Projeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Cristina Mello De Luca
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo / Teresópolis, 05 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV008
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:20) P1 - Oi Cristina, tudo bem com você? Muito obrigada por aceitar participar e dar esse depoimento sobre sua história de vida. Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, sua data de nascimento e local de nascimento, por favor.
R1 - Oi, boa tarde. Obrigada pelo convite. Meu nome é Cristina Mello De Luca, eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 1º de agosto de 1964.
(0:50) P1 - A sua família chegou a te contar como foi o dia do seu nascimento?
R1 - Sim, porque tem uma peculiaridade. O meu pai trabalhava na Petrobrás e trabalhava em turnos, e na véspera do meu nascimento, eu nasci dia 1º de agosto, meu pai tirou férias, porque eu estava programada para só nascer depois do dia 10 (risos), e aí eu adiantei um pouquinho. Então eu sei um pouco da história, porque a minha mãe entrou em trabalho de parto no dia que ele chegou em casa, dizendo: “Não me acorde por nada, que eu quero descansar”. E aí eu o fiz parar de descansar rapidinho, porque às quatro e quinze da manhã a bolsa estourou e mamãe entrou em trabalho de parto, e foram para a maternidade e eu nasci à tarde, quinze para às quatro da tarde.
(01:45) P1 - E você sabe por que colocaram Cristina como seu nome?
R1 - Por causa de uma avó, que não era minha avó diretamente, mas era da família do meu pai, se chamava Micaela Cristina e aí o meu pai decidiu botar o nome de Cristina.
(02:07) P1 - Por que o nome dela?
R - Eu não sei. A minha família é de italianos, né? O meu avô veio fugido do exército de Mussolini, é desertor de guerra, e quando chegou no Brasil, o meu pai nasceu no navio chegando no Rio de Janeiro. E aí meu avô só registrou ele alguns meses depois, para dar pra ele a cidadania...
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Entrevista de Cristina Mello De Luca
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo / Teresópolis, 05 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV008
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:20) P1 - Oi Cristina, tudo bem com você? Muito obrigada por aceitar participar e dar esse depoimento sobre sua história de vida. Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, sua data de nascimento e local de nascimento, por favor.
R1 - Oi, boa tarde. Obrigada pelo convite. Meu nome é Cristina Mello De Luca, eu nasci no Rio de Janeiro, no dia 1º de agosto de 1964.
(0:50) P1 - A sua família chegou a te contar como foi o dia do seu nascimento?
R1 - Sim, porque tem uma peculiaridade. O meu pai trabalhava na Petrobrás e trabalhava em turnos, e na véspera do meu nascimento, eu nasci dia 1º de agosto, meu pai tirou férias, porque eu estava programada para só nascer depois do dia 10 (risos), e aí eu adiantei um pouquinho. Então eu sei um pouco da história, porque a minha mãe entrou em trabalho de parto no dia que ele chegou em casa, dizendo: “Não me acorde por nada, que eu quero descansar”. E aí eu o fiz parar de descansar rapidinho, porque às quatro e quinze da manhã a bolsa estourou e mamãe entrou em trabalho de parto, e foram para a maternidade e eu nasci à tarde, quinze para às quatro da tarde.
(01:45) P1 - E você sabe por que colocaram Cristina como seu nome?
R1 - Por causa de uma avó, que não era minha avó diretamente, mas era da família do meu pai, se chamava Micaela Cristina e aí o meu pai decidiu botar o nome de Cristina.
(02:07) P1 - Por que o nome dela?
R - Eu não sei. A minha família é de italianos, né? O meu avô veio fugido do exército de Mussolini, é desertor de guerra, e quando chegou no Brasil, o meu pai nasceu no navio chegando no Rio de Janeiro. E aí meu avô só registrou ele alguns meses depois, para dar pra ele a cidadania brasileira. Então minha família sempre viveu muito em função dos parentes que ficaram fora ou que foram para a Argentina, parte da família foi para Argentina, parte da família veio pra cá, porque a minha avó era filha de brasileiros, e como minha avó tinha cidadania e a família da minha avó estava aqui, o meu avô veio pra cá, ao invés de ir para a Argentina, para onde foram os irmãos dele. E aí eu recebi o nome de uma das irmãs do meu avô, que meu avô gostava muito. Então como eu era a primeira neta do meu avô, deram o nome da irmã dele.
(03:21) P1 - E qual é o nome do seu pai? Ele morava no Rio de Janeiro? O que ele fazia?
R1 - Ele morava no Rio de janeiro, o nome dele é Oswaldo De Luca, ele é químico industrial e sempre morou no Rio. Quando chegaram aqui, a família da minha avó tinha um ferro velho, ali na região da ... agora eu não vou me lembrar o nome, perto de onde é a Cadeg do Rio de Janeiro e aí meu avô foi trabalhar lá. Só que como o meu avô era agrônomo, meu avô conheceu um italiano que morava na Ilha do Governador e que descobriu uma mina de água no terreno, e aí pediu pro meu avô fazer as análises de topografia, de tudo, de como a água era e tal. E aí nasceu a água mineral Fontana, que durante muitos anos no Rio de Janeiro foi uma água conhecida. O meu avô foi um dos donos porque ajudou na exploração dessa água. E aí minha família inteira foi morar na Ilha do Governador.
(04:31) P1 - Voltando um pouquinho, a sua avó veio para o Brasil antes?
R1 - Não, a minha avó nasceu aqui, porque o pai dela era produtor de bicho da seda, tinha uma fazenda na Itália, era italiano, e aí vinha para o Brasil vender a seda aqui, e aí conheceu a mãe da minha avó, que era brasileira. E aí a minha avó nasceu aqui e depois foi para a Itália com o pai e a mãe e aí casou na Itália com o meu avô.
(05:06) P1 - E a sua mãe, qual o nome dela?
R1 - Hoje, Marli Mello De Luca. De solteira, Marli dos Santos Melo De Luca… perdão, de solteira [é] Marli dos Santos Mello.
(05:21) P1 - Entendi. E o que ela faz?
R1 - Ela é professora, pedagoga.
(05:27) P1 - E a origem dela é qual? Ela é do Rio de Janeiro também?
R - Ela é do Rio de Janeiro, nasceu no Rio de Janeiro. A minha avó era daqui e o meu avô também, o meu avô era funcionário do Banco do Brasil e minha avó era telefonista, olha que legal. (risos) Aquelas telefonistas que ainda ficavam enfiando os fios para poder conectar as ligações.
(05:59) P1 - E você sabe como seus pais se conheceram?
R1 - Sim, meus pais se conheceram em uma instância hidromineral chamada Lambari. Meu pai passava férias sempre lá, porque uma parte da família da minha avó, mãe dele, tinha casa em Lambari. Então ele ia para lá passar as férias de inverno e conheceu a minha mãe que estava passando férias lá e os dois se apaixonaram e começaram a namorar. A minha mãe na época era noiva de um rapaz, morava... como meu avô era funcionário do Banco do Brasil, moraram em vários lugares, então nessa época ela estava morando em Campo Grande, no Rio de Janeiro, e o meu pai já na Ilha do Governador. Aí eles começaram a namorar e casaram alguns anos depois.
(06:54) P1- Aí ela desfez o noivado para ficar com o seu pai?
R1 - Uhum.
(06:59) P1 - E você tem irmãos?
R1 - Não, tenho duas irmãs. Eu sou a mais velha, tenho duas irmãs menores do que eu, mais jovens, Andrea e Paula.
(07:14) P1 - E como é a relação de vocês?
R1 - É muito boa. A Andrea é mais próxima de mim, ela nasceu um ano e nove meses depois, eu tinha feito um ano quando a minha mãe engravidou, então é certinho: um ano e nove meses. E a Paula nasceu cinco anos depois de mim, então tem uma diferença de cinco anos de idade. A Paula mora aqui em Teresópolis, onde a gente trouxe a minha mãe pra cá, porque a gente passava férias aqui direto, tinha uma casa de veraneio. A gente trouxe a minha mãe pra cá depois que meu pai faleceu, porque a Paula já estava morando aqui. Então, hoje, a Paula é mais próxima. A Andrea está no Rio, mas a gente tem uma relação muito boa. [É] uma família muito unida de modo geral.
(08:00) P1 - Ai que legal! E você tem algum outro parente que eu não tenha citado, assim, que você é próxima ou já foi?
R - Parente, assim, direto, não, porque a minha mãe é filha única, então eu convivi muito com os parentes da minha mãe, os primos da minha mãe, os tios da minha mãe, porque ela era filha única. E o meu pai tinha só uma irmã, que é a minha madrinha e que faleceu há três anos, tia Vanda. Então, assim, a minha família é pequena. Eu tenho uma prima, com quem eu falo pouco hoje em dia, mas que quando criança era muito próxima, Maria Estela, que também é filha única. Então é uma família pequena.
(08:47) P1 - E a sua família, vocês têm alguma comemoração especial, algum momento que vocês se reúnem todos juntos?
R - Então, minha família, como tem formação católica, e tem uma tradição dos meus avós que vieram da Itália, a gente tem como data que todo mundo se reúne, as datas dos feriados católicos. Então a gente se reúne [em] todos: na Páscoa, que é uma data importante, e no Natal. Nos aniversários, é o núcleo menor da família: eu, minhas irmãs, minha mãe. A gente também se reúne.
(09:33) P1 - Geralmente vocês se reúnem, fazem um bolinho, essas coisas?
R - Isso. Normalmente tem uma comemoração, ou a gente [se reúne] para almoçar todos juntos, mas normalmente a gente faz questão de nos aniversários estarmos juntos, e [no] Natal, Ano Novo e na Páscoa também.
(09:53) P1 - Legal. E você lembra da sua casa da infância, assim, você consegue descrever como ela era?
R - Lembro, a casa era dos meus avós. O meu pai construiu uma casa em cima da casa dos meus avós. Então a minha casa era uma casa de um quarto… não, dois quartos, duas salas e um quarto foi transformado em sala de trabalho e de estar, depois em sala de estudos pra gente, uma cozinha e um banheiro, que ficavam em cima da casa do meu avô, que tinha duas salas muito amplas. Italiano tem essa mania, né, de ter uma sala, que é a sala de refeição, que tem uma mesa grande, onde a família inteira se reúne. Porque também tem isso, né, na minha infância, eu me lembro de as refeições o meu pai sempre pedia para todo mundo fazer no mesmo horário, então não tinha aquela coisa de sair da mesa e ele manteve isso durante muitos anos, mesmo a gente já trabalhando e tal, quando a gente ia almoçar na casa dele, eram todos sentados em volta da mesa, o meu avô fazia a mesma coisa. Era uma casa na Ilha do Governador, rua Marquês de Muritiba, a casa ainda existe, é da minha prima agora, ficou para ela. E, assim, as lembranças que eu tenho são muito boas, porque era uma rua muito movimentada de pessoas, a gente morava na frente da casa da Raquel de Queiroz. Então, assim, eu me lembro muito de depois, essa casa da Raquel de Queiroz, ela vendeu e virou uma vila. E aí eu me lembro muito de ir brincar lá, porque eu já ia brincar quando era a casa dela, porque tinha um terreno muito amplo, quase uma granja. E depois eu passei a ir brincar na vila. Eu brincava muito na rua, eu brinquei muito na rua, então.
(11:49) P1 - Tem alguma brincadeira, assim, que te marcou, que você gostava muito?
R - Tem uma brincadeira, especificamente, que eu gostava muito, que era queimada, a gente jogava queimada na rua e eu gostava também, pique-esconde também era legal, mas o que eu mais gostava de fazer era soltar pipa. Eu era meio moleque, sabe, (risos) sempre fui. E eu gostava muito de ficar com o meu avô também, desmontando e montando eletrodomésticos, eu ajudava o meu avô. A gente tem uma tradição na família em que os primeiros aniversários, são aniversários onde você faz bolos temáticos, né, como as pessoas mantêm até hoje. Na nossa época, a gente produzia tudo, porque não tinha essas casas de festa com tudo pronto. Então eu me lembro do meu avô fazendo as coisas se mexerem, porque a gente pedia pra ele, então eu tive uma roda gigante, que a roda gigante mexia, tive um carrossel que os cavalinhos subiam e desciam igual o cavalinho da ‘coisa’, eu desmontava eletrodomésticos e ajudava ele a montar essas coisas dos aniversários, sempre gostei. Era uma brincadeira pra mim, né?
(13:11) P1 - E o seu avô gostava de mexer com essas coisas mecanizadas?
R - Gostava bastante.
(13:20) P1 - Você e a sua família tinham algum costume, assim, de se reunir para ouvir rádio, assistir TV?
R - Olha, o costume que eu me lembro, foi quando a televisão chegou. O meu avô teve um dos primeiros televisores da vizinhança, então eu me lembro muito de ver Rin Tin Tin, essas coisas assim, porque as crianças iam ver em casa, né? Vigilante Rodoviário, essas coisas. (risos)
(13:52) P1 - E ainda na sua infância, tem alguma comida, assim, que quando você pensa em infância remete à essa comida?
R - Tem. É um macarrão que a minha vó fazia, eu… até hoje, assim, ninguém conseguiu fazer macarrão igual a ela, não, e olha que meu pai tinha um molho de macarrão muito gostoso, mas o da minha vó era especial. E a minha mãe tinha por hábito, como todo brasileiro, fazer feijão, arroz, uma carne, uma salada, era basicamente a alimentação da gente no almoço e no jantar. E eu fugia para casa da minha vó para comer macarrão, quando eu sabia que tinha macarrão lá. Era embaixo, era só descer a escada.
(14:44) P1 - E era um macarrão, assim, com um molho diferente?
R - Molho de tomate, mas era um molho que eles faziam lá na Itália. Então, assim, o meu pai… a minha companheira hoje aprendeu com ele, faz também. É um molho que fica no fogo praticamente doze horas e você fica pingando água, fica curtindo, a gente usa praticamente dois, três quilos de tomate, aí você cozinha o tomate, passa na peneira, aí já tem a carne com vinho. Enfim, é uma... o cheiro do molho toma conta da casa, sabe?
(15:29) P1 - E você já tinha aquele sonho de quando criança: “Ah, quando eu crescer eu vou ser isso ou aquilo?”.
R - Na verdade, eu queria ser médica e eu cheguei a me encaminhar para fazer isso, porque eu queria… na verdade, quando eu estava no ginásio e já entrando no científico, para me preparar para o pré-vestibular, era fazer medicina desportiva, porque eu também era atleta na época. Era fazer medicina desportiva… educação física e depois medicina desportiva, né? Eu ia entrar pela educação física, para depois fazer medicina desportiva, mas eu tive um problema saltando a altura, eu, quando caí no colchão, tive problema de joelho, é uma doença chamada Osgood-Schlatter, eu ainda tenho até hoje, porque na época eu não operei, porque a recomendação foi: “Se você operar, você não vai conseguir fazer a prova de habilidade específica. Não operando, também não vai conseguir fazer, então é melhor não fazer e conviver com esse problema”. Então eu não posso fazer determinados exercícios que tenham muito impacto, tipo: andar de bicicleta, dobrar e esticar a perna muito, é um exercício que eu não posso fazer. Mesmo quando eu faço pilates, hoje, eu evito esses exercícios de muita força, onde o peso do meu corpo tem que ir pra cima do joelho.
(17:01) P1 - E como você começou a fazer salto?
R - Na época que eu estava no colégio, existiam os jogos estudantis, e eram muito... aqui no Rio de Janeiro era uma coisa que todo mundo fazia, sabe? Todos os adolescentes da minha idade, as escolas participavam dos jogos estudantis, tinha uma certa rivalidade grande, principalmente em um lugar como a Ilha do Governador, que a gente conhecia todas as escolas, né, e os amigos eram de outras escolas, então a gente ia. E eu saltava altura, eu corria cem metros, eu jogava handball, vôlei… basquete não, porque eu sou muito pequena, não dava, mas é... e nadava.
(17:51) P1 - E a escola que, tipo, tinha esses esportes para vocês fazerem? É isso?
R - Isso. Tudo na escola.
(18:00) P1 – Hum, legal. E como é que foi esse período da escola para você?
R - Ah, eu tenho excelentes lembranças, né? Porque assim, eu comecei na escola que era da minha tia, minha tia também é pedagoga, tinha uma escola na Ilha do Governador, chamava Colégio Governador, mas ela parava na quarta série, então eu fiz todo o primário, até a quarta série, na escola da minha tia. Quando a gente entrava no ginásio, que hoje é o secundário, o ensino fundamental, quinto ano em diante, eu fui para uma outra escola, onde a minha mãe trabalhava, que era o Colégio Lemos Cunha, na Ilha. E o Lemos Cunha tinha uma quadra enorme, onde aconteciam os jogos estudantis, então eu comecei ali a me interessar. Depois eu fui para um colégio menor, chamado Olavo Bilac, onde a minha mãe também trabalhava, onde o meu professor, o Boleta, que era professor de educação física, era jogador de basquete do Flamengo e depois foi jogador de basquete do GQA, que era o clube da ilha, então ele incentivava muito a gente a participar dos jogos estudantis. Eu fui pegando gosto por aquilo e eu tinha jeito, né, gostava e me saia bem, então você acaba indo, né?
(19:35) P1 - E aí quando você foi se tornando adolescente, assim, o que você gostava de fazer para se divertir, por exemplo?
R - Olha, eu sempre gostei muito de filmes, então eu ia muito ao cinema e eu sempre gostei muito de ler, então eu lia muito, foi um hábito que eu adquiri desde pequena. A minha mãe me deu a coleção do Monteiro Lobato infantil e na época a gente tinha um combinado de que eu só poderia dormir,depois de ler uma ou duas páginas. Então a minha adolescência inteira... hoje eu até leio menos do que eu gostaria de ler, porque eu leio tanto para trabalhar, que quando chega na hora de ler por descanso, tem hora que digo assim: “Hum, hoje eu quero fazer outra coisa”. (risos) Então eu tenho lido menos do que eu gostaria. Mas na época de criança, adolescente e da juventude, eu lia muito, lia dois, três livros por mês, direto, porque eu tinha esse hábito. E aí eu adquiri outro hábito que era, ao invés ler duas ou três páginas, ler dois, três capítulos, eu só conseguia acabar de ler à noite, quando eu chegava no ponto final do capítulo.
(20:49) P1 - E tem algum livro, assim, que te marcou nessa época?
R - Ah, dessa época tem vários, né? Tem Júlio Verne, tem um livro... nessa época existia umas coleções que a gente lia na escola, então tinha uma coleção que chamava “Para Gostar de Ler”, que tinham crônicas dos mineiros, tinham livros mais clássicos. Então, assim, além de ler todo o Monteiro Lobato, que eu gostava muito, eu comecei a ler os clássicos e comecei a ler outros autores. Então eu lia As Minas do Rei Salomão, eu li muito, por exemplo, Malba Tahan, porque meu pai incentivava ler, então eu li O homem Que Calculava. Foi uma coisa que me marcou muito. E desses livros menores, que eram rápidos, que a gente lia na escola, teve um que me marcou muito, que chamava O Escaravelho do Diabo, que eu comecei a gostar muito de policial, por causa desse livro. Li também Os meninos da rua Paulo. Enfim, a gente lia pra caramba, né? E eu depois que comecei a ficar um pouco mais jovem, que meu pai começou a liberar outros tipos de leituras, eu comecei a ler muito Eça de Queiroz, comecei a ler muito José de Alencar, então meu pai tinha coleções encadernadas e aí eu ia lendo.
(22:18) P1 - Legal. E assim que você terminou a escola, qual foi o seu próximo passo, assim, você foi trabalhar, ou já estava pensando em entrar na faculdade?
R - Então, na verdade, eu comecei a trabalhar já na escola, por quê? Eu fiz normal e científico junto, o científico do meu colégio era junto com o impacto que era preparatório para o pré-vestibular, mas de uma família de professores, meu pai achava que eu já devia adquirir uma profissão rápida, que não dependesse dele o resto da minha vida, então lá em casa todo mundo fez normal. E aí eu fazia isso, fazia o científico de manhã e fazia o normal à noite, que era o meu reforço de estudo, porque era na mesma escola, no Olavo Bilac. E no final das contas, o curso normal à noite, a única coisa que tinha de diferente das matérias de manhã eram - os professores inclusive eram os mesmos - as matérias específicas, então, didática, filosofia, essas coisas, né?
(23:34) P1 - E não era pesado para você fazer duas coisas, assim?
R - Eu não me lembro de sentir esse peso não, porque era isso, era uma forma de estudo. A matéria dada a noite era muito mais fácil do que a matéria de manhã, era uma outra... o professor tinha que adaptar porque a audiência era outra, né? Então, assim, para mim funcionava como uma aula de reforço, praticamente.
(23:59) P1 - E qual que foi o seu primeiro trabalho?
R - Então, aí, por causa do normal, eu tive que começar a fazer estágio na própria escola, então o meu último ano de escola, quando eu estava me preparando para o pré-vestibular, eu chegava na escola sete e meia da manhã e saía às dez e meia da noite, porque eu ficava na parte da tarde para fazer o estágio. E a professora da turma que eu dava estágio, ela saiu para ter neném e aí me convidaram para assumir a turma, porque a turma já se relacionava bem comigo e eu assumi a turma. Então [esse] foi o meu primeiro trabalho, foi professora primária. A partir daí eu comecei a da aula de reforço, porque quando a professora voltou, no ano seguinte, eu não quis continuar na escola, mas eu continuei dando aula de reforço, eu já tinha feito vestibular, já tinha passado para a faculdade de jornalismo, que aí foi o que eu escolhi, já que eu não poderia fazer educação física, eu preferi fazer... fui fazer um teste vocacional e deu jornalismo, aí eu fui fazer jornalismo. E eu optei por não seguir a profissão. Cheguei naquela época a fazer concurso público para ser professora, minha irmã hoje é diretora de escola do Município, eu cheguei a passar para o Município, passei pro Estado, passei pro Município, larguei os dois concursos públicos para investir no jornalismo.
(25:37) P1 - E quando você foi fazer jornalismo, você não sabia nada sobre a área?
R - A minha mãe, nessa época, trabalhava no Colégio Andrews, e como ela fazia testes vocacionais, ela pediu pro dono do colégio, o Edgar Flexa Ribeiro, para me indicar um jornalista que eu pudesse conversar para saber como é que era a profissão. E aí eu fui conversar com o Joel Silveira, que era... na época, era o secretário de redação do Jornal do Brasil. E eu me lembro dessa conversa até hoje, porque a primeira coisa que ele perguntou para mim foi: “Por que você quer fazer jornalismo?”. Aí eu contei toda essa história que eu contei para você, eu queria mesmo era fazer outra coisa, mas a vida me levou pra um caminho e eu tenho que escolher alguma coisa para fazer. Aí ele falou assim: “Então eu vou te fazer algumas perguntas: Você está preparada para deixar de ser a ‘Cristina minha filha’, a ‘Cristina minha irmã’, para ser a ‘Cristina minha filha jornalista’, a ‘Cristina minha irmã jornalista’, a ‘Cristina minha amiga jornalista’, porque o jornalismo vai colar em você”. Naquela época, eu não entendia muito bem, eu disse: “Ok, tudo bem’’, “Ah, então tá bom, ‘Você está preparada para não ter hora pra nada?”. Eu falei: “Como é que é isso?”. Aí ele falou: “Bom, ontem você sabe que explodiu um tanque de um navio na Baía de Guanabara, os seus colegas daqui foram chamados pra ir lá, porque explodiu, então você tem que ir, não tem jeito. Você é tirado de casa para fazer determinadas coisas, é igual médico, tudo bem?”. Eu falei: “Tudo bem, isso aí até me agrada”, eu era muito ativa na época. Aí a outra coisa que ele me disse, foi: “Você não vai ter um dia igual ao outro”. Falei: “Ótimo! Não gosto de rotina, nunca gostei’’. Aí ele falou: “Acho que você está começando a entender o que é jornalismo. Você gosta de história, você gosta de perguntar?’’. Eu falei: “Não tenho nenhum problema. Quando eu falei na minha casa que eu ia fazer jornalismo, todo mundo se assustou, porque eu sou muito tímida’’. Aí ele falou assim: “É?”. Aí eu falei assim: “É!”. O pessoal disse assim: “Você não chega ali para perguntar nada para ninguém, então como é que você vai perguntar alguma coisa para alguém? Entrevistar alguém?’’. Aí ele falou assim: “Isso te incomoda?’’. Eu falei: “Não, eu acho que é uma coisa que eu posso aprender a fazer’’. Aí ele falou assim: “Tá. Me descreve o que mais te chamou atenção quando você chegou até aqui”. Aí eu fui falando as coisas que eu tinha percebido no caminho até chegar lá, coisas que eu tinha gostado, coisas que eu tinha achado estranha, ele falou assim: “Você pode ser uma boa jornalista, porque você é muito observadora, uma coisa pode compensar a outra”. Aí eu falei: “Ok”. Então, a partir daquele dia, eu comecei a pesquisar um pouco mais sobre a área e resolvi fazer jornalismo. Mas eu sempre tive uma preocupação, quando eu fui naquela redação do Jornal do Brasil, eu me assustei com a redação, ainda era uma redação com máquina de escrever, muita gente fumando, falando alto e tal. Então eu sempre... já na faculdade eu tinha a preocupação de onde que eu vou poder usar o meu diploma de jornalismo, que não seja na redação de um grande jornal, porque eu achava muito difícil furar o bloqueio, porque era um mercado de trabalho muito reduzido, só tinha homens na redação, pelo menos, majoritariamente, foi o que eu vi, tinham poucas mulheres, como é que eu ia fazer aquilo, né? Então, já nos primeiros anos de faculdade, eu conversava muito com os professores sobre isso e um professor meu, o José Luiz Sombra, me indicou para um trabalho na Fundação Roberto Marinho, uma amiga dele estava precisando de alguém que pudesse fazer uma pesquisa, Renata Bernardes, foi a minha primeira chefe, hoje tenho contato ela na internet, direto, falo com muito com ela e ela brinca muito, que ela diz: “Olha o que a minha estagiária se tornou’’. Porque eu fui pra lá ainda fazendo estágio, porque ela precisava de alguém que fizesse os textos, as pesquisas e os textos que embasavam os projetos que a Fundação Roberto Marinho encaminhava das empresas para conseguir recurso nas restaurações que a fundação fazia e tal, a restauração da Casa França Brasil no Rio, a restauração do Centro CBB, a restauração do Forte dos Remédios em Fernando de Noronha, fiz uns projetos com o J. Borges, um gravurista. Então aquilo começou a me encantar, porque eu fui entrando em mundos que eu não conhecia, muito profundamente, tinha que entrevistar muitas pessoas, para poder fazer uma defesa, era praticamente uma defesa de tese, de que aquilo merecia o dinheiro daquela empresa, como uma espécie de investimento depois abatido no imposto de renda, para projetos culturais. E eu gostei e aí fui fazer.
(31:13) P1 - E aí você continuou trabalhando como pesquisadora?
R - Então eu fiquei na fundação dois anos. A Renata acabou saindo da fundação. E aí uma amiga que já trabalhava na Editora JB, veio conversar comigo, que ela sabia o trabalho que eu fazia na fundação e o pessoal do JB, da editora JB, da Revista Info, que depois foi da Editora Abril, era um título originalmente da Editora JB, que depois virou Exame, muito mais na frente, mas naquela época chamava Revista Info, a revista dos computadores. E o editor era o Noenio Spinola, eles estavam fazendo o primeiro catálogo, pegando todos os microcomputadores, porque naquela época a indústria de computação já estava começando a nascer no Brasil, a gente já tinha reserva de mercado e eles estavam fazendo um catálogo para descrever todos os equipamentos que eram fabricados no Brasil, era uma edição especial da revista. Como eu fazia pesquisa, ela falou: “Acho que eu tenho a pessoa certa para você”. Aí eu fui lá conversar com o Noenio, eu estava com viagem marcada para Machu Picchu, olha só, estava de férias da faculdade - eu nunca conheci Machu Picchu, até hoje -, estava com viagem marcada, eu cheguei lá e ele falou assim: “Olha, tem esse trabalho aqui para fazer, você vai para casa, lê esses....’’. Aí eu falei: “Mas eu estou com viagem marcada, tal, não sei que...’’, “Você tem que escolher, ou você viaja ou você entra aqui. Vai para casa, lê esses livros’’, aí me deu cinco livros para ler. “E daqui uma semana volta aqui com todas as suas dúvidas anotadas’’. Eu falei: “Tá bom”. Aí eu fui para casa, meti a cara naqueles livros todos, li tudo, anotei todas as minhas dúvidas, voltei, ele falou: “Me mostra as suas anotações’’. Aí eu mostrei para ele as minhas anotações, e ele falou assim: “Está contratada”. Aí eu falei: “Como é que é!?’’. Ele falou: “Alguma dessas perguntas, é o que você vai ter que fazer para as pessoas que estão fazendo os computadores, então pode ficar’’. Aí eu acabei ficando na Revista Info para fazer esse catálogo, gostaram do meu trabalho. O catálogo seguinte era um catálogo de base de dados. Isso, a gente está falando de... o ano era, eu me formei em 1985, a gente está falando de 1983. Aí, em 1983, eu tomei conhecimento que existia um negócio chamado base de dados, que era uma coisa consultada através de computadores, normalmente de forma presencial ou através de outros grandes computadores, que tinham linhas de comunicação dedicadas, onde esses computadores poderiam se conectar. E se abre um mundo para mim, assim. Quando eu comecei a fazer o catálogo de base de dados, eu falei: “Puxa, mas o futuro da nossa profissão é isso, né, daqui alguns anos isso não vai estar limitado aos grandes computadores, a gente vai poder pesquisar qualquer coisa em qualquer lugar, a qualquer hora, da casa da gente’’. E aquilo foi me animando e eu comecei (risos) a me envolver mais com essa área, de saber como é que eu poderia fazer uma pesquisa remota, sem demorar tanto tempo, como eu demorava quando eu ia… por exemplo, uma das bases de dados que eu consultei ficava na Comissão Nacional de Energia Nuclear, a Cnen, no Rio. Eu fui para lá, para pedir uma pesquisa sobre como é que eram as bases de dados americanas. Aí eu preenchi um questionário dizendo tudo que eu precisava saber, quais eram os veículos que eu queria e quais eram as universidades que eu queria que mandassem material, e isso ia através do computador da Petrobrás, que eles estavam ligados, conectados na Petrobrás, por causa da área de energia, que falavam com o exterior, aí a Petrobrás jogava pra lá, aquilo era processado nos Estados Unidos, as universidades se conectavam com uma rede de pesquisa que elas já estavam começando a construir, devolviam os documentos, que eu ia na Cnen pegar e era um calhamaço de coisa assim, que eu levava para casa para ler. Mas aquilo começou a me fascinar, eu falei: “Poxa, eu não precisei [de] correio, eu não precisei de nada, esse troço veio via eletrônica, chegou aqui, a gente imprimiu”. E eu comecei a estudar mais isso, a estudar, a estudar, estudar, até que eu me formei e a Info não tinha vaga para me contratar, porque essa minha amiga que estava lá, foi contratada antes de mim, porque já era estagiária antes de mim, né, então. Mas a Vera Franco, que era editora na época, me indicou pro [Sérgio] Charlab, que naquela época era editor dos projetos especiais do JB, que ia fazer um caderno, que ela falou: “Já que você gostou tanto dessa área, o Charlab está fazendo um projeto especial para o Jornal do Brasil, que é um caderno especial sobre o primeiro congresso internacional de telemática, que foi realizado no Rio de Janeiro, no Hotel Intercontinental”. E o que esse congresso fazia? Exatamente aquilo que me interessava para caramba, eu estava juntando a informática, com as telecomunicações, para saber que bicho ia dar aquilo, por isso se chamava telemática, era o vovô da internet, né? E eu fui, para cobrir, e escrevi o caderno inteiro. Esse caderno nunca foi publicado, porque o patrocinador resolveu que não ia publicar mais, deu para trás, o caderno ficou lá guardado com ele, mas eu conheci o João Carlos Fonseca, que na época era um engenheiro de telecomunicações, que tinha sido aposentado pela Telerj, e colocado na TeleBrasil, associação das empresas de telecomunicação, que naquela época ainda era o grupo Telebrás, Telerj, Telerj e tal, e não sei o que, tinha sido aposentado pela Telerj. E ele estava lá cobrindo o evento também, ele gostou do meu trabalho, gostou das entrevistas que ele me viu fazendo e tal, e ele falou; “Quando é que você se forma?’’. Eu falei: “Acabei de me formar’’. Aí ele falou assim: “Quer um emprego?’’. Eu falei: “Pô!”. Eu que sempre tive dúvida de onde eu ia aplicar o meu diploma, porque eu não sabia se eu ia conseguir furar o bloqueio para entrar numa redação, fui parar na redação da revista da TeleBrasil. E aí foi um pouco da minha escola de telecomunicações, e por quê? O que ele queria? Quando ele soube que eu tinha feito o catálogo de hardware da Info, ele falou: “Eu quero justamente usar o seu conhecimento para começar a mostrar para o pessoal de telecomunicações que existe um negócio chamado microinformática”, que não só os computadores de grande porte, que não só as linhas dedicadas e tal. E eu fui para lá, fui para lá, fiquei um ano e pouquinho, fazendo freelas para a Info e para outras publicações, como a Dados e Ideias, que era da Gazeta Mercantil. Uma vez trabalhando na Dados e Ideias, o George Vidor, que era editor d'O Globo, era casado com a Heloisa Magalhães, que era editora da Dados e Ideias e ele me viu trabalhando na redação, aí ele perguntou para ela: “Quem é essa menina?’’. Ela falou: “Ah, é a Cristina. Ela trabalha na TeleBrasil, já foi da Info e tal, não sei o que’’. Falou um pouco sobre mim, ele falou assim: “Será que ela tem interesse em trabalhar no Globo, porque eu estou pensando em ampliar a cobertura de informática d'O Globo’’. O Globo já tinha uma pessoa que cobria informática, era a Ana Maria Martins, na época, que fazia matérias durante a semana, quer dizer, se caísse alguma coisa de informática, ela era a pessoa indicada para fazer. Só que ele queria fazer uma página de informática toda segunda-feira, o jornal de segunda-feira sempre foi um jornal menor, porque vinha do fim de semana e tal, o jornal nobre era o jornal de domingo, onde tinham as matérias especiais. O jornal de segunda-feira era sempre menor. E aí ele resolveu botar na economia d'O Globo, nas segundas-feiras, uma página de informática, que depois viraram duas e era a gente que fazia, eu e a Ana Maria Martins. E foi assim que eu fui parar no Globo, em 1987, foi a minha primeira passagem no Globo, na [folha de] economia. E foi uma escola enorme porque não dava para cobrir só a informática, eu tinha que cobrir economia, né? Então eu cobria tudo. E peguei justamente a época do Governo Sarney, dos Fiscais do Sarney, então eu fiz muita matéria de desabastecimento, de ir para rua correr supermercado, de ir para posto de gasolina ver o aumento de gasolina, essas coisas, né? Mas como eu escrevia sobre tecnologia, ficou colado em mim um carimbo de tecnologia, então quando a matéria era sobre tecnologia, qualquer coisa que viesse na pauta que tivesse tecnologia, ou era eu ou era a Aninha que ia, uma das duas. E eu me lembro de uma época, de eu ir para a Cnen, porque “Ah, você conhece o pessoal lá?’’, “Conheço’’, “Ah, então vai lá, que eles estão chamando, eles querem dar um furo, tal e não sei o quê’’. E lá fui eu, quando eu cheguei lá, eles estavam anunciando justamente que o Brasil tinha conseguido dominar o beneficiamento de urânio, aí eu olhei para aquele negócio, cheguei para um rapaz e falei assim: “Você está me dizendo que o Brasil pode fazer uma bomba atômica?”. (risos) Ele falou assim: “A gente não vai fazer, mas é mais ou menos isso”. (risos) Aí eu falei: “Hum”. Liguei para o jornal e falei: “Manda a Ramona Ordonez para cá”, que era quem cobria de energia, que a matéria era para ela, não era para mim, né? Aí eu contei do que [é] que era e foi a capa do dia, d’O Globo, seguinte. Porque tinha noção que eu não podia escrever aquilo: “Não tenho capacidade para alcançar até onde isso vai”. Eu conseguia intuir o que era, mas não tinha conhecimento para aquela... mandei chamar a setorista da área, falei: “Deixa vir ela”. Mas era assim, tudo que tinha tecnologia a Cristina ia cobrir. Até que o pessoal lá da Info, apareceu uma vaga e aí eles resolveram me chamar de volta, o salário era bom, era a revista, numa coisa que eu gostava de fazer, eu voltei para Info e fiquei lá alguns anos, vários anos. Até o JB entrar em crise e a Editora JB, a primeira coisa que o JB se desfez foi a Editora e os títulos da Editora foram vendidos. Na época, eu já era subeditora da revista, e aí a Maria Regina do Nascimento Brito pediu para eu ficar no jornal, a Miriam Leitão era editora de economia na época, e aí a Miriam Leitão me puxou. Foi outra grande escola, porque aí eu comecei a trabalhar com a Miriam e peguei o Plano Collor. Aí você imagina que a minha vida virou um inferno, porque como meu salário era grande, eu virei chefe de reportagem da manhã, e eu nunca conseguia ir embora, porque eu tinha que pegar os retornos do pessoal que tinha ido para rua, então eu entrava no jornal às oito horas da manhã, com todos os outros jornais lidos, do dia, para entrar em reunião de pauta com o Chico Vargas e saía depois do último repórter voltar, então eu saía quatro e meia, cinco horas da tarde, às vezes eu saía e já estava escuro. Aí eu falei: “Gente, não é isso que eu quero para minha vida! Eu estou virando escrava do trabalho, né?”. Tudo bem, eu sabia que eu não ia ter hora, mas ficar aqui direto, está ficando um pouco massacrante para mim. E aí eu pedi demissão para Cristina Calmon, que ficou no lugar da Miriam Leitão, a Miriam foi… na época, a Miriam foi para um projeto no Estado de São Paulo, no Estadão, puxada pelo... eu não me lembro quem estava no Estadão, não era o Sérgio, foi antes disso, tem a... ela foi puxada para o Estadão, e a Cristina Calmon assumiu, aí eu falei para Cristina: “Eu não quero! Sabe o que acontece? Eu estou chefiando um repórter que tem anos de profissão, [e] o que eu tenho de vida? Isso tá errado, sabe? Como que eu vou chegar para um cara que cobre comércio exterior há 27 anos?”. Nem isso eu tinha, tinha 24, 25: “E eu vou dizer para ele, o que ele tem que fazer! Não dá, é muito perverso isso, porque eu tenho um salário alto, então, eu vou abrir mão do salário, né? Eu estou saindo, eu quero ir embora”, “Ah, mas você vai fazer o que?’’, “Vou vender sanduíche natural na praia. - Naquela época estava na moda, né? - Eu quero ficar na praia o dia inteiro. É isso, Cristina, tal, não sei o quê’’. Aí uma ex-fonte, da época da revista Info, Marcos Wettreich, que hoje faz o prêmio iBest, naquela época estava criando uma empresa chamada Mantel Marketing, Mantel é o nome da mãe dele, era uma empresa de marketing, era um cara bom em marketing, para caramba, e o trabalho era: “Sabe essas grandes reportagens que você fazia sobre rede de computadores, sobre isso, sobre aquilo, tal e não sei o quê? Você vai ter que especificar os temários dos eventos que eu vou fazer e ajudar as pessoas a entregar aquele conteúdo que a gente gostaria de ver no evento”. E eu fui fazer isso, né? Saí e quando eu estava lá na Mantel Marketing, ele resolveu me pagar um curso de pós graduação em marketing, o mesmo que ele tinha feito. Aí eu fui fazer o master de Marketing da PUC, onde eu tinha me formado, o Marketing da PUC-Rio, onde eu tinha me formado em jornalismo. Então eu fui para lá, fiz e comecei a gostar daquilo, eu falei: “Ah, isso aqui é legal, bacana, coisas diferentes para fazer’’. Nessa época, a Cora Roney estava começando a fazer o caderno de informática d'O Globo, aí ela me ligou e falou assim: “Olha só, tem um monte de gente me falando de você, você não quer vir aqui, conversar comigo? A gente vai fazer o caderno de informática no Globo’’. Ah, esqueci de dizer, quando eu saí da... essa é uma passagem curiosa, quando eu saí do JB, antes de eu ir para Mantel, eu tinha feito um projeto de um caderno de informática pro JB e eu não sabia que a Cora também tinha feito um projeto de um caderno de informática para o JB, que o JB, da mesma forma que não conseguiu fazer aquele produto especial, lá atrás, sobre telemática, não conseguiu patrocinadores, aí o pessoal d'O Globo soube e resolveu criar o caderno de informática, porque naquela época o que acontecia é que a parte de classificados sobre venda e compra de computadores, disquetes, programas de computador, tal, não sei o que, era muito ativo, então merecia um caderno, porque aí o Globo fez aquele de projeto de cadernos que eram capas dos classificados temáticos, né? E foi assim com carro, foi assim com casa, com tudo, e aí nasceu a Informática e Etc., que ia se chamar, A Vida Moderna, e a Cora não topou o nome, virou Informática Etc. e eu fui como sub da Cora para fazer o caderno, fiquei lá onze anos fazendo o caderno de informática. Nessa época do caderno de informática, foi que eu tomei conhecimento da internet, fuça daqui, fuça dali, fuça não sei o quê. A gente ia para as feiras internacionais, todas, e em uma feira internacional surgiu uma feira que se chamava, New Media Expo, os mesmos organizadores da Comdex, estavam organizando essa feira, New Media Expo, aí eu falei para Cora: “Pô, isso aqui parece legal, eu quero ir. Deixa eu ver o que está acontecendo, que história é essa de nova mídia’’. Imagina, eu que já estava com a cabeça fervilhando com aquela história de que a minha profissão vai ser diferente do que é hoje, sabe? “Quero ver esse negócio”. E eu fui achando que eu ia chegar lá e encontrar o mesmo grupo de jornalistas que eu já conhecia, internacionais, que cobriam informática, e cheguei lá, não tinha ninguém da minha turma lá, o pessoal que estava lá era de outra área, era de cinema, televisão. Estava todo mundo assustado com um troço chamado “acesso comercial à internet” que já existia nos Estados Unidos e que estava revolucionando a indústria de copywriting, de tudo, né? Porque era muito fácil você transmitir coisas através da internet… naquela época nem tão fácil assim, porque as velocidades ainda eram muito baixas, então para transmitir um filme, ficava muito ruim, você não conseguia ver no computador, você tinha que baixar o arquivo para poder ver o filme, mas, mesmo assim, já estava fervilhando isso nos Estados Unidos. E aí eu conheci o John Perry Barlow, que era o fundador da Electronic Frontier Foundation, o cara que tinha escrito o manifesto do Ciberespaço, e por quê? Porque me levaram para entrevistar ele. Essa é outra história sensacional também: eu estava lendo um livro sobre realidade virtual, que tinha acabado de sair no Brasil, como não tinha ninguém que eu conhecia, na hora do almoço, eu sentei na sala de imprensa e continuei lendo o livro, porque era o primeiro dia de feira, eu não estava muito enturmada com aquele pessoal lá, eu sentei e comecei a ler, aí um cara sentou na minha frente, me perguntou que livro era aquele, aí eu falei: “Ah, é um livro sobre realidade virtual e tal, não sei o quê’’. “É? Tá editado no Brasil?’’. Eu falei: “É, está editado no Brasil’’. Aí ele falou: “Lá o pessoal gosta de realidade virtual?’’. Eu falei: “Mais a gente da mídia especializada, que acaba escrevendo sobre isso, porque a gente gosta de falar sobre o futuro que vem, né? Então as pessoas tomam mais conhecimento por causa da gente”. Ele falou: “E você está gostando do livro?’’. Aí eu falei assim: “Estou’’. Ele falou assim: ‘’Eu sou o autor’’. Aí eu falei: “Hum!’’. Imagina se eu tivesse dito que eu não gostei, né? (risos) Então ele era o autor e conhecia todo mundo, o cara me colocou embaixo do braço e começou a me levar para conhecer as pessoas, foi assim que eu conheci o Barlow. E eu fui entrevistá-lo, e nesse dia que eu fui entrevistá-lo, ele chegou para mim e falou assim, no final da entrevista ele falou assim: “Me dá o seu e-mail, para eu te passar o material para você ler’’. Eu falei: “Eu não tenho e-mail, o meu e-mail é através de BBS”, porque naquela época, a gente só tinha os BBS aqui. Eu já tinha BBS, usava e tal, a gente mandava através da Usenet, aí a gente mandava... era a mesma coisa, né? A gente tinha um correio eletrônico que pertencia ao BBS, o BBS se conectava com a Usenet, a gente passava o e-mail internacional, levava um dia para voltar, porque o cara tinha que se conectar lá de novo, para pegar aquilo que a gente colocou. E no BBS era Sincro, então você escrevia as coisas off-line, subia, colocava no BBS, e pegava as coisas que você queria ler e lia off-line, porque você não conseguia ficar o tempo inteiro conectado, era linha discada, você tá pagando pulso de telefone, era caro, então assim, a gente fazia dessa forma, na Sincro. Eu falei para ele: “Você não vai conseguir mandar um e-mail para mim. Está aqui o meu e-mail, mas você não vai conseguir, não é um e-mail internet, tal e não sei o quê’’. Ele virou para mim e disse a seguinte frase: - que eu me lembro até hoje - “Corre, porque jornalista que não tiver um e-mail, daqui a seis meses tá fora do mercado’’. É óbvio que ele estava falando do mercado americano, mas aquilo me assustou, eu voltei para o Brasil e falei: “Cara, corre! A gente precisa de um e-mail’’. Porque assim, a gente falava com esses caras lá fora o tempo inteiro, a gente não pode ficar alijado dessa coisa que está acontecendo lá, a gente tem que continuar, né?”. E foi assim que eu fui bater no Ibase, porque eu tinha feito a cobertura da ECO-92, e sabia que o Ibase estava fazendo a conexão, a internet para as organizações, as ONGs, as Organizações _________, que tinham vindo pra ECO-92. Aí eu fui bater lá na porta do Ibase, fui conversar com o Carlos Afonso, aí o Carlos Afonso assim: “Eu consigo resolver o problema de vocês, tem aqui a Associação Para Progresso das Comunicações, se filia a ela e eu te dou um endereço de e-mail’’. Então meu primeiro endereço de e-mail era cristina.deluca@xpcorb, que era dessa organização. E a partir daí, eu comecei a navegar na internet feito uma louca, primeiro em modo caractere, então usei muito: Golf, Verônica, que eram as ferramentas que a gente tinha na época e como eu estava nesse meio, eu comecei a saber que estava chegando à internet, que gente chama Gráfica, que é essa internet que a gente conhece hoje, acessada através dos browsers, dessas coisas todas. Então foi assim que eu fui parar na internet e desde que eu fui para lá nunca mais saí, a minha vida foi me levando cada vez mais profissionalmente para internet. Então eu gostava. Assim, eu me lembro que quando a Embratel foi lançar o serviço Infoservice aqui no Brasil, a gente ainda não tinha acesso comercial aberto, foi uma história que eu cobri do início ao fim, essa história de como vai ser o acesso comercial à internet no Brasil, quem vai dar o acesso, como vai ser o acesso e tal. Mas já naquela época, o pessoal da Embratel procurou O Globo, porque eles estavam lançando um serviço de hospedagem de páginas e não tinham páginas em português, porque pouca gente fazia, quem topou fazer páginas em português? A Agência Estado, através do Rodrigo Mesquita e o meu chefe na época, n’O Globo, o Amauri Melo, que cuidava dos cadernos especiais, que estava em cima da Cora, topou colocar o caderno de informática n’O Globo, chegou lá para gente e perguntou: “Vocês querem colocar?’’. Eu falei: “Quero’’. A primeira página que a gente colocou no ar, a gente contratou a PUC do Rio para fazer, porque a gente não sabia fazer Html, e a gente pagou uma fortuna para fazer quatro páginas, em Html, para colocar no ar e eu achei que aquilo não estava certo, aí eu fui aprender Html, aprendi Html e comecei a colocar o caderno de informática no ar, passei quase dois anos assim: toda segunda feira eu pegava o conteúdo do caderno que tinha sido publicado e colocava no ar, para o pessoal que estava fora do Brasil ler e o pessoal que tinha computador com acesso à internet, daqui, ler. Então foi bacana, porque o acesso à internet aqui estava começando, né? E aí quem estava fora do Brasil começou a pedir para ter outros assuntos. Então, por exemplo, carnaval, eu pegava as matérias sobre escola de samba e colocava lá, futebol, eu falei: “Gente, não vai dar para colocar todo caderno de esporte, todo dia no ar, eu faço isso na mão”. Aí eu combinei com o Renato Maurício Prado, que faria uma coluna semanal para falar do campeonato carioca, do campeonato brasileiro, do campeonato... e assim foi, a gente foi fazendo, até que a gente teve a ideia de fazer o Globo Online, eu e a Cora, e propusemos para o jornal: “Vamos fazer o Globo inteiro, está na hora de ir, né?”. E o Charlab teve a ideia de fazer o JB on-line, lá no JB. O Globo é um mastodonte se mexendo, né? Naquela época, o grande jornal, era difícil fazer as coisas e tal. O JB andou mais rápido e saiu na frente, eu chorei um dia inteiro, porque o JB colocou um jornal inteiro na internet antes da gente, que já estava na internet a bastante tempo. E eu me lembro de o Millôr Fernandes virar para mim e para a Cora e falar assim: “Eu não estou entendendo porque vocês estão tão chateadas, se o JB botou, agora o Globo vai botar’’. E dito e feito, o JB botou e o Globo botou. E depois do JB e d'O Globo, vários jornais paulistas, né, o Estadão, a Folha, todos começaram a ir para a internet também, e assim nasceu o jornalismo de internet do Brasil.
(59:00) P1 - Nossa, muito interessante. E voltando um pouquinho [ao] que você comentou lá no início, que você não queria trabalhar nesse negócio de redação, com as pessoas fumando, assim, cheio de homem, deixa eu te perguntar, tinham muitas mulheres também? Você falou o nome de várias editoras, mas tipo, elas eram predominantes ou não?
R1 - Não, na área de informática sim. O que [é] que aconteceu? Como a informática era uma indústria nascente, era uma coisa nova que estava entrando nas redações, o início da cobertura de informática, mesmo nos grandes jornais, tirando o Ethevaldo Siqueira, que é oconcur, que está fora dessa história, foi feita predominantemente por mulheres. Então, aqui no Rio, por exemplo, a gente tinha a Alda Campos, tinha a Cristina Lemos, Cristina Chacel, eu, a Rose, enfim, várias mulheres cobrindo. A Cora, que já usava o computador há muito tempo para escrever livros infantis. Então acabou que as mulheres foram entrando, ganhando terreno e crescendo rápido nessa cobertura de informática que começou a se tornar uma indústria muito importante para o Brasil, então.
(1:00:23) P1 - E você sabe por que as mulheres que faziam isso?
R - Não, acho que os homens não tinham tanto interesse nessa indústria nascente assim, não, era menos nobre, né? Os caras queriam cobrir o comércio exterior, petróleo, macroeconomia, essas coisas. Lembra [que] a cobertura estava dentro da economia, antes de ter os cadernos.
(1:00:50) P1 - E essa parte de… por exemplo, você cobrir tecnologia naquela época e hoje, assim, que evolução que teve?
R1 – Total, né? Naquela época, a tecnologia era nicho, servia determinadas tarefas, primeiro dentro das empresas, depois começou a entrar nos nossos lares, através dos computadores, dos microcomputadores, mas muito específicos ainda, para fazer processamento de texto, para fazer uma planilha eletrônica, para fazer uma apresentação, nada assim, nada parecido do que é hoje, nada, né? Então a gente tem muito daquela época ainda, a gente usa as mesmas ferramentas que a gente usava naquela época, mas a gente usa muito mais coisas hoje, a gente praticamente tem um mundo na nossa tela, era impensável naquela época fazer o que a gente está fazendo aqui agora, eu teria que ir à São Paulo para você me gravar, porque era impossível, né? Então assim, foi uma evolução grande e muito rápida, muita rápida, principalmente por causa desse negocinho “aqui”, né? Eu lembro de ter ido gravar um programa na Rádio MEC, junto com o pessoal da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro, a Proderj, fui eu e o presidente da Proderj na época, e eles começaram a perguntar para gente pelo celular, e lá pelas tantas, eu falei assim: “Olha, eu acredito que o celular vai ser o equipamento de inclusão digital no Brasil”. Não deu outra, né? Virou. O celular é hoje o grande instrumento de inclusão digital. E eu faço mea-culpa muito grande, assim, acho que gente errou muito como jornalistas, porque aquilo que a gente ajudou a indústria de computador no Brasil a ser, e os usuários de computadores a entenderam bem, o que [é] que era o computador, como é que se usava uma planilha, como é que se usava um sistema operacional, quais eram os problemas de segurança, quando a internet chegou, como é que você se protegia para fazer uma compra on-line, esse negócio todo, a gente não fez quando os celulares começaram a serem usados com essa finalidade de praticamente substituir o computador, para o acesso das pessoas aos produtos e serviços que elas precisam ter.
(1:03:25) P1 – Ah, entendi. E não focou muito na cibersegurança, né?
R - É, não. Nem na cibersegurança, nem na funcionalidade. Hoje o pessoal usa, você usa a rede social, você usa o celular, mas você não entende muito bem como é funciona. O computador todo mundo entendia, até porque todo mundo mexia, né, então era tipo mecânico de carro, sabe? Eu me lembro do meu avô, eu me lembro de várias vezes abrir o computador e ir lá e soprar a placa, para sair aquilo que estava prejudicando e que estava tornando o computador mais lento, enfim, pegar um pente de memória e escovar o pente de memória para ele funcionar direito, essas coisas, né?
(1:04:11) P1 - E depois, que você contou toda a sua trajetória, o que [é] que você fez?
R - Então, o que aconteceu é que enquanto eu estava no Caderno de Informática d’O Globo, O Globo lançou O Globo Online, e aí eles queriam que eu fosse editora d'O Globo Online e eu achei que aquilo iria afunilar demais a minha carreira naquela época, não quis ir, mas saí de férias um ano depois. Durante o primeiro ano de vida d’O Globo Informática, eu fui uma espécie de consultora para o pessoal que estava lá, então, e era uma ponta de lança, no caderno, na parte que era a cobertura de informática d'O Globo Online, eu ia lançando coisas para ver se o pessoal consumia: “Ah, então tá bom. Isso aqui deu certo, esse programa funcionou, esse negócio dá certo? Então vamos implantar no jornal como um todo”. Então eu ia fazendo as coisas, primeiro em um caderno de informática, porque falava com esse público que tinha computador e tinha acesso. E a partir daí, o que aconteceu foi que eu saí de férias, e quando eu voltei O Globo já tinha me transferido para ser editora d'O Globo Online? Eu cheguei, a Cora me chamou para um jantar, junto com o Amauri e os dois me comunicaram que eu não estava mais no Caderno de Informática, que ia ser editora d'O Globo Online, aí eu fui.
E a partir daí a minha vida virou ser editora de publicações on-line, direto. Então, só que assim eu nunca... eu sempre fiz questão de manter um pezinho na cobertura de tecnologia, porque, de alguma forma, eu intuía que aquilo era importante para eu não ficar defasada, para eu continuar mantendo aquela conexão de saber: “O que [é] que está chegando aí? O que está vindo? Qual a tendência de agora? Para onde está indo esse negócio?’’. Porque meio que intuía que tecnologia ia virar, tecnologia da informação principalmente, ia virar o que é hoje, hoje ela é a mola mestra da economia, né?
(1:06:34) P1 - E é uma área que você precisa estar sempre atualizada, não é?
R - O tempo inteiro. Não dá para parar de ler (risos), não dá para parar de ler, não dá para parar de conversar com as pessoas, não dá para parar de saber o que as empresas estão fazendo, enfim.
(1:06:52) P1 - E o mercado de trabalho, assim, como é que ele mudou nesse tempo que você começou, até agora?
R - Então, a primeira grande mudança foi a mudança de ferramenta, né? A gente começou a usar a tecnologia como ferramenta para produção jornalística, isso fez uma grande diferença, muita diferença eu diria, porque primeiro que rompeu barreiras de espaço e tempo né, você poderia estar conversando com qualquer pessoa, em qualquer lugar, em qualquer momento, enfim, e isso só acelerou mais e mais a ponto de a gente estar fazendo essa conversa aqui e agora. A segunda coisa que mudou, foi que os jornalistas perceberam que eles não precisavam de um grande veículo para publicar o trabalho deles, mas não só os jornalistas, outras pessoas perceberam também, e aí isso foi um grande choque, né? Então teve um primeiro grande choque, de você usar as ferramentas para produzir, produzir muito mais rápido e muito melhor. Teve um segundo choque que foi o leitor estar muito mais perto de você, esse foi um choque também, porque você tinha que esperar as cartas dos leitores chegarem, você lia por carta, você respondia a carta que você queria, de repente, no on-line, o leitor estava ali conversando com você o tempo inteiro, e te dando feedback o tempo inteiro e criticando ou elogiando o seu trabalho o tempo inteiro, então isso também foi uma mudança importante. Depois veio a mudança da gente de perceber que: “Poxa, pera aí, se todo mundo está conectado assim no meu trabalho e está gostando, por que eu tenho que estar ligado a uma grande marca e não posso ter a minha marca?’’. Mas aí chegaram as redes sociais e todo mundo se achou dono do conteúdo e produtor de conteúdo. E chegou o celular também, e massificou isso de uma forma inimaginável naquela época, a gente não imaginava que iria chegar nesse ponto, nem a gente que cobria tanto a área, achava que iria ser tão rápido e dessa forma tão intensa que é hoje. Mas a gente começou primeiro fazendo blog, por exemplo, né? Então todo mundo tinha o seu blog pessoal, escrevia e tal, aquilo que o veículo não deixava a gente escrever, a gente escrevia no blog, né? Até que as redações começaram a segurar um pouco e dizer: “Não, se você está aqui, o blog é nosso’’. E aí começa a fazer o blog dentro do veículo, aí você ganha mais amarra de novo, né? Mas é isso, as coisas vieram em ondas, até chegar agora nesse momento, o que aconteceu é que a gente tinha uma marca na mão, a Silvia, né, que era publisher lá da IBG, e chegou em determinado momento que a gente achou que a gente podia ter um veículo nosso, fazer um jornalismo diferente, porque o jornalismo de tecnologia estava muito igual. Então assim: “Dá para fazer diferente? Dá para fazer uma coisa mais lenta, mais pensada, mais direcionado às pessoas para onde a gente acha que as coisas vão acontecer?". E essa foi a proposta da The Shift, trabalhar com o contexto da informação, sempre aquela informação que vai fazer diferença no teu negócio, na tua vida, então.
(1:10:28) P1 - Como é que você e a Silvia se conheceram e surgiu essa ideia inicial da The Shift?
R - A gente se conheceu lá atrás, né? Ela era jornalista da Exame, na época. Aliás, antes disso, ela era da IDG mesmo ainda, que editava o Data News. Eu era d'O Globo. A gente tinha uma certa rivalidade, porque ela era a estrelinha em Brasília e eu a estrelinha no Rio, todo mundo queria ouvir a gente, queriam que a gente fizesse matéria e tal. Isso eu me lembro muito bem, porque a gente começou a ganhar prêmios, ela começou a ganhar prêmios lá, eu comecei a ganhar prêmios aqui, e as pessoas meio que disputavam a gente, os veículos queriam que a gente trabalhasse neles e tal. E chegou um momento que a gente meio que se perdeu, ela foi trabalhar com assessoria de imprensa, eu fui fazer outras coisas também. E quando eu fui para o Terra, ser diretora de conteúdo do Terra, quando eu fui para São Paulo, há vinte e tanto anos atrás... então aí eu fui para São Paulo em 1987, em setembro de 1987… não, volta: fui para São Paulo em setembro de 2007, para ser editora do Terra, ser diretora de conteúdo do Terra, e aí a Silvia tinha acabado de pegar a marca IDG, ela tinha construído o IDG Now, e aí ela criou a Now Digital, que foi a empresa que eu acabei indo trabalhar. Eu, que nunca tinha trabalhado no grupo IDG, acabei indo trabalhar pela Silvia. Por quê? O que aconteceu? Eu fui para o Terra, fiquei pouquíssimo tempo, porque era um projeto lá do Terra [de] ter uma redação da América Latina, integrada e tal, e eu reencontrei a Silvia, eu licenciava conteúdo para o Terra ter, era responsável por levar parte desses conteúdos e aí eu tentei negociar de levar o IDG para lá, naquela época os portais compravam conteúdo de muita gente. E aí eu acabei saindo do Terra e fui trabalhar para especificação de aplicativos para dispositivos móveis, para os smartphones, em uma empresa que fazia esse trabalho. Foi quando a Sílvia me procurou e falou assim: “Eu estou precisando de uma diretora de conteúdo, você não quer voltar a trabalhar com tecnologia, diretamente?’’. E aí eu fui ser diretora de conteúdo da Now Digital, das publicações da IDG toda, estavam embaixo de mim todas as revistas, Computerworld, PCWorld, Macworld, enfim, todas, (CIO?). E fiquei trabalhando com ela, isso foi, eu comecei a trabalhar com ela em 2008, e a gente acabou vendendo a marca, ela vendeu a marca, porque ela era a distribuidora para o grupo IT Mídia em 2018. Aí, em 2018, a gente teve essa ideia, chegou uma hora que a gente falou assim: “O jornalismo está muito igual, as coisas estão muito parecidas, de tecnologia, não dá para fazer diferente?’’. Um amigo nosso, que tinha sido nossa fonte lá atrás, o (Simão?) Nunes, ajudou a gente a fazer o canva da The Shift, especificar a ideia da The Shift, tudo. E aí a gente resolveu criar a primeira newsletter, porque estava na moda, tinha acabado de surgir o meio e tal, e eu sempre fui muito defensora de newsletter, sabe? Sempre achei que... nesse meio tempo aí, eu fui trabalhar com redes sociais, larguei o jornalismo, porque eu queria ver como é que era o outro lado do balcão, fui trabalhar no FSB, na parte digital da FSB, para fazer a gestão de conteúdo de rede social, especifiquei aplicativo para celular, enfim, fui fazer um monte de coisa, sabe aquela minha, como é que eu posso dizer? É um incômodo, uma... eu sou quase impelida a fazer uma coisa diferente, que não seja na redação de um grande veículo. Então essa minha inquietude acabou me levando para outros lugares, mas eu sempre voltava para a minha atividade-fim. A gente vendeu lá a área, especificamos a The Shift, começamos a fazer a The Shift tem quatro anos.
(1:15:45) P1 - E por que [é] que o jornalismo de tecnologia é diferente?
R - A gente trabalha mais com curadoria de conteúdo, então a gente fica muito ligado no que está acontecendo de diferente, sempre trazendo uma roupagem diferente daquela do dia a dia, então a gente não trabalha com Hard News hoje, a gente trabalha com informação mais pensada, mais contextualizada, a gente começa a montar assim, tem um cenário aqui se formando, esse cenário que a gente oferece, é um pouco disso que a gente tenta fazer na The Shift todo dia, né? Tanto que as newsletter são temáticas, então segundas-feiras a gente fala mais de gestão, terça-feira a gente fala mais de economia digital como um todo, quarta-feira, de hoje, é de inteligência artificial e dados e quinta-feira é o que a gente chama de “Futuro do presente’’, que aí é o disruptivo do disruptivo: o que vem por aí mesmo. (risos)
(1:16:55) P1 - E vocês trabalham sozinhas?
R - Não. A gente... hoje a gente está com uma estagiária, mas a gente já teve uma editora e uma repórter. A gente deu uma encolhidinha no ano passado, porque a gente achou que precisava repensar um pouco a publicação, e mudamos tudo. Então vem coisa boa e nova por aí, que não dá para dizer o que é. A gente está procurando gente para essa coisa boa e nova que vem, porque muda um pouco o perfil do que a gente vai fazer, então são outros desafios, são coisas diferentes, mas a gente vai continuar mantendo as newsletters. E o podcast. Nesse ínterim, a gente virou podcaster também, né? Então a The Shift também tem um podcast, que muita gente ouve, é interessante perceber que o público da newsletter e o público do podcast, são públicos totalmente diferentes, com o mesmo conteúdo, o mesmo princípio, a mesma ideia por traz.
(1:18:00) P1 - E como é que é a rotina de trabalho assim, de uma mídia independente?
R - Muito trabalho. (risos) Assim, hoje é que eu estou fazendo uma coisa diferente, é que como a gente já teve a reunião de pauta uma hora da tarde, eu já sei o que eu vou escrever para amanhã, dá para eu ficar parada esse tempo da tarde, sem ler muita coisa, porque eu já estou aqui maquinando como é que eu vou fazer a newsletter de amanhã, né, com as coisas que eu fiquei de produzir da newsletter de amanhã. A Silvia tem outras coisas que ela vai produzir amanhã para a newsletter. A gente tem uma newsletter diária, que a gente tenta entregar todo dia até às nove horas da manhã na caixa postal dos nossos leitores. É uma newsletter densa, então a gente não espera que você abra imediatamente, mas a gente espera que você leia, e o que acontece é que elas têm uma cauda longa grande, então elas têm um pico, assim que ela chega na sua caixa postal, mas depois elas têm uma cauda longa, bem grande, porque as pessoas continuam a ler, porque como a gente não trabalha com Hard News, aquele conteúdo não se esgota, né? E todo conteúdo nosso tem muito link de aprofundamento, então o que a gente faz é um resumo, a gente lê muita coisa, a gente tem um bordão que é: “A gente lê tudo, para você só ler o que interessa’’. Se você não quiser clicar nos links, tudo que interessa está ali, mas você pode clicar nos links e se aprofundar, então essa é a ideia da newsletter. Daí isso virou uma plataforma de conteúdo, a gente tinha começado a trabalhar com a ideia de ter assinatura e um portal, onde a gente tivesse conteúdos mais densos, então, muitos relatórios, muitas pesquisas, muita coisa. A gente chegou na conclusão que talvez esse não seja o caminho, tem um caminho melhor se apresentando para gente, eu não posso adiantar, mas, enfim, a gente vai voltar com o portal, a gente está redesenhando o portal, o portal deve entrar, o novo portal deve entrar no ar agora no segundo semestre. E o podcast que a gente mantém também até hoje, a gente começou lá atrás, junto com o pessoal do B9 e agora a gente segue carreira independente, mas ainda fazendo parte da Rede B9, porque eu tenho um carinho enorme pela Cris Bartis e pela Ju Wallauer e pelo Carlos Merigo; então a gente está sempre lá se ajudando, eles ajudando a gente, a gente ajudando-os, enfim, vai levando.
(1:20:38) P1 - E pensando na área de jornalismo, assim, especializada em tecnologia, em mulheres na área, você acha importante que existam mulheres trabalhando com isso?
R - Cada vez mais. A gente tem tocado muito nessa tecla, tanto no podcast, como nos conteúdos da The Shift como um todo, a gente tem falado muito sobre essa questão de aumentar o acesso das meninas ao conhecimento sobre tecnologia e ao mercado de trabalho de tecnologia, inclusive com postos de trabalho qualificado em tecnologia e tal, serem líderes nessa área e estarem trabalho com questões de ponto, como, por exemplo, a inteligência artificial. Então, sempre que a gente pode, a gente ajuda a abrir espaço e a bater na tecla de que: “Meninas, é para todo mundo, sabe?’’. As meninas têm muito aquela ideia de que lá, desde que você é jovenzinha, de que tecnologia não é para elas. É sim! Não tem barreira nenhuma que te impeça de entrar nessa área, barreira que eu digo, assim, não tem nada diferente que você não possa fazer, você pode e deve, né?
(1:22:01) P1 - E voltando um pouquinho assim, como é que foi o trabalho de vocês no período da pandemia? Como vocês são um portal, mudou alguma coisa?
R - Mudou que a gente deixou de ter uma redação. A gente tinha uma redação e foi todo mundo trabalhar… porque assim, para nós, foi uma redução de custo fixo, né, também: “Para que a gente vai ter um escritório, se ninguém pode ir para lá?”. Eu, em 2016, tive H1N1, naquela leva que a H1N1 matou um monte de gente e tal, e eu fiquei internada seis dias, porque eu tenho asma, e a H1N1 me deixou uma cicatriz no pulmão, então eu era uma que não ia poder ir para o escritório de jeito nenhum, eu vivia doente. Para você ter uma ideia, a gente trabalhava em coworking, e todo ano chegava o inverno, eu pegava gripe e ficava doente, então eu falei para ela: “Eu não vou sair de casa’’. E aí as outras pessoas também acharam melhor ficar em casa e se protegerem. Então a gente entregou o escritório e começamos a trabalhar remoto. Nessas de trabalhar remoto, a nossa repórter foi contratada na Bahia, a editora era de São Paulo e eu estava em São Paulo também, os outros sócios em São Paulo, enfim, a gente começou a trabalhar totalmente remoto. E funcionou, né, porque dava para fazer igual a gente está fazendo aqui, agora. E foi por isso que eu vim para Teresópolis, porque quando acabou a pandemia, eu já tinha tomado as duas vacinas, não tinha acabado a pandemia, a pandemia não acabou, ela está aí, ela só diminuiu, né, enfim, a OMS diz que não é mais uma emergência, mas a gente tem o vírus circulando ainda. E o que aconteceu foi que eu já tinha tomado duas doses de vacina e eu me senti mais forte para ir ver a minha mãe, porque eu fiquei dois anos e meio sem ver a minha mãe. Então, a minha mãe estava morando aqui com a minha irmã, como eu falei no início, em Teresópolis, eu vim e achei que a pandemia tinha judiado muito da minha mãe, a parte cognitiva e de sociabilidade e tal, porque ela também ficou trancada em casa, né? Então aí eu achei que eu devia vir para cá, porque já que eu estava trabalhando remoto, dava para fazer 90% do trabalho remoto e continuar remoto, eu falei: “Não, eu vou embora, vou inverter. Ao invés de eu ir ver a minha mãe sempre nos feriados, como eu fazia antes, eu agora vou para São Paulo trabalhar quando houver necessidade”. Então, por exemplo, esse mês de junho, deste ano, para mim, foi totalmente atípico, porque eu tive um evento para ir na primeira semana de junho, que foi da TeleBrasil, do Conexis, que agora é o nome, e depois tive no Febraban Tech, que foi na semana passada, que eu também fui para São Paulo. Então, esse mês eu fui duas semanas para São Paulo, eu fiquei duas semanas direto em São Paulo, mas, normalmente, o que acontece é assim, eu vou pontualmente. Então, se precisar fazer alguma coisa em São Paulo, que não dá para fazer remotamente, eu vou. Se der para fazer remoto, a gente faz como a gente está fazendo aqui agora.
(1:25:34) P1 - E voltando, assim, para a vida pessoal, você tem algum relacionamento?
R - Eu tenho, eu sou, eu tenho uma companheira há 22 anos e posso dizer que é fundamental na minha vida, porque ela tira muito do peso de trabalhar em casa, de ter… assim, eu consigo me dedicar a aquilo que eu preciso fazer, porque boa parte das tarefas ela assume, da casa, enfim, de tudo.
(1:26:08) P1 - E como é que vocês se conheceram?
R - E tinha um Land Rover na época que eu era executiva de empresa de mídia; [em] um dos meus bônus, eu comprei uma Land Rover e comecei a fazer trilha. E aí eu a conheci em uma festa junina e convidei ela para fazer uma trilha e daí foi. Ela já era aposentada, ela era comerciante e já estava aposentada. E a conversa começou assim, eu falei assim: “Você pode me dizer como que uma pessoa de 55 anos já está aposentada?". E ela começou a me contar a história dela e disse que ela não queria mais abrir um negócio dela. Hoje ela é uma das sócias da The Shift também.
(1:26:57) P1 - Aí que legal. E além do trabalho assim, da parte de tecnologia, você tem algum hobby, alguma coisa que você goste de fazer?
R - Olha, o que eu mais gosto de fazer, eu não estou conseguindo fazer já há muito tempo, que era mergulhar. Eu comecei a mergulhar com a Cora. Então eu gosto muito de viajar para lugares onde eu consigo fazer mergulhos, onde eu consiga fazer caminhadas e depois... assim, um pouquinho antes da pandemia, durante a pandemia, eu acabei tendo que desistir disso, né? Eu tinha uma prática, a primeira vez que eu contei isso para a Silvia, a Silvia riu e falou: “Você não consegue’’. E quando eu fiz pela primeira vez, ela falou: “Ela consegue’’. Porque todo mundo começou a me procurar e ninguém me achava, como eu vivo conectada 24 horas do dia, praticamente, tem gente que pergunta que horas que eu durmo, que o pessoal me vê tuitar e tal, não sei o quê. Eu durmo, durmo sete horas por dia (risos), até hoje, mas assim, eu estou sempre muito ligada em tudo. Então quando eu tiro férias, que eu consigo tirar férias, eu faço questão de pelo menos tirar uma semana por ano, eu me desconecto totalmente, eu vou para um lugar que não tenha luz, não tenha telefone, não tenha internet, não tenha nada, né, que eu possa me conectar com a natureza. E a ideia de vir para Teresópolis para ficar mais perto da minha mãe, é que a vida inteira... a minha mãe tá em uma casa, que a vida inteira eu disse que eu gostaria de, no espólio da família, ficaria para mim, porque eu gostaria de me aposentar aqui. Eu só adiantei as coisas, vim ainda trabalhando, porque não quero me aposentar agora, tenho muita coisa para fazer ainda, tem muitos planos, tem muita coisa bacana que vêm por aí, mas eu vim ficar mais perto da natureza, né? Então eu, hoje, gosto de... foi bom para mim também, porque eu comecei a ficar mais fora de casa, do que dentro de casa. Eu estava ficando muito dentro de casa, por causa da pandemia, por causa do trabalho remoto, então sábado e domingo, hoje, eu faço questão de me conectar com o mato, né? Eu não gosto muito de ficar em cidade, não. Eu fui para São Paulo, eu estranhei demais a volta agora, eu sou meio bicho do mato, sempre fui, o pessoal n’O Globo dizia que eu era hippie, diziam que eu era uma up hippie, porque, enfim.
(1:29:37) P1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Nesse momento, o mais importante para mim é a minha família, eu acho que todo mundo ficou um pouco assim depois da pandemia, a minha saúde e o meu trabalho, esses são os três pilares assim, superimportantes. Tem muita gente que brinca, o pessoal que me conhece bem, diz assim: “Você...”. A minha mãe diz que meu nome é trabalho, que deveria ter trabalho no meu sobrenome, porque eu gosto do que eu faço e quando você gosta do que você faz, você faz por prazer, o trabalho te diverte, não é um peso, né? Então assim, hoje o meu trabalho é muito importante, porque a gente está construindo uma coisa que a gente acredita, então essa construção é uma mola mestre, né? Mas a minha família vem primeiro do que qualquer outra coisa, e a minha saúde, sem as duas coisas, família e saúde, a gente não faz o trabalho, então.
(1:30:52) P1 - E qual é o seu maior sonho?
R - Hoje, o meu maior sonho é ver a The Shift crescer e ter a vida confortável, (risos) daqui a algum tempo, porque empreender é pesado, todo mundo que empreende sabe, empreender é bem pesado, é muito gostoso quando dá certo e tem dado certo na The Shift, mas é... chega uma hora que você... tem dia que você acha que vai desistir, sabe? “Ai, não deu’’. E tem outros dias que você diz: “Cara, deu certo! Vamos embora, vamos fazer mais, vamos fazer!’’. Essa é a vida do empreendedor, de altos e baixos. Então assim, hoje eu tenho o grande sonho de ver a The Shift crescer e eu poder ter uma vida confortável, onde eu possa ter uma casa no campo com os meus livros, meus amigos, meus discos e nada mais.
(1:31:53) P1 - Qual você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Eu não sei, mas eu espero que eu possa servir de inspiração para muita gente que venha por aí, em acreditar que o mundo pode ser diferente daquele que a gente conheceu, que ele vai ter problemas, porque sempre vão existir problemas, mas que a tecnologia que chega, se for bem utilizada, com consciência, com ética, ela pode ser muita boa para todo mundo, né? Então eu acho que eu deixo esse legado de ter acredito e de ter persistido naquilo que eu acreditei, sabe? Se eu dissesse para você que na virada do milênio, lá no ano 2000, quando estava todo mundo desesperado que ia ter o bug do milênio, eu estava encantada com uma entrevista com Alvin Toffler, morando lá onde ele morava, dando uma entrevista para a BBC de Londres e para a NBC nos Estados Unidos, pela internet, eu olhando aquilo e dizendo assim: “É isso que eu acredito que vai ser o futuro, ninguém vai precisar vir para o trabalho, só quando for estritamente necessário, vai dar para gente fazer tudo que a gente faz hoje remotamente, morando no lugar que a gente escolher para morar’’. Parte do meu sonho já está se realizando, então.
(1:33:33) P1 – Incrível! Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R - Que você não perguntou? Eu acho que tem uma coisa importante que eu ouvi lá no início da minha carreira, de mais de uma pessoa, que é: “As pessoas precisam ter para serem bem-sucedidas, sorte, talento, mas precisam suar muito a camisa, né?”. Então, eu acho que se eu fosse dar uma... eu não gosto muito de dar conselho, nem gosto muito de dar receita, mas essa foi uma receita que funcionou. Sem essas três coisas, não vai funcionar. Sorte é uma coisa que ou você tem ou você não tem, né, talento dá para trabalhar muito e o suar a camisa só depende da gente. Então é arregaçar a manga e correr atrás daquilo que você acredita, e quanto mais você correr atrás, se for uma coisa genuína, um desejo genuíno, vai acontecer.
(1:34:49) P1 - E por fim, como é que foi contar um pouco da sua história para gente?
R - Estranho (risos). Está do outro lado é muito estranho, normalmente a gente que faz as perguntas, então, a gente nasceu perguntando, é a vocação do jornalista perguntar, né?
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