Programa Conte sua História
Depoimento de Martti Atila
Entrevistado por Carol Margiotte
Sorocaba, 23 de novembro de 2018
Entrevista número PCSH_HV663
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Doutor, boa tarde. Muito obrigada por receber a gente aqui hoje.
R - Eu que agradeço.
P/1 - E, para começar, seu nome completo.
R - Martti Anton Antila.
P/1 - O local e a data do nascimento.
R - Bom, eu nasci em Mogi das Cruzes, dia 08 de maio de 1963.
P/1 - E seus pais contavam histórias para o senhor sobre o dia do seu nascimento, como foi?
R - Sim, meus pais são da Finlândia e mudaram para o Brasil, no começo da década de 60, primeiro ele veio; e mudaram para Mogi das Cruzes, onde ele acabou montando a fábrica de tratores (Valmet) [00:01:12]. Então graças ao boom econômico daquela época, então havia uma indústria finlandesa de tratores. E, nesse período, meus pais já tinham dois filhos: o Marco, que era o mais velho, que já mudou para o Brasil por volta dos nove, dez anos; e minha irmã, um ano menos. Minha mãe acabou engravidando, em 1962, logo após a vinda para o Brasil. Acabo nascendo em maio de 63, pequenininho, com quase dois quilos, saindo do hospital com menos de dois quilos. Então, naquela época, no hospital Ipiranga, de Mogi das Cruzes. É uma história que, com certeza, não foi uma gravidez planejada - minha mãe já tinha mais idade, perto dos 40 anos, é uma coisa que aconteceu. Ficamos, e assim acabei vindo eu brasileiro, mas com raízes completamente finlandesas.
P/1 - E o senhor sabe por que seus pais te deram esse nome?
R - Porque, primeiro, meus dois irmãos começam com M, então: Marco, a (Mirnia) [00:02:22]; um nome muito comum na Finlândia, (um nome que apreciado é Martti) [00:02:25] um nome também comum daquela época, então acabou sendo, tanto é que meu nome tem dois T's, é um pouco diferente do brasileiro. Então, é um nome que (ressoou) [00:02:40] ser forte, tanto é que Marte é deus da guerra, foi um nome desse jeito. E também, (inint) [00:02:49] que não tinha ultrassom, então teria outro nome com M para se fosse menina, mas acabou sendo eu.
P/1 - Mas qual seria?
R - Seria (Mariot) [00:02:59] seria quase Maria, mas assim, teria um nome.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - O nome do meu pai é (Poe) [00:03:10] Antila, Louhi (inint) [00:03:12] Antila, é um nome um pouquinho mais complicado, mas um nome bem típico finlandês. O nome da minha mãe vem da Epopeia Finlandesa, que é a epopeia chamado Kalevala, então o nome da minha mãe é um nome muito finlandês. O nome do meu pai, minha avó, no começo do século passado, deve ter, porque não era nem Paulo, nem Pauli, com a Finlândia, mas a minha avó decidiu colocar um nome bem inglês para ele, também nunca soube, nem meu pai soube porquê direito. Mas o nome da minha mãe é bem típico finlandês, o sobrenome também.
P/1 - E eu queria que o senhor falasse um pouco sobre eles, de personalidade, físico.
R - Bom, meus pais são. Meu pai era uma pessoa especial, imaginar que filho de mãe solteira em 1927 acho, mais ou menos isso; então uma pessoa extremamente sofrida, mas que na época morava com a minha avó - meu pai nasceu em Helsínquia, que é a capital da Finlândia, e acabou passando lá a infância, são pessoas que, realmente... imaginar que naquela época, você pagava o aquecimento, conforme o número de cômodos, e o único cômodo que dava para ser aquecido era o quarto, o banheiro abaixo de zero, a água da privada chegava a congelar. Uma pessoa muito dedicada, estudiosa, não conseguiu entrar na época da guerra para o exército porque tinha daltonismo, talvez tenha sido uma frustração muito grande para ele, porque o daltônico não poderia entrar no exército, poderia ter feito o exército, mas não poderia entrar na batalha. Mas é uma pessoa que estudou muito, acabou sendo extremamente dedicada, fazendo engenharia, depois vindo para o Brasil como engenheiro responsável, que acabou (montando) [00:05:33] a Valmet, e na época em que ninguém falava em MBA, acabou mudando para os Estados Unidos, na década de 60, fez um MBA em Harvard, depois de um tempo, fez mais um outro em Michigan - Universidade de Michigan, MBA Administrativo. Então uma coisa que ele conseguiu ser uma pessoa visionária, de muito bom humor, um biótipo um pouquinho mais forte do que o meu, mas muito próximo. Hoje me sinto muito parecido com ele, não é? Nesse meio período entrecortado, nós voltamos para a Finlândia, e nós retornamos para o Brasil no começo da década de 70, onde meu pai veio para Sorocaba montar a fábrica de Aço Paulista (inint) [00:06:26], era da sueca AGA, uma empresa de gases que hoje já mudou de nome. Então acabamos tendo essas idas e vindas, e na década de 70, meu pai acaba voltando para a Finlândia, para de novo trabalhar para a Valmet; e como meus irmãos já estavam na faculdade, já estavam na faculdade, não foi uma migração pensada, mas uma migração que acabou acontecendo. Então, meus irmãos entraram na faculdade, com uma diferença de idade de dez anos para a minha irmã, e quase 11 para com o meu irmão, então a gente acabou ficando. Nesse meio tempo, meu pai ainda teve um período em que morou cinco anos na Tanzânia, em Dar es Salaam, e acabou se aposentando indo e vindo do Brasil para a Finlândia, acabou sendo morto em um assalto em Penedo, Penedo é uma Colônia finlandesa, que fica no sul do estado do Rio de Janeiro, e acabou tendo um fim trágico. Mas foi uma pessoa que soube aproveitar a vida, sair de uma classe até que intelectualmente baixa para evoluir para uma pessoa que tinha uma visão da intelectualidade, da capacidade do indivíduo estudar e passar para uma outra etapa, não só social, mas intelectual, era uma pessoa bem especial. Óbvio, tínhamos algumas diferenças, mas essas diferenças hoje se minimizaram, a ponto de você conseguir entender ele como pessoa. Minha mãe já era uma pessoa de uma família bem estruturada, meu avô policial, e minha avó dona de casa. Minha mãe nasceu em uma cidade pequena da Finlândia, chamada Lavia, ela com seu irmão chamado Iorma, mudaram para Tampere, que seria a segunda maior cidade da Finlândia, que fica a 160km da capital, e lá ela passou sua infância, e conheceu meu pai lá - que nesse meio tempo, meu pai e minha vó tinham mudado para Tampere. Então, minha mãe, no começo não era dona de casa, trabalhava em um escritório, mas a partir do momento em que muda para o Brasil, passa a ser do lar, de casa cuidando da gente, imaginar que você está em um país em que você não fala a língua - minha mãe não falava inglês, falava só Finlandês. Você tem que aprender uma língua nova, tem dois filhos, de 10 e 11 anos e um bebezinho, então ela acaba crescendo muito nisso, e é interessante que quando moramos em Mogi das Cruzes, e depois aqui em Sorocaba... imaginar que Mogi das Cruzes, na década de 60 não tinham restaurantes, não tinha nada. Então todos os eventos sociais que a fábrica da Valmet tinha aconteciam na minha casa. Então minha mãe tinha que estar sempre fazendo uma grande parte, como se fosse realmente, uma embaixatriz; nós semanalmente tínhamos jantares e almoços em casa com políticos e com pessoas que vinham da Finlândia, de outros países. Tínhamos inclusive um livro de ouro, guardadas todas as assinaturas das pessoas que presenciaram essa história. Foi uma coisa muito interessante, tanto é que quando a Valmet completou 25 anos de Brasil, em 1987, por aí, a minha mãe foi uma das homenageadas, isso mostrou o quanto ela trabalhou; e Sorocaba continua sendo a mesma coisa, só que nessa parte, já estava em outro Patamar, meus irmãos já no colegial, pensando na faculdade, tinham uma outra dinâmica de vida do que tinham lá; mas ela era uma pessoa estupenda, ela quem conseguiu juntar muitos amigos, os amigos e amigas dela foram mais do que irmãs, ela conseguia cativar a amizade de uma forma muito fácil. Acabou tendo um câncer e evoluiu muito, mas tinha uma força muito grande, tanto é que no primeiro diagnóstico, estava no 2º colegial e minha mãe: “Fique sossegado, que eu não vou morrer, eu vou ver você entrando na Faculdade” e quando eu estava no 3º ano da faculdade, ela teve uma outra crise, já falavam para me prepara, ela: “Não precisa se preocupar, que eu vou ver você se formar”; e quando me formei, fui fazer residência na Finlândia, ela falou assim: “Vai com Deus, que eu vou ver você voltar”. Então ela aguentou um câncer que não tinha, realmente, então acho que essa força de vontade vinha a cada quimioterapia que você fazia na época, caia o cabelo, voltava com uma força mais, ficava com o cabelo melhor e voltava, sem ter barreira. Era uma pessoa sem preconceito, você imaginar, a gente fala muito de preconceito hoje no Brasil, e a gente acabava escutando as histórias dos meus pais, que não ter o preconceito era uma característica dos dois em especial, a minha mãe porque você imaginar que na Finlândia, que nós viemos, você convivia com todas as classes, não convivia com uma classe; então você não tem essa diferenciação de classes, como teoricamente nós passamos a ter. Então a gente conseguia conviver de uma forma harmoniosa, tanto é que minhas amizades, a minha vida inteira foram de diferentes classes, porque minha mãe sempre mostrava que isso era o correto, o normal. Então até tem uma história curiosa, quando meu pai montou a fábrica em Mogi tinha um professor, que era médico do trabalho, que (inint) [00:13:49] Alberto Teixeira, ele não queria contratar tatuados para o trabalho; e meu pai ficou “Como assim não contratar tatuado, porque tatuado é normal” , e o (inint) [00:14:02] falava assim que grande parte deles eram presidiários, meu pai falava assim: “É ver a qualidade da tatuagem”, mas não é que nós vamos tirar o tatuado, mas assim você acaba vendo. Você imagina, na década de 60, o tatuado era, hoje já não; você tem toda essa evolução, meus pais são mais ou menos isso. E minha mãe então só tinha um irmão, uma pessoa fabulosa também, que acabou falecendo vai faze dois anos agora, uma pessoa estupenda, de um gênio extremamente forte, talvez fosse difícil com os outros, mas comigo nunca foi difícil, desse tio meu eu tenho três primos, com os quais eu tenho bastante contato, o meu pai tinha, quer dizer, o pai dele tinha uma outra família que depois da década de 80 tive um contato muito grande, com todos os meio irmãos do meu pai, cheguei a conhecer a segunda esposa do meu avô, não conheci meu avô, porque meu pai acabou, ele morreu muito jovem. Hoje o contato é diário, com as duas famílias; hoje com certeza a internet facilita muito, se a gente pensar que antigamente telefonávamos contando os minutos, hoje a gente pode falar todo o dia, quer dizer, eu levava semanas para receber um jornal, hoje eu leio o jornal da Finlândia todo dia, então a gente tem um contato muito grande, acabamos vivendo muito essas duas nacionalidades, tenho bem enraizado isso.
P/1 - E os seus pais contavam histórias de como foi aquele momento decisivo de vir para o Brasil?
R - Sim, quer dizer, você imaginar que vir para o Brasil, na década de 60 era um mistério, desafio. A repetição disso foi quando meu pai mudou para a África, quer dizer, você não tinha uma definição de como seria aqui, há uma dificuldade de que não se falava inglês, então como você teve que aprender rapidamente o português; então o desafio foi mesmo na Finlândia, você vir para o Brasil. Então naquela época vieram duas fábricas para Mogi das Cruzes: a (Uniba) [00:16:45], que era de papel e celulose e depois foi comprada por brasileiros, mas a Valmet continua sendo uma indústria que acabou levando o nome da Finlândia, então a decisão foi de (ansiedade) [00:17:00] pensar que minha mãe ia ficar muito distante dos meus avós, isso foi muito impactante para a família, e principalmente, pelo lado do meu pai que era filho único, mudou um monte, acho que isso fez eles crescerem. O brasil, com certeza, sempre foi um lugar, não só exótico, excêntrico, mas é, ainda hoje, considerado um lugar de uma curiosidade muito grande, dos finlandeses, dos escandinavos, porque o Brasil atrai, tanto é que é uma curiosidade muito grande. Não vamos falar agora da Finlândia, mas falar da Suécia, que a terceira maior cidade industrial da Suécia, é São Paulo, e a Finlândia tem uma conexão muita grande com a Suécia, você acaba vendo que a bandeira que trouxeram as primeiras indústrias, e agora depois a Valmet, entre as Finlandesas, acabaram tendo um impacto muito grande, tanto que é que a minha língua mãe é o finlandês, não o português, então a língua que eu falava em casa e falo com a minha irmã, com meu cunhado, eu nunca falei o português; falo hoje com meu filho, o mais velho, o filho mais novo também em breve, ele fala o finlandês fluentes, então é a nossa língua. Agora casado no Brasil, apesar da Cláudia falar finlandês, mas assim a língua é mãe, então ela fala a língua português, a gente fala, ela tenta, a gente mantém o finlandês.
P/1 - Seus pais contavam histórias das primeiras impressões aqui no Brasil, as dificuldades talvez com comida, ou algum outro costume que eles encontraram...
R - Bom, a primeira dificuldade foi aterrissar em São Paulo, o primeiro lugar que meu pai aterrissou foi em Guarulhos, a base aérea de Guarulhos, eu acho que essa foi um grande impacto. Primeiro não ter um aeroporto preparado, uma base aérea, você ir de terra para Mogi das Cruzes, aí o impacto foi realmente, porque na Finlândia você tem, qual é a comida lá? É batata, não é? Que tem aqui no Brasil, mas você tem peixe, e a carne sempre foi, continua sendo muito cara na Finlândia. Então essa adaptação passou a ser muito difícil, mas muito rápida. Por que? Com certeza minha mãe conseguiu logo uma empregada e ela sabia cozinhas, fazer o arroz, o feijão, e ai a adaptação é muito rápida, porque a comida brasileira é muito... Agora, a grande dificuldade ainda foi a língua, para os meus irmãos o impacto da língua sempre minimiza, porque com 10, 11 anos você aprende muito rápido. Para mim foi muito simples, porque eu aprendi as duas línguas simultaneamente, o impacto da cultura, essa divisão de classes, acho que esse foi um impacto bastante grande. A gente estava falando (inint) [00:20:16] de religião, talvez, uma dificuldade na época em Mogi é que não tinha a Igreja Luterana, depois só tinha na década de 70, que abriu uma Igreja Luterana Escandinava, que ficava na (inint) [00:20:33] uma igreja belíssima, e acabou tendo o contato; então também teve essas situações, de você ter... esse corte, (inint) [00:20:46] a Igreja Luterana é muito forte na Finlândia, então é uma cisão (que você acabava procurando) [00:20:57], mas no entanto, na década de 60 os dois tentando minimizar isso, conseguiram em novembro de 1963, comprar um sítio em Penedo, que é uma colônia Finlandesa, e lá a gente ia com uma grande frequência, onde tinha o clube Finlândia com danças, então meus pais conseguiam diminuir a distância com o contato com os outros finlandeses, tanto moravam em Mogi das Cruzes, como moravam em Penedo, que hoje acho que tem muito poucos, na época tinham vários finlandeses que tentaram fugir dos anos da fome da Finlândia, no final de 1800, que acabou realmente montando aquela colônia finlandesa, e acabaram juntando umas características. Tanto é que existe (Museu da Eva) [00:21:58], Museu da Finlândia, tem o Clube Finlândia com danças típicas, dos quais fazem parte: (porkar) [00:22:07], tango, valsa, foram músicas que aprendi a dançar de pequeno; essas coisas tentavam minimizar a distância, que é o que a internet faz pela gente hoje.
P/1 - E que elementos da cultura, o senhor já falou um pouquinho, mas tinha algum costume para além da comida, pode ser a música, alguma outra coisa cultural, que era presente na casa de vocês e remetia a Finlândia?
R - Com certeza, comida era quase diária, minha mãe cozinhava muito bem... os doces da Finlândia faziam parte, o café, a forma de apresentar a comida, de se arrumar a mesa, que era completamente diferente, que hoje passa (com nós) [00:22:51], quer dizer, a forma impecável de se arrumar a mesa com talheres de prata, porque lá na Finlândia você tem uma tradição, por exemplo, da minha madrinha, cada ano eu ganhava uma colher pequena de prata, de café ou de sobremesa, ou garfo ou faca, para quando tivesse 18 anos tivesse uma coleção completa. Então é uma tradição finlandesa; outra tradição da Finlândia é que nos anos importantes, os aniversários, você ganha coisas que são duráveis, que são eternas, então o design é muito importante. Você ter uma estética, é extremamente importante, o desenho dos vasos, dos cristais, a música, com certeza, mas o que mais mantém vivo era a língua, a literatura, os jornais, isso a gente acabava trabalhando muito em cima disso; e a comida, com certeza, quando vinha com essas coisas finlandesas, eram situações extremamente festivas: peixe, a forma de cozinhar o creme, essas coisas todas, que se usam na rotina na Finlândia, também a gente usava aqui, é lógico que fazia um mix, nosso arroz e feijão, feijoadas, e churrascos da vida, com certeza a gente consegue achar as duas coisas boas, e fazer uma mistura. Mas a histórias finlandesa é interessante, o que mais mantém vivo era a língua, e a língua mantém o interesse pela cultura, o interesse vivo pela tua raiz, por onde você vem, e tanto é que, eu me achava mais brasileiro do que finlandês, mas fui obrigado a ir para a Finlândia, quer dizer, quis ir morar logo fazer a residência na Finlândia, porque ai precisava conhecer o lado ruim, porque meus pais tinham o lado fantasioso, e eles não contavam o lado ruim do país que eles vinham. Porque depois de um tempo, você só conta as coisas boas. Mas viver na Finlândia, eu consegui ter, nos 3 anos que eu vivi, todos os anos eu revalidei meu diploma, eu consegui visualizar, entender o que é o Finlandês, e hoje eu sei que eu sou muito mais Finlandês do que brasileiro. Um finlandês diferente, e um brasileiro diferente, completamente espontâneo, diferente de todos. Acho que não me enquadro em nenhuma característica típica de finlandês, mas por dentro eu sei que realmente o sisu, sisu é o brio finlandês, sisu é uma palavra que não tem tradução, mas sisu significa orgulho, brio da nação finlandesa, uma coisa eu sei que isso existe.
P/1 - E ainda falando na língua, tinha alguma expressão, algum jargão que seus pais tinham que é presente desse momento em família?
R - Acho que jargão nem tanto, realmente é o dia a dia. Finlandês tem, você rezar em finlandês, você lembrar das rezas, das histórias infantis, das músicas de infâncias; o jargão nem tanto, muito mais as lembranças são... tanto é que, as músicas que são da minha infância, hoje são traduzidas para o português e são músicas de crianças, é difícil até lembrar que elas são finlandesas. A gente usava muito isso, e é óbvio o finlandês tem aquele jeito diferente, nem sempre muito frio, nem muito caloroso. Mas é aquela história da minha mãe, quando forma, faz uma amizade que acaba sendo bem eterna, e duradoura, bem forte.
P/1 - E como era a casa de infância de vocês, em Mogi?
R - Bom, a gente morava na (Deodato Vertainer) [00:27:09], que ficava em cima da Drogasil, ainda é lá, um apartamento, morávamos no sexto andar, um apartamento maravilhoso, porque na infância tudo é grande, mas é um apartamento gostoso, cada um tinha seu quarto. Era um prédio que, minha madrinha morava no andar de baixo, Dona Elza (inint) [00:27:33] ela morava embaixo, então a gente tinha um contato muito grande, e Mogi foi uma época muito bem família, meus irmãos falavam que foi uma época mais bem estruturada da família foram (os três, quatro anos) [00:27:50] porque nós moramos em Mogi, porque a família ficou realmente presente, foi um período extremamente importante para os meus irmãos, para mim, ainda era pequeno, aquilo lá era uma novidade. Mas a casa era confortável, dos primeiros prédios de Mogi das Cruzes, em cima da principal rua de comércio de Mogi; era uma casa próxima de tudo, ficava ao meio tempo, a gente brincava... os meus irmão era interessante, porque quando eu completei dois anos, meus irmãos já iam para a escola, e naquela época não existiam escolas para criança, então a única escola que me colocaram foi no (Haikan) [00:28:39], ninguém falava português, estava aprendendo a falar japonês; acho que da infância o apartamento, fica uma coisa gostosa, ai acaba lembrando de quando a gente muda de lá para a Finlândia, para morar dentro de uns prédios perto da (inint) [00:29:01] em Tampere, fica alguns pontos principais, culminando na casa da minha avó, em Tampere, que são aquela imagens de casa, habitação. E, como sempre, Penedo, como uma casa que ficou fixa, todas essas cinco décadas, que ficou sempre sendo a mesma; parando para pensar, acho que a casa de Penedo, é a que mais se continuou, porque continuou a mesma desde 1963, é a mesma casa, mesmo desenho, mesma estrutura, mesmo ambiente, mesma garagenzinha, mesma casa; da infância a casa que mais me marca é a de Penedo.
P/1 - E em que momentos vocês iam para essa casa, em Penedo?
R - Muito frequentemente, muitos finais de semanas, feriados, férias, passávamos temporadas. E depois que mudamos para Sorocaba, com certeza, finais de semana, réveillon, páscoas, muitas das pascoas da minha vida, até alguns natais cheguei a passar lá. E mesmo agora, nos últimos anos, depois de casado, a gente passou réveillon lá, e era uma coisa com as crianças pequenas, a gente ia entre o natal e ano novo, porque era um período muito gostoso; saia dia 25, e ia 26 voltava dia 31, aquela semana meio morta, a gente passava lá. Então das casas, mais ou menos isso.
P/1 - E ainda na infância do senhor, tinha um preparo ou um ritual pessoal, de antes de ir para essa casa?
R - Acho que não, eu não lembro tanto do preparo, lembro sempre da minha mãe organizando tudo para a gente ir chegando lá, limpando - aquela história de que todos copos eram virados de ponta cabeça, por causa da baratas, a minha avó achava que minha mãe tinha toque, porque virava os copos para baixo, mas assim, você tem uma casa que tinha morcegos, uma casa que não tinha rede elétrica, se chovia não subia, a gente tinha que subir de jipe emprestado, então, a luz elétrica veio só no final do começo da década de 84, quando começou a ter rede elétrica lá em casa, até lá era lampião, aquilo lá realmente é uma coisa... imagina, para uma criança, você ir para lá, usar lampião, lanterna, vela. O preparo não tinha, o que é gostoso de voltar, lembro na década de 60, minha mãe assistindo ainda a Hebe, você ter essa imagem, não é? O preparo era muito mais, é lógico, depois de adolescente a gente mesmo preparava as coisas, mas assim, sempre era gostoso.
P/1 - Na infância ainda, quais eram as brincadeiras?
R - Penedo fica no Ribeirão, não fica no Rio, por lá nas cacheiras, a gente ficava lá, eu ia de manhãzinha, acordava e... na Finlândia era patinar, esquiar, apesar de tudo, a gente tentava passear, andar de bicicleta, coisas normais que não mudam muito de um país para o outro, e as amizades, isso não muda muito, isso é um mix; criança é criança em qualquer lugar do mundo, nunca fui um jogador de futebol exímio, nunca fui um tenista, mas sempre gostei de brincar, e ficar fora; muito curioso. Meu pai era muito brincalhão, tínhamos sagui em casa, ai sim, as lembranças maiores passam a ser depois da década de 70 aqui em Sorocaba, ai já está muito enraizado o Brasil, as amizades brasileiras, ai você vai soltar pipa, as mesmas coisas, que não tem muita diferença.
P/1 - E o que o menino Martti queria ser quando crescesse?
R - Sempre quis ser engenheiro, era óbvio, minha fantasia era ser engenheiro. Aquela imagem do meu pai engenheiro, meu irmão; e ia prestar engenharia até o meio do 3º colegial, estava pronto para prestar engenharia, no 49 minuto do segundo tempo, eu mudo. Não sei porque, óbvio até posso imaginar porque, estava em contato com médicos. Meu sogro era médico, pai da Cláudia, tive influência. Acho que precisava de uma profissão que fixasse raiz, engenheiro de uma grande chance de seguir a vida (inint) [00:34:16] do meu pai, de você viajar de um lado para o outro, que você acaba perdendo a raiz. Acho que naquela época, estava precisando de alguma coisa que me fixasse em algum ponto, acho que Medicina ainda é uma coisa... tem especialidades que podem fazer você mudar, mas ainda é um lugar que fixa raiz. Hoje penso muitas vezes que talvez eu fosse um engenheiro frustrado, sou apaixonado pelo que faço, pelo que tenho. Faço 12 horas por dia de trabalho, 13 horas e, de uma forma, incansável que, com certeza, é uma coisa que me dá muito mais prazer hoje, do que sentar gerenciando alguma coisa. No final, a minha mudança foi, não tinha médicos na família, um tio avô, irmão da minha avó que era médico, mas nunca tive contato com ele; no começo do século passado ser médico na Finlândia, assim como no Brasil, era um status muito grande; hoje com certeza, minha profissão, menino Martti está muito feliz agora sendo médico, do que sendo engenheiro. É óbvio, que a minha vida inteira, tinha aquela fantasia de fazer especialização em Harvard, querendo ou não meu pai tinha, mas hoje eu vi que a realidade é uma, a fantasia é outra. A minha realização foi voltar para a Finlândia, revalidar o diploma, ser médico lá, ser sindicalizado, fazer a revalidação. Por isso vejo que poucas pessoas entendem o que é revalidar o diploma, nossa política hoje imagina que você vir para cá revalidar, participei por todas as etapas para revalidar o meu diploma, lá e ser aceito como médico. Acho que isso faz com que o menino Martti esteja feliz hoje, e com certeza, tendo uma mistura; e essa mistura da característica do médico da Finlândia, a característica do brasileiro, faz com que hoje se transfira como uma coisa importante na minha relação médico paciente.
P/1 - Eu quero falar ainda sobre medicina, mas tudo bem se eu voltar?
R - Não, com certeza, eu já cheguei na profissão.
P/1 - Não, e é isso mesmo, exatamente isso. Mas eu fiquei curioso, no período em que os pais do senhor trouxeram para casa essa decisão de ir para a Finlândia.
R - Foi interessante, que eu era muito pequeno, mas eu lembro nitidamente dessa decisão, da década de 60, a gente voltar para a Finlândia, que para mim, é óbvio, como criança pequena, 5 anos, 6 anos, tenho aquela noção de que vai ter mais uma cisão, tenho guardado o caderno de endereços que a minha madrinha fez, eu sentia como se fosse uma cisão, mas você vai, não tem poder de decisão ainda, acaba indo para lá, acabei gostando muito de conviver novamente com meus avós, meus primos, sempre foi uma das coisas que mexeram comigo, a minha infância inteira me perguntavam “Cadê teus primos da Finlândia, cadê tua vó da Finlândia”. Eu não tinha esse vínculo familiar, então aquela etapa de ir para a Finlândia... e a mesma forma, de novo, quando meu pai na década de 60 recebeu uma proposta para voltar para o Brasil, então, de novo, são cortes. E esses cortes acabam marcando, como não sou bicho do mato, me adapto em qualquer lugar, esse poder de adaptação que vem do meu pai, da minha mãe acaba levando, mas essas idas e vindas acabaram para mim, sendo muito mais fáceis, e mais difíceis para os meus irmãos. Essas decisões de idas e vindas, e de mudanças de território, de língua, de escola, de tudo; com certeza pesaram muito mais na vida dos meus irmãos, do que na minha. A minha foi, realmente, foram mais lembranças boas, do que ruins, para os meus irmãos marcaram dificuldades, e situações que para eles são marcantes, para mim, nem tanto.
P/1 - E quais foram as primeiras impressões de quando o senhor chegou na Finlândia, na sua cabeça de menino, de criança.
R - Ver a família, ver meus tios, meu primo, minhas primas. A lembrança é realmente do meu primo (inint) [00:40:02], o (inint) [00:40:06] um pouquinho mais velho que eu, a Tina que tinha a minha idade. Lembrar de ver meus avós, e conviver, a rua da casa dos meus avós era uma rua gostosa, que tinha muita criança, aquele desejo de ficar lá, e a neve, que é algo marcante para 5, 6 anos, que tem a neve, tem o frio, meu pai com carro gostoso, diferente. Essas pequenas coisas acabaram mostrando que foi gostoso voltar, e mesma coisa, que foi gostoso retornar para o Brasil, que tinha Penedo, uma das coisas que sempre estavam nas nossas conversas: Penedo, essas coisas típicas da Finlândia.
P/1 - Posso voltar ainda para a Finlândia? Hoje, com esse olhar de homem olhando sobre o seu passado, o senhor consegue lembrar de alguma cena com os seus avós, que o senhor fale “Nossa, ali eu conheci meus avós, me senti em casa, fui acolhido como neto”?
R - Com certeza, acho que a mãe do meu pai deixou marcada algumas coisas, ela veio nos visitar na década de 60, ela foi a única que veio nos visitar, então tenho uma lembrança da minha vó cuidadora, vó dedicada, bem pequenininha e cuidadora, cuidou do meu pai, ela tinha essa característica. E meus avós não, os pais da minha mãe eu tive contato aí em 68, 69 até 70, depois 72 quando ela acabou voltando, minha vó já era muito mais gorda, meu vô sempre lembrando as coisas de guerra, mas o carinho, de tê-los por perto, ele esquentar a sauna para gente - porque sauna é uma tradição finlandesa. E o fato de ir a sauna com eles, o fato de ter essa sauna gostosa, porque a casa deles era um declive muito grande, a sauna ficava na parte de baixo do terreno, tínhamos que ir pela neve. Ter esse contato com eles foi muito importante, como todo a vó: cozinhar, comer, diferente da outra vó que não tinha essa etapa tanto de cozinhas, mas essa vó, minha avó, mãe da minha mãe, tinha uma característica de cozinhar muito bem, diferente da outra. Tanto que as duas avós conviveram muito, diariamente, quase, até a morte da mãe da minha mãe, minha avó sentiu muito a ausência dela. O contato com os avós são coisas muito pequenas, de 5 para 6 anos, o que fica marcado é uma cuidadora, e a outra a provedora. E meu avô contando as histórias de infância, mostrando os jeitos de tomar o café com leite, comer, tinha uma rosquinha finlandesa que a gente chama de (pula) [00:43:17], o jeito de comer a pula, de querer ler o jornal, que passa para o meu irmão, para mim, a disputa de quem lê o jornal primeiro, quem acordava antes para pode ler o jornal, e hoje continuo fazendo a mesma coisa, querer pegar o jornal; porque meu pai brincava com meu avô e acaba ficando com a gente. Acho que é uma pessoa que, também acaba morrendo e eu estando aqui na década de 70, então 72 foi a última vez que eu fui criança para lá, tendo voltado só com 18 anos, fiquei 10 anos sem voltar para a Finlândia, desses 10 anos muita coisa tinha mudado, acabei tendo uma lacuna muito grande, mais ainda continuando com o finlandês, mantendo esse vínculo, minha mãe minha irmã, em especial elas.
P/1 - E, só para deixar registrado, o nome dos seus avós?
R - Nome da minha avó era (inint) [00:44:31], da minha outra avó, era (inint) [00:44:31], o meu avô era (inint) [00:44:34], então são nomes bem finlandeses. (inint) [00:44:39] é um nome bonito, hoje é nome da minha sobrinha; e minha outra sobrinha tem o meu nome (Marta) [00:44:48] Marta e Martti, muito parecido. São nomes bem finlandeses, e é tão interessante, que as histórias marcadas da guerra, ainda tive a oportunidade de presenciar. A guerra na década de 70, 80, começo de 90, quer dizer, hoje poucos sobreviventes da 2ª Guerra Mundial, o sofrimento que foi a época da guerra, você ter que dar o teu ouro para pagar dívida de guerra, você ter as fichas para pegar leite, só tinha leite para as crianças, não tinha para os adultos; você ter que criar a tua própria ovelha para você fazer as tapeçarias, que hoje estão comigo, ter que tingir essa marca que fica enraizada na luta de todos. E quando eu fui como médico aprendi muito com isso, você trabalhar, ver a história, essa história da guerra é impactante; essa marca meu avô tinha, com certeza, é uma cicatriz, imagina uma pessoa que passou pela 1ª e 2ª Guerra Mundial, não tem como sair ileso de duas Guerras Mundiais, e ter lutado nas duas, você ter sofrido nas duas, ter lutado ainda com a Guerra Civil na Finlândia, que tem mais uma 3ª Guerra aí, não é? Você tem uma guerra dos vermelhos contra os brancos, a Finlândia se tornou independente em 1917, ela pertenceu a Suécia, depois à Rússia até a primeira Rússia, 1800 e pouco, mas você imaginar que entre 17 até 40, 40 e pouco você tinha uma ebulição dos brancos contra os vermelhos, comunistas e não comunistas, o quanto isso levava uma história importante. Com certeza meu avô tinha essas cicatrizes que acabei vendo que não era exclusividade dele, mas era comum em todas as pessoas que acabei conhecendo, que seriam quase contemporâneas ao meu avô.
P/1 - E em que momentos seu avô compartilhava essas histórias?
R - Com 70 anos meu avô já estava aposentado, eram momentos diários, desde o café da manhã, almoço, lógico, com o envelhecer você passa a ser mais repetitivo, e lembrar das coisas, lembrar daqueles que não vieram. Era muito comum, as amigas da minha avó ficarem contando, algumas chegavam a todo dia, que aqueles que não presenciaram o corpo dos filhos, deixar sempre o café preparado todo dia esperando que a pessoa voltasse. Essas histórias ficam marcadas.
P/1 - E como foi voltar para o Brasil?
R - A década de 70, era o auge do Brasil, vem para cá a copa de 70, a gente volta já com 7 anos, já começam as amizades, que muitas delas perduram até hoje. Voltar, para mim, não foi voltar, foi um retorno, triste por ficar longe da família, mas naquela época você tem uma noção muito grande, só mais tarde que você passa a ter, é o boom do começo das amizades, começo de escola, começo de tudo. Consigo estudar de 1º até 8º série na mesma escola, na Getúlio Vargas, acaba sendo uma coisa extremamente gostosa; faço alguma parte do 2º ano primário, que eu faço em uma escola na Finlândia, que a gente vai para lá, então tenho uma noção de como é a escola da Finlândia, mas acabo vindo para cá e evoluindo, acho que... Começa a ser diferente, quando você começa a entrar na adolescência, começa a questionar essas histórias, que meus pais acabam se separando no final da década de 70, e acho que essa parte de questionamento, é “Vamos ficar aqui, lá”, eu queria que minha mãe voltasse, porque ela ainda teria tido tempo de ter uma vida na raiz dela, mas ela não volta. E consigo escolher naquela época, que quero ficar aqui, fazer uma faculdade aqui, se eu vou voltar para lá ou não, é uma coisa minha. (inint) [00:49:55] já casa também, o Marco, meu irmão mais velho se forma engenheiro, minha irmã dentista. A gente acaba criando essa vida aqui no Brasil, na adolescência que começa a maior briga de onde está a família, da onde eu realmente me pertenço; meu irmão brincava que a melhor cidade do mundo para viver era Tampere e depois Londres, Mogi das Cruzes e só daí Sorocaba, são os lugares que ficaram mais marcados para ele, acho que para mim quase a mesma coisa. Posso dizer que (inint) [00:50:34] uma boa parte, Sorocaba, Mogi, Helsinque são os três lugares que eu mais morei na minha vida, são os três lugares impactantes. Mas na adolescência que você começa realmente a questionar, faz parte da adolescência: de onde vim, a onde vou. E aí que você começa a tomar algumas decisões, que vão fazer parte da tua história.
P/1 - E como você lidava com esses questionamentos, a quem você socorria para conversar, como eram feitas essas conversas?
R - Tinham alguns amigos, primeiro: como todo bom finlandês, você não procura conversar com ninguém, por isso falo, esses questionamentos eram muito poucos, acabava pensando comigo mesmo (inint) [00:51:24], mas começo a namorar a Cláudia muito jovem, tenho 14, ela 13. Acho que aí uma coisa pueril, de adolescentes, mas uma coisa de você precisar ter raiz, você acaba tendo, então, quem sabe, ter um (inint) [00:51:47] uma coisa de segurança, ter modelos, isso acaba moldando uma história que, por sorte, se mantem até hoje.
P/1 - Como você conheceu ela?
R - Os pais dela foram viajar, ela ficou no prédio do avô dela, que era prédio vizinho meu. Começamos a participar das mesmas festas, e num determinado bailinho, uma discoteca de jovens, que começava cedo, terminava cedo, a gente começa a namorar, na adolescência, 14 anos, então, nada, nada são 42 anos juntos. Ai está o suporte, quem sabe, as diferenças, dificuldades acabam sendo compartilhadas muito mais com ela, mas tive grandes amigos, grandes pessoas, que fizeram parte, mas assim, como todo bom finlandês é fechado, e com certeza desse lado, não é de chegar, abrir a sua intimidade de uma forma muito fácil, mas acho que a batalha era muito mais interna, que externa. A Claudia ajudou muito, foi uma parceira especial, em toda essa caminhada.
P/1 - E como foi apresentá-la para família?
R - Minha mãe era uma pessoa estupenda, apesar de ser o caçula, então não tinha muita coisa para se imaginar, a timidez da época, vamos pensar a diferença, década de 70, você tinha uma pressão muito grande sobre a mulher, a menina. Essa dificuldade de correlacionar, mas foi divertido, meu irmão sempre brincando, minha irmã sempre séria, mas sempre questionadora; mas assim, foi muito bem. O pai da Cláudia sempre me tratou bem, uma pessoa, mãe da Cláudia uma pessoa excepcional, facilmente entrei na família; acabei ganhando uma outra família, com certeza, essa etapa da família... essa coisa que faltava na raiz passou a ter sentido, esse é um dos motivos, que hoje, com filhos, com tudo, acaba vendo que é importante. (inint) [00:54:31] vem essa história de fazer medicina, não é? A gente convivia com mais médicos aqui, então você tinha essa visão um pouco diferente, saindo do mundo da engenharia, no meu pai, irmão, engenheiro - aquela época que até teve um engenheiro que montou uma casa de sucos em São Paulo, bem na paulista, engenheiro que virou suco, teve uma época muito (inint) [00:55:05] para engenharia, e meu irmão brincava “Martti, você quer ser um outro engenheiro que vai virar suco”, tinham essas coisas, e eu tinha um meio irmão que considerava como irmão, Daniel, o pai dele era um pintor renomado alemão que mudou para Sorocaba, passou de Argentina até Sorocaba, o Daniel, era a pessoa que, diferente dos meus irmãos, era a pessoa que vinha perguntar do que eu precisava, como estou me sentindo, me ajudava a decidir a carreira “Martti, vai fazer, se você não fizer, te dou todo o apoio, você larga, começa outra coisa, não tem problema” O Dani conseguia muito mais, de uma forma, não sei se ele, mas um cara que a vida inteira considerei como irmão, mas ele conseguia trazer isso de realmente falar alguma coisa, se fosse para falar de alguma coisa, era o Daniel que vinha conversar comigo, tinha a mesma idade da minha irmã, portanto, 10 anos mais velho que eu. Ele morou, na década de 70 com a gente, quando o pai dele recebeu um museu na Alemanha para mostrar os quadros, o pai dele acabou morrendo na Alemanha, e o Daniel acabou ficando com a gente, foi para o Botucatu depois em 74 acabou indo para Botucatu fazer veterinária, um grande veterinário, morou na Alemanha, trabalhou na África, acabou voltando para o Brasil. Esse era uma pessoa que perguntava do íntimo, o resto era muito mais, de novo, bom finlandês, ficava distante; apesar dele ser alemão, era alemão que nasceu na Argentina, a mãe sueca ou dinamarquesa, agora não vou lembrar, tinha esse detalhe, esses anos da adolescência foram muito normais para aquela época, sem muita dificuldade, adolescentes que conseguiram viver em Sorocaba de bicicleta, você vivia uma amizade, sempre participando de um clube, que chamava de (inint) [00:57:19] era uma adolescência bem saudável, completamente diferente da de hoje, nunca dei problema para estudar, sempre fui dedicado, não fui o melhor aluno, mas nunca deixava... 3º bimestre já estava fechado em tudo. Nunca tive essa dificuldade, esse trabalho nunca tive que dar para minha mãe de ter que mandar estudar, nem fazer trabalho, nem nada. Essa história da adolescência saudável de Sorocaba, é uma das coisas que fazem com que o adolescente... Que eu acabei entrando na faculdade com 17 anos, para quem tinha dois caminhos para fazer; entro na faculdade e tinha um dilema, tinha conseguido estudar no objetivo com bolsa de estudo, se eu fizesse mais um ano eu não teria bolsa de estudo, e se eu fosse para faculdade conseguiria o crédito (educativo) [00:59:12] da Finlândia, então não tinha como fazer mais um ano de cursinho, a faculdade que entrei foi assumindo, porque eu consegui o crédito educativo da Finlândia, que me ajudou a fazer a faculdade, então estudei com o crédito educativo da Finlândia. Da adolescência para o começo da faculdade foram anos muito gostosos, deixa só boas lembranças.
P/1 - E como você contou para sua família que de última hora tinha selecionado medicina?
R - Eu falei assim “Mudei”, meu irmão “Graças a Deus”, minha mãe saiu feliz, muita coisa. Da minha irmã não tenho lembrança, Daniel sempre falou “Martti, se você não gostar muda”, a minha mãe com certeza ficou feliz, porque ela lembrou do meu tio avô, o Marco: “Graças a Deus que você foi inteligente, você não foi tão burro quanto eu, se ia ficar frustrado como engenheiro”, essa mudança foi uma coisa primordial, volta as minhas origens, porque acabo voltando para Mogi das Cruzes, de novo, tendo encontro a minha raiz. Foi maravilhoso, acabei morando dois anos com a minha madrinha, aquela do andar de baixo, uma pessoa fabulosa, ela era professora, e o marido dela engenheiro, depois de ter se aposentado com engenharia ele continuava dando aula de matemática, o contato com eles foi outra das pilastras da vida, eles ajudaram a formar muito; minha madrinha de um carinho, humanidade, carisma importantíssima. Seu Manoel é de uma genialidade, fez engenharia na Poli, quando ele se formou ele tinha três CREA's, tinha até CREA de elétrica, civil e mecânica, era uma pessoa estupenda. Tive essa oportunidade de voltar as raízes, e depois conhecer meus amigos mogianos, que, com certeza hoje fazem parte da minha vida. Todos meus amigos de faculdade, os maiores acabaram sendo aquele que são nativos, são nativos de Mogi das Cruzes, ou que estão em raiz em Mogi das Cruzes, não de Mogi, mas tem vínculo... Itamar já é de Mogi, Paulo também não é de Mogi, mas fincando em Mogi; Eugênio hoje está nos Estados Unidos, o grupo da faculdade acabou sendo mais aqueles que são nativos, de novo, procurava alguma coisa que voltasse... Não adiantava eu ter amizade só com os paulistas, a volta para Mogi foi... por isso o mundo dá voltas, Sorocaba, Mogi, eles aqui... Tampere uma parte muito pequena, e que, me faz ter a característica de uma cidade muito importante para nós, ai que está, Mogi crescendo.
P/1 - E como foi saber que tinha passado em Medicina?
R - Naquela época você tem que olhar no jornal, isso era maravilhoso, ver teu nome no jornal, ver teu irmão ligando “Martti, parabéns, você está aqui, já vem para cá”, meu irmão já morava lá, fez engenharia lá, o fato de entrar em Medicina, o fato de cortar o cabelo, entrar na faculdade, ficar careca é orgulhoso. Aquela época não tinha orgulho maior, que no ano seguinte, 3º colegial, você estar careca, saber que você venceu; esse rito de passagem, se a gente para e pensa que em diversos países tem uns ritos de passagens, no Brasil um dos ritos de passagem era e ainda continua sendo, você passar, entrar no vestibular, que independente do que você for fazer; mas você entrar em Medicina, você cortar o cabelo, você saber que depois de seis anos, você vai enfrentar uma saúde de uma pessoa, isso é bem impactante. Tanto é que hoje converso com meus pacientes, que não gosto de chamar de paciente porque paciente, vem de passividade, gosto de chamar de meus clientes. Eu converso com os pequenos, jovens, se eu pudesse mudar alguma coisa na vida, só mudaria o ano que eu entrei na faculdade, porque acho que entrei muito jovem. O resto faria tudo 100% igual, porque você se formar com 22 para 23 anos é muito, você sai com uma imaturidade emocional, você não sai com um (quadro) [01:04:21] emocional, você acaba vendo, e eu brinco com eles aqui, falo assim: eu fui depois que me formei para a Finlândia, eu fui formado, e voltei médico, fui ser médico depois de 4 anos, quando você acaba tendo... aí você acaba vendo, 27, 28 anos, ai sim, mas acho que o impacto de você entrar tão jovem é diferente da mulher, porque a mulher é muito mais madura, com certeza, mas assim, você se formar, você enfrentar. O desafio é gostoso, eu adoro desafios, então vamos lá, não tem problema, não tenho medo de trabalho, não tenho medo de estudar, esse foi o grande desafio. Na faculdade foi um caminhar, com amigos maravilhosos, com companheiros de república excepcionais, que fizeram com que aquela etapa de jovem adolescente a jovem adulto fizesse com que a gente fosse... De novo, sempre um aluno bom, sem levar DP, sem levar nada, sempre me mantendo com aquilo que eu tinha me proposto. Mas acho que aí sim, acaba se formando o Martti, acabo me casando jovem, estava com 23 anos. Acho que a Cláudia ia na faculdade, e eu também, acabou culminando aquela história: começou com 14 anos, depois de 8, 10 anos, tudo isso vai mostrando onde que eu vou. Tem uma frase de alguém que fala assim: “Você não sabe para onde vai, ninguém vai te seguir” acho que é isso, (algum estudioso de markenting) [01:06:22] fala isso, você tem que botar algumas metas, eu botei algumas metas, agora é onde eu vou procurar, tem que seguir. Nesse ponto foi aonde que eu vou seguir, aonde que eu fui estruturar o estudo da alergia, onde eu fui entrar na alergia, assim como você pensar que há alguns anos atrás, você fazia Engenharia, Medicina, Odonto, ou era Professor, Advogado; raramente tinha arquiteto, hoje o leque de profissões mudou, e a mesma coisa quando eu me formei em 86, você tinha ginecologia, ortopedia, cirurgia, anestesia, hoje o leque mudou e eu, com certeza, fui o único diferente da minha turma, que acabou fazendo alergia.
P/1 - E como se deu essa escolha?
R - Essa escolha foi maravilhosa, uma escolha que no 3º ano estava tendo aula de imunologia com o Professor Cid, que é professor da USP, maravilhoso, um cara alto que usava sapato plataforma, que ele gostava muito, se achava pequeno, mas não era. E ai pergunto para ele no final do 3º ano que eu tinha uma rinite brava, que eu queria tratar com alguém em São Paulo, ele falou assim “Vai no Julinho”, ele e o Professor Júlio trabalhavam muito próximos na USP, acabei indo já em janeiro do ano seguinte, isso foi em dezembro, janeiro do ano seguinte acabo indo me consultar com o professor Júlio (Kroth) [01:08:00], e o que acontece, saio do consultório, dai falo “É de alergia que eu quero falar”, porque fui colocado no colo, fui atendido de uma forma primorosa, de uma educação, só faltou colocar no colo, e daquele dia em diante, falei: “Vou fazer alergia”, já naquele mesmo ano, começamos a fazer trabalho, no 5º ano já fazíamos trabalho relacionado a alergia, ainda no 6º ano da faculdade dei minha primeira aula em um Congresso Brasileiro de Parasitologia, sem ser formado, falando sobre (Ácaros) [01:08:50] graças ao Professor Júlio, foi nos meus primos congressos. Ele é uma pessoa que tinha uma inteligência, uma genialidade, uma ética, uma pessoa que soube moldar aqueles que trabalharam com ele; quer dizer, não sou só eu, ele tinha uma imagem fraterna, acolhedora, de um professor que conseguiu levar adiante a história dele. A decisão foi muito fácil, mas foi fácil por causa de uma pessoa, esse contato com ele que era de uma simpatia, de humanidade muito próxima da minha madrinha; ele era casado com a Dona Antonieta, dona dieta, para você ter uma ideia de como a pessoa era, que todo dia na casa dele, tinha três filhos homens, que a casa dele na hora do almoço: café, almoço, jantar sempre preparava um prato a mais, café a mais, xícara a mais, porque se alguém chegasse nunca se sentiria atrapalhando. Até a velhice dele, até morrer há dois anos, em Botucatu, era assim; então os netos, ainda hoje em Botucatu, quando iam lá, visitavam, sempre sabiam que pode ir lá que tem um lugar preparado, isso independente da época; então era uma pessoa acolhedora, uma das principais pessoa não só da Alergia no Brasil, como no mundo, fizeram isso a ponto de que quando decidi ir para a Finlândia, ele pós infarto, pós revascularização vai para Finlândia conversas com os professores “Olha, está vindo para cá, assim, assado”. Não vejo ninguém que consiga falar alguma coisa ruim dele, porque é um cara que jamais falou mal de outra pessoa, não só de outro médico, mas outra pessoa; uma pessoa completamente especial, muito inteligente, pesquisar, aguçado, sempre mostrando que você poderia estudar, pesquisar ir para frente, e nunca ter preguiça, nunca te medo do novo. Ele mesmo com 70, 80 anos nunca tinha medo do novo, não tinha medo de trazer coisas novas para medicina, tanto é que hoje algumas teorias e terapias dele, que a gente fazia há 30 anos, somente há 10 anos tão vendo que é real, a gente usa para o tratamento da dermatite atópica, se usa hoje de uma forma disseminada uma coisa que ele fazia há 30 anos, que primeiro achavam que ele era louco. Não, ele não é louco, está certo. Hoje, a terapia que ele propunha é usado como rotina.
P/1 - O senhor consegue dar um exemplo de...
R - Imunoterapia ao leite, de sensibilização ao leite. Quando ele foi no Hospital de Alergia, acharam que ele era louco “Não, impossível isso” até que uma italiana começou a fazer, e hoje se faz rotina, então isso a gente conseguia fazer, não olha “não quero que vocês acreditem em mim, eu faço dar certo” até que começaram a fazer. Isso aí, alergia ao leite, essa terapia, que está certo, não funciona para 100% das pessoas, é óbvio, nenhuma terapia é 100% eficaz, mas a genialidade. Tem o (Yalom) [01:12:43] que é um psicoanalista americano, ele fala uma coisa, que genialidade é quando só você enxerga o alvo. Você pode acertar o alvo, agora só quando você enxerga o alvo é genialidade, e ele tinha uma intuição, uma coisa assim fabulosa. Acho que essa pessoa, junto com outras que me acompanharam depois na Finlândia, acabaram acompanhando a minha trajetória como médico, acabaram sendo especiais. (inint) [01:13:22] são essas pessoas, quando eu fui para Finlândia, a gente teve que revalidar o diploma, aquela coisa, tinha que fazer um curso, passar por provas muito difíceis, tive que trabalhar um ano num posto de saúde para poder receber meu CRN definitivo, que falo que foi um dos momentos mais felizes, porque trabalhar em posto de saúde é muito gratificante, e isso acaba me ajudando muito. Mas no Hospital de Alergia... imaginar que na Finlândia você tem um dos poucos hospitais de alergia do mundo, que foram criados já na década de 50, por uma visionaria chamada (inint) [01:14:10], que montou um hospital particular, mas que foi tão brilhante, e com tanto sucesso que a universidade compra o hospital dela para agregar, na década de 70 passa a fazer parte da Universidade. Então a gente tinha um acesso, que nenhum outro lugar do mundo tem, é um Hospital de Alergia, tinha acesso a um ambulatório, de 30, 40 mil pessoas por ano que passavam no ambulatório; tive uma chance de ter três enfermeiras, de pediatria, de pneumo e de dermato, você ter acesso a literatura, que era muito mais difícil no brasil. Acho que essa etapa que eu fui muito bem acolhido, acolhido por ser finlandês, por ter tido meu CRM, primeiro pelo professor (inint) [01:15:18], que começou a orientar a minha tese, e aí no final do meu primeiro ele morre em um acidente de avião, fico órfão de orientador, ai vem o (inint) [01:15:34], e em pouquinho tempo vem o (inint) [01:15:34], (inint) [01:15:37] passa a ser, depois mais que orientador, passa a ser um amigo, uma das outras pessoas que tem uma genialidade; um dos grandes entomólogos do mundo de borboleta, é uma das pessoas excepcionais na parte de desenvolvimento da doença alérgica, da asma, das terapias... Um cara simplesmente notável tanto quanto o Professor Júlio, mas de décadas diferentes, pessoa que hoje está com 70 anos, aposentado, mas trabalhando muito, publicando muito. Esse acolhimento é interessante, de você ser bem acolhido, isso fez com que eu continuasse usando o que precisei no Hospital de Alergia, e a gente acaba voltando para o brasil, por um motivo: meu filho nasce na Finlândia, meu filho mais velho, nasce em 89, a gente decide voltar então, meio para o fim de 90, para o meu filho ter aquilo que não tive, viver perto dos parentes, perto dos avós; o retorno daquele período de adulto, dos 24 aos quase 29 fazem com que realmente, mostre realmente o quão importante é a raiz da Finlândia, na formação da minha personalidade. Era muito difícil você ter acesso a música finlandesa, lá volto a ter o contato com a música jovem da Finlândia, volto a ter contato com a cultura, e que hoje faz parte, e já fazia parte, e hoje faz parte mais ainda da minha vida, da vida da Cláudia, da vida do (Henick) [01:17:39], da vida do Alexi.
P/1 - E nessa volta para a Finlândia, como é que é voltar com essa cabeça de adulto, formado médico, com família?
R - Voltar com a Cláudia foi gostoso, porque fui tentar procurar, achar os defeitos, porque as qualidades eu sabia, fui tentar conhecer os defeitos. Não existe nenhum lugar no mundo tão perfeito quanto era no imaginário da minha mãe, não existia uma coisa paralelamente, a perfeição que meu pai gostava de falar, mas eu queria ver quais eram os defeitos, entre aspas, da sociedade, das pessoas, dos quais meus pais falavam. E interessante, aqueles defeitos que eles falavam mais, a gente surgia com a meta que era quebrar a barreira, por exemplo, meu tio era uma pessoa muito difícil que não se dava bem com meu pai, tinham brigado muito. Era uma pessoa muito difícil com os filhos, mas comigo, eu quebrava a barreira com ele. Então essas características que meu tio conseguia contar para mim, quais eram, entre aspas, as dificuldades da minha vó, do meu avô, essas coisas de ser gaga, que meus primos também já não contavam, contar com a genialidade do meu primo, realmente é um gênio; a minha prima é uma engenheira que virou artista plástica, e minha outra prima que é designer têxtil que também faz artes plásticas, é professora. Tentar o convívio com eles, como primos, uma coisa normal, isso que acabou vendo a dificuldade, é lógico que o social da Finlândia é muito bom, a gente morava num apartamentinho de 40 metros quadrados, tinha uma sala e quarto, cozinha conexa, mas você consegue ter um acesso a isso. E esse acesso a informação, a cultura, a moradia decente, saúde decente, é que acaba mostrando... sim, realmente lá tem muito mais pontos positivos do que pontos negativos, que para eles era difícil de lembrar, que seria o jeito do finlandês ser quieto, retraído, distante; eu conseguia quebrar essa distância deles, passava a ser isso um lado positivo para mim. Só para você ter uma ideia como era difícil ir como estrangeiro lá, porque a Cláudia estava como estrangeiro, o departamento de estrangeiros em Helsinque, em 1987, 88 chamava Alien's Office, sabe o que é Aliens? Alienígenas, quer dizer, você não tinha um estrangeiro, de estrangeiro, entre aspas, alienígena, eles deixavam a tradução ao pé da letra. Tá certo que quem traduziu aquilo lá era (inint) [01:21:06] com 100 anos de idade, era muito difícil com estrangeiro lá, porque era um povo muito... hoje está diferente, mas essa dificuldade de você entrar nesse mundo completamente diferente. Eu, como sendo meio finlandês, aquela época, ainda achando que era mais brasileiro que finlandês, a Cláudia completamente brasileiro, a gente quebrando essas barreiras. Hoje, eu falo, toda essa noção foi muito importante, a gente acaba voltando e entendendo; agora, onde que é gosto morar? Onde está a família, eu me sinto em casa em Helsinque, mas me sinto em casa em Sorocaba, me sinto em casa em Mogi, talvez hoje muito mais em Sorocaba, em Helsinque, mas é voltar ao lar, é gostoso ir na padaria encontrar com gente, ir no shopping, ter esse contato. Essas coisas da Finlândia, é obvio, o finlandês volta muito mais forte como língua, cultura, literatura, coisa que, por sorte, a internet fez mudar muito; você tinha muita dificuldade de acesso a livros, hoje tem acesso a livros, jornais, tudo, então você acaba tendo essa característica de lá, isso é muito importante.
P/1 - E falando na especialidade do senhor, quando começou a ter contato com as alergias, teve alguma em específico, que o senhor tenha descoberto durante essa formação, e que tenha impressionado por algum motivo...
R - Eu brinco sempre com o paciente, qual unha encravada dói mais, a minha ou a sua? Acho que a gente tem que valorizar todas as doenças que é do paciente, eu tenho que entender a mãe que está com febre, porque é mãe, não sou eu que estou tendo febre, teu filho. Todas as doenças geram um impacto emocional na pessoa, e na família, eu acho que aprendi a desenvolver que independente da gravidade da doença, você tem um impacto. Tem pessoas que tão mais capacitadas a absorver no seu impacto emocional, uma doença mais grave, outras muito menos; a gente acabava internando, no Hospital de Alergia na Finlândia, os primeiros que a gente acabava internando, vamos trazer de lá casos graves de asma, casos graves de dermatite atópica. Então, veja, o que mudou nos últimos anos, é que a asma, eu estou tendo acesso a diversas doenças, terapias novas, que me ajudaram a minimizar o impacto, não tanto da prevalência, não tento dar morbidade, mas como da gravidade, e da mortalidade. Algumas doenças tiveram impacto muito menor na ação dos medicamentos novos, dermatite atópica é uma delas, (inint) [01:24:40] alimentar, que hoje, a gente estava falando, lembrando do Professor Júlio, quer dizer, o impacto, você não tinha terapia, você tinha terapias audaciosas, bravamente usávamos, mas não temos terapia como tem, então essas são algumas doenças que geram um impacto muito maior. Mas eu tenho que entender que qualquer doença tem seu impacto, uma rinite grave, você tem um impacto muito grave na qualidade de vida, é uma das doenças que dão maior perda de qualidade de vida, asma grave é incapacitante, dermatite atópica, urticaria leva muitas vezes a desejo de morte, e de ação suicida, porque é muito difícil viver com falta de ar o tempo todo, é muito difícil viver com coceira o tempo, se descamando o tempo todo, independente se essa coceira é localizada ou é generalizada. Essas doenças acabam moldando você como pessoa, na Finlândia eu aprendi uma coisa que o médico não tem a mesa entre o paciente, o paciente senta como nós estamos aqui agora, ela quebra barreira, é simples assim, quebra barreiras. Até o Professor Fábio Castro estava lembrando, que passou a ser um outro parceiro meu, na história da alergia, passou a ser meu sócio, um dos filhos do Doutor Júlio, somos quase contemporâneos da clínica do Professor Júlio; ele lembra que o mudar ao voltar da Finlândia ao trazer... como você não tinha mesa, mas eu uso a mesa como trabalho. Quando voltei para São Paulo coloquei uma mesa redonda na sala de consultório, porque queria sentar na mesma altura do meu cliente, eu não queria quebrar barreiras. Hoje a minha mesa é triangular porque eu gosto de bater papo, tenho uma sala de bate papo, ai está a interpretação de entender a doença e mudar a relação médica com o paciente. Aprender a escutar aquilo que não é dito, e eu acho que aquilo é... esse, escutar aquilo que não é dito, é muito mais importante do que está exteriorizado. Tenho pacientes que tem uma asma gravíssima, por exemplo, que lidam muito bem com isso, eu digo “não sei como essa pessoa lida”, mas lida, então o impacto da doença na pessoa não é igual para todo mundo, e tenho que entender isto. A gravidade é importante, e é isso que a gente acaba lidando justamente quando você tem acesso a alguns tratamentos novos, eu tenho que mostrar esperança. Tem que mostrar que, apesar de uma doença ser crônica, ela pode ser minimizada, apesar de uma doença tecnicamente não ter cura, posso fazer ela virar assintomática, hoje todo dia, quanto tenho alguma dificuldade, tento me concentrar, e trazer... Por exemplo, a minha esposa Cláudia, é psiquiatra, psicanalista infantil, tento entender como ela agiria, porque é óbvio, tenho que tentar trazer um raciocínio muito diferente, como vou sair dessa saia justa. O impacto da doença, imaginar que a Cláudia trabalha hoje, basicamente, a grande parte dos pacientes dela tem autismo, então qual o impacto do autismo, é muito maior do que o meu impacto, então como vou saber lidar com os pais, com o paciente, próprio cliente que está com uma doença que vai. De um tempo para cá, é óbvio, eu brinco que sou curva de rio, pegando só enrosco, mas acaba não tendo mais nenhuma doença leve para tratar, ninguém vem aqui com asma leve, dermatite atópica leve, são casos muito graves, que necessitam de uma atenção, e é isso que faz com que eu consiga trabalhar muito com isso.
P/1 - E o senhor que conhece esses dois lados de um atendimento médico, que reação tem a família ou paciente quando vem aqui e encontra essa dinâmica completamente diferente de consulta?
R - Primeiro, na sala do meu consultório tem uma frase falando sobre os palhaços. E uma vez um pai perguntou, porque eu deixei uma frase tão difícil para as crianças, ai eu falei “não foi para as crianças, foi para os pais, porque as crianças me dou bem, porque os pais precisam entender como eu sou” Então, de novo, a minha forma não é de brasileiro, muito menos de finlandês, é coisa minha. Essa forma de você quebrar barreira, tenho que trabalhar com muito humor, porque a psicanalise fala que o humor quebra barreiras, muito mais, porque não é agressão. Então tenho que saber moldar o humor para trazer isso, e com certeza eu consigo quebrar muito mais barreiras aqui dentro, em especial com as crianças. Porque primeiro com as crianças, eu não deixo os pais falarem, deixo as crianças falarem, a criança fala; eu converso com os pais muito depois. Não deixo os pais se intrometerem, quando se intrometem começo a entender como é a dinâmica da família, quando é o adulto, eu consigo quebrar isso, e ele sai... a satisfação está grande nisso, acho que a resposta é que, essa forma diferente de atender, independente da gravidade da doença, é atender todos como se fosse graves. A atenção tem que ser completa para que eles saiam daqui, tem uma frase, sair bombando daqui, sair sentindo que valeu a pena, que aquilo vai agregar alguma coisa para a vida delas, que não seja só uma simples prescrição. A prescrição não é só a receita que eu dou para o paciente, é tudo que acontece aqui desde orientação, até você trabalhar com o emocional, com orientação, saber se vai ter que ir para um psicólogo, psiquiatra, você vai ter que mandar para fono, para fisioterapia, respiratório, mas vou ter que explicar a doença. Tem uma frase muito interessante que eu gosto: cinco etapas de uma relação médico paciente, a primeira é de bajulação, se você consegue tratar, fase de regateio, fase de culpa, encaminhando para um outro paciente você tem a ruptura, ruptura o paciente procura, cliente procura um outro médico, então tenho que me policiar o tempo todo o que estou fazendo de errado que as outras pessoas fizeram de errado, que aquele indivíduo não fez um tratamento de forma adequada, pouquíssimos pacientes que vem aqui que já não passaram por diversos tratamentos, tenho que tentar entende aonde que está o gap, a falha nos outros, para que meu cliente tenha uma aderência, complacência (inint) [01:32:35], como eles vão aderir o meu tratamento de uma forma diferente, então eu tenho que ser diferente. E eu uso o humor como uma raiz importante, uma base de tudo, essa forma de atende, de lidar é o mais importante.
P/1 - O senhor sabe de cabeça essa frase que está na sala de espera?
R - Não sei. Ela é muito comprida, mas é uma frase maravilhosa, da psicóloga que faz (inint) [01:33:22] dos doutores da alegria, dos palhaços, é uma frase que passa a ser deles, eu pedi autorização, está aqui publicado com ele, acho que é uma frase que traz muito. Não sei se fazem mais essas fotos, vocês vão ver o atendimento, atender com bruxo, fantasiado de papai noel, uma coisa muito (inint) [01:33:48] que começa, que brinca, que faz.
P/1 - Eu queria que o senhor desse esse exemplo, o que é na prática você ser engraçado, ter esse humor no atendimento?
R - O humor vai desde brincar com a criança, vai desde no Halloween eu atender fantasiado de bruxo, vai de você questionar sobre as dificuldade de uma forma não agressiva, o humor é perguntar, você se interessar pela pessoa como um todo, e não só pelo que motivo que faz ela estar aqui. E é com humor, com brincadeira, com piada não agressivas, você consegue ver a reação do cliente, para saber onde eu posso quebrar barreira. Eu posso falar de alguma coisa de uma forma mais enfática, mas tentando ver como ele reage. É muito mais essa forma alta de falar, de brincar, uma história: uma vez uma finlandesa, estava tendo reforma no Hospital de Alergia, e tinha uma senhorinha foi falar com uma enfermeira: “Hoje está muito difícil de escolher o médico”, a enfermeira perguntou “Por que?”, porque tem o médico russo, tem o médico negro, e o finlandês que fala alto, a gente acabava vendo que, veja, uma senhorinha de quase 80, 90 anos, ela fala assim “Aonde que eu vou” eu até brinquei com ela “Ainda bem que a senhora me escolheu” porque ela poderia escolher, era um pronto socorro da alergia, e a gente atendendo, então primeiro essa forma de pegar a criança no colo, atender a criança, quase 100% das vezes ela está no meu colo, não na cadeira, ou ela está brincando com os brinquedos, eu estou observando como ela reage as brincadeiras, como ela está lidando com os pais, com a mãe, não só conversando com ela. O fato é trazer a contemporaneidade, trazer alegria para o dia a dia porque se os pais estão aqui, estão por um motivo, pode ser mínimo ou máximo, mas eu tenho que respeitar aquilo lá. É você lidar, um exemplo, com mitos é muito comum você ter que quebrar mitos e quebrar com humor o fato de você tomar friagem, aquela coisa do Brasil, tomar friagem tomar gelado, a pergunta, avisa que não pode tomar cerveja quanto está tomando antibiótico, falar uma só não pode, duas acima pode. Então você ter frases que você vai acabar quebrando aquilo lá, porque você tem de ser conduzido a uma conduta porque já está enraizado, “ah então fala para o meu filho que ele não pode tomar sorvete”, “fala que não pode andar descalço, andar com o pé no chão” todo dia eu falo como não pode andar com o pé no chão, mas no dia que a criança estiver andando com o pé no chão no teto é que vou ficar preocupado, porque tem que andar com o pé no chão. Você não pega doença ao andar descalço, ou ao tomar vento, você pega doença de outras pessoas; são essas coisas que acabam levando a consulta para ser uma coisa mais dinâmica, e mais prazerosa, do que uma coisa, conduta tentando explicar, e ai que vai o humor.
P/1 - E quando tem algum paciente que visivelmente mostra no corpo essa alegria, como é lidar com esse paciente que tem no corpo?
R - Eu acho que está no corpo, está na pele, está na alma. São pessoas marcadamente são sofridas, pois não podem olhar no espelho, você não ter a tua visão no espelho, não ter a tua autoimagem passa a ser deturpada. Acho que é muito importante, e muito mais difícil; então primeiro: o indivíduo que tem coceira, as pessoas esquecem que a coceira é uma dor de baixa intensidade, imagina você ter dor 24 horas por dia. Então, primeiro, a pessoa não pode ser feliz, ela não pode estar sorridente, ela não pode te dar uma resposta... Criança, adolescente ou adulto, ele não vai te dar uma resposta do jeito que você está esperando, que ele vai te dar uma resposta feliz. Primeiro tem que entender que aquilo lá já é um sofrimento absurdo, que a coceira é dor de baixa intensidade, você tem uma dor generalizada, então uma coceira localizada é uma dor localizada. Tenho que trabalhar, que primeiro, a resposta ela não vem suave, e tenho que amortecer a resposta, responder de uma forma, então, o impacto de uma doença que é visual, é um impacto que a gente vai ter que trabalhar claramente no emocional, no social, na parte da sexualidade, porque, muitas vezes, vou ter que trabalhar uma pessoa que tem uma dermatite atópica grave, ela não quer ter contato com outras pessoas. Ela acaba fugindo do contato, isso leva uma cicatriz, é claro, vou ter que entender este lado também, então a minha pergunta muda do conceito, eu sou alergista, mas eu tenho que perguntar disso, tenho que perguntar do aspecto de se ver no espelho, como está sendo a resposta. As crianças são, o bullying que essas crianças sofrem é absurdo, porque é uma criança que está o tempo todo descamando, então é diferente da criança que tem uma asma grave, ela para, e para de correr, uma criança que não pode comer um determinado alimento, ela fica triste, mas socialmente ela ainda se agrega; agora uma pessoa que tem uma lesão de pele intensa, ela, primeiro: sofre bullying, desde criança, ela tem um isolamento social, isolamento profissional, pessoal, de relacionamentos. E eu tenho que trazer tudo isto daqui, porque não adianta eu prescrever um creem sem pensar no lado do impacto emocional que essa pessoa está tendo. Tenho que escolher um antidepressivo que não vá agir muito, inclusive, na sexualidade da pessoa que já está abalada. E como vou atingir, como um alergista, perguntar sobre sexualidade, ai que está, ai entra o humor, a brincadeira para você quebrar, não posso usar uma pergunta direta que já vem a resposta direta “você não tem nada a ver com isso” a reposta vai ser clara, se você joga direto, a resposta “você não tem nada a ver com isso, eu estou aqui para tratar minha pele”, essa técnica, que eu achava que era intuitiva, mas não é, é (inint) [01:41:51] é um psicanalista húngaro que ficou muito tempo na Inglaterra, um gênio, para mim, se existe uma pessoa que eu vou usar é o (inint) [01:42:01] de modelo, e ele fala que o medicamento mais usado na medicina é o próprio médico, porque tal qual os demais medicamentos deverá ser observado sua (inint) [01:42:11] efeitos colaterais, e toxicidade; de novo, eu tenho que usar eu como medicamento, por isso falo para você que o quebrar barreira vai de você não poder ser direto, é diferente, é lógico, com o cliente que vai no médico especialista em sexualidade, ele está lá para isso. É óbvio que ele vai, anamnésia, história clinica é muito diferente, que vai para o psiquiatra, o psiquiatra consegue, agora eu não; ele não está aqui para isso então eu tenho que saber chegar nesse impacto da pele, para não esquecer, a pele é o maior órgão do corpo, mas é um órgão de um impacto muito grande. Então você pegar dermatite atópica, urticaria, vamos pensar em outras doenças, a psoríase, são doenças que você tem um impacto muito grande, que vai desde a infância, então, de novo, a criança ela é ruim, você tem um impacto, as crianças fazem um bullying tremendo, os adolescentes idem, no trabalho idem, ai mora o principal foco de atenção, e tem que tratar esta parte, além de fazer tudo que a gente tenha possível na medicina, e ai trabalhar com que você tenha uma resposta explicando que um tem futuro, não adianta eu chegar para você e falar “sua doença não tem cura”, eu tenho que falar que tua doença talvez não tem cura, mas eu tenho como te ajudar, não é? O indivíduo é careca, não pode ter cura, mas tem como fazer transplante, se para ele perder cabelo é uma (inint) [01:44:06] então eu tenho que dar uma solução para pessoa que não é só uma solução focada na doença, tem que dar um focado global, é isso que eu acho que o (inint) [01:44:23] ajuda, é isso que a Cláudia me ajuda, isso é que realmente, a atenção aos meus filhos é interessante porque se eu estou aqui é porque eu tinha rinite, tive asma, meus dois filhos tiveram rinite, meus dois filhos tem rinite, meus dois filhos tiveram asma. O Alexi tem dermatite atópica, eu já tive urticaria; então, veja, a empatia é estar no lugar do outro, eu tenho que ser empático, tenho que me posicionar no lugar do meu paciente, do meu cliente, é uma frase que eu já falei, se eu não souber para onde eu vou, ninguém vai me seguir. Tenho que usar essa dinâmica, que muitas vezes eu trago a Claudia em mente, é como sair, como poderia entender aquilo que está acontecendo não é por mim, é pela doença, é pelo que está atrás, não é pela relação de família muitas vezes, e uma doença grave, a família (inint) [01:45:22] uma família é que tem uma doença grave, a família fica abalada, você acaba tendo um irmão que não tem nada, ele se sente culpado “Por que ele tem, por que eu não tenho” , isso já é uma dinâmica familiar muito diferente.
P/1 - E focando na dermatite, eu queria que o senhor comentasse, se lembra dos primeiros atendimentos, primeiros diagnósticos. Como que o senhor foi... se for fácil, pegar da memória esse histórico.
R - Eu acho que os casos mais graves, eu lembro da Finlândia, é óbvio, não vou poder tirar, porque quando fiquei na alergia da USP, a gente não tinha... talvez os casos mais impactantes seriam das crianças, e na USP a gente atendia os adultos. Mas na Finlândia não, tínhamos uns casos muito graves, passavam a ser internados muitas vezes, e esses casos graves que hoje a gente, que vieram realmente os casos mais impactantes, de alergias múltiplas, alergias alimentares, e lesões de pele nas crianças pequenas, que tinha que internar e fazer uma coisa que hoje a gente faz na (inint) [01:46:37] mas naquela época a gente embrulhava a criança, fazem os (inint) [01:46:43] terapia de você colocar panos molhados, naquela época a gente já fazia isso, fazia isso como atitudes heroicas, não tem o que fazer, vamos fazer isso. A gente internava a criança, embrulhava, aquilo gerava. Agora não, hoje você consegue trabalhar nisso, mas os primeiros casos foram muito impactantes, quando você pegava o adolescente internado, o adulto internado, que tinha que fazer fototerapia, porque não tinha essas terapias que tenho hoje acesso. Hoje, com certeza mudou, então lá eu tinha fototerapia, eu tinha terapia, e o que tinha uma grande vantagem, a gente tinha um giro, de uma vez por semana passava a psicóloga e psiquiatra comigo, junto, e assistente social nos adultos. Então você pegar uma criança que tinha uma psicóloga infantil, uma psiquiatra infantil, no adulto tinha um psicólogo, psiquiatra me acompanhando, a gente tinha uma visão completamente diferente, não só focado na doença, não só focado na alergia. Eu acho que esse ponto é, com certeza, os primeiros casos internados com infecção, são os casos que vão levar... e hoje (não sei o número de pacientes que são assim) [01:48:04] que hoje, por sorte, a gente tem o futuro de terapias que vão mudar essa realidade, e mudam mesmo. A gente tem pacientes que tinham a pele horrível, que tão em tratamento experimental com medicamentos que mudaram a autoestima a ponto de querer fazer uma tatuagem, querer cobrir as marcas, que as (inint) [01:48:32] que ficaram completamente no pescoço sem ter pigmentação de tanto que coçaram, então você mudar a tua autoestima, melhorar, e você curar. Pegar um paciente asmático, que um senhor de idade, que não aguentava andar, você fazer um tratamento, te chamar para jogar futebol, depois de dois, três meses. Uma paciente que foi 60 vezes num pronto socorro, com crise de asma, paciente que tinha Polipose nasal, que nunca sentiu cheiro das coisas, voltar a sentir. Então, eu tenho focos de tratamento que hoje vão melhorar, é óbvio que não é um tratamento que é para todos, mas são para aqueles casos específicos, que vão melhorar na pele, na asma, na rinite, na Polipose, então a gente tem um acesso de medicamentos hoje, que vão mudar a realidade. E essa história de pacientes graves, se possível, daqui a algumas décadas, isso faça parte de uma história, um passado triste, que o futuro mostra ser bem promissor.
P/1 - E ainda pensando na dermatite atópica, doutor, eu queria que o senhor falasse um pouquinho se tem alguma estratégia de atendimento um pouco especifico para esse cliente, que vem no consultório do senhor num estado muito avançado, de crise, como que é lidar com esse paciente com a dermatite atópica.
R - Primeiro, a crise ela é (inint) [01:50:06], ela está desencadeando, você vai ter que dar tratamento, muitas vezes, está com infecção bacteriana conjunta, você vai ter que tratar a infecção, orientar hidratação, mostrar a importância da hidratação, a importância de você ter essa troca. Tanto é que a gente sabe, que crianças que foram mais bem hidratadas pelas mães, aquele passar creminho, aquela coisa toda, tem muito menos dermatite atópica do que as crianças que não foram, até tem um pediatra, que depois virou psicanalista, na Alemanha, ele falava que as mães que eram, entre aspas, presas, mas que estavam em tratamento socioeducativo, (inint) [01:50:52] que ele fala no Brasil, tinhas muita mais dermatite atópica do que aquelas mães cuidadas. Primeiro, tem que se observar, tratar a fase aguda é muito simples, tem protocolo, tem consensos que vão saber, a gente sabe o passo a passo como tratar, vão cuidar do (inint) [01:51:12], vamos tratar da depressão, mesmo criança pequena, vamos tratar o controle a compulsão, vamos bloquear a imunidade, porque é uma resposta, vamos ver se tem alergia ou não tem. Então você segue vários passos, que tão bem delineados, que a gente vai controlar, vai ver se tem infecção vai tratar, e vai chegar na base, e tratar da família. Essa forma que a gente acaba tratando a fase aguda, mas o problema é você aprender a escovar o dente, tem que tratar carie, vai ter que aprender a escovar o dente, para não ter carie, tem que trazer esse indivíduo com alguma terapia, ou infelizmente que as... hoje as terapias disponíveis no mercado, são umas que te dão um efeito colateral muito grande. A esperança de alguns medicamentos que vão entrar no mercado, é que vão me dar uma resposta, sem ter tanto evento adverso como tem hoje, imunossupressores que tem o efeito colateral tão intenso que pode levar... ser pior que a doença. Então vamos lá a esperança é essa, e com certeza, a gente está na iminência de ter esses tratamentos.
P/1 - Eu queria que o senhor contasse uma história em que o senhor que tivesse diagnóstico dermatite em algum cliente, que não sabia que tivesse, e como é que foi esse período de tratamento com ele até perceber que ele conseguiu ter um convívio social de volta, que trouxe resultados positivos para vida pessoal dele.
R - Eu acho que esse posso contar, um dos pacientes que vieram aqui que tinha uma asma grave, ele sabia que tinha dermatite atópica, tratava comigo da dermatite atópica, já tinha tomado dois imunossupressores, sem resposta nenhuma, ou com resposta extremamente moderada, já tinha feito fototerapia, e a autoestima dele estava muito abalada, porque ele não conseguia nem se relacionar, casar, não conseguia nem ter um acesso a querer casar. Tanto é que ele não ligava de a asma ser grave, asma grave, ele ter que acordar a noite com falta de ar, não conseguia fazer esporte, para ele não era muito importante. O importante era a dermatite atópica, que era grave, ele tinha realmente umas lesões absurdas, com prurido intenso que ele não conseguia... E agora, depois que nós colocamos ele numa pesquisa clínica, (com o imuno biológico) [01:54:05] (inint) [01:54:05], ele passou um, não só zerou a asma, mas com a pele fez com que ele entrasse numa remissão praticamente completa, casou, está pensando em ter filho, já mudando o foco de uma pessoa que só pensava na doença, só pensava em se coçar, hoje já pensa no futuro a longo prazo. Acho que é isso que mostra essas novas terapias, que tem um acesso na doença alérgica, não importa que ele tenha alergia por acaro, não importava que eu tirasse todo o acaro do mundo, que ele continuava tendo a doença dele. A doença já estava deflagrada, evidenciando no contato, são impactos grandes, e são doenças de pessoas que vem aqui, por exemplo, que a gente acaba vendo na internet, pessoas tratadas com outras doenças, que vem aqui com dermatite atópica grave, ou urticária. Mas, principalmente, uma menina que veio com dermatite atópica grave que está sendo tratada na USP, na pediatria, está com imunossupressores passa a ter uma melhora maior quando vai para um acesso diferente, entender da onde ela tem essa dermatite atópica qual é a função da doença na vida dela, ai com ajuda da psicanalise, com a Cláudia a gente consegue fazer esses trabalhos. A medicação é importante, mas o paciente precisa ter um médico que é capaz de visualizar quem é que vai beneficiar, a hora certa de colocar, e não pode, só o medicamento não vai dar, você vai ter que ter todo o trabalho de hidratação, terapia para controlar o prurido, tratar depressão, e tratar cicatriz que fica.
P/1 - E eu queria saber; como é que foi para o senhor diagnosticar dermatite no filho?
R - Já faz parte, já é esperado, quer dizer, dermatite atópica, rinite, asma, já é esperado. Você passa realmente a hidratar, coçar, controlar coceira, mas você sabe o que está fazendo, então consegue passar confiança. Você tratar asma, rinite no filho é completamente... tanto é que meu filho mais velho já está fazendo alergia, fazendo residência de alergia. Então é uma pessoa que, com certeza, isso, a doença impacta tanto que você acaba indo para um caminho, não só pelo pai ser alergista, mas por ele ter tido, ter presenciado o sofrimento dele mesmo. É óbvio que a dermatite atópica do meu filho é leve, mas você tem que aprender a controlar, ela pode ser leve para mim, mas para ele gera angustia. Então vou ter que tratar, vou ter que hidratar, ensinar para ele que vai ter que aprender a controlar a se coçar.
P/1 - A gente tem que encerrar daqui a pouco, e ainda tenho umas perguntas para fazer.
R - Pode fazer.
P/1 - Mas talvez, para encerrar, essa parte da profissão, o senhor quer contar mais alguma coisa relacionado a dermatite, falar alguma coisa sobre futuro, o que o senhor pensa em relação a dermatite, alguma história.
R - Acho que já consegui passar por algumas coisas importantes, acho que um, foi, gostaria de, aquela coisa que já falei do Professor Júlio eternizar aqui, a indução de tolerância a imunoterapia ao leite, começou aqui no Brasil com o Professor Júlio (Kroth) [01:57:52], e por sorte, nós tivemos a oportunidade de acompanhar isso, e que muitos, com certeza, não vão saber, porque não vão lembrar dessa história. Acho que a gente pode lembrar a evolução dos hidratantes, acho que isso foi um impacto importante, e lembrar que a esperança do (inint) [01:58:19] que venha a ser um medicamento imuno biológico, que foi o primeiro liberado para dermatite atópica, que vai entrar no mercado em breve. Com certeza o futuro está aqui nas nossas portas, nós vamos ter uma revolução nos próximos três, cinco, dez anos, então o foco de atenção da dermatite atópica e mesmo da urticaria está fugindo daquele tradicional até agora. O foco do tratamento da asma está fugindo do foco de agora, essa evolução do tratamento, a evolução da medicina anda bem, que ela existe.
P/1 - Que cuidados que o senhor tem com a sua pele?
R - Usar sabonete que não resseque muito, eu tenho rosácea, então aprendi a passar um hidratante do rosto para tirar a vermelhidão, a usar um hidratante na pálpebra, é o que eu uso, infelizmente não tenho o hábito do protetor solar, mas o hidratante para rosácea e para pálpebra, tenho lembrado de usar com certeza, e um sabonete líquido, hidratante que acaba usando.
P/1 - Queria que o senhor falasse um pouco sobre seus filhos.
R - Bom, filhos são a melhor raiz que a gente pode ter, então tenho que escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho, quer dizer, junto com a Cláudia, uma parceira de 41, para 42 anos, desde 1977, 41 anos e poucos a gente conseguiu ter um filho (inint) [02:00:00] mais velho, também médico, e nasceu na Finlândia, é uma pessoa de uma sensibilidade, de um carisma que lembra muito o bisavô dele, e lembra talvez a minha vó, tem uma noção muito grande; uma pessoa extremamente sensível e delicada, que está fazendo alergia, e é uma pessoa que cada dia que passa é uma pessoa que acaba sendo mais admirada, não só por mim, mas por muitos que convivem com ele. Ele é uma pessoa sem uma malicia geral, mas uma pessoa de uma inteligência muito grande, de um nível cultural, intelectual que vai fazer bem para área que ele escolheu, que é a minha área. Eu acho que o (Henick) [02:00:59] breve vai se casar com a Fernanda, uma outra pessoa, que uma cirurgiã vascular, que acho que a dupla vai dar... Em breve, sonhando em ter netos, não é uma cobrança, mas conceituação da realidade. Já o Alexi, nosso caçulinha de 24 anos, também no 5º ano de medicina, se forma no ano que vem médico; esse me surpreende a cada dia, porque ele é muito tímido, mas que agora na medicina 3º, 4º ano ele se soltou, ele mostra ter uma busca por um mundo completamente diferente. Ele consegue ter atenção da mãe, não sei se ele vai para o lado da mãe, que é psiquiatria infantil, talvez ele vai para o neuro, mas é um cara que fuçador, que estuda, que consegue batalhar, muito dedicado, muito estudioso, conseguiu realizar um sonho que era meu, que era ir para Harvard, conseguiu fazer uma parte da medicina em Harvard, então ele conseguiu mostrar, e conseguiu por ele mesmo sem ter meu dedo, sem ter minha ajuda, então ele que cavoucou. Então, era um menino, que, teoricamente mais superprotegido, por ser filho mais novo, mas está conseguindo cavoucar o espaço dele, que diferente da área de alergia, mas qualquer área que ele for, ele vai se dar de uma forma brilhante, porque ele tem uma intuição muito grande, e muito perspicaz, acho que são filhos que vão agregar muito, não só para minha família, espero que para medicina por um total.
P/1 - Eu tenho mais duas perguntas, para encerrar, mas antes tem alguma coisa que o senhor queira falar?
R - Acho que não, tem muita coisa, acho que o bate papo aqui está esse, é difícil está desse lado da câmera, é difícil falar sobre medicina, sobre a infância, é uma coisa, de certa forma, emotiva, mas uma forma que realmente tem essa noção de passar um algo mais. Todo mundo é substituível, ninguém deixa de ser substituível, o que a gente precisa trabalhar é como a gente vai sair disso e deixar a nossa própria marca. Acho que o fato de estar aqui, não sei se massageia o ego, mas se fica feliz ou fica tímido, fica retraído. Mas a gente consegue tentar ver isso foi muito gostoso.
P/1 - A próxima pergunta, era mais ou menos nesse sentido, que é como que foi para o senhor hoje contar sua história para gente?
R - Foi emocionante, acho que é impactante você relembrar, quer dizer, porque tudo que está aqui é uma surpresa, não sabia direito como ia ser a dinâmica. O fato de relembrar, é aquela frase relembrar é viver. Você começa a viver muitas etapas da vida para ser o que a gente é hoje, os filhos, milhares de filhos que tem, os milhares de atendimentos por ano. Mas é tentar trabalhar no social, tentar trabalhar na parte que a gente possa levar algo para sociedade, eu só posso colaborar com a sociedade aquilo que eu sou. Então só posso fazer bem aquilo que seja para pessoa, então, é uma coisa que eu tento fazer no dia a dia, para encostar a minha cabeça no travesseiro, saber que eu estou fazendo bem, e tentar ver que 1/5 do meu atendimento, é para o social. E 20% do que eu atendo em um ano inteiro, é para o social, é sem cobrar nada, acho que essa parte é o que eu posso colaborar; eu posso colaborar com o meu conhecimento, e é só isso que eu posso fazer.
P/1 - E para encerrar então, Doutor, quais são seus sonhos?
R - Acho que estão sendo realizados, ver os filhos formados, ter energia suficiente para cuidar dos netos, para conviver com os netos. Os sonhos é você continuar tendo amizades boas, que te possam prover bons momentos, os sonhos são poder ter viagens para levar, porque a gente só leva da vida, a vida que a gente leva. Pra mim, eu sou um ser social, preciso das pessoas para estar bem, então eu preciso de um convívio gostoso, é o que vai me deixar marcado. E é isso que eu quero levar.
P/1 - Então, Doutor, muito obrigada.
R - Muito obrigada vocês.
P/1 - Por ter recebido a gente, por ter contado sua história, foi um presente que a gente ganhou, muito obrigada mesmo.
R - Muito Obrigado.
[02:06:22]
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