Retiro dos Artistas
Depoimento de Roberto Nascimento
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 12/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV04_Roberto Nascimento
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Você pode falar seu nome completo?
R – Sou Roberto Nascimento, de passarinho e de jumento.
P/1 – Qual a sua data de nascimento?
R – A data de nascimento é… deixa eu me lembrar, eu já esqueci, tem tanto tempo. Véspera de Santo Antônio.
P/1 – Que ano?
R – Muito simples, é diminuir 75 de… 1940.
P/1 – Em que cidade você nasceu?
R – Aqui no Rio, mesmo. A senhora deve achar eu com cara muito de palhaço, né? Porque ela ri o tempo todo de mim.
P/1 – Nasceu no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro?
R – No Rio de Janeiro, nada. Quem tá rindo é você? Como que é o Rio de Janeiro? Nasci aqui mesmo.
P/1 – E seus pais?
R – Ah, minha mãe era ou é amazonense e meu pai cearense.
P/1 – E como é que eles se conheceram aqui no Rio?
R – Ah, minha filha, para isso tem que fazer uma sessão de macumba para… como é que eu vou saber? Sei lá como é que eles se conheceram! Eu sei que foi difícil, porque ela nem saía quase, e ele era radiotelegrafista de bordo, teve na Segunda Guerra Mundial e ela era dona de casa, era uma mulher séria. Ela era do interior do Amazonas, quer dizer, isso é verdade, quanto tem que acontecer… negócio de religião é engraçado, porque quando as coisas estão previstas para acontecer, não tem jeito, ele era do mar e lá do raio que o parta, lá do Ceará, mas ele viajava, viajava, passava anos viajando para Europa e ela era daqui, meio índia…
P/1 – Mas eles se conheceram aqui no Rio de Janeiro ou conheceram lá no Amazonas?
R – Eu acho que se conheceram no Amazonas.
P/1 – E aí, casaram e decidiram vir para o Rio?
R – Casaram e decidiram vir para o Rio.
P/1 – Em que lugar você nasceu? Que bairro?
R – Nasci em Botafogo.
P/1 – Você tem mais irmãos?
R – Tenho duas irmãs e tenho um irmão, mas meu irmão faleceu, meu irmão mais novo. Duas mulheres, eu e o meu irmão mais novo.
P/1 – Você é o…?
R – Terceiro.
P/1 – Como que é o nome da sua mãe?
R – O nome da minha mãe é… muita gente fala assim: “Que nome tinha a sua mãe?”, continua o mesmo nome, Guiomar de Souza Nascimento.
P/1 – E do seu pai?
R – José Vieira do Nascimento.
P/1 – E aqui, ele continuou trabalhando como telegrafista?
R – Claro! Inclusive, enquanto ele estava vivo, ele era telegrafista e não se aposentou nunca, não. Não sei porque também, já tinha tempo para se aposentar.
P/1 – Como que era essa casa em Botafogo, você lembra da sua casa de infância?
R – Ela parece que tá fazendo uma sessão espírita comigo…
P/1 – Mas é.
R – É? Não, porque, infelizmente, eu faço parte de uma família muito pobre, não tínhamos nada próprio, era alugado, tudo alugado, não era nem casa, né, era “apertamento”.
P/1 – Era um apartamento?
R – Era um apartamento.
P/1 – Até quanto tempo você viveu em Botafogo?
R – Ih… muito tempo. Morei no Engenho Novo primeiro… não, morei na Lins de Vasconcelos, depois fui para o Engenho Novo, do Engenho Novo fui para Vila Isabel, de Vila Isabel para Botafogo, em Botafogo fiquei um tempo lá e aí, depois, meus pais já tinham falecido, eu vim morar sozinho, então eu vim morar no Recreio.
P/1 – Quantos anos você tinha quando seus pais morreram?
R – Quando o meu pai morreu, não lembro, não, não sei, não. Não vou mentir para você. Nem quando a minha mãe morreu. Mas eu acho que ela morreu quatro anos depois que ele.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Entrei na escola? (risos) Dez anos. Depois, eu entrei no colégio militar com 11 anos, o mínimo que se podia entrar eram dez anos e meio. Eu tinha dez anos e meio, eu passei no colégio militar, fui para o colégio militar, fui para Escola Preparatória de Cadetes do Ar e da EPCAR de Barbacena eu já vinha para aqui, para a Praia do Peçanha, mas… Deus quis, as coisas acontecem quando Deus quer, ficou todo mundo doido aqui, porque eu era um bom aluno, realmente, eu era bastante bom aluno, eu larguei toda Aeronáutica, tudo, já ia pilotar, larguei tudo para ser violonista. Eu gostava de violão…
P/1 – Você tocava antes?
R – Antes de quê?
P/1 – Antes de entrar na Aeronáutica?
R – Eu fazia tudo, né, eu comecei a tocar violão há uns… em 1900… deixa eu ver… em 49, 50, por aí, comecei a tocar violão.
P/1 – Alguém tocava na sua família? Você via alguém? Com quem você aprendeu?
R – Com Deus. Aprendi violão de ouvido. Não tive professor, não tive escola. Minha escola foi a vida. Aprendi na vagabundagem, na rua, agora, eu não bebia, nem nada, fazia coisas bem desagradáveis, mas não roubava e nem bebia. Eu fumava muito. Graças a Deus, eu parei, mas infelizmente, eu comecei a beber. Agora, não bebia cerveja, nunca bebi cerveja.
P/1 – Aí, você saiu da Aeronáutica e resolveu largar tudo?
R – Larguei tudo, fiquei só no violão e foi ótimo. Trabalhei para a Elizeth Cardoso, para Elizeth escabrosa, que eu chamo, 44 anos com Elizeth Cardoso, Helena de Lima, Helena de Lima tá aí, de vez em quando, eu trabalhava com ela, Dick Farney, de vez em quando eu tocava uma vez ou outra com… mas com a Elizeth que eu era…
P/1 – Mas aí, você largou e foi fazer o que, exatamente? Tocar violino com quem?
R – Violino?
P/1 – Desculpa. Foi tocar com quem, primeiro?
R – Com algumas pessoas… de repente, um senhor, um velho, eu sou senhor, namorei até a filha dele. Enfim, ele era cunhado do Haroldo Barbosa. Haroldo Barbosa foi um grande compositor brasileiro e: “Você toca tão bem, espera aí”, e me apresentou a Elizeth e disse: “Por quê que você não chama o Roberto para tocar para você?”, ela disse: “Claro! Tô louca para mandar esse…”, tinha um mulatinho que tocava com ela, não o conheci, não, mas ela mandou o mulatinho embora e ficou comigo. Eu fiquei com ela, né, ela ficou comigo, não.
P/1 – E aí, como é que foi? Qual foi o seu primeiro show com ela?
R – Ah, foi no Cangaceiro. Cangaceiro era um bar que você, evidentemente, não conhece…
PAUSA
P/1 – Você começou a fazer esses shows com a Elizeth Cardoso no Cangaceiro? Quanto tempo vocês ficaram lá?
R – Muito tempo. A Elizeth trabalhava… entrei para o ar com ela, nós trabalhávamos… que engraçado, quartas e sábados. mas a Elizeth era muito besta, chovia: “Não vou não”, estava caindo uma chuvinha, ela tinha medo de uma chuvinha. Então, aí no Cangaceiro, na esquina tinha um outro bar que eu esqueci o nome agora, não me lembro, trabalhava a Helena de Lima.
P/1 – Ela tocava nos outros dias, né?
R – Ela não tocava dia nenhum.
P/1 – Ela cantava. Ela falou, a gente entrevistou ela.
R – Ela falou?
P/1 – Não, é que a Helena de Lima também deu entrevista.
R – A vocês?
P/1 – Deu.
R – Cada um dá o que pode, né?
P/1 – Você tocava com a Elizeth e fazia outra coisa? Outros shows?
R – Eu tocava com qualquer pessoa, modestamente, realmente, na época eu tocava bem. Depois, passei a tocar excepcionalmente bem. Eu fui um dos três melhores, modestamente, um dos três melhores violonistas do Brasil. Não é à toa que eu tô aqui. Quando eu entrei aqui, eu fiz um show, nós fomos muito premiados. Nós inscrevemos, atuamos, a direção foi do Amir Haddad, conhece de nome, né? Não sei se ele morreu, eu acho que não. Nunca mais o vi. O Stepan Nercessian e eu. Tanto que quando eu entrei aqui, eu cheguei para o Stepan e falei assim: “Stepan, eu tô muito duro, como é que eu posso… posso ficar no Retiro, quanto é que eu tenho que pagar?”, ele olhou para mim, o Stepan é muito palhaço: “Roberto, você não devia se chamar Roberto Nascimento, você devis ser Roberto Merecimento. Tá aqui por merecimento, você é dono do Retiro”. “Então, tá bom”.
P/1 – Qual foi a primeira música que você gravou? Que você tocou, gravou?
R – Não sei, não. Realmente, eu não me lembro, porque na minha época, eu fiz uma festa para gravar, porque a gente gravava na gravadora, tinha gravadora e tal. Aí, por exemplo, você ia cantar e eu ia tocar, os caras já ficavam me olhando assim: “Só não é crioulo, o cara toca tão bem que parece…”, minha mãe que me chamava assim: “Você é branco, mas tem alma de crioulo”, quer dizer, é, o corpo é branco. Ali tem uma mulher, uma senhora que mora ali, ela passou ali, agora eu vi, ela é parente do Pery Ribeiro, enfim, ela foi avó do Pery. Acho que são artistas, mas acho aqui no Retiro, infelizmente, tem muito pouco artista. Eu tenho, talvez, o melhor violão espanhol do Brasil. Realmente, tenho, um violão ótimo, que eu comprei, ninguém me deu, não. Mas eu tinha dinheiro na época, em cruzeiros, né, não era real, não. E aí, eu parei de tocar, nunca mais toquei. Aqui não toco para ninguém. Aí chegaram para mim: “Pô, você devia ficar tocando na piscina”, digo: “Ah é? Quanto é que vou me pagar por mês?”.
P/1 – Você não toca nem na sua casa?
R – Não. Não me pagam nada. Aí, a mulher disse: “Quanto você paga para ficar aqui no Retiro?”, eu disse: “Nada”. “Então, você devia trabalhar aqui, porque você mora aqui, não paga nada, nem pra comer, nem para tomar banho, nem para nada, para dormir, para nada e não quer dinheiro nenhum para divertir os outros”. Aquele cara ali é palhaço, por quê que não faz show aqui? Retiro dos Artistas tem isso…
P/1 – Roberto, além dos shows que você fez com a Elizeth, qual foi outro trabalho que você fez depois dela?
R – Não, depois eu comecei a trabalhar muito com a Celia Reis, cantora, trabalhava muito… trabalhava com qualquer um, modestamente, eu não minto, não, modestamente, eu tocava bem, eu tocava com qualquer pessoa.
P/1 – Como é que foi essa temporada com a Celia Reis?
R – Viajei o Brasil inteiro com ela. Viajei muito com ela. Boa, sempre foi boa, nunca briguei com ninguém, sou parceiro do Cartola… Cartola era um excelente compositor, um dos melhores do Brasil.
P/1 – Quando que você foi tocar com o Cartola? Como é que você conheceu ele?
R – Ah, meu amor! Você me faz umas perguntas difíceis. Como eu conheci o Cartola, eu não sei. Eu sei que eu conheci o Cartola e foi tão bom lá no morro, lá na Mangueira, que me convidaram para ser conselheiro do Centro Cultural Mangueira, porque, modestamente, eu era uma pessoa, em comparação com o pessoal do morro, lá, todo mundo analfabeto, né, era mais ou menos culto, falava muitos idiomas, eu fui exilado político, por isso que eu aprendi muito, foi muito bom pra mim.
P/1 – Você militava? Por quê que você foi exilado político?
R – Vou te responder cantando, foi por causa de uma música, só. Tinham muitas, né? [Cantando]: “Uma da tarde, dois de janeiro, três companheiros, quatro canhões, cinco cidades, seis mortos vivos, sete dos sete sou eu. Uma da tarde, dois de janeiro, três companheiros, quatro canhões, cinco cidades, seis mortos vivos, sete dos sete sou eu, oito mandando, nove mandados, dez gritando, onze calados, doze feridos, treze cansados, quatorze enterrados, quinze foguetes no espaço fugindo da guerra, dezesseis toneladas de bombas chovendo na terra, são dezessete, foram dezoito, os dezenove, o vinte fugiu, vinte e um anos, vinte e dois mortos em vinte e dois de abril. São dezessete, foram dezoito, os dezenove, os vinte fugiram, vinte e um anos, vinte e dois mortos em vinte e dois de abril. Mil novecentos e oitenta e tantos, luta que muda, nada mudou. Nascem milhares e morrem outros tantos na revolução. Burros do ano dois mil”. Essa música foi proibida de tocar. Eles consideram uma música interessante, uma música boa. Eles que eu digo, assim… era muito chamado assim para trabalhar, fazer um show aqui, uma apresentação do Chico Buarque, não sei que, meu amigo, ele. Eu ia para os lugares fazer. Eles gostavam de mim como exilado político, mesmo. E aí, como exilado político…
P/1 – Você foi morar onde? Como exilado, você foi para qual país, primeiro?
R – Ah, fui a muitos. Eu morei no México sete anos. México, em Paris…
P/1 – No México, você ficou na época da Copa?
R – [Cantando hino da Copa em espanhol]
P/1 – Como é que foi lá no México fazer o hino da Copa…
R – Foi o hino da Copa. Pelo menos eu sei, eu não sou burro. Me pediram uma música para a Copa do Mundo…
P/1 – Te encomendaram essa música?
R – Não, não me encomendaram. Isso foi posto no jornal… foi uma espécie de uma cobrança, foi uma proposta que um jornal fez um concurso para as pessoas em geral, não precisava ser mexicano, nada. E eu fiz a música, adoraram a música, me levaram para lá: “Você tem que cantar sempre essa música”. “Tá bom”. Isso era… desculpa, que eu gosto dessa música, da música não, mas da ideia que eu tive, não foi nem por querer que eu fiz isso, mas eu botei música na letra do… na letra da torcida [cantando hino da Copa em espanhol].
P/1 – E você estava lá? Você assistiu os jogos?
R – Claro. Eu tinha entrada em todos os estádios no México inteiro. Eu fui a Guadalajara, eu fiquei na Cidade do México, também fui a Guadalajara também.
P/1 – Mas você morava na Cidade do México?
R – Morava na Cidade do México.
P/1 – Como que era morar no México? Como é que foi?
R – Foi a melhor época da minha vida, eu sou muito burro, mesmo, porque eu ganhei muito dinheiro e eu gastei também muito dinheiro, gastei todo dinheiro, porque o dinheiro que eu ganhava, eu ganhava dez mil dólares hoje, amanhã, não tinha nem dois mil réis, gastava com cocaína. Maconha eu nunca fumei na minha vida, gastava com cocaína. Deu uma loucura uma vez, cheirei tudo, achei gostoso, quero mais, acabou. Só tocava violão e pronto. Agora, eu fui…
P/1 – Mas você tinha namorada nessa época?
R – Tinha! Tinha namorada, eu fui diretor criativo de uma agência de publicidade, a maior agência de publicidade do México.
P/1 – Como chamava?
R – Não me lembro, era o nome de uma estação de metrô de lá, não me lembro, não. Trabalhei muito no México, muito.
P/1 – O que você fazia na agência?
R – O quê que eu fazia?
P/1 – É. Era diretor de…
R – Namorava muito (risos).
P/1 – É mesmo?
R – Claro. Era um garoto bonito, era um menino bonitinho, agora não, sou velhinho. Mas eu não tinha essa barba, não, você já me conhecia antes, não? Eu tinha barba comprida, né? A minha mãe fica dizendo: “Você tá com cara de vagabundo, mesmo. Você com essa barba comprida”, barba negra, meu cabelo era loirinho, mas a barba não era assim, ele passa vermelho aqui assim, agora não, agora ficou branca. Mas a minha mãe, no início, quando viu a barba, disse: “Você virou um vagabundo igualzinho aos outros, fica deixando a barba crescer, que coisa horrorosa”. Aí, um dia, cheguei para a minha mãe e disse a verdade: “Mãe, você tem toda razão. Eu acho que eu tô perdendo muito trabalho porque eu deixei a barba crescer muito e vou cortar”, cortei a barba e a minha mãe quase me matou: “Esse cara é maluco, meu Deus, ele tirou a barba. Agora ninguém mais conhece ele”, mulher é assim, você faz uma coisa, se pudesse, amá-lo ia, mas como não posso, amá-lo fica.
P/1 – E aí, depois do México, você foi para onde?
R – Não posso dizer… [sussurrando] para puta que pariu. Não posso dizer, morei no México, morei em Paris…
P/1 – Do México você foi para Paris?
R – Anistia já estava dada, eles queriam que eu ficasse no México. Quando eu explodi no México, eu saí de lá.
P/1 – Por quê?
R – Porque estava com saudades do Brasil, né?
P/1 – Aí, você voltou?
R – Voltei para cá, podia entrar aqui.
P/1 – Como é que foi a volta? Você voltou aqui pro Rio?
R – Claro. Voltei para o Rio e aí, tinha muito dinheiro na época, resolvi ir para Paris. Peguei um avião e fui para Paris.
P/1 – Por que Paris?
R – Porque fui para puta que te paris… não sei, Paris é um lugar que me chamava a atenção, depois porque eu nunca me casei, mas eu vivi com uma mulher sete anos…
P/1 – Foi o amor da sua vida?
R – Eu tive vários amores, muitos. Não gosto de homem, não, hein! Essa moça foi minha namorada e um dia ela chegou pra mim: “Roberto, posso falar para você uma coisa?” “Claro”. “Você tem vontade de se casar comigo?”, eu disse: “Não”. “Como é que você diz que gosta de mim desse jeito?”, eu era muito besta, sabe, eu digo: “Não, porque acontece o seguinte, eu queria viver com você, mas casar! Vou deixar a mulher tomar conta de mim, me dominar a vida inteira, tá maluca?”, coisa de menino, né? Depois ela disse assim para mim: “Roberto, desculpe, você não quer casar, tudo bem, mas porque eu respeito a sua opinião, porque você é espírita e eu também sou espírita, mas em verdade, eu vou dizer uma coisa muito boa pra você, mas que pode ser muito ruim também”, eu disse: “O quê que é?” “Eu tô grávida”, aí a minha vida se resume no que nasceu, quer dizer, eu tenho uns 200 filhos por aí pelo mundo, né, que eu viajei o mundo inteiro, não tinha camisinha de vênus, chamava de camisinha de vento, não tinha. Não tinha como evitar, só sorte ou azar. Aí, nasceu o meu filho, Robertinho, garotão bonitão, tem um metro e oitenta e seis, parece, por aí. Eu tenho um e setenta e nove, ele tem um e oitenta e sete, oitenta e seis, alto. Esquisito o corte de cabelo… aí, eu viajei para o México com essa menina, ele nasceu, esse garoto, nasceu no México e eu não sou moleque, ele nasceu, eu fui registrar. Quando eu fui registrar, foi uma briga horrível, que me perguntaram… eu tenho mania de falar espanhol o tempo todo, me perguntaram onde ele nasceu, eu disse: “Aqui no México”, a mãe dele disse: “Roberto, você tá doido? Dizer que o seu filhinho tão bonitinho, dizer que nasceu nessa porra de país de índio?”, porque a gente já tinha vontade de voltar, ela não deixou eu… como é que se diz? Acertar ele lá. Aí, botei aqui no Brasil, ele adorou. Mas em realidade, se tivesse um problema sério qualquer, ele tem duas nacionalidades, ele poderia provar que ele é mexicano, mas que lhe foi oferecido que ele fosse registrado na embaixada brasileira, aí foi lá.
P/1 – Posso voltar um pouco antes do México? Eu queria perguntar do show Opinião.
R – Quem lançou Maria Bethânia fui eu. Zé Keti, Maria Bethânia, João do Valle [cantando]: “Carcará, pega, mata e come, carcará, vai morrer de fome, carcará, mais coragem do que homem, carcará, pega, mata e come…”, essa música, né, era lá no Opinião. Aí, eu dirigi o Opinião, o Show Opinião, o teatro não tinha nome. Me perguntaram qual era o nome, eu disse: “Pra mim, podia ser Opinião. Opinião é uma peça que tá fazendo um tremendo sucesso, mas…”, quando eu fui ver, o nome já era Opinião. Fiz o Opinião, tem uma peça que agora vai para o ar, que eu fiz também, mas não é a mesma, é outra coisa, mas o nome é igual, não sei por que, acho que estreia hoje ou amanhã “Liberdade, liberdade” [cantando]: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós…”, eu dirigi também, trabalhei “Se correr o bicho pega, se ficar, o bicho come”, come mesmo.
P/1 – Aí, depois do México, você foi para França? Você foi com essa mulher?
R – Que viveu comigo? Fui.
P/1 – Foi com o seu filho também?
R – Não. Ele nasceu… sabe que eu não me lembro mais. Acho que ele nasceu no México. Aí, o meu filho foi também para França, foi com ela, eu tinha muito dinheiro, meu amor. Tinha mesmo. Vergonha de dizer não, mas eu fui muito burro, não tenho vergonha de dizer, mas que eu fui burro, fui.
P/1 – Mas na França você ficou quanto tempo?
R – Ah, não sei.
P/1 – Mas chegou a trabalhar lá?
R – Muito. Eu vivia para trabalhar. Não sou vagabunda, não, puta, desculpe, prostituta que fica ali, pronto já trabalhei. não. Para cada lugar que eu ia, eu tinha trabalho. Por exemplo, eu sou muito mais conhecido na Argentina do que aqui. Na Argentina, me conhecem muito. Eu tive algumas namoradas na Argentina.
P/1 – Aí, na França, você…
R – Ela me corta.
P/1 – Não, é só para a gente voltar. Na França, você trabalhou onde? Você trabalhava tocando em bares, em que lugares?
R – Bares. Eu não me lembro o nome de nenhum lugar.
P/1 – Aí depois da França?
R – Fui na França, da França, eu fui a Espanha, da Espanha, eu fui a Portugal, eu tava de saco cheio, fui a Bélgica, Bruxelas, eu sei que eu vim para o Brasil, eu tava cansado, eu tava me sentindo uma velha com 40 anos, sei lá, 30 anos, 35.
PAUSA
P/1 – Aí, essa volta para cá…
R – O quê que tem?
P/1 – Como é que foi voltar para o Brasil depois de tanto tempo?
R – Foi horrível (risos), mas eu não achei que…
P/1 – Foi horrível?
R – É. Eu acho que a pior coisa que eu fiz foi isso, ter voltado. Agora aqui, eu viajei, fui a Montevidéu, fui… por causa do México, né, por causa do idioma, fui a Lima, fui a Buenos Aires, Buenos Aires fui muitas vezes, fui namorado de muitas mulheres portenhas. Sabe que eu não sei por que, mas eu acho que eu sou doente, eu gosto muito de mulher. Ainda gosto muito de mulher, sou um velhinho. Com 75 anos, mas ainda estou com os dois pés, graças a Deus.
P/1 – Em Buenos Aires, você foi só em temporada, em turnê, ou você chegou a morar lá?
R – Morei em Buenos Aires. Morei. Morei na casa de uma namorada minha, também.
P/1 – Lá em Buenos Aires?
R – Mas essa mulher era puta, era ultra rica, podre de rica. Olha que negra linda, aquela é Edna, que lava a roupa das pessoas aqui. Eu não conheço nenhum lugar, e olha que eu conheço muitos lugares, fora de brincadeira, eu não sei para quem vocês estão fazendo… ah, para a Rede Globo, né? Em nenhum lugar do mundo eu conheço um lugar assim, Retiro dos Artistas, que aqui você não paga luz, você só paga gás e telefone, não mandam arrumar. Aliás, gás você paga, se você não gastar gás, agora telefone tem que pagar também. Fora isso, é tudo grátis, comida, 0800, refrigerante, o único mal é que não se pode tomar nada, nada alcoólico. Só aos sábados.
P/1 – Essa volta ao Brasil, você disse que foi ruim… Quando você voltou para o Brasil, você foi tocar com quem? Depois dessa volta da Europa.
R – Ah, isso é uma boa pergunta. A única sorte que eu tive ao voltar ao Brasil foi que eu tomei uma decisão, porque eu não sabia que sabia tocar violão, eu achava que sabia tocar violão mais que todo mundo, que eu tocava com qualquer pessoa, mas um dia eu perguntei para mim: ”Você toca com qualquer pessoa? Não, porque você não toca com você mesmo”, porque eu não solo, aí eu comecei a cantar. Eu não canto tão bem quanto os outros, canto mais ou menos. E aí, comecei a tocar sozinho também, mas aí apareceu trabalho, porque eu sou uma pessoa vaidosa, enfim, eu tinha trabalho. Tinha trabalho sempre. Foi um espaço que eu vi. Tanto que aqui, eu toquei com o Pery Ribeiro muito tempo, com a Leni Andrade muito tempo, mas também trabalhei com eles lá fora, fora do Brasil, lá no México, com o Pery, com a Leni, trabalhei anos, anos com o Pery, com a Leni, com quem mais? Sei lá. Diz aí, que mais?
P/1 – E para a televisão? Você fez algumas músicas para a televisão?
R – Fiz porque em realidade, aí eu sou besta mesmo, porque eu sou uma pessoa curta, curta de ideia, mas eu não sou um violonista só, eu sou um criativo, um criador. “Essa onda pega”, “Pega a onda da Globo”. “A Globo faz escola, no carnaval, deita e rola”, “Não tem para ninguém, a Globo 99 dá 100”, tudo isso é meu [cantando] “A Globo é samba no pé…”, lembra disso? Essas coisas todas eu fiz. Em realidade, eu costumo… porque aqui, é uma solidão horrível, terrível viver aqui, eu não gosto, não, jamais gostei.
P/1 – Aí, você fez todos esses trabalhos e você não comprou uma casa? O quê que você fazia com o dinheiro?
R – Gastava.
P/1 – Continuava gastando? E seu filho, você via?
R – Vejo. O meu filho, ele… quando eu me separei, o meu filho era pequenininho, ficou com a mãe dele e a mãe dele comprou, ganhava muito bem… meu filho disse: “Papai, você mora muito longe”, ele morava em Rio das Ostras, e “morava” não, mora. Mas como eu tinha mania de andar, por isso que eu tô apresentável, meu filho ficou meio assim, que nem eu, ele era emocional também, e ele dizia: “Pô, papai…”, eu tinha mania de andar: “Pra ir da minha casa até a sua não dá, não”, porque eu morava no Leblon, do Leblon, eu vim para cá, “Jacarepaguei”, “Receio dos Abunderrantes”, Recreio dos Bandeirantes e meu filho mora no Leblon, até hoje, para você ir do Leblon, ali do finalzinho do Leblon até o Leme já é uma andada, são dez quilômetros, mais ou menos, 12 quilômetros. Mas andar de lá até o Recreio dos Bandeirantes é impossível. Que mais você quer saber?
P/1 – Aí, você voltou e começou a cantar?
R – É, aí eu cismei que eu dava para cantar também. E depois, também tem uma coisa, eu, infelizmente, eu não faço música tipo esses vagabundos que fazem música só para vender, eu faço música assim, que nem te mostrei [cantando] “Uma da tarde, dois de janeiro…”, músicas mais inteligentes e, então, as pessoas não gravam, porque isso aí faz parte de uma década, de uma parte da sociedade, não é… sociedade que eles chamam de comunista, não sei por que. Então, tinha dificuldade disso, dificuldade de colocar música… a Elizeth gravou música minha, por aí vai, mas… Pery gravou música minha, mas o Pery já era dificílimo que as pessoas tocassem Pery, tocava música do pai dele.
P/1 – Você tocou com a Nara Leão, também, não tocou?
R – No Opinião. Como é que você sabe?
P/1 – Porque eu pesquisei a sua história.
R – A minha história você pesquisou?
P/1 – No Opinião, você tocou com a Nara?
R – A Nara, o Zé Keti e o João do Valle. “Liberdade, liberdade” também, com o Paulo Autran… Paulo Autran e quem mais? A Bethânia, né, “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, também com… eu trabalhava mais em teatro, realmente. De modo que eu fiquei marcado por esse negócio de teatro, não me achavam viado, não, mas diziam que eu era assim, metido à besta, não sei o que, que não queria tocar, porque eu não gostava de tocar nos bares. Ficar tocando o que todo mundo tocava de noite. Eu não gostava disso, eu gostava de chegar e ter trabalho para mim, tocar as minhas músicas.
P/1 – Qual música que você mais gostou de cantar?
R – Eu gosto de cantar muito essa música minha: “Os burros do ano 2000”, que é completamente fora de… eu tocava umas músicas esquisitas, eu não sei como é que eu fazia essas músicas. [Cantando]: “Uma da tarde, dois de janeiro, três companheiros, quatro canhões, cinco cidades, seis mortos vivos, sete dos sete sou eu. Uma da tarde, dois de janeiro, três companheiros, quatro canhões, cinco cidades, seis mortos vivos, sete dos sete sou eu, oito mandando, nove mandados, dez gritando, onze calados, doze feridos, treze cansados, quatorze enterrados, quinze foguetes no espaço fugindo da guerra, dezesseis toneladas de bombas chovendo na terra, são dezessete, foram dezoito, os dezenove, o vinte fugiu, vinte e um anos, vinte e dois mortos em vinte e dois de abril. São dezessete, foram dezoito, os dezenove, os vinte fugiu, vinte e um anos, vinte e dois mortos em vinte e dois de abril. Mil novecentos e oitenta e tantos, luta que muda, nada mudou. Nascem milhares e morrem outros tantos na revolução. Burros do ano dois mil”. Não é boa essa música? Eu acho.
P/1 – Você cheirou cocaína até quando?
R – Muito tempo, graças a Deus. Eu gastei muito dinheiro em cocaína, muitíssimo!
P/1 – Qual foi o último trabalho que você fez?
R – Último trabalho? Ah, não sei. Eu sou uma velha muito esquecida, muito velhinho.
P/1 – Quando que você entrou aqui? Desde quando você mora no Retiro?
R – Ah, já tô aqui há bastante tempo. Eu tenho impressão que há dez anos, mais ou menos, dez ou 12 anos. Nós estamos em 2016, acho que foi 2002.
P/1 – E você sai, passeia?
R – Tanto que… isso é muito particular, não vou falar, não. Eu chamo isso aqui de Presídio dos Artistas, porque eles zangam comigo, não sei por que, eu não faço mal a ninguém, ninguém nunca me viu bêbado aqui, nem roubando ninguém, nem coisa nenhuma. Tá cheio de viado aqui dentro…
PAUSA
P/1 – Perguntei se você passeia, sai daqui?
R – Pois é, não, porque eu passeava, mas acontece por tristeza, solidão, que é a pior coisa que existe. Eu acho que nenhum de vocês… você se sente só, às vezes? Eu nunca quis me casar, falando sério, agora. Diziam: “Roberto, você vai se arrepender”. “Vou dando pé para mulher ficar me dominando”. “Roberto, você precisa se casar”. “Não sou viado, não”. “Não é isso, não, tô te vendo toda hora com uma mulher, a mulher começa a gostar de você, te abraça, você escorrega”. [cantando]: “Ninguém me manda, ninguém me quer, ninguém me chama de sua mulher”. “Eu nasci assim…”, não gostava, não gostava, acabei sozinho. Se a pessoa vai se aproximando muito de mim: “Aquela casa é a que a gente podia morar”, eu saía fora. Entendeu?
P/1 – Quais são os seus maiores sonhos hoje?
R – Não sentir solidão. Sentir solidão acho que é a pior coisa do mundo. Isso aqui parece uma casa de cachorro, se você fica doente aqui… ah, mas aqui ninguém vem por amizade, pode te levar lá para o ambulatório. Eu moro lá no ambulatório já. Por causa disso, por causa de solidão. Isso é importantíssimo para a sua entrevista, eu acho. Eu tenho casa aqui na rua Libélula, número sete, sei lá. Um dia, eu entrei ali no ambulatório, conhece ali, o ambulatório? Eu entrei ali, comecei a chorar. Uma mulher falou comigo, uma enfermeira, delicada, boa gente, já morreu. Eu também tô aqui, tô quase morrendo, só morro quando Deus quiser, se Deus quiser, tomara que ele queira. A mulher falou para mim: “Roberto, o que você sente? Por que você está aqui? Tá sentindo alguma dor? Onde?”, digo: “Tô sentindo dor de corno, tô sentindo solidão”, que aqui tá cheio de mulher, eu tenho umas cinco namoradas aqui
P/1 – Você tem namorada aqui?
R – Cinco. A mais nova deve ter uns 115 anos, mais ou menos. Aí, tem que ter um pouco de respeito, né? Porque eu tenho impressão que eu sou o mais novo no Retiro, não sei, não. Capaz de ter alguém com 61 anos, mas eu tô com 75. Agora, pergunto uma coisa a você, o seguinte, tem certas coisas que a gente quer… eu como procuro dizer a você que eu sou uma pessoa culta, eu vou dizer uma coisa a você, álcool é droga?
P/1 – É.
R – Tabaco é droga? Coimo é que todo mundo fuma aqui dentro, pode fumar, tal, tal, mas beber não pode.
P/1 – Roberto, tem alguma coisa que a gente… deve ter várias coisas que a gente não falou da sua trajetória de vida, que você queira deixar registrado?
R – Eu sou uma pessoa que acredito muito em Deus, evidentemente, acho que sem Deus não existiria nada. O que eu quero mesmo é que Deus queira que ele me chame para morar perto dele, ou seja, que me leve para lá. Ele me deu a vida, ele pode me tirar a vida também. Então, eu quero sugerir, ou aconselhar, sugerir que as pessoas não fiquem só nunca, procurem uma companhia. Eu acho muito importante.
P/1 – Roberto, o quê que você achou de dar essa entrevista?
R – Eu sinto um prazer enorme de estar aqui junto com uma pessoa que me dá atenção, com uma pessoa que conversa, agora vocês vão embora, fico… a única diversão que tem aqui dentro é televisão. Eu odeio televisão, o que vai fazer? É só o que tem, é só o que eu vejo. Tem um aparelho de televisão da maior qualidade. Essa é a pior coisa que existe aqui, eu não tô dizendo que seja culpa do Retiro, não. Também seria o cúmulo se você viesse para cá e tivesse uma mulher para você, não, mas eu acho que eu tô pagando…
P/1 – Queria agradecer a entrevista. Você tem mais alguma coisa para registrar?
R – Eu queria que vocês me procurassem aqui outras vezes. Eu sinto muita solidão, mesmo. Eu vim aqui para dentro, tem uma casa aí, número sete tá vazia. Isso aqui é difícil o cara ter uma casa aqui, e eu vim aqui para o ambulatório, perguntaram qual é a sua doença? Aí, riram à beça do que eu falei, eu disse: “não acho graça nenhuma”, meu problema é solidão. Eu gostaria de morar aqui um pouquinho porque eu tenho necessidade incrível de ter gente do lado, eu não tenho. Acordo sozinho, vivo sozinho, [cantando] “ninguém me ama, ninguém me quer, nem só um homem, nenhuma mulher”.
P/1 – Queria agradecer a entrevista. Obrigada.
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