P/1 – Bom, senhor Rafik, bom dia.
R – Bom dia pra você também.
P/1 – Primeiramente, muito obrigado por participar desse projeto. E pra começar eu gostaria que o senhor me dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Rafik Hussein Saab. Sou nascido no Líbano, na cidade de Alley, em 1937.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Hussein Saab; a mamãe é Latif Jordi.
P/1 – E qual era a atividade deles, como eles eram?
R – Papai esteve cinco vezes aqui no Brasil antes de eu nascer. E fui pra lá no útero materno (risos). Fui nascer no Líbano e retornei ao Brasil com 12 anos de idade. Meu pai era comerciante, tinha uma fazenda em Bragança Paulista; e tinha comércio em Atibaia e em Bragança Paulista também.
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho, eu tive irmãos; tive dois irmãos que estavam com o papai aqui no Brasil antes de eu nascer. Quando nós fomos pra lá meus irmãos estavam aqui e continuaram aqui no Brasil. Tenho uma irmã também. Infelizmente todos falecidos no momento.
P/1 – E como era o senhor nessa escadinha, o senhor era o mais velho, o mais novo?
R – Eu sou o último dos moicanos (risos).
P/1 – (risos) E conta um pouco pra gente, senhor Rafik, como era a sua infância lá no Líbano.
R – No Líbano? É como eu digo: é como a infância de todo garoto, toda criança. Freqüentei escola lá até a idade dos 12 anos, quando retornei aqui pra cá pro Brasil. Chegando aqui, meus irmãos residiam no interior do Estado em Agudos, na região de Bauru. Cheguei dia 26 de novembro de 1951, já faz algum tempo. E, consequentemente, com a minha chegada aqui – evidentemente eu não falava o português porque eu não havia nascido aqui, eu nasci lá. Mas meu irmão começou, escrevia pra mim 20 frases por dia e pedia pra mim memorizar aquilo, decorar aquilo, ler aquilo bastante etc. pra ficar na memória. Então eu lia aquilo durante o dia, à noite ele me tomava, vamos dizer, a lição de casa. E, em fevereiro, eu fiz um teste no Grupo Escolar Coronel Leite em Bauru, em Agudos, aonde então me aceitaram na quarta série, no quarto ano do Grupo Escolar; antigamente era quarto ano do Grupo Escolar. E comecei a cursar o quarto ano do Grupo Escolar, terminei o quarto ano do Grupo Escolar em Bauru – em Agudos, perdão! E, posteriormente, continuei minha vida estudantil. Trabalhava com o meu irmão num comércio que nós tínhamos em Bauru – é, em Agudos. Veja, eu to citando muito Bauru porque minha infância praticamente foi em Agudos e o início da minha juventude foi em Bauru. Até porque depois nós mudamos até Bauru. Então nós tínhamos um comércio em Agudos de tecidos e de cereais, como também um depósito de bebidas onde nós tínhamos tonéis de carvalho, onde nós armazenávamos pinga, né, e engarrafávamos pinga e vendíamos na oportunidade. Aí, posteriormente fomos pra Bauru, montamos uma fábrica de móveis, fábrica de móveis Venezia, onde fiquei lá com meu irmão até 1967. Nesse ínterim eu vim pra São Paulo, fiquei um tempo aqui em São Paulo e comecei a trabalhar no Jornal Última Hora, fazendo exatamente o que você está fazendo comigo. E eu aprendi a fazer jornalismo com o falecido Samuel Wainer que, na minha opinião, é um jornalista sui generis. Eu aprendi o bê-á-bá do jornalismo exatamente com ele. Aí, então, o meu irmão ficou, adoeceu; eu voltei pra Bauru, fiquei com meu irmão durante algum tempo até ele melhorar. E retornei às minhas atividades; (tosse) eu assumi a sucursal da Última Hora em Bauru. E, na época da revolução, a sucursal foi fechada e eu retornei a São Paulo e aqui fiquei. Fizemos um trabalho grande na Última Hora na oportunidade. Eu tive uma participação efetiva e direta na prisão dos gregos que assaltaram o Banco Moreira Sales; na época foi o maior assalto da América do Sul e o 2º maior assalto do mundo. E daí por diante minha vida é essa: foi jornalismo, trabalho comercial, estudo etc. Me formei em Direito em 1972; em 1974 eu tirei o meu OAB e comecei; deixei o Jornalismo, voltei a advogar e voltei ao ramo comercial novamente. Aí então, posteriormente, eu montei, trabalhei na Companhia Universal de Fósforos, em publicidade, do Klabin; vim a trabalhar também com Bernardo Kasinski na __________, fazendo o aumento de capital deles. E daí, quando fui pra Companhia Química e Industrial de Laminados. São judeus poloneses, o doutor Jorge, o doutor Alfredo, o doutor Ricardo; trabalhei com eles 20 e poucos anos. Eu trabalhava com eles e participava, fazia Jornalismo ao mesmo tempo; fazia as duas coisas. Em 1976, eu, o doutor Ricardo me chamou no Rio pra me propor uma outra atividade com eles e eu não concordei e preferi sair. Falou: “Não, mas a gente não quer perder você.” Aí ele sugeriu que eu abrisse madeireiras. E eu abri a primeira madeireira aqui em Pinheiros, na Rua Paes Leme. E depois dessa primeira, foi a segunda; eu abri a Made Camp, a Madesul, a Madeireira Santista. Em Campinas eu tive a Camplac Madeiras; enfim, montei uma rede de madeireiras. E começamos a trabalhar e continuamos aí nas atividades comerciais e também nas atividades jurídicas.
P/1 – Antes da gente entrar mais a fundo nessa atividade comercial, eu gostaria que o senhor me falasse como é que foi a sua vinda do Líbano; porque o senhor veio pra cá com 12 anos, o que que aconteceu? Por que decidiu vir pra cá?
R – (celular) Perdão; posso?
P/1 – Claro. Bom, senhor Rafik, então eu queria saber como foi essa sua vinda do Líbano pra cá com 12 anos; por que que o senhor veio, o que que o senhor achou do Brasil quando chegou aqui, como é que foi?
R – Veja, em 1950 meu irmão e meu primo foram pra lá e ficaram seis meses lá. E eu, minha juventude, eu fui um pouco rebelde etc.; papai morreu eu tinha três anos e três meses e fui criado pela mamãe só. E mamãe tinha dificuldades em me domar, vamos dizer assim. E quando meu irmão esteve lá e tal, ele sentiu isso. Me colocaram no colégio interno e eu fiquei quatro meses lá e sumi do colégio. Consequentemente, no ano seguinte, em 1951, aí meu irmão me trouxe pra cá e mamãe ficou lá no Líbano; eu fui morar com meu irmão. Então é, como é que eu posso dizer a você? Aí então vim pra cá e minha vida começou da forma como havia explicado anteriormente.
P/1 – E o que que o senhor achou do Brasil, o senhor teve uma primeira impressão, o senhor lembra da sua primeira impressão?
R – Do Brasil?
P/1 – Isso.
R – Olha, hoje eu posso dizer sem medo de errar – aqui é o melhor país do mundo, né? Não tem igual. Eu conheço “n” outros países e, inclusive o próprio Líbano; eu gosto de ir pra lá, ficar um mês com a família, com os parentes etc. e retornar. Mas não vejo a hora de voltar. E isso é uma constante na minha vida; eu viajo todo ano e cada ano vou pra um lugar e ainda posso afirmar, sem medo de errar, que nós moramos no melhor país do mundo.
P/1 – Certo. E como é que o senhor começou nessa atividade comercial com os seus irmãos, o senhor falou que vocês tinham comércio?
R – Eu não tinha alternativa, né? Eu vim pra casa do meu irmão, meu irmão era comerciante; tinha, vamos dizer, armazém de secos e molhados, lojas de tecidos, tan tan nan. E, conforme havia dito, também, o depósito de bebidas. E, então, eu comecei a me envolver com aquilo e aquilo ficou.
P/1 – E o senhor tinha alguma função específica ou o senhor ficava no balcão, como é que era?
R – Ficava no balcão, participava de toda atividade comercial tanto da loja quanto do armazém quanto do depósito. Inclusive, eu cheguei até a engarrafar pinga, vinagre etc; dentro do depósito. Eu acho que pra você poder mandar fazer alguma coisa você tem de saber fazer, porque senão você não vai saber falar, mandar.
P/1 – E depois como é que se deu essa sua vinda pra São Paulo, por que o senhor veio pra São Paulo?
R – Por que que eu vim pra São Paulo? É uma boa pergunta. É, eu vim pra São Paulo porque evidentemente aqui o campo é maior. E eu vim fazer a minha faculdade aqui; comecei em Bauru e não continuei o primeiro ano de Direito. Então, vim pra cá pra São Paulo, me formei, comecei a trabalhar e por aqui fiquei. Eu já tinha estado antes de 1967, já tinha estado aqui em São Paulo. Vim pra São Paulo em 1957. Fiquei um tempo aqui, trabalhei na Klabin, trabalhei na Altabel. Depois então é que meu irmão ficou, adoeceu, eu fui pra Bauru e fiquei com ele lá algum tempo, até ele se restabelecer.
P/1 – E pra que lugar de São Paulo o senhor veio?
R – Pra que lugar?
P/1 – Que bairro?
R – Morar?
P/1 – Isso.
R – Veja, filho, a vida da gente é um pouco complicada, um pouco difícil. Eu era garoto, eu vim pra cá com pouco dinheiro, não tinha muito o que fazer; não tinha parentes aqui, não tinha ninguém. Eu fui pra região da Paula Souza, região ali na área da Cantareira, né, região da Paula Souza, aquela região de atacadistas de cereais. E como eu tava sem, praticamente, documentos – eu era menor de idade na oportunidade, 14 pra 15 anos – ninguém me dava emprego. Então eu fui obrigado a ficar ali naquela região, que vinha muito caminhão pra descarregar e carregar sacos de cereais; então eu falava com os motoristas pra me deixar ajudá-los a carregar e descarregar e ganhar algum dinheirinho (risos). Foi aí que começou a minha vida.
P/1 – E a sua atividade como jornalista, aqui em São Paulo?
R – É, aí eu conheci uns amigos que me apresentaram, me levaram na Última Hora e me apresentaram ao Samuel, na oportunidade. Nessa época o Jô Soares trabalhava, inclusive, na Última Hora. A Alik Kostakis também era jornalista e, no fim, ficou muito minha amiga. E comecei a trabalhar lá, como “foca” inicialmente; posteriormente então nós assumimos efetivamente as atividades. E por isso que eu digo a você, eu devo muito ao falecido Samuel Wainer a nível de conhecimentos jornalísticos.
P/1 – E como é que era trabalhar como jornalista num período tão conturbado assim?
R – É, eu digo o seguinte: não se fazia, não se faz polícia hoje como se fazia antigamente; e não se faz jornalismo hoje como fazia antigamente. Antigamente jornalista saía a campo e acompanhava as diligências policiais etc. e tal. Em função disso é que aconteceu essa questão de nós prendermos os gregos que assaltaram o Banco Moreira Salles, na época que o Cantídio Nogueira Sampaio era Secretário da Segurança Pública. Nessa oportunidade, nós exigíamos do Cantídio que esses gregos, o grego que nós prendemos ele, fosse interrogados no DOPS sem a presença de mais ninguém a não ser a gente; que você sabe, esse trabalho, furo de reportagem, edição extra etc. e tal, é muito importante na vida de um profissional. Então, consequentemente, quando nós fizemos esse trabalho o Cantídio aceitou, nós fizemos esse trabalho com ele e o grego acabou confessando e dando pra nós os nomes das pessoas que estavam junto com ele; são outros gregos que, posteriormente, um deles era o Michel, que estava radicado no Rio de Janeiro, morava na Rua Barata Ribeiro. E nessa oportunidade nós estávamos na época da Revolução e o Cantídio queria que fôssemos buscar. Antes disso o Cantídio tinha me colocado no serviço, serviço reservado da Polícia Civil. Aí me convocou pro gabinete dele e me disse: “Você vai buscar pra mim o grego lá no Rio. Só que você escolhe quem você quiser de policial pra levar junto; mas eu não quero que vocês se identifiquem pra ninguém lá. Eu quero que você vai lá, pegue o grego e traga aqui. Não dê satisfação pra ninguém. Vai, entra, pega e vem embora. Praticamente raptá-lo do Rio.” Eu falei: “Ta bom, o senhor ta mandando eu vou fazer.” Nessa época eu gostava muito de automobilismo; eu corri em Interlagos, circuito da Gávea etc., juntamente com o falecido Celso Lara Barberi. Aí ele me deu uma viatura do DEIC, o DEIC era na Brigadeiro Tobias. Uma daquelas peruas Chevrolet veraneio, uma verde-abacate, verde-claro, sem placa que não é placa da Polícia; não tinha nada que identificasse aquela viatura como sendo viatura policial, a não ser a sirene embutida. Aí nós fomos, eu escolhi o Dr. Paulo Leandro e mais um investigador que era de minha confiança. Então nós fomos pro Rio; o Paulo Leandro era uma moça, mais quis ser Delegado, “Não, ta tudo bem”, ele aceitou essa função. Então nós fomos juntos pro Rio pra buscar o grego. Chegamos na Barata Ribeiro no prédio e descemos; estávamos com armas pesadas, metralhadoras portáteis e etc. Quando descemos e entramos no prédio, invadiu o apartamento do grego, pegamos o grego, algemamos, trouxemos ele pra fora. No que nós estamos chegando na viatura aí a sirene do DOPS tocou (risos). Eu acho que quem viu-nos entrar com armas pesadas lá no prédio deve ter ligado pra Polícia lá no Rio (risos) e então eles vieram em cima. Aí joguei o grego pra dentro, pulei na direção e falei: “Vamos tocar.” Aí o delegado falou: “Mas Rafik, você ouviu o que que o Secretário falou?” Falou, mas eu to falando e to andando, né, e comecei. Eles tão correndo atrás de mim até hoje (risos).
P/1 – (risos)
R – Saí do Rio. Eu só sosseguei depois que cruzei a fronteira, né?
P/1 – (risos)
R – A divisa São Paulo–Rio de Janeiro.
P/1 – (risos) E depois desse trabalho como jornalista como é que se deu essa formação como Advogado?
R – Como é que eu me formei?
P/1 – Isso.
R – Veja, quando eu estava trabalhando como jornalista eu também estudava Direito à noite. Consequentemente, depois que eu me formei e larguei o Jornalismo, como eu sempre fiz na área jornalística fiquei 28 anos no Jornal. Fiz três anos na, fiquei lotado três anos na Central de Polícia no Pátio do Colégio, 25 no DEIC. Então eu aprendi muita coisa na área criminal. E, convenhamos, a área criminal de Direito é uma área apaixonante. Quando larguei o jornalismo eu fui militar exatamente na área que eu conhecia de cor e salteado, na área criminal, e estamos aí até hoje trabalhando.
P/1 – E como é que se deu esse seu retorno ao comércio?
R – O comércio? Veja, o jornalismo naquela época não é o jornalismo de hoje. Hoje a Globo paga uma fortuna pro bom profissional. Antigamente você tinha que trabalhar em diversas emissoras de rádio, jornal e televisão pra você poder ter um ganho decente que possa dar uma sustentação a você, decente de acordo com a sua condição de vida. Hoje, não, hoje é diferente. Então, isso nos obrigava a fazer outras coisas paralelas ao jornalismo pra que a gente pudesse, ta entendendo, angariar um pouco mais de recurso pra você. E aí é que começou a área comercial.
P/1 – Entendi.
R – Aí eu fazia jornalismo, eu viajava pra Formiplac, trabalhava pra Formiplac. A gente tem que ter jogo de cintura nessa altura. Então quando eu saí da Formiplac eu montei as madeireiras e comecei, realmente, me dedicar a essa parte; ou seja, a área comercial e a área advocatícia.
P/1 – E o senhor já havia tido algum contato com esse ramo de madeireiras; por que esse segmento em específico?
R – Não, o segmento específico porque a Companhia Química Industrial de Laminados e a Satipel são empresas que fabricam chapas de laminado clássico pra revestimento, pra fabricação de móveis. E a madeira aglomerada exatamente é usada na fabricação de móveis. Então tudo era relacionado com madeira ou com madeireira.
P/1 – E o senhor comentou que a primeira loja que o senhor abriu foi a primeira loja na Paes Leme?
R – Na Distriplac na Rua Paes Leme.
P/1 – E como é que foi, como é que era a Rua Paes Leme nessa época?
R – É, a Rua Paes Leme naquela época não era a Paes Leme que é hoje, evidentemente; isso pelos idos de 1976. Tinha a Mesbla na frente da nossa madeireira; eram umas casas velhas que eu fui obrigado a derrubar alguma coisa, a adequá-las a um depósito de madeira pra que a gente pudesse fazer o nosso trabalho lá e isso foi feito. Tinha aqui em Pinheiros duas madeireiras ou três, no máximo, naquela oportunidade. Hoje ta cheio de madeireiras, lojas de ferragens etc. na Paes Leme. Saí da Paes Leme e fui montar a Madeireira Made Camp na Rua Eugênio de Medeiros, num prédio que ainda é meu até hoje.
P/1 – E quem eram os clientes, a maior parte era pra construção, como é que era?
R – Os clientes?
P/1 – Isso.
R – É, marcenaria, fábricas de móveis, consumidores finais que, às vezes, não dão o dinheiro pro marceneiro comprar matéria-prima; eles vão junto com o marceneiro, compram e dão a matéria-prima pra ele trabalhar. É isso aí.
P/1 – E de onde vinha esse material, existia alguma região específica de onde vinha essa madeira?
R – Bom, madeira, depende da madeira que você trabalha ela vem de diversos estados do Brasil. Normalmente, Mato Grosso, Rondônia, Belém; também vem muito do sul, Curitiba, Santa Catarina, Paraná, Santa Catarina etc.
P/1 – E como é que é o contato com os fornecedores, como ele ocorre?
R – Ah, eles têm representantes comerciais que eles visitam as lojas etc. e fazem o contato com a gente, com o comércio de uma forma geral.
P/1 – E eles que distribuem esse material ou vocês vão buscar, como é que funciona?
R – Não, eles entregam a mercadoria aqui em São Paulo.
P/1 – E vocês entregam essa mercadoria pro cliente ou não?
R – Têm pessoas que retiram. E quando a quantidade é grande nós fazemos a entrega direta.
P/1 – E com relação à cidade, atualmente, com essa coisa de rodízio, o trânsito, como é que funciona essa entrega? Existem empecilhos ou vocês efetuam essa entrega só dependendo de onde a pessoa mora, como é que é?
R – Eu não entendi a pergunta, me desculpe.
P/1 – Assim, a cidade hoje, em decorrência do trânsito, essa coisa do rodízio, como é que fica a questão da entrega pro cliente?
R – É, veja, hoje existe uma série de problemas, a cidade... No dia de rodízio, se você tem uma viatura só, ou seja, um caminhão só, uma caminhonete só pra fazer algumas entregas e calha que no dia de rodízio você não pode rodar com esse carro, então você tem que limitar as suas entregas naquele dia no horário que existe, que faculta em rodar com aquele veículo durante aquele período; ou seja, das dez às 17 horas. Fora isso não tem como fazer diferente. Ou então você tem que ter um outro veículo ou fazer a opção de alugar uma perua que faça a entrega. Ou seja, os carreteiros de uma forma geral.
P/1 – E com relação a essa madeira que o senhor compra dos fornecedores, existe algum tipo de preocupação com relação à procedência, se ela é de uma área de desmate ou não, como é que funciona?
R – É, você fez uma pergunta interessante. Eu hoje presido desde a sua fundação o Sindicato do Comércio Atacadista de Madeiras do Estado de São Paulo. E nós estamos batalhando e continuamos batalhando até hoje para exatamente trabalhar e fazer com que o comerciante trabalhe com madeira legalizada. O que é madeira legalizada? Aquela madeira de reflorestamento etc. e tal, procurando sempre a preservação da mata; porque uma árvore de mogno pra ela crescer e ser uma árvore de corte ela leva quase que cem anos. Então uma árvore que você corta hoje, se você for fazer o replante daquela árvore só vai desfrutar daquela árvore daqui a cem anos; ou seja, nem você vai poder desfrutar isso, talvez os seus sucessores. Então consequentemente é complicado. Então por isso é que a gente hoje participa, dentro do Sindicato nós temos participado juntamente com o Governo fazendo uma gestão muito grande no sentido de incentivar a produção e a comercialização da madeira legal. Tanto é que hoje existe um programa no próprio Governo que se chama Madeira Legal. O que é Madeira Legal? Exatamente a madeira legalizada.
P/1 – E como é que se deu esse início da sua atuação no Sindicato?
R – Como?
P/1 – Como o senhor iniciou a sua atuação no Sindicato?
R – É, porque o ramo madeireiro, ele, um dos poucos ramos do comércio que não tinha uma representação sindical. Então, por exemplo, nós recolhíamos para qualquer sindicato e esse sindicato nunca soube dos problemas madeireiros e nunca defendeu os interesses do madeireiro em si, não conhece das nuances da comercialização da madeira; enfim, nunca houve uma participação dos sindicatos existentes em relação aos madeireiros porque não conheciam o problema. Eles só arrecadavam a contribuição sindical porque era obrigatório então eles arrecadavam; arrecadavam mas não tinham a contrapartida. Foi por isso que nós botamos. Eu primeiro fundei a Associação dos Distribuidores de Madeira do Estado de São Paulo e, posteriormente, fundei o Sindicato do Comércio Atacadista de Madeiras do Estado de São Paulo.
P/1 – E os associados eles são só os madeireiros ou também quem trabalha com o comércio de madeira, marceneiros? Quem são os associados?
R – Não, marceneiros não. Mas todos aqueles que vendem madeira são considerados por nós associados ou então contribuições sindicais.
P/1 – Entendi. E qual é a sua principal atividade hoje, senhor Rafik? Além dessa sua atuação no Sindicato o senhor continua sendo comerciante?
R – Sim, continuo, continuo.
P/1 – E conta pra gente um pouco do seu dia-a-dia, o senhor acorda que horas, vai pra onde?
R – É, você ta percebendo como é que é a minha vida. To aqui com você, o telefone tocou, fui obrigado a atender. Então eu saio daqui, corro pra lá vou pra cá; eu acho que a vida só, a vida é muito dinâmica. E, embora já de uma certa idade, eu não consigo ficar em casa. Não fico em casa mas nem amarrado.
P/1 – (risos) E o que que o senhor gosta de fazer nas horas de lazer, quando o senhor não ta trabalhando?
R – Procuro relaxar, tomar meu uisquinho, né? (risos)
P/1 – (risos) E o senhor gosta de fazer compras, seu Rafik?
R – Compras? Você diz ir a supermercado etc.?
P/1 – Exato.
R – Eu gosto, gosto de fazer compras, gosto de cozinhar (risos), gosto de tomar meu uisquinho.
P/1 – (risos) E o senhor tem alguma história ou alguma coisa que o senhor lembre, algum momento engraçado ou que te marcou durante esses seus anos todos no comércio?
R – No comércio em si?
P/1 – Isso.
R – Veja, na área comercial eu não posso me queixar, eu tive muito sucesso. Quando eu citei a Formiplac, a Companhia Química e Industrial de Laminados e através dela vim a ser madeireiro, eu tinha meu trabalho; eu fiz abertura comercial, vamos dizer, da Companhia Química e Industrial de Laminados em todo Estado de São Paulo mais sul de Minas. E meu faturamento dentro da empresa representava um terço do faturamento dela no Brasil inteiro. Um dos motivos que levou a minha saída da empresa foi exatamente quando eu fui convocado pelo Dr. Ricardo pra ir pro Rio, ele queria conversar comigo, tava propondo uma redução de ganho. E eu então respondi a ele: “Dr. Ricardo, eu ganho, o senhor me paga 1% de comissão sobre as minhas vendas. Esse 1% que o senhor me paga sobre as minhas vendas ta inserido no contexto do custo da sua matéria-prima. Então não lhe devo nada, o senhor não me paga nada; quem ta me pagando é o cliente que ta comprando a mercadoria. Eu não tenho salário consigo, eu tenho é a comissão que já ta inserida no custo. (risos) Então, consequentemente, se eu vendo mais eu ganho mais; se não vendo não vou ganhar.” “É, e tal, mas o seu salário hoje é maior do que o salário do superintendente da empresa.” Falei: “Então é bom o senhor trocar o seu superintendente (risos) porque se ele não faz jus ao que ele ta ganhando, ta ganhando menos que um simples vendedor, então ele não é uma pessoa eficiente.” E era uma reunião de diretoria, tava cheio; inclusive esse superintendente tava presente. O tio do doutor Ricardo, que era o doutor Alfredo que tava lá, também estava presente. O gerente nacional de vendas, era um português, o senhor Ferreira, também estava presente, estava ao lado do doutor Alfredo. Aí o doutor Ricardo falou: “Não, vamos reduzir isso pra 0,5%.” Eu falei: “Doutor Ricardo, não se trata de reduzir pra 0,5, pra um terço, qualquer coisa que seja. O problema é: eu me habituei a um padrão de vida “x”; se amanhã o meu ganho for menos do que hoje eu vou trabalhar mais e vou voltar a ganhar o que to ganhando hoje. Aí o senhor vai me convocar de novo pra quê, pra trabalhar de graça pro senhor?” (risos) Quer dizer, ele não tem, não tem graça isso, né? Aí então todo mundo deu risada lá na sala, né? Aí o doutor Alfredo comentou com o Ferreira, falou: “Ah, seu pupilo ta engolindo meu sobrinho.” Aí o português falou pra ele: “Ele ta falando o que é real, não ta criando fantasia nenhuma.” E a coisa foi por ai. Aí então por fim, “Venha e assuma o Departamento Jurídico da empresa.” Falei: “Se o senhor não pode me pagar como vendedor, que eu faço o meu próprio salário, que ta inserido conforme já lhe disse, no contexto do custo da matéria-prima, como é que o senhor vai me pagar como chefe do seu Departamento Jurídico? Não tem como, eu vou querer ganhar mais. Aliás, vocês já me ofereceram Gerência de Vendas, não sei o quê aqui dentro, eu nunca aceitei porque sempre a oferta era pra mim ganhar menos (risos). Então, não quero; eu não sou fantasiado, eu não vivo de fantasia, não vivo de ilusão – eu vivo daquilo que eu ganho. Então se eu trabalho, eu vou trabalhar e vou ganhar, então eu vou trabalhar e eu vou ganhar. Pra mim ser o seu Gerente e ficar aí que nem uns parasitas que você tem, parado aí sem fazer nada, não é do meu hábito, não é do meu feitio. Então eu prefiro sair.” Aí que então surgiu; falou: “Mas como? A gente não quer deixar você, perder você, nós crescemos juntos.” Porque, de fato, quando comecei a trabalhar com o pai dele ele era da minha idade. Só que ele foi pros Estados Unidos estudar e eu fiquei trabalhando com o pai dele. E fizemos o nome da empresa. “Mas não quero perder você de vista, não sei o quê. Por que que você não monta a madeireira?” Falei: “Olha, pra começar eu não tenho capital pra isso; em segundo lugar eu não tenho fiador pra alugar um prédio, um barraco.” Falou: “Fiador eu sou seu fiador. Matéria-prima você leva daqui o que você quiser e vai pagando conforme você vende.” Falei: “Então, fechado; não temos mais o que conversar.” (risos) Foi assim que começou a minha história como madeireiro, né?
P/1 – E hoje em dia o senhor possui quantas lojas?
R – Hoje?
P/1 – Isso.
R – Duas lojas.
P/1 – Onde elas ficam?
R – Bauru e aqui. Em Bauru fica meu sobrinho tocando e aqui a gente toca.
P/1 – Ainda na Paes Leme?
R – Não.
P/1 – Qual é o local da loja?
R – Lá é na Eugênio de Medeiros.
P/1 – Qual é o bairro?
R – Pinheiros.
P/1 – Pinheiros?
R – Pinheiros.
P/1 – E o senhor acha que a Pinheiros de hoje ta muito diferente da Pinheiros da época que o senhor abriu a loja na Paes Leme?
R – Ah, ta; ta bastante. Mudou, né, tudo muda. Eu to mais velho (risos), você idem (risos).
P/1 – (risos) Senhor Rafik, gostaria que o senhor me dissesse se o senhor é casado, tem filhos?
R – Eu tenho quatro filhos, três meninas e um menino. Meu filho mais velho é advogado; minha filha mais velha é advogada; minha filha do meio é, como diz, consultora de modas, né, e a caçula ta estudando, ela estuda aqui no Madre Alix.
P/1 – E o senhor gostaria que os seus filhos fossem comerciantes?
R – Não é o, aí não é questão de eu gostar. Ele nunca quis ser comerciante. (risos)
P/1 – (risos) Mas é uma profissão que o senhor indicaria?
R – Por que não? Eu acho o comércio é, o comércio é ótimo, embora existam dificuldades muito grandes, exigência muito grandes do comerciante, embora os tributos que a gente paga não são compatíveis com o dia-a-dia do comércio, o contribuinte paga muito e tem pouco retorno em relação ao que ele paga. Veja você que nós não temos assistência médica, nós não temos educação – tudo você tem que desembolsar. Quer dizer, seja você comerciante ou não, se você quer dar um padrão de vida pros seus filhos, que ele estude em um bom colégio, que tenha uma boa assistência médica, você tem que ter tudo isso particular. Se depender de SUS e de assistência médica que o Governo, a Prefeitura e o Estado oferecem, pode esquecer porque não adianta. Eu tenho visto aí notícias no jornal, rádio e TV de gente morrendo em maca parado no hospital pra ser atendido. Então é realmente vexatório num país que nem o nosso, um país rico, um país que se você pegar um monte de feijão na sua mão e atirar em cima do telhado, brota feijão. Então não pode, um país como esse, um país de fartura, ta entendendo, tem que ser administrado com mais humanidade. O Governo precisa olhar a situação do povo. Pra você ter uma idéia o gasto do Governo é descomunal. O Estado é muito maior que o PIB e isso é inconcebível, economicamente falando. Embora eu tenha uma formação jurídica, eu também me formei em Administração de Empresas em função daquilo que a gente foi obrigado a fazer. Embora, na prática, a gente conhecesse o ramo comercial perfeitamente, mas é importante que você tenha na teoria um aprendizado forte pra você poder conduzir teu comércio num caminho correto. Então veja você, nós não temos nada. Se você quer ter uma boa escola? Você tem que pagar. Se quiser ter um médico você tem que pagar. Se você, enfim, tudo, tudo. E a contribuição do obreiro – qualquer funcionário hoje contribui pro Governo uns 45% do seu salário. Isso é um absurdo, é sócio majoritário. E dependendo da faixa salarial que você está vai além disso – vai a 60%. Então é incrível. Não há como você aceitar pacificamente uma coisa dessa. A gente quer contribuir e eu acho que a contribuição é importante; se você não contribuir seu país não cresce e automaticamente você não vai crescer junto. Mas é que haja uma contribuição justa. Hoje, o Brasil está entre a meia dúzia de países que mais arrecadam impostos do mundo. É isso.
P/1 – Só um segundinho. Senhor Rafik, eu gostaria que o senhor me dissesse qual foi a maior lição que o senhor tirou da atividade comercial.
R – A melhor?
P/1 – A maior lição que o senhor tirou da atividade comercial?
R – A maior. Repete pra mim a pergunta?
P/1 – A maior lição, o que o senhor.
R – Lição?
P/1 – Isso.
R – Ah, lição; no comércio, de uma forma geral?
P/1 – Isso.
R – Olha, o comércio ensina muito; o comércio é um campo de aprendizado muito grande. A maior, uma das maiores lições é respeito pelo semelhante, respeito pelos funcionários, hombridade no cumprimento dos compromissos que você assume; ou seja, seriedade e honestidade eu acho que é a maior lição que o comércio pode ensinar pro cidadão. Porque o cidadão, dentro do comércio, se não for decente, honesto, correto e cumpridor de suas obrigações ele tá fadado a um insucesso total. Pode, em princípio, ele crescer um pouquinho mais mas não vai ter uma vida longa; pra ter uma vida longa no comércio você tem de ter uma tradição de honestidade de modo de proceder, modo de se comportar, tratar as pessoas com cortesia, com carinho, receber o cliente com boa vontade; enfim, todo esse conjunto faz com que o comércio cresça. Eu acho que isso é um aprendizado muito grande – seriedade e honestidade.
P/1 – E pra terminar, tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e o senhor gostaria de falar?
R – Eu acho que falamos muito, né, já falamos bastante?
P/1 – (risos) Então ta certo. Então, eu gostaria muito, em nome do Museu da Pessoa e do SESC São Paulo de agradecer a sua participação.
R – O prazer foi todo meu de estar aqui com vocês e colaborar nesse trabalho que vocês estão fazendo para levar ao conhecimento do público não a minha vida, não. Mas é o dia-a-dia de todos nós aqui que participamos do progresso, da construção dessa cidade, da construção desse país. Eu acho que o homem tem que ser valorizado por aquilo que ele faz, por aquilo que ele realiza.
P/1 – Muito obrigado.
R – Eu é que agradeço. Estou à disposição sempre.
P/1 – Certo.
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