P/1 – Álvaro, você pode falar seu nome completo?
R – Álvaro Rodrigues Monteiro de Melo.
P/1 – Qual a data do seu nascimento?
R – Dia 14 de dezembro de 1992.
P/1 – Em que cidade?
R – São Paulo.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – São.
P/1 – Seu pai e sua mãe?
R – Meu pai é de Pernambuco, Recife.
P/1 – Como que é o nome dele?
R – José Aniz Monteiro de Melo.
P/1 – E a sua mãe?
R – O nome da minha mãe verdadeira, eu só sei que o nome dela é Roseli, já o nome todo eu não sei não, porque eu sou criado por outra família e o nome da minha mãe que me criou é Damiana Maria Bezerra da Silva.
P/1 – Por que é que sua mãe não te criou?
R – Olha, eu tenho hidrocefalia. Quando eu era pequeno, ela não só me abandonou, ela abandonou minhas duas irmãs também e aí quando a minha irmã foi criada por outra família e eu também fui, meu pai nessa época ele tava trabalhando em Pernambuco, e aí ele voltou pra poder cuidar de mim. E aí quando ele soube que a minha mãe tinha me abandonado assim que eu saí da barriga dela, que acho que ela tinha umas dificuldades, algum tipo de problema, e aí ela não cuidou. Decidiu me abandonar e eu acho o seguinte. Que graças a Deus hoje eu vejo ela, mas eu não tenho mágoa dela, não tenho rancor, não tenho raiva, não tenho nada. Só o que eu entrego bastante, primeiramente a Deus, é de eu estar vivo, estar estudando, feliz. É o que é mais importante na minha vida é meu pai foi uma grande participação na minha vida.
P/1 – Aí ele mudou. Mas sua mãe e seu pai moravam em Pernambuco, quando você nasceu?
R – É, aí...
P/1 – A sua mãe é de São Paulo e morava em Pernambuco?
R – Não, essa minha mãe verdadeira, ela é de Pernambuco. Aí ela acabou me deixando, aí meu pai desistiu de trabalhar.
P/1 – Mas sabe não sabe por que é que ela deixou vocês?
R – Eu não sei por que agora ela diz que tinha um problema, né, e aí que tipo ela, diz ela que chamavam ela de prostituta, que falava isso e aquilo dela, falava mal dela, por isso que enquanto meu pai trabalhava e meu pai era traído por ela. E ela colocava bastante gente em casa. Aí mas também isso não justifica nada. Aí é o que eu sempre digo pra ela quando eu vejo, não adianta querer justificar porque não adianta, você pode ter qualquer tipo de dificuldade, mas nada justifica de você abandonar seus próprios filhos.
P/1 – Aí quando você nasceu você tinha mais duas irmãs?
R – Não, quem nasceu primeiro foi minhas duas irmã. A Cintia e a Camila, aí depois nasceu eu.
P/1 – Aí sua mãe abandonou os três?
R – Aí abandonou os três.
P/1 – E aí vocês tavam em Pernambuco?
R – Não, eu já tava em São Paulo já. Meu pai me cuidou desde um mês de idade.
P/1 – E as suas duas irmãs?
R – A minhas duas irmãs foi criada por outra família. O nome da mãe delas é Zefinha.
P/1 – Mas lá em Pernambuco ou aqui?
R – Aqui em São Paulo. Aí agora ela se mudou pra Pernambuco foi em 2009.
P/1 – Aí seu pai veio pra cá?
R – É, mas faz durante muito tempo que ele veio pra São Paulo.
P/1 – E foi ele que te criou?
R – Foi, mas eu fui criado por outra família, por outra mãe, que eu tenho um irmão – é o filho dela, né, o nome dele é Elison José Bezerra da Silva.
P/1 – E quem que é essa outra família? Por que é que seu pai te deu pra essa família?
R – Não, não é que me deu. É por causa que praticamente quando meu pai tinha voltado, tava em Pernambuco, tinha conhecido ela e aí meu pai gostou dela.
P/1 – Ah, é a mulher do seu pai, ele casou com ela.
R – Isso, não casou, se juntou. Aí durante um bom tempo ela cuidou de mim desde um mês de idade.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Damiana Maria Bezerra da Silva.
P/1 – Que é quem você considera como mãe?
R – Isso.
P/1 – Você mora com ela até hoje?
R – Moro com ela até hoje, graças a Deus.
P/1 – E seu pai também?
R – E meu pai também. E o mais interessante, eu agradeço primeiramente a Deus, que sabe, se não fosse por ela, eu sou assim, mas eu agradeço muito de estar vivo. Ela me ensinou a andar. Ela tem bronquite, ela me levava pro Mandaqui a pé, entendeu? Ela me carregava aqui, minha cabeça era muito pesada, muito grande, muito grande, maior que uma melancia, o médico falou. Pra mim poder sobreviver, que quando eu tinha um mês de idade, o médico disse pro meu pai que eu ia morrer. A única solução pra mim não morrer, eu tinha que colocar uma válvula, que agora é chamada hidrocefalia, não chama mais de válvula. E eu considero assim, e graças a Deus minha mãe fez eu dar 50 volta, pra lá e pra cá, pra mim aprender a andar sozinho. Antigamente morava num barraco nobre daqui de São Paulo, que meu pai fez um barraco de madeira, a gente passou muita dificuldade. A gente não tinha um lugar especificamente pra dormir, a gente colocava um colchão no chão e dormia. Porque praticamente era uma situação muito difícil. E meu pai trabalhava só que na onde ele trabalhava era pouco demais pra colocar as coisinha dentro de casa, poder me ajudar. Mas graças a Deus minha mãe, hoje, ela trabalha de faxineira há 18 anos e ela me cuidou - hoje ela tem 46 anos. E meu pai vai fazer 47 e aí graças a Deus agradeço demais a ela. Ele praticamente não me considera, mas eu considero ele. Só não me considera porque eu sinto por dentro porque eu sou diferente dele. É por isso que ele não me considera. Mas eu pelo menos estou fazendo minha parte, considero ele...
P/1 – Ele quem?
R – O meu irmão.
P/1 – Ah, o seu irmão.
R – E agora meu pai foi pra Pernambuco em 2013 e nós voltamos mês cinco e aí trouxe meu primo por parte de pai e o resto dos meus primo ficou tudo em Pernambuco. E ficou minha tia, ficou minha avó. Minha avó, a primeira vez que ela veio foi 2004, eu tinha nove anos de idade quando ela veio. Eu estudava na Pestalozzi. Estudei lá, eu entrei lá em 2003 na Pestalozzi.
P/1 – Pera aí, deixa eu perguntar. Aí você era pequeno, a sua mãe te levou no médico.
R – Isso.
P/1 – Aí você tinha a cabeça grande.
R – Isso, muito grande. Não, mas é quando eu saí da barriga dela, eu já tava...
P/1 – Mas quando você era pequeno, você sabia que você era uma criança diferente?
R – Não, porque eu era um inocente, não sabia de nada. Só que uma coisa que eu me lembro até agora. Se minha avó tivesse viva, que ela lembra muito mais bem do que eu, que uma pessoa entrou lá pra poder tirar, arrancar a seringa de lá pra me matar, morrer.
P/1 – Que seringa?
R – Ah, o negócio de coisa aqui, que eles derrama.
P/1 – Dreno?
R – Isso. Aí eles arrancaram aquilo dali e arrancaram os fiozinho de lá pra mim poder morrer. A sorte que o médico chegou na hora, aí eu tive que operar. Só que aí eu operei já quando eu tinha um mês, entendeu? Aí o médico falou: “É, seu pai você tem que dar valor muito pra ele, porque ele é um batalhador. Ele desistiu de tudo pra cuidar de você”, e isso até hoje eu sou muito grato. Nunca respondi a meu pai, nunca respondi a minha mãe.
P/1 – E você, com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu entrei, a minha primeira escola foi a Pestalozzi, de causa que eu estudei lá 12 anos, na Pestalozzi. Eu entrei lá com oito anos.
P/1 – Mas a Pestalozzi é uma escola...
R – De só que tem pessoas especiais. Tem cadeirante, tem pessoa que tem problema visual, que não anda, que é cego, que é mudo, que é surdo, que não... praticamente não tem desenvolvimento. Eu fiz tratamento com a doutora Angela e ainda eu continuo fazendo tratamento com ela porque eu treino lá na escola onde eu estudei. Lá tem muitas coisas que eu aprendi demais. Uma coisa que eu sempre disse pro meu pai, quando eu tivesse no mundo, na vida,a primeira coisa que eu queria fazer é estudar, aprender a ler e escrever, que isso é o mais importante da minha vida e até hoje eu considero. Porque eu estou vendo que eu estou evoluindo e eu preciso, eu creio que eu preciso evoluir muito mais ainda e graças a Deus, eu agradeço muito as diretora, os diretor de lá.
P/1 – Quando você entrou na escola, o que é que você mais gostava na escola?
R – Olha, quando eu entrei na escola, eu era tímido, que eu não conhecia ninguém. Aí uma moça chamada Roseli, ela trabalha lá há 25 anos e ela está lá até hoje, ela me apresentou os colegas, apresentou as professoras. Eu, pra mim não se dar mal com ninguém, eu aprendi gostar de todo mundo pra todo mundo gostar de mim. Eu preferi a minha amizade, a amizade de todos, não tipo você vê hoje nas escola, briga, confusão, e só deveria ter mudado isso durante bastante tempo. Eu era pra mim ter estudado já há muito tempo. De causa desses preconceito, de causa que eu tenho hidrocefalia, eu já sofri de bullying, já me chamaram de cabeção, já dentro da sala de aula já apontaram arma pra mim, já jogaram cadeira, já jogaram mesa. Até hoje eu superei tudo isso, porque todas as escolas sempre dizia: “Seu filho não tem condições de estudar aqui numa escola comum, porque vão judiar dele, vão maltratar ele”.
P/1 – Ma você chegou a ir em escola sem ser especial?
R – Não. Agora eu estou estudando no CIEJA da Vila Sabrina.
P/1 – Mas vamos voltar praquela época. E naquela época, quando você entrou a escola, o que é que você mais gostava da escola?
R – Olha, o meu objetivo sempre, quando eu entrei na primeira escola, que foi a Pestalozzi, a primeira professora, o nome dela se chama Rosângela. Eu pedi um grande favor pra ela, e agradeço demais pra ela, que a primeira coisa que eu queria aprender era o meu nome, eu não sabia, eu fazia o meu nome em bolinha. Eu não sabia de letra nenhuma, eu não sabia. Eu não sabia o alfabeto. Já hoje eu sei. Eu creio que eu evolui, e demais. Só que lá uma coisa que não ensina, porque depende da dificuldade de cada um, que eu não sabia fazer letra de forma. Eu lia com dificuldade, eu tentava ler, eu me sentia envergonhado quando tinha palestra, pra mim ler em público num monte de gente, eu tinha vergonha. E eu dizia: “Não, convide outro, eu não tenho condições porque eu não sei ler. Enquanto eu não souber ler, eu não vou arriscar pra ninguém tirar sarro de mim, zuar com a minha cara. E graças a Deus até hoje, hoje eu sei fazer meu nome completo sozinho, e principalmente em letra de mão. Eu não tô mais, aqueles doze anos que eu fiquei na Pestalozzi só fazendo letra de forma, letra bastão. Eu nem sei nem mais o que é que é isso, fazer letra bastão depois de eu aprender.
P/1 – E você brincava com outras crianças?
R – Ah, eu brincava muito na biblioteca. Tinha uma menina lá chamada Carol, eu gostava de brincar muito com ela. Ela era junto da terapia comigo e ela desceu pra baixo junto comigo também. A gente ficou três anos na mesma sala. Eu convivi com muitas colegas lá que até hoje eu sinto falta deles. Hoje eles estão trabalhando, estão em mercado. Que pena, que pena, eu sempre penso que eu não posso trabalhar, mas eu tô muito feliz, eu tô muito...
P/1 – Por que você não pode trabalhar?
R – Porque eu tenho hidrocefalia e aí eu tenho um aposento já desde um mês de idade e se eu trabalhar eu perco. Mas lá tinha uma oficina que pra pessoa se adaptar pra poder fazer alguma coisa. Lá tinha um negócio lá pra poder arrumar as prateleiras que tinha do sabão, que tinha sabão em pedra, sabão em pó, tinha detergente. Aí você podia tirar pra poder tirar o pó. Isso eu aprendi demais, eu aprendi aprender a tentar, atender o telefone, eu fiz muito isso. E eu gostei, foi uma experiência muito nova pra mim. Eu fiquei feliz demais. De causa de tudo isso, do jeito que eu conversava, do jeito que eu estou aqui conversando com a senhora, que lá, em 2007, eles queria me tirar. Na reunião que meu pai foi, falaram que eu era muito inteligente, que eu deveria ter uma capacidade maior, porque as lição que eu fazia era muito fácil. Eu terminava muito rápido e ajudava as pessoas e ela achava isso errado, que eles que tinha que aprender. Aí quando ela disse isso pro meu pai, eu disse: “Se eu estou aqui, é por justa causa e porque eu tenho alguma coisa. Se eu faço isso é pra ajudar e ser ajudado. Eu quero respeitar pra ser respeitado”. Porque ultimamente, quando eu tava lá, lá tinha a dona Fátima, tinha a diretora, tinha a presidente. Todo mundo lá, quando eu vou, gostam de mim até hoje.
P/1 – Vamo voltar um pouquinho lá pra trás. E fora da escola, você brincava com outras crianças?
R – Olha, quando eu brincava com os meninos, de bolinha de gude, de pião, gostava de pular corda também, de esconde-esconde, de pega-pega, esconde-esconde garrafa, eu brinquei muito. Só que um dia, quando eu estava voltando pra casa, uma moça ela ainda mora lá, ela fez uma maldade comigo. Pegou uma colher. Aí, antigamente, eu era pidão. Eu não tinha noção das coisas, eu era pidão, eu pedia dinheiro, eu pedia comida, eu pedia tudo que via. Um dia a mulher estava voltando, eu pedi um negócio pra ela. Ela pegou, encheu uma colher de sal e me deu e falou: “Toma, isso aqui é gostoso”. Aí eu fui, peguei uma infecção. Isso daí, se eu não jogasse totalmente, eu ia engolir tudo, porque foi uma colher de sal. Eu fiquei três dias em casa. Eu já tive tremedeira. Aí eu tomei remédio desde quando eu era pequenininho, do primeiro ano, de um ano de idade até os 18 anos, eu tomei, aqueles comprimido branco. E aí quando eu fiz 19, ele mandou eu parar. Aí antes de eu parar, ele perguntou: “Você está sentindo alguma coisa? Você sente alguma tremedeira, alguma crise você tem?”, aí eu: “Graças a Deus não, depois que o senhor mandou eu parar de tomar, graças a Deus eu estou ótimo, maravilha, eu estou dormindo demais”. Na escola, na sala de aula eu dormia, de causa que esse remédio fazia efeito. Eu tomava três vez ao dia, de manhã, à tarde e à noite. Era às seis, às cinco e às dez da noite que eu tomava. Já hoje eu não tô tomando. Eu já fui muito...
P/1 – Aí esse dia, quando ela te deu a colher de sal, você tava na rua?
R – Eu estava na rua.
P/1 – Você estava brincando?
R – Eu estava brincando.
P/1 – E aí você chegou em casa, fez o que?
R – Não, aí meu pai ficou sabendo: “Filho, filho”, que eu tava tendo tremedeira, eu tava ficando gelado. Cheguei a ir no médico. Aí falou: “Nossa, por pouco, ele quase não engoliu muito sal”, muito sal, e saiu um monte, sabe? Por pouco, eu cheguei a derrubar um monte no chão. Aí depois disso, aí quando ela viu que eu tava tremendo, aí foi embora. E eu naquele momento eu estava com medo de morrer. Eu me ajoelhei no chão, pedi a Deus pra mim tá vivo, porque eu não queria estar passando por esse momento. Eu, sabe...
P/1 – Você sentia a sua cabeça pesada?
R – Olha, ultimamente quando eu era pequeno, eu não é que eu sentia, quem sentia era quem cuidava de mim, quem me levava no médico, entendeu? Como ela tinha bronquite, ela trabalhava de faxineira, desde quando ela me cuidou que ela trabalhava de faxineira. E aí ela me levava todo santo dia no médico, no Mandaqui. E eu faço lá até hoje, falo tratamento lá até hoje e graças a Deus eu não sinto que está pesada igual antigamente. Antigamente era maior, era mole minha cabeça, era muita água que tinha, maior que uma melancia, o médico fala. E que acontece eu passo, pra poder esperar tudo isso, eu tive que superar muitas coisas.
P/1 – Você lembra como que era a convivência na sua casa? Quem que era mais bravo, seu pai ou sua mãe?
R – Olha, eu vou te falar viu, minha mãe verdadeira, ela tinha muito ciúme, porque meu pai chegava tarde do serviço, ela achava estranho, entendeu? Eu não lembro totalmente, mas era mais ou menos assim, essa minha mãe que me cuidou, que lembra da história, que ela sabe. Aí o que acontece? Ela tinha muito ciúme, aí meu pai ele preferiu cuidar de mim, ficou nove mês ela e meu pai, porque era motivo de muita briga, ela contou pra mim. E aí meu pai decidiu cuidar de mim por causa que quando ela tinha 14 anos de idade, ela tinha uma cabeça muito fraca e hoje não, hoje ela sabe o que é certo, o que é errado. Naquela época não, naquela época ela não podia ver um, tipo fazia pra um, fazia pra outro e assim ia, entendeu? Até hoje as pessoa fazia brincadeira comigo, desde quando eu era pequeno: “De quem que você é pai? Você é pai de um, você é pai de outro”, entendeu?Fazia brincadeira comigo, tirava sarro da minha cara: “Você não tem pai, você não tem mãe”. Isso me magoava demais. Eu já fui chorão, chorei demais. Eu tive diarreia, eu não podia sair na rua que eu tinha vergonha porque eu tinha que me segurar na parede, porque todo lugar que eu encostava, ou se eu saísse de ônibus, ou de carro ou de perua, alguma coisa, o que acontecia?Eu tinha que ir no banheiro porque minha urina era muito fraca. Eu tive que tomar uma lavagem pra poder controlar, que eu cagava na rua, em todo lugar que eu ia eu cagava. As pessoa ficava, colocava a mão na boca, no nariz, pra não cheirar que o cheiro era horrível. As pessoas tinha vergonha de ficar do meu lado. Ninguém queria andar comigo. As pessoas me chamava de cagão, chamava de mijão, eu sofri demais. Até hoje eu superei tudo isso depois da lavagem que tomei, nunca mais. Eu saio na rua completamente, não fico mais pegando nas paredes como eu pegava antigamente quando eu era pequeno, era uma pessoa inocente. Um dia me chamaram de ladrão, quando eu fui ajudar minha mãe na onde ela trabalha de faxineira, me chamaram eu de ladrão. E aí o filho dessa moça hoje está na mesma ai, aí falando pra minha mãe: “O que que eu fiz pra merecer isso? Você lembra que sua porta tava aberta, você falou que meu filho teve a intenção de roubar na sua casa?” Aí pediu desculpa pra mim, pediu desculpa pra ela. Falei: “Eu não, Deus proverá na vida de cada um”. Eu praticamente não tenho rancor de ninguém, eu não importo com isso”. Graças a Deus até hoje o mais importante da minha vida é a de uma primeira escola, chamada Sociedade Pestalozzi de São Paulo. Eu agradeço demais, que eu tive uma oportunidade lá. Eu não tive uma oportunidade tão grande como foi essa, foi muito especial, foi uma experiência muito nova, construí muitos amigos, muitas amigas. Nossa, peguei amizade com as professoras, com os professores, com os diretores. Isso foi importante demais e completamente... com a médica que me examina lá, eu sinto muita falta. É como se fosse hoje, hoje eu já não estudo lá, eu me formei em 2010.
P/1 – E quando você era pequeno, você tinha festa de aniversário?
R – Olha, eu quando era pequeno eu nunca, eu não sei nem o que é um bolo. Eu nunca tive aniversário na vida. Hoje eu tenho 22 anos, minha tia pra fazer agrado pra mim, comprou um bolo no mercado, quando eu tinha 18 anos. Eu tava em Pernambuco. Isso aí foi em 2011. E hoje tenta fazer de novo: “Não, pra que? Vai gasta dinheiro comigo? Não esquenta a cabeça não. É as coisa pra dentro de casa, não precisa disso. O que passou, eu ultimamente eu não.......
P/1 – E tinha festa na sua casa assim? Você comemorava Natal ou alguma data?
R – Natal eu sempre, a primeira fez que eu fui foi 2008. Eu era pequenininho também, quando eu fui pra passar o Natal e Ano Novo.
P/1 – Lá em...
R – Lá em Pernambuco. Aí só era a minha avó que morava lá, minha avó e meu avô está lá. Meu avô agora tem 78 anos. É que e assim, a médica disse que ele está ficando caduto, aí eu até falo: “Não vó, não ligo pra isso no, que Deus proverá, eu creio”. Toda vez...
P/1 – Mas você lembra desse Natal? Como que foi?
R – Ah, foi muito especial pra mim viu, só de ficar do lado da minha avó, nossa, foi o maior presente que eu já ganhei em toda a minha vida, foi muito especial ficar do lado da minha avó, dos parentes, sabe, dos meus primos, das minhas primas, das minhas tias, nossa, foi muito especial pra mim. Até hoje eu sinto falta do rio de lá, porque eu tomava banho no rio. Eu não gostava de tomar banho na bomba, porque a bomba era muito gelada. Eu gostava de tomar banho quente. Eu sinto falta de lá, esse ano eu estou pretendendo ir pra lá. Só que agora eu creio que vá ser um pouquinho difícil, porque agora vou ser pai, né, agora eu estou pretendendo arrumar uma casa.
P/1 – Vamo voltar um pouquinho. Você disse que você começou... Você torce pra que time?
R – Eu sou corintiano, de corpo e alma, e coração também, de causa da minha avó.
P/1 – Como que é essa história?
R – A minha avó sempre ia nos jogos dos Corinthians e ela ficava lá dentro do museu, lá dentro do jogo. Só que era no Museu da História do Corinthians. E aí ela praticamente ela viu a fundação do Corinthians, ela disse pra mim. Então quer dizer, disse pra mim não, disse pro meu pai. Só que aí quando eu nasci ela tinha morrido, falecido quando eu nasci. Então eu não cheguei conhecer totalmente, só que meu pai mostrou a touca que ela fez pra mim, de crochê, do Corinthians. Ela praticamente, meu pai falou que dava de 10 a 0 em qualquer uma costureira que tivesse. Ela costurava tudo e até hoje, eu não conheci ela completamente, mas só que pela história que meu pai, as pessoas que está em minha volta conta pra mim, só isso já é mais interessante, pra mim é mais importante. Lógico que eu gostaria que ela tivesse presente ao meu lado, porque ela foi meu braço direito, meu pai disse. Ela me defendia de tudo. As pessoas que tipo, ia alguma pessoa estranha me visitar no hospital, ela já ficava de olho porque ela já chamava o segurança, ela não deixava. Então eu sinto falta disso.
P/1 – Você chegou a usar a touca?
R – Oche, a minha cabeça era tão grande que só que ela fez do tamanho da minha cabeça, né, meu pai disse, que praticamente parecia um lençol, praticamente. Que ele fala que é muito grande que ela fez, mais ou menos aqui.
P/1 – Você tem fotos?
R – Não, não tenho.
P/1 – A touca?
R – Não tenho foto.
P/1 – Você tem a touca guardada ainda?
R – Não, a touca está em Pernambuco. Aí se Deus quiser, quando meu filho nascer ele vai ser corintiano também. Aí eu vou deixar, não ele usar essa touca, eu vou comprar uma touca especialmente pra ele, com o nome dele, tudo direitinho. E eu, sabe, estou muito feliz. Pelo menos minha avó por parte de pai está viva, ela tem 65 anos. Ela já é aposentada também. Eu sinto falta dela porque sempre quando eu ligo pra ela, eu choro porque eu fico pensando, sabe, eu aqui e ela lá, entendeu? Lá rola muito assalto e aqui, principalmente, aqui não tem como, aqui nunca muda, aqui nunca mudou. Praticamente enquanto esse prefeito tiver isso daí, não vai mudar. Eu falo, eu sinto falta da minha tia.
P/1 – E aí você ia sempre pra Pernambuco, na tua infância?
R – Não, só fui três vezes só, que foi em 2008, 2011 e 2013.
P/1 – Como que era Pernambuco assim, qual que era a diferença de Pernambuco e São Paulo?
R – Ah, a diferença é muito grande porque a rua da onde você mora, lá quando você saía na rua lá não tinha semáforo, lá não tinha ponto de ônibus, entendeu? Lá era arriscado de você poder atravessar e o carro passar em cima de você. Igual um dia, eu fui pra igreja com a minha tia, a moça tava com dois filhos, um no colo e outro tava segurando no braço dela. O carro tava dando de ré e ela andou na direção do carro. Quando o carro tava andando de ré quase pegou o filho dela. Aí ela chamou o cara de um monte de coisa, aí o cara ficou bravo, aí parou na frente dela e falou: “Você tem sorte que eu tenho dó dos seus filhos, porque se você tivesse sozinha você já taria morta”. Falou pra ela, entendeu? Porque ela estava errada, ele estava dando ré e ela foi na direção do carro que tava dando ré, entendeu? O ruim de lá é isso, porque lá não tem semáforo. Lá não tem o sinal, lá não tem a faixa pra você...
P/1 – E aqui em São Paulo?
R – Aqui não, aqui tem semáforo aqui tem a faixa pra você poder atravessar, que é a linha branca. Quando para, isso que é o mais importante. Só que agora o que está acontecendo, o que a gente vê bastante, é ônibus queimando. É, os bandidos faz tudo isso, baderna, pra que se especialmente são tudo pra eles? Por que eles faz isso? Isso é o que eu gostaria de saber, que é uma explicação que não tem como explicar.
P/1 – Vamo voltar um pouquinho pra lá pra trás. E na escola, você teve alguma, você apaixonou por alguma menina, qual foi sua primeira paixão?
R – Olha, eu vou te falar, viu, quando minha primeira namorada que eu dei um beijo nela, eu tinha 12 anos de idade.
P/1 – Como é o nome dela?
R – É Thaís Borges Balduino. Hoje ela está em Curitiba.
P/1 – Como foi que você conheceu ela?
R – Olha, foi na Pestalozzi. Ela tem atraso mental também. Ela foi uma pessoa muito importante só que aí, o defeito dela é o seguinte. Que tipo se ela ficar, eu fiquei um ano e seis mês com ela, só que aí o defeito dela que tipo, ela ficava comigo e ficava com os outros. Aí as pessoas tiravam sarro de mim: “Ô chifrudo, corno. Eu fiquei com a sua mina, enquanto você falta já estava com ela”. Aí era muita zuação, muita xingação. Só que assim, eu nunca revidei ninguém, nunca bati em ninguém, graças a Deus, mas eu tive outras paixões sem ser a Thaís. Eu já namorei com a Dandara, que é agora está em Minas. E hoje, especialmente, eu namorei uma menina também quando eu tinha sete anos de idade, o nome dela se chama Nani. Ela mora lá no beco de onde eu moro, lá da São Dimas, travessa do Violão. E já hoje não, hoje ela já está grávida de outro cara, está com outro cara e eu estou com a minha esposa agora, né, está esperando um filho meu.
P/1 – Onde você conheceu sua esposa?
R – É porque agora eu tenho que me juntar com ela, já que eu não posso casar, né, porque se eu casar eu perco meu aposento.
P/1 – Você conheceu aonde?
R – Na Pestalozzi também.
P/1 – Como foi?
R – Ah, primeiramente quando eu estudei lá na Pestalozzi, a gente praticamente só se cumprimentava nem na mão, num beijo no rosto, sabe, só no rosto. Aí, às vezes, eu perguntava pros meus colegas que tinha mais conhecimento. Porque ela frequentava oficina e aí os pessoal, os meus colega era da oficina também. Aí eu falava: “Deixa eu te perguntar, esse moça é tão bonita. Você não podia tirar umas ciscadinha pra saber se ela tem namorado, tal, ou descolar o telefone dela, quem sabe?”Aí tá certo, né, só que aí quando eu soube que ela estava namorando, ela ficou dois anos com um rapaz, 2005 e 2006, aí eu falei assim: “Então melhor deixar pra lá”. Aí quando eu soube que ela tinha terminado, eu falei: “Não, eu não vou aproveitar a situação, vou deixar baixar a poeira, tudo direitinho, tudo certo”. Ai quando foi 2009, eu falei: “Agora eu vou agir, vou mostrar que sou homem”. Eu fui especialmente pra ela e eu disse pra ela que estava gostando dela, que eu preferia uma pessoal do perfil dela. Eu acho ela uma pessoa muito interessante até hoje. Ela foi uma pessoa extremamente importante pra mim. Olha, amo muito ela, gosto muito dela, a família dela me adora, nossa, gosto muito do sobrinho dela, da irmã dela, da mãe, da avó principalmente. Nossa, todo mundo me acolheu de braços abertos e até hoje eu sou extremamente respeitado por eles, e eu agradeço demais. A mãe dela é da... como se fala? Da Testemunha de Jeová. Eu, nossa, muito feliz. Eu saio com ela, nossa, eu fico contente demais e até hoje graças a Deus eu fico feliz com ela.
P/1 – Nossa, e namora então desde 2009 com ela?
R – Isso.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Camila Cristina Lucena.
P/1 – Ela tem algum, ela é especial também?
R – Ela tem atraso mental, ela é devagar pra fazer as coisas. Só faz se a pessoa tiver do lado, se a pessoa mandar, entendeu? Mas graças a Deus sobre isso eu não tenho problema nenhum, porque eu ajudo ela, estou ao lado dela. Isso é o que é mais importante, eu falo: “O que você precisar você pode contar comigo, entendeu?”.Por que eu falo isso? Porque além de eu ser diferente, eu sei que a minha dificuldade é menor do que a dela. A dela é um pouco mais maior do que a minha, eu sei que eu sou capaz, eu posso ajudar. Enquanto eu estou ajudando eu estou sendo ajudado, isso é o que é mais importante que eu aprendi na vida.
P/1 – E aí ela engravidou?
R – É, engravidou, está de cinco meses.
P/1 – Mas vocês queriam, ou foi um discuido?
R – Não, praticamente foi descuido viu, porque eu sempre sonhei em ser um jogador de futebol, só que modéstia à parte, eu não consegui porque o médico disse que eu tinha que desistir de ser jogador porque de causa do problema que eu tenho, hidrocefalia, e disso eu parei. Eu falei: “Agora eu tenho um novo sonho. O meu novo sonho era ser comentarista de futebol”, só que eu coloquei na cabeça que pra mim ser isso, eu tenho que ter muito estudo, até eu chegar lá. Mas eu creio, me ajoelho, eu levanto, me ajoelho, eu durmo, me ajoelho, pedindo a Deus que um dia eu creio que eu vou chegar lá, eu creio, eu tenho muita fé em Deus que eu vou chegar lá. Se Deus quiser, eu gostaria que quando meu filho tivesse grandinho, ele gostaria de ser jogador de futebol, esse é o meu sonho pra ele, mas independentemente o que ele for, é o destino dele, é ele que escolhe o que ele quer pra vida dele.
P/1 – E você vai morar junto com a sua...
R – Eu tenho que morar. Por enquanto ela está na casa dela e eu estou na minha, porque as casas pra alugar tão tudo alugada, aí está difícil, está complicado. E agora foi de última hora. Ela foi pra Bahia em 2013 e aí ela já foi grávida e voltou grávida. Quando eu soube foi quando a mãe dela fez o teste na quarta feira. Mas eu, sabe, eu pensei que ela tava zuando comigo, tirando onda. Ela falou pra mim na quinta-feira: “Você vai ser pai”, eu: “Nossa, você está de brincadeira, eu não consigo fazer esse tipo de coisa, eu sou homem, mas eu não consigo fazer, eu não tenho capacidade”, “Não, mas você vai ser pai”. Aí na sexta-feira, à noite, a mãe dela falou: “Você sabe por que você está aqui, não sabe?”. Só que aí eu tava pensando que ela tava mentindo mesmo, de verdade, só que não, mostrou o teste, tudo direitinho, deu positivo. Nossa, eu chorei de alegria, sabe, chorei. Apesar que filho é uma responsabilidade muito grande, mas eu creio que com essa experiência toda, eu do lado dela, eu creio que a gente vai aprender muito com isso, a gente vai aprender a lidar com esse tipo de situação. É a gente passando dificuldade, mas dificuldade junto, um do lado do outro. Não adianta a gente passar dificuldade um afastado do outro, porque isso não é união, isso não é respeito entre um homem e uma mulher, isso é muito importante. E graças a Deus eu estou feliz com ela. Meu pai também, sabe? “Álvaro, presta atenção”, ele sempre mandava eu tomar cuidado, sempre. Só que eu falava: “Tá bom pai, eu vou tomar”. Só que assim, saía na rua com um e com outro, aí agora aconteceu, então é o que eu sempre disse pro meu pai, agora seja o que Deus quiser, que venha com saúde, com muita sabedoria, que eu creio daqui pra frente, agora, se eu arrumar um biquinho, tem tudo a dar certo, é só a gente saber educar, pro filho não crescer revoltado, não querer igual você vê nos dias de hoje, filho batendo em mãe, filho batendo em pai. Se você não der uma coisa: “Ah, eu vou entrar no mundo das drogas já que o senhor não quer me dar isso aqui a aquilo”.
P/1 – Álvaro, e na escola, vamo voltar um pouquinho pro período da escola. Você aprendeu a ler?
R – Olha, eu tive muita dificuldade na Pestalozzi, porque lá não tinha livro. Passava a lição na lousa e aí a gente copiava. Aí ela pegava os caderno e passava lição pra pessoa que tinha dificuldade. Igual eu, eu tive muita dificuldade, só que aí eu superei durante muito tempo e aí eu não sabia ler. Só que tinha muita pessoa na minha sala que sabia e tirava sarro de mim: “Você ensina direitinho, só que o defeito que você tem que você não sabe ler. Você explica direitinho, só que você não sabe ler”. Então você não tem, quando era curso, quando era pra poder assinar alguma coisa, ou pra ler alguma coisa, eu não lia porque eu tinha vergonha. Só que uma coisa eu deixei bem claro, eu não vou assinar nenhum papel nem ler nenhum papel, porque eu não sei ler. Enquanto eu não aprender a ler, eu não vou assinar nada, não vou ler nada. Isso eu deixei bem claro pra presidente da escola. E até hoje – eu praticamente estudei lá 12 anos, mas só que eu não aprendi a ler lá totalmente. Eu comecei a ler, completamente mesmo, quando eu tinha 20 anos de idade, foi na CIEJA, porque lá tem livro.
P/1 – Que ano que você entrou no CIEJA?
R – Em 2011.
P/1 – O que é que é o CIEJA?
R – Ah, CIEJA foi especial pra mim, eu aprendi muito porque lá tem livro. Lá eles têm uma paciência pra poder ensinar e isso é o que lá na escola não tinha. Lá eles não tinha paciência de ensinar. Teve uma professora lá que falava alto comigo, que gritava comigo. Quando eu pedia pra ela me ajudar, “Faça sozinho, toma de conta da sua vida, isso e aquilo”, falava isso pra mim. Eu passei dois anos coma Simone Francini, quando eu estudei lá na Pestalozzi. Fiquei com a Célia, fiquei com a Rosangela, fiquei com a Cidinha, fiquei com a Paula, as professoras que eu tinha lá. E até hoje eu sinto falta dessas professoras, porque essas professoras sim, elas tinham educação, elas tinha o prazer de ajudar, de estar ali do lado, até você aprender. Já essa minha namorada não, essa minha namorada ela sabe ler e escrever, ela não estuda, mas ela sabe ler e escrever, ela tem uma leitura.
P/1 – E você lê?
R – Hoje eu leio, mas eu leio devagar. Mas eu sei ler.
P/1 – Mas você pega livro?
R – Eu tenho livro em casa, eu ganho livro todo ano da escola. Eu tenho livro de português, livro de ciência, livro de matemática.
P/1 – E música, você gosta de escutar música?
R – Ah, eu gosto do hino do Corinthians, mas eu gosto mais de forró. Eu gosto de Calypso, eu gosto de Calcinha Preta, eu gosto de Frank Aguiar, Caviar com Rapadura, Limão com Mel e Guilherme e Santiago, Jorge e Matheus e também eu curto samba, eu gosto de samba, pagode.
P/1 – Você dança?
R – Não, eu nunca gostei de dançar porque eu sou uma negação dançando. Lá tem aula de dança só que eu nunca deixei, tipo assim, eu dançava, só que tipo pra lá e pra cá, porque dançar, praticamente eu sei só girar a pessoa, sabe? Eu não sei dançar totalmente, eu sozinho. Agora tipo, se tiver uma pessoa, um companheiro ou uma companheira do meu lado. Igual tipo, pra eu aprender, eu tive que aprender com os especialista de lá que sabia dançar, mas eu aprendi uns passinho bom, mas depois que eu saí de lá eu desaprendi, aí eu não, aí eu falei: “Eu não vou dançar mais, eu não tenho bico. Só que assim, tirando, não sou de beber, não sou de balada, eu nunca gostei disso, graças a Deus. Só o que eu mais gosto, porque eu sou assim, é o que eu sempre sonhei é ser jogador de futebol. Já como eu não posso, eu prefiro ficar assistindo futebol pela televisão. Que agora, eu já fui 21 vez no estádio já, e eu parei depois desses negócios desses vândalos que estão fazendo isso da torcida organizada. Eu parei de causa disso, que tava tendo muita confusão, muita briga e eu falei: “Não, vou desistir”, parei. Eu fui na conquista da Libertadores, eu fui na conquista da Copa do Brasil, em 2009, fui no do Campeonato Paulista em 2009 também, na época do Mano Menezes. Agora esses últimos cinco anos o Corinthians conquistou tudo e eu só fui dois anos em dois títulos só, que só foi no da Libertadores e no do Paulista, só e aí eu nossa, eu fiquei estranhamente muito feliz e eu estou muito contente. Cada vez que passa jogo eu fico mais feliz. Aí meu pai às vezes até brinca comigo: “Nossa filho, você é muito viciado em jogo. Você não assiste outra coisa não? Um filme?”. Às vezes eu assisto um filme, sabe, mas eu gosto mais de filme de tiro, filme de tiro eu gosto, filme de luta. Eu gosto de muita luta. Eu sou impressionado de luta que eu fiquei até quatro hora da manhã, acordado, pra poder assistir a luta do Anderson Silva, que o Anderson Silva perdeu, que ele tinha machucado a perna. Vixe, mas eu sou fanzaço mesmo de lutador, não é do Anderson Silva não, é do Hulk Magrelo, do lutador do MMA, que passa no 48. Já hoje ele não luta mais, hoje ele praticamente está sendo professor, está ensinando, né, mas eu gosto demais. Mas eu pratico mais futebol, gosto mais de futebol.
P/1 – Álvaro, olhando pro seu passado e toda a sua história de vida, qual foi o fato mais marcante da sua vida, ou um dos mais marcantes? Que você lembra, que você nunca esquece?
R – O mais importante de tudo isso, que eu sempre queria, primeiramente é estar vivo e graça a Deus sobrevivi e de tudo isso que eu contei, foi muito marcante que eu consegui superar tudo isso da minha história sem rancor, sem raiva, sem ódio. Isso foi importante pra mim e primeiramente que Deus ouviu as minhas preces. Que eu pedi que se um dia eu conseguisse estudar, eu ia dar o meu melhor e graças a Deus se eu estou terminando – esse é meu último ano na escola, aonde eu estou, se eu estou assim, é porque eu sei que eu estou além da conta e eu sei que eu tenho muito mais a dar, pra ser respeitado como as pessoas me respeitam, entendeu? Eu respeito, eles me respeitam também e assim, antigamente não era assim não. Os pessoal fazia muita armadilha, me pegava pelo braço, o pessoal me batia na escola. É o que sempre eu falava pra diretora, eu falava: “Ó, diretora, muita diretora falou que eu não tinha condições de estudar porque no caso das escola comum, porque o pessoal ia me maltratar. Já hoje eu sou maltratado aqui durante um bom tempo, mas graças a Deus eu nunca revidei porque eu sei respeitar as diferenças. Se eu sou assim, ele também é assim, não é porque ele quer, entendeu? E isso praticamente é falta de compreensão, de ser companheiro com a pessoa. Por isso ele se sente acuado. Por isso que as pessoas que são dessa forma faz isso. Eu graças a Deus não tenho nada que reclamar da Pestalozzi. A Pestalozzi foi especialmente especial pra mim, gosto muito. Agora os pessoal que era antigo de lá, não estão mais lá, agora mudou totalmente, está tudo diferente lá na escola. E eu sinto falta de lá.
P/1 – E em São Paulo, o que você gosta de fazer? O que é que você faz?
R – São Paulo, como eu sou muito teimoso, eu não posso ser jogador de futebol, eu jogo mais futebol. Teve um dia que tava na praça,meu primo veio lá de Francisco Morato, eu passei na frente da balança. Na hora que eu passei na frente da balança, bateu aqui, eu desmaiei. Um dia eu tava me balançando sozinho, eu caí de boca no chão, perdi meu dente. Isso era tudo de causa de teimosia. Um dia eu desmaiei no campo porque quando eu jogo eu suo muito rápido, eu suo muito rápido. Então meu tio, meu pai sempre fala: “Para de jogar, você está muito teimoso, vai acontecer alguma coisa Deus o livre acontece, Álvaro. Toma cuidado Álvaro, eu só tenho você”. Sabe, quando meu pai explica, eu até choro, porque eu vejo isso como lição de vida. Ele sabe o que ele está falando, ele quer me proteger, ele que me defender, e isso, por isso que eu digo, que meu pai foi uma participação muito grande na minha vida, meu pai, minha mãe, primeiramente a Deus, minha avó, minha tia, minhas prima, meus primo, tudo, nossa, todo mundo é muito importante pra mim. Mas quem gosta de mim, entre aspas quem não gosta, eu não ligo.
P/1 – Qual que é o seu maior sonho hoje, além de ser jogador de futebol?
R – Não, eu tirei já esse sonho de ser jogador de futebol faz tempo, desde quando o médico falou quando eu tinha seis anos de idade quando eu falei pra ele que eu queria ser jogador de futebol, ele falou que não tinha como, de causa que eu tinha um problema. Eu ainda estou estudando, um dia eu chego lá. Eu quero ser comentarista de futebol. Mas eu creio, é questão de vontade, é garra, é determinação que um dia eu chego lá. Eu creio que um dia eu posso ser, é só questão de estudo. Se você estudar, apesar que entre aspas, futebol hoje está sendo sujo, né? Futebol desde muitos tempos atrás que foi sujo. Por que eu estou falando isso? Porque eu vejo na internet, não entendo nada de futebol. Praticamente tanto faz, tanto fez, não entendo. Mas eu vejo todos acontecimentos na internet. Já vi armação de Libertadores, time argentino querendo prejudicar os times brasileiros, já ir armado se não deixasse ganhar tacava agulha nos jogadores, machucava. E não é assim, futebol, pra você ver, Copa do Mundo aqui no Brasil já está armada.
P/1 – Álvaro, posso fazer uma última pergunta?
R – Pode, fica à vontade.
P/1 – Tem alguma história que você queira contar, que você não falou sobre ela?
R – Ai olha, vou te falar, viu?
P/1 – Uma história que você lembra e que você acha que é importante deixar registrado?
R – Qualquer coisa?
P/1 – É, não assim, uma história, um acontecimento que aconteceu na sua vida e que você acha...
R – Ah, aconteceu. Olha, teve um dia que eu tava em casa sozinho, meu pai trabalhando e aí minha tia também foi trabalhar. Um dia teve uma invasão na favela, foi 2004 isso aí que aconteceu, eu era pequenininho. Aí os policiais invadia e aí os pessoal que me via, da favela, me chamada de fofoqueiro, que tudo que eu via eu contava. Eu era pequeno, mas eu era inteligente, porque eu via tudo.
P/1 – Que favela que é que você morava?
R – Na São Dimas. Aí dessas invasão, meu primo tomou um tiro. Escondia coisa errada de frente de casa. A mãe dessa pessoa pra não prejudicar minha tia, eu aproveitei e deixei pra lá, falei: “Ó, esse moço está escondendo coisa errada aqui, ó, de frente da casinha das galinha”, e aí quando ele foi preso, ele falou, ele me ameaçou de morte. Ele passou muitos anos na cadeia, quando ele se soltou, ele veio atrás de mim. E agora? A sorte que meu pai estava presente. Meu pai foi tudo e a mãe desse menino falou: “Deixa pra lá, Deus vai pagar com as consequência por ele, ele vai pagar por isso”. Aí ele morreu, entendeu? Morreu com essa consciência pesada que ia me matar. A mãe dele tem raiva de mim, ela não conversa comigo porque de causa disso daí, de causa que tudo que eu via que ele escondia, eu falava e a mãe dele me chama de fofoqueiro até hoje.
P/1 – O que é que ele escondia?
R – Droga, cigarro, maconha, farinha, arma, escondia tudo debaixo do tanquinho e eu via. Quando eu era pequeno também em brinquei um dia com meu primo, ele tava sem camiseta. Ele é branco, aí um dia tava eu, meu primo, meu irmão, nós tudo pequenininho. Aí eu peguei o ferro, aí eu liguei. Aí como ele tava sem camiseta, eu tomei um tapa dele. Eu falei: “Ah é? Beleza então, eu vou descontar”. Eu peguei o ferro, aí eu danei assim na costa dele, sabe? Quem sabe dessa história é minha tia. Aí minha tia deu um cacete em mim, ela ficou brava porque eu fiz com ele, que foi muito forte, ficou a marca do ferro. Ela me... Falar em apanhar, apanhei demais, viu? Apanhei demais, mas aí uma coisa que eu aprendi na vida, que eu tenho que apanhar pra poder aprender. É apanhando que se aprende. Já hoje eu não apanho. Por quê? Porque eu obedeço meu pai, se eu não obedecer eu não tenho o que eu quero. Quando é fim de ano, pra comprar uma roupa, eu até às vezes quando eu vou com ele, eu fico tímido, até hoje eu fico tímido pra poder comprar roupa. “Pode escolher, você está no seu direito, você me obedece. Tá vendo? Comigo você não tem nada a perder, só basta você me obedecer”. Só que tem uma coisa, extremamente que meu pai fica com raiva de mim, que eu sou muito teimoso, é que eu saio uma hora e chego nove hora da noite. Ele fica com raiva de mim, fica com raiva porque eu sou muito teimoso. Eu estou vendo o que está acontecendo, eu desde pequenininho eu sei de muita coisa além disso que aconteceu, e aí minha tia praticamente: “Ah, você não tem culpa, você era pequeno, todos nós era pequeno”. Eu já passei por muita brincadeira, já apanhei demais quando era pequeno também. Já defendi meu irmão nos prédio da minha mãe, e eu muito feliz demais. Eu, se Deus quiser, Deus me ajude que quando eu tiver do lado da minha avó, que ela é uma pessoa importante na minha vida, minha avó, meu pai, minha mãe principalmente, que Deus ajude ela, que Deus cure ela. Hoje ela está na igreja e meu pai, minha mãe, importante demais. Meu irmão, minhas irmã, principalmente, por parte de mãe, eles são muito interessante pra mim, demais. Espero o apoio de todos, que eles me ajudem, como eles me ajudaram quando eu era pequeno. Minha mãe, ela tem bronquite, eu creio, todo santo dia, que Deus vai proteger ela, vai ajudar ela, vai abençoar ela porque ela é uma pessoa guerreira, batalhadora, entendeu? Poucas mães na vida faz o que ela fez por mim quando eu era pequeno. Eu tava jogado, a única pessoa que sabia, por parte de mãe, é minha avó, a única, que buscava remédio pra mim, me protegia, ficava ao meu lado o tempo todo e eu sinto falta disso.
P/1 – Álvaro, o que você achou de contar sua história aqui no Museu da Pessoa?
R – Ah, eu aprendi com isso, foi muito importante isso, viu? Como é seu nome mesmo?
P/1 – Rosana.
R – Acho que foi, sabe Rosana, foi importante demais pra mim contar sobre tudo isso que aconteceu, mas tem uma coisa que é totalmente importante, que eu quero deixar bem clara, que além de tudo isso que foi feito, eu espero que o que eu passei, que o meu filho não passe igual, que espero que ele esteja todo dia, todo momento, toda hora ao meu lado. Que eu sempre espero que o que falaram de mim, o que minha mãe fez comigo e que eu vou fazer igual. Eu creio, não vou provar nada pra ninguém, só que eu tenho que provar ao meu Deus, que é o mais importante. Eu creio, todas as dificuldades, eu garanto que eu vou ser um bom pai, eu vou saber dar educação, que é extremamente importante. Eu vou provar a essas pessoas que diz que eu sou doido, que eu sou maluco, que eu sou isso, que eu sou aquilo, eu vou provar do que eu sou capaz. Tenho 22 anos, mas eu sei o que é bom, o que é ruim e eu achei interessantíssimo demais, que bom saber disso e eu tá representando a escola inteira, uma escola que eu construí muitos amigos, muitas amigas. Tem a professora Vânia, a Ana, a Regina, a Rita, a Marília, principalmente, que me trouxe até aqui. Isso é uma participação na minha vida importante também. Eu aprendi gostar dela demais, como eu gosto de todo mundo, como todo mundo gosta de mim. Os meus colegas também, são demais, muito importante pra mim. Isso pra mim é muito gratificante porque vai ficar pra história, pra vida, pra todo mundo ver e eu desejo muito obrigado por tudo, por vocês terem me dado essa oportunidade. Espero retornar de novo pra contar outras novas histórias que se deus quiser seja do meu filho.
P/1 – Ah, a gente vai te esperar aqui.
R – E muito obrigado por tudo.
P/1 – Seu depoimento agora vai pra internet, você vai poder ver seu depoimento daqui a um mês na internet, você vai ganhar uma cópia com seu depoimento, que um dia você vai poder mostrar pro seu filho.
R – Eu, será que eu poderia mandar um beijo pra uma pessoa só?
P/1 – Claro.
R – Olha, pessoa muito importante da minha vida, que eu espero que esteja me escutando onde ela estiver, que está em Pernambuco, um beijo muito grande, gratificante, pra minha avó, pra minha tia que está trabalhando nesse momento. Espero que quando ela ver, ela fique muito feliz, igual minha avó, viu? E tem uma história também, que eu fui pra Record, oito anos, eu fui oito vezes pra Record. De causa do jeito que eu estou falando aqui, eu falei lá na Record. A última, eu fui três vez em teatro, um teatro muito bonito, tirava muitas fotos. Sempre gostei de tirar foto. Minha prima também lá de Pernambuco, ela é assim, ela tem mais de duzentos mil fotos. Eu tenho pouquinha foto, mas eu gosto de tirar, eu sou contente, eu sou alegre, sou feliz, sabe? Vou pra feira com meu pai, fico feliz. Vou pro mercado com meu pai, eu fico feliz. Eu praticamente eu quero aprender tudo isso porque quando eu tiver sozinho, eu não vou ter meu pai, não vou ter minha mãe pra poder me ajudar, entendeu? Eu tenho que me adaptar, aprender a fazer as coisas, ver eles fazendo pra mim poder aprender. Porque um dia, eu sempre sonhei quando eu crescesse, um dia trabalhar, se tivesse a minha casa, pra mim poder ser independente, ser dono do meu próprio nariz. Já hoje ainda não sou dono do meu próprio nariz, ainda moro no teto do meu pai. Enquanto eu tiver morando no teto do meu pai, uma coisa que eu aprendi, que eu nunca devo desafiar nenhum deles. E um beijo pra minha esposa que logo mais ela vai ver isso ao vivo, e meu filho chamado Leandro, que ela está de cinco meses, que se Deus quiser, vou faltar na escola pra estar presente quando o bebê sair. Eu vou ter um privilégio muito grande de estar nos meus braços com meu próprio filho. Vou poder brincar, se divertir. Tudo o que eu aprendi quando eu era pequeno, se Deus quiser, eu creio que vai dar certo,o que eu aprendi eu vou passar tudo pro meu filho. Isso é importante demais e que pra família dela, um abraço enorme e muito obrigado de ter me apoiado esses anos todo. Meu pai, não tem nem comentário, não tem nem o que falar, agradeço muito a ele e ele é muito importante pra mim.
P/1 – Obrigada Álvaro.
FINAL DA ENTREVISTA
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