na porta, tinha um segurança: “A gente quer ver o corpo”. “Como é seu nome?” “Lucio Mauro”. “O senhor desculpa, mas o seu nome não tá lá. E o seu? Também não tá”. “Mas eu trabalhei com ele”. “Mas não tá lá, ele deixou escrito quem ele queria. Como é o seu nome?”, eu digo: “Maia” “O senhor tá, pode entrar”, aí eles dois olharam: “Por que que você tá?”, eu digo: “Não sei, quem escreveu foi ele, não fui eu, o homem falou que era quem era amigo dele, ele botou lá: ‘Só quero os que eram meus amigos, fulano, fulano…’, ele que escreveu. Vocês eram colegas de trabalho, amigo, não. Eu não, eu era amigo dele, por causa disso que ele botou lá. Eu não era colega de trabalho dele”, porque eu e a Lenita, a gente tratava ele igual uma criança, sabia? Menina, ele ficava tão feliz com aquilo, que ele era uma criança grande, ele era um homem de um carinho, de um carisma, de um carinho de amor com as pessoas, que a gente se apaixonava por ele e ele amava a gente e ele sabia que nós amávamos ele, entendeu? Engraçado isso, né, ele tinha essa troca, né? “Puxa, Paulo, como você é amado”. “É mesmo, Maia?”, aí um dia ele disse pra mim: “Sabe que eu amo você e a Lenita? Eu tenho paixão por vocês dois”. “É mesmo, Paulo? Você conhece tanta gente”. “Conhecer é uma coisa, amor é outra, porque vocês… ninguém nunca me tratou com tanto carinho como vocês dois me tratam. Aí, sabe o quê que eu me lembro? Da minha casa, quando eu era moleque, da minha mãe, das minhas irmãs, eu me lembro. Parece que é a minha família, né? E o meu filho, eu falo muito para ele: ‘Eu gosto tanto do Maia, meu filho, o Maia é um lutador, eu levo ele para…’”, ele me levava para muitos lugares, sabe? Me convidada, me levava… “Maia, vamos em tal lugar?”, só uma pessoa que gosta muito do outro convida, né? Ele não saía do teatro, ele dizia: “Vai fazer o quê? Vai para a gandaia hoje?” “Eu vou para a casa, porque eu tenho que acordar cedo para uma gravação, tá aqui o dinheiro para tu tomar o teu chope lá, lembra de mim, hein?” “Pode deixar que eu vou lembra de você”. E aí, eu entrei e o Gracindo Júnior tava assim, disse: “Oh, Maia, olha a letra dele aqui? Você é o cabeção daqui. Papai gostava tanto do Maia, olha”. “Pois é, eu quero dar um beijo nele, porque ele não podia fazer isso com a gente, né, Gracindinho?” “É, mas ele foi descansar. Trabalhou muito”, eu digo: “É, meu velho, vai na paz de Deus. Não vai morrer nunca, hein! Quando eu tiver com saudades…”, às vezes, eu chego lá em casa e boto ele para fazer o poeta negro, é lindo, você já viu ele fazendo? “Eu não sei se eu vou por aqui ou se eu vou por ali…”, que show que ele dá, né? Nunca mais vai ter outro, foi embora, nos deixou. Aquele caixão do “Rei de Ramos” fui eu que fui escolher, ele deitava ali: “Tu gosta de estar deitado ai”, no intervalo da peça, ele deitava lá: “Não fica me sacaneando não, não tô morto aí, não”. “Não, tô de brincadeira”, ele era muito brincalhão, muito gozador, ele gozava as pessoas no sério, sabe? Disse: “Maia, eu queria que tu conseguisse dez baratas”. “Pra que tu quer dez baratas?” “Vou pagar dez reais em cada uma, 100 paus, no sábado na mão, tu me arranja dez”, fui no porão no Teatro João Caetano catar barata, olha só, um homem desse era meu amigo, né? Aí, aquelas caixas de fazer assim, de papelão, consegui umas 12 ou 13 baratas, ele disse: “Não, eu encomendei dez, só vou…” “Pô, dá mais 30 aí”. “Não, senhor, trato é trato, dez é dez”. Aí, ele disse: “Agora, vou te incumbir de uma missão, você vai atravessar, vai na caixa de grampos da Solange colocar as dez baratas lá dentro da caixa e eu tomo conta”, ele, escondido assim, atrás dos panos tomando conta pra se ela viesse, ele assobiava. Eu botei as baratas lá. A Solange tinha mania de ir lá toda hora abrir aquela caixa para me enfiar grampo, quando abriu aquilo, voou barata para tudo que é lado, foi um escândalo tremendo. Aí, o Paulo Gracindo: “O que foi que houve, dona Solange?”, ela disse: “Baratas dentro da caixa, alguém colocou”. “Seu Maia, por gentileza, chega aqui”. “Pois não, seu Paulo”, aí era todo serio, né, “O senhor procure averiguar quem andou pondo baratas dentro da caixa de grampo da dona Solange. Solange, fique tranquila, o Maia vai averiguar, vai descobrir, nós vamos botar para fora da Companhia”, isso tudo sério. O Gracindo Júnior, quando eu contei isso para ele no enterro, ele: “Vocês dois pintavam o sete” (risos). “Maia, tu e o papai tinham coragem de fazer isso com a mulher?”, eu digo: “Claro, ela passava arrebitando aquela bunda: ‘Paulo…’”, quando ela era toalha felpuda, eu não quis ela, agora, depois de velha, fica se apresentando para mim, agora eu não quero. Que ela foi novinha, né, foi até miss Guanabara pela Casa dos Artistas naquela época e ela… aí o Paulo: “Olha lá ela se exibindo, não vou dar confiança para ela, não. Ela era toalha felpuda não quis, agora depois que virou pano de chão…” (risos). Olha, só aprontava com Paulo Gracindo…
P/1 – Depois dessa que você fez com o Gracindo Júnior, qual que você fez?
R – Aí, eu voltei para a Bibi. Aí, o Flávio Rangel: “Maia, Maia, vou dirigir uma peça com Bizinha”, que o Flávio chama a Bibi de Bizinha, nós, eu e ele na intimidade, ninguém mais chama: “Bizinha, venha cá, minha filha”, aí ela, pequenininha, toda, aqueles olhinhos brilhantes, né, eu louco para trabalhar com ela, digo: “Um dia eu vou trabalhar com essa mulher, ela é o terror dos técnicos”, ela era o terror dos técnicos, sabia? “Amante de técnico, ela é apaixonada por técnico”, sabia? Ela pode ter a rainha do Nilo aí e tem um técnico, ela manda a rainha do Nilo para a merda e dá valor para o técnico. Aí, eu digo: “Vou trabalhar com ela, Bibi Ferreira, dona Bibi, todo mundo tremendo”… aí fui para a primeira…
R – Todo mundo: “Dona Bibi…”, eu não, eu no terceiro dia: “Bizinha, vem cá, minha filha…”, aí todo mundo tomou um susto, né? Esse cara fala com a Bibi… ela: “Como que é companheiro, onde que tá?” “Aqui, aqui, aqui”, menina, a mulher…
P/1 – Você fez qual peça com ela?
R – “Piaf”, viajamos à beça, fomos para Paris, para tudo quanto é lugar, não foi para Praça Paris, foi Paris, mesmo.
P/1 – Qual peça que você fez? Depois do Gracindo Júnior…?
R – Foi “Piaf” com Bibi Ferreira.
P/1 – Édith Piaf?
R – A Bibi Ferreira, só não vou falar umas coisas que não interessa, negócio de paixão, de amor, separa que é para falar da artista, né?
P/1 – Namorou a Bibi Ferreira?
R – Não. Pô, se você souber o que eu passei ali, a Léa Garcia dizia: “Maia, como é que tu vai fazer?
P/1 – Qual peça que você fez com ela?
R – “Piaf”, com a Bibi, “Piaf”. O Flávio Rangel… o Pedro Rovai apanhou essa peça em Paris, pediu para uma mulher traduzir, o Millôr traduziu, quando o Flávio leu, botaram a Piaf como a mais vagabunda das vagabundas, aquela tradução lá de Paris. Aí, eu digo: “Não, vamos mostrar o lado do valor da Piaf, não o lado que ela foi lá no porão, porcaria”, quem pode fazer a peça? Bibi Ferreira, que domina o francês, o inglês, domina quatro idiomas, ou seis, sei lá, bem, né? Bibi Ferreira. Elenco, chama fulano, chama não sei quem, faz teste para Baker, quem que vai fazer a Baker? Aí, chamaram a Josephine Helena, toda metida, porcaria não é atriz, não é nada, a Bibi: “Não, não, não gostei, não”, que a Bibi, ela tem uma grande vantagem, ela só gosta de trabalhar com gente que tem talento, ela só gosta de trabalhar com quem tem o teatro como o sacerdócio, como uma religião, ela é umas das mais perfeccionistas artista de toa a história do teatro desse país, ela é perfeita. A Bibi, você assiste ela hoje, assiste a primeira sessão, a segunda, a terceira é igual, parece um tape, tudo é perfeito. Não tem o negócio de hoje é assim, amanhã é assado. Hoje eu não tô bem, ou a minha mãe morreu, meu pai… ela não tem isso. Pai morreu, ela… o marido morreu, ela tá fazendo, o irmão…, ela tava fazendo. Ela não quer saber, o teatro é a vida dela. E aí, junta com um tal de Maia, que o teatro é a comida, a bebida, o que ele respira, o que ele come, o que ele bebe é o teatro, aí ela vai querer o quê? Só cobra do lado dela, né? Aí o Flávio Rangel fala: “Bibi, eu vou trazer o Maia”, ela: “Nunca trabalhou comigo, só conheço de fama, já fui em peça que eu fui assistir…”, ela foi assistir e me viu lá “Bibi, esse aqui e o Maia, cocada preta, o rei de não sei do que, das coxias”. “Eu só conheço de nome, mas é bom, Flávio?” “Conhece teatro dormindo, ele dorme fazendo teatro”. “É mesmo? Então, eu quero ele”, aí vai o Maia: “Vamos fazer teste para Josephine Baker”, aí bota uma crioula não passa, bota outra, não passa, bota outra, não passa, bota Marina não sei do que, não passa, eu digo: “Bibi, desculpa…”, ela sentada assim, o Flávio assim e o pessoal lá na sala de espera, eu ia chamar para fazer o teste “… tu quer saber de uma coisa? Sabe quem que vai fazer essa Josephine Baker que vai dar um banho? Léa Garcia”. “Eu tenho o telefone dela, liga e manda ela vir”, aí a Léa veio, aí tinha um ator que contracenava com a Bibi, fazia uma inquisição, que dava na cara dela, assim, “pá”! Piaf “pá”, em volta de um cadeira. Quarenta atores e não tinha nenhum que passasse. Aqueles atores, essas bichas chegavam, quando viam a Bibi começavam a cagar todo, eu não, que para mim tanto faz a Bibi, como tá Jesus Cristo, como tá Maomé, para mim é a mesma coisa, é igual a mim, eu vejo isso tudo igual. Aí, todo mundo que vinha se cagava para fazer a cena, que era uma cena violentíssima, quando a Piaf era levada para o distrito para confessar o crime lá do dono do cabaré Gerny’s, que era o cabaré onde ela começou cantando. E aí tá lá, e faz teste com um, e faz teste com outro, e a Bibi ali sentada e o Flávio. Aí, o último que fez teste, o Flávio: “Bibi, não tem um ator para fazer, eu precisava de um ator, Bibi, rústico, assim, tipo Charles Bronson, aquele ator, uma coisa forte”, eu digo: “Olha, eu não quero me meter nisso, mas mais uma vez, eu vou me meter aí, Jorge Ramos”. “Jorge Ramos, pô, tá onde?” “Ele tá marginalizado, tem um escritório ali na Cinelândia, vocês querem que eu vá buscar ele agora para fazer esse papel? Permite?”, aí o Flávio disse: “Agora” “Dá licença”, parti para lá, não chame mais ator nenhum porque não tem mais nenhum ator para fazer esse papel. Cheguei no escritório do Jorge Ramos com a peça de baixo do braço: “Jorge, papel para você”. “Porra, mas disseram que estão fazendo testes”. “Fazendo testes porra nenhuma, o papel é seu, é Charles Bronson, rapaz. Vai chegar lá, tu vai ser soldado. Eu indiquei você, acabou”. “Você tá com essa forca toda?” “Tô. Não quero saber se tem Flávio Rangel, tem Bibi, eu falei que é você, é você”, levei o Jorge Ramos, ele chegou lá… a Bibi: “Isso que é ator”, aí ela olhou para mim e falou: “Flávio, esse homem…”, apontou na minha cara: “… merece respeito, esse conhece teatro”, aí eu comecei a crescer com ela, olha: “Esse conhece teatro”. Aí, vamos fazer o teste, era o… apareceu um ator lá, coitadinho, que veio fazer o teste e tava a Bibi sentada, o Flávio e eu daqui escutando o ator… o Flavio: “Lê isso”, ele “pá”, “Lê aquilo”, ele pá… aí eu digo: “Porra, ele é bom pra caralho”, aí o Flávio chamou: “Anota aí o nome do ator direitinho, se por acaso tiver um ator bom, chegar um ator aqui, a gente…”, e mandou o ator embora: “Você tá ficando maluco? Bibi, é um puta de um ator, não vai ter ali fora, se juntar aqueles 40 não vai…”, a Bibi: “Então vá correndo buscar”, eu fui no meio da rua: “Fulano, fulano”, ele veio voltando: “Volta rápido lá para a peça e vá para a casa para decorar. Eu indiquei você, rapaz”, Hélio Ribeiro, bom pra cacete. Botei Hélio Ribeiro, Jorge Ramos e Léa Garcia na peça. Estavam fazendo testes há mais de um mês e não tinha ator e atriz para fazer esse papel. Olha como tem muito canastrão metido no meio de arte. Aí, eu fiquei com um prestígio filha da mãe. Estreia a peça, casa cheia, e eu corro pra lá, tá na hora, Dona Bibi na posição e comecei a mandar naquela merda toda e botei ordem. Karan, Guilherme Karan fazia: “E com vocês, no cabaré Gerny’s, Piaf”, que ator que ele é, tá morrendo… que comediante, né? Eu soube que tá… ele nem deixou eu ir lá para visitá-lo, que ele falou: “Não quero que o meu velho me veja assim, eu quero que ele fique com a minha imagem”, que eu tinha com ele, sabe, se tu vir as fotos que eu tenho com ele lá em casa, chamava ele de barulhento. E aí, minha filha, nós fizemos aquele sucesso, casa cheia, casa cheia, e a peça vai inaugurar o Teatro São Pedro em Porto Alegre, inaugurei o Teatro São Pedro, estava fechado há 28 anos, eu reinaugurei esse teatro, a peça vai fazer o Teatro do CIC lá em Santa Catarina, vai fazer no Paraná, não me lembro onde, sei que nós fizemos no Paraná…
P/1 – E viajava com a…?
R – Viajamos, eu como diretor de cena, eu fazia diretor de cena e contrarregra, tinha duas funções. Eu fui o único contrarregra… ah, o Julinho Braga fazia o Teatro da Nabuco, Julinho tá morando em Niterói, irmão da Soninha Braga. Eu fui o único contrarregra que cheguei com a Bibi Ferreira e falei: “Bibi, é Maia”. “Espera um minutinho, companheiro", aí ela: “Pode entrar”. “Dá licença. Bibi, a cena hoje, olha, teve um… perderam o tempo, aquela cena tua com o Julinho foi horrível, o Julinho perdeu o tempo e tu ficou sem ter apoio”, ela disse: “É mesmo, Maia? Tu sabe que eu senti uma hora que tinha alguma coisa errada”, na cabeça dela, né? Que ela tá representando. Eu digo: “A fala foi essa, essa, essa e essa, perdeu aqui, ali”, ela disse: “Maia, então chama o Julinho agora”. “Julinho? Comparecer no camarim de madame”. “Vamos lá”. “Madame, Julinho”. “Pode entrar”. “Julinho, perdeu o tempo nisso, nisso e nisso. Maia, vou passar, vamos limpar isso aqui agora, na segunda sessão tem que estar perfeita”, e limpou ali. Fizemos a “Piaf”, acabou a época da “Piaf”, eu fui cuidar da minha vida e cuidar de outras coisas, né? Aí, eu fui fazer o Ademar Guerra, tava no Seis e meia, fui para o Copacabana Palace. Aí, quando chegou lá no sul, botaram esses diretores de produção, antigamente era secretário, que a gente chamava, secretario da Companhia, que resolve tudo, né, da Companhia, vale, aquelas coisas todas, pagamentos, resolve aquela merda toda. Chamava secretário, agora mudaram o nome, eles mudam o nome de tudo. Aí, quando chegou em Porto Alegre, a gente ia reinaugurar o Teatro São Pedro, Flávio Rangel empolgado: “Você vai amar, o teatro é maravilhoso, como tu gosta”. Quando chega em Porto Alegre, fomos inaugurar um apart-hotel e eu todo feliz, apart-hotel, vou no mercado, faço minhas compras e faço a minha comida, né, não tenho necessidade de comer nada na rua, eu sei fazer. Aí, todo alegre, quando chega na porta do apart hotel, toda a Companhia chegando, as malas subindo, aí a… agora ela vive lá em São Paulo, apareceu um dia desses aqui no Retiro, levou um esporro meu: “Tu lembra que me sacaneou nisso?”, passou vergonha. “Olha, você e o João não vão ficar no apart hotel”, João Campana, maquinista “Vocês vão ficar numa pensãozinha aí, separados do elenco”, eu peguei, tô ali para obedecer ordens, né, aí pegamos as nossas malinhas, lá vamos nós, fomos para aquela pensãozinha, que é rádio no corredor, último a sair, passa o rodo, aquele negócio todo. Aí, uma caminha patente, um guarda-roupa com aquele espelho no meio, o famoso sonho de puta, toda puta gostava de ter aquele espelho, sonho de puta. Aí, eu fui logo me arrumando, disse: “Campana, aqui é bom, que a gente sai, vai para os puteiros, ninguém incomoda a gente, ninguém fica chamando a gente”, tô me arrumando, menina, daqui a uns 40 minutos, a bicha chegou lá desesperada: “Apanha tudo, vamos embora”. “Você é maluco? Uma hora você traz a gente, outra hora, pega tudo e vamos pra onde agora, gente? A gente vai virar couro de cuíca, para lá e para cá?”, para não falar couro daquele negócio, couro de cuíca, né? Aí: “Não, a Bibi deu um esporro em todo mundo”, “Mentira, deu nele”. “Está lá uma reunião no saguão do hotel lá na sala…”, aí eu e o João Campanha com as malas, aí a Bibi: “Venha cá, Maia, sente aqui do meu lado. João, sente aqui do meu lado. Olha…”, esqueci o nome do viado, ele teve aqui um dia desses, não é Maia nada, não, nunca foi nada. “…nunca mais faça isso. Quer dizer que você usou de preconceito com o meu querido e amado, o maior diretor de cena da história do teatro brasileiro, o meu querido e amado Maia. Você é louco? Esse homem é responsável por esse espetáculo todo. Quando o Flávio não tá, ele sabe tudo, tu conhece de teatro? Tu aprendeu a administrar onde? Isso aqui que é a figura principal que eu preciso. E outra coisa, quero ele do meu lado”, ela ficava lá em cima na suíte. “Ele de um lado e o João Campana do outro, porque eu preciso toda hora conversar com ele. Agora, os atores são embaixo, eu não quero um ator perto de mim, eu não preciso conversar com ator. Quando eu sou estrela de um espetáculo, eu vou avisar uma coisa para os senhores, para mim, o importante são os técnicos, porque esse eu quero saber se o espetáculo tá bom ou não, qual é o erro que tem no espetáculo, que os atores estão trabalhando e o Maia tá olhando, ele não dorme. Eu tô em cena, eu vejo ele lá, assim, olha. Ele sabe (corte no áudio) lá, né? Eu ia tirando a roupa: “Seu filho da puta, tirando a roupa de mim, filho da mãe”. Ela se incorporava na piada. “Vai embora”. Eu tirava aquilo tudo, ela descia, era bonito aquilo, aí a Léa: “O quê que ela fala tanto com você?” “Tudo que a Piaf falaria ela fala ali, no escuro, comigo”, que a Piaf eu conheci aqui no Brasil, ela era muito malcriada, sabia? Desse tamanhinho a bichinha, mas malcriadinha. Agora, ela, eu acho que nunca mais vai nascer uma atriz assim, ela foi a primeira atriz que fez filme americano, com Sabu, esse da Carmem Miranda, Sabu era o grande ator da américa, né? Eu tenho esse filme, devo ter ele em preto e branco, ele, menino do rio, foi filmado lá em Manaus, numa ponte que tem lá no Amazonas, que ele se jogava lá de cima para nadar, era em preto e branco.
P/1 – Você fez Piaf com ela e depois?
R – Aí depois, larguei. Larguei Bibi e aí, tô lá no Seis e meia, foi uma mulher lá: “Maia, tudo bom, o que tá fazendo aqui?” “Nada, tô aqui no Seis e meia, não tô mais a fim de fazer teatro, muito cansativo”, já tava cansando, né, de trabalhar à noite, já queria ficar em casa, queria construir uma família, que eu não tinha. Agora eu tenho, né, graças a Deus, não tinha e eu digo: “Eu não paro, só em hotel, hotel, viagem, avião, ônibus, carro de boi, carro de trem…”, você não para em casa, gente, eu queria parar em casa, eu queria ter a minha família, chegar sábado e domingo e curtir a minha família. Aí: “Mas o Ademar Guerra…” “Puts, o Ademar Guerra, eu nunca trabalhei”, um dos maiores diretores da história do teatro, TBC, da Vera Cruz, sabe? Ademar Guerra, eu digo: “Puxa vida, fechar um ciclo com os cinco maiores homens da direção da arte no Brasil, né? Vou! E quem é?” “Tassia Camargo”, eu digo: “Não conheço, só conheço da televisão”, a Tassinha fazia: “Chamou, chamou?”, aquele negócio da Escolinha do Professor Raimundo, né, eu digo: “A Tassinha, poxa, como é que eu vou fazer?” “Armando Bogus”, eu digo: “Ih, o Bogus, é ator, né?”, o Bogus andava doente já. “Quem mais?” “Marcelo Pique”, aquele marido da Elisabete, que já tinha trabalhado com a Elisabete no teatro Mesbla, já tinha trabalhado com ele lá, quando ele era namorado dela, tem até filhos com ela. “Quem mais?” “Ivone Hoffmann”. “Eu vou, a Ivone é antiga”, foi o grande amor daquele… um ator que morreu um tempo desse aí. Eu digo: “O elenco é bom, eu vou, que elenco, rapaz. Tô nessa”, aí parti para o Copacabana, cheguei lá: “Maia…”, ele é meio caipira o Ademar: “Mandei lhe chamar porque eu preciso de um contrarregra, misto de contrarregra e ator”. “Misto de contrarregra e ator, por quê?” “Porque você é um cenário, essa peça vem do sul, é do…”, é de um autor lá de crônica, preciso me lembrar, Dalton Trevisan e as crônicas dele, é uma árvore gigante no meio do palco, pegava a circunferência aqui, do centro desse palco todo. “E quando abrir a cortina, você tá encostado na árvore, você e teu ajudante têm que ser atores”, eu digo: “Eu arranjo um ajudante lá na Martins Penna”. “O que é Martins Penna?” “É uma escola de teatro”, aí ele: “Traz esse da Martins Pluma”. A árvore era assim, abria a cena, tava eu encostado na árvore, pensativo e o meu colega lá, vestido com a roupa própria para a cena e eu apontava como se eu tivesse vendo um cemitério lá, falava com ele, então tinha todo um jogo de expressão, né? E ele falou: “Tem que ser um contrarregra ator e você vai entrar muitas vezes em cena e eu não posso botar um merda desse aí que não sabe fazer isso”, eu digo: “Mas vem cá? Isso aí é como? Vai ser quando?” “Vai ser tal, tal, tal, o cenário vai vir lá de Curitiba”, trouxe a metade do elenco de Curitiba para cá. E aí, nós estreamos no Copacabana Palace. Foi um sucesso tremendo.
P/1 – Qual é o nome da peça?
R – “Mistérios de Curitiba”, o cartaz tá até lá na escola. A Sonia Zagury trabalhava, que era relações públicas do Copacabana, que eu te falei, que era irmã do Bob Zagury, que foi marido da Brigite Bardot, trabalhava na peça. E aí, nós fizemos uma temporada lá de mais de um ano, quando acabou, eu digo: “Acho que aqui eu vou encerrar, não quero mais, não. Vou encerrar, não quero, acabou, não quero mais teatro. Agora eu vou tratar da minha família”. Aí, peguei o Jonathan para criar, peguei o Bruno…
P/1 – Por que você escolheu o Jonathan e o Bruno? Como foi que você escolheu?
R – Eu sou muito faveleiro, eu sou meio faveleiro, sábado e domingo, em vez de eu estar lá na… por exemplo, tenho uma amiga que chama Lilibeth Monteiro de Carvalho, que é uma pobre coitada, né (risos), não tem nada, a infeliz, coitadinha, só tem 36 empresas. Em vez de eu ir para a casa da Lilibeth comer com ela e imitar a Clementina para ela rir, que a Lilibeth me ama, né? “Maia, você é da nossa família”. “Eu não sou”, se eu fosse daquela família, eu tava mandando reformar o Retiro e tudo, mas ela acha que eu sou, né? Hoje mesmo eu liguei para lá: “E a Nina?” “Nina tá boa, falou para você aparecer”. E aí, eu lá frequentando minhas favelinhas, samba aqui, churrasco ali, caixote a gente senta, faz um samba de pagode, ali, samba de partido alto, bota o pessoal pra dançar, bate na palma da mão, aquele negócio todo meu que eu gosto. Aí, tem um Candomblé que bateu, eu vou lá: “Pô, não vai bater hoje? Oxum, vai bater para Xangô…”, eu gosto muito desses ambientes, porque é uma coisa que eu gosto, né, uma coisa brasileira, nossa, né? Rock eu gosto, mas eu gosto mais do Brasil, né? Aí, eu frequentava lá e um dia eu vi um moleque desse tamanho correndo na favela: “De quem é esse moleque ai”. “É meu”. “Não larga o garoto aí, tem uma bala, um negócio aí, a criança tá aí no meio”, aí eu fiz amizade com a Rosa, a mãe dele e disse: “Rosa, esse garoto seu, cadê o pai?” “Não tem, ele foi embora, sumiu”. “Eu vou adotar, é meu, pronto”, adotei o Jonathan. Aí, a irmã dela teve o Bruno, também, pai também se mandou, “Deixa que eu adoto, é tudo meu, acabou. São meus filhos”, aí fui criando eles e comecei a formar uma família, né?
P/1 – E você vai visitar sempre?
R – Vou. Hoje mesmo, eu liguei para lá: “Não vou poder ir aí, porque a menina da Globo vai estar aí, que ela tá fazendo um trabalho, eu não vou poder”, que hoje é aniversario do Jonathan. “Mas fique quieto, que já mandei muito… televisão desse tamanho, muito presente, dei tudo, quer mais o quê? Fique quieto aí, pô. Semana que vem eu vou aí…”
P/1 – Eles vêm te visitar aqui?
R – Muito. Semana passada mesmo teve todo mundo aí.
P/1 – Maia, quando que você entrou no Retiro?
R – Essa é a segunda vez que eu tô aqui. Eu entrei a primeira vez em 90 e fiquei até 96, derrubei o Colé, botei para fora daqui…
P/1 – Por que você veio para cá?
R – Bem, a primeira vez, eu vim porque eu tava muito… a primeira vez… eu andava muito apertado de grana e eu produzia muita coisa para o Colé e o Colé era presidente daqui. Eu digo: “Porra, Colé, eu tô pagando aluguel altíssimo, não tenho mais casa, dei minhas casas para todo mundo, tá todo mundo já com as suas vidas resolvidas, eu queria uma casa dessa pra morar”, e vim para cá e morei ali, na frente da piscina, aquela casa na frente da piscina. Aí fiquei aí. Aí, depois, eu senti que tinha muita roubalheira, muita falcatrua, aí eu comecei a mexer em estatuto, tudo, botei todo mundo pra fora, aí veio a turma do Roberto Marinho para tomar conta. Era um que era assessor dele, psicólogo do doutor Roberto, era um assessor dele, tava lá, eles vieram e fizeram uma comissão provisória na casa, uma diretoria provisória. Nessa diretoria provisória foi pior da que tinha saído. Aí, eu digo: “Vou ter que me mexer novamente”, botei a boca no trombone, aí quebraram o pau, quebra pau, vamos botar daqui pra fora, vamos botar pra fora, doutor Amauri e Salvador Ribeiro vieram para cá, quase que acabam com a casa dos artistas. Aí, a gente desesperados para botar eles daqui pra fora e eles deixaram uma dívida de quase quatro milhões de reais aqui. O Larra falou: “Maia, como é que a gente vai fazer?”, eu digo: “Vamos procurar o nosso companheiro Stepan Nercessian”, que o Stepan Nercessian pegou o sindicato falido, recuperou o sindicato, comprou aquele andar todo de cima, quarto andar, que o sindicato já estava com sala alugada e levantou o sindicato, o Stepan, organizou. Montou uma equipe e organizou. “Vamos lá procurar o Stepan para dirigir a casa dos artistas”, porque aquelas casas lá em cima estavam tudo no chão, tudo podre, tudo caído, era tudo aglomerado. Partimos para lá, chegamos lá, encontramos o Stepan com aquela alegria, que lhe é peculiar, que o Stepan é uma pessoa muito alegre, sabe? Ele não tem tempo ruim para ele. Ele tá sempre feliz, sabe? E isso é bom, né, porque toda pessoa que tá feliz, é porque tá sempre pensando em criar alguma coisa ou produzir alguma coisa. A pessoa infeliz não produz nada, né? E o Stepan, nós fomos lá, ele tava lá sentado: “O que é que vocês querem aqui?” “Tu tem que ir lá dirigir a casa…” “Deus me livre, aquilo tá tudo endividado, tudo caído”, refeitório, água caía dentro, tudo furado, ambulatório todo enferrujado, tudo podre. Vocês estão malucos”. “Não senhor, o senhor vai ter que dirigir a casa”, aí ele marcou, tadinho, veio aqui, entrou ali no casarão, foi dar uma volta por aí, ficou apavorado. Não tinha aquele prédio, não tinha nada, era tudo casa de aglomerado, tudo no chão, tudo podre. O resto já viu como é que estava, nem lençol, não tinha nada, não tinha enfermeira, não tinha cozinheira, iam cortar a luz, iam cortar a água, iam cortar tudo. Aí, o Stepan topou dirigir a casa e eu me mandei, saí fora. Eu digo: “Bem, agora tem o Stepan dirigindo…”
P/1 – Por que você saiu?
R – Eu queria trabalhar, eu tava bem de saúde, né? Queria trabalhar, ganhar meu dinheiro, minha casa, até hoje eu não fico, já pensou naquela época! Eu digo: “Não, eu tenho que trabalhar, ganhar o meu dinheiro”, aí entrei para fundar uma Escola das Artes Técnicas, eu sou um dos fundadores, é lá na Mangueira, EAT, aí eu comecei a dar aula lá, Jalusa era diretora, Jalusa Barcellos e eu…
P/1 – Só voltar um pouquinho, como é que foi morar aqui? Como é que é morar aqui?
R – Morar aqui…
P/1 – O quê que significou naquele momento quando você veio da primeira vez?
R – Naquele momento, estava muito precário o Retiro. O Retiro não tinha…
P/1 – Mas como é que era a convivência com as pessoas?
R – A convivência era melhor, porque naquela ocasião, o Retiro tinha muito artista morando, com quem eu já tinha trabalhado, Maria Paula, Paulete Silva, Rosinda Rosa, Ligia Rineli, Manula, tudo isso eu tinha trabalhado em teatro, então, a convivência para mim era maravilhosa, que era todo mundo que eu já tinha trabalhado. Por exemplo, eu trabalhei como Tim Coelho, encontrei aqui, beleza, né, aí a convivência, a Isa Rodrigues, tudo isso eu tinha trabalhado, a Isa morava ali, fundou o Titica’s Bar (risos), que era na casa da Isa a jogatina, que começava às oito horas da noite e ia até às oito horas da manhã. Eu vinha do Seis e meia, passava ali no Planalto, comprava um frango, chegava: “Atenção. Chegou Ana Maria Brega, vou para a cozinha”, aí fazia um macarrão com frango, desfiado, aí para o jogo, vamos todo mundo comer no Titica’s, dona Silvia Guimaraes, só morava artista que eu tinha convivido e tinha trabalhado. Então, a convivência era maravilhosa. O que não tinha era subsidio de sustentar o Retiro, não tinha uma administração segura, que segurasse isso aqui, que parcelasse as dívidas, tivesse conceito, tivesse prestígio, não tinha e o único homem que eu vi, Stepan Nercessian, vamos botar ele aqui.
P/1 – Aí, quando ele entrou, você saiu.
R – Ele bronqueando à beça: “Vocês estão malucos, tá cheio de dívidas”. ”Não quero saber, se vire”. E o Stepan foi nas empresas, parcelou, foi na Hebe, foi em todo mundo, todo mundo falando da nova casa dos artistas, aí entrou um para reformar o teatro, a Fundação Roberto Marinho, né, ajeitaram o ambulatório, Stepan muito querido, sempre foi um homem muito querido. Fulano dá isso, ciclano dá aquilo, a Rosinha mandou ajeitar as casas, Aguinaldo Timóteo, Fafá de Belém, Alcione, todo mundo em torno da casa para levantar, o Stepan montou o Botequim das Estrelas, que fazia eventos, a festa junina passou a ser quatro dias e todos os artistas iam tocar… ele foi parcelando as dívidas com as empresas, com tudo, que iam cortar a água, iam cortar a luz, iam cortar tudo, gente. Aí, ele foi conseguindo criar o brechó para vender as coisas para entrar um dinheirinho, reformaram o teatro para ter espetáculo, para entrar um dinheirinho, botaram escola de teatro, do Fratelli, botou ali para entrar um dinheirinho. Escola de dança. Tudo isso foi o Stepan que criou, aqueles dois andares lá, construiu o Botequim das Estrelas. E aí, foi melhorando. Ele deu uma nova… ele resgatou a dignidade do Retiro dos Artistas, que é uma instituição de conceito mundial, que está aqui há 99 anos, vai fazer agora, nunca saiu daqui e é a única instituição de fins filantrópicos que até hoje existe, o resto tudo acabou, não sobreviveu. A Santa Casa de Misericórdia que tinha todos os imóveis do Rio de Janeiro, foi aquele… e o Retiro dos Artistas que não tem nada, só vive de doação tá aqui em pé. Quer dizer, o Stepan foi de suma importância dentro do Retiro dos Artistas, pela sua maneira, sua visão, pela sua dignidade, pela maneira que ele trata os seus colegas, que o Stepan não é o presidente da casa dos artistas, ele é para mim, um dos maiores benfeitores da história da casa dos artistas, o Stepan é, na minha maneira de ver, que eu conheço o Retiro dos artistas desde 1954, quando o Stepan nem no Rio tinha chegado para ser ator no Rio de Janeiro. Eu tenho por ele, um carinho, um respeito muito grande. Qualquer coisa que se fizer uma homenagem para esse cidadão, é pouco pelo o que ele fez por essa casa. Eu sei que tem pessoas que não gostam dele, isso é normal, que nem Jesus Cristo não agradou todo mundo, né, não é o Stepan e o Maia que vão agradar. Eu posso divergir, mas nunca censurar ou acusar. Divergir é normal dentro de um sistema de democracia, eu divergir é achar que eu acho que você deveria fazer aquilo ali melhor, tem condições de fazer… agora, dizer que você não implantou um trabalho muito grande aqui dentro. Hoje nós temos tudo isso funcionando, temos uma portaria decente, que não tinha, que era um barraco ali fora, hoje temos grandes festas aqui, muito bem organizada, com a TV Globo sempre dando o apoio, dando o apoio da divulgação, dando o apoio da sua maquinaria, da sua montagem para o Retiro dos Artistas, porque o nosso querido José Bonifácio Sobrinho, um dos maiores benfeitores da casa dos artistas, enquanto eu existir, eu agradeço muito a você, Boni, pelo carinho, pelo respeito, que você teve com a nossa casa. A nossa casa deve muito a você, Boni, muito a você, muito ao Doutor Roberto Marinho, muito. Deve ao delegado Truman, que deu muita coisa aqui pra dentro, ele pegava aqueles contrabandos, botava tudo aqui para vender na casa dos artistas. Deve muito a Pedro Porfírio, do governo Leonel Brizola, que foi o homem que botou alimento não perecível dentro dessa casa, que não tinha. Eu fui conversar com ele, sempre que ele foi secretário de ação social do governo Leonel Brizola, há comidas não perecíveis aqui. E não agradeço esse canalha do Cesar Maia, que tirou a nossa comida perecível aqui, que ele disse que velho não precisava disso, por que que vinha para cá? Tinha que ir era para as crianças. Então, ele que viva das crianças dele, ele não gosta de velho e nem gosta de artista.
P/1 – Maia, quais são os seus planos atuais?
R – Meu plano atual, eu vou dar aula até o final do ano na Escola das Artes Técnicas como esse senhor que tá governando o estado, ele acha que a gente tá velho e não tem direito mais de renovar o contrato com o estado, porque a gente tá velho. Ele quer que faça concurso. Bem, ele é um imbecil, um medíocre, um canalha, por causa disso que ele tá morrendo, porque um homem que governa um estado querer que técnicos de artes cênicas façam concurso, não existe isso dentro da legislação, então ele é um débil mental.
P/1 – Mas seu plano…
R – Então, sabe qual é o meu plano? É parar no final do ano e eu quero estar dentro de uma favela, montar um projeto para resgatar a dignidade do ser humano, pegar as crianças todas para estudar música, adereço, técnica teatral, representação. Eu vou fazer isso de graça, porque eu amo o meu Rio de Janeiro, foi essa cidade que me abraçou. Aqui, eu cantei, chorei, vivi e amei. E aqui eu vou morrer. Viver sem ser no Rio, eu prefiro morrer. Então, eu quero viver até o final da minha vida prestando serviço para aquelas pessoas que não têm perspectiva de nada, que não têm um livro para ler. Tudo que eu tenho, eu vou armar uma biblioteca dentro de uma favela mais humilde que tem no Rio de Janeiro, eu já prometi, eu vou fazer isso lá para vocês aqui, vou botar uma escola de arte para pegar todas essas crianças e ocupar e eu não quero cobrar nenhum centavo.
P/1 – Qual que é a favela?
R – Terra Encantada, é lá no Jardim América. A favela da Terra Encantada, que tem uma ponte que balança assim, que é um lugar muito humilde, muito pobre, mas é onde a riqueza mora ali, que eu chego ali, eu sou tratado com muito carinho por aquela gente. Uma gente maravilhosa. Eu amo tanto eles…
P/1 – É lá que moram seus filhos?
R – É, é lá que moram meus filhos, mora a família dele, e eu vou lá fazer a minha escola e até o final da minha vida eu quero contribuir, porque não é favor, é obrigação de qualquer cidadão, passar por aqui e entregar tudo o que aprendeu para a outra geração, não tem que levar, não vou levar comigo, vou deixar para… vou passar para eles sem cobrar um centavo, eu não quero. Eu ganho pouquinho, sou aposentado, mas tô lutando pela revisão aí e vou dar aula de graça para eles e vou arranjar material em tudo que é lugar para ensinar. Eu quero morrer ensinando.
P/1 – Maia, o que você achou de dar essa entrevista?
R – Eu achei muito bom, porque eu tenho momentos…
P/1 – De história de vida.
R – Que eu fico pensando, às vezes, dentro da minha casa: “Puxa vida, eu trabalhei tanto, meus amigos todos me homenagearam em vida, todos os meus amigos. Eu tive essa felicidade…”, olha, só eu ser transformado num personagem de uma peça de teatro de uma história da mais importante mulher que teve nesse país, não teve mulher mais importante do que ela, porque essa foi a pioneira de tudo, desbravou tudo, da comédia, a canção, o jeito, a forma de cantar a música brasileira, né, ela foi um marco, ela foi o espelho da história do teatro musicado, a rainha mãe do teatro musicado brasileiro, ela é a criadora da irreverência no palco, ela é a criadora da moda de colocar uma roupa de baiana e cantar, ela foi a referência para Carmen Miranda, para Dalva de Oliveira, para Ângela Maria, para todas essas cantoras, Araci Cortes, é a pessoa que eu mais amei como amiga, que acabou os dias dela ali comigo, minha carioca do Estácio, minha mulata bonita, onde você estiver, o Maia não esquece de você. E lá minha escolinha vai ser o seu nome, que você sempre foi uma mulher voltada para ajudar o humilde. Ela ajudou muito essa casa na década de 30, muito, 20, 30 ajudou muito. Ela passou os últimos dias dela ali. Dona Araci Cortes. Por essa, eu tenho um respeito muito grande e eu vou botar o nome da escolinha lá, o nome dela e eu me sinto muito feliz aqui, na casa dos artistas, que eu sempre falo que é a nossa casa. Aquela porta tá aberta para receber todos com amor e carinho. Depois que o meu querido Stepan Nercessian veio dirigir essa casa, nunca mais a porta da casa dos artistas ficou fechada para ninguém. Você chega às seis horas da manhã, tá aberta, fecha às dez horas da noite. Todos que ultrapassam aquele portão do Teatro Recreio, que foi um marco do teatro de revista do Brasil, aquele portão tá lá, todo mundo é recebido com carinho. Enquanto eu viver aqui e Deus me der condição de eu ter a minha cabeça que eu tenho até hoje, eu vou sempre receber qualquer colega aqui com o maior amor, eu não tenho nada para oferecer, eu só tenho eu e aquelas coisinhas que eu guardei, que armazenei, que é a história do teatro no Brasil. Tudo que você quiser saber sobre teatro de revista eu tenho dentro da minha casa, tudo! Das mulheres, das vedetes, da história como começou tem lá dentro, como veio para o Brasil, como começou, eu tenho. Tudo que você quiser saber de música no Brasil, eu não tenho mais alguma coisa, que eu dei, tudo que se gravou em 78 rotações, eram seis volumes, eu dei de presente para os amigos para não morrer comigo, aqui, numerado, data, cantor, orquestra… tudo isso eu dei para as pessoas, eram cinco volumes dessa grossura. Os dois primeiros livros de técnica que fizeram do teatro brasileiro, foi João Caetano, o homem que nacionalizou o teatro no Brasil, João Caetano, todo mundo diz…
P/1 – Amanhã a gente pode ir lá?
R – Pode. Não, amanhã eu tenho escola…
P/1 – A gente vai estar aqui até sexta.
R – Até sexta? Pode ser quinta ou sexta.
P/1 – Tá ótimo.
R – Porque terça e quarta eu saio daqui às cinco horas da manhã aqui e vou seis e meia na Mangueira dando aula.
P/1 – A sua entrevista é tão linda! Queria agradecer, tô super emocionada. Privilégio.
R – A nossa casa, já te falei mais ou menos quem criou essa casa aqui, né? Foi o doutor Leopoldo Fróes que descansa lá em Maruí, no cemitério de Maruí lá em Niterói. Era um bacharel em Direito e o maior ator da sua época, né, um homem de maior prestígio, que aliás ele começou como ator na Europa, não foi no Brasil, ele veio de sucesso de lá para cá, porque o pai não queria, né, ele viajou foi para a Europa, abandonou a família para fazer teatro lá. Aí quando ele voltou após Primeira Guerra, ele pensou: ‘poxa, temos que criar uma instituição para os nossos colegas não acabarem jogados pelas ruas’. Olha a visão que esse homem tinha, a luz que esse homem tinha. Era um homem rico, realizado como ator, como bacharel, como tudo, né, criar uma instituição. E aí, fez essa permuta do terreno da Penha com o terreno daqui do Barão da Taquara e tá aí, o Retiro, aí, caminhando para o centenário e eu quero comemorar o centenário.
P/1 – Vamos. Obrigada.
R – Obrigada pelo carinho. Um beijo, meu amor.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
Chiquinha Gonzaga, a minha amiga que foi minha amiga até os 98 anos de idade, dona Nair de Tefé, __00:17:22____ , que tem até o cinema ___00:17:24____, né, que ela era esposa do Marechal Hermes, era minha amiga. – Página 5.
Aí, eu peguei, desci no Balança, caminhei em direção ao Balança, ali que era o carnaval, na Presidente Vargas e na Praça 11, o carnaval, né, fazia aquele ____00:28:10___ grande, as escolas passavam ali por cima e um barraquinho com quatro jogadores jogando (risos). – Página 7.
[…] eu montei uma peça “Madame Clô, a casa de pouco respeito”, nós fomos excursionar pelo Brasil todo, Boni ajudou, ___00:48:17___ que dirigia a parte da Globo lá no sul ajudou, todo mundo ajudou o Silva Filho, ele fazia uma senhora, né, conduzia aquela personagem com aquela categoria que ele tinha e eu levei ele até o final. – Página 10.
Aí, o Lene disse: “Olha, traz ele para dançar aqui no presidio num show desses, que eu vou ver e te digo”, aí quando ele viu: “Sensacional”, aí botei ele para estudar com o Lene, botei ele para estudar com ___01:13:13____ no Municipal, dançamos com o Lene e ele foi crescendo e começou a aparecer nos espetáculos, daí o Maia já não era mais… _ Página 15.
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