Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Paschoalino Assumpção
Entrevistado por Luís André do Prado e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 11 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 17
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - O senhor é filho único?
R - Não, nós éramos em sete irmãos. Já temos dois falecidos e somos ainda em cinco irmãos.
P - Como era o ambiente da sua casa? O seu pai era rigoroso, religioso?
R - O meu pai era um homem boníssimo, que nunca teve, aliás eu não acho que a gente deva falar uma coisa dessa, mas que não tem nada de extraordinário. Mas mamãe era, só falando que era italiana, a gente já sabe, italiana era dureza. E quando os irmãos brigavam o meu pai chamava a atenção e dizia: "Olha que eu vou falar com a sua mãe." O meu pai então nunca levantou a mão para dar um tapa sequer, um tapinha no seus filhos, ele mandava tudo por conta da mãe. E mamãe é que cuidava de todos e com rigor. E graças a isso nós somos uns irmãos que achamos, hoje, a vida muito diferente do que ela era.
P - Havia dificuldades financeiras, como era pelo lado econômico, a vida da sua família?
R - No lado econômico, naturalmente, devia haver... porque papai, como nós éramos já um número grande de irmãos, sete naquela ocasião. É a razão por que ele fez com que eu começasse a trabalhar cedo para ajudar nas despesas da casa. E se isso não bastasse, mamãe também, com esforço, ela costurava, era costureira. Vinha a São Paulo buscar nessas casas de fabricação de roupas e costurava em casa para ganhar uma coisinha a mais. E nós, os filhos, também éramos criados assim com rigor, quando não tinha nada que fazer mamãe ensinava a gente a costurar também, a fazer aquelas coisas simples nas coisas. Para não dizer que a gente não tinha algum dinheirinho para a gente comprar umas balinhas, em invés dela dizer: "Toma lá algum...
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Depoimento de Paschoalino Assumpção
Entrevistado por Luís André do Prado e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 11 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 17
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - O senhor é filho único?
R - Não, nós éramos em sete irmãos. Já temos dois falecidos e somos ainda em cinco irmãos.
P - Como era o ambiente da sua casa? O seu pai era rigoroso, religioso?
R - O meu pai era um homem boníssimo, que nunca teve, aliás eu não acho que a gente deva falar uma coisa dessa, mas que não tem nada de extraordinário. Mas mamãe era, só falando que era italiana, a gente já sabe, italiana era dureza. E quando os irmãos brigavam o meu pai chamava a atenção e dizia: "Olha que eu vou falar com a sua mãe." O meu pai então nunca levantou a mão para dar um tapa sequer, um tapinha no seus filhos, ele mandava tudo por conta da mãe. E mamãe é que cuidava de todos e com rigor. E graças a isso nós somos uns irmãos que achamos, hoje, a vida muito diferente do que ela era.
P - Havia dificuldades financeiras, como era pelo lado econômico, a vida da sua família?
R - No lado econômico, naturalmente, devia haver... porque papai, como nós éramos já um número grande de irmãos, sete naquela ocasião. É a razão por que ele fez com que eu começasse a trabalhar cedo para ajudar nas despesas da casa. E se isso não bastasse, mamãe também, com esforço, ela costurava, era costureira. Vinha a São Paulo buscar nessas casas de fabricação de roupas e costurava em casa para ganhar uma coisinha a mais. E nós, os filhos, também éramos criados assim com rigor, quando não tinha nada que fazer mamãe ensinava a gente a costurar também, a fazer aquelas coisas simples nas coisas. Para não dizer que a gente não tinha algum dinheirinho para a gente comprar umas balinhas, em invés dela dizer: "Toma lá algum dinheirinho." Ela pagava o servicinho que a gente fazia.
P - Como era o ambiente da cidade? Recorda-se de brincadeiras ou da relação entre vizinhos?
R - O relacionamento na cidade era bom porque não é preciso dizer, naquela época, bom tempo e não tinha o que se tem hoje, infelizmente, se falar na parte da violência. Mas naquela época, como a estrada de ferro tinha a casa dos funcionários logo dentro do setor, na própria estrada de ferro o relacionamento era muito bom porque tinha os colegas da estrada de ferro e que a gente ali fazia suas brincadeiras. E naquela época também tinha uma coisa interessante que hoje é muito pouco visto, os vizinhos, o divertimento quando se tinha uma folga era jogar cartas. Não como hoje que tudo é feito à base do dinheiro, era para diversão. As crianças ou jogava bola ou contava história e os adultos um joguinho de carta, assim por diante.
P - A comunidade era formada por pessoas que trabalhavam na estrada de ferro, quer dizer, moravam na casa da estrada de ferro?
R - Moravam na estrada de ferro e tinham esses relacionamentos também com outras pessoas de fora, mesmo porque como até hoje tem as suas atividades, antigamente, porque hoje é tudo diferente, ou porque ia numa missa ou porque ia numa sessão na igreja ou porque ia na matinê, no cinema, assim por diante. Mas era sempre bem diferente do que é hoje.
P - Tinha algum tipo de tradição, de festa que se cultivava, que se fazia ano a ano na cidade?
R - Isso era muito difícil, naquele tempo era muito difícil isso. O meu pai, por exemplo, ele tinha a mania, porque da origem dele, da família dele, ele tinha o prazer, naquela época também todas as casas tinham o seu quintal. Então o meu pai gostava de fazer a sua plantaçãozinha de verduras, era o passatempo dele. Mamãe com seus afazeres de costura não tinha outro passatempo senão isso, e as crianças senão fazer as suas peraltagens durante a folga.
P - O senhor gostava de esporte?
R - Quando criança, como sempre até hoje a bolinha sempre é o brinquedo natural, principalmente dos meninos, isto até hoje. Uma bolinha é uma diversão e a gente gostava de brincar. E brincava-se muito também quando criança, nessa época de escola, de fazer cirquinho, que a gente via nos circos, que naquela época também tinha muito circo que a gente via os palhaços e os trapezistas fazendo circo e a gente se juntava na frente de casa e fazia essas brincadeiras.
P - Tinha um time dos garotos lá?
R - Não, não, isso não chegou a ter.
P - E como foi o início do seu aprendizado na estrada de ferro? Entrou em 30 e...?
R - 33.
P - O senhor tinha quantos anos?
R - Eu tinha 16 anos.
P - Como foi aprender telegrafia?
R - Eu aprendi o telégrafo e a minha primeira nomeação foi em 11 de novembro de 1933 na estação de Utinga, que é uma estaçãozinha que tem logo após Santo André para quem vem de Santo André para São Paulo e eu fui ali o primeiro telegrafista. E quando inaugurou esta estação só parava dois trens de manhã e mais dois trens à tarde, não tinha assim parada contínua dos trens. E assim funcionava, durante o dia era folgado, ficava sentado ali no banco e esperando quando recebia chamada do telégrafo ou por causa de um telegrama ou para comunicar qualquer coisa. E assim a gente passava o dia. E tem uma passagem muito interessante: eu morava em Santo André que dista 4 quilômetros, mais ou menos, de Santo André até Utinga e naquela época os pais e as mães da gente dificilmente deixava a gente ficar fora, permanecer fora. Por incrível que pareça, eu dormia em casa, em Santo André, tinha que ir para Santo André, abrir a estação às 4 hioras da manhã, para dar passagem para o primeiro trem que vinha de Santo André ou de São Paulo. Então eu ia de Santo André à estação de Utinga à pé, pela linha do trem. Mamãe tinha a pachorra de levantar de madrugada, fazer o café, não me deixava sair sem café e eu ia para estação de Utinga. E o interessante aconteceu no dia 1 de janeiro de 1934 que na minha passagem à pé para ir abrir a estação para poder receber o funcionamento dos trens, percebo que os fios de comunicação nos postes estavam todos cortados. Então chegando na estação já me certifiquei que não tinha jeito de me comunicar com Santo André, então me comuniquei com São Paulo, dando para eles o acontecido para tomarem as providências. E eu tive que tomar as providências, como eu era o único funcionário da estação. E tomei as providências, que naquela época na estrada de ferro, não sei se hoje é adotado esse sistema, a gente tinha que dar, chamava-se naquela época o staff para mandar o primeiro trem poder seguir o destino até Santo André e esse trem daria a comunicação para os de Santo André que podia, aí só trafegava assim. E assim foi resolvido o problema, depois que vieram os eletricistas e a turma do trabalho e puseram em ordem aquela ligação da parte de comunicação.
P - Soube o que causou o acidente?
R - Aquela época foi, pelo menos segundo o que se ouviu falar na ocasião, só podia ser, estava muito em voga a questão dos comunistas, então naquela época dos comunistas. E assim o caso ficou liquidado, não ia saber quem foi, cortou, ninguém ia saber quem cortou, quem fez aquilo, mas pelo menos ficou na lenda que foram os comunistas, não se sabe de mais. (riso)
P - Como era aprender o telégrafo, era complicado, teve alguma dificuldade?
R - Não, não era complicado. Só que o telégrafo naquela época existia em dois tipos, primeiro o telégrafo Morse que trabalhava-se com uma só mão, muito embora, como se diz, a maneira era a mesma. E o nosso telégrafo nas estradas de ferro, tanto aqui na São Paulo Railway, como na Companhia Paulista e Central do Brasil era o aparelho Siemens, que a gente trabalhava com as duas mãos. Só que a gente tinha que ter bom ouvido porque a agulhinha batia na chapinha de ferro com sons diferentes, então você pelo som você sabia o que era letra A ou a letra B e assim por diante. Não foi difícil para aprender, não foi difícil.
P - Saberia explicar como é a codificação?
R - A codificação é a mesma até hoje, nunca mudou e eu ainda sei de cor. Eu não sei como explicar para você, por exemplo, se eu bater uma na esquerda e uma na direita é A, uma na direita e três da esquerda é B, uma na direita, uma esquerda, uma direita, uma esquerda é C. Uma da direita e dois da esquerda é D e assim por diante. Isso bem entendido, você batendo aí tem uma agulha que bate no aparelho e conforme o som você sabe, como se dizer, aqui se o esquerdo fosse mais leve e aqui mais forte. (faz batidas) Então você aí sabe que é B, A, C, D etc.
P - Basicamente são dois sinais?
R - Neste aparelho que nós trabalhávamos, existia um Morse que é mesma coisa só que agora já era um pouco mais difícil para aprender. Quer dizer, uma pancada forte e outra mais leve, trabalhava só com uma mão. Isso era muito usado, por exemplo, na Marinha e em outros lugares que isso existia. E pode notar, até hoje que o abecedário ainda é o mesmo quando, por exemplo, na Marinha os marinheiros, os sinais de um navio para o outro usado com as bandeiras, talvez hoje não se use mais isso porque há os aparelhos sem fio, celulares, etc. Mas ainda era a mesma coisa, mesmo sinal com as bandeirinhas do lado direito e do lado esquerdo, era o abecedário completo do telégrafo.
P - Poderia descrever quais áreas usavam o telégrafo? Em quais áreas da sociedade o telégrafo era fundamental?
R - Bom, na época em que eu trabalhei, pelo menos, que eu conhecia só tinha nas estradas de ferro, o telégrafo era um meio de comunicação quando a pessoa precisava de transmitir, de passar um telegrama para uma família a gente passava o telegrama. Porque o telégrafo é rápido, você em cinco minutos transmitia a notícia. E o próprio telegrafista, ou outros praticantes que tinha ali à disposição, ou porque estava aprendendo ou porque já era mais novo etc, a gente já recebia os telegramas e eles mesmos iam entregar o telegrama. Aquele tempo que eu lembre não era feito pelo correio, hoje tem já uma facilidade, talvez tenha atingido ainda uma pequena fase o telégrafo nos correios. Agora hoje é tudo diferente porque tem fax, tem computador e mais alguma coisa ,então já se torna mais fácil. Mas naquele tempo o que eu posso dizer é isso, a gente transmitia telegrama para Santos, Jundiaí, São Paulo, Campinas e etc. Porque havia inclusive, como se chamava, perdi o nome, convênio, vamos dizer assim, de uma estrada com outra. Então você precisava, de Santo André, por exemplo, passar um telegrama para Campinas então você transmitia o telegrama até São Paulo e São Paulo transmitia para Campinas e assim por diante.
P - Quais eram os comunicados mais freqüentes?
R - Tudo que você possa imaginar, ou comunicado de um falecimento, ou comunicado de uma doença, ou de viagens, tudo que possa imaginar, como está sendo hoje da mesma maneira, qualquer tipo de comunicação. Porque telefone também não era fácil ter um telefone. Começando que o telefone naquela época você precisava rodar a manivelinha lá, pedir para a telefonista o número do telefone e assim por diante.
P - Passou alguma mensagem curiosa ou que tivesse urgência, uma emergência, alguma coisa marcante?
R - Sinceramente, que eu lembre não, sempre foram casos corriqueiros, comunicado de casamento, aniversário ou remessa de encomenda, assim por diante. Usava-se muito o telégrafo também na comunicação entre as estações da própria estrada de ferro.
P - Dentro da estrada de ferro São Paulo Railway qual era a função do telégrafo na comunicação?
R - Por exemplo, tinha que comunicar que ia ser feito um trem especial para levar uma determinada carga, por exemplo, formado um trem de carga para levar... Então era comunicado assim que um trem de carga formado assim, assim, iria partir às tantas horas de São Paulo, enfim de qualquer lugar para toda a Estrada ficar conhecendo que iria existir aquilo para as devidas providências para não acontecer o que a gente vê hoje certos desastres, que a gente não pode concordar de soltar um trem atrás, enquanto tem outro trem lá na frente. Então, naquela época era tudo comunicado através do telégrafo.
P - Controle de tráfego?
R - Controle de tráfego. Porque no telégrafo tem outro fator, o que hoje quase não se faz, para ficar documentado a ordem, porque aí era um telegrama que ia dando a ordem para o indivíduo fazer determinada coisa, certo? Porque se fosse telefone diria: "Para mim ninguém falou nada." Então não tinha disso, essas ordens eram feitas pelo telégrafo.
P - E atendia a comunidade?
R - E atendia a comunidade também.
P - O senhor se lembra da média de telegramas que passava por dia?
R - Não era muito porque também a nossa população não era para comparar com o que é hoje. (risos) Mas eu mesmo quando comecei várias vezes ia entregar telegrama quando a gente recebia, eu ia entregar telegrama, mas não era como é hoje.
P - Queria voltar à sua vida pessoal e saber sobre educação. O senhor estudou na infância, como é que foi a sua formação?
R - Como eu já disse no início eu só tinha feito o curso primário e meu pai depois precisou de um pouco de ajuda e eu comecei a trabalhar. Começando a trabalhar nunca mais eu estudei. A única coisa que eu fiz quando trabalhava na estrada de ferro, e a estrada de ferro tinha um inconveniente, eu era daqueles, como se fala na gíria "tapa-buraco", como era funcionário novo então precisava dar férias de um funcionário na Barra Funda eu vinha trabalhar uma época na Barra Funda. Precisava dar folga para um outro não sei aonde, em São Caetano, Santo André e tal eles me mandavam. Depois é que teve uma temporada que eu fixei na minha atividade de telegrafista lá em Paranapiacaba onde nasci, por acaso, até foi lá. E aí eu fiz um cursinho de contabilista por correspondência, só que, infelizmente,quando chegou na hora de prestar exame, de fazer, a estrada de ferro me removeu para outro lado e eu acabei não fazendo. Mas graças a Deus, deu tudo certo, valeu a pena também. E aí continuei na estrada de ferro sem fazer outra coisa.
P - Como era o seu cotidiano de trabalho nessa fase inicial?
R - Quando era em Utinga ia à pé, quando trabalhava em outras estações ia de trem.
P - Como era o horário?
R - Bom, aí sempre era combinado um horário certo que combinasse com o horário de trem, a não ser quando fiquei em Paranapiacaba e mesmo em São Caetano. Por exemplo, na época de carnaval, em São Caetano eu optava por trabalhar à noite, porque naquele tempo o trem corria a noite inteira, na época do carnaval. Eu optava para trabalhar à noite porque ninguém queria todo mundo gostava de ir para as festas carnavalescas e eu então aceitava para trabalhar à noite, ganhava um pouquinho mais por trabalhar à noite e durante o dia ficava em casa. De mais, em outras, em Paranapiacaba depois eu fiquei dois anos dormindo lá que tinha a república dos funcionários que não tinha, que a família não era de lá, tinha a república que a gente dormia. Do resto a gente combinava de acordo com o horário de trem, a gente ia de trem.
P - Trabalhou em muitas estações?
R - Eu trabalhei em Paranapiacaba, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá, Santo André, Utinga, Barra Funda e Água Branca, todas essas estações.
P - Quase todas na região hoje do Grande ABC?
R - Com exceção de Barra Funda e Água Branca, todas da região da ABC. Mas deu para gente, como é que se diz? Tocar o barco e continuar na luta.
P - Como era a sua vida na adolescência, juventude, além do trabalho como era o lazer, as saídas com os amigos, o que se fazia naquele tempo?
R - Bom. Eu tive, na parte de jovens, 34 eu já estava com 17 anos, por incrível que pareça na própria estação de Santo André apareceu um dia lá um colega que veio de outro lado que gostava muito de teatro. E ali começamos a organizar um grupinho de teatro e aí começamos a fazer teatro. Então era a minha diversão, era nas horas vagas ensaiar teatro e quando tinha espetáculo a gente ia fazer espetáculo mas comecei fazendo teatro. Uma das razões porque hoje eu gosto muito de teatro. E dali comecei fazendo uma boa temporada depois eu fiz teatro.
P - Fazia que tipo de teatro, peças clássicas, populares?
R - Isso dependia do diretor escolher a peça e a gente fazia. (risos)
P - Que peças vocês chegaram a montar?
R - Naquela época... as de hoje... foi um monte, eu tenho uma relação lá. Primeiro porque a gente usava muita peça mais dedicada ao público infantil, de crianças. Pelo nome de uma delas, a primeira que eu fiz, "João, o Corta-mar." Peça para criança. Depois fiz uma outra, a segunda que eu participei: "A Condessa de Rione" Aí já era uma, só que eu não gostei muito porque eu fazia o papel do mocinho que gostava da rainha mas a rainha não gostava de mim e eu tive que me suicidar. Então eu não gostei dessa peça, eu não gostei de fazer porque morri cedo. (riso) Mas é interessante, mas eu gostei porque o teatro foi uma boa escola para mim também, no teatro a gente aprende muita coisa.
P - O grupo durou muito tempo?
R - O grupo a rigor não durou muito tempo porque depois a Companhia Rhodia lá em Santo André pouco depois formou um grupo que era, como se diz? Mantido pela própria empresa, funcionários da própria empresa e aí passamos todos para aquele grupo da Rhodia. O grupo da Rhodia cresceu, aí anos depois fundamos a Sociedade de Cultura Artística de Santo André e aí continuamos a fazer teatro. Aí o negócio cresceu e a gente começou fazer teatro e não paramos mais.
P - Casou-se quando?
R - Eu me casei em 20 de janeiro de 1942.
P - Como foi o namoro? Como conheceu a sua esposa?
R - Naquele tempo para namorar era difícil, hoje a liberdade é total, mas naquele tempo era fogo. Para namorar... primeiro porque não podia namorar no portão, depois a namorada trabalhava e eu também trabalhava, a gente só se encontrava uma vez por semana, não tinha outro jeito. Até que depois deu certo, me casei.
P - Como o senhor a conheceu?
R - Conheci porque, engraçado, não é? Contar a história, daqui a pouco tem que fazer um filme de cinema. Eu trabalhava na estação em Santo André e ela trabalhava na fábrica do Kovarik, que era logo vizinha do lado da estação e passava sempre ali atravessando as porteiras, nos conhecemos. Um dia, não sei porque, achei graça e tal, naturalmente a gente se olhava, aí comecei a procurar aonde é que eu a encontraria. Até que encontrei na cidade, a cidade era pouca gente, ainda era fácil. Aí fiquei conhecendo e então veio aquela historinha, domingo a gente convidava e ia no cinema e acabou a gente casando. Fazer o quê?
P - Namoro longo?
R - Não foi muito não, namoramos dois, mais uns três ou quatro anos, eu casei em 42, uns quatro anos, eu tinha 18 anos. Uns 4 anos demorou, também pudera, 4 anos se você dividir pelas vezes que a gente se encontrava não dava duas (risos)
P - Quando casou-se trabalhava ainda na estrada de ferro?
R - Na estrada de ferro. Muito embora a mulher sempre falava: "Puxa vida" porque na estrada de ferro tinha isso. Lá você não tinha dia para folgar, não é como hoje que... Antigamente você só folgava no domingo, hoje a gente folga no sábado e domingo, a maioria e quando tem um feriadinho no meio emenda de quinta até domingo. Naquele tempo não, a estrada folgava, uma semana você folgava no domingo, na outra semana na segunda, na outra semana na terça, cada semana era um dia, não era sempre o mesmo dia. E tinha às vezes semana que não tinha folga porque a gente ia substituir outro funcionário e acabava não tendo folga.
P - Ficou sempre na mesma função?
R - Sempre a mesma. Muito embora também não ficava o dia inteiro só no telégrafo, além do serviço de telegrafia, no fim eu tinha que vender... como se diz... substituir o indivíduo que vendia bilhetes e outros servicinhos corriqueiros da Estrada. Ou quando recebia um trem, o trem parava na plataforma para os passageiros descer e outros embarcarem então a gente tinha que ver o horário para apertar lá a campainha para o trem sair. Como em todo lugar que você trabalha, que embora você tenha uma função determinada sempre tem algumas coisinhas corriqueiras para ser feitas que você deve fazer, assim era lá também.
P - Lembra-se de algum acidente ocorrido envolvendo trem?
R - Como eu já disse acidentes graves não, houve acidentes pequenos, de pequena monta, muito difícil, nos tempos dos ingleses, os ingleses eram, como se diz, muito rígidos. Se fala até hoje contando a história lá da cidade que a gente acertava o relógio pelo trem. Quando o trem chegava na estação a gente sabia que era zero e assim por diante. Bom, quando eu trabalhava, hoje é muito comum e vocês devem saber disso e se falou muito aí de funcionário que põe o paletó na cadeira, mas ele não trabalha, não aparece. Naquele tempo tinha um inglês que fazia, corria todas as estações e ele conhecia todos os funcionários. E um dia eu precisei sair, e não me lembro agora o por quê, eu tive que vir até São Paulo, em São Paulo eu dou de cara com o inglês que fazia esse serviço. Ele não falou nada mas só quando eu voltei o chefe da estação me disse "Fulano esteve aqui para ver o teu serviço se estava em ordem." Então o inglês tem isso, você cumprindo com a sua obrigação não importa que você saía um pouco desde que o teu serviço esteja em ordem. Não é como hoje que a gente vê aí muita gente que deixa o serviço para amanhã e sai aí para fazer outra coisa, o inglês era muito rígido. E por isso também, não posso dizer que não foi uma escola porque eu inclusive também sou daqueles que gosta das coisas, marca um horário eu cumpro aquele horário. Posso atrasar porque hoje em dia você não pode fazer um cálculo no trânsito que não anda, você não pode marcar uma hora. A gente faz tudo para chegar naquela hora mas às vezes um acidente, sei lá, fura um pneu do carro, um acidente na estrada, você atrasa, só assim, porque do resto sou como o inglês também, cumpro o horário.
P - O trem, naquele tempo, era o meio de transporte mais importante?
R - Não só era importante, ou melhor, era importante e era muito bom porque havia, como se diz, primeiro: o horário era cumprido. Hoje infelizmente você vai para tomar o trem do meio - dia, ele passa às duas horas. Se vê constantemente nos jornais o público reclamando do atraso de trens. E naquele tempo tinha, além de ser um bom transporte, ele era rígido, você cumpria o horário, não falhava e era uma beleza. Hoje já é bem diferente. Naquele tempo a gente viajava no trem de segunda classe era tudo limpinho, bonitinho, arrumadinho e quem podia viajava de primeira classe, tinha até as toalhinhas de linho onde você encostava a cabeça. Hoje não, se viajava que nem, como se diz? Boiada nas gaiolas, aí num aperto danado e assim por diante.
P - Carros restaurantes era bons?
R - Tinha o carro restaurante e tinha o carro "Pullman" para quem, lógico, tivesse mais condições e pagava o carro "Pullman", com aquelas cadeiras giratórias e ia lendo jornais, etc. Uma facilidade, é muito diferente de hoje, infelizmente. Mas isso porque no nosso país infelizmente não há o interesse na preservação daquilo que é bom, infelizmente eu acho que não há. Tudo contribuiu para que não seja assim, porque antigamente não tinha outro meio de transporte fosse tanto de carga como passageiro, tudo era através do trem. Depois começaram a aparecer caminhões, ônibus e outros meios de transporte e o trem foi relegado a um segundo plano. Tanto você vê, se você quiser ir para Santos de trem só tem um trem de manhã, e assim mesmo nos fins - de - semana que tem dois, que vai de manhã e volta às 4 e meia, cinco horas de Santos para cá. Não é como antigamente que tinha trem a todo instante, tanto para Santos como para Jundiaí e etc. Infelizmente.
P - Trabalhou até quando na estrada de ferro?
R - Eu trabalhei até 1944, eu trabalhei 11 anos na estrada de ferro.
P - E continuou no mesmo ramo?
R - Aí eu saí da estrada de ferro, trabalhei uma temporada como contabilista depois cheguei a trabalhar... tudo era contabilista, num escritório de despachante que a gente fazia escrita contábil. E depois eu fui chamado, eu fui trabalhar na Caixa de Pensões dos Servidores Públicos Municipais de Santo André, só que era particular, embora fosse dos funcionários era particular. E anos depois porque a prefeitura tinha que contribuir e tal então a prefeitura encampou e eu, para não perder o emprego fiquei, e lá me aposentei. Agora fora isso a gente fazia outras coisinhas, aí sim entrava outras histórias. Continuando fazendo teatro, fazendo um pouco de esporte e fazendo outras coisinhas mais.
P - Que esporte fazia?
R - Eu comecei jogando um pouco de futebol quando era mais moço, depois me dediquei à parte mais de direção, de administração. Aí fui presidente da Liga de futebol, depois acompanhei o basquete, fui técnico da turma de basquete, depois acompanhei o voleibol. Mas tudo isso eu fiz cursinho porque eu sou daqueles que não faço nada sem conhecer a fundo como é. E assim na minha vida de esportes eu fiz, fui presidente da Liga de Santo André muitos anos como eu já disse, fui presidente do Corinthians Futebol Clube de Santo André, depois fazendo teatro eu fui presidente da Sociedade de Cultura Artística. Eu que trouxe o primeiro teatro para Santo André, quando eu fui presidente da Sociedade, o Teatro de Alumínio. Não sei se, hoje se fala muito, mas infelizmente num tempo em que eu não estava mais lá acabaram com o Teatro de Alumínio e assim seguia a minha carreira. E hoje depois que eu deixei de fazer isso eu me dediquei mais a fazer a história. Então eu faço a história do esporte, a história do teatro e faço as minhas pesquisas para descobrir, fazer com que a turma lembre aquilo que eles tinham esquecido.
P - Por que se chamava Teatro de Alumínio?
R - Isso aí é uma coisa interessante, quando eu fui eleito presidente, quando me convidaram para ser presidente da Sociedade de Cultura Artística eu disse, veja bem, a Sociedade de Cultura Artística existia e só dava seus espetáculos, ensaiava num salão, seria um teatro que tinha um palco da Escola Júlio de Mesquita em Santo André que era da prefeitura. No governo Jânio Quadros aí fizeram um convênio lá com Santo André aí trocaram a escola com o grupo escolar. E veio a ordem aqui da Secretaria de Educação do Estado que tinha que ser usado aquele teatro pela escola então o diretor achou que nós não podíamos fazer mais teatro lá. E nessa época me convidaram para ser presidente da Sociedade. Eu digo: "Bom, eu posso aceitar com uma condição, se todo mundo me ajudar nós vamos fazer um teatro próprio." É lógico que eles deram um prazo para gente sair e aí por coincidência quando eu assumi a presidência da Sociedade apareceu no jornal um anúncio: "Vende-se um pavilhão em Santos. Circense." Era um circo só que era um tipo de um pavilhão. E aí fomos lá ver, entramos em entendimento, acertamos a situação. Então nós compramos esse pavilhão, só que ele não era de alumínio, era todo de zinco. Então a gente passou a chamar de zinco, oh diacho, ficava uma coisa meio esquisita. E a gente chamou de Teatro de Alumínio e trouxemos para Santo André, montamos em Santo André e aí ficou durante seis anos, mas depois eu já não estava mais na Sociedade e aí sei lá o que fizeram, eles acabaram com o Teatro de Alumínio e assim desapareceu. Mas ficou lá durante seis anos, de 1962 a 1968, o Teatro de Alumínio.
P - Por que começou a se envolver com o esporte, com cultura?
R - Olha, sinceramente nem eu sei, acontece que a gente ia fazendo as coisas e tomava gosto como eu já disse que eu sou daqueles que quando me comprometo a fazer determinada coisa ou entro para determinada coisa, eu faço. Então assim eu fiz, acompanhei o esporte, aí fiz teatro e outros cursinhos mais, como fiz o técnico de voleibol, técnica em atletismo e etc. E depois aí sempre tinha tempo porque eu tinha equipe de basquete, e sempre equipe feminina, basquete feminino e voleibol feminino então você tinha sempre ocupação porque era treinamento, era jogo e assim por diante.
P - Quais foram as suas grandes vitórias como técnico?
R - (riso) Eu acho que foi uma vitória, para mim foi uma vitória porque graças a Deus, sempre saí bem, quer dizer, não vou dizer campeão disso, campeão daquilo porque não tem nada disso. Mas graças a Deus, sempre que participei sempre tive boa participação e sempre se conseguiu e graças a Deus sou benquisto no meio tanto teatral como esportivo pelo trabalho que a gente tem feito.
P - Queria voltar ainda para a sua história com a São Paulo Railway e saber um pouco sobre como era ser empregado da empresa?
R - Falar de salário se era bom eu não sei, mas acontece que a gente não podia, naquela época você não podia fazer assim muitas exigências porque a estrada tinha isso, primeiro, como eu já disse também, a gente só entrava no serviço de estrada de ferro nessa parte administrativa, naturalmente tendo que saber ler e escrever e aprender o telégrafo para fazer outros servicinhos corriqueiros. Agora tinha uma coisa, o inglês dava valor ao seu trabalho. Por exemplo, eu comecei como praticante de telegrafista, depois fui subindo e passei para telegrafista de terceira classe, telegrafista de segunda classe, telegrafista de primeira classe, depois que eu cheguei à primeira classe, naturalmente já estava adiantado porque inclusive a gente fazia outros servicinhos corriqueiros, aí para um salário melhor eu passei a ser escriturário de terceira classe. Veja que escriturário já era uma fase um pouco maior, você não entrou como segunda, já passei para escriturário de terceira classe.
P - Essas classes eram só faixa salarial ou mudava a função?
R - Naturalmente mudava a função, quando era escriturário já se dedicava mais à parte de escriturário mesmo, aí você fazia faturamento, despacho de volumes e etc. Seria uma condição, um exemplo, muda de profissão para poder ganhar um pouco mais, era essa a razão.
P - Quantos empregados existiam numa estação e quais as suas funções?
R - Olha, as estações, agora para eu te dizer o número não é muito fácil assim de dizer porque tinha, por exemplo, tinha quatro pessoas que trabalhavam quando controlavam a entrada dos passageiros, para picar o seu bilhete, tinha aqueles que trabalhavam no serviço de limpeza, tinha aqueles que controlavam a saída e chegada dos trens, naturalmente também são quatro pessoas, oito, dez, depois tinha telegrafista, no mínimo eram quatro por causa do revezamento de horário, eram quatro, tinha o que era o escriturário. Naquele tempo tinha uma média de quinze ou vinte funcionários mais ou menos, de acordo naquele tempo também o serviço não era lá assim tão grande, hoje ao invés de aumentar diminuiu porque hoje não tem mais desse serviço porque não se faz pela estrada de ferro mais, mas naquele tempo... Depois não precisava tanto porque, se pode notar você viajando de trem ainda percebe muitas indústrias que eram construídas ao lado das linhas da estrada de ferro e tinha os seus desvios. Então quando chegavam essas mercadorias pela estrada de ferro era fácil você, não tinha muito serviço, era você receber a fatura e emitir a ordem de cobrança do frete desse vagão que veio direto para tal indústria e assim por diante. Hoje, por exemplo, já não tem isso. Hoje deve ter diminuído bastante o número de funcionários porque não se faz muita coisa.
P - O que demandava mais trabalho. Era o controle de tráfego de carga ou o de passageiro?
R - Era o controle de tráfego. Aí juntava um pouquinho de tudo, mais o tráfego de carga, isso era controlado porque tinha bastante.
P - Em qual estação que trabalhou tinha mais movimento, mais demanda de gente e carga?
R - A rigor não era tanto em todas as estações, um exemplo: em São Paulo aqui na estação da Lapa o serviço era maior porque se concentrava no despacho de mercadoria daqui da parte de São Paulo, aqui na estação da Lapa, depois ela ia distribuindo nas outras estações, cada um lugar um número de dois ou três vagões ou coisa parecida, fora trens, por exemplo, que vinham já, por exemplo, de Jundiaí ou vinha de Campinas no transporte de café, aí já era um trem inteirinho que vinha com café e ia até Santos para ser carregado nos navios, o transporte marítimo, e assim por diante. Às vezes, dependendo da mercadoria juntava, por exemplo, vamos dizer para Santos que tinha o embarque de mercadoria através de transporte marítimo, então juntava entre um e dois dias, vários vagões para pegar, facilitar o transporte e já ia um trem inteirinho daqui até Santos, para levar mercadoria. E esses que iam descendo assim pingadinho, um vagão ou dois, em cada estação era um trem que tinha um horário diferente que não atrapalhasse o tráfego porque naquela época tinha bastante trem de passageiros porque não tinha outro meio de transporte. Então o serviço era facilitado. Porque no tempo do inglês isso era muito controlado, isso aí hoje, de qualquer jeito vai.
P - Quais eram as companhias que trabalhavam com linha férrea no Brasil naquela época?
R - Eu não sei dizer, sei que na Companhia Paulista também não era do governo, tinha a São Paulo Railway que era dos ingleses, tinha a Companhia Paulista eu não lembro de quem era, depois tinha a Mogiana, tinha a Central do Brasil, se não me engano, a Central do Brasil já era do governo, se não me falha a memória eu não posso afirmar assim, mas que naturalmente os dirigentes deviam eram ser estrangeiros porque ainda funcionava e tinha que funcionar de acordo porque ela dependia do tráfego mútuo que existia entre Companhia Paulista e São Paulo Railway no transporte de passageiros de São Paulo para o Rio de Janeiro. Depois tinha a Rede Mineira de Viação, isso não sei quem eram os donos, tinha a Estrada de Ferro Sorocabana, que eu também não sei se era já do governo, tenho a impressão de que não, devia ser particular e assim por diante, tinha várias,que naquela época queira ou não queira tinha que andar de certa maneira direitinho porque uma dependia da outra.
P - Lembra de algum movimento grevista nas redes ferroviárias? Participou de algum?
R - Pelo menos durante os 11 anos em que eu trabalhei na estrada, nunca vi, nunca soube de um movimento sobre greve ou coisa parecida, eu não me lembro. Pelo menos também, se houve algum eu não tive conhecimento e não participei mas que eu lembre não houve, apesar que existia sindicato e eu fui sindicalizado também, mas não me lembro que tenha havido movimento grevista.
P - Participou de atividade sindical?
R - Não, eu apenas fui só simplesmente sócio do sindicato que de uma certa maneira era obrigado, enfim, era uma novidade então a gente participava.
P - Atividade política nunca teve?
R - Não, nunca tive.
P - Havia assim uma perspectiva de ascensão, a empresa oferecia algum tipo de plano de crescimento?
R - Não, como eu já disse, aí o que valia era o seu procedimento como funcionário e que o inglês valorizava muito, havia alguns casos que por conveniência, por exemplo, eu trabalhava em Paranapiacaba, quando eu trabalhei lá, fiquei durante dois anos, depois apareceu a oportunidade, eu pedi uma troca com um outro funcionário que ele era de Paranapiacaba e estava trabalhando aqui em São Paulo. Então para ficar mais fácil para mim porque aqui tinha os trens de subúrbio eu arrumei uma troca e os ingleses concordaram, eu fiz uma troca, ele foi para Paranapiacaba e eu vim para São Paulo que ficava mais perto. E havia isso. E às vezes se dava uma determinada vaga, aquele que estava interessado pedia, se dava certo e ele tinha condições para aquilo, eles concediam, salvo quando tinha... Ali, por exemplo, no meu caso, como telegrafista quando eu saí, se eu não tivesse saído eu podia ainda ter alcançado o cargo de chefe da estação.
P - Era o mais alto?
R - Era o mais alto porque aí você passa depois de telegrafista de primeira classe, você passa para ajudante do chefe e depois para chefe de estação. Só que não seria na própria estação onde você está trabalhando, isso dependia das vagas que aconteciam, então eles iam fazendo promoção por tempo de serviço e pelo desembaraço que cada um apresentava. Era assim no tempo dos ingleses.
P - Depois que o senhor saiu da empresa quanto tempo ainda durou a São Paulo Railway e quando é que o trem deixou de ser importante no tráfego brasileiro?
R - Eu não sei a data exata mas eu sei que quando eu saí da estrada de ferro que foi em 1944, logo depois o governo encampou a estrada de ferro, mas eu não sei quanto tempo demorou para fazer a entrega em definitivo. Porque depois que o governo tomou conta já começou aquele negócio de dispensa de funcionário, de cancelamento de determinados trens por medida econômica, no fim o governo só fala em fazer economia mas não adianta nada, estão sempre em débito. Eu não estou lembrado agora a data, assim que eu saí, me está parecendo que foi logo em seguida, no ano seguinte, em 45, eu saí em 44, não me lembro bem a data que eu tenho marcado na caderneta lá e logo depois o governo tomou conta. Naturalmente o governo tomando conta deve ter prosseguido pelo menos durante alguns meses para que a turma que estava funcionando transmitisse para os novos dirigentes como funcionava a coisa, pelo menos isso. Infelizmente não souberam preservar, a estrada de ferro hoje é um caos.
P - Gostaria de saber se o senhor tem saudade de ser telegrafista.
R - Eu diria que eu tenho um pouco de saudade do tempo em que eu fui telegrafista na empresa que estava, porque hoje já não existe mais. E tem outra coisa interessante eu não sei o por quê que eu desde mocinho eu nunca pensava em ser servidor, serviço público e aconteceu isso que a estrada foi passada para o governo, eu digo: "Vou ser funcionário público?" Aí saí da estrada de ferro mesmo porque também tinha que tentar a vida fora porque o negócio era diferente e no fim resumindo um pouco, fui parar na Caixa de Pensões do Servidor Público, depois de certo tempo a prefeitura encampou, eu digo: "Agora não vou perder meu emprego." Aí fiquei e me aposentei. (riso) Porque serviço público você só entra com concurso mas como eu já estava lá e já estava com, como se diz, bem a par do serviço e já com pouco de tempo, eu digo: "Eu não vou perder o meu emprego" Aí acabei ficando e me tornei servidor público.
P - Olhando o seu passado, uma profissão que entrou em extinção, como é que o senhor vê isso? Dá uma nostalgia?
R - No fim você tem que concordar com a evolução da coisa, muito embora pelo menos as pessoas, penso eu, de meu tempo, a gente sente saudades não só do emprego, do serviço de telegrafista e tal como de muitas outras coisas que se fazia que eram muito boas e que hoje infelizmente não há, mesmo porque hoje por mais que você queira cuidar dos filhos, eles têm que acompanhar a evolução dada a sua convivência com os demais que hoje é completamente diferente. Então a gente sente saudades daquela época, de uns 30 ou 40 anos atrás, a gente sente saudades. Não tem a pessoa que diga que não sente saudades, acho que todos eles devem sentir saudades. Era gostoso quando a gente levantava de manhã e encontrava em cima do muro da casa o litrinho de leite e o pãozinho quente, hoje você não pode fazer isso, você não encontra nem o leite nem o saquinho vazio você não encontra. E assim outras coisas mais.
P - Por que saiu da São Paulo Railway?
R - Não foi bem só porque passou para o governo não, é como eu já disse anteriormente, a minha patroa não gostava muito: "Ô, você não tem folga, a gente não tem um domingo sossegado Não tem não sei o quê." Então eu aproveitei a deixa e digo para ela: "Eu vou sair só que se não der certo você vai trabalhar outra vez". Mas felizmente ela não precisou ir trabalhar mais, deu certo e fomos em frente.
P - Se o senhor começasse hoje, que trabalho escolheria?
R - Olha, sinceramente do que eu venho fazendo atualmente embora seja trabalhoso e difícil, lógico, com o conhecimento que a gente tem, com a vontade que a gente tem e com as saudades que a gente guarda, hoje se eu tivesse que fazer alguma coisa pegaria com mais afinco ainda essa parte que eu vivo fazendo agora: historiador, fazer história, levantar história porque infelizmente no nosso país o que falta é a turma saber de onde viemos e para onde vamos.
P - Muito obrigado por estar aqui prestando essa colaboração para a memória.
R - Eu é que agradeço e com muita satisfação de estar prestando aqui uma colaboração para vocês que estão fazendo uma coisa que muita gente já devia ter feito.
P - Então muito obrigado
P - Obrigado.
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