Então, primeiramente, ia pedir para se identificar, por favor, dizer o nome, local e data de nascimento.
Susana Bártolo, nasci em Vila Flor em 10 de março de 1972.
Muito bem. Como é que se chamavam ou chamam os seus pais?
O meu pai é Vítor e a minha mãe é Daniela.
Ainda são os dois vivos?
Sim, estão os dois vivos.
E o que é que os seus pais faziam?
Ao meu pai é engenheiro agrónomo, ele trabalhou em várias empresas. A última que ele trabalhou foi na Sogrape em Gaia. Entretanto foi administrador do Cachão, que é uma empresa aqui no Cachão, no concelho de Mirandela. Acho que é isso o percurso dele.
E a mãe, o que é que fazia?
A minha mãe é doméstica. Conto o percurso académico?
O que quiser!
Ela andou em veterinária, depois desistiu, foi trabalhar para o Cachão, depois os meus pais foram viver para Gaia. Ela, entretanto, tirou um curso universitário, tirou não, não acabou, um curso universidade de gestão informática, foi professora e a partir daí foi doméstico.
Muito bem, e tem assim algum principal costume da sua família que gostasse de partilhar. Alguma tradição que tenham todos juntos?
Acho que não...
Tem irmãos?
Sim, tenho um irmão, somos 2.
Gostava de ouvir histórias? Alguém lhe contava histórias quando era mais jovem?
A minha avó.
Que tipo de histórias é que ela lhe contava?
Eram um bocadinho fantasiosas. Sim, porque pedia-lhe para contar outra vez e ela já não se lembrava, então inventava um bocadinho.
Sabe a origem da sua família? De onde é que veio, por exemplo, o nome, as origens? São de cá?
Eu penso que o nome Bártolo, tem origem italiana. Penso que os primeiros Bártolo teriam sido da Beira Alta, que teriam vindo aqui para Trás dos Montes. A parte Borges é mais daqui, desta zona.
Lembra-se da casa onde passou sua infância? Foi aqui em Samões? Como é que era a aldeia nesse tempo?
Tinha muito mais gente.
E a sua casa é a mesma onde vivem agora os seus pais?
Não, não...
Como é que...
Continuar leituraEntão, primeiramente, ia pedir para se identificar, por favor, dizer o nome, local e data de nascimento.
Susana Bártolo, nasci em Vila Flor em 10 de março de 1972.
Muito bem. Como é que se chamavam ou chamam os seus pais?
O meu pai é Vítor e a minha mãe é Daniela.
Ainda são os dois vivos?
Sim, estão os dois vivos.
E o que é que os seus pais faziam?
Ao meu pai é engenheiro agrónomo, ele trabalhou em várias empresas. A última que ele trabalhou foi na Sogrape em Gaia. Entretanto foi administrador do Cachão, que é uma empresa aqui no Cachão, no concelho de Mirandela. Acho que é isso o percurso dele.
E a mãe, o que é que fazia?
A minha mãe é doméstica. Conto o percurso académico?
O que quiser!
Ela andou em veterinária, depois desistiu, foi trabalhar para o Cachão, depois os meus pais foram viver para Gaia. Ela, entretanto, tirou um curso universitário, tirou não, não acabou, um curso universidade de gestão informática, foi professora e a partir daí foi doméstico.
Muito bem, e tem assim algum principal costume da sua família que gostasse de partilhar. Alguma tradição que tenham todos juntos?
Acho que não...
Tem irmãos?
Sim, tenho um irmão, somos 2.
Gostava de ouvir histórias? Alguém lhe contava histórias quando era mais jovem?
A minha avó.
Que tipo de histórias é que ela lhe contava?
Eram um bocadinho fantasiosas. Sim, porque pedia-lhe para contar outra vez e ela já não se lembrava, então inventava um bocadinho.
Sabe a origem da sua família? De onde é que veio, por exemplo, o nome, as origens? São de cá?
Eu penso que o nome Bártolo, tem origem italiana. Penso que os primeiros Bártolo teriam sido da Beira Alta, que teriam vindo aqui para Trás dos Montes. A parte Borges é mais daqui, desta zona.
Lembra-se da casa onde passou sua infância? Foi aqui em Samões? Como é que era a aldeia nesse tempo?
Tinha muito mais gente.
E a sua casa é a mesma onde vivem agora os seus pais?
Não, não...
Como é que era a sua casa?
Era grande, a ideia que eu tenho é que era enorme, agora nem tanto até porque foi demolida, por isso agora não resta nada, mas era casa normal da aldeia, vivíamos na parte de cima e na parte de baixo havia animais e sítio para arrumar as alfaias agrícolas.
O que eu gostava mais de fazer quando era criança?
Criancinha brincar.
Quais eram as brincadeiras favoritas que tinha?
Ah tínhamos um grupo de amigos e brincávamos muito, de várias coisas.
Eram muitos amigos aqui da aldeia?
Sim, sim...
Muito bem, e o que queria ser quando crescesse?
Educadora de infância
E o sonho concretizou-se?
Não! E ainda bem.
E andou na escola então aqui na Vila, em Samões e depois na Vila.
Até ao oitavo ano e depois do nono ano, fui para Gaia.
Tem alguma lembrança da escola assim, na primeira vez que foi para a escola do ir para a escola?
Não, porque eu desde muito pequenina ia para o infantário. No Cachão onde os meus pais trabalhavam, por isso foi sempre assim uma coisa normal para mim ir para a escola. Lembro-me dos percursos.
Iam a pé?
íamos a pé, sim, a primeira pessoa era no fundo *** que é o ponto mais distante da escola e depois íamos ...
Fazendo um coimboinho
Exato, exato, íamos crescendo ao longo do percurso
Teve algum professor que a marcou nesse percurso?
Só se for negativamente...
Também conta
Sim a minha professora da escola não era propriamente, eu acho que não era a mais pedagógica.
Há algum episódio em específico?
Ensinava à base da porrada. Nós éramos obrigados a cantar o hino. Isto já foi após 25 de Abril. E rezar, de manhã.
Tinha boas notas?
Sim, eu fiz a primária em 3 anos, em vez dos 4 normais, o que foi um erro, mas assim.
E depois estudou na faculdade ou quando é que termina os seus estudos?
Na faculdade.
Qual foi o curso e porquê?
Arquitetura, até ao nono ano eu achava que queria ser educadora de infância e, entretanto, fiz uns testes específico-profissionais e ...
Divergiu
Divergiu bastante.
E então foi fazer o curso de arquitetura para o Porto? E era o curso que eu queria? Tinha alguma razão para ir ou foi só os testes?
É assim, no nono ano quando eu fui para o Porto, abriram-se outros mundos, porque eu aqui estava confinada a humanísticas ou ciências, eram as únicas oportunidades para 10º/11º havia, entretanto, como eu fui para lá apresentaram-se outras possibilidades e também porque eu fui para a turma de artes, porque já não tinha lugar em mais sítio nenhum. Então aquilo foi uma transferência tardia e foi o único sítio, e no nono ano eu descobri que havia mais coisas além das ciências e das humanísticas.
E quando foi para a faculdade, mudou alguma coisa na sua vida? O facto de ter ido para a faculdade, neste caso arquitetura?
Sim, até porque era bastante longe de casa. A escola era mesmo à frente da minha casa. até ao 12º era em frente à minha casa, era só passar a rua, entretanto, pronto fui para o Porto era outra realidade.
O que é me mais a marcou nesse período da faculdade em que estava fora, longe de casa? Tem algum episódio que a tenho marcado ou várias situações que a tenham marcado desse período?
Nada especialmente.
Foi só o facto de estar tão longe, separada?
Sim.
Quando é que começou a sair sozinha ou com amigos na sua época da juventude? O que é que faziam quando eram jovens aqui em Samões ou na Vila?
Aqui em Samões juntávamos todos à noite quando era verão e ficávamos a conversar e assim, ou então nas férias íamos a pé até à piscina que são prai 4/5 km, pronto eram as nossas atividades. Basicamente, foi isso. Sozinha à noite, muito tarde, porque os meus pais acompanhavam-me à discoteca, por isso sozinha. não.
Isso é engraçado, os seus pais irem consigo à discoteca. Como é que era essa experiência?
Era um bocadinho frustrante, eu não me sentia propriamente no meu ambiente, não é? Tinha sempre ali um olhito. Nós dividíamos lá dentro, eles não ficaram connosco ou comigo, eu ficava com os meus amigos e os meus pais ficavam com os amigos deles, mas de qualquer maneira, pronto era sempre a presença ali dos pais.
E como é que era o grupo de amigos?
Se....
Eram muitos? Eram todos aqui da zona também...
Sim, sim de Vila Flor principalmente e depois vinham a mãe da Rita, os tios, também nos acompanhavam nas saídas, mas isso era só no verão quando eles vinham cá.
E saídas no Porto? Na altura da faculdade?
Saídas no Porto, lá está é assim eu saia, mas os meus pais iam-me buscar à discoteca, por isso é assim eu evitava... porque às 4/5 da manhã estar a ligar aos meus pais, não era propriamente...
Então, essa migração para o Porto foi também com os pais?
Sim
Mudaram-se todos para lá, e foi quanto tempo que estiveram no Porto?
Eu estive desde os meus 14 anos até aos 26.
E lembra-se dessa viagem? A primeira viagem e a mudança para o Porto? Dessas peças, primeiras memórias e impressões de chegar à cidade
Pois é assim eu também já estava habituada porque os meus pais já viviam lá. Nós, eu e o meu irmão, ficamos a viver com os meus avós durante dos 9 anos até aos 14, portanto 5 anos a viver aqui em cima com os meus avós, mas eu já estava habituada. Os meus pais já viviam naquela casa, já conhecia o ambiente.
Ok, então, foi educada pelos seus avós aqui, não é?
Sim, desde os 9 anos, sim
Depois é que foi ter com os pais para o Porto.
Qual era assim no teu entendimento na altura, as grandes diferenças entre a vida no Porto e a vida aqui?
Basicamente a mesma coisa, a única coisa que me chateou a sério foi que o pessoal imbicava com a minha maneira de falar e eu alterei o meu sotaque por causa disso. Foi a única diferença, e aquilo que me chocou assim mesmo, quer dizer na altura nem me chocou porque eu acabei por me adaptar a falar de uma maneira diferente. Mas foi por coação, não foi propriamente por vontade
E depois esse período da faculdade. Quando é que começou a trabalhar e qual é que foi o primeiro emprego?
Eu trabalhei ainda estava na faculdade, num gabinete de arquitetura, durante um ano e meio, portanto, em metade do quarto até em quinto ano, mas era um part time, não era um trabalho regular das 9 às 5.
O que é que fazia lá nesse gabinete?
Era desenhadora, basicamente.
E o que é que fazia com o dinheiro que ganhava nessa altura?
Guardava...
E depois, depois desse trabalho que outros trabalhos é que teve? Foi sempre como arquiteta?
Não, depois dei aulas. Fiz o estágio e depois dei aulas durante um ano e meio e depois concorri para a câmara e é onde estou agora. Entretanto, quando comecei a trabalhar na câmara, paralelamente, fazia projetos de arquitetura, entretanto, desisti da arquitetura e fiquei só mesmo com o meu trabalho na câmara.
E como é que são as condições de trabalho atuais aqui na câmara e as relações que tenho com os colegas aqui?
O trabalho pronto é um trabalho estatal, administrativo, basicamente. As relações também é pacífico, cada um tem o seu trabalho muito bem definido, por isso não nos chocamos muito, cada um faz o que tem de fazer
Portanto, acabou por não ter períodos assim de desemprego propriamente dito
Não
Verifica alguma mudança no seu trabalho, sendo que se manteve durante algum tempo na mesma profissão?
No meu trabalho, não, a minha relação com as pessoas sim, isso. Mas acho que isso também tem um bocado a ver com a sociedade, não é? Acho, no início era muito mais colaborativo, agora está muito individual, cada um no seu
Quais é que são as suas tarefas mais específicas?
Eu faço o licenciamento, vejo os projetos de arquitetura, se estão ou não de acordo com a legislação.
Não tem saudades dos desenhos?
Tenho, até porque lá eu não faço, de vez em quando vou fazendo alguma coisa para amigos assim que me pedem, mas nada constante
E é casada?
Não, não quer dizer não, mas eu em união de facto.
Como é que conheceu o seu companheiro?
Ele era irmão de um colega meu da universidade. Ou seja, não, é cunhado de uma colega minha. Ela era do meu ano, nós fomos estudar em grupo um dia qualquer lá para casa deles, pronto e ela já vivia com o irmão do Gonçalo. Acabamos por nos conhecer, começamos a falar, vimos que havia uma certa compatibilidade.
Conheceram-se no Porto e foi logo desde a universidade então que estão juntos
Sim, sim...
Tem filhos?
Sim
Quantos são?
Um
Como é que se chama?
Gil
Como é que foi esse processo da maternidade?
Foi uma surpresa. Acho que a gente fantasia um bocadinho do que é ser mãe, né? Mas quando a coisa cai é bastante diferente. É mesmo uma mudança, é uma consciencialização que diferente daquilo idealiza.
Mas foi um processo positivo...?
Sim, com certeza sim, muito melhor do que esperava.
No seu contexto e percurso de vida, que significado tem para si ser mulheres?
É uma responsabilidade. Essencialmente. Não, não é só isso, mas...
Porque é que sente que é uma responsabilidade?
Para já porque o papel de que a sociedade nos impõe, nós levamos com tudo em cima, com a família, com o estar em sociedade, com as discriminações que sentimos por não corresponder a um padrão. Eu não correspondo propriamente a um padrão, porque não me casei, ou seja, tem aí coisas que tive que engolir. Mas basicamente... não sei, não sei muito bem o que responder a isso, assim com palavras que sejam facilmente.... É uma luta.
E considera que o facto de nascer em trás os Montes influenciou a sua trajetória de vida nesse sentido?
Com certeza, a sociedade aqui é muito misógina, ainda estamos muito sujeitas ao patriarcado. A ideia de homem de família, pertença, com certeza que sim.
Viver aqui influenciou também no seu percurso de vida, talvez em algumas escolhas ou acha que a diferenciou em algum momento?
Isso talvez não.
Quais são coisas mais importantes para si hoje, no seu dia a dia?
O meu filho.
Prestar um bom serviço à sociedade, principalmente. Não propriamente no meu trabalho da Câmara...
Então, de que forma?
Para já tento ter uma atitude política ativa. Acho que isso é importante, tento dizer qual é a minha forma de estar na vida às outras pessoas. Não propriamente para as conduzir para algum lado, mas pelo menos para verem que é uma forma diferente de estar, porque como tu sabes, a minha ideologia política não é propriamente a mais consensual aqui, não é? Então acho que é isso. É dizer um bocado, mostrar a minha posição.
Mas quer esclarecer qual é essa posição e de que forma é que o seu estilo de vida difere um bocadinho das pessoas aqui em geral?
Eu sou comunista, começa por aí.
Mas, em termos práticos, no dia a dia...
Em termos práticos a única coisa que eu consigo assim, diariamente, é realmente pronto conversar com o pessoal que me rodeia e eles grandemente são liberais, PSD mais para a direita, pronto e tentar explicar aquilo sempre que entramos em divergência, tentar explicar a minha posição. É isso, pronto tentar dizer que não há só um caminho. Eu acho que há muita gente que diz que é de direita, que é liberal por não se questionar se quer, eu acho o facto de eu falar com as pessoas, que lhes dizer que há outras maneiras de estar e de ver os assuntos e que há outras possibilidades...
Sim, e como é que gere isso em casa?
Em casa é fácil, em casa núcleo pequenino?
Sim e não. É fácil porquê?
Para já porque o Gonçalo concordo em boa parte com aquilo que eu defendo. O Gil também, se calhar um bocadinho influenciado por mim.
Como todos os filhos são...
Exatamente. Assim se for tipo os meus pais aí já é diferente, as minhas conversas, principalmente com a minha mãe, são mais... a minha mãe é muito restritiva nas suas crenças, então aí já chocam um bocadinho mais e realmente não consigo partilhar com ela aquilo que realmente quero, mas com meu pai é fácil, sim. Muita das coisas concorda, claro que nem tudo, porque eu também saí assim um bocadinho ao lado. Embora os meus pais me tivessem, e acho que a posição deles na minha posição de vida também contou, claro, mas eu difiro assim um bocadinho da posição política deles, eles são mais socialistas, eu sou mais para a esquerda.
Achas que isso influencia também a tua pertença mais comunitária?
Ai, eu acho que sim. Acho que isso é essencial.
De que forma?
Pá olha pertencer a associações, ter um papel mais ativo. Propor-me a cargos políticos, sem grande sucesso. De modo a agregar mais pessoas...
E em termos, por exemplo, relações com a vizinhança ou...
Desde que não se fale de política é pacífica.
É uma forma de estar na vida distinta, não implica que se haja conflito, não há conflitualidades com essa forma de estar distinta na vida?
Não, é assim: eu também não tenho propriamente muita interação com os meus vizinhos, por isso as minhas conversas são mais sociais, mais superficiais. Quando as coisas começam a aprofundar-se, pronto é a tal coisa tento explicar sempre o meu ponto de vista que há outras maneiras de pensar, não é sempre a mesma coisa.
Quais são os seus Sonhos? Agora num futuro próximo ou distante?
Opa os meus sonhos, essencialmente, era ter paz, em todos os sentidos, era paz mesmo. Deixar de haver esta esta luta constante para se conseguirem coisas. As coisas virem mais fluidas, mas acho que isso é mesmo um sonho, não é propriamente uma realidade que vá conseguir. Tenho uma adaptar.
Como é que foi contar a sua história aqui perante a câmara?
Não estava à espera, foi assim um bocadinho desnudar, mas acho que não correu assim muito mal, ninguém me bateu.
Gostaria de acrescentar alguma coisa que se lembre agora pensando aqui nos vários tópicos que fomos aprofundando? Alguma Memória, alguma história específica?
Não sei...
Se calhar retomar, portanto estavas no Porto e como é que foi, por exemplo, o processo de decisão de voltar para cá? Porque é que isso aconteceu, em que condições?
Eu tinha uma ligação muito grande à minha avó e uma das coisas que eu queria era vir para cá, porque ela estava velhinha e queria aproveitar o máximo que pudesse
Isso com que idade?
Foi quando acabei o curso, tinha 26 anos. E também que pudesse dar aulas, porque aqui como arquiteta não tinha grande possibilidade, então, dando aulas conseguia estar aqui perto, ir e vir todos os dias e pronto e estar com ela.
E como é que essa experiência depois também foi para o Gonçalo, essa decisão?
É assim, nós tínhamos decidido que quem conseguisse estabelecer-se primeiro a nível profissional ou iria ter. E foi o que aconteceu, eu, entretanto, dei aulas, ainda era uma posição segura, mas depois quando consegui entrar para a Câmara aí estabilizou e então ele veio, como ele não tinha emprego propriamente, era freelancer e trabalhava de vez em quando em museus, não sei quê.... pronto veio.
Que idade é que o Gil tem?
15
Ok. como é que é ser mãe de um rapaz de 15 anos em Trás-os-Montes hoje em dia?
Epá se me tivesses feito essa pergunta dois dias antes.... é que eu hoje estou pelos cabelos com o meu filho
Então o que é que aconteceu?
Não, é aquelas cenas de adolescente que acha que é tudo para o atingir. Não é pacífico, mas é uma preocupação, enquanto isso sim, porque é assim, ele aqui em cima não tem, era o que me acontecia a mim, as únicas possibilidades era humanística ou ciências. Estar a cortar uma pessoa dessas 2 possibilidades, não me parece justo. Mas possivelmente ele se calhar para o ano vai ter que sair daqui.
Então vai ele vai para que ano da escola?
Ele vai para o décimo, que é a altura de escolher.
Ele vai para o Porto?
Eu não sei, mas ele também ainda não sabe. Eu estou com esperanças que ele consiga ficar aqui em ciência. Já não era mau, mas para já... Ele agora queria ir para artes, por isso vai ter mesmo de ser Porto. Embora haja em Vila Real, mas Vila Real não é solução porque ele teria que ficar lá. Então para ficar nalgum sítio fica no Porto, que tem uma rede familiar que o apoia.
Como é que é o teu dia a dia? Além de trabalho ou incluindo trabalho? A rotina...
A rotina acordar, levantar, levar o Gil à escola, ir para a câmara, voltar da câmara, depois em casa, faço as coisas sei lá, arrumo a casa, aquilo que ficou do dia anterior, ou que não ficou, ler um bocadito, estar um bocadito no computador e pronto. Depois nos fins de semana, aí é muito mais complicado. O Gil tem um problema, tem uma condição, digamos, que ele é autista, ou seja, ele está a ser apoiado no Porto numa psicóloga e também está no grupo de teatro. Está a ter aulas de teatro, ou seja, os meus fins de semana são todos no Porto, pelo menos o sábado é sempre no Porto.
Se não quiser responder não respondes, mas se calhar voltar atrás e quando eu te perguntei como é que é ser mãe do jovem de 15 anos em Trás-os-Montes? Como é que é ser mãe de um jovem de 15 anos com essa condição?
Essa condição não é uma condição aqui em Trás-os-Montes.... Preocupa-me mais a falta de possibilidades do que propriamente... porque o autismo dele não tem nada a ver com a parte cognitiva, tem a ver com a parte social. Ele não consegue interagir socialmente, não consegue entre aspas, pronto tem algumas limitações. Mas isso é para ele conseguir socializar de outras maneiras, interpretar outras possibilidades, outras personagens que lhe consigam apresentar outras realidades também, para ele se conseguir adaptar a propostas diferentes
Ou seja, foi uma resposta que vocês conseguiram encontrar no Porto?
Sim...
E que se calhar aqui não
Não...
Por exemplo, na escola, como é que tem sido essa experiência dele?
Na escola a nível de colegas, ele nunca teve amigos, só este ano é que começou a ter pessoas com quem interagia mais, porque ele é diferente dos outros. Ele tem, ele fala de maneira diferente, fala com palavras caras, pronto, mas isso também é uma característica dos autistas. Ele não se consegue equiparar às pessoas da idade dele. Tem competências maiores do que propriamente, então os colegas dele sempre o discriminaram por isso, porque não entendiam sequer aquilo que ele estava a dizer, as posições dele, porque eram um bocadinho mais adultas que aquilo que eles tinham. Agora este ano eles também já cresceram um bocadinho, já está tudo assim, um bocadinho mais ao mesmo nível. E aí já conseguiu, mas estavas a perguntar uma coisa diferente...
Que era sobre este processo também da maternidade, de certa forma, também acaba também por ser específica
Específica, sim. Na escola tive, eu tinha ele e ele teve alguns problemas porque os professores normalmente achavam que eu estava a dizer que ele era autista para ele ter alguma vantagem sobre as outras pessoas, então as pessoas no fundo culpavam-me a mim por eu estar a tentar arranjar um esquema para que o Gil fosse apoiado de outra maneira. A professora primária dele foi terrível, nunca sequer aceitou o programa que há de educação especial, nem sequer aceitou que se falasse nisso. Ele já está a ser apoiado desde os 5 anos e sempre teve relatórios, sempre teve isso tudo, mas pronto, depois, quando ele passou para quinto, sexto aí sim, mas mesmo assim, com muitas reservas, depois, no sétimo ano, aí já estabilizou. Acho que já toda a gente também está um bocado mais alerta, para estes problemas ... E aí já se conseguiu que ele tivesse outro género de apoio
E a nível familiar, vocês os 2 e também os teus pais, e assim, nessa altura da fase de deteção, aos 5 anos, como é que foi essa experiência?
A minha família achava que eu estava maluca. Porque ele era um miúdo perfeitamente normal, e é, ele é um miúdo normal, falas com ele não se nota nada, porque os problemas dele são cognitivas, lá está. Ele é autista de nível um, ou seja, não tem nenhum problema, não é dependente a nenhum nível. Fala, reage, age. Por isso, acharam que eu também estava a ser protetora.
Mais os teus pais?
Sim, mais a minha mãe.
E com Gonçalo vocês os dois, como é que experienciaram eram também esse diagnóstico?
Foi em conjunto porque desde logo... ele foi no infantário, detetaram que ele teria algum problema de fala e foi para a terapia da fala. Ele andou lá umas 6 vezes. A terapeuta disse que na fala, não tinha problema, nenhum, possivelmente poderia ser outra coisa qualquer. E aí, disse, para consultarmos uma psicóloga. Nós achamos que se seria outra coisa qualquer então resolvemos tratar a coisa de uma maneira diferente e levamo-lo à faculdade de psicologia, que eles têm consultas... e eles estão na frente de batalha, conseguem ali ter as tecnologias todas de ponto. Então aí a psicóloga que nos atendeu, disse que sim, que ele poderia ter um problema de autismo.
Não sei se queres contar mais alguma coisa mais da parte da infância, alguma memória que tenhas, também falaste da questão da tua avó, pode ser uma pessoa importante para ti, não sei se tens ainda alguma memória ainda com ela... que queiras contar
Tenho montes. Não especialmente, quer dizer, ela realmente foi uma pessoa muito importante na minha vida, é uma das pessoas que eu mais admiro. Era uma pessoa inteligente, uma pessoa que foi sempre cortada também pela vida, que os pais não a deixaram estudar, havia uma professora primária que disse que a levava, que a encaminhava para estudar às custas dela e os meus bisavós nunca quiseram que ela fosse estudar, porque ela era a filha mais linda, tinha que ficar em casa a cuidar das coisas. Portanto, mas ela era realmente muito inteligente. E perdeu-se por aí, mas era uma pessoa que eu admirava muito e que foi realmente importante, porque desde que eu nasci, vivi sempre com ela, porque os meus pais viviam com ela. Quando eles foram para o Porto, nós ficarmos com os meus avós e depois pronto só fui para o Porto mais tarde.
Alguma coisa específica no dia a dia, que te lembras assim mais de fazer com ela?
Falar, que é o que eu me lembro mais.
Gostavam de falar sobre o quê?
É assim, não propriamente nada, que seja assim.… opa era a vida...
Como é que era, por exemplo, o Natal, uma festa em família? Tem alguma memória aqui?
Sim. Era muito engraçado porque o meu pai é filho único e a minha avó tinha mais 2 irmãos, então juntava-se os sobrinhos da minha avó e fazíamos o jantar de Natal aqui. Era super divertido. Eram as festas, era o Natal, a Páscoa, quem não vinha no Natal, vinha na Páscoa.
O que é que faziam na Páscoa?
Também era a mesma coisa, fazia-se o almoço da Páscoa e depois à tarde eram a visita Pascal, em que as pessoas andam de umas casas para as outras. Eu desde muito nova afastei-me da igreja, mesmo aqui em cima, era a festa de estar toda a gente junta, não era propriamente a parte litúrgica da coisa que me dizia alguma coisa. Era uma desculpa mais do que outra coisa qualquer. Para mim.
Para a tua avó também?
Aí não, a minha avó era superconservadora.
E religiosa?
E religiosa, claro. Um dos desgostos dela era eu ter-me afastado da religião.
Com que idade é que te afastaste?
Sei lá, eu acho que desde sempre não lidei muito bem com a religião, mas é assim fiz até acho que é comunhão solene, prai até aos 9 anos ou assim, depois cansei-me daquilo tudo.
Mas tens memórias de ainda participar...? E o que é que achas que te afastou na altura?
Pá é assim, para mim, pediram-me para sair da catequese porque eu disse que Jesus era comunista. A catequista disse que eu tinha que sair, não estava a fazer muito ali
Quem é que te disse que Jesus era comunista?
Eu acho que fui, por aquilo que me era dito na igreja, por aquilo que eu, entretanto me ia apercebendo, e me aproximando assim à esquerda, por aquilo que eu ia lendo. Eu sempre gostei de ler e sempre achei que havia ali qualquer coisa que não estava certo ou que estava certa, estava muito certa,
Mas isso é uma idade muito precoce
Pá, não sei.
Com 9 anos chegar à catequese dizer que Jesus é comunista.
Mas também eram outros tempos, outra efervescência política...
Posso contar uma experiência minha, a minha cena com os comunistas, é muito precoce, aos 4 anos eu ia com a minha avó, os meus avós maternos viviam na Vila e ia com ela visitar umas amigas que ela tinha todas... Mulheres de médicos e mais não sei que... Uma Senhora que era conservadora, amiga da minha avó, ofereceu-me bombons, porque eu sempre disse que era comunista, aos 4 anos eu achava que era comunista, então ela ofereceu-me bombons para eu dizer que não era comunista. Eu não aceitei depois no final, ela deu-me os rumores e eu virei-me para a minha avó e disse, olha, mas eu ainda sou comunista!
E a tua avó?
A minha avó riu-se, essa minha avó principalmente era muito na boa, do meu pai é que era mais conservadora, essa sim era de direita mesmo. O que é estranho porque foi a avó que mais me marcou, era a avó que era mais à direita.... mas é assim é a vida.
Como é que a tua família lidava com essa efervescência política da época?
A minha mãe teve no maio de 68, quando ela andou em veterinária, esteve envolvida no maio de 60. Depois quando eles, já estavam a trabalhar, em 74, o meu pai foi eleito pelos trabalhadores, representantes dos trabalhadores na administração. Ou seja, é assim, os meus pais não são comunistas, nem para lá caminham, mas tudo o que os rodeava era pronto.... Havia aquela coisa e eu estava no infantário, lá no cachão. Os meus amigos eram os filhos dos trabalhadores. Por isso é possível que eu tivesse influenciada, é possível não, com certeza que sim que eu estava influenciada por isso tudo. Por isso a efervescência naqueles primeiros anos, acho que vivi. Vivia bem no meio de operários, pessoal que estava ali todo com o sangue na guelra.
Obrigada!
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