Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020 e 2021
HV História de Vida 035
Sandra Brandani Picinato
Entrevistadores: Cláudia Leonor e Luís Paulo Domingues
Hojé é 19 de março de 2021
Transcrita por Selma Paiva
P/1- Então vamos lá. Sandra, pra começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R- Meu nome completo é Sandra Brandani Picinato. Eu nasci em nove de dezembro de 1960, na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo.
P/2- Ah, egal. E qual o nome do seu pai e da sua mãe?
R- O nome do meu pai Silvio Brandani, já falecido. Sofia Neri Brandani, também já falecida.
P/1- E os seus avós, você teve contato com eles? Qual que é o nome deles, também? E se você conheceu, teve contato com eles.
R- É… Giusepe Brandani, que eu não conheci, que era o pai do meu pai. Anunciata Brandani, essa eu convivi durante vinte anos. Os avós maternos, não conheci nenhum, que era o Justino Neri e a Maria Neri, que eu não cheguei a conhecê-los. E é esse momento que eu tenho aí dos avós, que teve uma participação muito pouco na minha vida.
P/1- E você sabe por que eles vieram morar em Ribeirão? Ou eles já eram daqui? Ou são imigrantes? Qual que é a origem da sua família?
R- A origem da minha família é italiana. É… E eles vieram, os meus bisavós vieram de navio para o Brasil, né, que eles vinham no porão, realmente, trabalhando. E aqui eles começaram a vida. E depois, no momento que havia o café, tudo mais por Ribeirão Preto, eles vieram pra cá. E a família foi se desenvolvendo toda aqui em Ribeirão Preto.
P/1- Ah, legal. E o seu pai e a sua mãe, o que eles faziam profissionalmente?
R- O meu pai ele consertava geladeiras para... eram poucos bares, mas o pouco que tinha, tinha poucos profissionais na área de conserto de geladeira. Então, ele fez um curso grande em São Paulo. E veio para o interior, pra poder fazer esses serviços. E a minha mãe sempre foi do lar.
P/1- Ah, legal. E você lembra, assim, quando você nasceu, onde que você morava? O bairro, qual que era? Como que era o lugar?
R- Sim. Lembro, sim. Quando eu nasci, em 1960, nós já morávamos, a minha mãe e o meu pai já moravam na Rua Ceará, 1980. E lá ele tinha o comércio dele, que era consertar geladeiras. Mas em 1958 ele fica com uma jornada dupla. A jornada dupla era: ele fabricava peças de vespas, né e de lambreta, que é a época da lambreta, essa a época e durante a noite ele consertava as geladeiras que ele ia pros bares, pros restaurantes. E o meu tio ficava no desenvolvimento das peças da lambreta. Isso em 1958, que ele começa com essa dupla jornada. E essa dupla jornada, ele se dá por quê? Ele já tinha cinco filhos da parte dele, mesmo. E ele cria mais cinco primos nossos. E a irmã dele fazia feiras fora de Ribeirão Preto e ele acabou pegando as crianças pra ficarem em casa. E ele foi dando essa criação pra elas. Então, ele fazia uma dupla jornada pra poder, toda essa criançada, comer, né?
P/1- E você, então, tem quatro irmãos? É isso? De sangue, né?
R- Na verdade… na verdade nós somos em quatro mulheres e um irmão meu. O meu irmão já é falecido no ano de 2012. E as minhas irmã ainda, todas elas são vivas.
P/1- E você quer deixar registrado o nome deles aqui na entrevista? Como que eles chamam?
R- Então vamos lá. A minha irmã mais velha, que é a Sueli, nasceu em 1949, é Sueli Brandani Bertagnoli. O meu irmão falecido, ele é de 1951, Sérgio Aparecido Brandani. A minha irmã Solange Aparecida Brandani da Silva, essa nasceu em 1955. A Sílvia Maria Brandani, que é minha sócia hoje, na empresa, nasceu em 1959. E eu, Sandra Brandani Picinato, nasci em 1960.
P/1- Muito bom. E você sabe como os seus pais se conheceram em Ribeirão? Como que eles se juntaram? Como que eles se casaram?
R- Na verdade, o meu pai morava na Vila Tibério e a minha mãe também morava na Vila Tibério. Na verdade, assim, quando eles saíam, às vezes, pra dar volta na praça, ele acabou conhecendo a minha mãe. Então, porque nessa época era volta na praça, né? Realmente, eles tinham aquela volta na praça, passeava daquela maneira. Como eles moravam no mesmo bairro, eles acabaram se conhecendo na praça.
P/1- Legal.
P/2- Sandra, posso fazer uma pergunta? Caracteriza pra gente o que é a Vila Tibério. Assim, a gente ouve falar tanto, a gente já esteve lá. Caracteriza pra gente a Vila Tibério, por favor.
R- A Vila Tibério é um bairro muito antigo, na verdade, que eu acho que é o segundo bairro ou terceiro de Ribeirão Preto. É onde nasceu a sede do Botafogo Futebol Clube, né, que é o Pantera. E lá, na verdade, foi se desenvolvendo, que veio a USP também, ali próximo da Vila Tibério, que é a mesma linha ali, na formação, né. Então, foi um bairro de quando eles saíram da Vila Tibério, eles vieram para os Campos Elíseos. Os Campos Elíseos era uma plena expansão na onde eles moraram. Porque o número 1980 está acima da Avenida Saudade, ele está acima da Rua Tamandaré. Então, ele já começa a ser um alto do Campos Elíseos, né? Então, na verdade, ele não é o Baixo Campos Elíseos. Ele é um Alto Campos Elíseos, que é onde eles acabaram se direcionando pra uma casa maior e onde veio todo esse pessoal depois, de criação, pra poder criar em casa maior, né? Porque, na verdade, nós tínhamos três quartos na casa, do qual em um quarto, nós dormíamos em quatro irmãs minhas, mais quatro mulheres. Então, a gente dormia em oito num quarto muito grande. E os meus primos, que foram criados em casa, eram o Sérgio, o Vanderlei e o Gilberto, que ficavam num outro quarto. E o meu pai e a minha mãe num outro quarto. Às vezes eu me direcionava a dormir com eles no quarto, pra não ter que montar mais uma cama e era pouco espaço dentro desse quarto, que era grande, porém... e o mais interessante nessa época é que existia uma sapateira... hoje a gente tem tipo cinquenta pares de sapato no armário, né? E eu me lembro que elas tinham um de salto fino pra passear, uma havaiana pra usar em casa e um chinelo mais tranquilinho, pra que elas pudessem se movimentar dentro, pra ir na casa de uma tia e tudo mais. Mas o sapatinho de salto fino era aquele pra sair. Então, pra caber nessa sapateira, que eu me recordo, que eu, na verdade, era muito criança, então eu usava só havaianinha pra lá e pra cá, realmente. Eles usavam… elas tinham a sapateira. Uma sapateira pequena que, no máximo, cabiam trinta pares de sapatos e nós éramos em oito nesse quarto, pra caber todos esses sapatos, nessa sapateira. Isso é uma coisa assim que eu estou falando, que é uma coisa que me gravou muito. Porque uma outra coisa que a gente fazia pra ter economia em casa, era lavar os pés com sabão e escovinha, aquela escovinha redondinha. E, da coxa pra cima, a gente tomava banho de sabonete, pra se não gastar muito. Então era uma coisa muito interessante. Quem é dessa época, eu acho que viveu também esse momento de desafio do banho. E, à medida que a gente tomava o banho, a gente fechava a torneira, né, se ensaboava inteiro, que é o correto, não deixar a água correndo, pra depois entrar e se enxaguar.
P/1- Sim. Sandra, você já nasceu nessa casa maior, né? Da Rua Ceará, né?
R- Sim. Eu já nasci na casa da Rua Ceará, já nasci… eu nasci em 1960 e eles mudaram para os Campos Elíseos em 1951, 1952. Então, eu já nasci na casa nova. Eu já nasci com televisor em casa. Eu já nasci com telefone em casa. Então, eu tinha vários privilégios já, quando eu nasci, que todas as minhas irmãs, no passado, não tiveram. Então, eu fui uma privilegiada dos anos sessenta, com um pai muito trabalhador e que conseguiu fazer todo esse processo de inovação nas nossas vidas, né?
P/1- Ah, legal. E como é que era essa sua casa, a rua, o seu bairro? Como é que era o ambiente lá? Era rua já asfaltada? O seu pai trabalhava ali, tinha algum barracão pra ele mexer com as lambretas? Como que era o local que você morava?
R- Sim. Onde nós morávamos, na Rua Ceará, nós já tínhamos uma casa de alvenaria, normal, uma casa com laje. Porque, parece assim, o meu pai tinha uma evolução muito grande, mentalmente. Ele queria fazer o melhor. Essa casa tinha quintal. A rua era asfaltada. E um quarteirão abaixo, ele tinha onde ele consertava as geladeiras. Ele não dispensou as geladeiras. E até quem ajudava ele, nessa época, era o Zanoti, né? O pai dos meninos lá, dos Zanoti. Eles eram amigos e os dois consertavam geladeira. E a produção de peças pra lambrevespa e pra vespa, era na Rua José Bonifácio, 69. Então ele, na verdade, se deslocava pra dois comércios. Pelo período diurno ele estava na Rua José Bonifácio, 69, na fabricação das peças. E durante o período da noite, ele estava arrumando as geladeiras. Porque já nessa época, de 1958, 1960, existiam bastante geladeiras no mercado e, realmente, ele fazia um trabalho também, que ele ia de casa em casa pra arrumar as geladeiras. Só quando tinha que colocar um gás a mais, alguma coisa, que essas geladeiras eram transportadas, na verdade de carroças, né e vinham até o local desse salão que ele tinha também, que era um galpão. E esse galpão, na época, a gente brincava de desfile de miss, porque era muito em evidência, a miss, né? Então, 1968, 1970, era o ano das misses. Então, a gente fazia, na rua, esse processo de brincar, que a gente pegava os vestidos longos, o sapato da mãe, meio grande, porque a gente não tinha salto e nem criança usava salto e a gente fazia esse desfile com passarela. Então, era muito legal, porque tinha uma escada que a gente descia, fazia tudo, tinha pontos. Depois a gente ganhava algum sorvete, alguma coisa, a miss que era da rua. Então, a cada um mês, era uma menina que era a miss da rua. Então, a gente fazia totalmente esse desfile, que era uma coisa boa. E, nessa época, também...
P/2- Quem organizava?
R- Quem organizava era a minha irmã, que é a Sílvia, que é a minha sócia, hoje. Ela tem dois anos de diferença minha. Mas ela era muito rueira. E tudo ela procurava fazer. Então, ela chamava a molecada pra brincar de guerra na rua, né? Ela brincava de esconde-esconde. Ela chamava o Tabu pra hora que todo mundo quisesse entrar em casa. Tinha aqueles Tabus, que andavam na rua, né? Aqueles homens com aqueles anéis grandes, lembra? Do saco. Aí ela falava assim: “Todo mundo tem que ir pra dentro, porque o Tabu está chegando”. Então, todo mundo entrava. E realmente, o Tabu, passava mesmo. Eu não sei se ela conversava com ele, mandava passar, porque a hora que ela não queria brincar mais, ela punha todo mundo pra dentro da casa, através do Tabu. E ela organizava esse desfile. (risos) Então… e ela fazia a professora, durante o dia. Então, durante o dia, ela pegava uma lousa, punha na calçada. Nós todos sentávamos na rua, na sarjeta. E fazia da sarjeta, como fala? A gente sentava no asfalto e fazia da sarjeta como se fosse uma carteira. E ela ficava ensinando as coisas pra nós: o abecedário, o número. Apesar que a gente já ia pra escola, né? Porque eu fui pra escola com cinco anos. Naquela época eu fiz jardim e fiz pré, que era uma coisa praticamente inédita, eram poucos que tinham essa oportunidade de estar fazendo. E ela ficava dando aula pra nós. Nossa, o motivo dela era ser professora, era querer mandar. Até hoje ela gosta assim, de mandar o pessoal, de um modo geral, a fazer aquilo ou vir pra cá. E nós brincávamos muito sadiamente. Então tinha, mais ou menos, a molecada era muito grande ali, nós brincávamos em torno de umas vinte, trinta meninas e meninos misturado também. Mas ela comandava, realmente, o circo, lá, como dizia o outro, né? (risos)
P/1- Já tinha asfalto?
R- Tinha asfalto. Mas os carros, praticamente ninguém, quase, tinha carro, né? Porque o pessoal que entregava o leite, na verdade, eles entregava de carroças, né? E com aqueles vidros que a gente dava um vidro pra ele e ele repunha o outro vidro em casa. E passavam algumas peruas, porque a gente não ia nas padarias. A perua passava vendendo uma rosca... é, um pão de quei… o pão de queijo, na verdade, na época nem comíamos, não. Era o sonho, rosca e pão, que ele vendia pra gente, na época. E manteiga. Porque na nossa casa, também não dava pra se comprar uma muçarela ou qualquer coisa assim. Porque eram muitas pessoas pra comer e era mais rendoso a manteiga. Então, a rua era muito pouco... então a gente brincava de esconde-esconde, pique e pega, bolinha de gude na rua, escolinha. Fazia os desfiles de miss. E fazia aquela guerra, né, com bolinha de meia. Então, a gente juntava várias meias velhas, fazia aquele bolinho e brincava de queimada, que é chamado hoje. De primeiro, na época, era guerra, agora é queimada. Então, ficava uma turma de um lado, outra turma de outro, com um risco no meio e jogando aquela bolinha, em quem pegasse, era queimado e saía fora do jogo. E ganhava quem ficava por último. Eu acho que você também brincou dessa queimada. Não brincou, Luis?
P/1- Eu brinquei de queimada, mas era com bola. A gente fazia com bola, mesmo.
R- Ah, com bola? Não. Nós fizemos com bola de meia. E, na verdade, tinha que pedir permissão pros pais pra poder pegar as meias mais velhas, pra juntar. E usava, mais ou menos, uns vinte pares, pra fazer aquela bolinha. E, realmente, é uma bolinha, é uma boa, de meia, viu? Porque ela não machuca. (risos)
P/1- viu, Sandra, e vocês costumavam ir pro Centro da cidade sempre? Ribeirão Preto deveria ser muito diferente de hoje, né? Vocês iam pra cidade fazer compras? Como que você lembra de Ribeirão, dessa época?
R- Ribeirão tinha a Avenida Saudade, que era muito atuante, né, que tinha as lojas lá, na Avenida Saudades. Tinha o Bar Galo, que a gente comia lá no Bar Galo. Na verdade, tinha a Pizzaria Bambi, né, que a gente também ia lá. Então a gente saía de pé, porque não tinha o carro suficiente pra todo mundo, na época. O carro era cinco lugares, só. E tinha uma perua Kombi. Mas pra fazer esses passeios, o meu pai achava que dava pra todo mundo andar. Então, a gente ia em fila indiana até a Avenida Saudade, que dava, mais ou menos, umas dez quadras. Passava pra comprar algum sapato, se fosse necessário. Mas o dia da compra era o dia da compra. Quando não era o dia da compra, que a gente ia comer uma pizza, todo mundo saía em fila indiana. Ele pedia que andasse certo, não parasse com os pés tortos, levantasse a cabeça, que o pescoço foi feito pra segurar a cabeça e a cabeça erguida. Até hoje eu tenho a mania de uma cabeça meio... até parece que a gente é prepotente, mas não é. É a postura que ele nos colocava. E todo mundo que a gente andava, arrumava bem as costas. Porque quando chegava em casa, aquele que estava com um pouco de costa caída, colocava um pau de vassoura atrás das costas pra assistir televisão, durante uma hora ou o que fosse. E o castigo nosso, realmente, era sentar com o pau de vassoura e ficar com as costas erguidas pelo tempo que ele determinasse. Se fizesse alguma coisa errada. Era um bem coronelzinho assim, italiano muito bravo. E outra coisa que a gente andava muito, que era o nosso passeio, era sair da Rua Ceará, ir até a Vila Tibério, perto da via do café. Olha, é longe, né? E nós íamos subindo nas pedras e falando assim, nas pedras: “Dez quilos, vinte quilos, seis quilos, quatro quilos”, até pra passar o tempo, pra gente chegar. E aí eu me recordo muito bem que o meu tio tinha um bar. E quando a gente chegava nesse bar, a gente esperava tomar um refrigerante gostoso. Aí ele dava uma Douradinha pra gente. A gente xingava muito, porque ele vendia Coca-Cola, na época e a gente tinha vontade de tomar Coca-Cola. E ele dava um suspiro pra nós, que o suspiro era bem barato. Então, a gente falava assim: “Nossa, mãe. A gente andou tudo isso só pra comer isso daqui? Aí, esse tio é muito pão-duro, né?”. A gente queria mais coisas, porque o bar tinha repleto de coisas. E aí a gente tinha que voltar tudo de volta. Chegava em casa, lavava os pés na entrada de casa, na torneira, antes de entrar em casa. Quer dizer que a gente vê que várias coisas que a gente fez no passado estão se repetindo hoje, né, com a pandemia.
P/1- Verdade.
R- É. Com a pandemia. Então a gente entrava. Passava, lavava os sapatos, colocava pra secar. E aí adentrava em casa. Se alguém tinha feito alguma coisa no caminho, que não fosse bom, sentava, punha a vassoura atrás dos braços e ficava erguido esperando até o momento de poder sair. Então a gente nunca olhou pra parede, nunca parou de comer alguma coisa porque estava de castigo. E uma outra coisa interessante que a gente fazia em casa: a mesa era muito grande, né? Porque, na verdade, nós comíamos em dez, em doze pessoas. Então, todos comiam no mesmo horário. Então tinha mesa pra todo mundo. E aí a gente comia carne, fritava os bifes, tinha arroz, feijão. Só que enquanto o meu pai não pegasse a comida, porque ele era o mais velho e ele era o que comandava toda a turma. Então, ele tinha que pegar o bife, o arroz e o feijão e depois cada um de nós, por idade, começava a se servir a comida. E quando terminava, ele comprava muita bolacha, ele comprava suspiro, ele comprava todas as coisas e comprava maçãs. Porque ele achava interessante que todos nós comêssemos frutas. Porque na minha casa era muito acostumado a comer fruta. Então, uma maçã virava dez pedaços. Então, era bem dividido. Porque as maçãs, se todo mundo se recordar, eram as maçãs argentinas. Eram as maçãs grandes e não existam as nacionais. Então, ele dividia. Dividia a pera, dividia a maçã e todos nós comíamos. Então, nós tínhamos de tudo, porém regrados. Tanto é que a obesidade na minha casa não existia. Porque era regrado, todos os horários pra se comer. E se andava muito, né? Escola ia de pé, voltava. Fazia exercício. Então quer dizer, tudo era cronometrado. E as mais velhas penteavam as mais novas. As mais velhas passavam roupa das mais novas. E tudo assim. E era por idade. Então, vamos supor: conforme a idade, um atendia a porta, um limpava banheiro, um atendia telefone, o outro arrumava a cozinha. Então, era bem direcionado o serviço da casa. Ia passando. Cada hora que uma ia casando, que o casamento na minha casa começou em 1965. E já com festa em buffet. Então, quer dizer, você vê que a evolução do meu pai foi muito legal nessa época, que a gente é acostumada com buffet desde 1965. E eu comecei a ser dama de honra delas em 1965, eu tinha cinco anos. Então, a gente ia naqueles lugares que eu até ficava muito brava, eu falava: “Mãe, é tudo com palha de arroz os casamentos, né, o chão, né, das amigas das minhas irmãs”. Os nossos todos foram em salão. Mas as amigas das minhas irmãs faziam aquele lanche de mortadela moída, que todo mundo se lembra, né, quem é do tempo. E os casamentos eram em terreiros, que eles colocavam palha de arroz para não sujar o vestido da noiva e nem sujar os pés. Então, era uma coisa, assim, interessante (risos). Eu me recordo bem dessa minha infância, que eu fui dez vezes dama de honra. Até os quinze anos eu fui dama de honra. Então, quer dizer, eles me chamavam, que eles me achavam engraçadinha, eu era a caçulinha. Então todo mundo vinha: “Ela tem vestido longo?” “Tem” “Ah, então eu quero que ela seja dama de honra”. Porque era uma outra coisa também, que era caro e difícil de se ter, né? Vestido de dama de honra. Eu tive, praticamente, oito vestidos de dama de honra. E só em dois casamentos que eu usei o mesmo, porque a minha mãe falou: “Não, não vamos fazer. Porque agora chega de fazer vestido de dama de honra”. Então, quer dizer que eu tive todo esse período também da minha infância, andando com... indo e entrando em igreja, participando. Aí, a dama de honra tinha que ficar com a roupa, todo mundo correndo e eu tinha que ficar com aquela roupa até o final da festa. Então era uma coisa assim, pra mim, chata, né? Porque era engraçado, o fotógrafo ia tirando fotos, mas eram umas fotos que tinham que ser bem-feitas, né, porque era caro pra revelar foto. Então eles falavam: “Tem que ficar com o vestido até o final. Porque cada hora nós vamos te chamar pra alguma foto certinha”. Então, eu ficava, enquanto todo mundo corria, no casamento, eu ficava sentada, de vestido longo. Então, umas coisas assim que recordam e dão saudades, tem hora.
P/1- Sim. E tinha muita festa no bairro, assim? Porque esses bairros mais tradicionais tinham quermesse, tinha festa no meio da rua, que o povo colocava mesa. Você se lembra de algo assim?
R- Na verdade, lá nos Campos Elíseos não tinha. A gente sempre vinha pro Centro. A gente participava da festa italiana, né, que é aqui no prédio, aqui no Centro da cidade. A gente participava de tudo o que acontecia no Centro da cidade, de um modo geral. Porque a gente não media esforços. O meu pai não media esforços pra levar a gente em tudo o que acontecia. Então, a gente ia nas procissões, tinha que acompanhar. Acompanhava a procissão. Ia à missa aos domingos. Vinha no Centro da cidade, porque ele parava pra tomar um chopp no Pinguim enquanto a gente brincava na Praça XV. Então, tinha todo um ritual que a gente circulava. E sempre o Centro da cidade foi tudo muito mais barato, né? Então, quando a gente vinha comer uma pipoca ou comer qualquer coisa, o centro da cidade oferecia um bom preço. E a gente, muitas vezes, pela Avenida Saudade também, que comia a pizza e no Bar do Galo, que servia refeições e que a gente também ia lá. Então, a gente ia pro restaurante, ele falava assim: ”Aguarde como eu vou me posicionar”. Então a gente não podia bater as pernas embaixo da mesa. A gente sentava bem tranquilamente, assim, de uma maneira, esperando tudo. Ele ensinava como comer com garfo e faca, como usava um guardanapo. Então, a gente vem de uma arrumação de mesa, enxugar garrafa de café, não comer sem toalha na mesa, sabe? era umas coisas interessantes, que você não... hoje, tem pessoas que a gente encontra que ainda, praticamente, não tem esse processo de educação. Mastigar com boca fechada. Ele não admitia que mastigava com boca aberta. Não falava com boca cheia. Então era assim, era uma infância rígida. Não sentava na mesa com boné. Não sentava na mesa sem camisa. E nunca nós usamos camisa cavadas, sempre camisa com manga, porque ele falava que a pior coisa era aparecer debaixo do braço, muitas vezes as mulheres que não raspavam, né e os homens que tinham aqueles cabelos. Ele falava: “É muito deselegante uma pessoa vir abraçar o outro e sentir pele a pele, principalmente dessa área, que dá odor”. Então, a gente nem tinha esse tipo de coisa. E toda vez... eu até levo até hoje: na minha casa não senta sem camisa. A gente não senta de boné na mesa. E o celular não vai pra mesa de alimento, ela tem que ficar dentro de um outro lugar, almoçou, depois você faz o que você quiser com o seu celular. E, às vezes, eu tenho algumas pessoas que me chamam que eu sou rígida, que não deveria. Mas se a gente ficar com o celular na mesa, não faz nem uma coisa nem outra. E nessa época de pandemia, quanto menos contato a gente tiver com o objeto, é melhor. Então, é um horário que a gente pode conversar um pouco, a gente pode trocar algumas ideias. E quando eu deparo com os outros meus sobrinhos: “Ô, tia, você é muita chata, você é muito antiga”. Mas eu prefiro ficar com a minha “antiguice” normal e reger a minha vida do jeito que está, porque eu criei meus dois filhos, eles têm uma educação muito gostosa de se lidar. Eles gostam do velho, eles gostam da criança, eles gostam do intermediário. Eles se dão bem, todos eles. Conversam com todos. Então, quer dizer... e quando eles vão na casa das pessoas, eu sempre recebo elogios: “Olha, Sandra. Olha, o teu filho está de parabéns, não adentra , tal”. E hoje eu venho sucedendo ele, dentro do meu mercado. E estou ficando muito contente também. Porque ele se uniu aos nossos funcionários de uma maneira tão tranquila, que ele é um parceiro de todos eles. Então, ele não entra naquela guerra de ser um herdeiro sem fazer nada e sim, um sucessor. Então, ele sabe que uma empresa, as pessoas têm um valor mais baixo de salário, precisam sobreviver trinta dias. E ele tem todo esse entendimento, porque eu o pus pra trabalhar três anos ganhando um salário-mínimo, comendo de marmita no emprego, porque era caro comprar uma marmita de dezessete reais. Então, ele levava o marmitex, de casa, esquentava no micro-ondas e sentava com todo o pessoal no refeitório. E essa experiência eu tenho gratidão, porque ele foi empregado no Savegnago. Então, ele constituiu uma empresa que é séria também, no mercado e que tem todas as normas que eu prezo também. Então, foi muito bom. Então ele, depois de três anos, veio trabalhar comigo, com todo esse processo já em mente, que a pessoa que ganha mil e quinhentos reais tem que pagar água, luz, ela tem que comer, muitas vezes ela tem que pagar um aluguel e ela tem que se movimentar. Então, é uma base que a pessoa precisa ter. Porque, muitas vezes, um filho da gente compra uma calça jeans que custa, na verdade, quinhentos reais. Ele não tem noção que o mundo aí fora se come com quinhentos reais durante todo mês e uma família. Então, eu quis dar esse projeto de vida pra ele, pra ele ter entendimento. Se amanhã ou depois ele não comer nada, não ter o ganho que ele tem hoje, pelo menos ele sabe lidar com o mundo que está aí hoje e que nós não sabemos o que vai virar, depois dessa pandemia. Um aperto nacional, realmente, que nós estamos entendendo, porque nós já empobrecemos, em média, quarenta por cento.
P/1- Sandra, e na escola? Onde você estudou? E como foi a escola pra você? O que você lembra ______ (44:47)?
R- Eu estudei na escola municipal, no Massaro, né, que era muito legal, onde eu fiz o meu prezinho, né, e o meu jardim de infância, que existia. Eu tenho até hoje os meus bordados que eu fiz lá. E tive um aprendizado muito grande. Então, quando eu fui com sete anos para a escola, que eu fui para o Sesi, eu já estava alfabetizada. E eu sentia que vários amigos meus, dentro do Sesi, tinham muitas dificuldades, porque eles não tiveram esse jardim, nem esse pré. Porque se a gente pegar, foi depois de 1966 que as pessoas, de um modo geral, levaram as crianças mais cedo pra escola. Em 1960 era pouca oportunidade de levar pra escola, nesse momento. Então, eu fui pro Sesi, fiz toda a escolaridade no Sesi. Era muito legal, porque o Sesi é uma boa escola e a gente tem todo o entendimento pra isso, para o Sesi. E depois desse momento do Sesi, eu acabei estudando na escola estadual, onde eu fui pra escola estadual. E essa escola estadual, que foi lá na Treze de Maio, né, que eu estudei. Eu estudei lá na Treze de Maio, na escola... como que chama? Depois eu me recordo dessa escola que eu estudei lá, que agora me fugiu. E depois de lá, eu fui pro Thomaz Alberto Whately, também estudar. E aí, lá eu fiz os três anos e foi um curso técnico. E aí eu passei numa faculdade fora de Ribeirão Preto, mas o meu pai, nessa época, não deixava a gente estudar fora de Ribeirão Preto. Foi onde eu fui para a Unaerp, aí onde eu me formei, em Administração de Empresas.
P/1- E você decidiu pela Administração de Empresas por causa dos negócios, já, do seu pai? Ou você se identificou com alguma disciplina na escola, que tinha a ver com administração? Você gostava de fazer conta, matemática? Ou dos ensinamentos que levam à administração? Como você escolheu esse caminho?
R- Na verdade, eu escolhi esse caminho não foi nem pra administração, não. Na verdade, eu ia fazer Artes Plásticas, porque eu acabo desenhando até um pouco bem, assim, é uma área que eu gosto. E aí o meu cunhado, que era coronel, na época, né, do bombeiro, ele falou assim pra mim: “Sandra, artista morre de fome. Você vai fazer Artes Plásticas pra quê?”. Eu falei: “É uma área que eu me identifico. Eu acho legal”. Ele falou: “Olha, eu acho que está em alta Administração Hospitalar”. Aí eu fui no meio do caminho, pensando, pensando. Quando eu cheguei na Unaerp, eu falei: “Sabe de uma coisa? Eu vou fazer Administração Hospitalar”. Eram poucas pessoas pra fazer Administração Hospitalar, porque ninguém enxergava esse curso. Aí eu entrei. Quando eu cheguei em casa, toda feliz, tal, eu falei pro meu pai assim: “Nossa, pai, eu vou fazer Administração Hospitalar”. Ele falou assim: “Não entendo você. Todo mundo aqui é na área comercial e industrial. Qual é o hospital que você vai administrar, que nós não temos médico na família?”. Aí eu pensei. Aí eu fiz o primeiro ano, que era propedêutico; no segundo eu mudei pra Administração de Empresa. E aí todo mundo falava assim: “Sandra, você ia fazer Artes Plásticas. Você foi pra Administração Hospitalar. E agora? Você vai pra Administração de Empresa?”. Eu falei: “Ai, gente, eu vou escutar o meu pai, porque ele já se deu bem na vida. Então, eu vou, realmente, fazer o que ele está falando mesmo, porque eu tenho que ver quem sucede bem. Porque a gente já tinha essa gana, assim. Porque todo mundo em casa era empreendedor, tudo. Então, eu falei: “Não. Então eu vou fazer, sim”. Aí eu peguei, fui. Me dei muitíssimo bem. Lancei produto, foi um sucesso. Eu lancei o leite em pó sabor chocolate, na época e foi muito sucesso. Porque foi aquele leite de soja, nem existia no mercado. E nós fizemos esse trabalho, de lançar esse leite de soja. Mas como o meu grupo era muito forte lá na Unaerp, né, porque a gente estudava durante o dia e eram os grandes nomes de Ribeirão Preto, na verdade, que estavam lá estudando comigo. Eu tinha uma posição normal e os meninos uma posição muito rica, porque eu tinha Calil, eu tinha Biagi na minha classe, eu tinha todo esse pessoal que já tinha uma... já vinha de uma família tradicional, né? E aí nós lançamos o produto fazendo filme, embalagem, etiqueta. Eu fui filmar no Regatas, na época. Peguei um amigo nosso, atleta, pus ele correndo e e ele tomava o leite de soja, que ele fazia os exercícios. Então foi uma coisa, assim, muito legal. Porque, na verdade, era Administração e Marketing, né? Uma coisa muito boa, viu? Que me deu uma noção muito grande, hoje, que eu… no meu mercado aqui, de eu fazer as invenções que eu faço na linha de marketing, aqui dentro da loja. E aí o nosso lançamento de produto foi um sucesso. E, quando acabou o lançamento, eu falei pros meninos: “Olha, vamos servir um jantar pros professores, pra gente tirar dez em tudo. Porque assim, pelo menos, eles se encantam mais ainda. E foi, realmente. Nós fizemos um jantar após, como comemoração de um produto, de um lançamento. E foi um sucesso mesmo, que depois começou a aparecer os leites de soja, realmente, no mercado, esses em pó, né? Então, foi uma coisa que nós não patenteamos na época, não fizemos nada. Mas o mercado, depois, supriu para o leite de soja, na falta um pouco de leite no mercado. Então, foi muito legal. E várias crianças que não podem tomar o de vaca, que tomam o de soja ou alguns outros, hoje, que são vários renomados, na verdade, né?
P/1- Sandra, e aí você fazia faculdade e trabalhava nos negócios do seu pai? Ou já começou a trabalhar desde a época da escola? Como você começou a trabalhar no ramo lá das mobiletes?
R- É, na verdade, é assim. O ramo começou em 1958. No ano 1970, eles fabricam as bicicletas Brandani. Eles têm a fábrica, que é de peças de Lambrevespa. Nos anos setenta, eles começam a fabricar as bicicletas Brandani, que são doze modelos. E eles conseguiram fabricar mais de trezentas mil bicicletas. Aí, deste momento pra frente, começa a vir a Honda e a Yamaha pro Brasil, eles pegam a concessionária Yamaha e tocam também, junto com os negócios. Em 1979, eles abrem uma fábrica, que é a Plasmotécnica, que eles começam a fabricar peças de moto, que é onde eu entro, pra trabalhar como secretária do meu tio. E as minhas irmãs já trabalham no comércio, nessa época. Em seguida, eles começam, nos anos oitenta, a trazer as NS1, que são as motos motorizadas. Porque, neste ano também, com o encantamento dessa bicicleta bike endur, que era uma bicicleta reforçada, era uma bicicleta que não tinha solda, ela tinha amortecedor e mais os outros doze modelos, era feita em termos de cachimbo, essa moto, o quadro dela não era soldado. Então, ela era mais resistente. Nesse período, a Caloi, não contendo o nosso sucesso, veio a Ribeirão Preto e quis comprar. Então, foi vendida pra eles, a bicicleta, porque eles eram muito grandes, a Monark e a Caloi. Foi vendida a marca da bicicleta pra eles. E nós continuamos, tanto no comércio, como na indústria. E aí o meu tio foi se direcionando a fabricação… a fazer uma fábrica em Manaus também, pra direcionar essas motos que trouxe da China, né? Que, nessa época, eles já começaram a importação da China com as NS1, que eram motos até cinquenta cilindradas, que não precisava de carta, e porém ficava nesse mercado, as pessoas trabalhando com esse veículo, que era bem barato, ao invés de pedalar, porque Ribeirão Preto já tinha nascido o centro industrial da Lagoinha. Ribeirão Preto já tinha vários bairros que eram um pouco mais distantes. Em 1979 eu entro na Plasmotécnica pra trabalhar. 1981 eu vou pra loja de peças com o meu irmão, pra fazer kardex. E é onde eu me formo, né, em 1981. Em 1982 eu passo fazendo um estágio inteiro, dentro do comércio. Em 1983 é pedido pra que as peças originais separem das peças paralelas, porque já existiam bastante peças paralelas de moto, no mercado. E aí tem que fazer essa divisão de lojas. É onde a gente entra, em 1983, eu, o meu pai e a minha irmã, em 1983 para essa loja de peças paralelas. Eu sabia um pouco mais do mercado, porque eu montava as motos. E na época que eu trabalhei na Plasmotécnica, eu fiquei um pouco mais na área comercial. E a minha irmã sempre se direcionou na área administrativa. O meu pai com o meu tio separam a sociedade. Ele fica com a indústria, nós ficamos com o comércio. O meu pai se direciona a peixes ornamentais, pra distribuição no Brasil inteiro. Então, você vê que sempre ele tinha uma função paralela de sempre do que ele fez. E ele fabrica… E ele fazia casas e salões já, desde 1965, mais ou menos. Então, ele comprava imóvel, ele comprava terrenos e fabricava casa, fazia casas pra vender e mesmo pra alugar. Então, quando ele faleceu, em 1986, na verdade, cada um de nós ficamos com média, oito imóveis, nessa época. Porque ele deixou ainda o comércio atuante da loja que era de duas rodas, da Yamaha. E eu comecei com a minha irmã, nessa loja de peças, em 1983. E fomos tocando até hoje. Nós somos sócias e tocamos essa loja. E como italiano não deixa pra trás o seu filho homem, né, na verdade, em 1984 ele coloca o meu irmão na sociedade, com mais de cinquenta por cento, distribui um por cento pra mim e pra minha irmã e ele fica com os quarenta e oito. Quando ele falece, o meu pai, em 1986, nós continuamos a trabalhar muito na loja. No ano de 2000, a gente compra a participação do meu irmão. Em 2003 nós compramos a participação da minha mãe. E aí, tocamos a loja, de 2003 até hoje, 2021, eu e a minha irmã. E o meu filho e a minha filha vêm sucedendo, vem junto com a gente, no mercado de duas rodas, desde 2015. 2015? É. Depois ele vai pro Savegnago. Aí ele volta. Em 2018, ele volta agora com a gente e fica. E hoje nós estamos abrindo as filiais, do qual ele toma conta das filiais. E eu fico na parte comercial, na matriz. E a minha irmã fica no administrativo. Então, a gente percorreu todo esse percurso aí, duas mulheres, que vem da época de oitenta, desse ramo de duas rodas, onde não existia mulher nesse mercado de duas rodas, né?
P/1 - Sim.
R- É. Não existiam mulheres no mercado de duas rodas. E até hoje, a gente é a minoria, realmente, das que tocam, realmente, de frente. Porque o meu marido se direciona, ele tem uma fábrica de moto peça. De moto peça, não. Desculpa. Ele tem uma fábrica de doce. Então, ele fabrica chocolate. E tem, na verdade, toda uma distribuição de chocolates, balas, confeitos e tudo o mais. Então, ele se direciona no ramo dele. E eu e a minha irmã direcionamos no nosso.
P/1- Certo. Sandra mas...
R- Oi?
P/1- Quando você começou a trabalhar, ainda no final da década de setenta, né?
R- No final da década de setenta.
P/1- Isso. Ainda ainda era uma fábrica, também, né?
R- Sim.
P/1- Um ramo, um lugar assim, que a mulher, praticamente, não tinha entrada, né?
R- Não. Não.
P/1- E como você lidou com isso? A faculdade te deu muita coisa de administração. Mas pra esse ramo, eu acho que você teve que aprender tudo na lata lá mesmo, no lugar, né? Conta um pouco como foi.
R- Sim. Por quê? Na verdade, foi assim. O meu trabalho que a gente tinha que entregar, na verdade, na faculdade, foi feito em cima da Plasmotécnica, que peça de moto. Então, pra eu desenvolver todo esse trabalho, eu andava no chão da fábrica, eu conhecia todas as peças, eu fazia embalagem pra despachar essas mercadorias, pra mim ter entendimento de tudo aquilo que eu ia ter uma sabatina na faculdade; eu direcionava no mundo financeiro deles, um pouco. E depois, eu ficava em todo o kardex da empresa, também. E, na verdade, eu que lançava tudo no kardex, a entrada, a saída. Então, eu tive um bom conhecimento. Depois, como eu fuçava muito, eu andava de moto, já em 1978 e eu gostava muito de ver, se acontecia algum problema na minha moto, gostaria… eu fuçava nela, na verdade. E o que acontece? Eu pegava as minimotos, as motos, de um modo geral e desmontava e aí, ia pondo cada peça. Então hoje, se você me perguntar cada peça que a motocicleta tem, eu sei te direcionar todas elas. Então eu sei direcionar um pedal de partida, um motor de partida, uma flange, tudo o mais, eu sei. Então, quando eu vim pra abrir a minha loja, eu fiquei direto no balcão e caixa. E eu estava com um primo meu que tinha conhecimento, bastante também, que começou a trabalhar comigo. Então, eu fazia a abertura da porta de ferro da entrada, até colocação, eu recebia a mercadoria, eu colocava nas prateleiras e eu vendia. E, nessa época, era muito interessante. Por quê? Os mecânicos chegavam, né, os mecânicos... na verdade, era… O motociclismo em si, hoje que ele é um pouco mais, vamos dizer assim, não é tão empobrecido, ele já vem numa área nobre, né? Mas naquela época era um cara que tinha um Fusca, vendia pra montar a sua oficina. E aí ele comprava a sua motocicleta, que enquanto um fusca custava dez mil, a moto custava quinhentos reais. Então, ele andava com a motocicleta porque a gasolina, nessa época, também era cara e ele fazia, com… Andava muito com um litro de gasolina. Então, ele andava trinta quilômetros com um litro de gasolina.
P/2- Sandra, só um minutinho. Eu vou precisar sair, tá?
R- Tá. Um beijo.
P/2-. Mas eu estou adorando, tá? Eu agradeço imensamente, tá? Espero conhecê-la pessoalmente, uma hora, tá bom?
R- Com certeza. Venha em Ribeirão e toma um café comigo.
P/2- Opa. Com certeza. Obrigada. Até mais.
R- Um beijo.
P/2- Beijo.
P/1- Mas Sandra, você entrou no ramo primeiro... a sua família já tinha comércio. Mas era uma indústria, né?
R- Era indústria.
P/1- Uma indústria precisa ter uma possibilidade de vender pro Brasil inteiro, né?
R- Sim.
P/1- Como que vocês conseguiram chegar no país todo? Eu lembro dessa bicicleta Brandani.
R- Você lembra, né?
P/1- É. Todo mundo andava...
R- É. A bicicleta era despachada para todo o Brasil. Depois, a fábrica Plasmotécnica também despachava produtos para todo o Brasil. Tanto é, que em 1983, quando eu mont… Nós montamos a SBS, ela era uma distribuidora de peças para todo o Brasil. Eu vendia no balcão e já despachava mercadoria pra todo o Brasil. Porque, na verdade, eu era uma ponte de distribuição. Então, eu pegava as peças da fábrica e distribuía no meu comércio para o Brasil todo. Então, já em 1984, eu conhecia, praticamente, o Brasil todo. E a gente vendia pro Brasil todo. Porque eu tinha representantes, já. Então, eu tive que ter um desenvolvimento muito precoce em tudo o que eu fiz nessa época, entre vender no balcão, embalar as mercadorias. Através de transportadoras, que era muito difícil você mandar uma mercadoria lá pra Fortaleza, lá pros outros lugares. E eu já tinha os vendedores, que eram os mesmos da fábrica, que foram transferidos para a minha distribuidora. Então, era a distribuidora e varejo, ao mesmo tempo. E, não bastasse isso, eles colocaram barco, pra mim vender também e motor de popa. Porque eles precisavam pegar uma marca nova, que era a Johnson e a Mercury. Como eles eram distribuidor Yamaha, eles tinham uma loja, concessionária Yamaha, nós vendíamos barco também, que meu pai pescava muito. A gente tinha um rancho na beira do Rio Pardo. A gente andava, manuseava com os motores de popa, pra saber ensinar pro pessoal, como ligar, como manusear, como tirar uma hélice do motor. Então, toda essa parte também, eu tive esse aprendizado aí. E, realmente, de tocar aqueles barcos de cinco metros e com motorzinho na popa dele e acelerando, na verdade, na mão, né?
P/1 - Sim.
R - Então, eu andei tanto com a lancha, que era mínimo. Mas eu andava muito com os barcos de motor de popa, pra poder falar pras pessoas, como elas comprariam um barco de alumínio, como elas se manifestavam, qual que era… Porque eles compravam aquele barco. Era borda alta, borda baixa. Porque, na verdade, cada lugar que você vai, o barco é de uma maneira. Quando você vai no mar, a borda tem que ser muito mais alta. Quando você anda num rio de águas mais paradas, ele pode ser de borda mais baixa. Quando você anda numa correnteza, ele tem que ser uma borda intermediária. Então, tinha todo esse processo. E dar o manuseio pra eles, de como andar num barco. A divisão de pessoas dentro de um barco de cinco metros, pra que ele não empine muito a proa. Então ele não pode empinar, porque senão, automaticamente, você vai forçar muito o seu motor e você não tem visão de frente, você vai ter que estar olhando sempre ao lado. Então, era tudo isso que a gente, realmente, praticava, pra poder estar fazendo a venda do produto.
P/1- E nessa época, Sandra, não tinha internet, no início, né?
R- Não.
P/1- Né? Vocês tiveram que montar um plano de comunicação pra conseguir chegar lá em Fortaleza, nesses lugares? Era tudo no telefone? Vocês tinham representantes lá? Vocês tiveram que criar um plano, né, pra conseguir abranger?
R- Sim. Inicialmente era o telégrafo. Lembra do telégrafo?
P/1- Ah, não lembro.
R- (riso) Nós manuseamos o telégrafo. Aí veio uma novidade extrema que foi o fax, lembra? Que a gente passava?
P/1- Lembro. O fax eu já lembro.
R- O fax, né? Isso daí. E o telefone normal. Então, a gente se comunicava com o telefone e com o fax. E pra fazer as coisas de dentro da loja, era o mimeógrafo, né? Papéis. Papéis de kardex, de coisa, era tudo mimeógrafo que a gente passava, que as escolas, até outro dia, usavam mimeógrafo né?
P/1- Eu lembro.
R- Era aquele do azulzinho, da tinta azul. Eu acho que você também usou, né? Não sei. (risos)
P/1- E… Viu, Sandra, e você gostava mais da indústria ou do comércio? Você passou da indústria pro comércio, né?
R- Sim. Não. Eu sou muito apaixonada pelo comércio e pelo o que eu faço. Tanto é que eu não meço hora de trabalho, nem nada, porque é uma coisa que eu gosto, que eu entendo. Tanto é que a nossa loja, hoje, tem quase cinco mil metros quadrados. E nós temos mais seis filiais. A minha mesa sempre foi disposta no meio de loja, então entre os vendedores, entre a seção de peças. E mesmo com esse sucesso que a gente foi tendo, na verdade, essa evolução, eu ainda fico no mesmo lugar. Eu atendo o meu público, né, que é o fornecedor, que eu sou a compradora da empresa, numa mesa e ela está direcionada dentro da seção de peça. Então, ao mesmo tempo que eu estou sentada na minha mesa, eu vejo a loja inteira, ao mesmo tempo que eu estou controlando o estoque, porque é uma loja, na verdade, toda térrea. Ela não tem… Ela só tem os estoques, que são quatro estoques, na verdade, que são, que têm mezanino, mas o restante ela é toda chão. E nós temos as oficinas que a gente atende com o serviços rápidos, que é a troca de óleo, pneu, patim. A gente não opera a moto. A gente atende tudo o que é externo da moto. Isso foi uma evolução da loja no ano de 2000, do qual os mecânicos se revoltaram muito, mas eu achei uma evolução muito grande. E eu falei: “Não, a gente tem que colocar, realmente Porque quem compra uma calça, gosta de fazer a barra. Então, porque não, a pessoa comprar um pneu e já trocar no próprio local, sem custo?”. Então, foi aí que nós lançamos, praticamente, a troca de pneu, de tudo isso, que foi um lançamento, na verdade, para que as pessoas pudessem fazer no mesmo local, sem custo nenhum. Então, de 2000 pra cá, já são vinte e um anos que a gente faz essa troca dentro da loja. E as filiais são serviços. Elas vendem as peças e fazem a troca também, esse enxoval que é externo da moto. E sempre a gente agregou isso, copiando das outras pessoas. Eu me recordo que, em 1973, o meu irmão ganhou uma viagem da Yamaha pro Japão. E as bicicletas Brandani, ela é lançada em 1974, mediante o que eles viram lá fora. Tanto é que nós tínhamos uma bicicleta com amortecedor. Nós tínhamos a bicicleta dobrável. Nós tínhamos a bicicleta de marcha. Nós tínhamos a bicicleta de carga. Nós tínhamos a bicicleta, a chamada barra forte, né? Que os trabalhadores da Antártica usavam muito, né? Eles andavam com a marmitinha pendurada do lado, iam trabalhar de bicicleta. Tudo isso a gente se recorda. Porque, de 1984 até a ida da Antártica sair de Ribeirão Preto, nós vendemos muito pra esse mundo. E era um mundo empobrecido, na verdade, os trabalhadores, do qual não podiam ter carros. E das bicicletas, eles migraram para a motocicleta. Então, a gente já atendia. E pelas monaretas. Então, a gente já atendia todo esse público da Antártica e da Paulista, da Cervejaria Paulista, de todo esse pessoal aí que trabalhava nas fábricas, né e que migraram pra motocicleta.
P/1- Muito legal. Sandra, e hoje vocês não fabricam mais nada? Vocês revendem, né? Revendem, montam, dá assessoria, retifica quando tem algum problema, né?
R- Sim é... Nós aqui do comércio, fazemos isso. O meu primo, que era filho do Hugo Brandani, que já é falecido há doze anos, ele deu continuidade na Brandy, né? Que já não foi mais Brandani, foi Brandy. E aí ele fabrica algumas peças de moto, que seriam na linha de borracha. E ele importa produtos. Porque hoje, no mercado de duas rodas, já é oitenta por cento importado, né? Então, ele traz essas mercadorias, revende pra todo Brasil. Continua na mesma linha, revendendo pra todo Brasil. Eu acabei fazendo um “atacarejo” e atendendo muito bem o meu consumidor final. Então, as minhas lojas são referência Brasil, pela limpeza, pela organização, pelo número de itens, que nós trabalhamos com cinquenta mil itens dentro das nossas lojas. Então, as filiais trabalham em torno de mil e quinhentos itens, que é o de reposição até quatrocentas cilindradas. E a matriz trabalha com cinquenta mil itens. Então, a gente atende moto de cinquenta cilindradas, até mil e oitocentos cilindradas. Então, nós atendemos todos os públicos. Nós vestimos a moto e o motociclista, que é muito importante. Porque o motociclista tem que usar os itens de segurança: uma jaqueta, capacete, luva, uma bota. Então, nós temos toda essa parte, que a gente chama Vista-se, né, que é a nossa boutique dentro da loja, também.
P/1- Sim. E Sandra, quem são os seus fornecedores? Você compra um monte de coisa importada? E do Brasil, também? Você compra motos feitas aqui? Como é?
R- Sim. Eu só mexo com as peças. Então, eu compro, é... Como a minha loja é muito antiga no ramo de duas rodas, então eu consegui entrar direto nos fabricantes. Então, uma NGK do Brasil, que só vende pra grandes atacadistas, eu estou lá dentro como varejo, no atacarejo também. Porque eu sou desde a época dos anos setenta, na verdade, dessas fábricas, que eles já tinham essas fábricas na mão, pra comprar. Eu trabalho direto com a Pirelli. Eu trabalho direto com os pneus Michelin. Eu trabalho direto com toda a linha que seria a Vaska, uma fábrica nacional, no Brasil. Eu trabalho com a Riffel, que hoje ela só traz importado, mas no passado, ela comprou a nossa fábrica Plasmotécnica de fabricação de lentes e tudo o mais. E hoje ela virou uma Riffel, mas ela não fabrica mais os kits de coroa e pinhão e sim importa todas as partes de sinaleira, pedal e tudo o mais. Porque as fábricas no Brasil, igual a Magnetron... a Magnetron era uma fábrica muito grande, que fabricava todas as bobinas de ignição, no Brasil. Hoje, também, ela traz da China e só coloca as etiquetas aqui no Brasil. Eu trabalho com fábricas também de referência, de um modo geral, com GE, com... então quer dizer, eu estou direcionada nas fábricas e nos atacadistas, de um modo geral, pra comprar. E os importadores, de um modo geral, eu compro de todos eles, seja na linha de roupas, seja na linha de peças. Então, hoje, a minha loja rege com oitenta por cento da linha importada e sendo vinte por cento na linha nacional.
P/1- Legal. E os consumidores, o seu consumidor ideal, assim? Quem vai na sua loja? Nas lojas?
R- Na verdade... você está me ouvindo?
P/1- Estou.
R- Na verdade, os meus consumidores, eu atendo as oficinas, as lojas de pequeno porte. Eu atendo o meu consumidor final, seja ele para o lazer, para o trabalho, que são os motoboys, os moto deliveries e todo esse pessoal, de um modo geral, que fazem as entregas hoje. Que, na nossa pandemia, foram uns heróis, né? Porque eles chegaram na casa de todo mundo fazendo as entregas, foram as pessoas que não pararam, realmente, o trabalho. E hoje continuam. Mesmo a cidade hoje em lockdown, são eles que trabalham. Por isso que a minha oficina está aberta hoje, para atendimento rápido, para que eles continuem trabalhando. E eu tenho acima de seiscentas cilindradas, as motos grandes, que eu atendo. Em toda a linha da moto grande, seja em pneu, seja em relação, seja em pastilha. Eu tenho uma oficina separada pra essas trocas gratuitas também, desse pessoal de duas rodas, acima de seiscentas cilindradas, que nós chamamos de motos de lazer.
P/1- E essas motos mais caras...
R- Sim. São motos acima de trinta mil reais, né, todas elas, que chegam até cento e setenta mil reais. Então, são motos de grande porte, que hoje é a garupa e é o lazer do brasileiro, de um modo geral. Porque ela representava três por cento de um mercado e hoje ela já chega a oito por cento de um mercado. Nós, mulheres, que no passado representávamos treze por cento de andar de moto, hoje nós já estamos em trinta e oito por cento. Quer dizer que o número é muito crescente das meninas de dezoito anos que compravam o seu carro e hoje, na verdade, a opção é a motocicleta, por ser um veículo barato. E um meio de transporte que elas não dependem do transporte público.
P/1- Legal. E na sua vida, fora o trabalho, o que você gosta de fazer?
R- Na verdade, o meu lazer é ir pra chácara no final de semana. Jogar água nas minhas plantas, que eu gosto muito de ficar num jardim por volta de duas horas. É onde a gente consegue colocar todo o equilíbrio em ordem e estar na segunda-feira de uma maneira muito tranquila. As viagens, pra mim, não são essenciais. Viagem, porque... normal, mas não é pra mim um hobby, nem uma… Falar que é uma essência, que eu tenho que viajar, que eu tenho, não. Pra mim, não me incomoda. Eu faço a minha academia, normal. E de um outro lado, também, eu me incluo sempre dentro das associações. Então, eu estou dentro do Rede Mulher. Eu estou dentro de Mulheres do Brasil. Eu estou dentro da Associação Comercial como a primeira mulher, depois de cento e treze anos, na diretoria executiva. Porque, na verdade, o estatuto dela não promoveria mulheres, lá dentro, só quem tivesse passado pelo conselho deliberativo, por vários itens dentro da Associação Comercial. Então, até esse presente momento, eu sou a única mulher que possa estar dentro da diretoria executiva. Daqui a dois anos várias mulheres já entraram em vários setores lá, que automaticamente nós vamos puxá-las pra diretoria executiva, porque é uma sociedade totalmente machista dentro da associação. E esse presidente novo está quebrando todos esses paradigmas que, no passado, não poderiam.
P/1- E você tem um filho ou dois?
R- Eu tenho dois filhos. Eu tenho a Sofia, de trinta anos, que trabalha com a minha irmã no financeiro, direcionada com a Sílvia. E eu tenho o Luis Henrique, que cuida das filiais e está direcionado também na parte comercial da empresa, que fica um pouco mais direcionado comigo. Então, como a minha irmã é solteira e não tem filhos, eu acabei trazendo os meus dois pra empresa e cada um direciona num setor dentro da empresa, pra que a gente possa, daqui a alguns anos, poder se dar o luxo de ficar um pouquinho mais em casa.
P/1- Certo. E a gente sempre pergunta aqui, só que eu pulei a ordem: como você conheceu o seu marido?
R- Na verdade, eu conheci o meu marido num restaurante, que eu já o conhecia, mas eu sentei do lado dele. E ele perguntou sobre o meu pai e o meu pai tinha falecido em 1986. E eu tinha um casamento, pra se casar em 1982 e, como eu estava trabalhando e estava começando a ganhar dinheiro, eu falei: “Ah, eu não vou casar agora, não. Porque eu não quero virar dona de casa e sim estar empreendendo no mercado, já que eu fiz Administração de Empresa”. E eu o conheci nesse restaurante. Eu contei um pouquinho que o meu pai tinha falecido. Ele ficou meio tristonho, porque ele conhecia o meu pai. E passado uns dias ele me ligou, pra gente poder sair. Ele tinha namorada, realmente. Aí eu comecei a sair com ele. Quando deu um ano, o meu pai... deu um ano, nós namoramos, noivamos e casamos. E estamos casados há trinta e três anos, hoje.
P/1 - Legal.
R - E ele trabalhava no ramo dele, ele queria que eu fosse direcionar pra lá. Mas eu já tinha loja com a minha irmã. Então, realmente, eu queria empreender sem estar num mundo familiar, mesmo. Porque eu já tinha perdido o meu pai. E eu sei que eu não aguentaria alguma outra pessoa por cima da gente, passando algumas coordenadas ou… Porque a gente acaba liderando muito bem. Então, como a gente tinha perdido o nosso ombro, né, que seria o meu pai, que era aquele fortalecimento nosso, então, realmente, a gente foi pra tocar a vida sozinha mesmo e arrumar o nosso caminho. Foi o que nós fizemos. Então, nós somos empreendedoras, hoje, no mercado. A gente tem cento e dez funcionários. Ela direciona totalmente na administrativa e eu no comercial. Nós nos damos muitíssimo bem como irmãs e como na área comercial, porque cada uma se direciona fazendo a sua parte dentro da empresa. Então, é uma empresa que é leve, saudável. E que nós conseguimos fazer um marco dentro do ramo de duas rodas, em peças, que são duas mulheres tocando uma empresa, desde os anos oitenta.
P/1- Muito legal. E qual a diferença da matriz para as filiais? Elas são aí em Ribeirão, as filiais?
R- São. Todas. Nós fizemos um projeto, Abraça Ribeirão. Então, nós fomos em todos os bairros, de um modo em geral. Estamos indo, ainda. Estamos em fase de expansão. Porque a gente vai na região também de Ribeirão Preto, até num quilômetro de cento e cinquenta quilômetros, nós vamos estar na região. Em Ribeirão Preto, ainda, nós vamos abrir mais quatro unidades, esse ano ainda. E o ano que vem, o projeto é estar indo pra região. Então, está bem estruturado. A gente está com… Não fizemos franquia e sim filiais. Porque, na verdade, as franquias, pro nosso ramo, não dão certo, porque existem muitas peças e ela não tem um foco exclusivo, porque nós não importamos as peças. Então, não tem como eu ter uma marca minha pra estar fazendo essas filiais, que talvez, seria um projeto futuro, também. Porque o Luis é muito novo ainda e a Sofia, então eles têm todo uma vida pela frente pra tocar. E a nossa matriz, ela tem uns cinquenta mil itens. E essas lojas de bairro têm mil e quinhentos itens, pra atender até quatrocentas cilindradas. E na nossa matriz, nós atendemos de cinquenta cilindradas até mil e oitocentas cilindradas, com todos os itens.
P/1- E, Sandra, você falou que tem cento e cinquenta funcionários? É isso?
R- Cento e dez.
P/1- Cento e dez funcionários.
R- Sim.
P/1- Quando começou a pandemia, o ano passado, o que que passou pela sua cabeça? Você falou: “E agora?”? O que você falou?O que que você pensou?
R- É, como eu sou na linha essencial, eu me preocupei, sim, porque teve uma queda de quarenta por cento. Mas o empenho todo da equipe, fez com a gente mantesse todo mundo no seu trabalho. E todos eles se viraram de uma maneira virtualmente, com celulares, com tudo. Então, foi uma maneira que a gente conseguiu sobreviver durante todo o ano de 2020. 2021 começou um pouquinho mais complicado. Mas hoje nós estamos em lockdown, mas nós estamos dividindo as turmas pra fazer um trabalho interno e eles poderem trabalhar nessa área, totalmente virtual. E as oficinas trabalhando na troca de peça. Então, é um momento assim de muita reflexão em tudo o que a gente vai fazer. E tem que dar o passo muito certo, pra não errar.
P/1- Você acha que, por ser do ramo de motocicleta e as motos continuarem _______ (1:22:26) passar pela... está ajudando, né?
R- Sim. Como nós somos item essencial, realmente ajudou demais. Porque eu tenho vários amigos... e lá dentro da Associação são cinco mil e seiscentos associados e praticamente, noventa por cento das pessoas que vendem roupa, sapato, eles estão sofrendo muito com essa pandemia. Principalmente, porque os hipermercados, hoje, eles vendem de tudo. Eles vendem desde um material de limpeza, até a vestimenta das pessoas. E muitas vezes, até próprio do nosso ramo eles acabam vendendo, que é um pneu, uma bateria e tudo o mais dos itens de específicos da moto, que existe essa troca a cada quilometragem. Então, eu acho que todo mundo está sofrendo um pouco. Porque os grandes, na verdade, são essenciais, estão abertos e vêm prejudicando muito esse pessoal nosso da linha de roupa, sapato. Toda linha, de um modo geral, né? As classificações são inúmeras. Então, realmente, a gente não tem nem como classificar tanto o tanto que todo mundo vem sofrendo, de um modo geral.
P/1- Legal. E como é que você vê a evolução do seu ramo, ao longo do tempo? Ou as mudanças dentro do seu ramo? Moto é uma coisa essencial, né, vai ser sempre importante, mas como você viu desde lá, quando você começou, até hoje?
R- Na verdade, é a segunda opção que uma pessoa tem na sua vida, depois de um carro, né? Quando ele já não pode mais ter o carro. É muito triste esse meu ramo, porque a gente sente que o país está muito empobrecido. E quanto mais empobrecido ficar o país, aumenta o número de bicicletas para trabalhadores e aumenta as duas rodas. Porque o salário se achata muito e ele não tem condição de manter um carro. Porque um carro são quatro pneus, é quatro velas, é dois faróis, é duas lanternas. Enquanto que uma motocicleta é um farol, é uma lanterna, é dois pneus, é uma vela. Então, eu fico muito triste, realmente, se houver essa regressão no nosso país, pra que esse número cresça muito, nesse momento, que seria o trabalhador do dia a dia. Porque não é benéfico pra ninguém. Porque todo mundo vai sofrer com esse processo de ter quarenta, cinquenta por cento do seu salário reduzido. E eu acho que isso é uma corrente do mal e não uma corrente do bem, muitas vezes.
P/1 - Sim.
R - A motocicleta, nós entendemos que ela é perigosa, sim. Porque o seu corpo está direcionado direto com o asfalto, com a sarjeta. Então, realmente, a gente pede pra todos os motociclistas fazerem o uso de segurança. Hoje a gente tem os protocolos sanitários, que é o álcool gel, que nós temos a máscara, que nós temos o distanciamento. E na motocicleta, nós pedimos sempre: faça uso do seu capacete, faça uso da sua luva, faça uso da sua jaqueta, porque a jaqueta vira a sua pele num asfalto, faça uso da bota que ela tenha, não um tênis e sim uma bota que tenha uma proteção pra uma queda ou pra uma pedra e ela vai proteger também o seu tornozelo. Porque o maior número de acidentados, hoje, dentro dos hospitais, depois da Covid, realmente são os motociclistas. Isso vem se arrastando, já, por mais de dez anos.
P/1- E, Sandra, você já falou sobre os projetos futuros, né? O que vocês podem fazer no sentido do negócio, né? E pra sua vida, assim? O que você espera pro futuro? Se você tem algum sonho, se você quer mudar alguma coisa.
R- Na verdade, hoje, eu já começo a fazer um ______ (1:26:19) com a parte social, né, que eu sempre ajudei muito as pessoas. Mas a gente se direciona, realmente, a estar junto com as pessoas, direcionando, doando muito as coisas. Estou dando uma participação _______(1:26:34) da sociedade para a Associação Comercial, né, ajudando os outros empresários a poderem, nessa época de pandemia, também, fazer uma sobrevivência maior, que foi um ano muito difícil e nós, dentro da associação, temos que arrumar vários meios, pra que esse pessoal possa sobreviver. Estou dentro do Mulheres do Brasil, que eu acho interessante, porque a Luísa é uma pessoa de muita inovação. Agora também ela quer vacinar o pessoal até setembro, no Brasil, com uma corrente positiva entre empresários, entre o governo estadual, municipal e tudo o mais. Eu acho muito positivo isso. E, entre as trezentas mil mulheres, ela está com trezentas mil pessoas hoje, dentro do Mulheres do Brasil, dividido em todo o Brasil. A gente tem um projeto que eu gosto muito também, que é um projeto de bonecas, que a gente, no final do ano doa para as crianças de creche, realmente, pra elas terem um presente de Natal. Pras meninas uma boneca. Pro moleque, um boneco, né, que é sempre um super herói, alguma coisa que ele vivencia no passar dos anos, pra ele ver que ele pode ser um herói, sim, né? Fazendo que as crianças tenham motivação pra isso. Pras bonecas das meninas, uma bailarina, porque é o sonho de toda mulher, de repente, estar com uma sapatilha, estar num palco. Então, a gente faz esse nosso sonho no projeto, pra que elas possam sonhar pro futuro. E também voltar às minhas pinturas, na verdade. E ter um pouquinho mais de espaço, pra mim ficar um pouco em casa. Porque durante esses quarenta anos, se você contar os horários que eu fico em casa, é muito pouco, perante o que eu estou dentro da rua e dentro do trabalho. Então, isso é a minha vida e da minha irmã. Então, com essa sucessão, automaticamente, nós vamos poder se dar o luxo, talvez, de trabalhar meio período. Parar de trabalhar totalmente nós não pensamos, não, porque a gente gosta do que a gente faz. Mas realmente, sabe, ficar um pouco menos à frente de tudo o que acontece. Porque hoje, nós duas somos muito à frente dos nossos negócios. Ela resolve tudo o que é ali o financeiro e eu resolvo tudo o que é a parte comercial, tudo o que se diz direcionado. Então, nós queremos dar esse folegozinho pra nós, pra poder viver um pouquinho mais. Porque eu estou com sessenta anos, ela está com sessenta e dois, então, automaticamente, a gente vai ter que se dar um pouquinho mais de luxo do tempo pra nós, mesmo, realmente. Respirar um pouquinho mais, né?
P/1- Está certo. Está bom. Sandra, a gente está chegando ao final, aqui, da entrevista, eu queria te agradecer muito. E perguntar se teve algo que eu não te perguntei, que você acharia importante falar.
R- Olha, eu acho que, de um modo geral, você perguntou tudo, realmente. A gente pode explanar bem. Porque eu venho uma mulher dos anos oitenta, né? Diferenciada, num ramo machista. A minha família sempre foi do ramo de duas rodas. Porque pelo o que eu te contei, que ela vem lá de trás, de 1958, se direcionando à fabricação, a ter lambreta, a importar lambretas, depois importar motos, fabricar bicicletas, fabricar peças de moto, estar no varejo, atender o consumidor final. Então, quer dizer, é uma família direcionada, realmente, no ramo de duas rodas. E eu, como mulher, eu quero deixar uma mensagem pra todas as mulheres, de um modo geral: não desista do seu sonho. Não é fácil. A mulher tem multitarefas. Ela precisa ser dona de casa, ela precisa ser esposa, ela precisa ser mãe. E ela precisa estar dentro do seu trabalho, com equilíbrio natural e sempre fazer o que ela gosta. E nunca culpe os outros por aquilo que ela não fez. Porque ela tem o livre arbítrio depois de 1970, pra que ela possa fazer o que ela quer. Então, realmente, se ela tem que sair pro mercado de trabalho, que ela saia pro mercado de trabalho. Se ela tem que empreender em alguma coisa, que ela empreenda. Mas uma coisa não justifica a outra: “O meu filho, realmente, não está bem-criado, porque eu não estava em casa”. Isso não é motivo pra isso. A educação, você pode se dar também à distância, porque as regras são as mesmas. A criança tem que ter educação ao levantar, ao comer, ao ir à escola e também com as pessoas. Então, a educação vem dos pais e o ensinamento vem das escolas. Então, é muito básico tudo isso. Então, as pessoas e nós que se direcionamos a fazer essa multitarefa, que não culpe ninguém em nada. Em nada, em nada. Nem o seu próprio marido, nem a sua própria irmã, nem a sua própria mãe, nem o seu próprio pai. E sim faça o melhor, quando você for fazer. E tenha paixão por aquilo que você faz. Porque eu estou num ramo masculino. Tenho muita paixão. Gosto do que eu faço. Se você pedir pra eu trabalhar num sábado, eu trabalho. Se você pedir pra eu trabalhar num domingo, eu trabalho, como eu trabalho nas feiras, nos domingos, que tem, muitas vezes, de motocicleta. Então, pra mim, é tudo muito normal, porque a gente consegue se organizar. Tenha organização na sua vida, que você, com certeza, vai se dar muito bem.
P/1- Legal. Muito obrigada, viu Sandra.
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