Alfeu de Melo Valença, Garanhuns, Pernambuco. Minha data de nascimento é 7 de maio de 1944.
PAIS
O meu pai tinha o nome de Alfeu Valença; minha mãe, Maria Giselda de Melo Valença - eu herdei o nome dele, né? Uma coisa interessante é que meu pai morreu três meses antes de eu nascer. Eu nunca conheci pai, e a minha mãe ficou viúva e nos educou como pai e mãe ao mesmo tempo, simultaneamente. Ela era professora primária, tinha dificuldade de salário baixo, mas conseguiu comprar uma casa, onde nós morávamos - eu, ela e meu irmão. E até cerca de 10, 11 anos, quando minha mãe casou novamente - e por coincidência casou com um primo do meu pai, também numa cidade do interior; essa coisa não era tão incomum.
E lá em Garanhuns nós estudamos, fiz o colégio da Diocese, que era de graça. Então a gente podia estudar lá, porque era de graça, e fiz até o segundo científico, naquele tempo depois do ginasial. Tinha primário, ginasial e cientifico. Depois do científico eu fui para Recife fazer vestibular e fiz vestibular no fim do terceiro científico. Levei bomba, aí fiquei um ano estudando só para o vestibular, e assim que eu fui aprovado, fiquei em Recife nos cinco anos de faculdade.
AVÓS
Meu avô paterno chamava-se Alceu Valença, e minha avó, Genésia Valença. Os maternos eram Filinto Pereira de Melo e Evangelina Pereira de Melo. Meu avô paterno era fazendeiro, se é que se pode chamar de fazendeiro no interior de Pernambuco no sertão na década de 20, 30; mas é o que ele era. E o materno era comerciante na Paraíba, vendia negócio de algodão e depois teve uma famosa crise no comércio de algodão; ele faliu. Aí ele veio morar em Pernambuco. Foi aí que minha mãe conheceu meu pai e juntou aqui por conta dessa falência do meu avô. Eles saíram da Paraíba e foram morar em Garanhuns, e a família do meu pai era de uma cidade próxima, São Bento do Una. Então aí teve essa proximidade. Meu pai conheceu minha mãe, que era professora primária. Meu pai era dentista; casaram, dois filhos: o mais velho, que é advogado em Recife, e eu.
INFÂNCIA DE FUTEBOL E LEITURA
Olha, Garanhuns era uma cidade muito interessante. Apesar de ser no Nordeste, no interior de Pernambuco, é uma cidade que fica a quase 850 metros de altitude. Então é uma cidade muito fria, clima frio, chove bastante - e aquela garoa de São Paulo não era nenhuma novidade para a gente lá, porque lá sempre teve aquela garoazinha. E tinha muito esporte, talvez por conta disso, muito esporte que não era comum nas outras cidades por lá, em quadras - voleibol, basquete essas coisas. Tinha muita coisa fechada, acho que pelo clima frio mesmo. Mas acho que a maior diversão mesmo era o velho futebol, era o velho jogar pelada mesmo, pelada descalço. E aquele chão muito frio 6, 7 horas da manhã sair para jogar bola, aquele chão frio. Tinha aquelas pedrinhas que pareciam que eram ponta de faca. Batia na sola do pé. Aqueles meninos todos com solado grosso; podia pisar numa brasa que não sentia nada. A cidade não era muito boa para garoto - as brincadeiras, por causa do clima, sempre muito frio, todo mundo agasalhado. Até, na cidade mais próxima brincavam: diziam que a gente tinha complexo europeu, todo mundo de cachecol e capa de gabardina; parecia um detetive inglês, aquela coisa. Não era uma cidade muito boa para criança, e ainda hoje não é para criança brincar. Piscina nem sonhar: primeiro que não tinha, e se tivesse ninguém agüentava a água gelada, naquela época não tinha chuveiro elétrico, não tinha essa coisa. Então você ia para o colégio às 7 horas da manhã; tinha que tomar um banho às 6 e meia, a água batia nas costas, você pulava para o outro lado por causa do gelo, mas era isso. Mas ao mesmo tempo o interessante daquela cidade é que tinha uma atividade intelectual grande. Era comum, tinha a biblioteca do Sesc. Você chegava lá, encontrava aquela garotada de 14, 13, 15 anos; todo mundo lendo Érico Verissimo, Graciliano Ramos, José Lins do Rego. Era uma coisa interessante, que hoje a gente não vê mais assim esse interesse das crianças por literatura por exemplo; a gente vê mais a turma olhando seriado em televisão, coisas desse tipo, mas ler mesmo é difícil. Até meus próprios filhos lutei muito - eles lêem, mas não tanto quanto deveriam, e talvez isso porque a cidade tinha mais a coisa do clima, que obrigava a pessoa ficar mais abrigada. Então essa biblioteca era como se fosse uma fuga do frio, e foi criando o costume na população de leitura, muito, né? A infância era isso: colégio de manhã, pelada à tarde, leitura no final da tarde, cinema uma vez por semana se tirasse boas notas, senão ficava de castigo - no fundo, imagino que o povo não tinha dinheiro para pagar o ingresso da gente, aí castigava para não pagar o ingresso. Mãe viúva, ganhando pouco, usava aquilo lá como disciplina, mas também econômica.
COLÉGIO DE PADRES
A escola era um colégio de padres com uma disciplina extremamente rígida. Você entrava no colégio, entrava pela capela, aí rezava uns 15 minutos, depois ia para a sala de aula tudo em fila indiana, aquela coisa toda. E cada sala de aula tinha alunos internos e externos. Os melhores - ou hoje eu diria os mais puxa-sacos -, os internos tinham uma certa regalia para ficar como censor, tomando conta dos outros. Então antes de chegar na sala de aula tinha um censor olhando para não fazer bagunça e depois até subornava-se aquele censor porque ele ficava interno, não tinha acesso a nada. A gente comprava revista lá fora e dava para ele, aí ele maneirava mais a fiscalização. E o padre então era rígido demais. Eu me lembro de uma vez - eu sempre metido a gaiato -, no trajeto da capela para o colégio era um corredor, e tinha uns santos parados assim. Eu me lembro de um fato interessante - todo dia, quando eu passava naquela fila indiana, tinha uma Nossa Senhora com os braços assim; eu ia cumprimentava, pegava na mão dela, dava bom dia e passava. E alguém me dedurou - um dia, quando acabei de cumprimentá-la, o padre me puxou. Ele estava atrás de mim e eu não vi. Eu fiquei três dias de castigo por conta do cumprimento da santa. Muitos anos depois ele me encontrou e lembrou desse negócio: “O senhor está lembrado disso?” “É porque eu tinha intimidade com ela, padre, e o senhor não tinha não”.
O colégio não era dos melhores colégios, não, em termos de qualidade de ensino, mas ele era o que tinha de melhor lá na cidade. Tanto que eu não passei no vestibular na primeira vez, mas vários colegas meus passaram no vestibular. Apesar de terem saído da cidade do interior e vindo para a capital, conseguiram passar no vestibular na primeira vez. Então não era o melhor colégio do mundo, mas era suficiente para dar uma base para quem fosse fazer o vestibular. Se bem que a maioria dos alunos do colégio, a maioria não fazia faculdade, a maioria foi fazer concurso pro Banco do Brasil, para alguma repartição pública, para a Prefeitura, e ficavam sempre por ali mesmo. Tanto que hoje, quando eu volto lá, ainda encontro alguns colegas meus lá no AABB, no Clube do Banco do Brasil, alguma coisa; ainda localizo alguns deles que ficaram por lá mesmo. Mas acho que não é muito diferente de qualquer colégio da cidade do interior não, que seja dirigido por padres; hoje deve ser mais diferente, mais aberto às coisas, mas naquela época realmente era muito rígido. Eu não me queixo não, foi bom.
CURSINHO EM RECIFE
Fui aos 17 anos para Recife. Naquele tempo eram interessantes as coisas, porque não se exigia documento para nada. Então, com 17 anos não tinha carteira de identidade, fui para Recife, morei numa pensão e me matriculei no cursinho. Estudava para o vestibular, comprava livro fiado na livraria, fazia crédito, ninguém pedia documento, não - bastava dar nome, endereço e pronto. Isso eu atentei há pouco tempo: como é que eu conseguia comprar aquelas coisas e não tinha fiador, não tinha nada. Quer dizer, a sociedade, a comunidade era muito mais liberal e mais confiante nas pessoas. Hoje você tem que mostrar CPF, cartão de identidade, tipo de sangue e uma série de coisas para conseguir qualquer coisa, avalista, então esse ano eu estudei como um maluco, tinha que passar no vestibular de qualquer jeito.
Meu irmão já estava em Recife, tinha feito vestibular e já estava estudando direito, mas aí ele morava na Casa do Estudante de Direito, e eu morei numa pensão. Depois consegui mudar para o que chamava Casa do Estudante de Pernambuco, que antes era Casa do Estudante Pobre de Pernambuco. Aí as meninas não davam bola para a gente; aí nós resolvemos tirar o nome do pobre. Ficou só Casa do Estudante de Pernambuco - aí melhorou o negócio. Era discriminatório demais. Não precisava dizer; quem estava ali já era, e aí foi muito bom realmente, porque aí se pagava bem pouco, tinha a subvenção da Secretaria Estadual de Educação, tinha subvenção do Ministério da Educação. A gente pagava muito pouco, e se estudava bastante. Eram cerca de 500 estudantes lá. E fiquei cinco anos - esse tempo todo fiquei lá nessa Casa do Estudante. Fiz grandes amizades. Aquelas 500 pessoas, que devem ter se transformado em 700 ao longo dos cinco anos, porque uns saíam; entravam outros. Hoje praticamente em qualquer cidade do Brasil que se vai, olha na lista telefônica, sempre encontra alguém daquela época. Uns em posições maiores, outros em posições piores, outros estão mais ricos, outros mais pobres, mas mantém ainda um clima de, como eu diria, não de solidariedade, mas de cumplicidade de ter vivido uma época de juventude de 18, 17, 20 anos, 21 anos, com pouco dinheiro - mas olha que a gente se divertia, viu? Qualquer coisa era uma festa.
FESTAS
Quando tinha dinheiro a gente ia para festa pagando; quando não tinha, a gente entrava assim mesmo - pulava o muro. Uma vez, tinha uma prima minha que morava em Recife e fez uma festa de 15 anos. Eu fui para a casa dela - um bairro meio afastado. E estou na festa e encontro dois colegas meus da Casa do Estudante; estudavam medicina. Aí eles viram para mim: “Rapaz, como é que você penetrou nesta festa?”, “Não, rapaz, não penetrei não”. “Então nos apresenta aqui, para deixar de ser clandestino”. Eu apresentei os dois para minha tia, e eles ficaram lá, comiam, a comida era pouca, a gente ia para as festas mais para comer do que para dançar, para brincar - era para comer mesmo.
Tinha festa, emendava. E saía de uma festa e ia para a praia e não dormia - e ninguém sentia nem sono, nem cansaço, nem nada. E ninguém sentia necessidade de automóvel, andava de ônibus para todo canto, andava a pé - e era uma coisa muito interessante, porque a gente conseguia ser muito feliz com pouca grana. A faculdade promovia umas festas de confraternização, umas coisas desse tipo. No fundo, é o seguinte: Recife naquele tempo tinha talvez 800 mil habitantes, 1 milhão de habitantes, a cidade era pequena, as coisas eram fáceis, você circulava bem, conhecia todo mundo, então não tinha essas coisas de violência. Acho que naquela época, em lugar nenhum tinha - entre 63, 67. Então a vida era muito boa, muito cinema, naquela época todo mundo queria ser intelectual. Tinha a Nouvelle Vague francesa e tal - todo mundo acompanhava. Depois começou o Cinema Novo brasileiro, negócio do Festival da Canção. Aquilo tudo movimentava muito, televisão era novidade; pouca gente tinha. Então quem tinha convidava os outros, já virava uma confraternização na casa do dono da televisão -um levava a bebida, outro levava uma galinha assada. Então se conseguia fazer muito com pouco. Hoje já é bem mais difícil isso.
GOLPE DE 64
MARCHANDO PARA SALVAR ARRAES
Olha, aquilo foi uma coisa muito interessante. Logo que teve a revolução, o golpão mesmo, eu estava na faculdade. Eu estava no primeiro ano. Aí nós fomos para o diretório - um mês antes tinha havido eleição do diretório da faculdade. E o clima era o seguinte: tinha um candidato da direita e um da esquerda; o da esquerda teve 99% dos votos, e o da direita teve 1%. O da direita era apoiado pelo Marco Maciel - naquele tempo ele já era da direita. E quando estourou a revolução, todos nós lá do diretório: “Vamos lutar”. Tinha faculdade de engenharia, tinha de direito, tinha de geologia - tudo muito próximo. “Vamos para o palácio defender Arraes”. Aí saímos - todo mundo aquele entusiasmo da juventude - para defender Arraes. Mas defender com quê? Iam lá uns 500 estudantes. Entre a praça da faculdade de direito e o Palácio do Governo, onde Arraes estaria sitiado, tinha uma ponte. Lá vamos nós de peito aberto, batendo palma e gritando palavra de ordem para libertar Arraes. Quando chega no meio da ponte, um tanque de guerra do outro lado - o pobre do Arraes ficou sozinho. Naquela hora, todo mundo deu meia-volta e acabou...
MOBILIZAÇÃO DOS ESTUDANTES
Mas aí começou realmente uma certa organização dos estudantes. Começou a ter aquelas pessoas que desapareciam, iam para a clandestinidade, faziam movimento - e todos nós de uma maneira ou de outra ajudávamos uns aos outros. Ajuntava dinheiro, escondia, guardava coisas. Eu me lembro de uma vez que a gente estava num bar em Recife,e um amigo nosso chegou e sentou na mesa. Depois ele disse: “Rapaz, eu vou sair, porque aqueles caras estão olhando muito para mim, estou desconfiado que eles devem ser alguma coisa de polícia secreta”. Aí ele falou: “Ó, leva essa minha roupa aí”. Era um pacotinho; eu falei: “Está bom”. Aí ele foi embora, os caras saíram atrás dele, e eu peguei aquela roupa. Quando eu cheguei na Casa do Estudante, que abri: que roupa coisa nenhuma! Tinha uns planos de tocar fogo em canavial. Eu falei: “Gente, vou em cana e não vou sair dessa vez”. Aí eu peguei aquele troço e guardei. Algum tempo depois ele apareceu na faculdade: “Você tem aquele negócio”? “Tenho, está guardado lá”. Ele pegou e levou para ele. Acho que usou, porque depois o Francisco Julião e um grupo de jovens andaram tocando fogo nos canaviais. Acho que ele usou aquilo lá.
DESAPARECIMENTO DE COLEGAS
Mas eu tinha um grande amigo que sumiu, desapareceu, chamado Rui Frazão. Hoje é nome de rua na Barra da Tijuca. Depois eu soube que ele foi assassinado numa feira livre - já uma coisa mais recente, em 72, 73, lá no interior do Piauí. Um sujeito inteligentíssimo. Foi o cara que me induziu a fazer engenharia de minas, porque eu estava na fila do vestibular. Eu ia fazer engenharia mecânica, e minha mãe dizia que o sonho dela era ter um filho engenheiro mecânico. Eu queria fazer engenharia porque era o sonho dela, engenheiro mecânico. Eu estava lá na fila para fazer a inscrição, chegou o Rui; devo ter sido apresentado a ele num bar daqueles algum tempo antes - como eu falei, Recife era uma cidade pequena, as pessoas se encontravam muito. Aí o Rui falou: “Rapaz, você vai fazer vestibular de quê? “ “Engenharia Mecânica.” “Faça mecânica não, tem 500 mil caras fazendo mecânica, daqui a cinco anos, você formado, não vai ter mais emprego, faça engenharia de minas, porque o futuro está no interior, onde não tem esse negócio de mineração. Isso hoje está tudo nas mãos dos gringos, tem uns caras do Icomi lá no manganês no Amapá e tal, precisa formar, eu mesmo já estou no 3º ano de engenheiro de minas e tem pouca gente”. “Vou fazer esse negócio aqui” - fui na dele. Porque antes a gente estava conversando: “Por que você não foi agrônomo ou veterinário?” “Foi por causa de Rui Frazão”, que depois morreu assassinado pela revolução, ele não conseguiu terminar o curso. Mas ao mesmo tempo que tinha essa coisa toda - você andava desconfiado; o sujeito olhava duas vezes para você, você já dobrava a esquina, e sempre tinha receio de alguma coisa -, ao mesmo tempo a gente fazia parte da esquerda festiva. Naquela época foi cunhado como esquerda festiva - aquele negócio: sentar num bar, falar mal do governo, fazia mil planos, tomava um porre e ia dormir. No outro dia, esquecia tudo e continuava tudo de novo, voltava tudo à normalidade. Mas perdemos muita gente boa, muito sangue nosso que desapareceu. Tinha um primo meu que estudava medicina. E engraçado, ele era um garoto cujo pai tinha feito doutorado nos Estados Unidos e virado americanófilo. A leitura mais à esquerda dele eram aquelas “Seleções do Reader´s Digest” - na casa dele, o mais à esquerda era aquilo. E os filhos dele eram insuportavelmente chatos, eram reacionários demais mesmo. O mais velho fez medicina e lá entrou para o diretório, virou presidente do diretório e aí foi tão para a esquerda que descambou mesmo. Foi para a clandestinidade, ficou muitos anos desaparecido. Depois - eu já estava na Petrobras, na Bahia - encontrei com ele na cidade; eu falei: “José Carlos”. Ele disse: “Não, depois eu te vejo”. Uns três anos depois encontrei ele em São Paulo: “Não, naquele dia tinha uns caras atrás de mim, se eu falo contigo eles te pegavam também” - foi um negócio assim. E esse, depois de tudo, voltou a Pernambuco terminou o curso dele de medicina. Hoje é médico em São Paulo, mas é um cara cheio de traumas - foi muito torturado, e a mulher dele também; as costas dele são um troço esquisito de ver.
A gente que viveu isso dá muito valor a esse negócio de democracia. Dá muito valor mesmo - se bem que tem horas que a gente fica a pensar que alguma coisa tinha de bom na revolução: pelo menos tinha uma coisa de bom, que era o planejamento. Eu acho que nós perdemos muito tempo sem ter isso, e graças a Deus o Lula está resgatando esse negócio - durante a campanha ele falou isso, e é uma verdade. Hoje esse governo do Lula pode até não dar certo - eu faço votos que dê certo; votei nele já três vezes -, mas pelo menos tem um planejamento, tem alguma coisa definida, que a gente sabe para onde quer ir. Antes era aquela bagunça - vamos que vamos - e quem dizia aonde a gente ir era o FMI mesmo. E a gente não ia nem mesmo o FMI mandando. Mas não foi bom, realmente aquela coisa de revolução não foi uma coisa boa, não - era um sobressalto o tempo inteiro.
BATIDAS NA CASA DO ESTUDANTE
Lembro um dia, na Casa do Estudante, amanheceu o dia, num sábado, não sei por que razão, todo mundo batendo nas portas. “Acorda, acorda que a polícia está aí”. A Polícia Militar tinha cercado a Casa do Estudante. Deve ter tido alguma denúncia, e aí entraram, olharam todos os quartos; não acharam nada e foram embora. Aí, uns quatro dias depois, começou a faltar água. “Por que está faltando água?” Aí fomos olhar a caixa d´água - a caixa d´água estava entupida de livros e papel que a gente tinha jogado lá dentro. Ficamos quase um mês para limpar; os canos todos entupidos - eles não podiam achar nada mesmo. Hoje a gente acha engraçado. Na época, a adrenalina vai lá em cima, porque o sujeito que era pego por um cara daqueles, você não sabia para onde ia - e se voltava, o fato é isso. Tinha um amigo meu - eu não vou dizer o nome dele, em respeito -, ele era um rapaz do Piauí que estava em Recife e uma coisa a que ele dava valor na vida era futebol. Não sabia nada, e um dia, não sei por que razão, pegaram na rua ele e outro, fizeram uma sessão, não de tortura, mas de perguntas, e perguntaram para ele o que ele lia. Ele disse que lia jornal. “Qual o jornal?” “Diário de Pernambuco, mas só leio na segunda-feira.” “Mas porque na segunda feira? Tem algum articulista?” “Não, porque sai a parte do futebol do final de semana todo na segunda-feira.” O cara levou tanta porrada - o cara pensou que ele estava gozando, mas era verdade. Apanhou porque era aquilo mesmo, a capacidade intelectual dele só dava para aquilo mesmo, o cara não ia acreditar nunca num negócio desse.
CONCURSO DA PETROBRAS
Fiz concurso para a Petrobras ainda estudante. Tem uma coisa interessante - porque a vida é feita de coisas interessantes; o importante é ter uma boa memória pra guardá-las. É o seguinte: naquela época, emprego não era difícil, se formava já tinha duas, três ofertas - uma coisa que é completamente diferente de hoje. Hoje a garotada vai fazer mestrado, vai fazer doutorado, vai fazer não sei o quê porque não acha emprego, naquele tempo não, tinha. Mas quando eu tinha 8, 9 anos, eu tinha lido aquele “Poço do Visconde”, do Monteiro Lobato, e o diabo do “Poço do Visconde”, o negócio do poço de petróleo, ficou na minha cabeça, mas ficou lá no subconsciente. Aí eu fiz a tal da engenharia de minas - e nem vinculei uma coisa com a outra, fiz mais por influência ali na hora, porque ia ter emprego; Rui disse que ia ter emprego, porque nos outros não ia ter mais. E aí, quando chega no ultimo ano da faculdade, eu estou no diretório, e tinha uma revista da Petrobras, chamada Petrosix, que era o negócio do xisto do Paraná. A Petrobras estava fazendo umas pesquisas, transformando o xisto, que era um mineral que tinha um teor de petróleo, fazendo um craqueamento, um troço lá qualquer que estava tirando o óleo daquilo lá. E aquilo ali: “Interessante esse negócio, isso é engenharia de minas”. E aí veio o negócio do Monteiro Lobato no caminho errado: eu vou chegar no petróleo e vou fazer concurso para esse troço aí.
Quando foi em outubro, no ano da formatura, chegou um pessoal da Petrobras na faculdade, fez exposição sobre a Petrobras. Eu nem prestei muita atenção naquilo que eles falaram, mas me inscrevi lá para o concurso, me inscrevi para o concurso e passei. Aí me disseram: “Tem um curso na Bahia, em janeiro começa o curso na Bahia, dia 20 de janeiro, nós vamos mandar passagem”. No fundo eu ainda era estudante, a cabeça era de estudante ainda, então: “Eu vou fazer esse curso - sei o que é esse curso aí, eu vou trabalhar no xisto”. O meu negócio era ir para o xisto, porque eu era engenheiro de minas, e o xisto era mineração. Aí tinha minha namorada, noiva naquele tempo já, que era minha prima, que na cidade do interior a gente brinca lá que a gente casa com os primos para não dividir a fortuna, fica tudo em casa, mas aí ela falou: “O quê? Você vai para a Bahia sozinho? Vai nada - nós vamos casar antes”. “Deixa eu ir; um ano eu junto dinheiro e a gente volta.” “Não, se for um ano acho que tu não volta não, vamos casar logo.” Casamos e fomos para a Bahia. A Petrobras mandou passagem, meu irmão financiou - já estava trabalhando - a passagem dela e fomos para a Bahia. Na Bahia, os caras pagavam hotel durante dez dias, e depois eu alugava um apartamento, mas aí já tinha o salário mensal do curso, e fui com aquela ilusão. Você vê como são as coisas - como é que eu cheguei a presidente dessa empresa partindo tudo errado? Voltar um pouquinho, no concurso, para ver como partiu errado. No concurso tinham duas provas: uma de conhecimento e uma de psicotécnico. A de conhecimento eu fiz, achei que me saí bem, e fiz a do psicotécnico. Só que na do psicotécnico eram duas folhas, folha número 1 e folha número 2, com umas perguntas para a número 1 e perguntas para a número 2. Eu fiz e entreguei. Quando cheguei na porta, me deu um estalo. Aí voltei e falei com o cara que estava recolhendo, que hoje é muito meu amigo, chamado Nelson Saback Veloso, que foi meu professor na Petrobras e trabalhou comigo aqui na Petrobras e tudo mais; está aposentado também. Aí eu voltei e falei: “Ô, moço, professor, é o seguinte: eu fiz uma confusão aí e queria corrigir. Respondi as perguntas da número 1 na folha 2, e as da folha 2 na 1. Eu queria trocar, queria fazer essa revisão aí, porque senão vão dizer que eu sou maluco - aí eu não passo”. Ele falou: “Isso faz parte do teste, não tem jeito”. Fechou, botou no envelope e lacrou na minha cara; dancei. Surpresa: depois fui aprovado. Conclusão: “Está ficando doido, porque eu respondi trocado o negócio”. Se era normal eu não tinha passado.
CURSO NA BAHIA
Fui para a Bahia já casado. Fui fazer esse curso, e na aula inaugural estava lá o coronel Darcy Siqueira, que tinha sido o coronel da revolução não-sei-o-quê. Era o chefe da área de pessoal da Petrobras e tinha vindo de um órgão chamado Dasp, que era Departamento Pessoal do Governo Federal, para a Petrobras. E era considerado um cara muito duro - mais tarde eu descobri que era um amor de pessoa e que mantinha aquela postura de durão para manter a posição, aquela coisa de coronel, mas no fundo era uma ótima pessoa. E nessa aula inaugural ele falou lá sobre a Petrobras, o que era a Petrobras, quanto faturava, o que fazia, quanto fazia. “E alguém quer fazer alguma pergunta?” E eu, metido, levantei o dedinho: “Doutor Darcy Siqueira, é o seguinte - o que o senhor falou aí, falou em produção, em perfuração, refino e tal e coisa, e eu fiz concurso para ir para o xisto, sou engenheiro de minas”. “Então eu aconselho você a pegar suas coisas e sair por essa porta, porque aqui vai ser engenheiro de petróleo, produção e perfuração - não tem nada de xisto aqui”. Aí eu falei: “Como é que eu vou sair daqui, eu estou com mulher, aluguei um apartamento fiado, comprei uma geladeira fiado, um fogão fiado, uma cama fiado, para pagar com o salário daqui. Se eu for embora estou morto, vou ficar”. Aí eu fiquei, então também errado esse negócio - entrei porque errei o psicotécnico, fui fazer um curso; não era aquele, fiz outro. No fim tudo deu certo. Então às vezes eu fico pensando, esse negócio de vocação eu tenho minhas dúvidas. Esse negócio de vocação é uma coisa muito séria mesmo: “Pega um garoto vamos fazer um teste vocacional”. Eu fico olhando ali, será que... É porque você vê, eu vejo o seguinte, eu vejo um garoto de 17 anos - chega em casa, uma garota chega em casa: “Pai, mãe vou casar”. Aí todo mundo pula: “Não, você está maluco - isso é uma coisa para a vida inteira; você é muito novo, não pode tomar uma decisão dessa”. No entanto, ele escolhe a profissão, o que ele vai comer, decide a vida inteira com 17 anos. Ele pode escolher medicina, engenharia, direito... Então, se ele não está preparado ainda para uma coisa, também não está para outra, não. A sociedade exige que ele faça isso. Se no meio de curso ele resolver desistir, todo mundo cai de pau: “Vai perder três anos do curso”. Então acho que essas coisas, deixa acontecer. Vai levando que no fim as coisas dão certo de alguma maneira. Tem que ter dedicação no que faz e se interessar, procurar fazer bem feito e ter ética; tratar bem as pessoas, não pisar em ninguém - porque você não sabe amanhã como é que ficam as coisas. Se você fizer isso, no fim dá tudo certo.
ESTÁGIO NA BAHIA
O período de estágio na Bahia foi interessante. Hoje eu olho para trás e vejo que foi interessante pelo seguinte, porque no fundo a gente já era profissional, já era formada e tinha um emprego. Era uma turma de 50, no final ficaram 17. O curso era um curso superpuxado, muito puxado, e realmente eu estava para derreter - acho que era até intencional aquele negócio, quem não quisesse ficar não ficava, saía logo. Mas eram 50 alunos do Brasil inteiro, tinha de todo canto. Primeiro mês, aquela coisa - ninguém se conhecia e tal. No fim estava um grupo muito interessante mesmo, tenho amigos de muito longa data - até hoje, todos eles. E como eu era casado e só tinha outro casado, que era aqui do Rio, então tinha um tal de querer estudar lá em casa... Mas estudar lá em casa era o seguinte: a gente ficava estudando, e minha mulher fazendo lanchinho, biscoitinho, um docinho, um cafezinho; a negada se aproveitando. Resultado: por conta disso hoje ela é madrinha de um monte de filhos dessa turma, adotaram ela como a mãe de todos eles, e foi em frente. Mas era aquele período de descoberta, porque a gente estava tendo uma transição de estudante para profissional, estudando. Então tinha uma hora que a gente era estudante, tinha uma hora que a gente era profissional, não sabia exatamente o que a gente era. E todo mundo queria juntar dinheiro para comprar o primeiro carro, quer dizer, o primeiro Fusquinha, porque o único carro que tinha para se comprar era o Fusquinha. Era tirar a carteira de motorista - aquilo era um negócio ainda muito incipiente na vida da gente. Mas a Petrobras tinha uma coisa muito boa, ela forja muito o caráter, a personalidade das pessoas. E a gente ia no estágio para o campo - durante aquele período de curso tinha parte de aula e parte de campo. Saía para o campo, e ela te jogava logo na linha de frente, para o estagiário bobinho. Assim, te entregava pra trabalhar com um cara de 40, 50 anos de idade e no mesmo nível, a mesma coisa, e o cara te dava obrigação, te apertava, te puxava e daqui a pouco, você trabalhando - você estava mexendo com coisa de milhões de dólares e você não tinha um tostão e tinha medo de errar e se dedicava mais. O fato é o seguinte: na minha turma terminaram 17, todos excelentes, o nível excelente. E alguns que saíram depois, já no fim do curso - uns por reprovação, outros porque desistiram, cansaram. E a gente encontra hoje uns como professores da Universidade de Porto Alegre, outros foram diretores da Cemig, lá em Minas, outros da CSN. Todos eles hoje dizem que foi um período muito interessante, porque a Petrobras ensinou a trabalhar, a viver. Mesmo os que ficaram pouco tempo, mesmo os que saíram. Eu acho que a formação da responsabilidade pela execução das coisas no prazo e cumprir o cronograma, o orçamento, essas coisas, ficou marcado na cabeça de todos eles. E isso é um negócio que eu vejo muito pouco hoje nas próprias pessoas. Gozado, acho que os caras que saíram da faculdade hoje - os meninos que saem da faculdade - eles saem muito mais competente do que minha turma saiu, mas muito mais : o nível deles é dez vezes melhor do que o nosso. Só que eles saem muito mercenários, saem para ganhar dinheiro. Entra num emprego, se alguém oferecer 1 dólar a mais ele muda; não veste a camisa mesmo. Isso eu percebo com uma nitidez muito grande e acho que isso para uma empresa como Petrobras, que exige muito da pessoa. Porque você imagina, você é do Rio de Janeiro ou de São Paulo, cosmopolita; criou-se e educou-se numa sociedade desse tipo. Forma, no outro dia te pegam e te botam no rio Juruá, lá na Amazônia - é um choque, um choque cultural, um choque de conforto, um choque de tudo. Ou a pessoa fica imbuída que aquele negócio que ele está fazendo é uma coisa importante para o país - não é só para ele, é para o país que ele está trabalhando - ou ele desiste do negócio logo e vem embora. Não tem prainha, não tem chopinho, não tem namoradinha, não tem teatro. Não tem ao que ele está acostumado no dia-a-dia dele. É um choque mesmo. Talvez na minha geração fosse mais fácil porque não tinha essas facilidades, porque elas não existiam. Eu lembro: televisão preto e branco começou no Rio de Janeiro em 1950, chegou em Recife em 1960, 10 anos depois; a colorida chegou no Rio em janeiro de 70. Quando foi em julho, em Aracaju eu estava vendo a Copa do Mundo colorida. Então era assim muito mais veloz esse acesso à comodidade e ao lazer.
IDA PARA SERGIPE
Aí, terminado o curso… Uma outra coisa interessante, como é a coisa de destino, não tem como fugir disso. Você vê, a minha carreira depois toda foi o quê? Foi Bacia de Campos. Meu nome ficou conhecido na Petrobras, criei um nome na empresa foi com a Bacia de Campos, sem sombra de dúvida. Agora, por que foi Bacia de Campos? Um troço que não tem nada a ver. Quando terminou o curso na Bahia, tinha dois lugares pra escolher: ou ficar na Bahia - no interior da Bahia, em Catu - ou Sergipe. Em Sergipe, como o campo principal era perto de Aracaju, ficava-se morando em Aracaju, que era a capital. Eu fui terceiro lugar do curso. Então, os primeiros lugares - a escolha era por classificação -, então o primeiro lugar quer ir para onde? “Bahia”. Segundo lugar, eu para mim digo: “Sergipe”. E aí um amigo meu disse: “Você está maluco. O que você vai fazer em Sergipe, rapaz? Bahia produz 100 mil barris, Sergipe produz 20 mil”. E eu: “Não, porque lá fica mais perto de Pernambuco. Quando eu quiser viajar, estou mais pertinho”. Olha o que eu pensei. Pois bem, foi por isso que eu fui pra Sergipe. Agora, vê a coisa. Na verdade, o que é que era? Eu não tinha cabeça para pensar e nem decidir aquele troço; na verdade eu tinha 23 anos de idade, um idiota. Chego em Sergipe, o que é que eu descubro? Sergipe era um troço pequeno, que tinha não mais de 50 engenheiros. Todos se conheciam, era uma grande comunidade de amigos, todo mundo ajudava um ao outro, uma turma excelente. A Bahia era um troço que tinha mais de 500 engenheiros, o estagiário, que era eu ou outros, não passava de um número no meio daquilo lá, tinha nego já aposentando, gente já bem mais idosa, completamente distanciado daquilo lá. Em Sergipe não, tinha muita gente nova. Bom, então nessa coisa eu fui para Sergipe e lá eu encontrei esse grupo de pessoas. Na verdade não tinha esse negócio de chefe, superintendente, porque eram pessoas que trabalhavam muito juntas - talvez por isso, porque era pequeno mesmo. E aí veio uma coisa interessante.
PETRÓLEO NO MAR
Bem, mas aí ocorreu um troço interessante. Naquela época - em 1969, janeiro de 69 - eu vim para cá e descobriu-se petróleo no mar. Descobriu-se petróleo no mar onde? Sergipe. E aí, mais uma vez, chegou esse Décio, que era o chefe da completação, era engenheiro da completação, e falou pra mim e para um engenheiro paraibano chamado Paulo Espínola, que tornou-se muito meu amigo também: “Olha, tem esse negócio no mar aí, agora. E vocês, que são um de Pernambuco e outro da Paraíba, vocês podiam pegar isso e trabalhar lá, porque tem mais folga, e nas folgas vocês podem ir para a terra de vocês, aqui pertinho - um é cinco horas de viagem, outro, três horas”. Então fui para o mar para poder nas folgas ir para Pernambuco. E olha que eu enjôo, não me chame para passear de lancha que eu enjôo - já tive o desplante de ficar meio tonto na Cantareira, aqui no Rio de Janeiro que é aquela coisa paradona ali. Mas fui para o mar, e as plataformas eram fixas - então dava para agüentar o negócio lá. Então, na verdade eu e o Paulo Espínola fomos os dois primeiros engenheiros a ir trabalhar em completação no mar - antes tinha o pessoal de perfuração, mas a parte de produção fomos nós dois. Completação é quando termina de perfurar um poço, perfura o poço; aí entra o pessoal de produção para preparar aquele poço para entrar em produção - coloca bomba, coloca a famosa árvore de Natal, faz a interligação com as linhas-duto. E lá fui eu para esse negócio, eu e o Paulo Espínola. Mas como tinha muito pouco trabalho, então a gente trabalhava uma época interna, outra época no mar, e no mar a gente se revezava. Naquele tempo não tinha nenhuma lei para isso - a lei era assim, a cada três dias trabalhados tinha um de folga, que era a mesma coisa de terra. Até o pessoal do escritório gozava a gente, porque o pessoal do escritório trabalhava de segunda a sexta, que eram cinco dias, e tinha sábado e domingo - tinha dois; então cada cinco dias tinha dois. A gente, que trabalhava no campo, que era de dia e de noite, toda hora, era cinco por um, então a cada seis dias tinha dois. A gente perdia, mas tinha vantagem que a gente podia acumular para viajar para Pernambuco e ele para Paraíba. Era isso que a gente queria. Mas aí o serviço foi aumentando, foi na época que descobriram o campo de Guaricema, e começou a colocar mais sonda, mais poste em Guaricema, que foi o primeiro campo de produção no mar, e aí começou complicar a coisa, porque já não dava mais tempo. Eu ia e voltava, e ele me substituía, né, e aí os dois começaram a ir em paralelo, porque tinha trabalho simultâneo numa plataforma e noutra. E foi aquilo, e um belo dia a gente descobriu que estava com quase 30 dias de folga, depois 60 dias de folga. Aí foram preparando outras pessoas e tal, mas aí eu fiquei carimbado como engenheiro de mar, de operação em mar e fiquei lá. Isso foi em 69, quando nós começamos.
SUPERINTENDENTE DA BACIA DE CAMPOS
Quando foi no começo de 77, o superintendente de lá, que se chamava Marque Neto, foi nomeado diretor da Petrobras aqui no Rio. No ano anterior tinha sido descoberta a Bacia de Campos - foi o primeiro poço descobridor; não tinha produção nenhuma ainda. O Marque Neto veio para o Rio - nessa altura o Paulo Espínola tinha ido para o Iraque; a Braspetro tinha feito uma descoberta em Majnoon, essa cidade de Bhasra, que os americanos já tomaram, e o Paulo foi para lá. Já tinha outro grupo, de gente mais nova, que estava comigo lá, e aí o Marque Neto falou: “Na Bacia de Campos tem que ter alguém com experiência de mar”. E quem tinha experiência de mar que ele conhecia? Era eu - eu nunca tinha sido chefe de coisíssima nenhuma na minha vida; me pegou como superintendente de Campos, maluco. Agora, acho que deu certo, porque depois eu não deixei de ser chefe nunca, até me aposentar. Então deve ter dado certo, mas foi por absoluta falta de pessoas preparadas ou experientes, que a Petrobras não tinha. Aí me mandaram fazer um curso de produção offshore lá no Texas. Fiquei dois meses fazendo esse curso; voltei, assumi lá o negócio e fui ser superintendente da Bacia de Campos no dia cabalístico 7/ 7/ 77. No dia 13 de agosto, começou a primeira produção. Dia 13 de agosto dizem que dá azar, mas começou a produzir a Bacia de Campos 13 de agosto, Campo de Enchova 1 - depois teve aquele incêndio e tal. E quando foi em 86, nove anos depois, eu vim para o Rio de Janeiro, e a produção já estava em torno de 500 mil barris, que era cerca de 80%, 85% da produção do Brasil, obviamente aquele negócio, a proximidade, Macaé próximo do Rio. Então, subitamente Alfeu virou dono não de uma Bacia de Campos - eu era dono de uma Disneylândia, porque toda visita da Petrobras - fosse estrangeiro, fosse deputado ou fosse Banco Central ou fosse embaixador inglês ou fosse ministro de Estado, qualquer coisa que batia na Petrobras: “Eu quero conhecer Bacia de Campos” - lá vai para Macaé, lá vou eu pegar e botar embaixo do braço, leva para a plataforma; mostra a plataforma, faz a mesma palestra, as mesmas transparências - só mudava o mês e o ano das transparências. Então era a Disneylândia da Petrobras aquele negócio. Mas aconteceu isso aí; é um troço impressionante: é que Alfeu ficou conhecido. Então chegava em Brasília, todo mundo já sabia quem era, porque eu já tinha feito palestra para deputado, para senador, para ministro, para todo mundo - eu era conhecido.
CHEFIA DE PRODUÇÃO
Então, quando Hélio Beltrão veio pra ser presidente da Petrobras, ele me chamou para vir ser superintendente no Rio de Janeiro. Mas aí ele saiu; ele me chamou e saiu da presidência, e aí eu não vim. Aí entrou o Ozires Silva, que tinha vindo da Embraer como presidente, e colocou o Wagner Freire como diretor de Produção; Exploração e Produção. E o Wagner Freire então me chamou para esse lugar. Eu vim em 86 e fiquei na chefia da produção do Brasil inteiro. Aí a Bacia de Campos continuou crescendo muito, a Bahia e Sergipe mais ou menos estabilizados, Rio Grande do Norte continuou crescendo, e pouco tempo depois, em julho de 86, quando foi no final do ano, descobriu-se o campo de Urucu na Amazônia - foi a primeira descoberta econômica de petróleo na Amazônia. E a gente fez um esforço muito grande para colocar aquilo em produção logo, que era um negócio emblemático produzir petróleo na Amazônia. Desde menino ouvi falar de petróleo na Amazônia; nunca tinha achado petróleo na Amazônia, e foi colocado em produção muito rapidamente. E o Sarney foi lá, na primeira vez que eu vi uma comitiva; tinha até umas fotos minhas de paletó e gravata junto com uma árvore de Natal, porque o presidente da República estava de paletó e gravata, e todo mundo ali - um calor de matar no meio da floresta, uma umidade danada e todo mundo elegante. E as coisas continuaram crescendo; a produção foi indo bem, eu era responsável pela produção toda, no fundo eu era chefe de uma equipe - tinha gente do Brasil inteiro, e eu aqui no Rio de Janeiro. Uma equipe excelente, muito boa.
DIRETOR DE ENGENHARIA
E aí veio uma coisa que realmente eu não sei. Perguntei ao Carlos Sant’Anna; ele também nunca me disse. Quando foi no final de 89, tinha um diretor da Petrobras, um diretor de Engenharia, que se chamava Adilson Távora. Ele morreu, e ficou vago o lugar. Quando foi em janeiro de 90, o Carlos Sant’Anna me chamou: “Alfeu, você vai ser nomeado hoje, vai sair no Diário Oficial - você vai ser diretor da Petrobras no lugar do Adilson Távora”. “Espera aí, quem me indicou foi você mesmo?” Ele disse: “Não fui eu, quero saber quem foi que te indicou”. Eu disse: “Não sei”. Então, até hoje não sei. Ele disse que não sabe; eu também não sei. E aí, sem saber quem me indicou, eu virei diretor da Petrobras na área de Engenharia, mas foi janeiro de 90, fevereiro; em março o Collor assumiu; 15 dias depois ele demitiu a diretoria toda, inclusive o presidente. Foi a diretoria toda, aí saiu o Sant’Anna, entrou o Motta Veiga. O Motta Veiga sei lá por quê me chamou para ficar de consultor dele; eu fiquei lá até novembro, outubro, quando Mota Veiga saiu e entrou Eduardo Teixeira. Aí ele me chamou para diretor novamente - e aí eu sei por quê: porque em Brasília tinha dois engenheiros da Petrobras. Estavam trabalhando em Brasília - um chama-se José Paulo Silveira, que tinha sido superintendente do Cenpes muitos anos; era muito meu amigo, estava lá e tinha feito amizade com Eduardo Teixeira, que disse: “Na Petrobras eu não conheço ninguém”. Aí ele disse: “Tem esse cara lá, o Alfeu”. Então foi indicação. Corroborado por outro amigo do Eduardo Teixeira, chamado Antônio Maciel Neto, que hoje é presidente da Ford, que era da Petrobras também e é amigo nosso, tinha sido presidente da Aepet - Associação dos Engenheiros - e tudo mais. Então essa eu sei porque eu fui - fui indicado por esses dois. O que me deu muito conforto, porque eu falei: “Bom, fui indicado por esses dois - não devo favor a ninguém; eles são colegas que me indicaram. Então é muito melhor do que indicado por alguém que depois vai te cobrar um pedágio porque te botou no cargo”.
PRESIDÊNCIA DA PETROBRAS
E fomos indo assim. Muito bem, até que o ministro Ozires Silva - tinha sido ministro do Collor das Minas e Energia – saiu, mais ou menos em março de 91, e o Eduardo Teixeira, que era presidente da Petrobras, foi nomeado ministro. Daí ele me chamou: “Pois eu vou para ministro; não quero mexer na equipe - você dá continuidade, fica você. De diretor passa para presidente, eu nomeio outro diretor no seu lugar e vamos em frente”. E assim foi feito; 1º de abril, uma data muito ruim pra assumir a Presidência, né? Parecia brincadeira, mas eu fui. Um mês depois teve um congresso em Houston; eu fui ao Congresso, quando eu volto e chego no aeroporto, o motorista disse: “O senhor já viu o jornal hoje”” Aí eu olhei: “Eduardo Teixeira pede demissão do cargo de ministro”, em solidariedade a Zélia Cardoso de Melo, que tinha sido demitida. Aí eu peguei o carro e voltei para o aeroporto, peguei e fui pra Brasília. Cheguei lá, falei: “Eduardo, vou fazer a carta de demissão junto contigo - você me convidou para o cargo; você saiu, eu saio junto”. “Não, de jeito nenhum - fica aí, porque senão vai ser uma descontinuidade muito grande. Eu já pedi ao pessoal da Vale do Rio Doce para todo mundo ficar”. Acabei ficando, aí entrou o ministro João Santana. E aí começou um troço: eu não era o homem do coração do João Santana, mas ele não achava nada de errado em mim para me tirar, mas estava louco para me tirar. Ficamos naquele jogo, e eu comecei a achar que aquilo estava me incomodando muito - devia estar incomodando ele também. Eu diria, aquela inimizade cordial, se tratando bem mas sem nenhuma paixão maior, quando vem chegar o mês de agosto, primeiro de setembro era a data-base do Sindicato. Eu confesso que eu tinha um trânsito razoavelmente bom no sindicato - eram cerca de 16 ou 17 sindicatos, conversei, cheguei a juntar 3 a 3, 2 a 2, 1 a 1; cheguei a conversar com quase 14 deles, e chegamos a um valor que era 80% do INPC, que era o índice que regulava o salário naquela época. “Só que 100% é difícil de dar, só 80%”. E a turma concordou. Fui a Brasília, conversei com o ministro - meu inimigo cordial - e falei com ele: “Está assim, 80%”. Ele disse: “Formidável, ótimo, porque senão a gente vai ter que dar 100%; 100% vai pesar muito;80% está muito bom - você consegue?”. Eu disse a ele: “Não, já está acertado; é só formalizar agora e tudo bem”. Marcamos uma reunião com os sindicatos - agora formal - numa quarta-feira, 10 horas da manhã; quando chegou na terça-feira, 3 horas da tarde, o ministro me liga e diz: “Você pode dar um pulo aqui em Brasília? Pega um jatinho que é urgente”. Disse: “Está bom”. Peguei um jatinho e fui para Brasília. Ele disse: “Olha, o Banco do Brasil, na negociação com o sindicato, ele vai dar só 10% do INPC; você também tem que dar só 10% do INPC”. Eu falei: “Ministro, o senhor me perdoa, mas o senhor vai lá dar o recado, que eu já negociei, autorizado pelo senhor, 80%. Se é 10, o senhor vai lá e diz que é 10, porque eu não vou dizer não, para mim é 80”. Aí não deu outra coisa: “Não, você volte e pense”. Eu disse: “Está bom”. Aí pensei, cheguei na Petrobras, sentei - eram umas 7 horas da noite - fiz uma carta, levei para casa. Chamei a mulher e os filhos e falei: “Ó, estou entregando essa carta de demissão - o que vocês acham?” Rapaz, nunca me beijaram tanto; foi uma festa: “Que bom, que bom”. Eu achei que eles fossem achar ruim, acharam ótimo. Aí não tive dúvida: datilografei a carta, assinei, botei no fax, mandei para o homem; no outro dia de manhã já não era mais presidente da Petrobras. O resultado disso é que o Weber, que entrou no meu lugar, manteve os famosos 10%. Ocorreu uma greve de 49 dias; a Petrobras teve de prejuízo naquela greve 300 milhões de dólares. Foi para o Tribunal Superior do Trabalho - TST - e o TST deu 100% do INPC e mais 15% de produtividade. E o Santana ainda hoje diz que me tirou porque eu estava querendo dar demais aos empregados e que ele não deixou; pagou muito mais caro.
APOSENTADORIA
Aí esse Weber me chamou para consultor. Fiquei lá pouco tempo e depois desisti - fui ser peão mesmo. E como já falei para vocês eu fiquei numa situação muito complicada, porque a turma de baixo não me aceitava como colega - queria me tratar como ex-presidente - e a turma de cima não queria me tratar bem, para eu não ter a intenção de tomar o lugar dele de volta, o que realmente não era a minha intenção, mas passava isso na cabeça dele. Então eu resolvi sair, pedi demissão, doeu muito. Eu pedi demissão - foi uma vida inteira, foi uma coisa muito dolorida, muito pensada, discutida em casa também e tal, mas foi feito. O Marcelo Henriques, que era o chefe do pessoal - que hoje é IP - na época do Depro, ele disse: “Alfeu, se qualquer grafólogo olhar aquela assinatura diz que não foi sua não”. Disse que eu tremia tanto que ela saiu diferente, mas foi feito. Fiquei um ano pagando a Petros independente para complementar mais um ano, até fazer 30 anos, e aí com 30 anos - se vocês contarem não dá 30 anos, mas dá por causa do tempo de campo que tinha, que contava 40% a mais, por ter sido engenheiro de campo, e ainda tinha mais um ano - uma coisa que eu não sabia, mas meu irmão esteve aqui no Rio - esse que é advogado em Pernambuco - e falou: “Por que você não aposenta?” “Falta um ano ainda”. “Não, você teve dois anos como presidente da Casa do Estudante de Pernambuco, que era uma autarquia, aquilo conta como tempo de serviço”. Eu disse: “É?” “É”. Aí ele voltou a Pernambuco; providenciou a papelada, dei entrada no INSS; aceitaram, e aí me aposentei. Eu nem sabia que aquela coisa contava tempo.
NEGÓCIOS PRÓPRIOS
Mas aí fiquei um tempo parado. Depois montei essa firma que eu tenho hoje de consultoria. E essa firma de consultoria começou quase que como um troço para eu sair de casa para não ser atropelado pelo aspirador de pó. Aí eu formei essa empresa - de início de consultoria; depois ela praticamente deixou de ser de consultoria, por uma razão muito simples: eu descobri que eu estava iludido. Eu achava que o mercado precisava de alguém com muita experiência em petróleo, em produção de petróleo, em desenvolvimento de petróleo, em gerência de campo, em gerência de política de petróleo essas coisas todas, e então eu seria um consultor principal. E logo com os primeiros clientes eu descobri que não era isso que o mercado queria - o mercado queria um lobista que usasse as amizades que ele tinha na Petrobras para abrir porta e obter informações confidenciais e passar para eles, para eles ganharem concorrência. Isso que eu descobri e aí eu disse: “Jamais vai passar na minha cabeça de trair meus amigos, sentar com ele para tomar um chopinho, comentar uma coisa e eu vender essa informação, não vou fazer um negócio desses, que é contra tudo o que eu aprendi na vida”. E aí, mais outras daquelas coisas que ocorrem por acaso, estou na avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, e encontro um colombiano chamado Jaime Sambarriegue, que era diretor de uma empresa que fabrica turbinas a gás e vendia turbina a gás para a Petrobras. Encontro com ele: “Ô, o senhor está fazendo o quê?”, “Estou aí, nem sei se vou ficar com esse negócio, não sei o que vou fazer”. Ele disse: “Olha, estou sem representante aqui no Brasil, com o representante que tinha nós brigamos. Você não quer representar minha firma para vender turbinas?” “Rapaz, eu nunca vendi nada na minha vida, eu não sei vender coisa nenhuma, eu sei comprar - entro num shopping center, sou uma fera, sou consumidor mesmo, minha mulher adora sair comigo quando faz uma viagem, porque os maridos vão tomar cerveja e eu saio pelo shopping, não resisto a uma vitrine”. Eu digo: “Eu sei comprar; nisso eu sou bom, mas vender não”. “Então, eu estou sem ninguém - vamos fazer uma experiência.” “ Então vamos fazer uma experiência.” Pois bem: desde 75 eles estavam no Brasil e tinham vendido 19 turbinas; de lá pra cá nós já vendemos 92. A Petrobras começou a crescer, começou a fazer muita plataforma, na década de 90 foram muitas plataformas - uma atrás da outra - e todas elas precisavam de geradores, e geradores precisavam de turbina. E aí uma grande coisa, aí não precisa de lobby, não precisa abrir porta. É o seguinte: a Petrobras faz uma especificação - “Eu preciso de uma turbina assim, assim”. Quem tem vai lá, apresenta o produto e o preço, ela abre a parte técnica e examina: “Esse foi aprovado, esse foi aprovado, esse foi reprovado, então desse ficaram três, desse ficaram quatro; abre o preço dele, o que for menor ganha”. Então isso não me dá nenhum constrangimento, de vender nada para a Petrobras, porque eu não estou me aproveitando de nada, eu estou vendendo um troço que ela está pedindo. E aí eu descobri que o meu negócio era vender turbina. Mas aí começa: vem um americano e conversa com outro: “Quem é representante no Brasil?” “É Alfeu, ele está vendendo bem, a firma dele está vendendo bem”. E com isso hoje nós representamos essa turbina, representamos a National Oil Well, que é uma firma de sonda e perfuração. É americana também, representamos uma firma que é de Houston que faz também equipamento árvore de Natal, essas coisas de produção; representamos uma firma de guindaste da Holanda e uma firma de válvula da Inglaterra. E mais não queria - estava muito bem, estava eu, meu filho e outro sócio, dava para ganhar um bom dinheiro, um trabalho realmente empolgante em termos de técnicos, de coisa para você oferecer sugestões. Mas que dá pra trabalhar pouco, quer dizer, não precisava trabalhar 8 horas, 365 dias por ano, nem de sábado, nem de domingo, nem de feriado, nem coisa nenhuma. Aí aparece uma firma de Cingapura. Tinha um amigo nosso que conhecia muito eles. Esse amigo nosso tinha sido um engenheiro de perfuração da Petrobras que em 1977, quando eu vim para a Bacia de Campos, ele era um engenheiro lá e pediu demissão, e eu assinei a demissão dele. Ele me procurou: “Alfeu, tem um estaleiro lá muito grande em Cingapura, Fels”. Eu disse: “Eu conheço, quando eu era presidente da Petrobras nós assinamos contrato com esses caras”. Ele disse: “Então ótimo, mas eu sou sozinho - não tenho firma, não tenho nome, não sou uma pessoa conhecida. Eu estava querendo trazer a representação dele aqui para o Brasil - você não quer entrar junto comigo nesse negócio?” “Então você não quer entrar de sócio comigo também nas outras coisas?” “Quero”. E ele entrou, então somos esse judeu chamado Shiviski Korniki, o Paulo Brandão, meu filho, que é o Alfeu Neto e eu - somos quatro. Então esse estaleiro nós trouxemos para o Brasil e associamos ele com uma firma de São Paulo chamada Setal Construções e alugou-se o estaleiro Verona por 30 anos. Hoje já é o melhor estaleiro do Brasil, está participando de concorrência na Petrobras - agora na semana que vem vai ter uma concorrência muito grande, essa que deu muito ibope, que o Lula exigiu que 60% fosse nacionalizado. E para sorte nossa, nós estamos aqui dentro mesmo - acho muito bom que seja nacionalizado mesmo. Então são essas representações no exterior e essa daqui e pára por aí senão a gente vai ficar maluco, esse trabalho está muito bem. O que ocorre é, como minha mulher diz: eu vou muito mais lá para me divertir do que para trabalhar. Você já ouviu falar aquela história da velha galinha com os pintinhos embaixo das asas? Sou eu, eu fiquei esse tempo todo na Petrobras. Então por mim passaram mais do que duas ou três gerações de engenheiros estagiários, que foram se desenvolvendo. E por alguma razão eu tenho, graças a Deus, muita confiança em mim, então diariamente nêgo me telefona, está com problema: “Como é que eu faço isso?” “Eu briguei com meu chefe”, ou “meu chefe está me perseguindo”, ou “eu estou com um cargo importante; agora, eu tenho três nomes para escolher - quem você acha que é melhor?”. Então o trabalho de consultoria que eu descobri que eu dou é de graça e é para os ex-colegas. Então a consultoria é essa; para ganhar dinheiro é a representação comercial realmente. Porque com esse troço eu saí da Petrobras, mas não perdi o contato. E - eu não sei se felizmente ou infelizmente - eu vivi uma mudança tremenda.
ABISMO DE GERAÇÕES
De 90 para cá a Petrobras teve uma revolução, porque a Petrobras era uma empresa - agora eu vou eu falar da Petrobras – que, quando eu entrei, era uma empresa extremamente nacionalista, era uma empresa que tinha um monopólio, era uma empresa que quando foi formada, os seus primeiros presidentes foram todos militares. Então criaram uma empresa muito similar às organizações militares. Os termos na área de pessoal da Petrobras - é lotação de pessoal, isso só tem no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica; em outro lugar não tem esse negócio de lotação de pessoal, um rol de pessoas. Nós temos assim organização de almoxarifado, é exatamente como se armazena munição, era tudo igualzinho. Mas era uma empresa extremamente consciente de que ela tinha um monopólio que era dado pela sociedade para ela explorar o petróleo e ela tinha como contrapartida obrigação de fazer o melhor trabalho, sob pena de perder o monopólio e perder a confiança da sociedade que estava do seu lado. Isso é que é a primeira educação na cabeça de qualquer engenheiro, qualquer ensino médio que entrasse na Petrobras: “Olha, tu vai gerir uma coisa que não é tua, isso é da sociedade, vamos fazer o melhor porque nós também somos sociedade, nossos filhos farão parte disso e o que for melhor para o país que a gente faz, né, tem que manter o país abastecido a qualquer custo, a qualquer custo - não ao menor custo -, não pode parar, esse negócio não pode parar, porque há uma confiança depositada nessa empresa”. E dentro desse espírito que essa empresa vem vindo - e aí permeou militares na Presidência, civis, militares, políticos não sei o quê, mas podia colocar quem colocasse na Presidência a base estava muito estruturada com essa filosofia. Na Petrobras pode botar a pior diretoria do mundo, o pior presidente do mundo, não vai mudar nada, porque é a turma de baixo que sustenta. Então, onde a gente tem que investir é nessa turma de baixo, seja na educação, no treinamento e principalmente nos valores morais, éticos; é nessa turma que a gente tem que segurar, porque o alicerce da empresa é isso aí, e ela veio nisso. Interessante: quando é de 90 para cá, começa uma revolução no mundo e aí - e culpo até a Petrobras - ficou 10, 12 anos ou mais que isso sem admitir pessoas. Então houve um gap entre as formações das pessoas que já estavam com 10 anos e aquelas que estavam entrando, faltou gente no meio de campo para dar essa continuidade. Eu diria - o nordestino fala muito naquela tradição oral - que cortaram a tradição oral entre os mais antigos e os mais novos. Então, acho eu, isso é uma coisa que eu penso, que posso estar completamente errado, mas na minha cabeça passa muito isso: cortaram essa tradição oral, as pessoas deixaram de se comunicar muito, e esse novo grupo que entrou, entrou com uma cabeça desses meninos - neoliberal demais, só estão pensando no mercado, e o mercado é o senhor todo-poderoso e todo mundo tem que obedecer o mercado e o mercado são meia dúzia de bancos, né? “Mas o mercado não gostou disso, o mercado ficou nervoso, o mercado está estressado.” Aí a Bolsa sobe, a Bolsa desce, e o mercado absolutamente virou uma coisa, tem gente que só trabalha com o mercado. E dentro dessa linha - algum que perdoe, eu nem conheço o pessoal mais antigo - mas esses últimos presidentes da empresa, o Philippe Reichstul e o Gros, são homens do mercado e criaram, jogaram lá dentro, promoveram muita gente nova dentro dessa nova filosofia de que estatal não funciona; quem funciona é companhia privada. Eu conheço estatal boa e conheço estatal ruim, conheço companhia privada boa e conheço companhia privada que vai à falência também, então eu acho que essa dicotomia é ou não é não existe, tem várias companhias privadas hoje que são geridas por aposentados da Petrobras. Quer dizer, o cara era incompetente quando era da estatal e ficou competente hoje quando saiu. O Antônio Maciel Neto é presidente da Ford, meu Deus do céu! Ele viveu 20 anos na Petrobras - será que lá ele era incompetente e ficou competente quando saiu? Essas coisas não são assim.
PRIVATIZAÇÃO DA REFAP
Logo que Lula foi eleito eu vi um dia no jornal uma coisa que me chocou – gozado, a gente sabe das coisas, mas quando vê escrito parece que está cristalizado mais. O jornal - eu não lembro qual - dizia assim: “Cargos importantes que Lula terá que preencher: Presidência do BNDES, Presidência da Petrobras, Presidência da Eletrobras, Presidência da Refinaria Alberto Pasqualini do Rio Grande do Sul”. Aquilo me deu um choque tremendo. Naquele momento que eu caí em mim, que a refinaria não era mais da Petrobras - era uma companhia independente, uma Presidência independente. A Petrobras só tinha 70%; 30% ela dava para o Repsol, quer dizer, privatizaram uma refinaria e ninguém notou. Então eu fico pensando: será que na continuidade não iriam privatizar todas também, agora privatizaram uma refinaria que tem um mercado formidável, um mercado cativo, não tem a menor chance de dar prejuízo, tem cliente para os derivados normais, todo o Rio Grande do Sul, um Estado pujante, crescente. E Santa Catarina ali junto. E a Petroquímica de Triunfo, junto, que pega todos os derivados que não são de combustíveis; estão lá também. Então privatizaram um negócio sem risco, meu Deus do céu! Isso é uma coisa que eu fico achando que é um trabalho complicado que está feito, chega lá e vai comprar novamente, não sei, a essa altura eu não sei se vale a pena ou se não vale, qual é a política administrativa que está lá, quais são é os compromissos que tem com a Repsol. Por que foi a Repsol e por que não foi a Shell eu não sei, não teve concorrência eu não vi isso em edital convocando para concorrência. Esse negócio fica meio esquisito. Então essas coisas que me preocupam, porque a gente que fez essa empresa. E aí sem modéstia nenhuma - a gente fez essa empresa mesmo, eu e essas pessoas que vocês estão entrevistando - praticamente todas elas, né, eu estava conversando com elas antes, engraçado, por exemplo o Jorginho, o Jorginho é meu conterrâneo, nós já tivemos brigas homéricas, discute coisa, mas é com todo o carinho aquela discussão, porque no fundo ele quer a mesma coisa que eu quero. A gente discute qual o melhor caminho para chegar naquela coisa, qual é o objetivo, o objetivo é o mesmo, a discussão qual é o melhor caminho, ele está convicto de uma maneira e eu estou convicto de outra, mas a gente não discorda que o objetivo final é o mesmo, é importante isso, ter esse contraponto. Essa discussão às vezes enriquece até as decisões. Você analisa com muito mais… decide com mais segurança, porque teve posições contrárias que te permitem analisar melhor, não cometer um erro e achar que eu sou o dono da verdade e vou em frente, né? Mas mesmo assim eu acho que ainda há tempo, há tempo porque a competência da grande massa dos empregados da Petrobras é muito grande. Primeiro - só entra por concurso, em qualquer nível, seja datilógrafo, seja engenheiro entra por concurso; os concursos são muito pesados. O curso de formação, quando o sujeito entra - todos passam por um curso de formação muito pesado, muito exigente, curso de reciclagem durante a vida inteira. Eu duvido que algum empregado da Petrobras em qualquer nível tenha passado três anos sem fazer um curso, eu acho que não existe isso, alguns fazem até muitos: “Cuidado que o chefe está querendo ver tuas costas, está mandando você fazer curso demais, então está a perigo”. Mas faz investimento no exterior, tem mestrado no Brasil, tem mestrado no exterior, tem doutorado no exterior, tem um Centro de Pesquisa onde se investe pelo menos 1% do faturamento - hoje o faturamento da Petrobras é o quê? 26 bilhões de dólares; está falando de 200 milhões de dólares, 250 milhões de dólares por ano de investimento, sei lá quanto. Hoje não sei, mas 500, 600 pessoas de nível superior, te garanto que 80% desse pessoal tem doutorado e mestrado. Não existe nenhuma empresa no Hemisfério Sul - não é no Brasil: Hemisfério Sul - que faça esse investimento em gente. Então essa massa tem, eu acho, muita capacidade, muita competência para resistir ainda a qualquer tentação que alguém tenha de tentar fatiar a empresa e vendê-la aos pedaços, mas tem que ficar atento porque Roberto Campos morreu, mas tem muita gente que está viva por aí ainda, então a gente tem que ter muito cuidado.
BACIA DE CAMPOS
Bacia de Campos é um capítulo à parte, porque ela tem características muito interessantes. Quando ela foi descoberta, em 76, para começar a produção em 77, foi um laboratório muito grande. Primeiro que ninguém - nós da companhia - sabia como produzir um campo de petróleo a mais de 30 metros, 40 metros de água, que a gente fazia no Nordeste. E o primeiro campo já foi Enchova, com 110 metros de água - que nós achávamos profundo. Naquela época 110 metros: “Opa, esse negócio está muito profundo”. Então não tinha nenhum especialista, ninguém conhecia aquilo. E nós tomamos uma decisão muito arriscada - talvez arriscada demais até, mas com apoio da diretoria da época e o apoio da Presidência. Vamos fazer justiça aí ao Shigeaki Ueki - muita gente fala mal dele, mas ele foi realmente um presidente da Petrobras que ousou muito e confiou muito no corpo técnico da Petrobras, e isso realmente fez essa empresa disparar. Eu lembro um episódio, por exemplo. Quando eu fui para lá, eu fui chamado aqui no Rio pelo Marque Neto, que era o diretor; o Carlos Walter, que era o chefe do Dexpo na época, respondia para ele falou: “Ó, você vai entrar na unidade nova, vai começar a fazer a unidade nova, então acho que era bom você começar a pegar gente experiente da Bahia e de Sergipe para te ajudar nesse troço aí, gente que tem experiência em produção, em completação e tal e coisa”. E eu falei: “Não, vamos pensar isso duas vezes nessa coisa, eu tenho a impressão que nós não devemos pegar ninguém velho não, antigo não, ninguém experiente, por quê? Porque eu vou tirar uma pessoa experiente da Bahia e trazer pra cá, mas ele é experiente em campo de produção de terra, em campo de 110 metros de água ele não sabe nada, então ele e um estagiário é a mesma coisa, então vou desfalcar a Bahia e não vou fortalecer aqui; a mesma coisa trazendo de Sergipe, então eu preferi pegar os engenheiros que estão terminando o curso agora, trazer para cá e a gente forma ele, prepara ele, educa ele nesse negócio. E mais: ele não vem com vício de Unidade nenhuma, vício gerencial, empresarial de coisa nenhuma, a gente forma à imagem e semelhança. Topam arriscar?” Eu vi que eles vacilaram um pouquinho, mas arriscaram, levaram ao Ueki, e Ueki concordou e assim foi feita aquela turma de engenheiros de produção daquele ano. Quase 60 vieram todos para Macaé, vieram todos trabalhar comigo na Bacia de Campos, e aí começou a grande faculdade porque a gente pegava esses meninos, botava dentro de uma refinaria: “Vocês vão aprender como funciona válvula assim, pa, pa, pa e agora vamos lá pro xisto ver como funciona isso lá, vamos para o campo de petróleo ver como é isso”. Espalhamos gente nos Estados Unidos, no Golfo do México, gente na Escócia, na Inglaterra, no mar do Norte, vendo aquela coisa toda e foi que foi. “Só engenheiro não serve, essa turma está ficando boazinha, tem que treinar nível médio”. Teve uma época que nós estávamos com 1.500 pessoas de nível médio, mecânico, eletricista e instrumentista treinando pelo Brasil afora. Onde tinha alguma instalação da Petrobras tinha alguém treinando e aqueles engenheiros que tinham chegado no inicio já supervisionando esses treinamentos e tal, e a coisa foi indo. O que foi feito? Os cérebros, as cabeças mais experientes ficaram aqui na sede, ficaram aqui no Rio num órgão chamado Gecam - era Gerência Executiva da Bacia de Campos, um negócio assim. Então esses trabalhavam nos projetos, cuidavam dos projetos, nos contratos da construção das plataformas, e a turma lá aprendia operar, não se preocupava com os projetos “Não vou perder tempo, não vou me preocupar em fazer um projeto, não, vou me preocupar em saber operar.” Então os desenhos iam daqui para lá, a negada se deitava em cima daqueles desenhos; trabalhava ali, e a gente em cima, cobrando. E aí começamos também a pegar gente com uma certa experiência, mas do mercado. “Quem é o melhor engenheiro de instrumentação que tem na Votorantim?” “É o fulano de tal, vamos ver se ele quer vir trabalhar comigo aqui na instrumentação.” E saía pinçando gente já de nível, muito experiente, mas não experiente em petróleo exatamente, para o cara não trazer os vícios lá da unidade dele pra cá. O fato é o seguinte: em 70, aí começou outra coisa, aí começou o projeto das grandes plataformas, das duas de Cherne, duas de Namorado, duas de Garoupa, de Enchova e uma de Pampa. Só que essas plataformas demoravam 5 anos para ficar prontas, e a gente sabia onde estava o óleo, então daí um grupo, chefiado por um engenheiro - não sei se ele vai ser chamado aqui - chamado Salim Armando... O Salim craniou o que se chama de produção antecipada e juntou um grupo de engenheiros pequeno com ele aqui e um grupo de engenheiro nosso lá em Macaé, isso fez uma sinergia muito boa, então partiu para um sistema de produção antecipado, que era o quê? Era uma plataforma de perfuração adaptada pra produzir, mas aquilo é para produzir enquanto as grandes plataformas ficavam prontas, era antecipado e temporário - mas foi igual ao CPMF, aquela técnica foi se desenvolvendo e o que era para ser temporário transformou-se numa tecnologia de produção permanente a partir de plataforma flutuante. Hoje todos os grandes campos do mundo estão numa linha aí, tem plataforma de 1.300 metros, 1.400 metros e nada mais é do que aquele primeiro modelo que Salim bolou, adaptado, que foi aumentando de 100 metros para 120, 150, 200, 300, 400 e hoje está em mil e tantos metros e ninguém mais questiona nada daquilo. Aquilo hoje é uma tecnologia que a Petrobras desenvolveu por necessidade, não tinha em canto nenhum e evoluiu, desenvolveu. O Cenpes entrou no circuito, e vamos dizer, aquilo que foi feito de modo mais empírico começou a coordenar melhor as coisas, arrumar pacotinho. Então virou tecnologia, na verdade é uma tecnologia que a Petrobras tem - a tecnologia de água profunda. Na verdade ela tem a tecnologia de água profunda em sistema flutuante, que é um troço que não existia e o mundo hoje todo faz também, né? E aí as grandes sete plataformas chegaram depois e convivem até hoje, estão lá produzindo com esse sistema moderno. Depois, outra evolução, que foi o flutuante. A partir de plataforma criou-se o flutuante, a partir de navios. Aproveitou os petroleiros antigos, adaptados para isso aí. Isso do lado da produção. Por outro lado o refino, o refino também teve uma evolução muito grande. O Cenpes tinha uma área de desenvolvimento de processo de refino. Antes, a Petrobras comprava uma refinaria, era um pacote; vinha um pacote lá do exterior, montava aqui. A Petrobras tem investido muito dinheiro nas refinarias - essa melhoria, que era 1 milhão de barris, hoje está 1 milhão e meio, isso foi tudo feito com adaptações do que já existia e com novos processos para melhorar a qualidade do combustível. Antigamente a gasolina tinha chumbo tetraetila, que era venenoso; óleo diesel tinha enxofre - essas coisas não tem mais. Foi feito um processo, desenvolvido em casa, com tecnologia própria também. Então não foi só um lado da produção e exploração que desenvolveu, não, o outro lado também. E interessante disso que chega um certo momento que se descobre o campo de Marlim, que tem um óleo superpesado, um óleo pesado, e nossas refinarias não estavam adaptadas para ele - foram feitas para um óleo médio 30 graus API - um tipo de intensidade, unidade - e a intensidade de Marlim 18, 17. Então quase metade daquilo lá, então foi uma correria muito grande Já se adaptou alguma refinaria, estão se fazendo novos investimentos nela, ainda hoje não consegue processar todo. Parte está sendo vendida para o exterior, mas ele sendo vendido como óleo cru pesado - ele tem um valor baixo no mercado. Se ele for processado aqui nós vamos ter um derivado com um preço internacional, então tem que fazer isso mesmo, você vê, é um desenvolvimento de tecnologia na área de refino provocado por uma descoberta lá. Senão não ia gastar dinheiro nesse negócio, ia continuar a mesma coisa.
DEMISSÕES VOLUNTÁRIAS
Mas também as refinarias sofreram muito. Houve um famoso, em certo momento, “Vamos diminuir a lotação do pessoal da Petrobras”- olha eu falando lotação de pessoal. “Da Petrobras, que temos 60 e poucos mil empregados, vamos diminuir a qualquer preço.” Assim começou-se a fazer um processo de demissão voluntária que ficou moda no fim do governo Collor e depois no começo do Sarney e por aí, e essa coisa eu acho também foi um troço mal feito, eu diria até que poderia ser feito, mas tinha que ser feito de uma maneira sem oba-oba e sem aquela correria. Resultado: a Petrobras perdeu muitos dos seus melhores quadros tanto na área de refino quanto na área de produção - na área de refino mais, que tinha gente mais antiga, perdeu muita gente de nível médio muito bom, porque quem toca uma refinaria realmente é o pessoal de nível médio, um pessoal muito experiente, que foi tentado a sair com um montante de dinheiro que ele nunca ia ver aquilo na vida dele e foi embora. Eu digo sempre: saíram os melhores, porque além de receber o dinheiro vão conseguir emprego fora, porque tem capacitação para isso; quem ficou? Os mais fracos, mais incompetentes, que sabiam: “Vou lá fora e não vou conseguir é nada, então vou ficar aqui porque aqui eu estou garantido, tenho a minha estabilidade”. Então foi uma seleção ao contrário - a gente selecionou para ficar com os piores, mandamos os melhores e incentivamos os melhores a ir embora, então perdeu-se muita mão-de-obra boa que poderia estar passando - se fosse um processo que fosse durar 5, 6, 7 anos, se programava a aposentadoria dele e ele ia passando aquele conhecimento dele para outra geração mais nova, botava dois ou três rapazes mais novos junto com aquele ali e ia transmitindo conhecimento dele e ganhando uma certa experiência. Por quê? Porque hoje transmitir experiência na área de petróleo é muito difícil, então é uma coisa que se vocês entrevistarem alguém da área de pessoal - mas vocês já entrevistaram o Lima, já perderam a oportunidade, é uma coisa que me preocupa muito.
TURNOS E FOLGAS
Com a Constituição de 88 criou-se um regime de trabalho em que se terminou criando uma escala de 1 para 1: o sujeito trabalha 1 dia e folga 1, mas não pode trabalhar mais do que 15 dias contínuo. Aliás minto, foi criada, normalmente eram quatro turmas em qualquer refinaria, em qualquer plataforma eram quatro turmas, tinha duas trabalhando 12 horas - uma dormindo, outra trabalhando - e duas de folga em casa. Então, quando desembarcavam ou saíam da refinaria aquelas duas, entravam as outras duas que estavam folgando. Então nesse período era 1 para 1. Por alguma razão - acho eu que o deputado legislando naquela época não percebeu o mal que estava fazendo, mas tentaram criar emprego, então nessa atividade diminuíram o numero de horas. Ia ser muito complicado e muito caro - você está mandando três turmas no mesmo dia para uma plataforma, só de helicóptero saía dinheiro demais. Então criou-se uma quinta turma, que fica fazendo rodízio com as 4 e mais uma fica no rodízio. Só que para isso, cumprir o número de horas e pagar o número de horas que aumentou, em vez daquelas 6 horas só que teria pela Constituição, a folga ficou sendo 14 dias por 21. Então o sujeito trabalha 14 dias e passa 21 em casa. E aí traz um monte de prejuízo - além de ficar mais caro, porque você está pagando mais, mas tudo bem, era isso que queriam os que estavam lá, mas você perde o vínculo com a empresa, o sujeito passa 14 dias no trabalho e 21 dias em casa, fatalmente ele vai arrumar outro trabalho paralelo, talvez não de carteira assinada, mas outra coisa ele vai fazer, porque nem ele vai agüentar, nem a mulher vai agüentar, nem os filhos vão agüentar ele 21 dias em casa olhando para a Lua, porque o salário dele não vai aumentar, então ele não pode nem passar 21 dias de lazer, de cinema, de teatro. Não, ele está em casa mesmo, enchendo o saco do povo. Então ele vai arrumar uma atividade - se for um eletrônico ele vai consertar rádio. Talvez no fim esse bico acabe sendo o verdadeiro emprego dele, porque mais tempo ele passa nesse do que no outro. Segunda coisa - isso para mim é o mais grave - é que engana o administrador. Se ele não estiver atento, ele se engana e vai cometer erro muito forte e isso vai começar aparecer agora. Porque faz 14, 15 anos, eu vejo o seguinte: o ano tem 12 meses; o cara tem 1 mês de folga, de férias. Tem 11 meses, esses 11 meses ele folga 3 e trabalha 2, do 14 ao 21, então desses 11 meses ele trabalha realmente 4 meses e meio, e 6 meses e meio ele está de folga. Então você pega um empregado que tem 10 anos: “Esse cara tem 10 anos de experiência”. Não tem. Ele só tem 4 anos e meio de experiência, e ninguém prepara um bom operador de refino nem um bom operador de produção, de perfuração com menos de 8, 9 anos. Não prepara, porque é um troço lento, os fatos que ocorrem não são rotineiros, então vão ficar 5 anos e não ocorreu um determinado problema, que um belo dia vai aparecer. Então você tem que ter muito tempo para ter visto aquilo alguma vez, um blow-out, um negócio que pega fogo no poço. Tem gente que aposentou trabalhando no assunto e nunca viu - por sorte dele, né? Mas se ocorrer, ele tinha que saber como agir, se já viu alguma vez, aprendeu alguma coisa, aquele negócio, ou sinalizou, percebeu que iria ocorrer - porque essas coisas, a sinalização, a pressão sobe, o manômetro faz isso, aquela coisa. Não tem esses acidentes assim sempre aqui - a paralela percebe, ela pode até morrer sabendo que vinha um problema, mas ela sabe que vinha um problema. Eu acho muito perigoso isso, eu acho que nós somos uma geração de pessoas pseudo-experientes e isso pode gerar uma série de problemas de acidentes, de coisas assim das quais o coitado do empregado não tem culpa nenhuma - ele acha até que sabe tudo, mas determinada coisa ele nunca viu. Se ele nunca viu ele não sabe que existe, aquela situação de motor que trabalha diferente e tal. Voltando àquela coisa da terceirização eu diria o seguinte: isso eu vi muito, um determinado mecânico trabalha numa determinada sonda, ele passa 10 anos trabalhando naquela sonda, ele conhece aquilo gente a fundo, ele passa, escuta uma bomba, diz: “Essa bomba está com problema”. “O que está com problema?” “Ela está com ruidozinho diferente; ela nunca fez isso aqui.” “Pára.” “E deve ser numa calda lá do outro lado, porque uma vez foi do outro lado”. Se você tem um empregado terceirizado dificilmente ele repete duas jornadas de trabalho na mesma plataforma, a firma precisa do cara para outro canto, bota para lá, bota para cá - o cara não tem a familiaridade com o equipamento para perceber as coisas, ele não fica íntimo das máquinas; isso é uma coisa que o terceirizado nunca vai ter. Os caras até evitam mandar sempre para o mesmo lugar para não criar vínculo empregatício. Por outro lado ele não consegue ter essa ligação umbilical com as coisas com que ele lida todo o dia, né? E mais: se você lida todo o dia, se você opera, imagina se você mexe num carro, um carro que você dirige todo o dia, você sabe, se ele quebrar você vai consertar - então você tem que ter o maior cuidado pra dirigir bem. Mas se você sabe que se quebrar vai ser outro que vem da outra turma, você não está nem preocupado. “Quebrou, quebrou - outro vai consertar eu não sou maquininha, vai ver o que ele tem.” “Vou ficar 10 anos com esse motor; vou cuidar dele direitinho - tenho até menos trabalho, vou trocar o óleo na hora certa, vou lubrificar bonitinho”. Então é outra coisa da terceirização que eu vejo na hora que eu esqueci, mas que eu vejo que cria problema, e tem muito medo dessa coisa da experiência por causa desse regime de trabalho.
TERCEIRIZAÇÃO
E partiu-se pra uma coisa que eu defendo, eu acho que deve ter chamado terceirização, que a turma novinha lá não chama terceirização, chama de outsourcing, que é mais bonita, tem que ser outsourcing. E chegou um número, uma coisa que eu acho muito absurdo, porque eu acho o seguinte, as atividades medulares de uma empresa como a Petrobras devem ser exercidas pelo pessoal dela. Primeiro porque ele é mais treinado para isso. Ela investe no pessoal dela - não investe no pessoal contratado, ela investe no pessoal dela, prepara para entrar numa função. Então essas atividades mais essenciais têm que ser com esse povo, e você vai contratar atividades complementares que não são tão essenciais assim. Se num momento a firma resolver ir à falência você sobrevive. De vez em quando prepara outras pessoas para fazer aquilo, mas isso foi crescendo - acho que passou do ponto, hoje tudo que é refinaria, plataforma de produção, de perfuração, tem muita gente contratada que não está preparada tecnicamente para exercer. Até que vão ficar se continuarem assim, vão ficar porque no dia-a-dia vão aprendendo. Mas que o resultado não é bom, não é bom em dois aspectos: primeiro, que ele não é tão eficiente no dia de hoje, e segundo, que a Petrobras não está preparando pessoas pra dirigi-la no futuro. Então eu acho que traz dois pontos que somam negativamente e alguém diz: “Como não é produtiva?” Essa discussão a gente tem muito com as pessoas que estão lá e essa coisa toda. “Não, mas a produção está aumentando, já estamos com mais de 1 milhão e 300 mil barris, já estamos quase na auto-suficiência, a capacidade do refino hoje é quase 1 milhão e meio de barris antes era 1 milhão.” Isso tudo é verdade, só que eu pergunto o seguinte: “Está produzindo 1 milhão e 300, mas não poderia está produzindo 2?”. Pior que poderia, então ela está crescendo, mas não está crescendo com a taxa de crescimento que poderia ter. Para mim isso não é eficiência, o potencial que eu tenho e quanto eu consigo atingir daquele potencial. Quer dizer: estou crescendo, mas estou crescendo pouco. Vai perdendo espaço. Acho que isso é uma coisa que essa nova diretoria da Petrobras, esse governo Lula, esse negócio, tem que olhar com muito carinho, esse negócio. Porque, queira ou não queira - na minha cabeça eu acho que eu estou certo, e ninguém me convence do contrário -, você só contrata bem aquilo que você sabe fazer. Se você não souber fazer você vai contratar mal, porque vão te enganar, vão te vender gato por lebre, porque você não sabe fazer. Mas se você sabe fazer, você sabe avaliar quanto custa, quanto vale aquele trabalho, sabe calcular aquela mão-de-obra em quanto deve ser remunerada; se é mais ou se é menos. E à medida que está se perdendo isso, perde-se um monte de dinheiro no dia-a-dia. E queira Deus que eu esteja errado, acho que perde muita capacitação para o futuro. O grande medo é: isso é só um erro de gestão ou isso é uma coisa articulada pra que ocorra mesmo? Isso só o tempo vai dizer, acho que a eleição do Lula, o governo de esquerda, mais nacionalista, vai segurar um pouco esta resposta. Talvez se continuasse um governo neoliberal como estava antes - é minha opinião, não sei a de vocês -, um governo como o anterior talvez essa resposta fosse mais rápida, se era ou não por acaso, isso eu tenho minhas duvidas.
Agora, evidentemente que tendo mais pessoas na empresa eu acredito que são mais confiáveis e são mais bem treinadas do que terceirizadas, então pode até diminuir a quantidade de acidentes. Agora, por um lado também eu não concordo com umas coisas que o sindicato fala. Às vezes diz assim, eu acho que é exagero: “Todo mundo tem que ser da empresa, não pode embarcar ninguém na plataforma que não seja da empresa”. Espera aí! Eu estou preocupado em produzir petróleo e produzir bem, de uma maneira econômica e eficiente, mas eu vou querer cozinheiro, eu vou querer garçom, eu vou querer o cara que fica pintando lá, tirando ferrugem da escada e pintando? Eu não preciso disso, isso eu contrato, é uma atividade complementar. Se falta água para beber, destilada, se o troço enferrujar vai afundar, vai cair, mas não é o essencial para lá. Eu acho que há um certo exagero também do outro lado, acho que algumas administrações anteriores pecaram por enxugar demais o pessoal de casa e outros estão querendo colocar demais. Eu acho que o meio-termo, não é nada original dizer que o meio-termo é a verdade, não, é por aí mesmo. Está na hora das pessoas pararem com esse negócio, nesse Brasil está demais esse negócio de se botar o bode em qualquer assunto - bota o bode na sala para depois tirar, e o cara fica feliz, né? Isso é o seguinte: eu tenho um apartamento para vender, eu vou vender o meu apartamento. “Quanto custa?” “100 mil reais”. Eu quero 100 mil, eu vou pedir 150, aí o cara: “Eu vou dar 100 mil, mas eu vou oferecer 50”. Aí começa aquela hipocrisia, eu baixando 10 e o cara subindo 10. Então eu não sei fazer essas coisas. Eu lembro quando eu estava na Petrobras, muitas vezes chegava um cara para mim e dizia: “O chefe da negociação deu um contrato tal”. “Ó, não dá mais, já tem uns 2 meses e não avançou em nada, o cara não quer chegar” “Mas o trabalho dele vale o que ele está pedindo?” “Até que pode valer, mas o fato é o seguinte: o nosso orçamento não dá para pagar isso, o nosso orçamento só dá para pagar 50, e ele quer 60, então não adianta dizer que eu dou 60; eu não tenho dinheiro pra pagar” “Você falou isso pra ele?” “Não.” “Chama ele aqui.” Eu não sei negociar com ninguém, mas eu já sei que o seu trabalho vale os 50, vale até os 60 que você está pedindo;o meu pessoal diz que vale, mas eu não tenho o dinheiro para pagar, eu só tenho 50, você quer 50? A gente assina agora. Se não quer, vai embora e não tem o trabalho, eu fico sem o trabalho e você fica sem ganhar.” Aí o cara: “Vou diminuir a minha margem”. Eu topo ou eu não topo, mas não adianta ficar perdendo tempo, o cara ficar perdendo dois meses nesse negócio pedindo uma coisa que ele não sabia que não podia atender. Por exemplo, agora está discutindo essa coisa que está surgindo, discutindo a Previdência, a reforma da Previdência, a reforma Fiscal. A reforma da Previdência todo dia que você abre o jornal você diz: “Não é possível que o governo de Lula vai propor isso”, e está lá: “O ativo tem que pagar não sei quanto, não sei o quê, e corta isso e corta aquilo e dá paulada no outro”, só tem coisa ruim, mas todo mundo está sabendo que não é - aquilo é uma posição extremamente pesada para negociar e chegar numa coisa mais suave e todo mundo ficar feliz, porque se ele botar suave agora o nêgo vai achar que aquilo é o mais pesado e vai pedir menos também. Não dá para se viver assim! Esse país é primário nesse tipo de coisa, de atitude que ninguém confia no outro, você está sempre mentindo, sempre um aumentando e outro baixando, não dá. Eu sou muito pragmático nessas coisas, se eu tenho um apartamento pra vender é 100. “Mas.” “Não posso, é 100.” “Quer 100 o quê?” “À vista; o dia que o senhor quiser e puder pagar, aí a gente faz negócio, não adianta fazer contraproposta. É 100 e acabou”. Às vezes dizem que eu sou mal-educado, mas eu fico irritado de ficar aquele jogo de hipocrisia, né?
Não faz meu gênero não. Do mesmo modo, quando eu vou comprar: “É 150”. “Eu só tenho 100, está aqui, quer, não quer, se quiser me telefona que eu volto aqui e te dou 100, não adianta depois dizer que é 120 - eu não tenho, só tenho 100, pronto.” Nem perco tempo. Ele vai procurar outro e eu vou procurar outro, e acabou, mas é das pessoas, está arraigado na população essa coisa: “Vamos pintar um troço bem feio para depois a gente melhorar um pouquinho e todo mundo ficar feliz”. Só que às vezes pintam tão feio que o povo se acostuma, e o Maluf ganha.
ACIDENTES
Olha, isso seria até - como dizer? Irresponsabilidade minha dizer se tinha ou não, porque acidente é um negócio… eu tenho aqui uma parte de dentro que avisa, eu passei algumas situações de grande perigo e eles sempre me avisaram, alguma vez eu não percebi, eu não soube interpretar que ele estava me avisando, mas tinha. E aí que é a experiência: na próxima vez, se ele me avisasse eu saberia, então a experiência é bom por causa desse tipo de negócio. Mas dizer: “Não, acidente de Enchova ou acidente da P36 ou do PP- Morais”, isso eu não sei, porque uma das coisas que eu aprendi é o seguinte: nenhum acidente tem uma causa só, essa coisa é um somatório, é uma coisa que vai correndo, ninguém percebe, vem outra, soma-se a ela, vem outra e estoura a coisa, né? Então isso pode ter falha de projeto, pode ter falha de treinamento de pessoal, falta de experiência, uma série de coisas que podem estar ocorrendo. Só as pessoas que apuram realmente o acidente, que entram, mergulham naquele negócio lá para ver os antecedentes, a formação das pessoas, é que podem dizer sim ou não. Mas naturalmente há um comportamento que de certo modo é prejudicial, é que as pessoas têm medo de apontar um culpado e ser taxado de carrasco e estar crucificando alguém, é um corporativismo que tem - é do ser humano mesmo isso. Quando você tem 80% de certeza que fulano fez aquela coisa errada, mas tem 20% de dúvida, você vai ficar com a dúvida. Então dificilmente esses acidentes são apurados até o fundo mesmo, porque talvez a verdade esteja no fundo do coração de cada um que participou da comissão, mas não está no papel, dificilmente vai estar no papel, só aquilo que é óbvio demais ou que é um erro de projeto. “Foi um gringo” - quando tem um gringo no meio aí é fácil, o gringo é culpado. Morreu ano passado um dos caras mais brilhantes da Petrobras, mais inteligentes. Era o Carlos Walter Marinho Campos, cabeça genial - uma das coisas mais chocantes da minha vida, eu sempre fui fã da cabeça do Carlos Walter, um gênio, e morreu com câncer no cérebro, eu fiquei com uma raiva daquele câncer, podia ser coração, no pulmão, mas no cérebro não. Era a coisa mais bonita que ele tinha. E Carlão sempre dizia isso: “Onde tem gringo, brasileiro não erra”. Isso é uma verdade. A preocupação maior na verdade - e isso é uma coisa da cultura do emprego - é tirar lições daquele acidente para evitar que ele ocorra novamente, não é para punir alguém porque ocorreu, até porque - quem sabe? - ninguém fez aquilo por intenção, o sujeito errou porque não foi treinado, alguma coisa ocorreu com ele, mas não foi intenção do cara errar. Então o sujeito levar uma traulitada...
ACIDENTE EM ENCHOVA
O Jorginho muitas vezes disse que o acidente de Enchova - a primeira vez que teve caiu um baleeiro e morreram 59 pessoas -, Jorginho várias vezes, em cima da Kombi; eu era supervisor: “Alfeu, meu conterrâneo, matou 59 pessoas na Bacia de Campos”. “Você acha que eu cortei a baleeira, matou os caras?” Mas ele falava aquilo, mas a posição dele, de sindicato, era ser contra a administração. Ele também talvez estivesse pegando pesado demais, mas eu tinha responsabilidade por aquilo - afinal de contas, qualquer pessoa que cortasse um dedo, alguma coisa, estava sob a minha jurisdição, e eu não devia deixar aquilo acontecer. Nesse ponto ele tinha razão; eu só não concordava quando ele falava que eu matei os caras. Foi o acidente que deu menor prejuízo, mas o que morreu mais gente. Foi falha humana mesmo, foi apavoramento, culpa de quem? Do treinamento que a gente deu. Se a gente tivesse dado um treinamento perfeito o cara não apavorava. Aquilo, o modelo da baleeira, depois mudou-se o modelo -tudo bem, mas no mundo inteiro era aquele que existia, o mundo inteiro mudou depois daquele acidente, aperfeiçoou. Ela ficava pendurada. Entravam umas pessoas todas sentadas, e tinha duas pessoas já pré-determinadas por baleeira que ficavam nas extremidades, sentava e cada uma puxava uma alavanca, uma puxava aqui, outra puxava lá, simultaneamente, um olhando pro outro - aí ela descia bonitinho. No corre-corre, na hora - no treino todo mundo fez isso várias vezes - na hora para valer mesmo, um puxou e o outro não. Aí, em vez dela descer assim, ela fez assim; quando fez assim, o peso todo ficou, o cabo ficou frouxo. Todo esse aqui, ele não agüentou e partiu, aí ela desceu, bateu no mar e explodiu. Estourou com tudo. Então assim que foi o fato. Por que que eu tenho tanta certeza? Porque nós repetimos, instruímos quatro baleeiros simulando a mesma situação - ocorreu todas as vezes. E tem um engenheiro - ele hoje trabalha numa creche chamada Gaston Soles - que estava lá dentro e foi o único sobrevivente e ele viu que o cara para quem ele estava olhando não baixou - o outro baixou. Por azar os dois morreram e não puderam nem se defender, mas o que é que ocorreu? Tirou-se a lição, modificou-se o projeto da baleeira todo. Hoje tem um cara só, ele não tem jeito de errar, pode amarrar, mas é só ele, os cabos das baleeiras ficaram superdimensionados. Mesmo que venha a ocorrer mecanicamente um lado soltar e o outro ficar preso, o cabo sozinho agüenta o negócio - e isso no mundo inteiro mudou.
ACIDENTE COM HELICÓPTERO
Mas por exemplo tinha um helicóptero cujo apelido era mão-branca. Era mão-branca porque na época tinha um bandido na baixada aqui que matava gente demais, e esse helicóptero chegou novo, zero quilômetro, chegou em Macaé num sábado. Aí a companhia Valtec, que era dona do helicóptero, chegou me chamou: “Ei, chegou um helicóptero novo. Quer dar uma volta? É maravilhoso, não sei o quê”. Aí fui eu, e minha mulher falou: “Eu nunca andei de helicóptero assim”. Eu falei: “Sobe, não tem problema nenhum, vamos lá”. Aí fui eu, ela - minha menina não teve coragem, minha menina não foi -, sobrevoamos, passamos em frente à minha casa, fotografamos, bonito, voltamos, uma beleza - isso no sábado. Segunda-feira, o primeiro vôo desse helicóptero, cheio de passageiros da plataforma, caiu e morreram todos. Tinha um erro de fabricação, um erro de projeto - o rotor dele, com a rotação, entrou em fadiga e partiu. Naquela noite eu liguei para a Noruega, para a DNV - é quem dava a certificação desse helicóptero - e falei: “Ó, ocorreu esse troço aqui”. Aí ele falou: “O cara da, o dono da Valtec já ligou para cá”. E eles deram um alarde para o mundo inteiro. Pararam todos aqueles helicópteros no mundo inteiro até descobrir qual era o caso, e aí trocaram o tal do eixo lá que dava esse problema todo. Mas podia ter matado a minha família todinha também aquele negócio, e quem era o culpado? O cara que fez o projeto lá na Inglaterra daquele negócio, mas ninguém faz um projeto de um helicóptero sozinho, é uma equipe, aquele foi testado em bancada, foi simulado várias vezes e tal e coisa, eu não sei quem é culpado daquele negócio. Eu não sei de quem ia cobrar e vingar daquele negócio ali.
CAUSOS
Porque tem de tudo, de algumas coisas assim que eu posso me recordar. Por exemplo, eu falei desse engenheiro lá de Aracaju que foi o meu grande guru, Décio Roscoli, né? Ele tinha umas tiradas fenomenais. Um dia chegou em pleno inverno em Aracaju - inverno em Aracaju dá 25 graus - mas ele saiu da sala, acho que ele foi no campo de carvão de manhã e ficou só a engenheirada, que eram os quatro lá. E ele não gostava de ar condicionado, e nós tacamos ar condicionado, no inverno aquilo ficou frio, ficou bom mesmo. Foi depois do almoço; ele chegou, entrou, parou, olhou e disse:“Vocês são umas múmias, há 5 milhões de ano o homem foi para a caverna para fugir da intempérie, agora vocês colocaram a intempérie aqui dentro da caverna”. Ele tinha umas coisas assim, aquilo foi espontâneo, ele chegou, viu e rolou, acho tão interessante esse tipo de colocação. Outra muito boa: o engenheiro Brito, que depois foi diretor também, eu fui com o Brito para a Noruega, e tinha uma escala em Paris. Ele nunca tinha estado em Paris, a gente chegou lá era um domingo - não, um sábado - à tardinha e estava frio, rapaz, ele falou: “Vamos dar uma volta”. “Que dar uma volta, vamos ficar dormindo; eu estou cansado da viagem”. “Mas rapaz, eu nunca vim a Paris; pode ser que eu não venha nunca mais, amanhã de manhã a gente pega um avião para a Noruega e tal, vamos dar uma volta aqui”. Então eu peguei uma luva, botei a luva e saímos - mas antes, na viagem daqui para lá o Brito passou a viagem inteira com aquele livrinho “Francês sem Mestre”. “O que você está fazendo com isso aí?” “Eu estudei francês no colégio; não me lembro mais nada, tenho que refrescar esse negócio”. Eu dormia, acordava e Brito lá. A gente sai, chegamos, dobramos a esquina do hotel, chegamos na Champs Elysées, passeamos assim, ele disse: “Rapaz, você me pegou pelo pé - não trouxe luva, estou com a mão fria, não sei o quê”. Aí tinha uma loja assim aberta, uma loja - bem, por incrível que pareça, uma loja daquele tipo na Champs Elysées, mas estava lá, eu achei no balcão, assim, parecia loja de liquidação da José Paulino. Aí o Brito: “Rapaz, é aqui mesmo”. Aí entrou,. Entrou assim, tinha um tabuleiro com as luvas; ele começou a examinar, chegou uma moça e eu falando com ele assim: “Não, Brito, não sei o quê”. Aí chegou uma vendedora, falou assim: “Essas são de senhoras; de senhores estão lá no fundo da loja”. Aí ele saiu andando e virou: “Está vendo Alfeu, o que valeu meu francês? Eu entendi tudo que a moça falou”. Eu disse: “Ela falou em português”. Era português aquilo. “E foi?” E aí ele caiu em si de que ele não tinha aprendido tanto francês assim - são coisas engraçadas do trabalho. Tinha um engenheiro em Aracaju, o Cacá, o Carlos César - ele só andava a 200 quilômetros por hora, pegava um Fusquinha e andava feito maluco. Um dia a gente vai na estrada e ele vai feito um louco: “Vai mais devagar, Cacá”. E ele pá-pá-pá - estava começando a aparecer aquele negócio de radar; aí a policia rodoviária, dobrou a curva, aí parou: “O senhor vinha a mais de 150 por hora”. “É, vinha”. “Então tem uma multa”. Ele disse: “Tudo bem”. Aí o cara começou a encher o papel da multa. “Ô, seu guarda, faça duas multas”. “Por quê?” “Porque na volta eu vou vir do mesmo jeito, então não perca tempo.” Todas as coisas que a gente vivia ali, né?
VISITAS À BACIA DE CAMPOS
É interessante. Muita gente chegava - o ministro César Cals, aquele ministro Quartim de Oliveira, que era das Comunicações, e deputados, senadores, pessoal de Banco Mundial aparecia por lá de vez em quando – e tomava um susto, porque aquelas situações são muito maiores do que qualquer pessoa pode imaginar. O sujeito vem de helicóptero e não tem noção; o helicóptero em cima, e vai pousando - você não tem noção de um troço daqueles. Quando você desce, aí você pára e olha, aí você se assusta com o tamanho daquele negócio. E você não vê o óleo, não vê o gás - está tudo passando por dentro de tubo ou dentro de vaso, e você não vê. Então é um negócio que você não tem o que perguntar, o leigo não tem o que perguntar. Aí você tem que sair dizendo para ele: “Olha, aqui passa o óleo; bota a mão que está quente, aqui passa o gás; bota a mão que está frio”. Ele não tem o que perguntar, então muitas vezes a pergunta mais inteligente que saía era assim - sem querer menosprezar ninguém, mas o cara não tem culpa de não entender de tecnologia de petróleo, não tinha obrigação - “Por que que o mar aqui é tão azul?” “Deve ser azul aí porque está em alto-mar”. Mas não tinha muita pergunta, nada interessante. Uma vez que eu me lembro de um troço interessante mesmo - duas coisas, estão aí duas coisas interessantes. Uma vez foi em Sergipe. Tinha um governador que foi lá e foi passando num troço lá e rasgou a calça aqui, e aí falaram um negócio meio feio, mas só tinha homem. E aí o engenheiro que estava comigo liga para terra, fala com o chefe dele: “Ó, para mandar uma calça para o governador”. “Mandar o quê, rapaz?”, pelo rádio, o rádio era difícil de ouvir; aquele som era muito atrasado. Demais. “Não, é para mandar uma calça para o governador.” “Mandar o quê para o governador?” O cara estava acostumado a falar de petróleo, achando que era uma peça, uma válvula, que era um tubo - o que ele estava pedindo era uma calça para o governador. Até explicar esse negócio... Não conseguiu explicar - o helicóptero veio para terra para ir na casa do governador pegar uma calça e voltar para levar para ele, porque o cara não conseguiu transmitir para outro que o governador tinha rasgado a calça, porque era muito ruim a comunicação. Você vê, em Aracaju naquela época as plataformas eram muito próximas da costa, eu morava lá perto da praia. Então, da plataforma, de binóculo você avistava a minha casa, em algumas plataformas avistava a minha casa, mas não conseguia falar. Para falar com a base da Petrobras eu falava com Belém, que a onda sonora ia lá em cima, batia na estratosfera, alguma coisa, e passava de Aracaju, então lá caía em Belém, aí o cara de Belém transmitia para Aracaju. Ficava aquele vaivém, então quando você tinha uma situação mais emergencial era um drama aquele negócio. Aí você dizia ao cara de Belém o que era, aí o cara de Belém - você usava um termo técnico qualquer, o cara entendia errado - passava pro de Aracaju; aí você escutava que ele tinha passado errado, aí você ficava nervoso: “Não é isso”. Olha, dava uma confusão aquele troço. Depois, quando apareceu o telefone, foi uma festa, antes de aparecer um tal de Motorola, um radiozinho que, antes era SSB, passou o UHF, VHF, jornal, chegar jornal todo dia foi uma festa, porque não tinha isso, era difícil; em Aracaju também só chegava jornal do Rio 2 dias depois, então 3 dias depois é que chegava na plataforma. Aí o Vasco já tinha perdido; eu achava que tinha ganho. Rádio - era difícil usar rádio para escutar alguma coisa porque tinha interferência, interferência no trabalho que estava sendo feito lá no poço e tal, mas teve esse troço aí. Teve do Sarney - não, Costa e Silva; não foi Costa e Silva não, foi Figueiredo. Figueiredo resolveu ir à plataforma. Rapaz! Foi o meu primeiro trabalho mais complexo na Petrobras, foi Figueiredo ir para a plataforma, porque 15 dias antes chegou o que chamavam de escalão precursor. Aí vamos percorrer todo o roteiro, vamos pegar o helicóptero em tal lugar, no aeroporto tal ,e assim foi feito, desce em tal plataforma, qual é o roteiro que vai fazer na plataforma? Vai para essa escada, roda aqui, e os caras olhando tudo. Depois, no fim de tudo, os caras queriam umas besteiras: “Vai por aqui, por aqui” - era a mesma coisa, mas tinha que meter o dedo em alguma coisa, né, aí no fim pediram para a gente mandar para Brasília - naquele tempo não tinha e-mail - o fax com o cardápio que seria servido no almoço na plataforma. Não é brincadeira não, foi aprovado tudo, menos uma tal de uma salada russa, essa cortaram, por razões óbvias. Vocês vejam como as coisas eram... Uma coisa interessante, assim, você vê o perigo que corre, porque as instalações são inerentemente muito perigosas, por causa do processo, porque tem gás, tem óleo que pode explodir, ambiente fechado, tudo sob pressão - a coisa não é uma coisa muito simples, tem que ter cuidado mesmo. Tem um troço interessante no campo de Pampa - Pampa produz gás com teor de H2S alto, e H2S tem um efeito - ele mata mesmo. Tanto que nas instalações lá tem uma planta só para separar o enxofre do gás. Até para mandar para as casas o gás sem enxofre, senão começa a queimar fogão na casa da gente, a chama fica vermelha e sai muita fumaça - fora o perigo que tem. Mas quando estava quase pronta a plataforma de Pampa, tinha uma meta de produção que era para atingir eu acho que os 500 mil barris, e a plataforma só ia ficar pronta lá para janeiro, fevereiro do ano seguinte. E veio um grupo de engenheiros e me propuseram se podiam chegar mais próximo: “Ó, nós estamos com uma idéia que a gente pode fazer um semi-antecipado lá em Pampa, aproveitando que já está pronto, consegue começar a produzir antes da hora, atinge a meta e vai em paralelo a gente produzindo isso aí e vamos fazendo a parte final das outras montagens, do restante da planta que falta”. Eu disse: “Me apresenta um estudozinho melhor desse negócio para a gente ver”. “Então está bom; vou fazer.” Mas aí, quando eu fui para casa, me deu um estalo: “Espera aí, está faltando uma coisa aí. E o detetor do H2S? Esse gás aí, se tiver algum problema, precisa de um detetor para dar sinalização para fechar os postes, e eu não vi no projetinho dos meninos nada disso”. No outro dia de manhã eu chamei a turma e falei: “Vem cá, e cadê o detetor de H2S, que eu não vi?” Aí eles: “Não, tem dois”. “E quais são os dois?” “Nós vamos levar a gaiola com o passarinho e vai o Robert.” Robert era um engenheiro desse tamanhinho. Eu disse: “Por quê?” “Porque o H2S é pesado, então ele é mais pesado que o ar e ele vai pranchar; quando o Robert cair a gente sabe que é o primeiro alarde - se o passarinho morrer a gente corre e vai fechando tudo.” Aí o Robert falou: “Por isso que eu fui escolhido para a turma”. Ele seria o detetor de gás. Claro que era brincadeira - eles tinham já previsto o troço, só que tinham esquecido de mostrar, mas saíram com essa do Robert e do passarinho. Quer dizer, mesmo nas coisas sérias tinha um certo ambiente de humor, de brincadeira - isso acho que montava um espírito de equipe mesmo, de ajuda um do outro e tocar as coisas.
NOME DOS CAMPOS
O primeiro campo descoberto foi Guaricema, e botaram o nome de peixe - era um peixe que dava muito no litoral de Sergipe. Não sei quem deu aquele nome. Talvez porque aquele foi peixe e os outros também foram, mas realmente não sei. Em certo momento os caras tinham peixe, e lá no Paraná, por alguma razão, num certo momento começaram a chamar o campo de Coral, outro de Estrela do Mar, que não são peixes. E depois voltaram a peixe novamente, nas últimas descobertas... Baleias, são baleias. Realmente não sei, acho interessante. Acho que em algum lugar - não sei se é na Nigéria ou na Angola, tem outro lugar no mundo que também usa a mesma coisa. É que os peixes se dão em águas brasileiras. Principalmente naquele região. Não dá para, entendeu, perderam um peixe muito grande, que é Mero - botaram num campo muito pequenininho lá em Sergipe, produziu um ano e acabou; o Mero ficou lá, podia estar num campo maior. O maior e o mais bonito é Marlim. Se você imaginar, Marlim sozinho está entre as dez maiores companhias produtoras de petróleo do mundo. O número de empregados é bem pequenininho, então se fizerem a média de produção de Marlim por empregado de Marlim, acho que é a maior produtividade individual que existe no mundo. Por outro lado, tem alguns campos que são piores, então tem que trabalhar com a média mesmo, mas as expectativas são muito boas. Você vê que abriu, acabou o monopólio, começaram esses contratos, essas estações, esses blocos que a MP foi criando, tem feito, e até agora ninguém achou nada, nenhuma companhia achou nada que não estivesse associado com a Petrobras - o que é de certo modo muito lógico, porque ela está aqui há 50 anos, conhece essa geologia do país com muito mais profundidade do que qualquer pessoa que veio, né? Então ninguém vai querer esperar 50 anos para conhecer a geologia - então é melhor se associar com a Petrobras. Isso de um certo modo é até favorável, porque se ela continua no comando, ela é operadora, tem mais de 50%, então dilui o risco do negócio, e o resto do capital faz investimento em outra área para descobrir outra área daqui também, né? Esse é um tipo de parceria que eu acho boa, desde que ela fique com a maioria do capital, aí diminui o risco e permite, porque senão as nossas bacias de sedimentação são tão grandes que a Petrobras sozinha pode desenvolver. Ela: “Olha, não tem mais o que procurar nesse país nem daqui a 100 anos. 100 anos, já tem 50; não chegamos na metade ainda que tem pra pesquisar”. Então eu acho que aí tem sentido. Agora já está feito, a legislação mandou nós votamos, nos deputados, os deputados aprovaram essa coisa, os senadores aprovaram; fomos nós que aprovamos, então tem que torcer que dê certo. Já está feito, pelo menos que dê certo. E acha alguma coisa, diminui a nossa dependência, né? Mas acho que hoje tem um troço muito importante na Petrobras: é que ela mudou muito a cultura, porque quando eu entrei na Petrobras, gás era uma coisa chamada subproduto. Se furava um poço que achava gás: “Ih, deu gás”, era um desgosto quando achava gás, era sim, a cultura era essa, o petróleo era barato demais, 2 dólares o barril, 2 e meio, então era uma festa, usava querosene para tudo, usava óleo diesel para tudo e não precisava de gás. Depois, com o choque do petróleo começou, o petróleo começou a ficar caro, e a Petrobras começou a se voltar para o gás, e hoje ela tem a cultura eu diria solidificada para a área de gás, que é acho eu o grande futuro do mundo em termos de energia fóssil do petróleo é o gás, porque essa poluição veio para ficar, né, e o Partido Verde alemão fez a onda e todo mundo foi atrás. Mas o fato que a ecologia veio, dominou mesmo e você tem que se adaptar a isso e o gás – realmente, em lugar de petróleo, o gás tem uma vantagem tremenda para isso. Nós não somos muito felizes em termos de reserva no país, mas tivemos na Bolívia, hoje a Petrobras é dona de lá 90% da reserva de gás da Bolívia, o gás que a gente descobriu aqui descobriu lá e agora é um trabalho mais de conscientização dos consumidores para com os familiares, você convencer todos os industriais que parem de usar o combustível para usar gás, já hoje tem para ônibus, para táxi essas coisas. Em São Paulo, por exemplo, devia ser proibido - e usar tudo gás; de alguma maneira limpar mais aquela cidade. Mas é uma coisa que mudou, mudou muito. Se você pegasse um engenheiro da Petrobras 25 anos atrás e dissesse a ele que ia fazer um investimento num campo de gás, ele ia dizer que você estava maluco, tinha que fazer um campo de óleo, tanto que você vê que nós temos hoje 11, dez refinarias e mais aquela Unidade de Fortaleza, 11, 12 no total - e planta de gás natural mesmo tem quatro, tem dois na Bahia, uma em Macaé e outra lá em cima no Amazonas. Agora fizeram outra em Natal e estão querendo fazer um pilar lá em Alagoas, e está começando a crescer para um troço que é o combustível do futuro mesmo. Quer dizer, antes de vir o hidrogênio, que esse é o mais fácil, mas vai desempregar todo mundo.
DÉCIO ROSCOLI
Chegando lá em Sergipe talvez eu vi o cara que fez mais a minha cabeça na Petrobras inteira - na Petrobras não, na minha vida mesmo -, que era um engenheiro de minas chamado Décio Roscoli. Esse cara era inteligente, simples, modesto, que transmitia um conhecimento para a gente sem perceber que ele estava transmitindo. Mas não era só o conhecimento técnico - ele transmitia muito conhecimento de vida, ele era um filósofo, realmente era um filósofo. Ele tinha coisas sensacionais e ouvia, ele tinha uma capacidade enorme de ouvir, ele tanto escutava o superintendente geral quanto escutava o estagiário e estimulava esse diálogo, essa coisa, né? Então eu aprendi muito com ele. Eu acho que a parte de relações humanas que eu desenvolvi depois ao longo da minha vida em termos de trabalho foi toda calcada naquela coisa que ele ensinou, acho que às vezes ele nem percebia que estava ensinando, ele estava transmitindo uma coisa muito boa que era essa capacidade de ouvir e processar aquilo que se ouviu - e quando também não concordava, também dizia por que não, dava um feedback naquela coisa. E quando achasse bom também elogiava, estimulava. Esse acho que foi o meu grande professor de vida na Petrobras. Foi esse Décio Roscoli - ele morreu ano passado, mas eu devo muito a ele.
OPINIÃO
Então talvez tivesse sido muito mais fácil para a gente, mas eu vejo muito pouco. Acho que é um troço que empresa desse tipo, empresa de mineração, que exige muita coisa. Você vê médico: formam-se hoje em medicina 100 pessoas na faculdade na capital; ele fica na capital, fica com 500 empregos ganhando porcaria, mas tem um lugar muito bom lá em Goiás, em Mato Grosso - o cara não vai. Então hoje eu acho que pensa-se menos no país, na comunidade do que em si próprio, as pessoas vão ficando muito egoístas e acho que a culpa é nossa se essa geração foi educada pela gente. Gente, que eu digo, sou eu, que sou velho - não são vocês não. Então nós é que educamos mal, não embutimos na cabeça deles esse tipo de sentimento. Você vê, teve uma revoluçãozinha quando teve negócio do Collor, quando teve o cara-pintada - aquilo também esvaiu-se já, e sobraram duas ou três lideranças, e acabou - não teve mais nada. A renovação no Congresso, você vê, os grandes nomes são os mesmos de 40 anos atrás ou 30 anos atrás, pouca gente nova aparecendo com… Antes a gente dizia que aquilo era porque a revolução segurou os diretórios estudantis, então os líderes não apareceram mais, porque não tinha como florescer. Mas a revolução faz dez anos que acabou, 12 anos; já está na hora de ter outra leva, que não está aparecendo. Então essa eleição de Lula eu vi muita gente nova, amigos dos meus filhos: “Ah, eu não vou votar em Lula de jeito nenhum, não, porque esse negócio de distribuição de renda não vai dar certo, vai prender meu dinheiro dos fundos que eu estou aplicando”. O cara está pensando no dele; o resto que morra. Só que eu acho que isso, um dia, o que morra, não morre, tem que dividir na marra esse negócio. A gente vê essas violências toda, essas coisas aí têm muito de desigualdade social que provoca isso, é meio chocante. Eu moro na Barra; passo junto da Rocinha, às vezes fico até com vergonha, passo com aquele carrão ali, vejo aquele povo ali - dá até um certo remorso, depois você diz: “Não vou consertar o mundo sozinho deixa pra lá”, mas fica no fundo do coração um toquezinho de remorso, fica.
BALANÇO DE VIDA
Vou fazer uma brincadeira que um dia desses eu achei genial e correta, mas é brincadeira - depois eu digo sério: quando nasceu a minha neta, eu descobri que se eu soubesse não tinha tido filho, não - ia direto pra neta, é muito melhor. Olha, eu não me considero uma pessoa feliz, sabe - também não é minha frase, mas eu achei muito boa, escutei há muitos anos de alguém e não me lembro quem e nem onde o cara disse o seguinte: quem nasceu na década de 40, como eu nasci, numa cidade do interior de Pernambuco, filho de uma viúva que não prevaricava, mas cujo marido tinha morrido 3 meses antes de eu nascer, professora primária e consegue estudar, o que foi uma vitória - aliás a primeira vitória foi sobreviver a primeira infância, que eu acho que 90% das crianças naquela época pulavam o rio -, depois consegue fazer um curso superior, tudo isso diga-se de passagem de graça, eu devo muito ao país, porque tudo o que eu tenho foi de graça, eu estudei em grupo escolar de graça, eu estudei em colégio de graça e estudei em faculdade federal de graça. Então a minha formação toda foi o povo que me deu, então isso eu tenho que reconhecer sempre. Aí entro na maior empresa da América Latina como estagiário, alguns anos depois me aposento, saio como presidente dessa empresa, moro no Sul-maravilha, não sou operário da construção civil, nem porteiro de prédio. Gente, eu tenho uma sorte tremenda, eu sou um cara feliz, sempre fui, né, eu não mudaria nada, não, realmente às vezes eu digo: “Eu devia ter feito isso antes, eu devia ter feito isso depois”, mas eu acho que tudo tem, vou usar Guimarães Rosa: “Tudo tem a sua hora e a sua vez”. Não adianta você querer queimar etapas, querer crescer profissionalmente pisando no colega, não, as coisas acontecem porque têm que acontecer mesmo, e você tem que se dedicar, dar o melhor de você. É como educar filho - tem pai que tem filho que é drogado, tem outro que é ladrão, não sei o quê, alguém educou esse menino para isso? Coisa nenhuma, o cara deu o melhor que ele tinha; você educa o filho ensinando o melhor que você tem, você procura fazer o melhor que você pode; às vezes não dá certo, na maioria das vezes não dá certo, às vezes não dá. Então vai fazer o quê? Então é por aí - eu acho que a gente tem, eu falo sempre aos meus filhos, falo sempre aos meus colegas mais novos: “Gente, vocês procuram ser competentes naquilo que vocês fazem, o julgamento são os outros que fazem. Acabou, não deixa para lá não, não procura influenciar no julgamento de ninguém sobre você, você faça o seu melhor; se o seu melhor não agradar, a culpa não é sua, você fez o que podia”. Então tem hora que você faz o que pode, você não tem remorso de pecado por omissão, você tentou, não conseguiu, vai fazer o quê? Se não fosse assim o time de futebol era, o sujeito que perdia era trucidado, ele ganha, tem sempre outras oportunidades e tudo. Eu não mudaria não, honestamente não é por, tem gente que fala: “Eu mudaria porque tudo que eu fiz deu certo”. Nada, é questão de índole mesmo, sabe? Eu nunca fui uma pessoa de almejar alguma coisa a mais, eu sempre achava que tudo que eu conseguia tinha chegado num nível ótimo, então eu sempre fui ficando feliz aos poucos. Os méritos aos pouquinhos já me deixavam satisfeito, aí vinha outro melhor, nunca briguei para conseguir alguma coisa, eu diria até profissionalmente. A Petrobras me deu muito status, muito conhecimento, me deu uma carreira bonita, mas eu não ganhei dinheiro na Petrobras. Eu fui muito mais feliz lá, depois que saí, que montei esse negócio - que era para passar tempo - comecei a ganhar dinheiro. Você vê as coisas como é que são, ainda bem, estou vivendo na velhice, porque quando a gente está velha precisa de dinheiro para pagar médico e remédio. Os filhos já estão formados, já estão ganhando dinheiro, já estão trabalhando, o filho está casado, a filha vai casar agora em agosto e aparentemente está feliz. Então 35 anos com a minha mulher, continua - eu digo sempre, foi quem me ajudou muito, porque nenhum momento na minha vida ela questionou aonde eu ia trabalhar; um belo dia dizia: “Vamos para Sergipe”. “Vamos para Sergipe.” Só questionou quando eu queria que ela ficasse em Pernambuco e eu fosse para a Bahia sozinho; aí ela não deixou, mas daí para frente... Um dia cheguei: “Olha, fui convidado para ir para a Bacia de Campos”. “Onde é isso?” Então nunca questionou nada, quando eu saí da Presidência - eu só descobri que ela odiava a Presidência no dia que eu comentei que eu ia pedir demissão, que ela vibrou, mas nunca demonstrou nada, me dava a maior força. Isso é importante demais, você ter um respaldo assim, uma pessoa que está segurando atrá. Pronto, não mudaria não, finalizando.
MEMÓRIA DOS TRABALHADORES
Achei muito bom - você sabe que eu rejuvenesci? Lembrei de tanta coisa que eu não lembrava. E achei que, por exemplo, vocês não caíram num lugar que estava me preocupando, estava me preocupando, com medo que viesse pergunta da seguinte maneira: “O que é que você fez para melhorar a Petrobras, quais foram os seus maiores feitos profissionais; se você não tivesse feito a Petrobras tinha falido”. Aquela coisa para ficar: “O que é que me ufano”. Eu estava com medo desse tipo de pergunta, porque eu acho que ia ser muito chato ter que dizer “Não, eu acho que isso é muito importante, eu acho que fiz aquilo”. Eu acho o quê? Eu fiz fiz parte de uma equipe que fez muita coisa, a Petrobras está aí porque teve gente antes de mim que fez muita coisa, teve a minha época, eu não digo eu, mas a minha geração, que fez também muita coisa, então continuamos também tocando esse troço para a frente, mas no fundo, se não fosse eu era outro, com certeza outro faria, e aí eu não sei se pior ou melhor - mas que faria, também faria. Então essas coisas, era o medo que eu tinha. Fora isso adorei, gostei de você, muito simpática, me deixaram à vontade, a câmara ali me assustou nos primeiros 5 minutos - depois eu me acostumei, e é isso aí.
Recolher