P1- Começando a entrevista eu vou pedir para o Sr. dizer seu nome completo, local e data de nascimento.
R- meu nome é Vitório Carlos de Marchi, eu nasci em 13 de novembro de 1938 aqui em São Paulo.
P1- O nome dos seus pais?
R- Meu pai Santi de Marchi e minha mãe Angiolina Fiori de Marchi. Meu pai nascido na Itália em Verona e minha mãe filha de italianos da região de Lucca.
P1- E o Sr. sabe como eles vieram pro Brasil?
R- Meus bisavós vieram como imigrantes no final do século 19, começo do século 20, 1890, 1905 por aí.
P1- e o Sr. comentou que eles vieram pra Jundiaí, é isso?
R- O meu avô e o irmão dele vieram para São Paulo, uma parte da família ficou em São Paulo e o irmão dele foi para Jundiaí.
P1- E o seu pai trabalhava com o que?
R- Meu pai era técnico mecânico, uma parte de sua vida, ele estudou no liceu de artes e ofícios aqui em São Paulo e até por volta de 1960 e depois ele passou a trabalhar no comércio, foi sócio de uma distribuidora de bebidas da Antártica, até o fim de sua vida.
P1- E onde ficava a distribuidora?
R- Chamava-se Distribuidora de Bebidas Antártica Sul e ficava aqui em Santo Amaro.
P1- e quando o Sr. era criança em que bairro o Sr. morava?
R- Eu nasci na Moóca na Rua João Antônio de Oliveira perto do Clube Atlético Juventus, onde eu passei toda minha infância.
P1- E descreve pra gente como era a Moóca dessa época?
R- A Moóca era um bairro de classe média, existia na redondeza inúmeras fábricas, eu me lembro do Cotonifício Rodolfo Crespi, uma fábrica de tecelagem, a Cia. Antártica Paulista, na Av. Presidente Wilson, havia moinhos também, o moinho Gamba se não me falha a memória, nós morávamos próximo à estrada de ferro, que passa ali, na rua Borges Figueiredo tinham inúmeros armazéns que funcionavam como docas, era um bairro com certa predominância italiana, de classe média que vivia de indústrias. Em frente minha a casa tinha uma fábrica de calçados inglesa, Clark, onde hoje está a Imprensa Oficial do Estado, na mesma área, eles demoliram e hoje tem uns prédios muito bonitos lá.
P1- E com quem o Sr. convivia na região?
R- Os amigos, da redondeza, os amigos do Clube, que nós freqüentávamos muito ali o Juventus, ali a gente praticava muito esportes, futebol, basquete, que eram os esportes da minha infância. Tênis, por exemplo ainda era um esporte ainda muito elitizado em São Paulo. Os amigos da escola e os vizinhos de futebol, de basquete.
P1- E em qual escola o Sr. estudava?
R- Eu estudei no Grupo Escolar Osvaldo Cruz, ali na Moóca, terminei meu primário ali, depois fiz o secundário até entrar na faculdade, em 1956 eu entrei na Faculdade de Economia, foi meu primeiro curso superior. Me formei em 1960 na Faculdade de Economia e Administração de São Paulo. Terminado minha faculdade fui em busca de caminhos específicos pra minha área, e aí foi meu primeiro contato com a Antártica.
P1- Eu queria voltar um pouquinho. Nessa época de infância e adolescência o que o Sr. identificava como sendo a cultura italiana da família, do bairro, o que o Sr. acha que permaneceu ainda?
R- Muito embora, meu pai italiano e minha mãe filha de italianos, não se praticava em casa fluentemente a língua, então eu e minhas irmãs passamos a infância normal, como paulistanos, quer dizer na Moóca não havia essa forte tendência italiana, em outros bairros talvez mais.
P1- e eles incentivavam a seguir alguma carreira.
R- Sim naquela época meus pais tinham como maior sonho deles que os três filhos estudassem e obviamente fizeram tudo pra que isso fosse possível e foi, eu e minhas irmãs conseguimos nos formar e isso foi a maior alegria deles, encaminhar na vida. Naquela altura era um pouco diferente ainda da situação de hoje, quem tinha uma faculdade tinha muito mais oportunidades do que se tem hoje. Em geral as pessoas tinham uma carreira bem mais promissora, hoje em dia as “crianças” deixam a Universidade e depois dificilmente arrumam emprego.
P1- Como era a relação familiar?
R- Minha casa sempre foi excelente nós tivemos sempre uma vida familiar muito tranqüila, uma vida de classe média, nada de muitos requintes, mas eu tive a felicidade de Ter tudo aquilo que eu precisava pra viver, meus pais mantiveram meus estudos até a Faculdade, nosso relacionamento sempre foi muito próximo, muito italiano né.
P2- E como eram o pai e a mãe? Eram durões?
R- Não, obviamente meu pai fazia o papel de durão, mas...
PAUSA
P1- O Sr. estava falando da família ainda, o Sr. era o único homem, como era a convivência com as meninas?
R- Eu tenho uma irmã mais velha, que sempre teve uma diferença comigo de quatro anos, e a caçula tem sete anos de diferença, então uma distância boa, mas um relacionamento muito bom, embora a gente não tenha tido uma convivência conjunta por causa da idade né, quando eu tinha 12 anos a minha irmã mais velha tinha 17, já tinha sua vida, a menor tinha cinco, também era diferente, então houve uma separação na criação das crianças por causa da idade.
P1- E o que levou o Sr. a fazer Economia?
R- Isso era uma tendência na época, os cursos de economia no Brasil foram se formalizando em 51, portanto na década de 60 ainda eram cursos relativamente novos, as funções de economia eram exercidas basicamente ou por contadores ou por engenheiros. não havia formações específicas. Eu a despeito de não ser uma das primeiras turmas mas éramos praticamente contemporâneos, eu posso dizer até que numa empresa do porte da Companhia, quando eu entrei eu era um dos poucos Economistas formados, havia muitos que estudaram contabilidade e depois obtiveram o registro de Economia, mas sem fazer o curso e por outra parte, aquela parte que exigia mais matemática era exercida pelos engenheiros, quer dizer nós pegamos um filão novo e foi o caminho que eu escolhi.
P1- E o que atraía?
R- Atraía eu fazer uma boa carreira numa grande empresa, esse era o meu objetivo, eu tinha que começar do nada como todas as pessoas começam e eu achava que teria muita chance de progredir numa carreira, galgar novos postos se eu pudesse concluir o curso de Economia.
P1- E quem eram os professores do Sr.? Algum marcou mais?
R- Vários professores me marcaram. O professor Aldo, por exemplo, Engenheiro, que a rigor me ensinou matemática porque até então os cursos de matemática que eu tinha cursado, a despeito de ter concluído, não eram suficientemente eficientes, foi um prof. que me marcou bastante, os dois professores de matemática. Antes dele teve um professor, que eu não me recordo o nome, mas era um português, ele havia feito seminário, depois saiu e estava trabalhando na Souza Cruz e à noite ele dava aula, que nós estudávamos à noite. Eu me lembro que esse marcou bastante porque ele fez um teste com a classe, disse “olha eu vou começar tudo de novo com vocês” e foi a maior sorte minha e para toda classe e conseguiu pela sua competência, botar a rapaziada lá pra estudar matemática e depois o professor Aldo na Faculdade, esse foi praticamente contínuo, deu seguimento, é o que eu mais adorava. Na Faculdade de Direito, que nós vamos ver mais tarde, tem outras histórias.
P1- E a Faculdade de Economia ficava onde?
R- No Brás. Era perto a gente procurava fazer tudo, não muito perto tinha que ir de ônibus, eu obviamente na época não tinha carro, ou de bonde tinha dois bondes que passavam lá, era o Moóca 8 e o Moóca 10, interessante né, e os ônibus eu não me lembro das linhas.
P1- E os bondes eram os abertos ou fechados?
R- Abertos, eles faziam o trajeto próximo à rua da Moóca, rua Piratininga até o fim, lá a gente saltava e ia a pé para a Escola.
P1- E não tinha traquinagem na subida do bonde, essas coisas?
R- Ah! bom, nessa parte eu sempre fui meio quadradão eu tinha muita responsabilidade, isso é uma questão de personalidade, obviamente eu fiz muita traquinagem de garoto, até os 12, 14 anos, todas que você pode imaginar. Eu gostava muito de jogar futebol, então eu esquecia o resto e a minha avó e meus pais iam me buscar, mas sempre com compreensão.
P1- E o Sr. estudava à noite, o Sr. já trabalhava?
R- Trabalhava, na Fundação _____________, até 60.
P2- E como o Sr. foi trabalhar lá?
R- Eu fiz um teste, obviamente por indicação de conhecidos, esperei vaga e comecei a trabalhar.
P2- E nessa época a Fundação já estava administrando a Cia. Antártica?
R- Já ela nasceu com isso, antes de eu nascer isso aconteceu, foi em 35, 36. A fundação foi constituída por testamento, aí precisamos voltar um pouco. A Cia. foi fundada em 1835 por portugueses, por Joaquim Sales de Oliveira, irmão do Campos Sales e começou a funcionar na Água Branca, como empresa de gelo e cervejas, por quê gelo? Porque naquela altura era atividade principal, não havia frigoríficos e equipamentos que podiam manter alimentos congelados, então toda conservação era feita por gelo, a preponderância era gelo, cerveja, vinho secundariamente. Depois eles cresceram e no final do século compraram uma outra cervejaria, aí sim na Moóca, se mudaram numa fábrica que já havia aqui e chamava-se Bavária, eles compraram por volta de 1902, era uma fábrica nova, bonita, muito bem localizada, como estudo de localização essa fábrica da Bavária ainda hoje é modelo, porque fábricas de cerveja tem que ficar próximo a um grande rio, porque somos consumidores intensivos de água, ela tem que ficar próximo de meios de transporte, então passa atrás da Bavária naquela altura uma estrada de ferro porque toda matéria prima importada, descia de Santos pela estrada de ferro e todo produto que saía de São Paulo ia pra Santos e muito próximo do centro consumidor, porque está há dois quilômetros da praça da Sé
Então foi uma escolha, não sei quem fez isso no século passado, perfeita. Então a Antártica se mudou pra cá só que eles não agüentaram a parada, e assumiu a Cia. como acionistas, uma empresa chamada _________Reinold(??) Buller(??), era uma empresa muito bem sucedida também no final do século 19, em 1890 por aí e eles se tornaram acionistas majoritários e era uma empresa de sucesso, colocaram dinheiro na Antártica e ela cresceu enormemente a partir daí. Essas duas famílias, ___ Reinold (??) Buller(??), eram duas famílias, uma de origem alemã e outra de origem dinamarquesa. A família Adrian(??) Dietrich von Buller(??), eles tinham prole, e __Reinold(??) não, casado com Da. Helena ___________ não tinham filhos, eles mantiveram uma situação igualitária na Companhia, acionária de participação, até 1921/22, quando o Sr. ___ Renold(??) obteve a maioria das ações e obviamente em função da idade deles, obviamente começaram a prever a sucessão, como eles não tinham filhos ele constituiu uma fundação, para que todo trabalho e todo patrimônio que na altura, a Antártica já era uma das empresas mais importantes do Brasil ele cria a fundação Toni/Helena Renold(??), obviamente pra depois da morte dele e cria da seguinte forma, no testamento ele previa : “enquanto minha esposa viver a empresa é dela, quando ela falecer os bens vão pra fundação”. Ele morreu em 33, quem ficou no comando foi a esposa dele, Da. Helena, que faleceu em 35 ou 36, aí sim começou a se desenvolver o inventário pro qual foi instituída oficialmente a fundação, que tinha como maior patrimônio 51% das ações da Antártica. Em que consistia e vem se constituindo essa fundação até hoje? Ela tem como fonte de receita todos os dividendos da Antártica, antes da Ambev e presta assistência social, principalmente aos empregados e filhos de empregados, então foi uma visão muito bonita do casal ___ Renold a dar uma finalidade nobre a todo o patrimônio que eles tiveram. Quando eles morreram, alguém tinha que fazer esse trabalho, então surge a figura do Dr. Valter Bene__(??), que era originalmente do Comendador Antônio __ Renold(??), e ele foi nomeado como um dos inventariantes para constituir a fundação, porque uma coisa foi instituir, sob o ponto de vista jurídico tava correto mas sob o ponto de vista prático alguém tinha que botar a mão na massa, e foi ele que foi criando na fundação hospitais, o Hospital santa helena por ex., não sei se vocês conhecem, na rua Vergueiro, tem escola técnica Valter Bene__(??) no Cambuci, que já teve mais de 1200 alunos, enfim todas atividades sociais, além de prestar assistência médica, hospitalar a todos os empregados da Cia. E seus dependentes, então todas atitudes muito importantes. Essa relação da fundação com a Antártica, então, veio antes da minha chegada. Eu fiquei lá até me formar em Economia e quando eu terminei o curso eu queria seguir a minha carreira, aí eu consegui uma entrevista com o Dr. Valter Bene__(??) , que era o presidente da Antártica, que eu nem esperava tanto, acabou ficando comigo, tendo paciência que eu tinha 22 anos, um garoto, ele ficou comigo cerca de uma hora e meia, duas horas e ele me contratou para ser uma espécie de trainee, e eu tive a felicidade de trabalhar com ele, e a partir daí minha carreira foi muito dura e trabalhosa, mas muito gratificante.
P1- Na fundação o que o Sr. fazia exatamente?
R- Eu fazia trabalhos de escritório, trabalhava na área de contabilidade, fui chefe, isso com 18 anos e fiquei lá até me formar.
P1- Como o Sr. fez para conseguir essa entrevista com o Dr. Valter Bene__(??)
R- Como eu trabalhava na fundação, tinha contatos com algumas pessoas da Antártica, eu conversei com uma pessoa pra que me conseguisse uma audiência, essa pessoa conversou com ele e ele disse que me receberia, porque ele recebia todas as pessoas jovens, porque ele queria dar continuidade, como eu faço hoje, por isso eu tenho até obrigação de fazer isso com os jovens, porque eu recebi.
P1- Como foi essa entrevista, o Sr. se lembra?
R- Lembro, eu fui pra Antártica, marquei uma entrevista prá dez horas, nunca tinha estado lá, me colocaram numa sala de espera, eu fiquei cerca de uma hora esperando. Aí ele chegou pedindo desculpas, que não pode me atender na hora, porque estava recebendo um pessoal que vinha de Brasília e aí veio com a irmã dele, que eu já conhecia, a Dona Herma Bene___ Dorf(??) e os dois me entrevistaram ali, perguntaram tudo sobre minha vida, fizeram o que vocês estão fazendo aqui comigo, só que como eu tinha 22 anos, foi rapidinho. E ele falou “então tá bom, eu quero que você venha trabalhar aqui comigo, você começa a partir de Segunda feira” e eu comecei , entrei na Antártica na função de assessor de diretoria prá assuntos econômicos e financeiros, o título é muito maior do que eu, eu não cabia no título obviamente, e ele foi muito gentil comigo.
P1- E a Dona Herma já trabalhava, nessa época?
R- Ela era vice presidente, quando ele faleceu ela assumiu a presidência.
P2- Como era a Dona Herma?
R- os dois eram extraordinários, alemães; o Dr. Bene__(??) estudou na Filosofia na Alemanha , pra você Ter uma idéia, eu aprendi demais com ele. Dona Herma tinha menos estudo universitário, mas tinha um a experiência... eu fui feliz porque peguei eles numa idade que tinham uma experiência enorme, tanto profissional quanto de vida e isso me deu um embasamento muito forte. Ela era uma pessoa maravilhosa, cuidava da parte social, mais da fundação do que da Antártica e o Dr. Bene__(??) era mais um homem de negócios de altíssima responsabilidade, alemão prussiano (PAUSA)
Final do lado A
Lado B- fita 1
R- Então o Dr. Bene__ era uma pessoa muito austera, mas muito boa. Dona Herma administrava mais a parte social, de certa forma o hospital Santa Helena, a Escola, ela tinha uma presença mais marcante na fundação e o Dr. Valter tocava os negócios da Antártica.
P1- Agora uma observação, gostaria que o Sr. comentasse essa presença das mulheres, porque ela na Companhia, mesmo que sendo do lado social, uma mulher na vice presidência.
R- Obviamente ela foi uma pioneira, não era habitual as mulheres ocuparem esse tipo de cargo. Ela contava que no início teve um pouco de rejeição de algumas pessoas, mas ela era muito jeitosa e com pouco tempo dominava a situação. Ela se impunha com muita autoridade e facilidade, eram pessoas muito preparadas. Esse pessoal que fez curso na Europa nos anos20/30 tinham uma experiência de vida muito forte, por duas razões, primeiro que era uma escola muito humanista, e segundo que eles passaram período de guerra e a Guerra dá às pessoas, eu nunca passei e espero não passar, mas ela forja as pessoas em ambientes completamente adversos do que a gente costuma viver, por exemplo, ela já como vice presidente da Companhia, numa posição enorme, etc. a gente ia jantar, ela não deixava nada no prato, reminiscência da guerra, quer dizer, como pedir comida e não comer, esse tipo de formação é a guerra que forja. Então o Dr. Bene (??) eu chamava ele de um Leão com coração de carneiro. Era uma figura muito querida na história da Antártica e por alguns ele era detestado.
P1- E da onde vem o nome Antártica?
R- Eu acho que por causa do gelo, polo Antártico, porque a primeira fábrica foi de gelo.
P2- E o Sr. estava falando das regiões da Alemanha.
R- É alguns nomes, Bavária, porque a região da Bavária é onde se concentram a maior quantidade de cervejarias hoje no mundo. Só pra dar um exemplo pitoresco, mas representativo: enquanto a indústria de cerveja hoje no mundo é extremamente concentrada, os EUA tem três fábricas, aqui tem três, na Argentina tinha uma, agora tem duas ou três, no Japão tem duas ou três, grandes. Na Alemanha a última vez que eu li tinha 3600, 800 só na região da Bavária, quer dizer aquilo é cultura, cada cidade tem uma cervejaria, que produz. Quando eu viajava pra Alemanha e informava nossas quantidades de produção no Brasil, ninguém acreditava, enquanto nós aqui produzimos 15 milhões de hectolitros, cada uma dessas fábricas produz 300 mil hectolitros, então a dimensão era tão contrastante, que as pessoas mais do negócio, um fabricante ou de menor entendimento internacional, os caras não acreditavam. Por isso lá tem muitos nomes que são típicos, cerveja Munchen, porque tem a cidade de Munchen . Bavária, porque tem a região da Bavária, Pilsen é uma região que hoje está na Tchecoeslováquia, nem sei mais como chama por todas as mudanças que ocorreram nessa área, mas é a mesma região geográfica de Munique, onde se planta o malte Pilsen, que é o melhor malte usado pra cerveja, que acaba dando o nome pra cerveja porque é feito com o malte da região de Pilsen.
P1- Agora, me corrija por favor se eu estiver errada, no começo do século aqui no Brasil, as cidades pequenas, que tinha alguns imigrantes alemães, elas tinham suas pequenas cervejarias, no interior principalmente?
R- Sempre surgiram algumas pequenas cervejarias, e eu diria ainda hoje surgem e começa de novo esse ciclo, vão crescendo, mas nós já tivemos aqui no Brasil mais de 20/25 cervejarias, a maioria pequena, duas grandes, Antártica e Bhrama, nessa altura não tinha a Kaiser, e as pequenas, no Sul tinha a Pérola em Caxias, a Polar, tinha Estrela, a _______ parece que em Minas Gerais, no interior de São Paulo tinha a Caracú em Rio Claro, depois virou Skol, no Rio tinha as chamadas barrigudinhas e tinha muitas das pequenas fábricas das barrigudinhas, porque as cervejas que nós tomamos hoje é de baixa fermentação é fermentada em processo industrial, antigamente, até por uma questão de custo, a cerveja era de alta fermentação e a fermentação era na própria garrafa, e pra você fazer a fermentação na garrafa, você tem que Ter uma garrafa muito forte e o tipo era uma garrafa bojudinha, pequena e que você deixava em armazéns durante 45, 50 dias pra que elas processassem internamente a fermentação e se as garrafas não fossem desse tipo, elas estouravam, porque a fermentação cria uma pressão interna, produz gás carbônico.
P1- Tinha a marca barbante e as barrigudinhas
R- Isso mesmo. As de marca Barbante são as mesmas, porque elas tinham muita pressão nas rolhas, então eles amarravam as rolhas com barbante, entendeu, eram cervejas de alta fermentação, qualquer problema na rolha ou garrafa explodia tudo, que nem champanhe.
P1- Uma dúvida, o Sr. falou quando da localização da fábrica aqui em São Paulo, do consumo intensivo da água, por quê?
R- Veja, normalmente você usa, hoje as tecnologias com o reaproveitamento, etc. nos dão um outro perfil, mas até dez anos atrás, até a abertura do mercado, nós tínhamos um consumo de um por dez, ou seja a cada hectolitro de cerveja você necessitava de dez hectolitros de água. Porque tem que lavar as garrafas, no Brasil nós trabalhamos com uma quantidade muito grande ainda hoje, naquele tempo muito maior, com garrafas retornáveis e quando a garrafa retorna ela exige uma lavagem muito severa e forte e ali você consome muita, mas muita água mesmo, compreendeu. Porque tem que tirar o rótulo antigo, tem que lavar por dentro várias vezes, rtem cinco testes de enxágüe, como nós chamamos. Hoje com as técnicas que nós reaproveitamos a água , a gente está com um consumo de cinco, seis litros por litro de cerveja.
P2- Como se deu a idéia de se criar o grupo Antártica, na década de 80.
R- Boa pergunta, disso eu participei fortemente, era uma necessidade de capitalização, o fato da Antártica pertencer à Fundação lhe dava certa restrição de captar recursos no mercado financeiro, muito embora a Antártica fosse uma Companhia aberta, uma das primeiras inscritas na bolsa de São Paulo, a Fundação criou um constrangimento pra chamada de capital porque como ela precisa aplicar os seus recursos na parte social ela não pode pegar os seus recursos e botar na Companhia, então nós criamos o Grupo Antártica e formamos, naquela oportunidade, cinco ou seis empresas, e essas empresas poderiam captar sem prejudicar a fundação, então como isso se processou: nós capitalizávamos a empresa pela Antártica e complementávamos com capitalização do mercado e com isso fizemos a expansão da Antártica. Na década de 80 nós crescemos cerca de dez, 12% ao ano, nós dobrávamos de capacidade a cada dez anos, quer dizer era um crescimento extraordinário.
P2- E quais eram as empresas?
R- As principais que fizemos isso foi a Industria de Bebidas antártica do Nordeste, começamos a criar as Ibas, Industrias de Bebidas Antártica, então uma exceção foi a Polar, tínhamos a Industria de Bebidas Antártica do Amazonas, pra captar recursos da Sudam, e a nordeste pra captar recursos da Sudene, chegamos a um total de 22 empresas e depois fomos encolhendo, até 99, nós tínhamos acho que quatro ou cinco grandes empresas, fábricas muitas, mas acho que quando fizemos a fusão tínhamos pelo menos 30 fábricas de cervejas e refrigerantes, a Brhama tinha outro tanto então ficamos com um potencial muito forte de produção na fusão.
P2- Na trajetória do Sr. pela Antártica como era a relação de concorrência com a Brhama?
R- Ela se dava de duas formas absolutamente distintas, no mercado, briga, guerra total, inimigos enormes; nas direções não, porque tínhamos muitos interesses comuns, quer dizer sempre fomos inimigos corteses, principalmente na alta direção e nós temos um sindicato, onde nós defendíamos interesses comuns, por exemplo se o governo aumenta impostos não é bom nem pra Antártica, nem pra Brhama, nem pra Kaiser, então os três se unem no sindicato e discutem como vão fazer. Fornecedores de matérias primas, tem vários segmentos que estão altamente de interesse comum, então você tem que se unir, senão vem os terceiros, então eu diria que o nosso sistema sempre se pautou e hoje com Kaiser é a mesma coisa, em duas grandes vertentes, uma no mercado, que é pauleira e outra nos assuntos institucionais, esse obviamente os interesses convergem, então tivemos sempre um excelente relacionamento, o Dr. Bene__(??) com o Sr. Quina(??) no tempo dele, eu com o Sr ._____, eu com o Marcelo, isso foi os últimos 20 anos.
P1- Como a carreira se desenvolveu dentro da Antártica?
R- Obviamente eu fui crescendo dentro dessa assessoria que eu dava ao presidente, isso originalmente o cargo era maior que eu, mas aos poucos eu fui tomando o tamanho do cargo ou fazendo o cargo do meu tamanho, e nesse intermédio eu administrei algumas empresas do grupo, por ex. nós tínhamos uma empresa chamada Corn Flakes S.A em São Bernardo, eu com 23, 24 anos eu fui indicado pra ser o diretor, isso foi na década de 60, fui pra lá em 64, 65, era uma empresa que produzia matéria prima pra nós, nós temos um tipo de matéria prima que se usa na cerveja, chamada bril_____, nós produzíamos lá além de outros produtos, que vocês conhecem, que é o flocos de milho, era produzido nessa fábrica em São Bernardo e nós lançamos o Corn flakes no Brasil.
P1- Essa foi a única tentativa da Antártica na área de alimentos?
R- Não teve três outras, uma no VicMaltema, era um concorrente do Toddy e tinha um outro produto chamado extrato de malte, um açúcar extraído do malte, mais ou menos como a glucose, era um produto pastoso, que nem um mel só que produzido do malte, porque o malte é um alimento extremamente rico em proteínas né, então dá um produto muito bom como alimento, mas a gente vendia mais como matéria prima de indústrias, como de bolachas e tinha o fermento seco também, a levedura que se usa na cerveja e depois de usada se extrai aquele fermento e é muito rico em vitaminas, utilizado nos laboratórios, inclusive no fabrico de penicilina, mas precisa ser seco, se extrai dos tanques com grau de umidade alta e depois por um processo de secagem se transforma em pó e isso é usado em matérias primas, que querem usar vitaminas B1, B3 e B6, só não tem a B12, mas essas foram as incursões nos ramos, mas foram coisas pequenas, mas eu desenvolvi essa atividade sem deixar minha atividade principal, isso foi por volta de 64, até é uma coisa interessante, quando veio a Revolução, foi criada a correção monetária e foi o Roberto Campos que introduziu isso na lei 4357, e como não havia correção monetária, as empresas postergavam todos os pagamentos de imposto que tinha direito, porque a inflação reduzia os impostos, era uma malandragem, mas legal né, então havia inúmeros processos e como essa lei instituiu a correção monetária e severas penalidades, a Cia. O Dr. Bene__(??) criou um grupo de trabalho de economistas e advogados, e eu liderei esse grupo, pra limpar nossa situação tributária, muitas empresas, todo mundo fez isso na época e ali se criou um grupo tributário, eu passei a liderar esse grupo por uns quatro, cinco anos até ser indicado pra diretor em 72, essa foi minha carreira até aí, diretor adjunto em 73 fui indicado diretor pleno até 76, quando veio a nova lei das sociedades anônimas criada pelo Mário Henrique Simonsen e lá tivemos que constituir um Conselho, porque a lei impôs a todas as Companhias abertas, tem que Ter um Conselho de Administração, então eu fui indicado para integrar o Conselho e continuei como Diretor financeiro, eu tinha duas funções porque a lei permite que 1/3 do conselho pode ser diretor.
P1- Os outros 2/3 são funcionários?
R- Exato, a função do conselho, são os representantes dos acionistas.
P2- Muitas vezes esses representantes eram pessoas ligadas à intelectualidade de São Paulo?
R- É não tanto no conselho de Administração, mas mais nos Conselho consultivo e nos conselhos da fundação, nós sempre mantivemos gente ligada à intelectualidade, porque a fundação por ser uma sociedade regida pelo código civil, nós temos até hoje muito cuidado de manter a sua administração insuspeita, então sempre tivemos os maiores nomes de São Paulo, na fundação e na Antártica, até há pouco tempo por exemplo, o conselho Consultivo da fundação era presidida pela prof. Ester de Figueiredo Ferraz, foi ministra, professora emérita aqui no Largo São Francisco, tivemos no Conselho fiscal sempre inúmeros membros da Universidade de São Paulo. O professor hilário Franco, antes dele o professor Anhaia Melo, foi engenheiro da Politécnica, o filho dele é jurista, são muitos nomes, gente muito importante, nós sempre quisemos dar esse resguardo, porque é um patrimônio muito grande na mão de administradores e não de donos.
P2- E o Sr. fez Direito também?
R- Fiz, depois de 64 eu comecei me envolver, pra liderar esse grupo de economistas e advogados eu precisei Ter uma formação mais forte na área jurídica, então eu fui fazer direito na Faculdade de São Bernardo do Campo, na época era excelente porque era mantida pela prefeitura e era diretor o Paulo Teixeira de Camargo, que foi deputado, presidente da Câmara, era um jurista e ele levou pra lá todos os professores da São Francisco, era à noite o curso, e ali fizemos grandes amizades, primeiro porque eu já era adulto e podia Ter uma relação com os professores muito mais profissional, do que quando eu fiz Economia, que eu era garoto, então tivemos professores do mais alto nível, além do Dr. Paulo, professores que depois foram indicados pra presidente do Supremo Tribunal Federal, o prof. de Código e processo civil, pra você ver o nível. Outro professor era presidente do Tribunal do Trabalho, outro era presidente do Tribunal Eleitoral, enfim, gente do mais alto nível, foi um curso que eu aproveitei muito.
P1- E como foi voltar a estudar, a relação com os colegas?
R- Olha não foi muito diferente, eu tinha 28 anos e tinha muita gente assim, colegas da Volkswagen, tínhamos um grupo forte da mesma idade, com os mesmos interesses. Tínhamos o restaurante, eu saía da Cia. De carro ia pra lá jantava, fazia o curso e ia pra casa. Relações com a família, já tinha três filhos e minha mulher agüentando a barra.
P1- E como o Sr. conciliava a família, faculdade, trabalho?
R- Primeiro eu tive muita facilidade de fazer o curso, porque eu já tinha uma vivência prática muito grande. Dr. Bene___ se cercava de grandes advogados, e eu tava ali no meio, tive essa convivência. Prof. Celso Neves, um grande jurista aqui de São Paulo; prof. Dario de Almeida Magalhães, enfim eram grandes nomes e eu tava ali diariamente, então eu não tive grandes dificuldades, obviamente em certas matérias sim, direito penal eu penava (riso), porque não era o meu dia a dia, mas direito profissional, direito civil, direito de processo, essas coisas eu tive é sorte, porque eu acho o seguinte a melhor coisa que pode acontecer pra uma pessoa é ela trabalhar durante o dia num ramo de atividade e à noite estudar esse mesmo ramo, isso lhe dá uma alavancagem enorme porque você não tem teoria; você tem a teoria e o dia a dia, e você pega os problemas do dia a dia e leva para o professor e ele vai Ter que te dar uma solução prática, então isso dá uma experiência pras pessoas, enorme. É diferente hoje em dia um cidadão fazer um curso de direito com 18 anos e fazer com 30, a experiência de vida é outra coisa, um curso de direito alarga muito os horizontes das pessoas. Eu fui muito incentivado na Companhia, obviamente, algumas vezes eu quis desistir e toquei. ( PAUSA) Tem uma história, em determinado momento, isso eu sei por ouvir dizer, a empresa foi muito perseguida pela polícia aqui de São Paulo, por negócio de política, nessa altura era uma empresa vista como alemã, e durante a guerra houveram várias fases, primeiro o pessoal apoiou o Hitler, depois quando ele começou a dar as tropicadas dele o pessoal começou a ser contra, então ficava sempre uma implicação política meio confusa, mas em determinado momento foram lá na cia. Pra prender os diretores, e um dos diretores ______ Dietrich von Buller(??), ele era também Cônsul geral da Dinamarca no Brasil e com isso tinha imunidade, então chegaram lá: o Sr. é quem? “Sou fulano de tal”, então pra cadeia; o Sr? “fulano de tal”, prá cadeia. E nós tínhamos um Sr. que era o vice presidente, brasileiro, aí o sujeito chegou pro Sr. Von Buller, e ele “ eu sou Consul Geral da Dinamarca” tá aqui meus documentos então o Sr. não vai, e o Sr.? “Eu sou o vice”, então não vai; (risos), ele era vice presidente da Companhia...
Final do lado B- da fita 1
Fita 2- lado A
R- ...o sujeito teve tanta presença de espírito, e ficou como vice consul
P2- Essa perseguição acompanhou a história tanto da Brhama quanto da Antártica, vocês tiveram que mudar o logo da estrela, por quê?
R- Só da Antártica. Isso é uma história grande e tem material bom sobre isso, tem colegas que sabem essa história melhor que eu, mas eu vou contar o que eu sei. Isso é a estrela de Davi, mas nós nunca fomos uma empresa pertencente à raça israelita, fomos sempre portugueses, ocorre que alguns cervejeiros mais apaixonados, foram pegar na história, como eram identificadas as tabernas onde se vendia cerveja e descobriu que todas as tabernas da idade média eram identificadas com a estrela de Davi e colocou no nosso rótulo e deu a maior confusão. Nós começamos a exportar pra Arábia Saudita, os caras puseram a gente na lista preta, aí nós fizemos alguns artigos tentando demonstrar que aquilo não tinha nada com religião, nada, nada, era um ícone de uma taberna de cerveja, tinha uma conotação com cerveja, mas não conseguimos convencer ninguém, então nós tiramos, foi mais fácil, deixamos só os pingüins, que foram também introduzidos depois, uma boa visão de algum “marqueteiro”, que foi buscar os pingüins no Antártico, você tem o pólo Ártico, são os ursos, e no pólo Antártico a característica são os pingüins, então linkou com o nome, foi uma boa jogada de marketing, inteligente.
P2- Deu certo, taí até hoje, cem anos depois.
P1- Só pra depois passar pra questão da fusão, eu queria que o Sr. recuperasse um pouquinho o nome do Parque antártica.
R- Bom como eu disse anteriormente, a Antártica nasceu lá, foi comprado um terreno no parque da Água Branca e lá foi construída a fábrica e quando nós viemos pra Moóca sobrou aquele terreno. Aliás, antes disso, ocorre que a Antártica lá, se inspirando um pouquinho no que acontece muito na Alemanha eles criaram a cervejaria e ao lado criaram um bonito parque chamado parque Antártica, onde as pessoas no Domingo à tarde iam fazer o seu pic nic e tinha um link comercial, porque naquela altura tinham muitos comerciantes, quanto hoje, eles já tinham feito uma passagem obrigatória pela cervejaria e os caras eram obrigados a comprar cerveja. Então iam lá visitar uma fábrica, ficavam no Parque, tomavam cerveja e lá era justamente o ponto final de um dos bondes que saía da praça João Mendes, e isso ficou durante um certo tempo, até que vieram pra Moóca, isso foi desativado e aí o palmeiras, naquela altura o Palestra Itália, nos pediu se podíamos vender a área pra eles e realmente foi vendida com a obrigação, isso é uma coisa interessante, está numa escritura de 1921, nós fizemos por um preço muito baixo, mas com a obrigação de no parque só entrar cerveja Antártica e o nome deveria ser mantido parque Antártica e eu descobri isso por acaso, porque um dos Presidente do Palmeiras, quis colocar lá um outro produto concorrente, há uns dez anos atrás, e eu estava muito chateado “pô, vender concorrente no parque Antártica”, fica mal isso, a turma vai explorar isso comercialmente contra a gente, etc. mas o cara estava insistindo e uma pessoa da área legal, disse “vamos dar uma olhada na escritura, acho que tem alguma coisa”, e vimos na escritura que eles são obrigados ou devolve o terreno pra nós.
P1- Agora a Brhama pode Ter?
R- Agora pode, mas naquela altura não podia Ter nada, aí eu fui falar com o presidente, botei a escritura no bolso, mas nem precisou, ele sabia, “não porque eu quero cinco milhões, porque o concorrente tá me dando cinco milhões, eu gostaria muito de manter sua marca aqui com exclusividade e tal”, eu disse “é mas nós temos um compromisso aí de muitos anos, e vocês não podem fazer isso”, bom desconversou, e se dispôs a continuar até hoje. Obviamente depois a Ambev agora as três marcas pertencem a uma empresa só.
P1- Mas o nome parque Antártica continua.
R- isso permanece
P1- Vamos falar um pouco da fusão, como que o Sr. pensou, como que começou acontecer?
R- Obviamente nada acontece por acaso, essas coisas são um processo. Nós percebemos o seguinte, o Brasil tá se abrindo, vem muitas empresas pra cá, nós queremos crescer pra lá e como nós vamos fazer isso? Primeiro nós tentamos uma associação com a Nauser Buch(??), a Nauser Buch nos procurou e depois de longas discussões fizemos uma associação com eles no sentido de que eles nos forneceriam as melhores práticas, porque eles realmente são uma empresa muito bem organizada e nós passaríamos a produzir a cerveja Budweiser aqui e eles passariam a produzir uma cerveja, isso eles não quiseram, nossa nos EUA e nós faríamos parcerias internacionais em conjunto. “Eu quero crescer na Espanha”, a gente tentar crescer junto e fizemos essa parceria, etc. mas infelizmente a situação do Brasil é um pouco complicada, sob o ponto de vista histórico, a despeito de eu Ter defendido com unhas e dentes, que o Brasil depois de 94, quando assumiu o Fernando Henrique, já era um país diferente, porque nós estávamos em pleno regime democrático, não tinha mais ditadura era um país aberto, em crescimento. Nós tínhamos conseguido acabar com a inflação, que é um mal terrível para qualquer país, porque ela é paga pelos humildes, os ricos cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres, isso é inflação. Eu tentei vender, que nós éramos outro país, que nossa inflação caiu de 45% ao mês para, naquela altura acho que estava 2% ao mês. Mas daí o pessoal começa ver a história, “mas tem o seguinte em 86 vocês fizeram uma moratória; em tal data vocês não remeteram dividendos; em tal data vocês tributaram capital estrangeiro”, e você não tem resposta, moratória é um inferno, eu tenho pena hoje da argentina, que fez uma moratória, porque ela vai pagar nos próximos 20 anos, anotem isso onde vocês quiserem. Bom, eles então se dispuseram, por causa desse histórico, fizeram uma participação de 5%, e eles podiam crescer até 30, com opções. Fomos ao CAD, o Cad, primeiramente não aprova a associação e depois num recurso ele aprova e estabelece algumas condições, de botar substituir as cláusulas de opção por causas de obrigação, vai ser obrigado a investir aqui, por quê fizeram isso? Eles puseram uma parte do dinheiro, 650 milhões de dólares e queriam observar como ia o país, que a Cia. Sabiam como ia, mas o país queriam saber como as coisas ocorriam, mas o país queriam ver como as coisas poderiam ocorrer e fizeram essas opções, quer dizer se chega na hora, que aí eles tinham que botar mais 400 milhões, se o país não me dá segurança, eu não invisto, qualquer um de nós no lugar deles faria a mesma coisa. Mas daí por uma decisão, ao meu ver, absolutamente esdrúxula, eles transformaram isso em obrigação, não deu outra, na hora de eles subscreverem, houve aquela mudança cambial, aquele desastre que foi feito em janeiro de 99, de maior incompetência, e infelizmente o governo não teve uma boa performance e obviamente eles perderam um monte de dinheiro porque em três meses houve uma desvalorização cambial de 50%, então os 150 milhões que eles tinham posto aqui, virou 75, quer dizer, do dia pra noite, ninguém se anima a botar mais 300 ou 400. Então eles começaram e eu compreendi, porque acho que a melhor coisa pra você entender uma decisão de alguém é se colocar no lugar desse alguém e aí nós continuamos tocando nossa vida. Estávamos tentando também uma acordo para comprar a Kaiser, nós estávamos negociando com a Coca-cola um acordo visando a Antártica comprar a Kaiser, tratamos várias vezes com esse pessoal, até com os americanos, mas depois eles tinham um plano muito agressivo aqui no Brasil, de eliminar o número de engarrafadores, de 30 que eles tinham queriam reduzir pra seis, eu aconselhei “isso vai ser muito complicado, disse pra eles, porque como eu conheço bem aqui o metier, vocês vão ganhar seis grandes amigos e 24 terríveis inimigos e não deu outra, não conseguiram fazer uma coisa nem outra, e também desistiram. E nós ficamos querendo crescer, até um dia, eu tinha muito contato com o Marcelo no sindicato, nós éramos bons amigos, ou bons inimigos íntimos, como vocês quiserem, mas sempre fomos bons amigos, o Marcelo sempre teve comigo uma postura muito correta, obviamente a gente sabia que estava em campos opostos e no mercado cada um defende a sua marca, mas nós tínhamos muitos assuntos comuns, naquela altura preços, por ex. nós estávamos sob o controle de preços do governo, nós tínhamos um excelente relacionamento e nós marcamos um almoço pra conversar e lá nós falamos, ‘o que vai ser as nossas empresas?’ Question, “olha , qual é o custo de capital do Brasil hoje? (naquela altura), depois do processo de moratória, o Brasil passou a ser um país com altas taxas de juro, porque até hoje nós pagamos um “prêmio” por isso, você vai pegar o dinheiro lá fora, hoje você vai pagar 700 pontos a mais que qualquer país da Europa, são sete pontos percentuais, se uma taxa de juros hoje razoável seria dez por cento você paga 17, portanto 70% a mais na taxa de juro, por isso to com pena da Argentina. A Colômbia paga acho que uns 300, o México paga 200, está no quintal dos EUA, mas paga 200, o Chile paga 400 e nós hoje, pagamos 700, naquela altura acho que era 900 contos. E não dá pra fazer nada com dinheiro estrangeiro com essa taxa de juro, por quê, porque se eu quiser comprar uma empresa no Uruguai e me custar 100 milhões de dólares, a Budweiser, empresa americana, qualquer uma, Alemanha até é mais baixa, uma empresa americana pode pagar 200 milhões, porque pela diferença de taxas de juros em oito anos ela tá pagando o mesmo preço
P2- Uma saída que as empresas tão usando um pouco pra isso hoje é captar Eurobônus
R- Mas tá caro ainda, isso melhora um pouco, mas não resolveu o problema, são empresas de altíssimo porte e mesmo assim não é fácil. Enfim nenhuma das nossas duas empresas tínhamos condições de bancar uma expansão externa e corríamos sempre o risco de ficar enfraquecida internamente e corríamos o risco de vir uma dessas empresas estrangeiras grandes, uma Nauser Buch, Muller, Phillip Morris, Heineken e como o __________ comprou a Kaiser agora, tá certo, então dissemos, “vamos deixar os estrangeiros fora e pensar em fazer uma empresa suficientemente forte, que pode nos garantir internamente e permitir que possamos crescer externamente”? “Tá boa idéia, vamos pensar sobre isso, Ter outras conversas”. E ele foi falar com os pares deles, eu falei com os meus pares, uma decisão que não posso nem pensar em tomar sem a colaboração de todos os companheiros. Falei com todos os companheiros meus do conselho da Antártica, a recepção foi muito boa, o pessoal entendeu o ponto de vista e como era um negócio muito grande eu vou falar também com os conselheiros da fundação, conversei com todos, recebi apoio também e finalmente eu disse “agora eu vou falar com o curador de resíduos, porque as fundações são tuteladas por curador de resíduos, que é um ministério público, o governo, um promotor público que controla a Fundação, pra saber se os estatutos estão sendo, não tem nenhuma ingerência, vela pra saber se os estatutos dos herdeiros estão sendo cumpridos à risca. E todos foram unânimes ao que nós íamos fazer, interessante convergiu tudo, porque os argumentos eram muito sólidos, as demonstrações muito evidentes. Você tinha dois caminhos, ou continuar separados enfraquecendo as duas ou fazer uma fusão Ter um __________ suficientemente forte pra começar a investir no estrangeiro. Isso primeiro passo, então sinal verde, vamos continuar falando, o sigilo era fundamental, porque se soubessem tínhamos medo que seria, as duas empresas são ícones nacionais, isso seria um abalo terrível na opinião pública, no governo, etc. então nós criamos um grupo de trabalho eu indiquei duas pessoas, ele indicou duas pessoas, ficaram trabalhando num outro ambiente, nem Antártica nem Brhama e começamos a desenvolver os estudos analíticos, contratamos o Banco Morgan Stanley, também com um número reduzido de pessoas, três ou quatro pessoas inclusive o Grou, que era presidente desse Banco e hoje é presidente da Petrobrás e aí se desenvolveram as formas de nós fazermos uma fusão, de forma igualitária. A fundação __Renolds(??) indica quatro membros do Conselho, o grupo Braco(??) indica quatro membros do conselho, esse conselho tem dois co-presidentes, indicado um pela fundação e um pela Braco, com o seguinte objetivo: nós vamos escolher as fábricas, os produtos, as pessoas que melhor forem para o negócio, Segunda premissa, eu e o Marcelo trabalharemos diuturnamente para valorizar a Cia. Para os acionistas, esse foi o nosso target, que três anos depois a gente pode ver que foi bem sucedido.
P2- Como que surgiu o nome Ambev?
R- Ali nós começamos, como vai ser o nome da Companhia? Primeira sugestão União de cervejarias Brasileiras, mas aí nos dá restrição porque queremos ser mais do que Brasil, aí surgiu a Cia. De Bebidas das Américas, porque em castelhano e em inglês tem a mesma significação, esse é o, Ambev, American Beware(??) Company, então essa foi a idéia, que eu acho que foi muito feliz.
P1- E o Sr. se lembra o dia que a notícia foi pra mídia?
R- Ah! sim, me lembro, eu acompanhei isso minuto a minuto, nós tínhamos dois planos, , nesse caso a gente sempre tem que fazer dois planos, um com vazamento, outro sem vazamento num primeiro momento tinha quatro pessoas, depois seis, depois oito, depois quinze. Quando você entra em comunicação você tem que chamar uma empresa de comunicação, os advogados, secretária, tudo aquilo. Nós achávamos que íamos segurar esse negócio uns 45 dias, até que veio um sintoma de vazamento, uma pessoa me ligou “tem uma pessoa do Estado de São Paulo me dizendo que...”, eu disse, “o que você falou pra ela?”, “diz que isso é loucura, isso jamais vai acontecer, eu que to aqui dentro não sei”, a pessoa disse que pegou a notícia jogou fora, eu falei agora é hora, marcamos três dias depois e fizemos a fusão. Aí nós preparamos um almoço, comunicamos os diretores, a bolsa fecha às seis horas, às sete horas nós vamos nos reunir com os diretores e comunica, no dia seguinte às oito horas, já saiu uma mensagem que nós gravamos com o Paulo Henrique Amorim e essa deixou o pessoal acordar, o Nizan por exemplo não sabia. Convocamos os revendedores também, mas pro dia seguinte, preparamos tudo até à noite, às sete horas comunicamos os nossos diretores do Brasil e no dia seguinte de manhã, chamamos os revendedores e fizemos o anúncio.
P1- E qual foi o impacto na fábrica?
R- Veja, teve vários, eu te relaciono cinco, que nós tivemos que administrar com muito cuidado. O primeiro o pessoal interno, vender a idéia que a fusão seria bom pro país, pras empresas e bom para os funcionários, segundo os sindicatos, aos distribuidores tivemos que passar uma idéia clara, que íamos vender as marcas separadas, com marketing separados, forças de venda separado, o que nós estamos fazendo até hoje, as autoridades obviamente tivemos que comunicá-las, as grandes redes de supermercados, porque isso chocou todo mundo, que nem a fusão do Palmeiras e Coríntians, é uma fusão inicialmente considerada impossível.
P1- O Sr. disse que o seu pai tinha a distribuidora até recentemente?
R- Ah! sim mas ele já faleceu há algum tempo, foi vendida antes da fusão e ele faleceu antes.
P2 – O Sr. toma cerveja e qual a marca que o Sr. gosta?
R- Veja, eu vou dizer, existem dois tipos de cerveja básicos, pro meu paladar, a cerveja mais pra tendência européia e a cerveja mais pra tendência americana. A Européia é mais forte, amarga e o estilo americano é mais leve, pro meu paladar eu prefiro mais a tendência alemã, uma cerveja mais forte, com mais lúpulo, mais encorpada.
P2- Que cerveja é essa da AMBEV?
R- É mais pra Antártica, mais pra Bohemia, é uma cerveja mais pro estilo europeu, a Skol que é uma excelente cerveja, só que é mais pro estilo Budweiser, americano, é um pouco mais leve, bem mais clara
P2- O que o Sr. acha dessa preocupação da própria AMBEV de estar recuperando a sua história, _______________ seus acervos?
R- Eu sou um dos que mais defendo isso na Companhia, acho que isso é importantíssimo, que a despeito de Ter o seu nome substituído, elas continuam a mesma empresa. Se forma uma nova cultura, que é um mescla da cultura da Antártica e da cultura da Brhama, porque o dia a dia, que vai forjar, mas é extremamente importante ‘manter as origens e as duas empresas mantém museus, e esses museus é uma história viva, eu diria, você pega lá cartazes de publicidade, de 1890 eram importados da Alemanha, não havia mercado talvez pra que se criasse um mercado de out doors, cartazetes, etc. Você vai encontrar lá artistas que fizeram propaganda nos anos de 1920 e hoje são consagrados, depois como pintores...
Final lado A da fita 2
não como “marketeiros”, equipamentos antigos, que você colocava a tampinha com pedal, manual, são coisas que temos que manter, fazer um livro sobre isso pra que fique pros nossos descendentes, pra posteridade, acho isso extremamente importante.
P1- E essa hora que o Sr. passou aqui com a gente, recuperando a história, a trajetória profissional do Senhor dentro da Antártica, o que o Sr. achou?
R- Várias pessoas já me aconselharam a escrever um livro eu ainda não tenho disposição pra isso, mas é uma idéia, tem tantos pontos e isso aqui ,me ajuda a resgatar isso, alguns pontos a gente até se emociona porque lembra de detalhes que são marcantes na vida da gente. Eu vou dizer um só, mas eu disse pra você que várias vezes eu quis desistir do curso de direito né. Um dia nós estávamos com um trabalho sobre preços, e o prazo era Sexta feira e Quinta feira eu fui chamado, nós temos que aprontar até amanhã, ia Ter que ficar a noite toda, e eu tinha prova. Perdi a prova na minha cabeça e tava trabalhando junto com o Dr. Bene _____, ele disse “Você não tinha aula hoje?” Tinha, mas não tenho mais. “Por quê?” Porque o trabalho não tá pronto, isso aqui é minha vida escola eu vou pegar numa outra oportunidade. “Vai embora, eu faço deixa comigo, vai embora” . Eu vou. Não é legal e com isso eu não desisti do curso.
P2- O Sr. participou da grande história da Antártica.
R- Graças a Deus de 60 pra cá eu participei da história
P1 e P2- Muito obrigada Sr. Vitorio, foi ótimo.
R- Obrigado vocês.
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