P/1 – Silvia, a gente queria começar o depoimento perguntando seu nome completo, a data e o local do seu nascimento?
R – Silvia Aparecida Malanzuk, nasci em São Paulo no dia 21 de julho de 1962.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Décio Malanzuk e Juraci Daniel Malanzuk.
P/1 – Silvia, eu queria que você contasse um pouco, você sabe a origem da sua família, do sobrenome Malanzuk? Conta pra gente.
R – Eu sei, meu avô ele participou da Segunda Guerra Mundial, nasceu na Romênia. Eu sou descendente de judeus ciganos. Ele veio pro Brasil fugitivo e encontrou a minha avó, que é filha de italiano. Aí eles se casaram e aí veio toda a família.
P/1 – E aí eles vieram pra São Paulo?
R – Sim, nós somos todos de São Paulo, menos a minha mãe.
P/1 – Sua mãe de onde é?
R – Minha mãe nasceu em Avaré. Avaré? Minha mãe nasceu em Assis, morou muito tempo em Avaré.
P/1 – A origem da sua família, você falou que eles eram judeus ciganos. Você sabe alguma história desse período? Por que, que ele veio, de que forma, essa viagem do seu avô?
R – Então, o que eu sei, assim, que, aliás, também, claro, a gente tem que aceitar a descendência, né, mas o que me chateia muito é que na época, a Romênia todo aquele pedaço Bucareste era nazista, né? Então a minha família sofria muito, não tinha escolhas, não tinha livre arbítrio, como a gente tem aqui no Brasil. Então o que eu sei é isso: são pessoas muito humildes, pessoas psicologicamente muito pressionadas assim, que encontrou no Brasil uma forma de liberdade e nem se adaptou muito, meu avô não falava português, mas ele não se adaptava muito aqui, porque passou por tanto sofrimento, tanta represália que isso aqui, o Brasil, não era o lugar de origem, eu acho que a pessoa cresce naquela situação que depois ela tem dificuldade pra mudar, mesmo que seja pra melhor.
P/1 – Ele já veio com que idade você sabe?
R – Meu avô devia ter uns 40 e poucos anos, eu acho.
P/1 – Você chegou a conviver com esse avô?
R – Eu cheguei.
P/1 – Conta um pouco sobre ele.
R – Ele não falava português, ele era uma pessoa meio traumatizada, não gostava de criança né, não gostava de nada. Aliás, ele viva tenso e muito quieto, as poucas coisas que eu me lembro dele.
P/1 – E a sua avó, você falou que era casada com ele, era descendente de italianos né, e como é que ela era?
R – Então, minha vó era super amorosa, eu até julgo que minha avó foi minha mãe por muito tempo e tomou conta de mim e dos meus dois irmãos, um mais novo um ano, um mais velho um ano, mãe do meu pai e minha vó. Era mulher pra cuidar de casa e da família e muito amorosa justamente por ela ter só dois filhos que são meu pai e a minha tia que estão vivos, então ela gostava muito, nós por parte do meu pai, tínhamos uma dificuldade maior, um relacionamento na escola, com a família, meu pai e minha mãe. E já por parte da minha tia não, já era melhor, então a minha vó se sensibilizava muito com a gente por parte do meu pai.
P2 – Você morou com ela?
R – Eu morei um tempo com a minha vó. Eu morei.
P2 – Que período? Quantos anos você tinha?
R- Deixa eu me lembrar, eu devia ter uns 11 anos por aí, 11 anos, eu nem morei com minha vó, na verdade a gente não tinha onde morar, e não sei quem alugou uma quitinete, alguma coisa assim, pra gente na Aclimação e a minha vó desesperada não sabia onde tava meu pai, que é o filho dela e ela veio ficar com a gente um tempo e depois ela morando com minha tia eu fui morar com a minha tia, mas quem cuidava de mim dentro da casa era minha avó.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, só um pouquinho antes?
R – Vamos.
P/1 – E do lado da sua mãe, você chegou a conviver assim com seus avós maternos, você falou que sua mãe nasceu em Assis e foi criada em Avaré, conta um pouco desse lado da família da sua mãe.
R – Então menina, minha mãe é muito complicada a história, mas também é fácil de dizer porque eu lembro da minha mãe até os meus oito anos de idade, daqui, dois oito anos pra cá muitas mudanças aconteceram na nossa vida, então o que eu sabia é que minha mãe nasceu em Assis, ela tinha um sonho muito grande de vir pra São Paulo e ser atriz, assim como meu pai também e a mãe da minha mãe, que se chamava minha avó Sebastiana. Eu vivi com ela em Assis e naquela época o chão era de terra, ainda passava cavalos com charrete, vendia aquele docinho de leite de coninho na porta, e eu tenho umas lembranças muito estranhas dessa época, tinha um pé de limão na casa do irmão da minha mãe, meu tio Silvio e a gente subia e meu tio era bravo, não podia descer do pé de limão, a gente ficava lá e às vezes eu chupava limão e eu tinha fome, não podia descer e não sabia onde tava minha mãe, muito estranho, sabe? E a minha mãe, ela se aventurou em vir pra São Paulo e foi quando ela conheceu meu pai. Depois anos mais tarde, quando a gente se separou e a família do meu pai que tinha uma condição melhor aqui em São Paulo, expulsou minha mãe várias vezes de São Paulo mesmo, por ela ter um rol de relacionamento militar essas coisas, expulsou minha mãe, e ficou proibido de falar sobre minha mãe na casa de minha tia onde eu cresci uma época, hoje isso aí é crime né? Hoje é crime você não dar permissão de falar sobre sua mãe e seu pai ou falar mal né? Então minha tia vivia falando mal da minha mãe, eu tive uma impressão terrível e eu vivia procurando minha mãe assim tem um programa do Paraná um 0800 alguma coisa que você liga manda fotos, material pra procurar alguém da família e minha vida inteira eu procurei minha mãe e o que eu sei que eu tenho inclusive fotos que a minha mãe e o meu pai eram muito bonitos e os dois tinham sonhos parecidos de ser ator, minha mãe atriz. Meu pai uma época quis ser aviador. E eu acabei fazendo tudo que eles queriam: eu fui da aviação, eu viajei o mundo, eu estudei o que eles não fizeram. Eu estudei idiomas japonês, inglês e hoje eu sou atriz profissional, tô com duas peças em cartaz e tudo. Então o sonho deles não se realizou por completo, mas eles chegaram a fazer novela na TV Tupi e tudo. E daí essa minha tia expulsava a minha mãe de São Paulo, e uma colega da minha tia do meu pai, que era esposa de um grupo de Titulares do Samba, eu acho, um negócio assim grupo antigo de deficientes visuais que tocavam samba, não sei se você lembra, Titulares do Ritmo, alguma coisa assim, bom então a esposa de um desses músicos falou: “Olha eu sei onde sua mãe está”, isso eu tinha 13 anos. “Você sabe onde minha mãe tá?” “Eu sei, ela ta em Avaré.” E daí eu lembro que na véspera da páscoa eu peguei meu irmão mais novo do que eu, nós pedimos dinheiro emprestado, nós entramos no ônibus, nós fomos pra Avaré, ninguém brecou a gente no caminho, e eu cheguei nesse local que era uma casa de estrada, assim muito grande, bonita e tinha uns menininhos, dois menininhos assim, nissei e uma menininha assim, cachorros e tinha uns funcionários assim e eu perguntei pela Dona Juraci e ninguém conhecia não, porque minha mãe mudou de nome. O nome dela é Raquel, então ninguém sabia quem era Juraci até que eu falei: “O sobrenome dela é Malanzuk”. Aí falaram: “Ah, a dona Raquel”. Eu falei Raquel. “Olha quem é você?” Eu falei: “Olha, eu sou a filha dela”, não tinha nada pra falar. “Sou a filha dela”. Aí mandaram ficar esperando, eu fiquei esperando eu e meu irmão, aí tinha um monte de galinha a gente começou a brincar, ficamos brincando o dia todo assim. E aí quando começou a escurecer eu falei: “Cacareco, nós temos que ir embora, vamos embora”. E esses meninos, tinha um que era mais dado, vamos dizer assim, grudou na minha perna e falou: “Não, não vai embora não”. Eu falei: “Olha, vem cá, a Dona Raquel tá onde?” “Ela não tá aqui, mas a hora que ela chegar ela fala com você.” Enfim, eu não conseguia falar com a minha mãe, eu não entendi nada, nós pegamos o ônibus, uma charrete até onde tinha uma rodoviária e viemos embora de novo e disfarçamos na casa da minha tia que tava tudo bem, nada tinha acontecido… Tudo sujo... Não vi minha mãe. Anos mais tarde, agora quatro anos atrás, toca meu telefone em casa, eu tava dormindo, tinha acabado de chegar de uma festa, esse japonesinho é meu irmão, os dois meninos e a menina, são meus irmãos que a minha mãe se juntou com o japonês e aí teve as crianças e o cara morreu, tomou um tiro, o japonês, e morreu. Então minha mãe, muito humilde, ela falou: “Eu não sei que fazer com esses meu filhos, eu vou atrás da avó deles”, pegou uma autorização e colocou dentro de um avião menor de idade e foi tudo embora pro Japão, aí eles moram lá há 14 anos já. E aí esse meu irmão que era o mais velho, que grudou na minha perna né, Lico, o nome dele é Célio Kawakame, não tinha coragem de falar comigo e ligou pra minha irmã e falou: “Liga pra nossa irmã Sílvia”, mas eles ficavam sempre atrás de mim, porque eles me viam na televisão, eu tava sempre aparecendo no projeto musical que eu fiz. Então eu fui pro Japão, cantei lá, cantei aqui no Brasil, saí no Fantástico. E eles acompanharam toda a minha trajetória artística e eu não sabia. Aí, nesse momento, minha irmã ligou. Eu falei: “Quem? Geise?” “Geise, a sua irmã, filha da Raquel”, eu quase caí da cama, eu falei: “Nossa, o quê? O que é isso que tá acontecendo, você tá onde?” “Eu tô no Japão.” Então minha vida começou agora, minha vida começou a clarear agora, porque até então eu tava bem sem referência assim sabe? Sem saber quem era exatamente a minha mãe, é se a minha mãe era esse bicho de sete cabeças que a minha tia sempre falou ou também muitas vezes não deixava falar o nome dela. Então minha adolescência, embora eu sempre procurava minha mãe, eu sempre achava que minha mãe era uma pessoa terrível, mal caráter. Então eu queria até encontrar com ela pra dizer o que eu achava dela, mas depois que eu encontrei com minha mãe, não foi nada disso. Aí emocionalmente eu comecei a me libertar de quatro anos pra cá assim. Embora tudo que eu fiz na minha vida eu tive muita sorte, entre aspas, eu fui sempre protegida pelo nosso amigo lá em cima. E a minha família me olha com muito bons olhos porque eu sempre tive sucesso nos meus empreendimentos, vamos dizer assim, e fui a mais bem sucedida de todos os irmãos, inclusive os japonesinhos, eu chamo eles de japonesinhos. Então essa é minha mãe assim sabe, ela nasceu em Assis.
P/1 – E foi criada em Avaré.
R – É, é uma mulher muito bonita, tenho fotos dela, tinha sonhos muito grandes e eu acho que eu herdei dos meus pais esses sonhos que eu tenho, principalmente hoje que eu tô me dando ao luxo de, vamos dizer assim, realizá-los. Eu já tentei várias vezes realizar sonhos da minha vida, mas eu não conseguia, porque chegava o momento em que eu tinha contas pra pagar e aí eu tinha que parar tudo e voltar a trabalhar, justamente por não saber, por não ter esse apoio do pai, da mãe, isso me prejudicava demais, né? Mas agora eu cheguei num momento que eu falei: “Agora a vida tá 100 %, tá tudo resolvido e agora eu vou realizar todos os meus sonhos!” E eu tô conseguindo.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, você falou que na sua casa eram três. Seus pais e sua mãe, são três filhos?
R – Então era meu pai, minha mãe, o Carlos, o Pedro e eu. E minha mãe era enfermeira uma época da vida dela que nós morávamos em Santos, no Gonzaga, e teve uma senhora que teve um filho e não quis a criança e minha mãe pegou essa menina, chama-se Suzete, não sei por onde ela anda, não sei se ela ta viva né, eu sei que a família do meu pai expulsou minha mãe e essa minha irmã adotiva, então eu fiquei sem contato assim.
P/1 – E conta um pouco pra gente como seus pais se conheceram, você sabe alguma história de como eles se conheceram?
R – Eu sei.
P/1 – Você pode contar, quer contar pra gente?
R – Ah posso, deixa eu ver se eu conto direitinho assim, é que muitas coisas eu tenho que tomar cuidado se não é a minha imaginação, porque eu cresci com uma imaginação e eu só quero tomar cuidado com isso de não falar o que a minha imaginação criou e aquilo sim que meu pai falou e depois eu ouvi minha mãe dizendo e o que eu conclui. Então, bom, meu pai, filho do meu avô que veio da guerra, romeno, judeu, cigano, andarilho… E meu avô veio e nasceu o meu pai aqui no Brasil. Minha mãe nasceu em Assis e tinha um sonho de ser alguém em São Paulo. Bom, pelo que eu sei, assim que meu pai me contou, a minha mãe conheceu um rapaz aqui em São Paulo, e a minha vó, que é mãe da minha mãe, minha vó Sebastiana, não sabia exatamente onde minha mãe ficava e ela ficava nos pensionatos, não sei onde, aqui pelo centro da cidade alguma coisa assim. Me incomodou muito o que meu pai disse pra mim uma época, é que esse meu irmão mais velho, Pedro, eu vim descobrir agora não é meu irmão do meu pai, mas como meu pai gostava muito da minha mãe, ah eles namoraram um tempo, ela se afastou e ela conheceu essa outra pessoa e aí nasceu esse meu irmão Pedro. E meu pai gostava muito dela e na época era uma vergonha a mulher estar grávida sem ter um marido, né? Não é como hoje né? Então meu pai assumiu esse meu irmão, mas eu fiquei sabendo disso agora também há quatro, há quatro anos eu fiquei sabendo tudo assim da minha vida e da minha família. E me parece, eu não tenho certeza que é que minha mãe nessa fase que passava uns momentos muito apertados por aqui, segundo meu pai me disse, e informações da minha tia, minha mãe corria um risco grande de estar na prostituição ou não. Isso eu não sei afirmar, porque minha mãe não afirmou isso pra mim, eu perguntei entrelinhas pra ela, ela não me falou. Mas eu achei que não era direito meu também de invadir a vida dela, era problema dela se ela fez isso ou não, né? E depois o meu pai achou que gostava muito da minha mãe e não queria que minha mãe passasse essa humilhação mais uma, vamos dizer assim, então casou com a minha mãe. Então já tinha o Pedro, nasceu eu, nasceu o Carlos, a gente apelidou ele de Cacareco, meu pai apelidou ele assim não sei o porquê e ficou.
P/1 – E vocês moravam onde nessa primeira infância?
R – Nós morávamos em Santos, no Gonzaga.
P/1 – Mas como sua família, eles casaram aqui ou não?
R – Ahãm.
P/1 – Por que eles foram morar em Santos, conta um pouco, você sabe por quê?
R – Eu não sei, eu não sei, eu sei que meu pai trabalhava dia de semana em São Paulo e final de semana ele viajava. Eu entendi claramente que eles brigavam muito por ciúmes, por falta de não realização profissional, né.
P/1 – E seu pai passou a trabalhar com o quê? Essa coisa de viajar, que trabalho que ele fazia?
R – Meu pai desenhava móveis, fazia figuração em novela, na época, minha mãe também fazia, trabalhava em hospital, fazia várias coisas assim, meu pai, até onde eu sei, no final de semana ele vinha pra Santos. A gente ficava junto e era muito bom quando meu pai chegava porque ele tinha um jeito muito alegre. Meu pai foi muito brincalhão, eu lembro que ele fez uma pipa muito grande e eu era pequena, deste tamanho assim, então ele me pôs no colo dele e eu segurei a pipa e, sinceramente, meu corpo começou a voar, subir um pouco porque tava muito vento e eu era pequena, e coisas que eu lembro assim tipo, nós três, a gente pendurava no pescoço dele, não tinha a Suzete ainda, e ele entrava no fundo do mar e soltava! A gente desesperado saía tudo nadando e não se afogava, coisas assim, a queijadinha... Então muitas vezes eu não lembro, eu não comia direito, aliás, eu não como direito até hoje. Não sei se é pela infância que eu tive, eu nunca me alimentei direito, então, assim, eu lembro, a única coisa que eu me lembro que eu comia era a tal da queijadinha da praia, eu esperava ansiosamente pra comer essa queijadinha na praia. E daí chegou o momento que tinha uma vizinha da minha mãe, alguma coisa assim, eu não sei se essa mulher tirava a minha mãe do prumo dela, sabe, da coisa de família, e ela saiu pra dançar. Como eu disse, minha mãe era muito jovem muito bonita e meu pai também, então eu descobri que naquela época tinha traição, eu descobri agora, tanto da parte do meu pai aqui em São Paulo, quanto da parte da minha mãe lá em Santos. E essa vizinha era, era assim, a inimiga do meu pai, falava mal do meu pai, que meu pai traiu minha mãe e minha mãe, eu acho que com raiva traiu meu pai e assim, coisas estranhas assim... Meu pai disse que a minha mãe dava vinho pra gente antes de dormir e a minha mãe saía, nós tínhamos uma babá, eu lembro dela porque ela tinha assim, uma boca torta, sabe? E muitas vezes ela não tava em casa e minha mãe saía, não sei, a gente morava eu acho que no décimo segundo andar, uma coisa assim, num prédio bem bacana mas a nossa vida era uma coisa extremamente conturbada assim, crianças bonitas, família bonita, condição financeira mas era tudo conturbado assim, sabe? Eu lembro que o meu irmão, o Carlos, ele foi ver na janela, não sei o que, e caiu a janela na mão dele, ele perdeu a ponta dos dedos assim, teve que refazer. Depois um cachorro nosso viu o gato chorando e pulou também pela janela, então assim, a gente vivia sempre com bastante história pra contar. E daí o que aconteceu? A minha mãe começou a ficar muito perturbada assim ou não sei se eu fui crescendo e fui entendendo várias coisas. E daí, infelizmente, a minha mãe, ela começou a me bater muito, me bater, me bater, ela batia de fio de ferro, ela batia de espada de São Jorge, ela ficava doida por qualquer coisa e depois eu vim saber porque eu chorava muito, eu chorava muito, muito e eu lembro algumas vezes que eu chorava muito que eu soluçava assim, sabe? E a minha mãe começou a mudar, a me bater muito e quando eu, meu corpo ficava todo marcado assim ela enchia, na época não tinha hidro, tinha banheira com sal grosso e me punha dentro, sabe? Eu gostava tanto dela e ela fazia isso comigo, não sei porquê. Assim, não sei se ela tava muito estressada, se ela, sabe... Hoje eu sou mãe, às vezes eu fico pensando: “Nossa, uff! Que sufoco, né?” Apesar que meu filho é tão bonzinho… Passo longe de ter esse tipo de problema, graças a Deus, esse estresse tão grande assim. Mas esse comportamento dela gerou dúvidas e insegurança com o meu pai e um dia meu pai veio, numa quinta-feira, ele veio fora da, da, da, do dia certo que ele costumava vim, de sexta, e daí ele me pegou com as costas toda enver... cheia de vergão e eu sabia que meu pai ia descobrir, por mais que a minha mãe batesse em mim, cada vez eu gostava mais dela porque eu sentia que o que ela tava fazendo comigo ia me afastar dela, então eu vivia em pânico, sabe? E meus outros dois irmãos ela não batia, era mais eu... Aí esse dia, meu pai, esse dia foi um dia importante, importantíssimo na nossa vida, meu pai chegou e chegou do nada, eu saí correndo e coloquei a roupa, uma roupa, o casaco assim, uma blusinha e meu pai falou: “Deixa eu ver as suas costas”. Eu comecei a ficar desesperada e quando, realmente eu não podia nem me mexer, eu devia ter aí uns oito, sete pra oito anos mais ou menos. E daí eu tava com muito hematoma nas costas, na mão, no rosto, aqui assim, eu apanhava muito, como se fosse uma surra de um assaltante que pega a pessoa na rua e detona a pessoa, apanhava muito, boca sangrando... Ela tava muito estressada e era só comigo, vassoura de, não é vassoura de pêlo, essa outra vassoura que tem a ponta dura assim, piaçava né, que se fala, e ela me cortou inteira uma vez assim, com vassoura, sabe? E eu não entendia porquê, mas eu chorava porque eu queria abraçar a minha mãe… Eu queria o carinho da minha mãe e ela começou a ficar nesse estresse muito grande, meu pai viu e quando ele, quando eu vi que não tinha mais jeito, ele viu minhas costas, viu meu rosto e tudo, ele correu pro apartamento, tinha um corredor muito fundo, comprido assim, um apartamento grande, aí tinha um quarto, minha mãe tava lá. E aí eu corri atrás, mas eu vi meu pai batendo na minha mãe demais, minha mãe caindo da cama e daí pra cá minha vida, daí até quatro anos atrás, a minha vida se perdeu, eu perdi toda a minha identidade, eu só lembro disso, assim como, como filha, de pai, de mãe e como alguém que tinha uma cama pra dormir, um colégio pra ir, assim, aí daí pra cá assim eu perdi tudo, perdi absolutamente tudo. Eu fui morar com a minha tia.
P/1 – Aqui em São Paulo?
R – É. Fui morar com a minha tia e essa minha tia era assim, ela tinha, a minha mãe veio morar junto, a minha tia tinha muito ciúmes da minha mãe, a minha mãe muito bonita, a minha tia gorda, que nem a filha da minha tia, a minha prima, que eu adoro de paixão, ela já faleceu, mais nova do que eu, essa minha prima também, gorda, então, quando a gente era adolescente, os rapazinhos, os menininhos tudo, era tudo comigo e aí a minha tia tinha raiva de mim, tinha raiva da minha mãe, sabe? E ficava uma coisa estranha assim, mal resolvida e eu não entendia o que que era, nunca entendia o porque que as pessoas tinham essa reação de raiva, assim sabe, de inveja, eu nunca entendia isso, eu nem sabia o que era isso na verdade. Daí a gente foi morar com a minha tia e foi, aí começou uma fase bem perturbada porque a minha mãe morou junto e chegou uma fase que, que a minha tia não aguentou e minha mãe era praticamente a empregada da casa, assim como eu também era, meus dois irmão nem tanto, eles sofreram menos, mas nós duas, como mulher, a gente sofria muito. Preconceito da parte da minha tia, do marido da minha tia, que eram muito ricos, ainda têm empresas até hoje de lingerie e éramos, até hoje, os pobrezinhos, os coitadinhos no Natal, o Papai Noel passava, mas não era pra gente, o Papai Noel não parava pra gente, só parava pros ricos, pros pobres ele não parava. Então, chegou uma época que a minha tia cansou, eu não sei o que aconteceu, meu pai batia na minha tia, uma confusão, eu vivia vendo essas coisas assim, daí minha mãe sumiu. Eu não sabia porque então eu vivia chorando, porque que a minha mãe tinha me abandonado, os meus irmãos e ninguém me respondia. Era proibido falar da minha mãe e eu, quando eu perguntava, as pessoas faziam cara feia e aí a minha vó, coitada, que sabia de tudo e não podia falar. Então, estudei em colégio público, quando chovia, eu vinha andando assim, eu e os meus irmãos, a gente vinha andando embaixo da chuva, aproveitava aquelas calhas que já ia, já ia, tomava banho, sabe assim? E daí nunca mais eu soube da minha mãe, até um dia que, faz tanto tempo, eu tô tentando lembrar exatamente, minha mãe bateu na porta da casa da minha tia e eu que abria a porta, vi que era a minha mãe e ela falou: “Chama seus irmãos e vem correndo.” E daí eu chamei em silêncio, falei: “Vem, a mamãe tá na porta.” Mas eu também já não sabia mas aonde tava meu pai, eu tava na minha tia e daí a minha mãe enfiou a gente dentro de uma perua Kombi e nós fomos parar em Avaré, no meio do mato e dali fomos pra Assis, na casa desse meu irmão, do meu tio Sílvio. E a minha mãe já não ficava ali também, então eu já não sabia... Não sabia que ele era irmão da minha mãe, não sabia o que que eu tava fazendo lá, não tinha escola, mal tinha comida, eu lembro que quando eu acordava tinha chá preto, pão com manteiga, eu acho o máximo, chá preto, pão e manteiga e era uma coisa que eu comia assim, com muito gosto, nossa, era tudo pra mim. Que só tinha isso, então... e limão, né. Então nessa época, meu pai achou a gente e quando eu acordei, eu era criança, quando eu acordei eu tava na casa da minha tia de novo. Daí nunca mais eu vi a minha mãe.
P/1 – Só um parênteses, a sua tia morava aonde que morava aqui em São Paulo? Que bairro que era?
R – Morava aqui no Cambuci, na Rua Scuvero, morava numa travessa da… Não, era, era Rua Scuvero, uma travessinha, esqueci o nome da rua, paralela com a rua Lavapés, Cambuci, bem pertinho do Cambuci.
P/1 – E o seu pai morava junto, não?
R – Não.
P/1 – Ele morava aonde?
R – Não sei, não sei. O que eu entendi é que, às vezes, o ego da pessoa é tão grande que ele quer mostrar que ele tem poder e ele acaba destruindo tudo, principalmente se ele tem pessoas que dependem dele, se meu pai não tivesse um ego tão grande, que ele puxou muito da família mesmo, da minha tia, eles eram muito assim… Um ego muito grande, muita frescura, nós podemos, somos poderosos, se não fosse esse tal ego, um pouco mais de humildade, o meu pai nos deixaria com a nossa mãe e viria nos ver. Ele cortou simplesmente ele e a minha tia, cortaram nosso elo com a nossa mãe assim.
P/1 – E vocês ficaram morando até quando com sua tia?
R – Então, eu acho que eu tinha uns 12, 13 anos nessa rua, puxa esqueci o nome dela.
P/1 – Não precisa lembrar o nome.
R – É uma travessa da Scovero, até que um dia, com toda a razão, minha tia se cansou, né, porque meu pai não aparecia, não ajudava e ela já tinha os três filhos dela. Ela foi embora, mudou pra Rua Scovero e nós ficamos sozinhos nessa casa: eu, meus dois irmãos e um cachorro. Não tinha móveis, não tinha nada e nós ficamos lá sem, daqui a pouquinho eu lembro o nome dessa rua. E a gente não sabia o que fazer assim, antes disso, essa casa que nós morávamos, que é da minha tia com o meu tio, tinha uma outra casa em cima. E eu lembro que a minha tia falou: “Olha, você vai morar na casa de cima.” E aí era tudo pessoal conhecido da rua, tinha as festas de natal, o papai Noel passava, tinha um primo de segundo grau meu que é da parte do marido da minha tia, que tinham muita condição, ele tinha kart, e nessa rua de domingo ele corria de kart. Então a gente tava sempre infiltrado no meio de coisas interessantes e minha tia falou: “Você vai morar lá em cima” e aí pegou uns cabidinhos meus e colocou num armário de uma moça né, nem quero falar o nome dela também e quando ela chegou, ela não gostou das minhas roupas e começou a jogar tudo no chão, então eu não conseguia me identificar. Onde tava meu pai, onde tava minha mãe, quem eu era, o que que eu tava fazendo… Eu lembro que na casa da minha tia, embaixo da escada, tinha uma cortininha e tinha um tipo de depósito de livros, tinha Barsa, Atlas né, antigamente usava muito Atlas e, e eu vivia, eu até dormi lá, encostada no cantinho, eu vivia vendo as fotos dos animais... Lia alguma coisa, que eu sabia ler um pouco, sobre os continentes, sabe? Sobre as árvores, isso eu ficava fascinada, sobre os passarinhos, isso aí praticamente era a minha história. Sempre lendo, sempre vendo livros na escola, às vezes quando tinha biblioteca, eu esquecia do horário da aula, eu ficava vendo as fotos: “Nossa, olha isso!” As cores... E com, eu acho que com uns 12 ou 14 anos, minha tia mudou e nós ficamos lá.
P/2 – Como foi isso, vocês ficaram sozinhos e depois como vocês saíram de lá?
R – Olha, nós ficamos um tempo sozinhos e a irmã desse meu tio que era muito rica e que tem essa fábrica de lingeries até hoje, bem conhecida, nós tínhamos… Esse cachorro Sani era da prima, era um fox terrier, eu tinha paixão por esse cachorro, sabe, e essa minha tia de segundo grau, ela veio e pegou esse cachorro e aí eu fiquei sabendo que ela foi numa estrada e largou o cachorro e conforme ela foi indo com o carro, o cachorro foi indo atrás… Nossa, eu chorei anos por causa disso (choro). Anos. (pausa e choro). Que, por incrível que pareça, a minha vida era o meu cachorro, da minha prima né, não era meu. A minha vida era aquele cachorro. Eu já não tinha escola, eu já não tinha meu pai e minha mãe, eu tinha o abandono e o desprezo de todos, inclusive da minha tia, menos da minha avó, mas a minha avó não podia falar. E aí quando eu soube que essa minha tia pegou o cachorro e largou lá, lá na estrada, eu fiquei pensando, anos mais tarde, eu fiquei pensando: “Mas por que ela fez isso? Porque ela não jogou eu e o cachorrinho na estrada?” Porque eu sozinha eu tinha medo, mas com o cachorro eu não tinha, eu pensei, que loucura né, eu pensando assim… Nossa..! Daí nós fomos morar, não sei se foi a minha vó, alguém alugou uma quitinet pra gente, na rua de cima, na Rua São João Batista, perto do Caetano de Campos, aqui da Aclimação, sabe? E aí nós fomos morar nessa quitinete e a gente não tinha estrutura nenhuma, não tinha comida, aí minha avó brigou com a minha tia e aí veio ficar, a gente era tudo pequeno, pré-adolescente, a idade do meu filho hoje. E daí eu lembro que a minha avó tentava ajudar a gente, ela vendeu um terreno pra fazer, pra comprar comida pra gente, não tinha escola, era complicado. (pausa) E daí não deu certo, eu acabei voltando a morar com a minha tia, na Rua Scuvero, e daí as coisas apertaram mais porque a minha tia não gostava, eu sempre fui uma pessoa muito justa, honesta e o meu tio teve um, ele teve um problema de sangue, não sei falar o nome, ele teve um problema no sangue, reumatismo no sangue, ele começou a perder todos os movimentos assim, dos ossos, aquela coisa toda. Eu adorava esse meu tio de paixão porque, embora eu fosse um estorvo na vida dele, eu e os meus irmãos, ele era amoroso comigo. E eu descobri que a minha tia, ela traía meu pai, assim, indiretamente, porque o meu tio tava tão doente, e ela traía meu pai com um policial, sabe assim, um cara, nem vou falar o nome dele, eu lembro todos os nomes e eu fiquei, eu ficava chateada de ver aquilo, o meu tio não sabia e eu sabia que ela... E quem sustentava tudo era meu tio, que veio de uma família rica, e doente e a minha tia traía ele, então eu via aquilo e eu não gostava, sabe? Então minha tia mandava eu sair pra trabalhar e eu tinha muita vergonha, eu tive muita vergonha assim, sabe, eu não pedia nada, eu passava fome, eu não tinha onde estudar e eu não falava nada pra ninguém porque eu tinha muita vergonha de falar as coisas. Porque todo mundo tinha tudo e eu não tinha nada, então eu era anormal, eu tava com problema, eu pensava: “Eu não vou falar o meu problema, eu vou ser diferente.” Então, esse meu tio, ele me ajudava muito e os meus irmãos também e a minha tia me mandava sair pra trabalhar e eu não sabia o que fazer. Aí, não sei o que eu vi no jornal, tipo assinar a revista Veja, você saía batendo de porta em porta e eu não conseguia fazer isso, não sabia fazer isso, eu não... Então eu ficava sentada ali no Masp-Trianon, ficava sentada à tarde, eu era muito novinha assim, tinha muita vergonha, eu não conseguia fazer isso. E um dia que eu cheguei em casa, a minha tia chegou e perguntou se eu tinha trazido dinheiro, aí eu falei pra ela que não. Aí eu falei: “Vó, tem almoço? Eu tô morrendo de fome.” Aí a minha tia falou: “Aqui não tem almoço e aqui não é hotel que você chega fora de hora e vem comer.” E me xingou de vagabunda e um monte de coisa. Primeiro começa que eu era proibida de abrir geladeira naquela casa da minha tia, eu e os meus irmãos, nós não podíamos, de jeito nenhum. Dali pra Romênia era um passinho, era tudo controlado, inclusive mentalmente, emocionalmente, os pensamentos, os sentimentos, tudo. O que a gente tinha que falar era extremamente controlado, eu cresci assim. E nesse dia a minha tia me xingou, eu peguei e xinguei ela também. Ela me xingou de vagabunda e eu também xinguei ela de vagabunda, daí ela correu atrás de mim, eu corri pro banheiro, me tranquei e falei pra ela: “Eu sei muito bem o que a senhora tá fazendo e eu vou contar tudo pro meu tio.” Aí ela falou: “Eu vou te matar e não sei o que lá.” E eu fiquei morrendo de medo e a minha vó no meio, sabe, da gente. E a minha tia falou: “Eu vou te pôr na rua”, eu tinha 14 anos. “Cê vai embora pra rua, eu não quero mais você aqui” e nesse momento, meus dois irmãos já não moravam mais com a minha tia. Um morava na Rua São João Batista na casa de um coleguinha e o outro morava no mesmo prédio na casa de outro coleguinha. E a minha tia, só faltava tirar eu da casa dela e eu tava com tanto medo porque era ela, o meu primo, a minha outra prima, os três queriam me bater e eu gritava, eu chamava minha mãe, desesperada assim, acuada mesmo. E eu tinha pavor de apanhar, como eu tenho pavor de apanhar até hoje, se eu sentir que eu vou apanhar, eu bato. Hoje eu sou assim, de tanto medo que eu fiquei de apanhar.
P/1 – Só um minutinho, nós vamos trocar a fita.
R – Ah, tá, então deixa eu tomar uma água.
P/1 – Sílvia, você tava dizendo que seus irmãos moravam não com a sua tia, já tinham saído e que a sua tia tava praticamente expulsando você, né.
R – Ah sim, aí então, aí eu fiquei trancada nesse banheiro, e nós conseguimos negociar que se ela deixasse eu pass… Se ela não me batesse, eu sairia do banheiro direto pro elevador e dali eu ia pra rua, mas contanto que ela não me batesse. Daí ela aceitou, então fez uma trouxa, minha roupa, o meu violão, que aliás eu queria ter trazido, né, o meu violãozinho... Tem violão aí?
P/1 – Tem.
R – Vou tocar uma música minha. O meu violão e uma gaiola de uma passarinho que eu tinha e aí ela, eu desci ali na porta, na Rua Scuvero, que dá na Rua Lavapés ali, eu fiquei ali, era uma quinta-feira, 14 anos, eu não sabia o que fazer. Extremamente ingênua e inocente, fiquei ali. Aí o dia começou a escurecer e tinha uma senhora, essa eu vou falar o nome dela, Cecília, porque eu adoro ela de paixão, não sei, nunca mais a vi, não sei por onde ela anda, se ela tá aqui na Terra ainda ou se ela não tá, mas eu lembro que ela passou e ela: “Oh filhinha, o que você tá fazendo aí?” E eu chorando, falei: “Ah, minha tia brigou comigo e pôs na rua.” Ela falou: “Mas você... Cadê seu pai?” Eu falei: “Eu não sei.” “E a sua mãe?” “Eu não sei.” “E, e, e onde cê vai? Onde cê tá morando?” Eu falei: “Eu não sei também, eu tô aqui. Tô esperando, né, alguma coisa.” Daí ela, ela ficou tão passada, daí ela subiu, aí minutos depois ela desceu e aí ela falou: “Você quer que eu fale com a sua tia?” Eu falei: “Eu quero.” Aí ela falou com a minha tia e minha tia não me queria mais porque eu xinguei a minha tia, falei a verdade pra ela, só isso. E daí ela desceu e falou: “Olha, realmente sua tia tá brava, não quer mais. Eu não sei o que eu vou fazer e agora?” Eu falei: “Eu não sei.” E o pior é que eu tava estudando, no Caetano de Campos ainda, então, pensei: “E agora? Como que eu vou pra escola, também?” Complicou, né. Aí ela falou assim: “Bom, então vamo até a minha casa e eu vou falar com uns amigos, eu vou ver o que a gente pode fazer com você.” Eu falei: “Tá bom.” Assim, eu era do tipo que entrava muda e saía calada, eu não tinha opinião sobre nada, não, eu não me manifestava em nada, o máximo que eu consegui falar foi esse negócio da minha tia, porque realmente tava, era muito humilhante o que eu sofria, a pressão psicológica que eu sofria com ela, ela falando que a minha mãe era, era à toa e, e eu não passava de uma empregada na casa dela e recentemente ela tinha me dado um tapa na cara, aquilo ali pra mim já, já tinha acabado assim, sabe? Agressão física e moral, ali pra mim morar na rua era muito melhor! Com certeza! Daí a Cecília, ela me acolheu na casa dela, eu lembro que ela me deu um licorzinho de rosas assim, sabe, tinha essa coisa do catolicismo... E tinha um perfume a casa dela, sabe? E ela já era uma senhora, na época, daí ela me deu esse, daí ela falou: “Você dorme aqui essa noite que eu vou procurar o seu pai.” E eu dormi na poltrona do jeito que eu tava assim, encostei, dormi, daí ela não achou meu pai e os dias foram passando aí ela falou: “Olha, vou alugar pra você um quartinho num lugar, você sai, vai procurar.” Aí eu comecei a andar pelo bairro assim, e fui parar na Rua José Getúlio, que é uma travessa da... Tamandaré? Da Tamandaré e ali eu achei um, um, tem um predinho de três andares e tem uma escada, tinha uma quadra de tênis, na José Getúlio e esse predinho tinha uma placa, “Aluga-se um quarto”, aí eu fui lá, era uma casa de família e eu aluguei um quarto lá, ela alugou pra mim, pagou o primeiro mês e eu mudei pra lá com o meu passarinho, o meu violão e essa trouxinha de roupa. Sou sincera em dizer pra você que eu não sabia o que fazer da minha vida porque eu estudava, só que eu não tinha emprego, tinha que pagar o quarto, eu com 14 anos já não sabia como fazer isso, tinha vergonha, não sabia pedir e era complicado... Então eu saía e eu ficava andando pela rua durante o dia, eu perdi esse ano, na escola eu perdi esse ano, eu ficava andando na rua procurando, quem sabe que eu achava meu pai, ou a minha mãe também, talvez. Então esse ano inteiro eu fiquei procurando, procurando, procurando e uma colega minha falou assim: “Olha, tem uma empresa, tem um, tem uma empresa que tal pessoa trabalha, porque você não vai lá procurar emprego?” Aí eu falei: “Ah, aonde que é?” Ela falou: “Ali na... É de uma família muito famosa aqui do bairro da Aclimação, chamado Saviano.” Eu falei: “Ah, é?” Eles são donos de todos os prédios, eu falei assim: “Quem sabe ele não me deixa morar lá, num cantinho lá qualquer, alguma coisa assim, eu trabalho lá então, pensando…” Aí eu fui lá e procurei emprego. Sabe o que aconteceu? O dono da empresa, ele sensibilizou tanto com a minha situação, ele me deu emprego na hora, eu comecei a trabalhar na hora. E daí, nesse outro ano ele mesmo fez a matrícula pra mim no Caetano de Campos.
P/1 – Você começou a trabalhar com o quê?
R – Eu era auxiliar de escritório, fazia tudo. E ele meio que me adotou como filha dele, sabe? Então ele contava as viagens que ele fazia e todo mundo naquele escritório me queria muito bem, eu era meio que a protegida, assim. Eu fui crescendo e, eu fiz, e a mulher dele faleceu e ele ficou muito triste com isso e, um dia, eu fiquei tão arrasada, me falaram que, no centro empresarial, tinha um grupo de empresa multinacional, me falaram, falta um dia e fala que você vai ao dentista e vai lá preencher uma ficha. Aí me ensinaram como que eu pegava ônibus daqui até o Anhangabaú e de lá pegava outro. E eu fui embora, eu falei: “Eu vou no dentista” e eu fui embora fazer uma ficha lá e aí de lá pra cá a minha vida mudou muito. Aí foi nessa, nessa, nessa visita a essa empresa, Anderson Clayton, que é uma multinacional bacana, na época, hoje foi comprada pela Unilever, eu consegui uma vaga de auxiliar de escritório, depois eu fui pra secretária português, aí eu fiz o pool de secretárias, comecei a estudar e aí assim, e aí o meu primeiro namorado, o pai dele é, tá... E esse quartinho que eu tava é, eu não sei se a mulher pediu o quarto e eu não tinha onde morar, eu trabalhava né, e não tinha onde morar. Aí eu peguei as minhas coisas e fui dormir numa praça ali do lado do Caetano de Campos, eu fui morar uma semana lá, dormindo na praça, eu não sabia o que fazer porque a minha tia tava irredutível, eu não podia nem ver a minha vó. Então, putz, até hoje eu digo que eu amo a minha vó porque eu acho que a alma, ela é imortal, eu digo que eu amo a minha vó, e eu ficava embaixo assim, ela morava no segundo andar e eu ficava olhando pela janela na hora do almoço, eu nem tinha onde comer também, e eu ficava gritando: “Vó, eu te amo.” Aí eu chorava e aí eu subia a rua sozinha, a pé, eu falava: “Meu Deus do céu”, né. Aí eu fiquei uma semana morando nessa praça com esse violão, a trouxinha de roupa e o meu passarinho e daí o meu primeiro namorado, quando eu fiz 14 anos, eu conheci esse menino do meu bairro mesmo, antigamente a gente namorava, a gente se via de longe e falava que era namorado, né. Então não tinha beijo, coisas que hoje você vê com muita facilidade em meninas de 12 anos, um envolvimento sério, não teve isso. E aí o pai desse menino me viu na praça e falou: “O que você tá fazendo aí?” Eu falei: “Eu tô, eu tô…” Como era uma praça que tinha uma plantação alta, eu ficava dentro e ali era a minha casa, eu me sentia bem. E não era do tipo assim, maloqueira, sabe? Eu era bonita, eu tinha as minhas roupinhas, era meia dúzia de roupinhas, mas era tudo legal e tinha uma cabeça boa, só... Eu não falava a minha vida, eu era fechada assim. E daí ele falou: “Olha,cadê seu pai?” “Não sei.” “E a sua mãe?” “Não sei.” “Mas você, você morava aonde?” “Na sua tia?” Eu falei: “Era.” “Mas e cadê a sua tia?” “A minha tia não me quer mais.” “Mas não é possível!” “Vem, vem menina.” Já me pegou e levou pra casa dele que era na praça mesmo, ali, do Caetano de Campos, e dali ele foi o meu primeiro fiador, ele alugou um apartamento pra mim. E daí eu comecei a caminhar definitivamente com as minhas pernas, eu tive o meu apartamento e busquei o irmão mais novo meu, que é o Carlos que já tava perdido, que naquela época ele já andava com más companhias, ele já assaltava, já ia preso, já usava maconha, naquela época e eu assim, extremamente aversa de tudo isso. Nunca fumei, nunca fiquei bêbada, drogas… Olha, eu passo longe, inclusive se eu vejo fumando… Do mesmo jeito que eu entrei, eu saio. Eu tenho medo disso, não gosto dessas coisas, lança perfume... Eu morro de medo de tudo isso, não gosto disso, nada que eu perca o controle de mim, assim. Daí o meu primeiro apartamento, 14 anos e pouco, daí que eu, eu comecei, entrei nessa empresa, eu fiquei quase três anos e eu comecei a pagar o meu aluguel e final de semana eu fazia também recepção, antigamente se falava casa noturna, boate, essas coisas, hoje é balada, né. Ali perto do Shopping Paulista tinha uns barzinho muito legal que tinha discoteca, então no final de semana eu também trabalhava à noite, fazia recepção e juntava, ficava na entrada recebendo e pegava o dinheiro e pagava as minhas contas e foi indo assim, comprei geladeira e sempre procurando a minha mãe. Sempre indo atrás de pessoas e sempre indo com um pesadelo definitivo na minha vida que até hoje eu tenho, não vou conseguir tirar, vira e mexe eu acordo suando, achando que eu não tenho, que tudo que eu tenho eu perdi, que eu tô na rua de novo e aí eu passo um dia péssimo. Quando eu tenho esse sonho eu passo o dia péssimo! Não importa o que eu tenha que fazer, nem que eu tenha ganhado na Mega Sena, esse negócio parece que é um chip que eu tenho que tirar e eu não sei como eu faço pra sair isso de mim, entende? Por mais que eu tenha conquistado hoje, tudo que eu tenho, mas eu tenho esse chip que ele me lembra: “Ó o seu passado aqui.” Então eu tô sempre escravizada, eu acho que eu to com o pé na Romênia, eu to com o pé lá, naquele controle todo, do nazismo daquela época, porque a minha vida, ela é extremamente controlada, assim. Eu só não tenho medo de avançar profissionalmente, nos meus sonhos, mas com relacionamentos eu não avanço em nada. Eu tive várias chances, eu já fui noiva, eu tive várias chances de casar, de montar uma família, quando chega num momento, um certo momento, eu desconfio e eu penso: “Não, se meu pai e minha mãe, meu ídolos, me mostraram isso, eu não, não vai ser diferente comigo.” Então, tudo o que se refere a relacionamentos eu avanço até um momento. E eu quero passar aquilo, mas eu não consigo, aí eu volto. Então eu vivo extremamente sozinha, dos 14 anos pra cá eu tô sempre sozinha, não sei se é um medo, se é um problema mal resolvido, psicológico, não sei, mas eu já tive vários namorados e todos foram super legal, tudo deu muito certo até o momento que talvez fosse o momento de construir, entrar na questão família, daí eu volto. Aí eu sempre opto por estar sozinha.
P/1 – Você tava contando que você alugou o apartamento e trouxe o seu irmão mais novo, né. E o mais velho, onde ele tava nesse momento?
R – O mais velho tava na casa desse amiguinho dele, o Claudinho, também que a família dele era super legal, tinha pai, tinha mãe, tinha eu acho que uma vó, o menino tinha escola, então, esse meu irmão... Esse meu irmão também sofreu bastante, ele era muito, tipo assim, muito fechado, bravo, não gostava de brincadeiras, se você contasse uma piada, era capaz de você apanhar. E esse meu irmão, ele foi muito esforçado, o sonho dele, Pedro, era ser coronel da aeronáutica, essas coisas toda. E essa minha tia, por ter uma certa influência, colocou o meu irmão dentro do militarismo. Ele se tornou primeiro sargento, alguma coisa assim e ele dormia… Daí ele saiu da casa do Claudinho, daí ele dormia no quartel mesmo. Ali perto... aí... Baixado do Glicério? Por ali. E num dia que ele tava, ele conseguiu uma namoradinha, suspeitava-se até, meu primo, nós três éramos muito visados no pior sentido, entendeu? E esse meu primo, ele dava risada e falava que meu irmão ia ser homossexual, porque ele tava sempre sozinho. Não era, era porque nós éramos travados mesmo. E aí ele conheceu uma mocinha e começou a namorar com ela e um belo dia ele tava indo pro quartel a noite, passando na Baixado do Glicério, que tem uma calçada muito curta, e ele tava à paisana com a arma na cintura e esse, o rapaz no fusca perguntou: “Que horas são?” O meu irmão falou: “Dez pra meia-noite.” E andou, aí o rapaz acelerou: “Que horas são?” Meu irmão falou: “Eu já te falei, é dez pra meia-noite.” Aí meu irmão começou a apertar o passo, o rapaz encostou o fusca e pôs a mão no porta luva, conforme ele fez isso o meu irmão sacou e atirou, no que atirou, pegou numa veia, essa veia jugular que tem aqui e meu irmão ficou apavorado, porque, aí meu irmão, caiu a ficha dele que tudo aquilo que ele sonhava, aqueles aviõzinhos de montar, ele puxou muito o meu avô que veio da guerra, né. Militarismo, aqueles submarino, naviozinho, tudo aquilo era um sonho, quando ele atirou no cara, ele viu que era tudo um sonho, que a realidade era dura, daquilo que ele queria, daí ele mesmo pegou esse rapaz, vinha passando um táxi, ele entrou com esse cara no táxi e levou pro hospital. Daí meu irmão ficou preso ali na, na Avenida Dom Pedro eu acho, que tem um quartel grande ali e meu irmão ficou muito tempo preso ali e meu pai apareceu nessa época e conseguiu um amigo que era advogado e a duras penas o meu irmão acabou sendo perdoado por estar à paisana e só se defender e foi constatado que o indivíduo tinha uma arma dentro do porta-luva e tava alcoolizado, então meu irmão... Mas isso depois de muito sofrimento, minha vó gostava muito dele também, eu dizia que esse meu irmão era protegido da minha vó porque a minha vó sabia a verdade que eu não sabia, nem eu, nem o Carlos, que esse Pedro era filho da minha mãe com um outro cara que, possivelmente, foi de algum momento de talvez de uma prostituição, de alguma coisa, algum envolvimento que a minha mãe tinha e a minha vó tomou as dores por esse menino. Depois de muitos anos pediu, muitos anos depois meu irmão, ele mandou uma carta para Brasília e pediu para que fosse liberado do quartel, ele se tornou acho que evangélico, testemunha de Jeová e com essa moça ele se casou e teve dois filhos, Josué e Rebeca, que são meus sobrinhos e daí ele foi morar em Campinas, até hoje ele tá lá. Mas é um irmão que eu não tenho muito contato com ele, ele tem uma cabeça muito diferente da minha, ele é muito retrógrado, essa coisa de testemunha de Jeová é uma coisa que perturba muito. Ele fala, muito, muito, muito de Deus, só que eu descobri que o Deus dele não é o mesmo que o meu, então a gente, uma vez entramos em atrito quando ele veio falar sobre Deus e... Eu descobri isso justamente no dia que eu descobri a minha mãe, que essa minha irmã ligou e eu comecei a chorar e eu falei: “Só me diz uma coisa Geisa, a minha mãe ta viva ou não?” Tá. Eu comecei a chorar muito, eu falei: “Me dá o endereço dela agora, por favor! Agora, que eu vou atrás dela.” Ela tá muito longe de São Paulo, então eu viajei 13 horas atrás da minha mãe, mas esse meu irmão mais velho, o Pedro, ele não aceitou a minha mãe. O meu irmão mais velho, o Carlos, ele até aceitou a minha mãe, mas ele viu ela uma vez e não quis ver mais. Então, dos meus irmãos, eu fui a única que aceitei a minha mãe, que foi ver a minha mãe, a nossa mãe é a única que, nos dias de hoje, cuida do meu pai. Meu pai tá doente, ele separou da esposa, da minha madrasta, que foi uma pessoa que eu, não era minha amiga, mas era uma conhecida de uma empresa que eu trabalhei, uma metalúrgica muito grande, e eu sabia que ela era o tipo de mulher que meu pai sempre gostou, um mulherão, o meu pai era assim, galinhão, né. Então eu apresentei a eles, eles começaram a namorar, logo nasceu esse meu irmão que chama-se Marcelo, do meu pai com a minha madrasta. E ela passava uns pedaços muito apertados, o meu pai morava em Santos, novamente, sozinho e essa época eu até frequentava o apartamento dele com as minhas amigas, a gente ia lá final de semana, de vez em quando. E daí, esse meu irmão, hoje com 22 anos, agora que meu irmão tá grande e meu pai tá velho e doente, minha madrasta despejou o meu pai na minha casa, né, então eu fiquei numa situação bem, bem complicada. O meu pai idoso de um lado e uma criança do outro e eu sozinha, tentando trabalhar e pagar as contas e fazendo tudo assim. Mas enfim, eu abracei meu pai e minha mãe assim com todo carinho, eu sou responsável pelo meu pai, eu tenho a tutelar do meu pai, na justiça, na procuradoria, e eu respondo por tudo, por ele, se ele ganhar na Mega Sena, eu é que administro tudo, se ele passar apertado eu cuido de tudo também, então assim, vamos indo.
P/1 – Mas vamos voltar um pouquinho nesse momento que você alugou o apartamento, chamou o seu irmão mais novo e começou a trabalhar nessa empresa, Anderson Clayton, você falou que ficou três anos.
R – Isso.
P/1 – E depois, como é que foi o seu desenvolvimento profissional? E o seu irmão também começou a trabalhar?
R – Então eu tinha conseguido, você tem uma boa memória, eu tinha conseguido emprego pro meu irmão na Kellogg’s, até uma certa influência pelo, que as pessoas, algumas pessoas sabiam da minha vida nessa empresa, na Anderson Cleiton, e cuidavam de mim, entre aspas, de segunda a sexta. E eu consegui o emprego pra ele e ele não foi, ele preferia andar com os amigos e roubar, antigamente se roubava toca fitas, né, então já que ele fez isso e um belo dia ele foi preso e eu fui nessa delegacia, que é aqui na Lacerda Franco, perto do Cambuci, acho que é 72º DP, uma coisa assim, e eu fiz amizade com o delegado, eu expliquei toda a minha situação pra ele, eu falei: “Doutor José Roberto, o senhor pode segurar o meu irmão aqui, uns três meses aqui nessa delegacia?” E ele segurou o meu irmão ali. Então o meu irmão, ele me garantiu, ele não apanhou, mas ele ficou preso ali, porque esse meu irmão, ele era terrível, ele tinha picos de depressão tão altos porque ele queria saber onde tava a mãe dele e eu não sabia. Então eu fiquei descobrindo depois, eu não sabia o que que era, o que que esse menino tinha. Ele cheirava cocaína, então quando ele cheirava cocaína, ele ficava louco, ele quebrava as portas das casas, ele xingava todo mundo, um mocinho tão bonito, tão novo mas mentalmente desorientado. Então é, ele ia preso, ele brigava com os policiais e ele vinha na minha casa assim, fazendo um escândalo, quebrava a portaria, tinha que pagar e eu sempre nessa situação. E perguntava onde que tava a nossa mãe, que eu sabia e eu não sabia, então eu não conseguia controlar esse meu irmão, sabe? Enquanto o outro não dava problema nenhum, assim, pra mim, o Carlos, ele dependia emocionalmente de mim e eu não sabia o que fazer, então eu deixei ele preso pelo menos uns três meses pra eu ver o que que eu vou fazer porque eu to trabalhando e se descobrirem que o meu irmão é tudo isso aqui eu vou perder o meu emprego, aí eu tô perdida, né. Eu pago aluguel, tudo, como é que eu vou fazer? Então foi isso: ele ficou preso, eu acho que até mais do que três meses e eu trabalhava e estudava à noite, voltei a estudar no Caetano de Campos. O que acontecia é que era tudo tão instável, não tinha onde comer... Antes até de eu alugar esse apartamento, eu cheguei a morar num outro quartinho, numa casa ali na Mazili, sabe? Tudo perto do Caetano de Campos e eu não tinha, como é... Esse apartamento eu acho que tinha uns quatro quartos assim, eu acho que existe até hoje esse prédio e cada quarto tinha pessoas morando assim… (pausa) Eu esqueci de falar essa parte, antes de alugar esse apartamento, eu fui para nesse lugarzinho aí. E um dia eu tava, eu acordava cinco horas da manhã, eu trabalhava lá no centro empresarial, era longe pra caramba, então um dia eu tava tomando banho e entrou um baiano assim, dentro do banheiro, sabe? Eu fiquei desesperada, nunca mais eu tomei banho lá. Eu não lembro quanto tempo que eu morei lá, mas, nesse tempo que eu estava nesse quartinho, eu procurava meu pai pela redondeza pra que ele viesse morar comigo e esse meu irmão. E eu achei. Eu achei e os dois vieram morar comigo.
P/1 – Nesse quartinho?
R – Nesse quartinho, nesse quartinho.
P/2 – Em que período foi isso? Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 16 anos.
P/2 – Você achou o seu pai como?
R – Tinha, na Rua Escuveiro, ainda, eu acho que ainda tem, Casa do Sargento, chama-se, e meu pai dançava lá. No entanto, meu pai veio dormir uma vez em casa, no meu quarto, e eu só tinha um sapato e esse sapato sumiu. Esse meu pai pegou o meu sapato e deu pra uma namorada dele pra ir dançar. E eu fui sem sapato trabalhar, numa multinacional, então era a situação que eu vivia. Então o que eu fazia? De segunda, naquela época, montou-se, dentro do centro empresarial, um quiosque, então as pessoas podiam fazer ginástica e tomar banho depois, então isso foi o máximo porque eu inventei de fazer ginástica e depois eu tomava o banho, né. Então na hora do almoço a Rosa, Rosa Maria que hoje, que eu digo que é a minha segunda mãe, e o Seu Valente, que também é o meu segundo pai, são meus mentores, de fato, até hoje. A Rosa, ela é gerente de Recursos Humanos da Unilever inclusive, hoje, e o Seu Valente montou o negócio dele. A Rosa levava pão, pão Pullman com queijo branco pra mim, então eu almoçava na empresa e esse pão Pullman era pra eu comer à noite, depois da escola ou no intervalo da escola, assim, pra eu aguentar. E quando eu saía da empresa, eu ia pro Caetano de Campos, eu fui estudar, eu estudava e usava o banheiro lá, dali era só no outro dia que eu ia usar o banheiro, eu não tinha como usar o banheiro porque descobriram que eu morava sozinha ali sabe, ficava um monte de homem me olhando e eu tinha vergonha, eu tinha medo, então sempre que eu saía, o galo não tinha cantado ainda, era a noite, então eu já saía correndo. Eu via o ônibus, então eu já descia correndo pra pegar aquele ônibus. E eu tinha horário pra entrar na empresa. E aí final de semana eu não comia, eu não tomava banho, não tinha, era só um quartinho mesmo, não tinha nada na casa, no apartamento... Então eu juntei o meu pai e o meu irmão mas, mas não sei, o meu pai foi embora, meu irmão também foi. Eu acho que depois dessa quebra dos oito anos pra frente num… E o que nós passamos com a minha tia, aí desmanchou totalmente, a gente se desuniu, a gente num, a gente não acreditava na gente assim, como família, sabe. E é até hoje assim. Eu convivo mais com os meus irmão japonesinhos do que com os meus irmão que moram do lado da minha casa. Um que mora em Campinas e outro que mora aqui, do lado da minha casa, na Aclimação. Nunca vejo, nunca sei, assim, não tem. Achei que depois que eu descobri, trazendo a minha mãe a gente ia conseguir de novo né, aí foi a última chance que eu tive assim, a minha última esperança que, nesse aspecto de família assim... Eu continuei trabalhando na Anderson Clayton, eu cresci bastante, eu saí da Clayton porque tinha um, eu era assistente de três gerentes, o Seu Valente, o Jair e o Eugênio, e esse moço, esse Jair, ele cismava, o que hoje é crime também, de, aquilo… Assédio sexual, eu passava por assédio sexual com ele. Ele falava das minhas pernas, que eu tinha coxas lindas, ele falava sempre baixo e aquilo me incomodava, e um dia eu dei um tapa nele, no meio da empresa, né. Eu achei que ele fosse vim pra cima de mim e dei um tapa forte nele e daí eu fui demitida da Anderson Clayton, daí eu não vi mais muito o seu Valente. E nessa época eu conheci um rapaz andando na rua e, eu não sei, ele me achou bonita, tava conversando e fomo fazendo amizade e tudo, e ele viu a minha situação, eu falei: “Poxa, eu queria tanto estudar inglês.”. Ele me pagou um curso, assim, de inglês e eu fiz no melhor colégio que existe, hoje o melhor curso de inglês, assim, e eu nem terminei o básico desse curso. Uma amiga minha falou: “Sílvia, a Varig tá precisando de aeromoça.” Eu falei: “Eu, aeromoça? Eu, aeromoça? Olha pra mim, Gina. Não tenho nem roupa pra, nem sapato. Eu, aeromoça? Não tenho nem dinheiro pro ônibus, eu, aeromoça. Aeromoça não são aquelas moças bonitas, altas, maquiadas, fina, unha bem feita? Eu não sou isso.” E daí ela falou: “Minha amiga, tá aqui o dinheiro, se você quiser ir é nesse endereço.” Aí eu fiquei lá, lamentando, ela foi embora, eu peguei e pensei: “Não tenho nada a perder.” Aí eu fui, peguei o ônibus, fui lá pra Rubem Berta, preenchi uma ficha, tudo direitinho, quando foi... E nessa época, esse rapaz era budista e ele me levou num centro budista que era na Tamandaré, eu acho, na época, na Tamandaré, _____________ E aí, fazendo o tal do Daimoku, que é o mantra, começou me dar uma tontura, eu desmaiei, sabe? Não sei se... me deu um mal estar, abaixou a minha pressão e eu desmaiei, daí eu larguei dele. Eu falei: “Esse negócio aí eu não gostei muito”, eu achei que era uma macumba oriental, sei lá o que que era aquilo, eu fiquei com medo daquilo, eu não quis mais nem namorar com ele por causa daquilo. Eu sei que eu fiz uma ficha numa quinta-feira e naquela semana eu senti tanta coisa boa, eu voltei sozinha naquele templo ali e pedi que um casal viesse me visitar que eu queria saber o que que era aquilo, que era uma coisa, alguma energia boa me deu aquilo depois. E aí veio um casalzinho, eu até trouxe a foto, esse casalzinho já faleceu os dois, me visitar, e eu judiava deles, eu não recebia, eles insistiram tanto que aí um dia eu recebi e eles falaram: “Não, você fazer objetivo, vida, né. E aí... Tem objetivo?” Eu falei: “Ah, eu quero ser aeromoça. Queria ser aeromoça.” “Então fazer objetivo, quanto tempo quer?” Eu falei assim: “Olha, em um mês eu quero ser aeromoça.” Eu tava brincando, claro que tava brincando. E eu comecei a fazer o Daimoku, eu fazia duas horas por dia de Daimoku. Daquela-quinta feira até a outra, eu recebi um telegrama, daquela quinta-feira que eu fui na segunda vez, eu fiz um teste de inglês e eu passei com oito. E daí eu já saí dessa escola, o Alumni, onde eu estudava, comecei a estudar sozinha em casa, aí eu comecei a ter, a sentir, uma energia muito forte, assim, dentro de mim, aí eu fazia Daimoku e aquela energia começou a subir e eu comecei a achar que eu tava sonhando, que aquilo ali não era pra mim, mas que eu tava lá, então eu vou continuar. E foi indo, em um mês e meio, mais ou menos, eu tava dentro da Varig, e a Varig me pagou um curso inteiro, eu tava dentro da Varig almoçando e ainda ganhava salário e aí eu me tornei budista. E aí eu fiz um, eu lancei outro objetivo, se realmente eu entrasse pra aviação que eu ia pro Japão, eu ia estudar japonês eu eu ia pro Japão. E aí tudo começou a acontecer na minha vida. Aí eu fui deixando um pouco a minha mãe de lado, eu fui deixando um pouco a minha tia de lado e fiquei só, o foco só da minha, vó, que ainda morava com a minha tia e comecei a me dedicar só ao meu trabalho, ao que eu queria, qual era o meu objetivo. Aí a minha vida parece que engatilhou, sabe? Eu comecei a me sentir gente, definitivamente. Eu já tinha terminado o colegial, nota, ninguém olhou meus boletins, não tinha ninguém pra olhar boletim meu. Eu fiquei um ano sem estudar, mas quando eu terminei, eu rasguei todos os meus boletins, eu pensei assim: “Minha vida daqui pra trás é uma coisa, daqui pra frente é outra agora. E daí eu entrei pra, pra aviação e eu tirei carteira do Eletro que, na época, a gente fazia ponte aérea São Paulo- Rio, 727200, 727300, 727200, 727300, e aí eu comecei a voar. Eu fiquei oito meses no Brasil, fiz um outro teste de inglês pra (spiting?), fui pro internacional. E daí eu já virei chefe de bordo, eu já fazia os voos como eu queria, junto com o comandante, os serviços de bordo, aí eu aprendi tudo que é bom. Eu conheci caviar, champagne Chandon e assim por diante, né. O presunto Pata Negra, aí eu comecei a conhecer tudo o que é de bom da vida, aí eu conheci o cigarro também, que não era bom, mas era cigarrilha que, a bordo, nós tínhamos a bordo. Então eu entrava num hotel, por exemplo, no México eu entrava pra um hotel Sheraton e eu tinha direito de ficar sozinha no quarto. Então eu enchia, sempre sozinha, eu enchia a minha hidro, aí eu tomava a minha champagne, comia caviar, fumava cigarrilha, eu me achava o máximo, mas eu não era de fumar, era só, só fazendo tipo. Eu olhava no espelho, eu dava risada, eu achava o máximo. Eu achava o máximo! E quando eu olhava pra trás, eu tinha um relatório na minha mão, uma caneta e eu podia canetar as pessoas! Tanto canetar como observação de que que a pessoa tinha que melhorar, quanto como eu podia fazer um elogio e significar muito na vida daquela pessoa. Aí eu comecei a perceber que eu era alguém. Aí eu ia pra Miami, Miami eu acho que eu já fui umas 22 vezes, eu ia pra Miami, e aí, arrepia até a minha perna quando eu falo isso, aí eu ganhei um patins que eu tenho até hoje e eu levava os meus patins na mala, eu ficava no Bayside sozinha andando de patins, que nem uma doida. O pessoal alugava carro e ia tudo pra Disney, eu falava: “Que Disney, que nada, depois eu vou!” E eu ficava andando de patins na orla do Bayside ali, da praia, entrava, tinha as iates que ficavam tudo ancorada assim, no Bayside mesmo, que é um centro de compras, de restaurantes e tudo e cada cinco metros tinha uma banda tocando, né. E tinha uma boate que funcionava 24 horas por dia, a Janet Jackson, tinha a roupa dela, assim, exposta, e aí eu comecei a ficar doida. Comecei a ficar doida porque eu tinha poder, eu tinha mudado é, e eu fazendo Daimoku cada vez mais, sete anos eu fiquei budista. E aí, nas minhas primeiras férias, eu me mandei, eu estudei japonês, autodidata, e fui embora pro Japão. Eu passei uma semana em Los Angeles, fiquei na casa do filho de uma amiga minha, ela insistiu, eu ia ficar num hotel, ela insistiu, eu acabei ficando lá e de lá eu embarquei pro Japão e aí, aí assim, nossa, eu me senti o máximo. Eu fiquei dois dias num (Hayati?), em Tóquio, depois a amiga de uma amiga minha do Anderson Clayton me buscou no hotel e eu fiquei numa ci... Num bairro chamado Takadanobaba, que era a duas estações de Tóquio. Então eu pegava o trem e eu ia pro bairro lá, tranquilamente. Antes disso, eu gostava de cantar, eu sou cantora profissional, e aí eu fiquei, eu pesquisei: “Pra eu cantar no Japão, como que eu faria?” Aí eu fui no consulado do japonês na Paulista e o auxiliar me falou: “Você tem que trazer carteira da Ordem dos Músicos”. Aí eu pesquisei na Ordem dos Músicos e, naquela época, só tinha exame da ordem em Mato Grosso, lá em Campo Grande. Aí eu peguei o avião e fui pra Campo Grande, tirei minha carteira lá, eu estudei, e tudo com muita pressa, tirei a minha carteira da Ordem dos Músicos lá, voltei, peguei três indicações de restaurantes em Tóquio. Aí eu fui, cantei à noite, ganhei muito dinheiro no sentido, eu voltei e comprei um carro zero pra mim, eu tinha ido com 1.500 dólares, eu voltei com quase quatro, quatro vezes isso.
P/2 – Um mês de férias?
R – É, um mês de férias. Até passei um sufoco porque eu cantei num restaurante muito famoso e perigoso, chama-se, um deles, chama-se, não sei se existe ainda, Saci Pererê, cujos donos são japoneses, mas eles prostituíam moças da Itália, da Espanha, do Brasil, né. E eu não sabia disso e quando eu cheguei pra cantar, eu dividi palco com a cantora Márcia, que era famosa aqui na época né, a gordona, e tava lá em Tóquio cantando. Então, no intervalo dela, eu entrava com bossa nova e depois do, que eu terminei de cantar, e eu entendia um certo japonês, o dono falava pra mim: “Você sentar à mesa”. Eu fiz pra ele: “Yeah!” Eu fiz, eu respondendo pra ele, não, eu não, eu sou cantora né, né. Então ele achava que eu tinha que sentar lá, mas eu descobri que as meninas que sentavam lá eram prostitutas e eu, eu não ia sentar lá. Eu tinha a Varig por trás de mim, me segurando, tava com o meu passaporte, minha carteira de emprego assinada e eu ia fazer aquilo lá? Eu não. Mesmo que eu não tivesse, não é da minha índole, como é que eu ia fazer isso? Eu não vim aqui pra isso. E daí assim, é, quando foi dez pra meia-noite, eu saí correndo pra ir embora e o trem fecha né, que nem metrô aqui, termina. E eu tava na estação e uns japoneses começaram a me seguir, menina! E eu fiquei desesperada, eu pensei daquela Yakusa, e ela me falou: “Silvinha, você tem que tomar cuida com isso, com isso, com isso.” E aí essa noite eu passei um sufoco danado, sorte que tinha uma senhora junto com uma família, que tavam andando, acho que tava saindo, alguma coisa assim e eu pedi socorro. Daí ligaram pra minha amiga e ela e o marido vieram me pegar de carro, Mas eu fiquei desesperada, achei que fosse acontecer comigo, deles me pegarem. Aliás, eu tenho fotos do Japão.
P/1 – Você tava falando então que, que trabalhou como aeromoça na Varig, fez essa viagem pro Japão, conta então pra gente, continua...
R – Fiquei quatro anos na Varig, gostei muito, a maioria das minhas, das minhas viagens, no primeiro ano eu saía muito com a tripulação, gostava muito, eu comecei a ficar desinibida, né, e depois eu comecei a me isolar novamente. Então, quando a gente chegava, um exemplo, Fortaleza, o que eu fazia, Manaus, por exemplo, eu saía sozinha, eu ia correr à noite, eu nadava à noite e sempre me isolando. E daí, nessa, nesses pernoites, eu escrevia músicas, comecei a escrever músicas e comecei a gravar com um profissional, que já faleceu, aqui em São Paulo, Walter Aride, que era bem conhecido no meio musical, de Ná Ozzetti, Leny Andrade, essas coisas todas. E esse produtor, eu contratei pra que ele preparasse essas minhas músicas, e eu até trouxe, e daí eu fui, é... Nesses quatro anos eu cresci bastante, só que alguma coisa começou a me incomodar dentro de mim. E o que, que era? Justamente que, sempre quando entrava um artista a bordo, eu tinha uma insatisfação terrível, eu achava que eu tava no lugar errado. Até que um dia entrou o Evandro Mesquita, aí nós fomos pra Boa Vista, ele tava até com a perna quebrada, e nesse dia eu fui junto no show com ele. Ele falou: “Silvinha, mas esse negócio, você é aeromoça, porque não vai cantar?” Então eu falei: “Puxa, Evandro, é que eu não conheço ninguém do meio”, eu queria muito cantar, sabe? E aí ele me levou no show dele, foi muito engraçado porque, imagina, Boa Vista, lá em cima do país, um lugar pequeno e a mulherada doida, né, ele era muito bonito na época, eu sei que o povo veio com tudo pra cima dele e ele caiu com o gesso pra trás assim, caiu o painel pra trás do palco, e eu tava lá no meio, uma confusão! Lá em Manaus eu fui no show do Titãs que o Branco tava a bordo, e aí eu já tava fazendo um projeto musical, isso foi depois, e o Branco falou: “Vem, vem, vem no meu show”. E daí eu fui no show dele, também foi uma loucura, só que o lugar era um galpão muito grande e o pessoal invadiu o palco, tive que sair correndo também. Cada um pra um lado assim, voltei sozinha de táxi pro hotel, no Tropical de Manaus, foi bem conturbado. Então eu fui conhecendo o pessoal da carreira artística, conheci o Raul Cortez também, o Fábio Júnior e a última pessoa que entrou a bordo, essa me incomodou muito, que foi a Tânia Alves e... Eu até tenho uma foto dela... E aí conversando com ela, ela falou sobre realizações e aí aquilo pegou forte, eu pensei assim: “Meu Deus do Céu, quanto tempo eu vou ficar servindo a bordo?” Eu não aguento mais, eu já viajei tanto, eu já conheci tanta gente, mas eu já passei ano novo na janela de hotel, já passei natal dentro do avião. Eu tinha um namorado, que eu até perdi esse namorado, que uma amiga minha me traiu, entendeu? Eles eram gêmeos, ela já tinha o namorado dela e eu tinha o meu, e eram gêmeos, e aí não sei por que, ela cismou com o meu namorado, eu voava tanto que ela roubou o meu namorado. Hoje ela tem um filho de cada irmão, uma filha de cada irmão, daí eu pensei: “Eu não aguento mais essa vida, eu preciso melhorar”, já tava bem insatisfeita, já tinha guardado muito dinheiro assim... Pra quem não teve nada, pra mim era muito, mas, um exemplo, as diárias de bordo, ao invés de eu ir, eu ia, em Miami eu ia pra uma boate de vez em quando com um pessoal, até com amigos meus, brasileiros que moravam lá, mas eu tinha o hábito de guardar dinheiro, como ainda tenho, guardar dinheiro. Então quando eu saí da aviação eu já tinha 29 anos, então eu já tinha comprado o meu primeiro apartamento à vista, eu já tinha o meu carro, o meu primeiro carro, que eu tinha comprado à vista, e uma linha telefônica, que era caríssima na época, caríssimo naquela época. Caríssimo, era 2500 cruzeiros, sei lá, era caríssimo, era muito caro uma linha telefônica, então eu já era uma pessoa bem sucedida com 29 anos e eu pensei assim: “Poxa, o que a Tânia disse pegou na minha alma, sabe?” E eu preciso fazer o que eu gosto, e daí eu cismei com a carreira artística, que eu tinha que desenvolver isso. Só que todas as vezes que eu tava trabalhando, eu largava o meu emprego por causa da carreira artística. Às vezes até pra fazer uma figuração, doidinha, né! Depois, terminou a figuração, eu nunca via o dinheiro e eu não tinha como sobreviver e eu voltava a trabalhar. Então, eu vivia triste por isso. Um belo dia, nesse estúdio que eu gravava com o Waltinho Aride, um mega estúdio, aqui na Santa Cecília, o Flavinho que é o dono, o Flávio Sani falou pra mim: “Silvinha, eu tô preparando a acústica de uma boate em Jundiaí, cê quer conhecer o dono? Quem sabe cê faz um teste e cê canta lá.” Eu falei: “Sério?” “Sério.” “Então tá, eu vou chegar de voo tal dia”, eu não tinha filho, morava sozinha, tudo, só tinha a minha vó, só, e eu me mandei pra lá. Quando eu cheguei lá, o dono se encantou comigo, realmente eu era muito inteligente, muito simpática, muito meiga, ele ficou apaixonado por mim, né. Ele falou: “Vem cantar aqui, não sei o que lá, não sei o que lá...” E eu já peguei o repertório, já comecei a estudar música, a decorar as letras e nos intervalos dos meus voos eu ia pra lá pra ensaiar. E ele colocava a banda inteira à minha disposição e eu ensaiava, no final eu descobri que até eu estreei lá, estreei lá, cantava Art Mix, Madonna, Cyndi Lauper, Tina Turner na época, e daí, como eu viajava muito pra Miami, eu tinha o cabelo bem descolorido, aqui assim, chanel, mas todo bagunçado, bem estilo Cyndi Lauper, eu comprava uns sprays e jogava: vermelho, rosa, azul, amarelo. E às vezes não dava tempo de lavar o cabelo direito e eu ia voar assim, então eu tinha que lavar o cabelo dentro da empresa e tirar aquele brilho todo e muitas vezes eu ia voar assim, sabe, depois do show, sem dormir e tudo. Eu vivi intensamente! E daí as pessoas que eu conhecia aqui em São Paulo iam pra Jundiaí, assistir o meu show lá, aquela uma hora que eu cantava. Daí o pessoal gritava: “Madonna, Madonna!” Falavam pra mim: “Madonna!” Daí eu pensei, mas peraí, daí eu comecei a pesquisar mais a Madonna, e ver a história dela, aí fui me identificando, falei: “Nossa, ela é buscadora, cara! Eu também sou. Nossa que legal!” Eu fui montar a banda Madonna Cover. Você já ouviu falar, né? Madonna Cover, mas é pra já. Aí eu comecei a pegar todo o repertório de Madonna e, comprei um laserdisc em Miami na época que lançou e comecei, o show que eu mais gosto dela é o Blond Ambition, que é o show onde ela mais dança, mais canta, mais tudo, interpreta, tudo ao mesmo tempo. O show é de duas horas sem parar, é uma loucura! E eu comecei a ficar doida, com muita pressa, estudar as músicas e a ensaiar com a banda lá. Aí chegou um momento que teve uma festa, aqui em São Paulo, jornalística, no Dama Xoc, cê lembra disso? Pronto. E nessa festa, ninguém sabia, eu fui contratada pra entrar no meio da festa e fazer o show de Madonna Cover, era uma festa só de jornalistas. Aí não deu outra! Esse dia eu cheguei de Miami, trabalhando, 11 horas a bordo, a... Eu entrei pro, pro... Eu fui fazer uma matéria com o Serginho Groismann, que ele me pegou em Congonhas. Fui fazer uma matéria, acho que era na Cultura na época, Matéria Prima era o nome do programa, eu saí dessa matéria, eu fui direto pro Dama Xoc, eu passei todo o som, a iluminação. Eu saí, eu fui pra minha casa, eu tomei um banho, peguei os músicos e viemos de perua e descemos e daí... Já tinha passado o som, tudo, já tava tudo pronto. E eu, simplesmente, eu tava aí, eu acho que umas 20 horas sem dormir, muito cansada, aí eu tomei um conhaque antes de entrar pro show e eu mandei fazer andor, um andor bem grande assim, que eu coloquei um vestidinho, um vestidinho assim, umas roupinhas que eu trazia de Miami, uma luvinha bem, bem tipo Madonna... E com meia, aquelas meias tipo rendadas assim, em cima do andor e os caras me carregando, eu me sentindo meio que bêbada, meio que exausta, eu falei: “Acho que nem sei, sabe, se eu vou conseguir fazer esse show.” Mas eu fui. E eu tenho essa abertura, rolei no palco, bem coisa de Madonna, Cyndi Lauper, rolei, subi, comecei com Papa Don’t Preach e aí foi um show, assim, super legal, e daí eu fiquei quatro anos fazendo show de Madonna Cover. Aí saí no Fantástico, Ronnie Von, Sílvia Poppovic e assim foi indo, vários jornais, revista, né. E aí eu comecei a ganhar dinheiro, pedi as contas na Varig e fiquei quatro anos fazendo show e esse último show, esse último ano que eu fiz show, foi a ano que assim, eu mais ganhei dinheiro e comprei apartamento, fiz tudo que eu tinha que fazer assim, pra dar o start, pra me sentir, pensei: “Nunca mais eu vou morar na rua! Nunca mais eu vou morar na rua! Nunca mais eu vou ficar sem tomar banho! Nunca mais eu vou ficar sem comer, ou ter que pedir, ou ter que ficar olhando a comida dos outros, ou olhar o pai beijando a filha, ou olhar a mãe abraçada com a filha no shopping, nunca mais. Eu vou construir a minha história!” Aí eu fui indo... Aí eu comprei o meu apartamento, fiz show quatro anos e resolvi tirar férias de um ano, nessa férias de um ano que eu tirei, eu me estrepei assim de preto e branco porque antes eu tinha a Varig por trás e com o salário da Varig eu pagava músico, hora de estúdio, eu contratava, eu demitia, eu fiquei com uma equipe aí de 20 pessoas, entre maquiador, cabeleireiro, coreógrafo, backing vocals e eu não conseguia voltar pra carreira artística de jeito nenhum. Aí eu já tava devendo condomínio, aí começou a ficar complicado e eu não sabia o que fazer. Não sabia mais o que fazer, então eu fui procurar emprego. Aí eu entrei pra hotelaria, eu fiquei seis anos na recepção do Sheraton, no L’Hotel, que é na Gerbário Cury, no Caesar Park, que hoje é rede Blue Tree e o último hotel que eu trabalhei foi o Sofitel, na Sena Madureira. Eu queria trabalhar de segunda à sexta, mas eu fui desconstruindo todo esse lado artístico que eu montei, por anos, eu fui... Doía fazer isso, doía, eu queria ser uma pessoa normal. Mas me doía muito fazer isso porque eu fiquei bem cansada, os músicos, muitos músicos são muito irresponsáveis, você marca uma hora eles chegam duas depois, depois eles, por exemplo, a tabela dos músicos, por exemplo 400 reais, eles querem 400 mais isso, mais aquilo, mais acolá... Então estuda, então eu tive várias decepções com profissionais que eu contratava. Então eu fiquei seis anos na hotelaria, depois que eu resolvi trabalhar só de segunda a sábado, à sexta, eu já tava com o meu filhinho que tinha uns três anos. Num belo dia eu tava fazendo uma gravação com o elenco de apoio na TVS antiga, com um diretor que já foi também, o Jardel Melo, e eu terminei uma gravação num setting, essa novela chama-se Jogo do Amor e eu fui andando pelos settings de gravação e eu vi uma outra novela, Uma Esperança no Ar, chamava-se, e tava lá alguns atores entre Jorge Dória, Eduardinho Silva que é um amigão meu e outro ator. Esse ator ofereceu uma, eu era tão bonitinha, do cabelo chanelzinho assim, toda fofinha, ele me ofereceu uma carona, ele tinha um fusca, e quando nós chegamos na porta do carro, ele era super gentil, ele abriu, e eu era assim, é... Quando eu vejo adolescente no estilo que eu era, normalmente eu dou risada, eu falo: “Cara, eu era assim!” Eu usava uns saltos desse tamanho. Precisava? Não. Mas eu me sentia, eu era tão feminina, salto desse tamanho, e eu tava muito longe de casa. A TVS ficava, sei lá, na Coronel Talibã, eu não sabia onde que era direito, pra mim era tudo muito longe. Aí ele me ofereceu uma carona, aí eu acho, aí eu aceitei, só que quando eu entrei no carro, ele passou a mão aqui assim, eu achei que ele fosse me pegar assim, sabe, me agarrar, eu não sei se ele foi puxar o cinto, eu não sei se naquela época usava cinto ou se de fato ele veio me agarrar, eu abri a porta e saí correndo. Anos mais tarde, eu trabalhando em hotelaria, eu trabalhava da meia-noite, da seis da tarde até 15 pra meia-noite eu trabalhava no Elle Hotel, ali na Campinas, 15 pra meia-noite eu saía correndo, eu ia de tênis com mochila até a Augusta eu corria e entrava, meia-noite eu batia o cartão, e entrava no Cesar Park, aí eu ficava até seis, sete horas da manhã, todo dia. Só que eu tava fazendo minha vida, né? E daí eu fazia, trabalhava não só como telefonista bilíngue na recepção e como auxiliar de room service, aí acendeu no meu painel o sobrenome da pessoa, desse tal artista eu atendi: “Ah, pois não?” “Então, eu pedi uma macarronada e não me veio o queijo ralado, não sei o que lá.” “Ah, pois não, senhor... Parece que eu conheço sua voz. Acho que o senhor conhece, eu conheço o senhor também.” “É de onde?” Aí começamos a conversar. “O senhor lembra que eu tava numa gravação?” “Menina, você tá trabalhando em hotel? Porque não seguiu a carreira?” Eu falei: “Não, muito difícil sem apoio, complicado, né?” “Eu vou descer, quero ver seu rosto, onde você tá?” Eu falei: “Na recepção, na porta da recepção”, aí ele desceu e olhou meu rosto assim, eu falei: “Oi tudo bem?” E aí ele falou, me ligou todo apaixonado e eu tudo bem, né? Daí eu já morava sozinha nesse apartamento e ele começou a frequentar minha casa, engravidei, e eu engravidei no dia que foi o velório dos Mamonas Assassinas, que aliás, o Dinho, eu até tenho essa matéria, eu não trouxe, mas posso te dar, o Dinho, nós gravamos um programa junto do Savério Zacanini, que era na Record. E o Dinho não era absolutamente ninguém naquela época, naquela época eu era mais do que ele, publicamente dizendo, né? O projeto, ele gostava do meu projeto, e ele fez umas brincadeiras inclusive nesse programa, que eu era a Madonna cover, que se juntava com um outro repórter que falava estranho, que falava no rádio e fazendo uma crônica engraçada. E foi no dia do velório dele que eu engravidei e a partir desse dia eu achei que, eu não sabia até então que eu tinha muitas dificuldades é, assim em termos de família, de construir família. Então eu achei que a partir desse dia eu fosse montar uma família, alguma coisa ao contrário e daí eu senti novamente o abandono, o gosto do abandono, do desprezo, dessa coisa do ser humano e a pessoa não quis me ver grávida, eu toquei minha gravidez sozinha, sim. Eu lembro que eu peguei o exame e eu não, não sei, eu sempre gostei muito de idosos e de animais em geral, mas eu nunca pensei em ser mãe, sabe? E aí eu fui no Hospital Modelo, ali na Tamandaré, e pedi um exame e tinha um janelão de vidro e quando eu peguei o exame e que era positivo, eu tinha um foto de Nossa Senhora Aparecida junto comigo, eu abri a carteira e falei: “E agora, Nossa Senhora, o que quer dizer isso? Eu vou ter um filho?” Sim, bom, eu tentei falar com ele várias vezes através de um outro colega, mas ele não quis, um dia ele apareceu em casa com uma conversa estranha, se era verdade o que eu tinha dito, que eu tinha engravidado. Eu falei que era, daí ele falou: “Não, querida, nos vamos ter que sair, tem um lugar aqui perto, eu vou levar você e você vai passar bem, eu vou cuidar de você o dia todo.” E falei: “Você tá achando que eu vou tirar o meu filho, é isso?” Ele falou: “Então, não é nada, não vai nem doer, não sei o que lá.” E aí tinha um vizinho meu, daí eu falei: “Luís...” Comecei a gritar: “Luís!”, fechei a porta e coloquei ele pra fora, fechei a porta, fiquei com medo que ele fosse me bater, não sei, eu já tinha 33 anos nessa época e nunca imaginei que eu fosse ser mãe, aconteceu porque tinha que ser né? E daí, é daí pra frente eu nunca mais vi essa pessoa, mas eu sei que ele sabia de mim, através de um amigo que mora ali perto e eu trabalhava normal, sai do hotel fiquei só no Cesar Park, comecei a entrar de manhã, comecei a ter uns sintomas de gravidez, não conseguia trabalho, dormia muito no trabalho, mas fui uma grávida muito feliz, bem bonita e eu comecei a ter fases de ir ao teatro, eu não tinha mais carro, eu já tinha vendido para pagar as contas e eu andava de ônibus São Paulo toda, andava pra ver Shakespeare e era muito feliz assim, achei um máximo aquela barriga, sei lá, eu tocava musica pro meu filho, fazia luau sozinha na minha casa, era muito legal. Até que um belo dia, de madrugada, eu tinha conhecido uma vizinha, a Cida, aí eu saí da casa dela com uma barriga muito grande, eu tava meio injuriada já, o médico já tinha me tirado do trabalho, eram três horas da manhã eu fui, tava indo pra minha casa no corredor no mesmo andar, eu comecei sentir minha perna escorrer e deu um negócio estranho na minha cabeça, eu falei: “Cida, socorro!”, né? Eu já tinha reservado uma ambulância pra mim, porque eu sabia que eu ia pro hospital, então não tinha minha mãe, não tinha mais minha vó, não tinha meu pai, tava morando com minha madrasta, mas não tem essa coisa de ninguém cuidar de mim, então eu já tinha reservado essa ambulância do convênio do meu trabalho, daí a Cida, na hora fiquei com medo e falei: “Cida, vamo comigo pro hospital, por favor!”, daí ela foi comigo na ambulância e lá naquela porta pra dentro, ela foi embora e eu fiquei ali, foi um parto bem difícil, né? Eu não tinha dilatação e não tinha ninguém pra assinar, fazer um pagamento de uma cesárea por mim e eu tava numa situação bem complicada, eu fiquei das três, das três da manhã, meu filho foi nascer às seis da tarde do dia seguinte, e eu tudo com dor de parto e ninguém me ajudava e o pessoal tava injuriado comigo e não tinha médico nesse hospital, era um hospital do convênio e ficava no Brás e esse hospital foi fechado, aliás, chamava-se Inter Pari, eu costumo dizer que meu filho nasceu no “Interpariu”, que foi um inferno ali, o inferno, minha filha, era na mesma passagem do corredor, sabe uma coisa de louco? Então, pra quem trabalhou na aviação, nos melhores hotéis, fui parar num negócio que eu não sabia o que era aquilo, e aí não tinha médico e as partei..., as enfermeiras que faziam o parto e não sei o que, só sei que eu sofri demais e daí tavam forçando minha barriga, o neném tinha que nascer, já estavam dando outras complicações, e daí quando o Gabi nasceu, eles cortaram uma artéria minha aqui, eu comecei com uma certa hemorragia, não parava, eu sei que quando eu vi o neném, eu tava mas pra lá do que pra cá. Aí eu dei um beijinho no narizinho dele aqui assim, e pedi pra Deus: “Deus, me ajuda!”, foi só isso. Aí comecei as dores de ponto, eles tentando dar ponto e eu sentindo todas as dores que a anestesia já tinha passado e eu desmaiei de dor. Quando eu acordei eu tava completamente quebrada assim, apanhei muito nesse parto e chamei socorro, eu tava com dor e aí me deram uma injeção aqui de um calmante, chamado diazepam, em minutos eu entrei em coma, e eu fiquei três dias em coma e quando eu tava passando pra esse lado escuro, esse negócio estranho, eu tava ouvindo as pessoas, eu batia o dedão assim pedindo socorro. É a única coisa que eu lembro e eu ouvia as pessoas: “Corre!”, não sei o que lá, então eu acho que os médicos tem que tomar cuidado, a pessoa quando ela tá entrando em coma ela ouve, ela não consegue reagir, ela não mexe nada, eu mexi o dedão e parei, eu ainda ouvia de longe e aí fui, aí eu entrei numa casa muito escura, e tinha uma escada assim, e conforme eu fui, e uma fumaça preta, e conforme eu fui subindo eu olhei pra trás e dei um grito: “Pai!” E no que eu gritei, meu pai acordou, de madrugada, aí meu pai tinha, tem muita ligação com meu pai, assim telepatia, alguma coisa assim, meu pai acordou e ligou na Cida e a Cida falou: “Olha, ela tá no hospital, e acabei de receber um telefonema, ela tá em coma.” Daí então meu pai veio no hospital com minha madrasta, tudo. Realmente meu filho ficou em alta, tudo super bem e eu fui, nesse momento, esse único momento que eu gritei o nome do meu pai, eu falei: “Deus, me dá uma chance, não me leva agora, me dá uma chance de eu cuidar desse menino”, que era só eu e o menino, e daí graças a Deus eu fui voltando, eu tava toda entubada, toda não sei o quê. Eu entrei pro hospital eu tava com 63 quilos eu saí com, pesando 49, saí de cadeira de rodas, bem debilitada, aí eu entrei em depressão pós-parto e eu não sabia o que fazer, assim, eu queria meu filho, meu filho. Era eu e meu filho, só que eu não tinha forças, meus pulsos estavam abertos, eu tava debilitada, eu não conseguia cuidar do meu filho. Eu tive uma guia psiquiátrica pra fazer meu tratamento, e daí eu, a esposa da Cida, o marido da Cida, que é o Ademir, que hoje são padrinhos do meu filho, vieram me buscar no hospital, o Gabriel chorava muito e eu não sabia o que era e daí eu passava mal, minha pressão baixava, eu fui hospitalizada mais quatro vezes, inclusive uma delas, eu quase morri de novo, e daí ele foi na farmácia e comprou um leite em pó, leite Nan e colocou na boca do menino e aí o menino começou a viver, que até então esse primeiro mês foi um transtorno, porque eu não podia amamentar, me deram remédio pra secar o leite, porque eu tava num estado que eu não conseguia parar em pé, anemia profunda e eu achei: pronto, vou morrer, não tem mais jeito, acabou tudo. E o menino ali e eu querendo assumir essa situação e não conseguia, e aí eu descobri depois... O abandono novamente, a falta de amor, a falta de consideração do ser humano, do pai do meu filho principalmente, também porque eu sou uma pessoa que eu nunca atrapalho a vida dele e o que ele fez foi desumano, foi tão igual ao que muitas pessoas fizeram na minha vida, minha tia, por exemplo, então foi mais uma experiência negativa e marcante na minha vida que eu tive. E quando ele soube que o Gabi, que eu tava em coma, aí ele entrou, ele tava gravando uma novela no SBT, mas estava em Santa Catarina, aí ele veio pra São Paulo, o Gabi tinha um mês, ele entrou em casa, tava um dia de muita chuva, e ele não quis pegar o menino e eu tava muito debilitada, eu falei: “Vamos registrar o menino?” Ele deu risada e ele falou: “Uhm!” e foi embora, e aí eu fiquei. “Meu Deus, o que eu vou fazer com essa criança?” E daí eu entrei numa depressão pós-parto terrível, e sempre as pessoas que me ajudaram são pessoas assim como vocês, pessoas que eu não conheço, foram as pessoas, são os meus anjos guiadores, pessoas que pelo meu caminho foram vendo a verdade, a situação e se comoveram e me ajudaram um pouquinho ali, um pouquinho aqui e isso foi crescendo. E quando o Gabi fez seis anos, eu toquei minha vida sozinha com o menino, quando ele fez seis anos, eu fiz mais uma tentativa de falar com ele e ele jogou na minha cara que se eu estava nessa porcaria dessa vida é porque eu escolhi ter o filho, pra não dizer outras palavras, né? E daí cresceu uma raiva muita grande e eu falei: “A partir de hoje você tem uma inimiga, e eu preferia ser sua amiga, mas se você quer que eu seja sua inimiga, a partir de hoje nós seremos.” E eu desliguei o telefone, nesses seis anos eu passei muito apertado, meu filho não tinha convênio.
P/1 – Você tava na hotelaria ainda?
R – Tava no Sofitel, eu trabalhava... De domingo, eu tinha um domingo por mês só, não tinha onde deixar o menino, levava o menino pro berçário e o menino apanhava nesse berçário, de meninos maiores, mordiam, um dia machucaram todo o menino, eu vivia transtornada porque eu precisava muito trabalhar, ano novo dobrava no hotel, sabe? E eu cheguei ao ponto de por meu filho numa caixinha e enfiar embaixo da mesa da telefonia, não sei o que fazer com o meu filho, né. Daí meu pai não me ajudava, não tinha como e daí eu comecei a enlouquecer e eu comecei a procurar emprego, numa empresa que fosse, que eu trabalhasse de segunda a sexta, porque eu tava, eu não tinha mais condições, então a escola fechava e eu não podia sair do trabalho e eu sabia que meu filho tava lá, então era desesperador né, enfim, daí eu consegui emprego numa multinacional de importação e exportação aero marítima, daí eu comecei a trabalhar de segunda a sexta, e aí eu conheci uma pessoa em um dia que eu estava chegando na empresa, e com essa pessoa eu namorei por seis anos, e eu tentei assim de todo um custo montar uma família, que meu filho Gabi tinha quatro anos e meio, mais ou menos, quando eu conheci essa pessoa e aos poucos, um ano depois, nós começamos a consolidar nosso relacionamento e eu tentei de toda maneira fazer que a gente fosse morar junto, meu filho ter um pai né, mesmo que fosse um mentor mas, é ter uma vida melhor do que toda essa porcaria que eu passei e eu não consegui, eu não consegui, nosso gênio era forte o meu e o dele, eu não consegui, ele é uma pessoa maravilhosa é até a pouco tempo inclusive me ajudou em um problema que eu tive, mas eu não consegui, aí no final eu mesma larguei dele e voltei, e ele não deixava também eu trabalhar, era muito possessivo. Toda aquela força interna que eu tinha de buscar minha vida aquilo começou a miar, eu comecei, ao mesmo tempo que eu tinha, ele me ajudava em várias coisas, é meu padrão de vida subiu muito, a minha força energética desceu, então eu vivia com labirintite, depressão tomando erva de São João, vontade de realizar meu sonho, mas não podia falar, eu não podia sair com minhas amigas pra dançar, não podia atender um celular, ele era extremamente possessivo, chegou um momento que eu pensei, eu vou morrer, o meu filho começou a perceber certas coisas, né, então eu marquei um estúdio, no dia que eu tava conversando com o diretor musical ele pegou o telefone e ele xingou o cara e me queimou, assim sabe? Entre algumas pessoas, eu fiquei muito triste. (pausa)
P/1 – Então, você tava contando essa experiência com filho e com o namorado e não deu certo. Nesse período você tava trabalhando na?
R – Na Eagle Global Logistic.
P/1 – Nessa empresa de importação.
R – Isso, e daí ele, ele viu que eu era uma pessoa de garra, que eu queria crescer tudo, e eu era recepcionista bilíngue e ele falou: “Você não quer vir trabalhar na minha empresa?” Era a concorrente: “E você monta uma equipe de vendas, vou dobrar o seu salário.” Eu falei: “Eu vou pensar”, passou uns três meses eu perguntei: “Tá valendo aquele convite?” “Tá”, aí eu pedi minha demissão. E quando eu pedi minha demissão, eu tava aguardando aquela semana que ele fosse me chamar, pra trabalhar, afinal de contas, eu nunca tinha ficado sem emprego, sem um registro de carteira né? E daí foi natal, eu dei uma foto de rosto de presente, e o filho viu essa foto não gostou, o filho dele que trabalhava na empresa, e aí começou uma coisa estranha e ele disse que eu não poderia trabalhar com ele, e aí eu comecei a chorar: “Meu Deus, meu filho pequeno e eu sem emprego, como que é isso?”, sabe eu fiquei muito em depressão e no começo ele falou: “Não, eu vou arrumar um emprego pra você” e a gente foi indo assim e no final, a gente começou a namorar eu acabei ficando com ele. E o Gabi cresceu esses seis anos com ele, ele não foi um pai pro meu filho, ele foi um amigo, vamos dizer assim, uma pessoa bacana, ele não foi um educador e não deu amor como se fosse de um filho adotivo, tem gente que adota e dá todo amor, ele não foi essa pessoa, não tinha isso nele, né? É daí eu achei que devia mudar tudo na minha vida que eu tava muito infeliz, e daí eu larguei, eu já tinha estudado japonês, e aí eu comecei a procurar emprego escondido no jornal, e eu vi uma joalheria que precisava de uma consultora bilíngue que falava japonês, falei: “É pra mim mesmo!”, eu comecei a estudar rapidamente e eu fui nessa empresa e fiz o teste e eu entrei, e daí eu dei a notícia pra ele: “A partir de hoje, eu não tô mais com você e vou voltar a trabalhar e começo amanhã”, e foi uma perturbação, ele me perseguiu um certo tempo, eu tive de tomar procedimentos pra cuidar do meu filho, fiquei com medo de tudo, mas no fim deu tudo certo, ele estava perturbado porque era uma pessoa extremamente apaixonada e daí assim, ele não fez nada de pior pra mim, pelo contrário. E eu comecei a trabalhar eu entrei na Vivara, fiquei um tempo eu não gostei do ambiente de trabalho. Pedi minhas contas e aí fui entrei na (Mister Dasaua?) que fica dentro do Sofitel e o que a loja vendia, três mil reais por mês uma loja muito fraca, eu vendia cinco mil dólares por mês, eu estourei em vendas e o dono veio lá do Rio de Janeiro, pra ver qual é minha técnica de vendas e a minha técnica era abordagem direta ao cliente, já com uma bandeja montada eu olhava o perfil é, você ia no bar tomar um café, eu já via seu perfil e já montava uma bandeja com tudo que combinava com você, uma mulher delicada, brinquinhos delicados, anéis pequenos fininhos, todo assim, entende? Então eu já ia com uma bandejinha com chocolate, uma pedrinha de cortesia, e eu já entregava, já fazia o convite e aí claro, com toda essa simpatia você passava na loja e acabava comprando, né? Então como tinha os eventos, tem muitos eventos lá, nos andares do mezanino, eu subia lá nos eventos, já com as bandejas montadas, batia o olhe e “Ah, eu sei o que ele gosta, ele gosta de uma corrente com uma pranchinha de surf, quer ver?”, aí eu já montava o estilo dele, já subia e certamente uma carteira ele acabava comprando, e assim foi indo e eu estourei em vendas, já tava no ano estourada em vendas e aí o gerente fez propostas para eu ir pro Shopping Morumbi, só que ganhando o dobro, o que pra mim seria muito bom, a única coisa que me assustava era aquela passagem da água espraiada, aquele pedaço ali que eu sabia que tinha muito assalto e eu achei, minha intuição falou: “Não vai”, e eu falei: “Então eu não vou, é melhor você me mandar embora”. Ele falou: “Olha, vou te convidar três vezes, na terceira se você não aceitar vai ficar complicado.” “Então é melhor você me mandar embora, e ele me mandou embora, achou que eu não fosse ficar com medo?”, e eu como não tive medo, ele me mandou embora, e nesse momento que me mandou embora, eu tinha juntado um valor, uma certa quantia e eu pensei assim, fiquei dois meses sem fazer nada totalmente, conheci varias moças lá no meu condomínio, fiz amizade com várias gente, indo a academia e daí eu pensei assim: “Meu Deus, agora o que que eu vou fazer da minha vida”, né? O filho já tá com 12, nove anos, oito anos e meio, o que, que eu vou fazer da minha vida agora, aí uma dessas vizinhas minha é falou: “Silvia o que, que você fazia?” Eu comecei a contar minha vida. “Você tem vídeo de trabalho?” “Tenho.” Eu comecei a por os vídeos de Madonna, comecei a por as entrevistas, mostrei o book. “Menina, você tá esperando o quê?” Aí já peguei o violão o comecei a tocar minhas músicas. “Você tá esperando o que pra voltar, você não tá vendo que você é uma artista nata?” Aí eu falei: “É mesmo cara, eu sou uma artista, eu sou uma artista eu vou voltar”, aí eu fui levar o Gabi num dermatologista, bem na frente uma escola de teatro técnico profissional, Mara Carvalho, a ex-esposa do Antônio Fagundes, aí ensaiei, ensaiei, uma vergonha de entrar, eu fui embora. Na segunda consulta do Gabi, um mês depois: “Agora eu vou entrar! Gabi, você vem com a mamãe”, morrendo de vergonha de entrar. “Ah, mãe, depois…” “Eu preciso fazer isso!” A hora que eu entrei na recepção, eu tive a certeza que eu ia sair de lá uma profissional, que eu ia ser a melhor atriz daquele pedaço ali, que eu ia fazer uma coisa muito importante, pois eu fiz minha matricula num sábado, sem ter previsão nenhuma de dinheiro que ia entrar, só saindo eu paguei lá quase sete mil reais de curso, nesse um ano eu fiz um intensivo, eu estudava de manhã até à noite, fazia vários trabalhos, pesquisava o tempo todo, só estudando, eu me formei, eu fui a melhor da segunda formação de peça, eu fiz dois personagens homens, foi muito bom, tenho esse trabalho inclusive, e daí eu cheguei pra Mara Carvalho e falei: “Mara, você não precisa de uma assistente, qualquer coisa assim?” “O que você sabe fazer?” “Tudo, eu sei fazer tudo”, falei nada, mas no meio artístico né? “Eu já fui isso, aquilo, não sei o que lá.” Ela falou: “Olha, eu vou ver, não sei o que lá”. E um dia eu recebi um telefonema: “Olha, eu vou montar a peça de corpo presente de autoria minha e você não quer me ajudar na produção?” Eu falei: “É pra já!”, aí eu peguei meu carro e já fui lá pro Encena e daí já comecei a conversar com a Genilda que é a sócia dela. E meu trabalho era montar um elenco de stand in, que trabalhasse de quinta-feira e sexta, sábado e domingo, teria o elenco, o primeiro elenco que era o Tato Gabos, a Denise Del Vecchio, o Magali Bif e Mauro Carvalho e outras duas pessoas. E daí eu montei toda essa equipe, além de eu montar a equipe eu fiquei, mais do que a gente tinha combinado, eu botei a Mara na mídia, então eu conheci o Amaury Júnior, Eu levei a Mara pra eventos, lançamento de (Dubai?), outro lançamento de livro também do Amaury Júnior, levei a Mara, pra um programa da Globo que fala na hora do almoço, fala só dos eventos culturais, é ah, daqui a pouco eu lembro, na Globo todo dia na hora do almoço fala, esqueci o nome do programa, e assim foi indo, levei ela pros programas da TV, da Rede TV, e assim foi indo, começou a sair matérias dela, vários programas eu fechei, sem contato nenhum, eu ligava, falava que eu era, o projeto era esse, a peça era aquela e aí o pessoal começou a vir...Vídeo Show! Fiz matéria, conheci a Globo, e assim eu fui crescendo, crescendo e quando estreou a peça do stand in, eu cheguei pra Mara e falei: “Mara, eu tô deprimida, eu preciso estrear como atriz, então eu vou deixar o projeto agora e vou estrear como atriz e vou procurar emprego como atriz”, e daí um colega que trabalhava lá o Wagner Ramalho, falou assim: “Tem um grupo de teatro-escola muito importante aqui de São Paulo, na praça Roosevelt, vou dar uma indicação pra você fazer um teste lá.” Eu falei: “Sério, mas como que é?” “Ah, é assim, assim, assim você vai ganhar 50 reais por peças e tem três ou quatro peças, por dia, então você vai conseguir se manter e vai fazer o que você gosta”. Menina, eu fiquei doida, saí correndo, já liguei, já agendei, já fui lá, e no teste eu fui reprovada, eu fiquei muito nervosa, era meu primeiro teste profissional, eu fiquei nervosa e o assistente que é o Ailson Neves, era eu e mais duas moças e essas, a primeira ela foi muito bem, era muito boa atriz, a segunda também e eu era péssima, aí eu peguei um trecho de um texto que não foi, não caiu bem pra mim eu não soube escolher e a pessoa que bateu o texto comigo, ah, perdeu o timing e assim por diante, eu mesma sabia que eu não ia dar certo, daí eu desci e fui colocando o tênis e daí o Ailson Falou: “Eu detesto fazer isso, ô profissão difícil essa minha, vou ter que mandar alguém embora daqui agora”, aí eu falei: “Bom, deixa eu ir no banheiro”, já saí, eu fui no banheiro e daí no banheiro eu falei com ele, porque em todos os meus piores momentos eu recorro a ele. Eu falei: “Deus, agora o senhor tem que me ajudar, o que, que eu devo fazer, se eu não conseguir aqui, eu não vou entrar em lugar nenhum, porque isso aqui é uma escola, é mais importante do que o próprio curso, o curso me deu DRP, mas isso aqui é o mais importante pra mim e agora. E daí eu senti algo me empurrando e eu fui, o Ailson tava sentado, eu ajoelhei no pé dele na frente de todo mundo e tinha muita gente lá, fora essas duas moças daí eu falei: “Olha, Ailson eu sei que eu fui terrível no teste, é o meu primeiro teste profissional, eu sou mãe de família, eu sou chefe de casa, eu sou uma pessoa extremamente experiente em várias coisas, já viajei o mundo, já morei na rua, e esse é o grande sonho da minha vida e eu tô realizando e eu preciso que você me dê uma chance, se eu não sou boa atriz, deixa eu varrer o teatro, me contrata pra varrer teatro”. Daí ele falou… Ele coçou assim, aí todo mundo parou de conversar e ouviu minha conversa né, eu ajoelhada no chão, aí ele falou assim: “Você tem noção do que você tá me dizendo?” Eu falei: “Tenho”, acho que ele nunca viu uma pessoa tão humilde quanto eu. “Eu varro teatro, não tenho problema nenhum, deixa porque aí eu vou vendo as pessoas trabalhando e eu vou aprendendo também, deixa eu ficar pelo amor de Deus”, e nesse eu nem terminei de falar ele falou pra outra moça a segunda: “Olha, você volta em fevereiro desse ano”, isso era em outubro do ano passado, “Eu vou dar uma oportunidade pra ela”. Daí eu estreei, Memórias de um Sargento de Milícias, no grupo Ria, ah eu comecei a fazer a construção do personagem, na véspera, quase que na véspera do diretor geral , que é o Zé Paulo Rosa, que tava de férias, voltou e quando ele viu a construção do meu personagem ele falou: “Não, não pode destruir tudo isso, e constrói outro pra amanhã” e daí os ensaios eram todos os dia de manhã direto o dia inteiro, eu consegui construir um outro personagem, eu entrei nessa peça, ainda mais ou menos porque o pessoal estava lá a cinco ou seis anos de casa né? E essa moça que entrou, a Alessandra, junto comigo e daí o diretor, não tava apostando muito em mim, não tava acreditando muito em mim, mas eu sempre muito humilde, muito sincera, e sempre falei olhando nos olhos e mostrando que não é brincadeira o que eu tô fazendo, eu tenho uma meta a alcançar, e minha vida significa isso, teve a leitura em junho desse ano do Cortiço, daí eu falei: “Zé, pelo amor de Deus, me dá essa leitura, deixa eu fazer a leitura de algum personagem, porque só essa peça eu não tô aguentando já, eu vou ter que voltar a trabalhar, de tudo que eu te expliquei da minha vida, me dá mais uma chance, entrar em mais uma peça”, daí ele me deu a leitura da Piedade, você leu O Cortiço? Leu O Cortiço? Pronto. E aí eu comecei a entender a Piedade e eu falei: “Ela sou eu”. Essa sensação de abandono dela, né, de traição e abandono, tá latente dentro de mim, e eu comecei a construir o personagem, só que o diretor não acreditou em mim, mas eu comecei a construir, eu fiz as leituras e comecei a construir o personagem, construí o personagem. Quando a gente estreou, ele viu realmente em quem ele tinha apostado e hoje eu não sou uma excelente atriz, mas eu sou uma muito boa atriz, tenho consciência disso, pessoas que eu não conheço vão lá e ficam assim, sensibilizadas com a personagem que parece que é verdadeiro, mas não deixa de ser verdadeiro, porque a memória emotiva que eu uso é justamente do abandono, né? Com a diferença que a filha dela, a senhorinha virou uma prostituta, meu filho, se Deus quiser, tem um futuro maravilhoso pela frente, mas o abandono dela, o abandono, a quebra da família, dos sentimentos da vida, da fidelidade a Deus, que ela era uma pessoa muito fiel, tudo aquilo se quebra quando quebra a família e quando ela se vê longe da terra dela que é Portugal, então ela amaldiçoou o Brasil, a terra que ela pisou, daí eu pensei na Romênia, nossa e essa terra, foi aqui tão perdida sem identidade, e aí eu construí o personagem e ficou muito, muito bom, inclusive amanhã tenho peça e eu to refazendo a minha vida, dentro desse grupo Ria, que é um grupo que eu prezo muito e o Ailson Neves, não veio na minha estreia, ele teve um problema de saúde seríssimo e eu chorei muito, porque eu fiquei sem a refêrencia que era ele, mas eu mesmo assim eu continuei no grupo e por sorte minha, semana passada ele voltou pro grupo, ele melhorou e voltou pro grupo e aí ele assistiu meu trabalho e ficou bem sensibilizado, nós tínhamos hoje é sábado, quinta-feira, em torno de 380 pessoas, na plateia, tinha até cadeiras extras, sempre lota é um projeto que sempre lota, mas esse dia tava especial e no final a gente, montou um bate-papo sobre o autor e sobre a peça, daí eu fiz na hora de me apresentar como atriz né, cada um se apresenta, eu falei: “Sou Silvia Malanzuk e eu quero fazer um agradecimento especial pro Ailson Neves e pro meu diretor geral José Paulo Rosa por ter me dado a oportunidade de estar aqui nesse projeto, que é um grande sonho e eu respeito muito esse lugar aqui”. Aí foi uma festa todo mundo batendo palmas e toda vez que eu termino a peça, que eu vou fazer o agradecimento, eu agradeço a Deus, eu falo: “Deus, daqui eu tô indo pra televisão, daqui eu to indo pra televisão”, e são várias peças que eu faço, muita peça, por semana eu chego a fazer em torno de dez, 12 peças. É dez da manhã, duas e meia da tarde, sete e meia da noite, sábado, domingo direto. Então eu to materializando aquilo que é realmente o objetivo que eu tenho da minha vida assim, o significado da minha vida é, eu me profissionalizar em novela e fazer novela. E eu tô a um passo de conseguir realizar esse meu sonho, porque, porque eu sou muito persistente, eu sou determinada, então eu vou a eventos e eu vou com o propósito de falar com tal pessoa, e parece incrível e tudo dá certo e eu falo com a tal pessoa, assim sabe? Então eu já tô editada tanto na Record quanto no SBT, pra novela mesmo e parece que tudo tá se resolvendo assim e o sentimento que eu tenho, a impressão que eu tenho com 47 anos é que ao mesmo tempo que eu estou recomeçando, parece que eu não tenho muito tempo, eu sinto que eu não tenho muito tempo, porque não porque eu sei lá, eu sou, mas é porque eu vivi tão, tanta coisa, tão intensamente que parece que tudo que eu tinha de passar eu já passei e eu tô realizando sonhos, eu cuido do meu pai, de processos dele na procuradoria, de separação de bens, de pensão alimentícia e o filho que ele criou, foi o único que ele criou de fato, não paga pensão e não ver meu pai, já até cheguei a conclusão que meu pai tem que pagar isso, né porque ele não criou a gente, não se importou muito assim, do jeito dele né.
P/1 – E sua mãe, você falou que há quatro anos atrás sua irmã te ligou, assim, você foi atrás dela? Onde ela tá hoje?
R – A minha mãe mora num sítio em Primavera, Rosana, município de Primavera em Presidente Prudente, e daí eu, nós juntamos três carros e fomos ver, um irmão veio do Japão pra nos levar até a casa da minha mãe e nós saímos aqui de São Paulo e fomos indo. Levamos 13 horas pra chegar lá, a gente se perdeu, porque é longe, né? Quase divisa de Paraná, a gente se perdeu e esse meu ex-namorado gostava muito de dizer, bom homem, muito fino, mas ele adorava Zeca Pagodinho, eu falava que ele era maloqueiro, eu não gostava de ouvir isso, mas nós fomos ouvindo Zeca Pagodinho, porque o clima era de festa, de muita expectativa eu não sabia o que ia acontecer, eu podia até morrer na frente da minha mãe, né? É um grande sonho encontrar minha mãe, putz é um sonho tão grande quanto esse de realizar, de me realizar profissionalmente agora, e daí, viajamos, viajamos, viajamos e daí escureceu madrugada, eu cheguei bem de madrugada no sítio da minha mãe, eu tava dirigindo um carro, meu ex-namorado tava dirigindo o outro e mais um amigo num outro carro e tinha muita gente junto assim, inclusive meu filho e quando nós entramos no sítio que abriu a porteira, meu coração começou a disparar e eu aumentei bastante a música e todo mundo saindo dos carros e indo em direção a casa e eu aumentei o farol e eu vi uma mulher de lenço na cabeça, porque minha mãe sempre foi do interior, do meio do mato, uma saia comprida, uma blusinha humilde e a hora que eu olhei, eu vi espelho, eu vi minha mãe e nós somos muito parecidas, muito, e a hora que eu vi minha mãe eu falei… Aí eu sei que eu deitei a cabeça na direção e disparou a buzina, então ficou aquela buzina disparada, o Zeca Pagodinho e eu fiquei travada, pensei: “Meu Deus!” E a minha mãe também ficou travada lá e eu travada aqui e eu não conseguia e aquele barulho de festa e aquele céu muito próximo sabe, as estrelas eu nunca vi um céu daquele, de madrugada, tinha barulho de passarinho, tinha o Zeca Pagodinho, tinha a buzina do carro, todo mundo feliz, o barulho das pessoas pisando nas pedras, na terra o céu muito baixo, muitas estrelas e minha mãe ali. E daí naquele minuto eu lembrei de tudo que eu passei, morando na rua, procurando minha mãe, fazendo oração, lá no Japão fazendo oração, e eu fui parabenizada por orar tudo em japonês e falando japonês, cheguei sozinha lá, e eu fazendo oração e aquele templo enorme, muita gente, era tipo de uma arena e eu no meio e eu fazendo oração e pedindo minha mãe, pedindo minha mãe e eu ia lembrando de tudo, do nascimento do meu filho, eu em coma, eu chamando minha mãe e aí eu resolvi sair do carro e aí que eu saí, eu fui em direção a minha mãe, cada vez que eu chegava mais perto, eu via eu mesma, eu mesma parada assim, além de sermos parecidas, eu já era mãe naquele momento, então eu entendi a situação da minha mãe, e daí eu ajoelhei no chão, eu nem abracei, eu já fui chegando correndo, correndo e eu falei: “Mãe, me abençoa pelo amor de Deus, antes que Deus te leve ou leve eu e eu não tenho mais futuro na minha vida”, daí ela pôs a mão na minha cabeça, e falou: “Minha filha, eu te abençoo” e aí foi, vixi, aí foi muito bom, abracei minha mãe, a gente não dormiu, a noite toda claro. Ela matou um boi, eu falei: “Mãe, pelo amor de Deus, isso não, não me faça isso nunca mais, nem um passarinho a senhora me mate, pois eu sou defen… Que eu defendo a natureza, pelo amor de Deus não me faça…”, eu não comia carne, mas eu entendi o amor dela e tudo e daí eu fui vendo que mera minha mãe e hoje eu chamo minha mãe de filhinha, porque a minha mãe era uma pessoa extremamente perdida e inocente, a minha mãe colocou o meu pai no chinelo na minha concepção de dez à zero, a minha mãe não era prostituta, a minha mãe não era nada daquilo que a minha tia falava, a minha mãe pagou a faculdade de um dos meus irmãos que é esse mais velho, sabe como? Plantando mandioca no sítio, mandioca nas costas num ônibus e vendendo na cidade e meu pai era o homem que saía pra dançar, bonitão, gostosão, cheio de mulheres, não construiu nada e hoje depende de mim, a minha mãe não depende mim. E daí passamos a madrugada toda conversando sobre tudo e ela me contou algumas coisas e aí eu concluí que, infelizmente, a minha tia proibiu minha mãe de ver a gente e quando eu tava em Miami, um dia ela veio atrás de mim, bateu na porta da casa da minha tia, onde minha tia mora até hoje ali, perto da Vergueiro, e a minha tia falou assim: “A sua filha tá muito bem, ela tá fora do país e ela mandou dizer que não precisa de você”, e eu precisando tanto da minha mãe, tanto, tanto eu cresci sem saber várias coisas eu fui sabendo, as coisas mais ou menos, eu descobri várias coisas, depois dos meus 29 anos, eu não sabia de muita coisa, sexo eu não sabia o que era isso, eu não sabia o que, que era é maldade, assim de fazer artimanhas e prejudicar outras pessoas, eu não sabia fazer essas coisas, a maldade do mundo e as verdades eu fui descobrindo depois dos meus 29 anos, bem tarde o que era ser mulher, não sabia nada disso, minha vó não falava, eu não perguntava, nem pensar, e daí minha mãe contou várias coisas, eu abracei minha mãe, falei: “Mãe, foi muito difícil, foi muito difícil”, e aí ela falou que ela me viu na televisão várias vezes e que daí ela não tinha mais esperanças de vir atrás de mim e ela contou que a minha tia proibia que a gente se visse, depois que a minha mãe me abençoou, eu larguei do meu ex-namorado eu fui estudar e eu sinto que eu tô caminho certo, embora de todos os países que eu já conheci, o Brasil é um país maravilhoso, mas difícil de se realizar sonhos, ou você tem dinheiro, ou você tem uma boa família por trás, é um país bem difícil de viver, de se caminhar com dignidade, realizando sonhos, mas eu ainda acredito nisso e hoje eu tô em cartaz com duas peças, eu tenho músicas minhas que eu compus que estão registradas, não consegui gravar, gravei três, mas apenas pra gravar, não foi com propósito de lançar um CD, mas tudo muito bem feito, assim.
P/1 – Deixa eu te perguntar Silvia, é a gente já tá encaminhando pro encerramento da entrevista, é eu não vou te perguntar qual é seu sonho porque você já tá construindo esse sonho, tá lutando por ele, mas eu queria que você falasse o que foi estar essa hora aqui com a gente contando a sua história, fazendo essa avaliação sobre sua trajetória?
R – Então, eu tava em casa semana passada e eu vi uma matéria rapidamente já no final sobre isso, no entanto que foi o tempo de eu olhar a televisão aqui eu passar e eu ver o telefone e sair correndo pra anotar, aí terminou a matéria, aí eu olhei: Museu da Pessoa e eu entrei na internet eu vi… “Nossa, existe isso?”, então você sabe por que eu tô armando de estar aqui? Porque, primeiro, minha vida é um livro aberto e eu adoro falar sobre vida com pessoas, mas principalmente porque não é merchandising, aqui ninguém vai estar fazendo merchandising da minha vida, mas acreditando e estar ouvindo vocês e vocês estarem ouvindo a minha história com muito respeito e eu também tô falando com muito respeito, então não é um programa qualquer, não tô dizendo que os programas que eu vou fazer sejam qualquer, mas não é um merchandising, não é um programa que vai fazer sensacionalismo com as minhas verdades, com o meu passado, eu entendi claramente que é uma ONG que respeita a história do ser humano, do indivíduo e eu tenho necessidade de mostrar e falar pras pessoas que às vezes as aparências enganam, porque, porque eu vivo, eu tenho, eu vivo num nível de classe média, mas eu tenho um passado de uma situação extremamente difícil, eu carrego essas situações comigo até hoje, eu todo dia eu rompo barreiras pra eu crescer profissionalmente, sou mãe solteira, o pai do meu filho é um cara famoso, não fez questão de me ajudar, eu não peço, eu até já dei a entender, né? E falei que eu me profissionalizei, porque na época, eu não era uma profissional e se eu tivesse tido a ajuda dele, pra cuidar do meu filho, hoje eu já estaria onde eu quero, então eu cuidei sozinha dessa criança e o não sensacionalismo é muito importante e eu pensei, já tinha pensado em escrever um livro sobre a minha vida, contando com apoio de incentivo fiscal de uma colega minha, que trabalhou numa produtora importantíssima e ela mesmo falou: “Si, começa a escrever seu livro que seu livro vai dar um cinema” e eu já desenvolvendo, já comecei a escrever o livro, que é justamente isso que eu contei aqui e nesse momento eu vi isso e como eu acho que eu tô numa fase tão importante, que na minha vida nada é por acaso, absolutamente nada é por acaso na minha vida, e agora com o trabalho de vocês, eu pensei: “É isso, é isso, eu vou porque eu quero contar a minha vida pra pessoas que se interessam e que respeitam”, e aí eu já tenho até meu roteiro pronto, sinceramente, e eu pensei e eu acreditei nisso, eu acreditei que se eu posso servir pra alguma coisa, pra mostrar pras pessoas que a gente tem que ter persistência na vida, nunca perder objetivos e os sonhos não envelhecem, então tem que seguir em frente, claro que a gente não consegue esquecer né, as coisas as passagens e o sentimento de abandono, de desprezo, do próprio ser humano, eu aprendi até que eu tenho de perdoar essas pessoas, porque se eu consigo perdoar, isso significa que eu tô um pouquinho à frente e assim que eu me estabelecer, eu olho para trás e ainda ajudo essas pessoas, tá na minha natureza, né? Então é importante para que as pessoas saibam que as vezes eu vou chegar aqui de carro ou eu moro lá no condomínio que tem uma piscina de raia, porque tudo que eu tenho eu conquistei com muito trabalho, mas isso não quer dizer como as pessoas acham, ah a primeira impressão que vocês tiveram de mim, assim uma pessoa bem resolvida com o pai e com a mãe, faculdade, não tem nada disso, eu vim praticamente de uma guerra, eu vim como se fosse da época primitiva pra cá, como se fosse um macaco caminhando como dizem e se levantando e se tornando um ser humano, então é legal esse trabalho pras pessoas não se enganar, porque as vezes atrás de uma máscara existe uma história enorme ou às vezes um buraco enorme, não existe nada ou existe tudo e as pessoas é, precisam ter essa percepção de ver alguém e não ver só o externo ver o interno e o interno vai conhecer a partir do momento que olha nos olhos e fala, com sinceridade isso que pra mim é muito importante, é um marco na minha carreira artística pra eu alcançar o meu objetivo, isso aqui é muito importante, amanhã eu vou estar numa novela principal e eu vou dizer, eu fiz um trabalho super humanístico, no Museu da Pessoa e ali eu me senti livre e eu consegui me soltar e falar eu falo da minha vida até padeiro porque eu adoro falar né? Você conta um caso eu tenho vários, se ele contar um eu tenho vários parecidos pra contar né. Disputa dos problemas, vamos dizer assim né, mas o motivo de eu estar aqui é justamente isso, é relatar em tempo toda a minha história e agradecer a vocês e deixar claro que eu vou continuar, por mais pesado que meus ombros estejam de tanta experiência, eu vou continuar e eu sinto que eu tô renascendo inclusive de idade e tudo mais, até quem sabe pra namorar, me juntar não tem, eu acho que tudo isso vai vir com a minha realização profissional.
P/1 – Silvia a gente queria agradecer e vamos dar uma paradinha, a gente queria que você cantasse uma música a gente vai trazer um violão.
R – Eu tive uma época que eu tocava em troca de sanduíches ou pra comer, precisava comer e precisava tocar, esqueci de falar.
P/1 – É que também não dá pra lembrar.
R – Eu resumi, né?
P/1 – A vida também não dá pra resumir em duas horas.
R – Eu não sei, vamos ver se eu consigo com esse mesmo. (Som de violão)
P/1 – Tá complicado com esse dedo?
R – Eu vou tentar, o comecinho.
P/1 – Tá gravando?
R – Hum, bom então essa é uma música minha, uma das, chama-se me Enganei demais, letra e melodia minha. Olé, fala de amor é assim. Ai desculpa, pera aí. Esqueci a letra! Acho que eu fiquei nervosa.
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