IDENTIFICAÇÃOMeu nome é Dirce Saloni Pires. Nasci em São José dos Campos no dia 16 de novembro de 1924. FAMÍLIA O nome do meu pai era Carlos Saloni e da minha mãe era Benedita Cursino Saloni. Meus avós, do lado do meu pai, italianos, eram Constantini Saloni e Maria Tereza Saloni, e da minha mãe eram Teodoro Cursino e Maria Gertrudes Cursino. Meu pai era farmacêutico por vocação, porque ele adorava a profissão dele. Foi um farmacêutico muito atuante aqui em São José dos Campos e adorava o que fazia. Era uma característica da vida dele. Minha mãe era aquela eterna companheira do meu pai: ela não só ajudava no lar como era oficial de farmácia, a pessoa da confiança do meu pai. Porque meu pai era farmacêutico e naquela ocasião farmacêutico formulava, e mamãe fazia as fórmulas dele. Mas os médicos, por exemplo, doutor Rezende - um médico, aqui, que perdeu as pernas e dava sempre as consultas numa cadeira de rodas - tinha tanta confiança em meu pai e papai estava tão acostumado com as receitas dele, que ele dava o receituário para o papai todo assinado; confiava muito nele e papai era quem dava aquelas fórmulas para crianças, aquelas mais conhecidas, em nome do doutor Rezende. Meu avô, esse italiano, era um eterno boêmio. Ele veio da Itália solteiro ainda e, por coincidência, ele e minha avó vieram no mesmo navio, mas não se conheciam. Depois, foram se conhecer em terra firme. E daí foram para Taubaté e fizeram a sua família. Meu pai nasceu em Bragança Paulista, mas ele dizia que nasceu em Bragança por acaso. Foi num dos passeios de meu avô com minha avó: ele nasceu lá, mas depois morou sempre em Taubaté. Estudou em Pindamonhangaba e veio morar em São José, quer dizer que era do Vale mesmo. Meu marido também era de Pindamonhangaba e então nós somos o Vale unido: Taubaté, Pinda e São José dos Campos. Eu tenho três irmãos; um é farmacêutico, outro é juiz e outro é dentista. Meu pai se...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃOMeu nome é Dirce Saloni Pires. Nasci em São José dos Campos no dia 16 de novembro de 1924. FAMÍLIA O nome do meu pai era Carlos Saloni e da minha mãe era Benedita Cursino Saloni. Meus avós, do lado do meu pai, italianos, eram Constantini Saloni e Maria Tereza Saloni, e da minha mãe eram Teodoro Cursino e Maria Gertrudes Cursino. Meu pai era farmacêutico por vocação, porque ele adorava a profissão dele. Foi um farmacêutico muito atuante aqui em São José dos Campos e adorava o que fazia. Era uma característica da vida dele. Minha mãe era aquela eterna companheira do meu pai: ela não só ajudava no lar como era oficial de farmácia, a pessoa da confiança do meu pai. Porque meu pai era farmacêutico e naquela ocasião farmacêutico formulava, e mamãe fazia as fórmulas dele. Mas os médicos, por exemplo, doutor Rezende - um médico, aqui, que perdeu as pernas e dava sempre as consultas numa cadeira de rodas - tinha tanta confiança em meu pai e papai estava tão acostumado com as receitas dele, que ele dava o receituário para o papai todo assinado; confiava muito nele e papai era quem dava aquelas fórmulas para crianças, aquelas mais conhecidas, em nome do doutor Rezende. Meu avô, esse italiano, era um eterno boêmio. Ele veio da Itália solteiro ainda e, por coincidência, ele e minha avó vieram no mesmo navio, mas não se conheciam. Depois, foram se conhecer em terra firme. E daí foram para Taubaté e fizeram a sua família. Meu pai nasceu em Bragança Paulista, mas ele dizia que nasceu em Bragança por acaso. Foi num dos passeios de meu avô com minha avó: ele nasceu lá, mas depois morou sempre em Taubaté. Estudou em Pindamonhangaba e veio morar em São José, quer dizer que era do Vale mesmo. Meu marido também era de Pindamonhangaba e então nós somos o Vale unido: Taubaté, Pinda e São José dos Campos. Eu tenho três irmãos; um é farmacêutico, outro é juiz e outro é dentista. Meu pai se formou, em 1923, e veio para São José dos Campos, ainda solteiro. Aqui foi morar com um cunhado dele. Conheceu a minha mãe, que estava junto com o meu tio, e logo depois se casaram. Quando chegou no final do ano de 1924, eu nasci aqui em São José e aqui vivi sempre e fiz toda a minha vida aqui. MIGRAÇÃO Meu pai veio para São José pelo seguinte: São José dos Campos era uma estância climatérica e, ele formadinho de novo, tinha que procurar um lugar onde a farmácia fosse lucrativa, onde tivesse freguesia, e aqui em São José a população daqui tinha mais doentes do que sãos. Então era a época da tuberculose, tanto que papai tratava e atendia... Até os médicos que vinham para cá eram tuberculosos: doutor Nelson DÁvila, o doutor Ivan de Souza Lopes... Os dois foram compadres de papai. Papai batizou os filhos desses médicos. Morávamos lá na praça Afonso Pena. A farmácia de papai era o ponto de reunião dos políticos e dessas pessoas todas que têm nome de rua. Monteiro Lobato estava sempre lá em casa, lá na farmácia, e eu sempre, mesmo menina, com nove ou dez anos, eu sempre gostei muito de política. Talvez influência de meu pai. E por quê? Naquela ocasião, não havia reunião nos bares porque a tuberculose era uma moléstia muito contagiosa, então a pessoa fugia da moléstia. Nós tínhamos, aqui em São José, os sãos e os doentes completamente separados porque era contagioso. Ninguém queria tomar uma cerveja ou uma água num bar. Então, esses políticos, sadios ainda, eles se reuniam na farmácia do papai, que chamavam botica. Naquela ocasião, farmácia era botica. Boticário, botica. Então, eles se reuniam lá e eu, menina, pedia ao meu pai: “Ah, deixa eu ouvir a conversa de vocês?”. “Eu deixo, desde que você fique bem quietinha.” O coração de São José pulsava na farmácia de meu pai e eu, então, sempre acompanhei aquilo, gostei, e também via o papai preparar os remédios, tanto que sempre quis ser médica, não que fosse possível, porque mulher naquela ocasião não saía para estudar. Os homens sim, a mulher não. Então eu vim a me tornar terapeuta, terapeuta floral. Aos setenta anos de idade realizei meu sonho. Eu fiz oito cursos. Fiz um curso também em Buenos Aires e tive meu consultório de terapia floral e me senti, ali, uma continuadora de papai. Sempre ouvi falar também em homeopatia, em remédio e tudo, então, a minha paixão era remédio, política e educação. E assim eu fui. Você falou da minha infância. Foi uma delícia porque aquela rua da farmácia, a rua Quinze, era a principal rua daqui, era a da praça Afonso Pena, ao lado da rua Rubião Júnior. Na Rubião Júnior não tinha carro, não tinha nada, então nós formamos um time de futebol ali. Os meus vizinhos eram homens de lado a lado, e eu a única mulher que brincava no meio deles. INFÂNCIA Nós formávamos um time de futebol e eu jogava no gol, com essa rapaziada toda. Eu tinha que jogar pião, bolinha de gude, jogar figurinha de futebol. Não brincava com boneca, mas nem por isso deixei de ser bem feminina. Gostava de vaidade, de dançar e tudo, e a minha infância foi assim, no meio dessa rapaziada toda. Talvez por isso que, com a mesma naturalidade que eu estou conversando com você, eu converso com os rapazes, com os homens... é tudo igual. Falo com muita naturalidade tanto com as mulheres quanto com os homens. CIDADES São José dos Campos São José dos Campos tinha 10 mil habitantes, só. Predominavam aqui sanatórios e pensões de tuberculosos e alguns bares, o bar da rua Quinze e algumas lojas de tecido. Poucas. A do Said, a do Fuad Coury e algumas outras. Todos eles ligados à tuberculose. Tinha alguém na família que era tuberculoso. Naquela praça ali da Afonso Pena, onde tem a igreja de são Benedito - que foi erguida por escravos, tanto que é de taipa e a parede tem, mais ou menos, um metro e dez, um metro e quinze de espessura, e eles levantaram aquela igreja, os prédios da igreja. A procissão de são Benedito era a mais bonita que tinha aqui, porque lembrava os escravos - então, tinha umas paineiras enormes e os fregueses de papai que eram fazendeiros, que tinham as suas casas mais distantes, que não queriam ver os filhos misturados com a tuberculose, amarravam os animais naquelas árvores e lá iam, na farmácia Saloni. Eu conheci toda essa gente. Monteiro Lobato tinha uma filha doente e todas as vezes que ele passava - ela estava em tratamento aqui em São José - ele dava uma prosinha com papai, e assim eu conheci Monteiro Lobato e convivi com ele. Paulo Setúbal também, um grande escritor. O filho dele também, Olavo Setúbal. E o Paulo Setúbal, foi por causa da filha doente que ele se converteu ao catolicismo. Era uma São José dos Campos muito boa, muito interessante. Um pessoal inteligente, de gabarito que era uma pena ser tuberculoso. Até que, com o advento da penicilina, mudou porque a tuberculose não era só tratada onde tinha o clima bom. Aqui, o clima bom era só em Campos do Jordão e São José dos Campos. Dizia-se que Campos do Jordão era tratamento de rico porque tinha aqueles hotéis suntuosos, e São José dos Campos não. Quando eu nasci foi inaugurado o sanatório Vicentina Aranha. Você tinha as duas coisas aqui em São José: os pobres, que ficavam nos sanatórios do Estado, como foi, por exemplo, o sanatório Ademar de Barros que surgiu aqui em São José, o Esras, que era o sanatório dos judeus, onde hoje é o parque Santos Dumont e depois o Vicentina Aranha. Então, quem podia ficava nesses sanatórios, quem não podia... Os bem ricos em mansões e os pobres ficavam nas pensões. A rua Vilaça era cheinha de pensões. Depois, o doutor Rui Dória fundou o sanatório Rui Dória e ele foi um pioneiro. E foi quando ele estudou bem a tuberculose. O tuberculoso sarava também com uma operação das costelas que comprimia o pulmão. Tanto que a esposa dele foi um fruto desse tratamento. Ele tratou a Telma mocinha, linda, maravilhosa. E se a pessoa ficasse grávida, ou tirasse algumas costelas... Por que a gravidez? A costela comprimia o pulmão e a gravidez servia para fazer uma força contrária. Então, o doutor Rui Dória era tão encantado com a profissão dele, que casou-se com a Telma ainda doente do pulmão, e assim ela se curou com o processo dele. Os filhos nasciam, imediatamente iam na mão de babá, porque era uma moléstia contagiosa. Até que a Telma se curou e os filhos dela são saudáveis, bons e tudo. Eu acho que Telma vive até hoje. EDUCAÇÃO Quando eu comecei a estudar, ali onde é o Centro Cultural - foi Câmara Municipal e agora é Centro Cultural - mas sempre foi a Câmara, tanto que aquele relógio, vinha uma pessoa da França para acertar aquele relógio e toda a cidade se guiava pelo relógio da Câmara Municipal. Mas João Cursino fundou a Escola Normal Livre João Cursino. Foi onde eu estudei e que depois se transformou no Instituto de Educação João Cursino. Eu fiz o ginásio no João Cursino. Fiz Escola Normal, fui da segunda turma da Escola Normal Livre João Cursino e depois, quando me formei, recebi cadeira-prêmio como professora e daí eu me casei. Eu já era diretora do Instituto de Educação João Cursino. Então, naquele João Cursino fui tudo: fui professora, fui coordenadora, fui diretora até me casar. Me casei com 21 anos e fui para São Paulo. Depois de dois, três anos de casada, queria voltar para São José. Então eu prestei o concurso de educação e voltei como professora de educação. De João Cursino, como aluna e professora, eu tenho 45 anos. Quer dizer que a minha vida era ligada àquele lugar. CIDADES São José dos Campos O comércio todo era na rua Quinze de Novembro e já tinha uma livraria lá, porque o comércio foi surgindo de acordo com a população. Antes eram sanatórios, pensão e farmácias. E tinha aqui o teatro, onde hoje é a prefeitura; na rua Quinze de Novembro era o cinema mudo. Tinha aqui um fulano que tocava piano lá, isso eu me lembro. Eu era menina, menina. E era bonito aquele cinema que o Carnaval era lá, mas engraçado que as pessoas sãs não se misturavam com os tuberculosos. A gente tinha o lugar reservado. O doutor Dória tinha tanta pena dos tuberculosos que ele fazia o carnavalzinho deles lá no sanatório Rui Dória, mas o doente só podia brincar até dez horas da noite porque tinha que dormir cedo, fazer repouso, aquela coisa toda. O comércio depois foi surgindo: as primeiras casas de tecido, tudo. Mas o comércio todo se reunia na rua Quinze, na rua Sete de Setembro e ali na praça da Matriz. Ali é que era o comércio. Só nessas três ruas. Depois foram surgindo as outras ruas. Depois São José deixou de ser estância climatérica. Veio o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica]. Passou a ser uma escola onde os americanos vinham, todos os professores eram pagos em dólares. Foram surgindo as primeiras escolas, veio a faculdade. Daí São José tornou-se uma cidade universitária, foi fundada a primeira faculdade, que era de direito. Eu acompanhei e vi a evolução de São José dos Campos desde 1924 até agora. Mas não tinha divisão entre pessoas doentes e pessoas sadias, no comércio. Eles compravam e iam embora. Mas daí já apareceu a penicilina, a tuberculose já era tratada com a penicilina. A pessoa já não era mais condenada à morte como antigamente. Quem passava por São José de trem, que era a única comunicação que tinha, botava o lenço no nariz para não respirar aquele ar contaminado. A tuberculose já não se tratava mais com o clima só. Já se tratava em São Paulo, Tremembé, Taubaté, então foi deixando de ser uma estância climatérica e foi se transformando depois em cidade universitária. TRANSPORTE As pessoas chegavam aqui de trem. Expressinho. Levava cinco horas de São Paulo até aqui. Então, o expresso era conhecido porque as estradas eram de terra, muito ruins, de buraco. Era trem ou carro. Não tinha a Dutra: era a estrada velha Rio - São Paulo que funcionava. Estrada essa toda sinuosa, que passa por São José - Jacareí, São José - Caçapava, Taubaté, Pinda. Toda sinuosa, que por sinal é uma estrada linda, paisagem maravilhosa. CIDADES São José dos Campos Os comerciantes não deixavam de vender para quem era tuberculoso, senão eles iam ficar na miséria, porque era o tuberculoso que mais comprava. Mas foi uma época - tenho a impressão que 34 - que já não se tratava mais a tuberculose só com o clima. Porque antes era clima, aquela operação do pulmão que se tirava o ar do pulmão, água do pulmão. Daí não houve mais isso. Então, ou punham no sanatório onde as pessoas não se misturavam com os outros ou iam para Campos do Jordão, que era um lugar melhor, os hospitais eram melhores, tinham mais dinheiro que em São José dos Campos, e São José dos Campos passou a ser uma cidade de estudantes. Foi quando eu comecei a estudar: dez, onze anos. Não tinha quase tuberculose aqui não, já estava diminuindo bastante. Com quinze anos, na minha mocidade já não tinha quase tuberculoso ou então eram tuberculosos curados que depois se fixaram na cidade. Já era uma nova geração. Já eram filhos de ex-tuberculosos. JUVENTUDE Na juventude fui rainha dos estudantes, desfilei. Eram carros alegóricos e os carros alegóricos eram puxados pelos moços, pela mocidade de São José. Eram em cima de... não é bem caminhão, era como se fosse um caminhão sem aquelas laterais. E tinha aqui em São José uma pessoa que era um artista, tanto que ele fez o jardim lá da praça Afonso Pena, e ele fazia o Carnaval de rua de São José. E eu me lembro que com doze anos eu desfilei, e meu carro alegórico era uma lua e eu em cima da lua. Doze ou treze anos. E era puxado pelos rapazes, todos bem vestidos. E era um Carnaval com lança-perfume, com confete, com serpentina, tudo. CIDADES São José dos Campos Papai ensinava: não se cumprimenta dando a mão, mas com uma leve inflexão da cabeça. O beijinho foi aparecendo depois, o aperto mão foi aparecendo depois. Então, o doutor Rui Dória dizia muito bem: “São José dos Campos era uma cidade fria em relacionamento”. O pessoal se queixava: “Mas que é isso?”... Mas é lógico que é fria. Entre duas grandes capitais - Rio de Janeiro e São Paulo - ninguém precisava ir até o comércio daqui para fazer compras. Ia até São Paulo ou ao Rio de Janeiro. Então, entre duas grandes capitais a gente fazia compra lá em São Paulo, e com isso era uma cidade pequena, São José dos Campos, com as características de uma capital, de uma cidade grande, porque tinha de tudo. E assim foi indo. Hoje tem 700 mil habitantes ou mais. Isso aqui cresceu demais, cresceu muito, muito. COMÉRCIO Eu era pobre, não fazia compras em São Paulo. Fazia compra aqui. Nós encomendávamos para o Fuad ou para o Said as roupas e ele trazia. Mas era assim: mamãe comprava peça de roupa. Dessa mesma roupa ela fazia vestido para mim, fazia camisas para os meus irmãos, entende? Vestia tudo igual. Eram peças de roupa. Isso no meu tempo de menina, mas menina mesmo: sete ou oito anos. Depois, mocinha, já era diferente. Tinha aqui uma casa, a Casa Diamante, era famosa. A Casa Diamante só tinha importado e tinha a louça que você quisesse, o presente que você quisesse dar, tinha. A casa tinha quase um quarteirão de tamanho. A Casa Diamante era em frente à praça Afonso Pena. Era a praça que se chamava praça da Preguiça, Cônego Lima, ali. Aquela com umas árvores grandes. A “praça da Preguiça” porque tinha uma preguiça naquelas árvores, eram muitas seringueiras e tudo. A Casa Diamante era um verdadeiro shopping de moda porque tinha tudo. Tinha louça, louça importada. Tanto que o meu colar de noivado era de cristal tcheco. Não que o meu marido fosse rico. Ele, como noivo, gastou o ordenado dele inteirinho nesse colar que eu tenho até hoje. Ele comprou na Casa Diamante. Vendiam de tudo. Tipo armarinho, presentes, tudo. Tinha eletrodoméstico. Tudo que você possa imaginar: tinha liquidificador, tinha fogão. Tudo era térreo. Só tinha aqui um prédio de mais de um andar: era o Hotel Santa Helena. Ficou muito tempo o Hotel Santa Helena, Hotel Rio Branco. Na Casa Diamante eram os filhos dele que trabalhavam. Era o Guedes Diamante, que viveu até pouco tempo, o Eibide Diamante e Marcos Diamante, que era um grande político, foi deputado... Eram três Diamantes e mais uma moça. Eram quatro. Mas depois eles foram melhorando, tiveram seus empregados, mas eles é que atendiam pessoalmente. E depois, era uma casa muito bonita, uma casa grande, precisava ver. Nossa Foi tanta coisa aquela casa, Casa Diamante. Era uma maravilha. Era um segundo Mappin. Não era um shopping, mas era o Mappin aqui de São José. A gente não precisava sair daqui para comprar coisa boa porque o que você comprava lá era de qualidade. Tinha muita gente rica aqui. CIDADES São José dos Campos Tinha pessoas que ainda continuavam precisando um pouquinho do clima. Não que o clima fosse a única forma de tratamento, mas pelo menos era uma continuação do tratamento que se fazia antes. Depois foi Santa Casa - papai foi mesário da Santa Casa, um dos fundadores da Santa Casa, um dos fundadores da Associação Comercial Joseense, quer dizer que papai era uma pessoa muito atuante, atuava em todas as áreas. Acho que é por isso que eu sou uma pessoa tão “siricutico”, porque eu gosto de tudo um pouquinho, mas eu cresci nesse meio. CIDADES Litoral O transporte era o trem. Expressinho. Expresso. Estrada de Ferro Central do Brasil. Sempre de trem. Depois foram aparecendo os ônibus. Ônibus para Caraguatatuba. Eu cheguei a ir para Caraguatatuba, com dois anos de idade, a pé. Nós íamos de ônibus até Paraibuna, chegava lá às cinco horas da madrugada. Às cinco horas da madrugada começava a caminhada, só que não era esse trajeto porque eles estavam abrindo. Era o morro do Bem Fica. Mas saía de lá cinco horas da madrugada e chegava em Caraguatatuba às dez horas da noite. Reunia as famílias de São José dos Campos e ia. Ficava lá um mês, fazia temporada já. Eu fui na primeira temporada. A minha casa em Caraguatatuba tem mais de setenta anos. Depois papai foi fundador dos bancos lá. Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Ubatuba. Depois que se aposentou da farmácia, ele fez assim. Mas nós íamos de jardineira. Era aquele ônibus aberto. Você entrava, depois tinha uma trava para as pessoas não caírem e depois as pessoas iam a pé. As crianças iam no lombo de um animal. Eram aqueles cestos de vime. Sabe aqueles cestos de vime? E eu passava lá nos ombros dos engenheiros, homens de estrada, famílias de São José se reuniam, dez, quinze famílias, descia a família inteirinha, ia para Caraguatatuba e lá ficava um mês. O transporte com os animais era contratado pelos engenheiros lá da estrada. Tanto que foi engraçado. Quem abriu a estrada foi o engenheiro João Fonseca, que dá nome à rua onde eu moro. Eu moro na Engenheiro João Fonseca 123 aqui, e lá em Caraguatatuba minha rua é Engenheiro João Fonseca 124. Ele era o engenheiro que abriu a estrada, muito amigo de meu pai. Papai ia para Caraguatatuba com a maletinha dele de farmacêutico. Lá não tinha farmácia e faziam filas. Não só para o papai ceder o remédio, como para o papai dar as receitinhas dele, porque não tinha médico, não tinha farmacêutico, não tinha ninguém. E um dia, o João Fonseca chegou em casa com o queixo caído - deslocou o queixo - , dizendo: “Saloni, o que é que eu faço?”. Não podia nem falar direito, nem comer nem nada. Papai disse: “Isso é fácil, senta aí”. Em dez minutos ele “clác”, encaixou. Porque só a articulação encaixando. Mas tem que saber bem a anatomia, senão você encaixa errado. Nossa Esse engenheiro foi eternamente grato a papai, tanto que o papai batalhou para que a rua lá em Caraguatatuba fosse Engenheiro João Fonseca. TRANSPORTE Eu tinha dois anos de idade. Até que eles inauguraram a estrada. Levou uns três ou quatro anos e eles inauguraram a estrada. Aí nós já fazíamos [o trajeto] de jardineira. Chico Garganta, o nome do dono da empresa. Ia todo mundo de jardineira para Caraguatatuba. E essa jardineira circulava só de São José a Caraguatatuba, porque era uma empresa dele, que depois começou a explorar mais o litoral. Era a estrada velha Rio - São Paulo. Era a estada que existe até hoje, tanto que quando você vai ao supermercado Vila Ema, ela é a antiga estrada velha Rio - São Paulo. Você viu aquela rua da Vila Ema? Tem um número alto. 2, 3.000 porque começava aqui em São José e terminava em Jacareí. Daqui a Taubaté, o ônibus parava. Depois começou Pinda, Aparecida e daí, ele ia parando nessas cidades. Ah, sempre tem um barzinho. Um barzinho é uma coisa que sempre tem. Tem aquele de estrada, mas tinha o barzinho onde você tomava o seu café. CIDADES São José dos Campos Tinha essas paradas de ônibus como tem hoje nas rodoviárias, só que era coisa simples, casas simples, mas depois São José expandiu muito depressa. Foi rápido, rápido. Quando deixou de ser estância climatérica foi crescendo, crescendo, as estradas também, e o Vale do Paraíba se tornou um grande pólo comercial, não é mesmo? Taubaté com as fábricas de tecido que tem até hoje. Foi uma maravilha. Depois começaram a surgir as fábricas. Aqui, por exemplo, a fábrica de telhas Paulo Becker. Então, foi surgindo. A Tecelagem Parahyba é antiga, meu marido trabalhou quarenta anos na Tecelagem Parahyba. Era uma fábrica bem antiga; hoje, aquela maravilha que é o Centro Cultural de São José dos Campos. Não sei quantos alqueires tem. Ah A propriedade do doutor Clemente ia até Jacareí. Foi como surgiu a Urbanova. Toda a Urbanova era terra dele. Ia até Eugênio de Melo, tudo terra dele. Ele que deu aquela avenida, Olívio Gomes, porque as terras dele partiam a cidade, então ele deu para a prefeitura, ali aquela rua. Do mesmo jeito que meu pai deu ali para a estrada Rio - Santos. Era de papai, de um lado, e dos Nicanor Miranda, família de Paraibuna. Papai deu a metade, ele deu a outra metade e aí eles abriram a Rio - Santos. Começou a estrada ligando o litoral. TRANSPORTE Ah, eu me lembro da construção da Dutra como se fosse hoje, que tivesse acontecido agora. Me lembro Não, não era assim uma parte atuante, mas eu me lembro de ter passado lá quando os meus gêmeos nasceram. Eu fui para São Paulo de ônibus, levava muitas horas, mais de quatro horas. Fui para São Paulo, fui prestar o meu concurso e eu passei lá. COMÉRCIO A Farmácia Saloni era uma graça. Até que eles ainda conservam, mais ou menos, a arquitetura da farmácia, só que tinha remédio em quantidade e, interessante, o móvel era diferente: aquele mobiliário que ia até o teto e com prateleiras para todos os remédios. E o laboratório era enorme porque se usava muito... O médico receitava, formulava e se fazia o remédio lá no laboratório. Acho que é por isso que até hoje eu sei fazer remédio e tenho mania de fazer floral para os meus filhos, netos, porque eu cresci nesse meio e conheço bem. E também, Nossa Senhora, como eu conheço arnica Desde pequenininha, machucava, punha arnica. Não sei o quê, põe arnica. Arnica tem mais de mil anos, como remédio. Então, papai tinha um dicionário homeopático. Aquele dicionário eu sabia de cor e salteado. Até hoje eu tenho o Dicionário homeopático na farmácia. Tinham os remédios, mas não eram tantos laboratórios como são os de hoje. Os remédios vinham de São Paulo e Rio. Um pouco de São Paulo, um pouco do Rio. Passava o vendedor, de farmácia em farmácia, de cidade em cidade, visitando todos eles e tomava nota dos pedidos e depois os pedidos vinham, de ônibus, de perua... Tomava nota e vinha tudo. Então a farmácia de papai era uma farmácia sortida, tinha de tudo, de tudo. E o papai, quando ia para Caraguatatuba, levava uma maletinha cheia de remédios e servia a população pobre, lá. E porque papai tinha tantos fregueses? Papai era demais caridoso. Ele dava consulta, e como ele não era médico, não era cobrado nada. Daí o remedinho, era uma coisinha mínima, insignificante, e se a pessoa era muito pobre papai dava o dinheiro para ele voltar. Quem não ia lá? Fazia fila mesmo. Tinha uma senhora grávida que foi consultar meu pai e papai foi muito bom para ela, deu remédio e tudo: “Olha, Seu Saloni, esse filho que está aqui na minha barriga há de se chamar Saloni”. Eu disse: “Ih Papai O senhor está bem arrumado, hein?”. “Há de se chamar Saloni.” Porque o nome Saloni é um nome inventado, sabe? FAMÍLIA Quando meu avô veio da Itália, ele veio no navio e ele gostava de um vinhozinho, né? E não se usava passaporte, nada. Então, perguntaram para ele: “Como é o seu nome?”. Ele disse: “Constantino Scalione”. Scalione existe lá na Europa, tanto que, há pouco tempo, quando morreu um Scalione, os parentes de papai disseram: “Olha lá, Saloni, vai lá na embaixada, porque o Scalione que morreu deixou uma vila inteirinha e um título de nobreza. E o único Scalione que existe no Brasil é você. Você vai herdar tudo isso Você vai ficar rico”. Porque papai contava que ele deixou [parentes] na Europa. Uns que eram cardeais, eram de religião, e deixou também um outro irmão, que era mafioso. “Com certeza quem deixou essa vila era mafioso, eu não vou lá. Eles me pegam e eu não volto mais para o Brasil.” Nós não somos Saloni, somos Scalione, mas o homem lá no navio, tomou nota Constantino Saloni, então meu avô disse: “Não, é isso mesmo, é isso mesmo”. Mas por que meu avô foi fazer isso? Ah Ele saiu da Itália, que ele estava enjoado da Itália, e queria aqui no Brasil nascer de novo. Então ele nasceu até com o nome. Então, se tiver um Saloni por aí, onde for, seja um criminoso seja um grande homem, é da minha família, porque foi inventado pelo meu avô. Meu avô veio, meu pai não tinha nascido. Se meu pai estivesse vivo, meu pai estaria com mais de noventa anos. Quer dizer, então, que meu avô veio há noventa anos atrás. Meu pai nasceu no último ano do ano de 1800: 1899, mas não é o primeiro filho, é o segundo. Então foi mais ou menos por volta de 1885, por aí. Meu avô foi primeiro para Bragança, ficou pouquinho tempo lá e depois foi para Taubaté. Minha avó era piemontesa, ele era um boêmio e ela era uma grande professora em Piemonte. Ela falava francês correntemente, italiano correntemente, mas caiu nas mãos de um boêmio, coitada. Não pôde fazer muita coisa não. COMÉRCIO As pessoas pagavam ao meu pai, na farmácia, anualmente - parece uma piada. Era assim, no tempo da caderneta: “Saloni, tome nota”. E papai tomava nota na caderneta. Tanto o freguês confiava no papai, como o papai confiava no freguês. De um freguês do papai eu me lembro muito, o senhor Paulo Becker, porque ele vendia aquelas telhas Paulo Becker, que foram famosas. Ele vinha e pagava a conta do ano todo. Outros pagavam a cada seis meses, de cada dois meses, tudo na base da caderneta. Porque do mesmo jeito que papai fiava para ser pago daqui a um ano, os outros também fiavam. Lojas de tecido, tudo a mamãe mandava tomar nota. Quando o dinheiro entrava, se pagava. Mas isso não durou muito tempo. Quando eu era menina, dez, doze nos, já não se pagava a conta anualmente. A farmácia vendia só remédio, ele não dava conta. Tanto remédio, não? Xampu, sabonete, essas coisas, não. Depois é que começou. Hoje, a farmácia não precisa tanto de um farmacêutico, precisa de um balconista. Eu acho que quando eu me casei já vendia sabonete, xampu, um pouquinho. Aquelas marcas bem conhecidas: Nívea, talco Johnson, coisas Johnson. Eu tinha vinte anos. Faz as contas aí: eu tenho 78, 79; menos vinte? Ele não vendia para os sanatórios. Cada doente tinha a sua conta. Só quando era da diretoria, alguém que eles precisavam... aí vendia para o sanatório. Ah, não havia calote, não, não havia. Calote: de jeito nenhum. Pois olhe, o seu Saul Vieira, que é um grande comerciante aqui, veio para São José tuberculoso. Numa carrocinha ele vendia santinho, não podia fazer outra coisa. Ele se curou completamente. Depois teve aquela cadeia de lojas de móveis Savilar: Savilar I, Savilar II, Savilar III. E hoje o seu Saul Vieira tem nome lá, tem lá o Centro Empresarial Saul Vieira. E tinha um outro que era o Posidônio Freitas. O Posidônio Freitas veio doente para cá. Ele nunca mais se esqueceu disso: ele estava precisando alguém que conhecesse para que ele pudesse comprar fiado, que era como eles diziam, nas outras lojas e papai foi e endossou um cheque dele. O Posidônio foi tão grato a papai que ele guardava aquela carta no bolso, e quando encontrava com alguém, mostrava a carta de papai e dizia: “Esse foi um grande amigo que nem me conhecia e já fez uma carta de apresentação”. E o Posidônio depois também ganhou um império aqui. Mobiliários e tudo. E assim foram diversos fregueses de papai. O doutor Paulo Becker. Paulo Becker veio para cá para fazer a fábrica. Tinha fazendas e depois a fábrica de telhas, famosa. CIDADES São José dos Campos Comida, a minha mãe comprava no mercado em São José. Porque aqui tinha muita agricultura e eles vendiam lá para o mercado. Lógico, com todo cuidado, lavava bem, mas o agricultor, o que tinha fazenda, não tinha contaminação nenhuma, não era doente, não. Doente era o consumidor, mas o agricultor não, tanto que você não podia botar a mão nas verduras nem nas frutas. Ninguém queria que pusessem. Quer dizer que São José já nasceu civilizada. Não por civilização. Por contaminação. Não podia. Quando o produto estava em exposição no mercado, ninguém podia encostar, ninguém punha a mão. Contaminava a fruta. Então, só escolhia, apontava, a pessoa vendia e pronto. Isso no tempo da estância climatérica. Logo depois mudou. JUVENTUDE Na minha juventude, tinha baile. Eu namorava na porta de casa. Ou então naquele jardim, lá em frente, na praça Afonso Pena. Os bailes... tinha já a Associação São José. A gente dançava na Associação. As mães ficavam em cima, no camarote, e os filhos embaixo, dançando. E assim foi. Assim tive meus namorados. Nossa Fui tão namoradeira, mas aí se a pessoa tocasse em mim. Eu era namoradeira, mas brava. Era flerte, não amor. Na rua Quinze ficava: os homens assim, de um lado, e a mulher subia a rua até o fim e voltava. Ah, a gente subia e voltava depressa para ver o mesmo fã, e assim era, com o olhar. Ah, gostoso E ia devagarzinho. Depois você namorava, pegava na mão e tudo. Não tinha nada desse agarra-agarra, não. NAMORO Meu marido, conheci na Grande Guerra. Foi na minha casa. Foi na minha casa em Caraguatatuba. A casa foi convocada para que os oficiais ficassem lá, então, como nós temos um primo general, cuja esposa era prima do meu marido, papai disse assim: “Eu empresto”, porque estava em defesa do litoral. Papai disse: “Eu empresto, mas com uma condição: em julho a minha família não vai deixar de fazer a temporada em Caraguatatuba. A minha família vai. Mistura com a sua, nós somos também parentes”. Eu conhecia também a família do Paulo, inteirinha, menos o Paulo. Eu era muito alegre e eles diziam: “O Paulo precisa conhecer você. Puxa Você parece que nasceu para o Paulo. Nunca vi. Que almas gêmeas”, e isso e aquilo... Aí ele foi convocado como expedicionário. Fui para São Paulo para conhecer o Paulo, pois eu já conhecia a família toda. Fui passar um tempo em São Paulo. Quando eu chego lá, o Paulo estava na estação com a irmã, esperando eu chegar para me levar para a casa deles. E foi assim: à primeira vista. Eu fui descendo as escadas do Expressinho, olhei, vi e gostei. Primeira vista. E eu estava namorando um rapaz - cujo nome não vou citar, senão a família dele não vai gostar - e ia ficar noiva. Eu ia para São Paulo, ia me encontrar com ele e na volta, nós íamos ficar noivos. Mas eu gostei tanto do Paulo, e eu sou tão sincera, tão franca. De lá mesmo eu telefonei: “Fulano, eu não...”. FAMÍLIA Tenho quatro filhos. Um está morando nos Estados Unidos, é engenheiro. Esse é gêmeo com a segunda, que tem uma lavanderia industrial. Ela agora está aposentada, mas ela sempre foi professora. Professora de arte e educação artística, fez a FAAP. Meu último filho também é artista, fez a FAAP, foi professor da UNIVAP ano passado, e a minha mais velha, que é orientadora do Bilaquinho há muitos anos, é aposentada e continua no Bilaquinho e agora é coordenadora da Faculdade Maria Augusta, da parte de pedagogia, em Jacareí. Esses, os meus quatro filhos. Quando eles eram pequenos, eu comprava os presentes deles na loja Diamante, porque eu preferia dar um presente bom, um brinquedo que durasse bastante tempo. Ainda tinha a loja Diamante. CIDADES São José dos Campos Os secos e molhados nós comprávamos tudo na Parahyba. Não tinha brinquedo na Parahyba, mas tinha aquelas mantas, cobertores e tudo. E tinha o armazém da Parahyba, só que não tinha brinquedo. Tinha de tudo fabricado na tecelagem, e o armazém era o produto alimentício dos funcionários, que descontava no ordenado no fim do mês. Eram produtos da região. Tinha de tudo. Não havia luxo. Era para servir os funcionários da Tecelagem Parahyba. Importado, não tinha. Tinha os cobertores, mantas, tudo. Era produto da terra, feito aqui. Todo funcionário da tecelagem já era descontado em folha no fim do mês. Ainda era o tempo em que a gente comprava assim. Muitos cobertores, mantas, colchas, lençóis. Acho que nessa época não tinha ainda supermercado em São José. Foi surgindo supermercado, anos depois, uns dez anos depois. Eu já estava casada há uns cinco, seis anos. Nem me lembro qual foi o primeiro. Acho que foi o Pegue-Pague, que hoje é Pão de Açúcar, o primeiro supermercado lá. Porque a tecelagem tinha tudo, nem precisava ir no supermercado. O doutor Clemente, da Parahyba, era um industrial que era uma mãe para os empregados. O pessoal se aposentava, depois continuava trabalhando lá. Por aí você vê. Acho que é a única fábrica, que tinha lá, com pessoal de sessenta anos de idade, setenta anos de idade. Meu marido trabalhava lá... Era, bem mais barato comprar na Parahyba. Era mais barato porque era para facilitar a vida do funcionário de lá. Muito bom. Tinha uma loja que vendia os cobertores e tal. E as pessoas entravam e por conta própria iam na prateleira, porque ela não tinha vendedor. Iam e compravam. Normal. Iam na prateleira, escolhiam. E aí pagava a vista. Não tinha crédito. Crédito era só para os funcionários. Era dentro da fábrica. Então tinha que mostrar as credenciais para entrar na fábrica - era a São José dos Campos da confiança mútua, que hoje não existe - entrava lá. E meu marido era relações públicas. Então, conforme a pessoa que não era conhecida, eles telefonavam lá, e o Paulo, com jeitinho, ia, conversava com a pessoa. No armazém não era todo mundo que fazia compra, não. Os cobertores sim. Mas sempre traziam um cartãozinho de apresentação etc. e tal. Até bem pouco tempo ainda existia a tecelagem Parahyba porque depois, quando a fábrica faliu, eu tenho a impressão que os funcionários se cotizaram, compraram. Eu não sei agora como é que está, se funciona. FAMÍLIA Tenho dez netos, sendo que um é adotivo. É filho da mocinha que trabalha lá, mas é meu neto de coração. Gosto demais porque eu vi nascer. Eu fui aquela que - como não tinha o pai - eu fiquei na sala de espera de um lado para o outro, andando, esperando o menino nascer. Esperando o chorinho dele. Então, eu criei como se fosse um filho, neto, recordando o meu tempo de pedagoga, de professora, dando muita coisa, que eu ensino ele. TRABALHO Eu fui sempre muito enérgica e os alunos me apelidaram “Duque de Caxias” do João Cursino. Eu entrava na sala de aula e não queria barulho. Eu fazia excursão e elas iam. Fora da escola, eu era outra pessoa, mas na escola eu era enérgica. FAMÍLIA O Paulo tocou nos Demônios da Garoa. Era cavaquinho que ele tocava. Quando eu perdia o sono, ele sentava do meu lado e tocava umas músicas tão lindas... “Eu sonhei que estavas tão linda”, aquelas coisas, até eu dormir. Foi muito bonzinho. CIDADES São José dos Campos São José não mudou por causa da Dutra. Foi o ITA. Passou a ser uma cidade universitária. Os professores são contratados dos Estados Unidos, da França, da China. Tinham contrato, recebiam em dólar e moravam lá, tanto que no ITA o pessoal se hospedava lá, tinham os hotéis lá, tinham as casas lá, tudo lá. O comércio se transformou em um grande shopping e começou com um supermercado maior, o Carrefour. Shoppings grandes. Ficou com características de uma cidade grande. O pessoal de Taubaté vinha fazer compra aqui, de Pinda vinha fazer compra aqui, até hoje. No Carrefour tem gente de todo o Vale. Vêm fazer compra aqui. Ficou um prédio comercial muito grande. De São José Nossa Senhora A renda aqui é fabulosa. Não sei se é a segunda ou terceira renda per capita do estado de São Paulo. Só tem Campinas a mais, e depois já é São José. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO Não sou muito de shopping. Nem sei qual foi o primeiro shopping aqui em São José. Gosto tanto de fazer compra lá na rua Sete... Aquele comércio bem tradicional, antigo. Aquele burburinho, aquele corre-corre. Eu gosto até mais de ir no Colinas, que é sossegado, tranqüilo, que no outro, o Vale. Não gosto muito de ir lá. CIDADES São José dos Campos Hoje, no centro, não tem grandes lojas. Concentrou-se tudo no shopping. A única que continua é a Casa Confiança. É a mesma coisa que é hoje desde quando eu era pequenininha. Nossa Senhora, na Casa Confiança você comprava de tudo. De tudo, tudo que tinha, que era de qualidade boa, porque eles eram diversos irmãos. E eles traziam tudo de bom de São Paulo. Quando você queria um tecido bom, você ia na Casa Confiança. O que a Loja Diamante foi para artigos de presente e tudo, a Casa Confiança foi em tecidos, em armarinhos. É o que havia de melhor, a Casa Confiança. Mas não tem grandes lojas mais aqui em São José. Eles se reúnem em shopping. Tem o shopping da cidade. Tem o quê? O Center Vale e o Colinas. Agora tem uma porção, não é? Têm muitos shoppings. Mas é isso: São José está muito pertinho de São Paulo. Se você quer uma coisa diferente, você vai para São Paulo, tanto que eles fazem tanta propaganda e tudo. “Ame São José. Compre em São José.” Porque as pessoas têm facilidade de ir para São Paulo para ir ao teatro, para ir a escola, e já faz a compra por lá. Mas São José tem tudo, tudo o que a gente quer. TRANSPORTE Olha, nesse álbum que eu trouxe para vocês, tem o primeiro carro que era da família Lebron, que foi aquele Ford Bigode, que eles chamam. Foi o primeiro que apareceu em São José. Não me lembro desse carro na estrada, me lembro desse carro na cidade. Na estrada eu não sei se pegava, não. Aquele “fordão” era muito lento. Andava muito devagar, eu tenho a impressão que ninguém ia para São Paulo num carro desses. Quando ia para São Paulo, ia de Expressinho que era mais rápido. O trem era Expressinho, porque andava depressa, mas o depressa deles: levava cinco horas para chegar a São Paulo. Era a estrada de ferro Central do Brasil. Não era nada luxuoso. É o que é até hoje. Era mais confortável porque tinha o restaurante, você podia comer lá, tinha o dormitório, tinha leito. A Dutra não representou muito para São José, não. Porque nós tínhamos uma ligação através do Expresso que era bom. E tem uma outra coisa: o povo, há muito tempo, que eu me lembre, já não anda de ônibus, anda de carro. Vai de carro, faz lotação, tudo. Não anda muito de ônibus, não. Eu mesmo não me lembro quantas vezes eu andei de ônibus agora para São Paulo. FAMÍLIA Tenho cinco bisnetos. Os meus netos também, um é engenheiro, outro fez administração de empresas, outro está fazendo psicologia e a minha neta é arquiteta - um amor, a mais velhinha delas, a mais velha que tem 23 anos. Ela fez arquitetura aqui em São José. VIDA ATUAL Não me conformei de pôr um ponto final nas coisas que eu fiz e entrei na faculdade da Terceira Idade. Sou da turma fundadora. Depois nós fizemos o aprofundamento da faculdade da Terceira Idade. Quando terminou, fundamos um clubezinho de ex-alunos da UNIVAP, mas eu disse: “Gente não basta Vamos fazer uma outra coisa diferente?”. Então eu e mais duas amigas fundamos o CATIVA - Centro de Atividade da Terceira Idade - uns dos primeiros que apareceram aqui em São José, da Terceira Idade, e lá acho que a gente está em forma ainda por causa disso. Eu faço, segunda-feira, dança circular. Nós pegamos só bons professores, os melhores. Dança circular só tem essa. No estado de São Paulo deve ser a terceira ou quarta pessoa. É conhecida no estado de São Paulo inteirinho. Na terça-feira eu faço tai chi chuam. Na quarta-feira nós debatemos temas de qualidade de vida. Muito bom. Uma psicóloga, uma assistente social. Maravilha, mas é assim: gente de gabarito. Na quinta-feira um grande psicólogo, Gino Nardellio, ele faz com a gente ginástica chinesa e aí atravessamos e vamos fazer relaxamento lá na nossa sede, que funciona na avenida Adhemar de Barros. Esse, na quinta-feira. Sexta-feira tem artesanato, tudo isso. Tem também um coral, um coral muito bonito, já se apresentou numa porção de cidades. Sábado não funciona e nem domingo. O CATIVA deve ter quase dez anos. Eu freqüento todos os dias. O CATIVA faz caminhada às oito horas e às nove horas essas atividades. Qual é a nossa finalidade? É levantar o astral de todo mundo. A quantidade de viúvas lá é enorme, porque ela ou entra em depressão ou ela vai para o CATIVA. Agora eu voltei até de um congresso em São Lourenço. Nós fizemos um bloco com trinta pessoas e fomos para São Lourenço. Muito aplaudido e tudo. Então no CATIVA não pode ficar triste. É uma alegria só, desde a hora que se chega. Nós contamos anedota, nós declamamos, nós debatemos assuntos atuais, tem jornal. Vocês precisam qualquer hora ir até lá para conhecer. Pegado à padaria, ali na Adhemar de Barros. Olha, Cauby Peixoto quando veio cantar uma vez aqui e nós estávamos todos ali no SESC, ele olhou assim: “Meu Deus, que energia Eu nunca cantei para um auditório como esse”. A pessoa sente a energia no ar porque ali nós nos damos a mão, uma ajuda a outra. Não deixa ninguém entrar em depressão. Eu não tenho dedos na mão para contar quantas pessoas nós tiramos da depressão, que largaram médico, largaram remédio, largaram tudo, só com o CATIVA. Então eu acho que essa foi uma realização pessoal minha porque não se trata só de mim; levar essa alegria essa felicidade para os outros que eles merecem. AVALIAÇÃO Entrevista Gostei muito dessa entrevista. Porque eu acho que se eu posso levar um pouquinho de São José antigo para as pessoas novas que não conhecem São José, para mim é um prazer enorme, porque tudo que eu faço é em benefício dos outros. Eu gosto muito porque parece que Deus dá para a gente em dobro. Então, se vocês estão satisfeitos, não sei. Mas eu estou duplamente satisfeita de poder levar para essa mocidade, para essa juventude um pouquinho de mim, um pouquinho da cidade.
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