Projeto Plastek
Entrevista de Raphaelle Maria Brito Lima
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo / Pernambuco, 25 de agosto de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV003
P - Eu vou pedir para você dizer seu nome completo, sua data de nascimento e o local onde você nasceu?
R - Meu nome é Raphaelle Maria de Brito Lima, eu nasci no dia 13 de abril de 1985. Em Caruaru.
P - Raphaelle, qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chama José Tavares de Lima e minha mãe se chama Rogéria Maria de Brito Lima.
P - E seus pais fazem o quê? Trabalham com o que?
R - Meu pai hoje é aposentado, ele atualmente está estudando, no pré-ENEM para fazer um curso novamente. E minha mãe é cozinheira, ela tem um restaurante pelo ifood, em Recife.
P - E seus pais são onde, Raphaelle?
R - Meu pai nasceu em Vitória de Santo Antônio e foi criado lá. E minha aqui em Bezerros, onde eu moro atualmente.
P - E você conhece as histórias dos seus avós, dos pais do seus pais?
R - Conheço principalmente da minha avó materna e do meu avô materno, porque hoje eu convivo com eles. Depois da pandemia eu voltei para o interior novamente, eu fiz esse _______, esse movimento voltando, saindo da capital de novo para o interior e reconectei-me com algumas raízes e hoje eu moro com os meus avós. Moro com os meus avós maternos e meu pai.
P - Raphaelle, o que você sabe sobre a história dos seus avós por parte de mãe? Você sabe alguma história da sua família, de onde eles vieram?
R - Sei, sei! A minha avó, ela era de um sítio aqui do Bezerros, do sítio Juá e os meus bisavós maternos, minha avó era apanhadeira de café, minha bisavó. e O meu bisavô, ele tomava conta da fazenda. E aí eles tiveram um romance e tiveram minha avó como única filha. E aí quando ela era criancinha, mudaram para cidade, saíram do sítio, que era do sítio Cocos e vieram para a cidade de Bezerros, ficaram aqui no centro. E aí ela passou a adolescência, conheceu o meu avô, e aí eles se...
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Entrevista de Raphaelle Maria Brito Lima
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo / Pernambuco, 25 de agosto de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV003
P - Eu vou pedir para você dizer seu nome completo, sua data de nascimento e o local onde você nasceu?
R - Meu nome é Raphaelle Maria de Brito Lima, eu nasci no dia 13 de abril de 1985. Em Caruaru.
P - Raphaelle, qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chama José Tavares de Lima e minha mãe se chama Rogéria Maria de Brito Lima.
P - E seus pais fazem o quê? Trabalham com o que?
R - Meu pai hoje é aposentado, ele atualmente está estudando, no pré-ENEM para fazer um curso novamente. E minha mãe é cozinheira, ela tem um restaurante pelo ifood, em Recife.
P - E seus pais são onde, Raphaelle?
R - Meu pai nasceu em Vitória de Santo Antônio e foi criado lá. E minha aqui em Bezerros, onde eu moro atualmente.
P - E você conhece as histórias dos seus avós, dos pais do seus pais?
R - Conheço principalmente da minha avó materna e do meu avô materno, porque hoje eu convivo com eles. Depois da pandemia eu voltei para o interior novamente, eu fiz esse _______, esse movimento voltando, saindo da capital de novo para o interior e reconectei-me com algumas raízes e hoje eu moro com os meus avós. Moro com os meus avós maternos e meu pai.
P - Raphaelle, o que você sabe sobre a história dos seus avós por parte de mãe? Você sabe alguma história da sua família, de onde eles vieram?
R - Sei, sei! A minha avó, ela era de um sítio aqui do Bezerros, do sítio Juá e os meus bisavós maternos, minha avó era apanhadeira de café, minha bisavó. e O meu bisavô, ele tomava conta da fazenda. E aí eles tiveram um romance e tiveram minha avó como única filha. E aí quando ela era criancinha, mudaram para cidade, saíram do sítio, que era do sítio Cocos e vieram para a cidade de Bezerros, ficaram aqui no centro. E aí ela passou a adolescência, conheceu o meu avô, e aí eles se casaram e tiveram três filhas. A minha mãe é a segunda filha. E todos moravamos muito juntos, em casas conjugadas, eram três casas juntinhas. Mas aí com o tempo cada um foi construindo sua família, foi ficando muito grande, cada um foi para um lado e minha vó, ela tá ficando. Ela esteve um tempo em Recife, eu morei lá também com ela, na época que eu estava fazendo Federal e depois eu voltei. Mas assim, eu sei que ela tem uma vida muito permissiva, meu bisavô, ele aprendeu tudo sozinho, ele era negro, e aí era muito difícil para ele estudar, ele só teve direito a estudar uma semana de aula, porque a escola tinha muitos brancos e eles fizeram… foram falar com a direção, a coordenação, para ele não estudar mais. E aí ele só teve direito a estudar uma semana. Mas aí depois disso ele foi cuidar da vida dele, foi aprender coisas que não se aprendia na escola. E já muito adulto ele comprou um livro, veio pelos correios um livro que alguém não buscou, ficou lá. E aí ele comprou, ele se interessou e comprou, era um livro que ensinava a fazer várias coisas, como e fosse um almanaque hoje em dia, ensinava inclusive a lavar chápeu, fazer malas. E aí meu avô começou a fazer malas de viagem, porque na época aqui passava a ferrovia, por trás da nossa casa. E aí ele ficou conhecido como Manoel da mala. Ele criou a minha avó tanto… com através desses dotes artísticos de fazer as malas, de fazer as coisas, como também ele tocava sanfona. E ele ensinou a minha avó a tocar sanfona, minha vó ficou conhecida na cidade como o Maria da sanfona, que ela foi importante sanfona aqui.
P - O que aconteceu com esse seu bisavô?
R - Meu bisavô, depois de um tempo, ele estudou, mas por conta própria. Ele virou oficial de justiça, ele se aposentou assim. E aí a minha avó, depois que ela casou… O meu avô, ele é muito ciumento, ele ainda é hoje em dia muito ciumento. E aí ela foi parando de tocar sanfona, porque ela chamava muita atenção, ela era uma negra linda, escandalosa, linda com a sanfona e aí chamava muita a atenção e ele muito inseguro, ciumento, vetou. Aí ela acabou indo para a máquina de costura e ela descontou tudo na máquina de costura. Ela criou todos as filhas e os netos com a costura.
P - E a sanfona? Você falou que ela largou porque ela foi para costura, mas hoje ela ainda toca?
R - Não, ela não toca mais! Ele tem ciúme ainda hoje em dia, aí ele fica, “toque nas festas de família”. “Assim eu não quero, nas festa de família eu não quero! Era para eu estar estrelando, estar na televisão, você é ciumento, não sei o que”. Fica passando na cara.
P - E sobre seus pais Raphaele, você sabe a história de como eles se conheceram? Como foi esse momento da sua família?
R - Eu não sei como eles se conheceram. Mas eles são muito diferentes, meu pai é bem do mundo, assim, ele manda uma mensagem eu tô indo ali, aí manda mensagem 2 dias depois, estou no Rock in Rio, não sei o quê. A minha mãe não, a minha mãe é extremamente caseira, a vida dela é a cozinha, ela adora cozinhar, ela cozinha divinamente. Eu sei que eles se encontraram em algum baile de carnaval da vida, que deu certo, e aí tiveram quatro filhos. Mas eu só sei assim, não sei muito da história dos dois, eu sei muito do que eles construíram depois que a gente nasceu, mas como era antes eu não sei muito.
P - Então me conta o que eles construíram depois?
R - Então, nós somos quatro filhos, meu irmão mais velho é filósofo, ele estuda bioética. A minha irmã mais nova é farmacêutica, e aí ela é super orgulho da família, meus pais, todo mundo, mas assim, Vick é muito. Yan, ele estudou enfermagem, ele foi estudar enfermagem, mas hoje ele trabalha com estética automotiva, que não tem nada a ver com enfermagem, mas tem de algum modo cuidados. Mas é isso! E aí depois disso, cada um dos meus irmãos tiveram filhos. Eu não tenho filhos, mas aí eu cuido dos meus sobrinhos como se fossem meus, algumas vezes até demais.
P - Por que os seus pais deram o nome de Raphaelle? Me conta a história.
R - Meu pai, ele queria colocar… ele queria um nome diferente e minha mãe gostava de Rafaela, mas Rafaela meu pai disse, não, Rafaela é muito comum, bota com “é” no final que vai ficar mais diferente. E aí ele escolheu. E na época ele estudava francês, fazia um curso contábeis, acho que era magistério, não tem mais isso, mas antes era magistério científico. E aí ela fez magistério e ele fez contábeis no científico, na iniciação científica, e aí ele estava estudando francês, e aí ele até colocou com a grafia francesa, com “ph”, 2 “l”, um “é”. Mas aí eu sei que foi assim, porque ela achou bonito e ele achava diferente. Porque os meus irmãos não têm nomes muito comuns, um se chama Arin Neto, que é o nome do meu avô. Minha irmã chama Victória Régia. E o meu outro irmão chama Yan.
P - E como é que você passou a sua infância? Onde foi, como foi a sua infância?
R - A minha infância foi muito legal, muito saudável, porque a gente teve muito contato com animais, muito contato com a natureza. Nós vivemos aqui em Bezerros a vida toda, até ir para a Federal, até ter que mudar para Recife. Mas foi uma infância de muita brincadeira com terra, muito contato com planta, porque a gente tinha um quintal que ia até a beira do Rio Ipojuca, que é o rio que banha a nossa cidade. Infelizmente ele é um rio que tem uma peculiaridade muito singular, muito triste, ele agora está no ranking como terceiro, ano passado ele era o quarto mais poluído do Brasil em proporção, esse ano ele é o terceiro, depois que ele percorre 50 km já está completamente poluído, o rio que passava atrás da minha casa. Mas é também um rio e como a água traz esses benefícios, a gente tinha muita plantação, a gente conseguia plantar muita banana, _______. Minha mãe incentivava muito essa coisa com hortinha, sempre foi muito assim de brincar no quintal, de brincar com os vizinhos, porque o quintal era muito grande, a gente um quintal que só de bananeira tinha umas 70 bananeiras bem grande até o rio. E aí sempre foi muito saudável, porque a galera da rua brincava na rua, a gente brincava na rua e nos quintais, porque tem essa coisa da infância que não tem muito carro passando, apesar de ser o centro, mas é o centro de uma cidade no agreste do nordeste, é pouco movimentado. E a gente teve muito essa felicidade e essa confiança dos pais daquela época da gente poder brincar na rua muito livremente, a gente entrava para tomar banho e dormir.
P - E do que vocês brincavam? Como eram essas brincadeiras?
R - Eu lembro de brincar muito com as minhas amigas meninas de fazer docinho de lama, de fazer bolinhos, de fazer tipo um banquete, de coisinhas do mato, botar, enfeitar com erva daninha, botar, sei lá, fiozinho de siriguela, a gente botava muitas coisas. Quando juntava muita gente, que era menino e menina, a gente brincava muito de correr, de pega, de toca, de barra bandeira, de esconde e esconde e valia a rua toda e a gente morava perto da praça dos Tamarindos, valia a praça também. Brincava muito dessas coisas de desafio com bola, era bem comum na verdade a brincadeira com bola na rua. Correr e bola.
P - E você contou do rio, que hoje ele é poluído. Como ele era na época?
R - Não, quando eu era muito, muito criancinha, meu irmão mais velho, Arin, ele ainda chegou a tomar banho no rio. Eu não tomei banho no rio, eu gostaria muito de ter tomado, eu tomei em outros rios. Mas no Ipojuca infelizmente eu não pude. Mas a Arin pegou isso, tem fotos dele lá. E para a gente era muito legal, que a gente via tanto a parte ruim, que eram as enchentes, mas era o rio também, que na margem do rio passava a linha ferroviária, então a gente via o trem. Até um certo tempo a gente viu o trem do Forró passando, até antes de eu ir para faculdade ainda via o trem do Forró passando, passava, ele saía de Recife para Caruaru, passava por aqui. Mas teve uma enchente, foi mais ou menos na época que eu entrei na federal. E eu me lembro que foi uma enchente muito grande, que até passou por debaixo da ponte, levou um pedaço da terra, a erosão por causa da água levou muito da terra e agora a ponta está solta, no espaço, ela está suspensa. Aí não tem mais condições de passar nem gente, nem nada. E ainda na infância eu pegava muito esse trilho, que ia na margem do rio, porque eu passava por cima da linha ferroviária para ir para a biblioteca da cidade, só tinha uma, que era na Estação da Cultura. A Estação da Cultura era a estação ferroviária que foi desativada, então eu passava por ela para chegar na biblioteca, na margem do rio.
P - Como é que foi quando você entrou na escola?
R - Na escola eu era uma criança um pouco terrível. Eu não era uma criaturinha do bem, eu demorei muito, inclusive, para voltar para a minha escola depois que eu fui embora, porque eu aprontei bastante. Mas aquela coisa de criança, né minha gente, às vezes a gente nem faz na maldade. Mas eu era uma criança muito curiosa, eu participava de tudo, atividades extracurriculares, eu participava de todas porque eu era muito, “quero participar, preciso participar, preciso fazer alguma coisa”. Geralmente não era ligada aos esportes, geralmente era ligada para as coisas culturais, coisas artísticas, de dança. Tinha talha na escola, tinha aula de talha que eu amava. Tinha umas professoras que trabalhavam essa construção de coisa com sucata, que sempre me encantou. E a escola foi muito proveitosa. Tinha uma biblioteca muito maravilhosa, sempre gostei muito de ler e a biblioteca da escola era bem abastada de livros, assim como a da cidade, tanto que quando acabaram os livros que me interessava na biblioteca da escola, foi quando eu comecei a frequentar a biblioteca da cidade.
P - Então teve 3 pontos interessantes que você comentou, primeira coisa, você falou que teve aula de talha. O que é essa talha?
R - Talha, hoje em dia a gente usa a talha como a base da xilogravura, para fazer as bases de madeira para pegar o negativo e aquilo ali, a matriz, é a talha, é a talhada, talhada na madeira, no caso da xilo, e aí dependendo de qual gravura você vai fazer, lito, cálculo, aí você vai talhar, ou você vai desenhar em fontes diferentes. Mas a talha era feita na madeira.
P - E aí você contou que você era terrível, era bagunceira, o que é que você fazia?
R - Eu era muito respondida, na verdade eu não era muito bagunceira, eu era respondona. Eu gostava muito de ficar… eu não levava o desaforo, porque eu queria saber porque que eu estava levando desaforo e às vezes eu rebatia, aí como era aquela coisa de, ah, porque tem que ser assim. Pra mim não era uma resposta cabível. Isso não é um argumento, “tem que ser assim!” Então eu muito pouco querida nesse sentido, porque eu ficava muito, “quero saber, quero saber, por quê não, por que sim, por que não, por que que vai, por que que não vai, por que que quem vai não vai.” E eu ficava muito nessa coisa, eu era bem implicante. Mas eu tive muitos amigos e hoje ainda tenho esses muitos amigos, meus amigos da infância são meus amigos da vida, somos amigos, tenho amigos hoje que eu tenho… Hoje eu tenho 38 anos, eu tenho amigos de 35 anos, muitos grandes amigos, de 35 anos atrás, que eu fiz desde o maternal e que seguiram a vida toda comigo na fase escolar, passamos 15 anos juntos.
P - Aí você tinha contado sobre o uso da sucata para algumas coisas, então vamos entrar um pouquinho nesse ponto. Isso acontecia na escola? Como era esse processo?
R - Então, a gente teve um estudo aqui na cidade… Eu estudei num colégio religioso, num colégio de freiras, e aí elas propiciavam muitas dessas atividades, às vezes tinha a ver com a escola, com a grade curricular da escola e algumas vezes era sugerida com alguma coisa da comunidade cristã, da catequese. Por exemplo, quando eu tinha uns nove anos, mais ou menos, eu frequentava aula de tapeçaria, porque algumas freiras, elas davam aula… Tem uma igreja do lado do cemitério, como se fosse no salão paroquial da igreja, elas davam aula de talha, de talha não, desculpa! Elas davam aula de tapeçaria, elas davam aula de bordado, de costura e de alguma outra coisa que eu não tô lembrada. Mas aí toda vez que tinha essas coisas eu participava, sempre gostei, eu acho massa.
P - E aí você falou que usava sucata também, como é que é que fazia isso?
R - Na escola a gente sempre é incentivado. E hoje em dia, quando eu me tornei professora, que eu vim a ser depois, eu passei a fazer as mesmas coisas, fazer com que as pessoas prestassem atenção no entorno, no que a gente tem e no que a gente pode usar. Então todas as vezes que eu tenho uma ação, seja para fazer uma coisa decorativa, que trabalho com isso, ou para fazer algum trabalho de paisagismo, porque às vezes também trabalho com isso, tudo eu levo em consideração a partir do que já tem. Porque os objetos, eles têm também uma memória afetiva, não é porque você consumiu que você vai descartar. E hoje em dia eu falando muito com os meus alunos, a gente trabalha muito hoje não a coisa do consumo consciente, porque você já tem consciência sobre o que você consome, mas o consumo responsável, que você precisa pensar, que esse biscoito que você escolheu aqui, quando você terminar de comer, pra onde é que ele vai? O que é que vai gerar isso aí? E eu converso muito com meus alunos sobre isso. Meus professores conversavam muito comigo sobre isso. Eu tive duas professoras em especial, que era Cileide e Rosalva, que elas mostravam muito para a gente essas coisas. Elas eram, uma professor de religião, tinha nada a ver com isso. E a outra ajudava, era tipo uma orientação vocacional, mas elas se ajudavam e ajudavam a gente com relação a essas coisas, a perceber o meio ambiente e o entorno. E a partir disso como é que a gente pode se mobilizar, para melhorar tanto a vida da gente, quanto o meio ambiente ao redor. Isso foram ensinamentos que vieram de professores.
P - Raphaelle, me conta como era essa questão na cidade, tinha coleta seletiva? Tinha alguma preocupação com o meio ambiente ou não tinha? Como é que era?
R - Não, não tinha e não acho que há. Nunca houve coleta seletiva na minha cidade, nunca houve em nenhuma gestão, mas já foi pauta de muitas. Mas eu não vejo muito sentido na verdade, às vezes até crítico quando as prefeituras colocam, porque eles colocam como se fosse uma pauta muito importante para levantar essa do meio ambiente, e é coisa mínima que eles podem, mínima, que eles podem oferecer, é um caminhão para fazer a coleta seletiva, é nada! Já que não dão a base educativa, já que não fazem campanhas. Nada, era só um caminhão, não há, Não há, nunca houve! Não tem muito sentido você ficar pedindo para as pessoas fazerem em casa, faça a coleta, separe, faça o seu resíduo sólido ser mais duradouro, ser mais rentável para outras pessoas. Mas não adianta, se você faz a sua coleta, o seu vizinho não faz, o caminhão que leva o seu leva o do vizinho, que leva seu papel, leva a lavagem de não sei quem, o resíduo da cozinha de fulano. Não faz nenhum sentido. E não há, não a esse incentivo da parte… do poder público na cidade, infelizmente.
P - Raphaelle, você tinha contado que vocês usavam sucata na infância. O que de sucata vocês usavam?
R - Então, basicamente não tinha ainda garrafas PETs, assim, em abundância para a gente usar. A gente derretia algumas vezes, não aconselho! Porque liberam gases que não são legais. Mas a gente derretia muito aquelas estruturas de plástico de garrafa de água sanitária e a gente derretia para fazer time de botão. E algumas vezes a gente usava latinha, tampa, para fazer alguns enfeites das coisas que a gente estava fazendo ou deixar mais potente o carrinho de rolimã, porque a gente colocava depois da roda de madeira, o metalzinho. Mas era assim, eram coisinhas pequenas, não era hoje, hoje em dia a gente tem mais recursos. Tanto mais materiais que a gente vê possibilidade de uso, quanto mais recursos para poder trabalhar com esses materiais. Eu não faria hoje um time de botão derretendo plástico, mas é uma ideia legal. O time de botão é divertido.
P - A sua família falava sobre isso, sobre essas questões dos materiais ou não falava isso? Como é que era isso na sua casa?
R - Na minha casa sempre se foi trabalhado isso. Minha mãe ela fazia muito, ela faz isso com tudo na verdade, ela incentivava a gente a fazer vasinhos com coisas tipo potinho de margarina, então ela sempre foi muito de plantar coisinhas, então ela plantava em potinhos pequenininhos. Ela incentivava esse tipo de coisa, porque minha avó costurava, sempre costurou, então a gente tinha retalho para fazer roupinhas, para fazer fuxico, para fazer algum artesanato. Tinha algumas telas, então a gente tinha a possibilidade de trabalhar tanto o bordado de lã na tela, a tapeçaria em si, como pegar retalhos e já fazer com retalhinho. A gente tinha infinitas possibilidades. De manhã também, ela incentivava muito isso, que a gente brincasse, que ela ficava muito tempo na cozinha e ela ficava meio assim, de olho de longe. Mas ele incentivava, ela dava as ideias, “vamos fazer, vão curtir e não me atrapalhem, não voltem aqui!”
P - E diz pra mim como é que continuou a sua trajetória educacional? Você foi até que ano nesse colégio?
R - A vida toda, eu estudei do maternal até o terceiro ano. E aí foram os meus mesmos amigos, por isso que somos amigos há muitos anos e hoje em dia ainda somos. Aí depois que acabou isso, não era muito comum na minha cidade… não era comum incentivo a você fazer vestibular e federal, essas coisas não tinha. Estranho até, porque eu me lembro que meu amigo, Paulo Junior, ele levava, “gente vai ter o Enem.” Ele falava, não era nem a escola. “Vai ter o vestibular da UFPE, quem for fazer…” Então, antes da minha sala, era bem incomum que as pessoas fizessem vestibular e saíssem aqui de Bezerros para ir para a capital, porque nem tinha essa coisa de pólos descentralizados, quem quisesse estudar, obrigatoriamente tinha que se mudar para Recife e alguma pessoas tinham possibilidade e outras realmente não tinham, ou você trabalhar para o comércio da sua própria família, ou a prefeitura. Era tipo cargos assim, era bem comum. E aí a minha família nunca foi uma família que teve negócios, a gente tinha essa coisa da arte, minha avó costurava, ela tinha muitas clientes, mas era uma coisa sem rotina. A minha tia também é artista plástica, tem muito isso. E aí esse incentivo não veio necessariamente da escola, foi muito da família. Minha mãe sempre foi muito assim, faça o que você gosta, não vai fazer porque você sabe que hoje em dia vai dar dinheiro. Não vai fazer porque você vai ser infeliz se for fazer, só para ter muito dinheiro, não tem sentido. Ela sempre incentivou que a gente fizesse muito o que a gente tivesse vontade de fazer, que é o que a gente faz. Eu acho isso muito legal dela, porque ela foi muito corajosa hoje em dia, de você fazer isso, hoje é mais comum, mas nada adolescência da gente não era, quando eu passei em artes… Eu fui a primeira pessoa na minha cidade formada em história da arte. E aí eu lembro de eu ter ido numa festinha, todo mundo comemorando, aquele negócio do band aid, e a menina fez, “ah, tu passou em que?” Eu disse: “eu passei em história da arte.” Ela fez: afffffff! Ela fez um cara, tipo, vai fazer o que da vida? Eu me acostumei já com isso. Porque é muito comum as pessoas que não entendem o que você faz e não se debruçam sobre cultura, elas ficam muito com pé atrás com relação à formação das pessoas, com relação à cultura, o consumo de cultura em si. E é bem complicado ter que lhe dar inclusive com esses olhares julgadores da sociedade que não lhe entende.
P - E me diz por que é que você escolheu história da arte? Como foi esse processo para chegar até a federal?
R - Eu acho que eu sempre quis fazer história da arte. Eu desde criança acompanho muito minha tia, a tia Beta, que é onde atualmente eu tô morando, na casa dela, estamos aqui falando do ateliê dela, mas ela não mora aqui, ela está morando na Europa. E aí ela sempre me incentivou muito, eu via muito as pinturas dela, o que ela fazia, eu achava aquilo ali deslumbrante. Que criança que não fica encantado com um monte de pincel, um monte de cor, brilho. E aí para mim foi muito natural, quando eu tive que escolher, eu já sabia que ia ser alguma coisa ligada à arte. Se não fosse arte seria literatura, porque eu gosto muito também, mas era naquele caminho assim, eu ia para o CAC, já era muito certo na minha vida, rumo ao CAC. E aí quando eu passei, aí eu comecei a ver outras grandes possibilidades que eu não via, eu tinha a ideia que eu poderia ser uma artista ou que eu poderia ensinar artes, mas eu não tinha um leque tão vasto, quando ele se abre, quando a gente entra na universidade, que a gente vai pensando que é uma coisa, mas são infinitas e dentro daquelas infinitas tem outras infinitas. Estudo tem muito isso, quanto mais você pesquisa, quanto mais você se interessa, quanto mais você se inteira, mais coisas surgem, você tem menos tempo porque tem muito mais coisa interessante para você fazer. E eu fui muito nesse caminho, porque é muito fácil também pra gente que já está acostumado, arte é muito gostoso e é muito fácil você ir por aquele caminho, é quase certo.
P - E quando você foi para a federal como é que foi, você morou na faculdade? O que aconteceu nessa época?
R - Não, nessa época meu irmão já tinha passado em filosofia, que ele é mais velho e a minha mãe se mudou para Recife para acompanhar ele. E aí eu fui no ano seguinte. Eu passei um ano trabalhando, eu trabalhei no centro de artesanato de Pernambuco, eu era monitoria do museu. Aí com esse dinheiro da monitoria eu conseguia pagar o cursinho para poder estudar, para poder fazer o vestibular. Aí no final desse ano, eu passei e aí, fui-me embora para Recife. Quando eu cheguei lá, a gente já tinha um alemão intercambista que morava na nossa casa lá e a gente teve muito esse contato de outras culturas, que vieram dois alemães para morar, primeiro veio o Sebastian, passou seis meses e amou o Brasil, aí ele pediu mais seis meses de visto e ficou alucinado. Hoje é um grande irmão que a gente tem na Europa. E Marta veio depois, Marta era especialista em idiomas, ela falava 6 idiomas, quando ela chegou lá em casa. E aí ela mostrou também outro mundo que possibilidades, que tem fora e outras questões. E também ela acompanhou a gente na Federal. Sebastian e Marta. Mas Marta, ela estudava dentro do centro de artes e comunicações, porque ela fazia essa coisa dos idiomas, então a gente teve essa amizade mais fina. E Sebastian, ele trabalhava bioética, então ele ficou mais próximo do meu irmão, que também é filósofo e também fazia uma pesquisa parecida. Mas aí, a faculdade, ela abre muitos caminhos, fora que você conhece muita gente de outras bolhas e outras realidades, que enriquecem muito a sua, você começa também ver outras possibilidades, porque você via só aquela pequenininha que você tinha. E eu me lembro de eu entrar e ter dito, assim… Primeiro dia de aula, eu falei para vários professores que perguntaram… Porque o curso lá na época, só existia licenciatura, na Federal ainda não tinha bacharelado. Eu falava que eu queria tudo menos sala de aula, tudo menos ser professora. Mas assim, no primeiro estágio eu olhei e disse: minha gente, é isso! Eu quero é isso! E a única coisa que eu não queria, que eu dizia que eu não queria, ela veio assim, me arrebatou de um jeito, que eu disse: não, eu preciso fazer isso! É isso que eu quero. Aí você vai com a mente aberta, quando você vai mente fechada, não quero, não quero, não quero! Se você ficar implicando e alegando, tipo, não quero ser professora, não quero, não quero, não quero! Vê se tinha sentido. Não tinha sentido.
P - Como foi esse estágio?
R - O centro de artesanato aqui, quando ele foi feito, ele foi feito na gestão de Jarbas, de um governador que ele era muito afeito, tinha muitas afeições ao artesanato Pernambucano, que é um artesanato, particularmente, riquíssimo, riquíssimo, nós temos uma cultura absurda e muito rica. E aí era um modelo que só tinha no México, era um modelo de Museu que eles estavam recriando aqui, que só tinha no México, porque era um Museu vivo, um museu onde expunha pessoas que estavam vivas, então artesãos, a nata do artesanato em Pernambuco. Aí depois tinha uma parte que eram só oficinas, inclusive alguns mestres ministravam oficinas, e aí tinha um salão só para oficinas, para essas práticas do artesanato e uma loja. Aí eu passei um ano nesse Museu. Eu tive contato com pessoas fabulosas, que na época estavam vivas. E conheci o trabalho de muita gente que eu já admirava, porque achava massa artesanato. A família inteira de J. Borges, quase todo mundo produzindo. Dona Ana das carrancas, na época ela estava viva. Seu Carlos Barbosa que faz um trabalho de madeira. O pessoal que faz o chocalho em Cachoeirinha. O pessoal do couro, o pessoal do papel. Aí eu comecei a ver isso e falar sobre esse trabalho, é muito apaixonante quando você vê uma coisa que você gosta e você falar é muito fácil. E aí eu comecei a ver que eu tinha isso com a arte, gosto tanto que pra mim falar é muito fácil, passo horas e zero problema. Essa experiência no Museu foi muito rica, porque eu tive esse contato com os artesãos, tive também esse contato com os artesãos enquanto mestre, eles passando conhecimento e isso foi muito revelador. Porque quando você olha que a pessoa está entendendo o que você está falando, que ela está encantada com o que você está dizendo, que aquilo ali significa alguma coisa para ela, ela vai fazer alguma coisa com aquilo. Isso muda muito, isso muda toda a energia do espaço que você está. E sai contagiando muita gente, isso é muito legal!
P - E foi essa experiência que te convenceu que você devia ser professora também?
R - Foi relembrando isso, que eu eu disse, “não, eu preciso!”. Porque eu lembro de alguns comentários, e aí a questão de você levar a sério o que realmente importa, você recebe as críticas e você precisa saber o que fazer com elas e os elogios também são bons. E eu ouvia muito que eu tinha uma didática, um jeito de passar muito fácil, que as pessoas entendiam bem. Então, por que não ajudar as pessoas a continuarem a entender? Por que não ajudar a levar outras coisas adiante, não só esse conhecimento que eu preciso, mas por que não despertar nelas que elas tenham, que pesquisem, que procurem os próprios conhecimentos delas, as próprias verdades. Que às vezes convém para mim, mas não convém para você, às vezes é da realidade, sei lá, de um vaqueiro que curte vaquejada, mas não é a minha. Às vezes é de um vegano, mas não tem nada a ver comigo. Eu precisava me comunicar com muita gente e muitas pessoas de várias dessas… desses núcleos, dessas bolhas diferentes, diziam coisas parecidas. “Tu fala de um jeito que dá pra gente entender. Ó tu consegue transmitir o recado direitinho.” Então, vamos botar para a frente.
P - Os artistas já trabalhavam materiais diversos, ou não? Como era nessa época?
R - Alguns! Aqui em Bezerros nós temos um distrito, que é a Encruzilhada de São João, ele fica entre Bezerros e Caruaru, e lá, por exemplo, é muito forte o trabalho de artesanato com relação aos brinquedos, muitos desses brinquedos são feitos daquelas latas… Porque antigamente os óleos vinham em latas, não vinha naqueles pets. Então usava-se muito isso, para fazer caminhãozinhos, para fazer carrinho, construção de algumas coisas. E isso sim! Isso para mim é uma coisa de artesanato que vale a pena, que você ressignifica a partir de coisas que você tem abundância, mas também teve outras possibilidades. Por exemplo, Dona Ana e o pessoal de Petrolina, ou trabalhava necessariamente com barro, para construção das Carrancas, ou a madeira. Então, assim, não é reciclável, é porque cada um tem sua poética, eram tipos de artesanato diferentes. Mas dentro dessa estética de sucata, de trabalhar coisas reaproveitadas, principalmente o pessoal aqui de Encruzilhada, mas se a gente for pensar que a outra possibilidades, tem um grupo, por exemplo, lá em Tacaratu, que um pessoal que trabalha fazendo tecelagem, rede, coisas assim, que podem usar fibras, por exemplo, de garrafa pets se quiserem, ou podem usar fibras de… que é perto ali, Santa Cruz_____, tem muita malha, ou Toritama que tem muito jeans. As possibilidades são infinitas, a gente sabe que dá para trabalhar muito bem, com muitas coisas e fazer muitas coisas boas, mas muita coisa ruim também, mas muita coisa boa.
P - E nessa época você já via o uso do plástico?
R - Não, não! Na época eu me lembro que eu pesquisava o plástico e quando eu ia muito para a biblioteca, teve uma época que eu passei a passar ir além, porque depois do trilho que você chegava na estação, era onde ficava a biblioteca, mais para a frente ficava, onde hoje tá desativado, o antigo lixão. Então eu tive contato já quando eu tinha uns 16, 17 anos com essa comunidade. Hoje é a comunidade de São Benedito, eles não são mais o pessoal do Lixão, tanto porque tá desativado, como também porque eles chamam não definem nada, é uma comunidade, ninguém quer ser da comunidade do lixão. Mas eu tive acesso a essas pessoas e foi quando eu comecei a conversar com essas pessoas sobre a importância do lixo, do plástico. Principalmente porque elas me disseram fatos, assim, que me deixaram muito preocupadas, muito preocupada, porque plástico ninguém coleta, ninguém quer coletar plástico para fazer venda não. Não interessa para as pessoas. Pesquisando para embasar o meu último trabalho, que foi o do bordado, eu vi que as mulheres, elas, por exemplo, elas vendiam dentro do lixão, 1 kg de plástico, por 80 centavos. Quem é que vai passar um dia de coleta, para vender por R$ 0,80, 1 kg. Sabe quanto é 1 kg de plástico em sacola plástica? São em média 250 sacolas. E um dia você não come um pão, se você vender essas sacolas. Se você vender! Porque não há interesse de coleta e não há interesse de comercialização, porque infelizmente o plástico, ele é mais barato para produzir do que para reciclar. Você gasta muito mais água e muito mais energia para você reciclar do que para você produzir do nada. Então não interessa para as pessoas a reciclagem. E elas me disseram, nessas idas que eu ia para conversar com elas, que nada menor do que 7 cm é coletado, nada que é menor do que 7 cm. Que é isso aqui. Nada menor que isso é coletado. Porque, imagina, por exemplo, você que coleta plástico de bastonete, de cotonete. Quantos filetinhos daquele você tem que juntar para dar 1kg, para você vender por R$ 0,80. Não faz sentido! E o Brasil é o quarto país do mundo que mais produz sacola plástica e é um dos últimos que recicla as sacolas plásticas. Dados pesados.
P - Você falou que pesquisou um pouco sobre isso, você chegou a ver o processo produtivo? O que você viu?
R - Quando eu comecei a ir para o lixão e há muitos anos, 2008 foi a última época que eu fui antes de voltar de vez para Federal. Porque eu me lembro que teve uma greve, aí eu fiquei um tempinho aqui, voltei para o Bezerros e fiquei mais um tempinho. Foi uma greve que durou uns 8 meses, foi uma senhora greve. E aí nessa época ainda fui, fiz umas imagens, conversei com as pessoas. E lá era uma coisa absurda, porque lá era descartado lixo hospitalar, lixo de granja, lixo doméstico, era um caos. Às vezes, e era muitas vezes que acontecia, de nascer, por exemplo, abóbora, nascer jerimum lá, no meio do lixo. Então as pessoas, elas comiam. Assim, nasceu aqui, porque eu não vou comer? Isso é uma coisa seríssima, o cara não tem noção da falta de nutrientes que há naquilo, mas aí a fome não tá nem aí para a falta de nutriente, quem tá com fome quer saciar. Então algumas vezes elas chegavam a comer e já me disseram recentemente, faz 3 anos que eu estive lá. E às vezes vai pacote de carne, por exemplo, se a gente joga na nossa casa porque passou da validade, se tiver embalado, eles não querem saber, pega e leva para comer. O que tiver embaladinho eles levam para comer. Tando vencido ou não, tando estragado ou não. E há grandes problemas de hormônios com as pessoas ali da comunidade em decorrência…. Assim, eu acho, eu não sou especialista, mas provavelmente é por causa dessa falta de alimentação, de nutrientes essenciais, não há! Muito triste!
P - Você sabe o que aconteceu com eles?
R - Então, eu sei que alguns lixões aqui do agreste foram desativados, na verdade todos foram desativados. E algumas cidades compram lixo das outras cidades, por exemplo, Caruaru, o de Bezerros vai para Caruaru. As pessoas que fazem a coleta, nessa época que eu estive lá, elas iam para lá 4:00 da manhã, ainda tava escuro, porque quando clareia é de quem pegar. Então, assim, eles saiam na coleta doida. As famílias iam, tava escuro, esperava a coleta, esperava clarear e já saía cada um o que interessa, pegando o que interessa. E seja o que fosse, assim, se a galera do pet, que tem a galera do alumínio, que é o que ganha mais. Hoje em dia no Brasil, quase 99% dos alumínios são reciclados. O pet não acontece isso. E boa parte desses menos de 2% vai pra China e volta para a gente como mais matéria, que a gente compra achando muitíssimo barato, que tá levando muita sorte naquela compra. Mas que é mais poluição. É mais do mesmo! É o lixo da gente que a gente vendeu e tá comprando de volta.
P - E esse processo final, o da reciclagem especificamente, você chegou a ver em algum lugar?
R - Não! Assim, eu sei que aqui perto, em Sairé, há coletivos e há galpões para fazer essas reciclagens. Bezerros não tem! Rolou uma história que viria, através de um programa, melhoras para o rio, mas eu ainda não vi isso realizado, não vi acontecendo. Quando essas famílias iam para coletar e no final da tarde, quando já estava escurecendo, as pessoas que chegavam para comprar o lixo, oferecia, negociava o lixo, aquilo ali que eles vendiam é o que elas tinham para comer. Então se eles vendessem, sei lá, R$ 2,50 hoje, era R$ 2,50 para a família comer. E eles negociassem R$ 5,00, era R$ 5,00 para família comer. E geralmente era o preço do quilo de alumínio, que hoje para eles é interessante, porque R$ 5,00 em quilo de alumínio, com poucas latinhas eu tenho um pouco de comida. Mas com muito plástico eu não tenho comida, eu ainda não tenho comida. E o plástico ele vai ó… Ninguém tem interesse, então ele vai ficando, vai ficando, vai criando uma barreira impermeável, quase que a gente perde aqui o acesso ao Janelas para o Rio, porque o lixão fica muito perto, ficava, porque agora está desativado. Mas ficava muito perto do rio Ipojuca, então o chorume, o que escorria do lixão, já ia para o rio. Fora a poluição visual que era horrível. Fora a poluição do ar, porque era muito comum que se queimasse lixo. E eu morava quase perto da BR, era muito distante de onde o lixo é queimado, mas chegava na minha casa, às vezes, pelo ar chega. E que pena! Imagina para quem mora lá, para quem tem esse contato direto com esse lixo, com esse problema grande que há. Eu conheci outras comunidades, por exemplo, que vivia de catação, mas que vivia sem nenhum amparo, às margens do rio e que inclusive toma banho com as águas do rio Ipojuca, usam a água do rio Ipojuca em suas casas. Porque a situação é muito precária. E eles hoje estão desestabilizados totalmente, porque as mulheres do lixão, quando foram desativados, os homens, eles ainda têm condições de pegar uma carrocinha e sair pela cidade fazendo coleta do que interessa. As mulheres, elas ficam com as crianças e cuidando da casa. Quem é que vai coletar por elas? Quando a família, o pai tá preso, ou sei lá, não há um pai. Quem é que vai fazer a coleta? Não há nenhum suporte. Foi tirado o lixão dessas pessoas e não foi dado nenhum suporte, não foi oferecido nada para que elas conseguissem se manter. É muito triste! Porque é uma coisa assim, já é o descarte do descarte, é uma coisa que ninguém quer, elas tentam trabalhar com isso e agora não há nem isso. Não há mais nada! Elas vivem muito hoje de favor, vivem muito dessas pessoas que elas conseguem, que alguém é da família e consegue ir com o carrinho. Mas elas mesmo não coletam, elas mesmo não tem acesso, que era perto. E ninguém vai sair a cidade toda rodando para coletar plástico, por exemplo. Ninguém vai!
P - Como é que começou essa sua ideia de arte? Como é que apareceu isso na sua vida?
R - Então, essa do plástico, do bordado… Essa do bordado é uma ideia que começou na pandemia. Na verdade eu já vinha fazendo essas pesquisas há muitos anos, e aí, durante a pandemia eu comecei a me preocupar com a quantidade de máscaras que estavam sendo descartadas. Que eu sei que TNT, máscara, o que vier, vai ser descartado como a gente vê esses desertos no Chile, deserto não sei onde, cheio de lixo, cheio de lixo de roupa. Fora os outros, fora os outros, mas esses principalmente. Eu comecei a ver que há uma abundância muito grande de material, assim. Natural e artificial, a gente tem plástico e a gente tem na natureza muita coisa para explorar. E aí eu comecei a ver durante a pandemia, que lá em casa, por exemplo, meu avô, esse que é ciumento, ele é uma pessoa que vai comprar, sei lá, um refrigerante, ele volta com a garrafa PET do refrigerante e com cinco sacolas, para não cair, porque imagina se cai o refrigerante no chão. Aí ele me volta com cinco sacolas, aí ele vai… E eu comecei a ver isso e me preocupar, porque começou a juntar uma bolsa grande lá em casa, uma sacola muito grande, muito grande, quando eu vi tinha mais de 300 sacolinhas, muito mais. E ele consegue em uma semana juntar umas 50 sacolas. Se ele for no mercado, três vezes, ele volta com 30 sacolas, 20 sacolas. Eu não sei como ele consegue tantas. Aí eu comecei a me preocupar com isso dentro de casa. Aí durante a pandemia, pesquisando online, fuxicando_______, essas coisas que a gente vê. Eu vi, em algum lugar do mundo, alguém fez um bordado num suporte de madeira, que é esse que eu venho trabalhando. E fez de lã. Eu disse, oxi, meu Deus, como é que eu não pensei nisso antes? Isso é muito massa! Dá para fazer muita coisa. Aí eu peguei, comprei uma folha, que é uma folha industrial, ela tinha 2,20 por 1,22. E comecei a fazer um trabalho naquela, que é a Rosa, que foi a primeira que eu fiz. Eu fiz em homenagem a mainha, que mainha é muito essa pessoa de incentivar você usar o que tem em casa. E aí eu usei barbante, que tinha barbante de embalagem de ovos. Usei lã, porque minha vó costura, às vezes tem um resto de linha, um resto de lã, usei fio de varal, que tinha uns varais torando aqui, uns varais de nylon torando. Agora a gente botou de arame, mas antes era de nylon. Usei aqueles. Usei sacola plástica, porque a gente olhando assim, não vê. Porque a gente não dá atenção a elas, mas elas tem umas cores incríveis e é uma vasta gama, ela tem do branco neve, branco gelo, branco cremoso, tem várias. E eu comecei a ver que havia essa possibilidade e é um material barato, porque na época que eu comecei a pesquisar, eu vi que estava tendo muito curso, estava sendo oferecido muitos cursos, um pouquinho antes na verdade, na minha cidade, para as pessoas… Foi um pouco antes da pandemia. Para as pessoas fazerem coisas em casa, quem não tivesse dinheiro, tipo bolo. Só que eles ofereciam isso para a comunidade carente. Uma pessoa hoje em dia, que não tem no final do dia R$ 0,80 para comprar o seu pão, não vai ter R$ 9,00 para dar numa lata de leite moça, para talvez fazer um negócio para vender, para depois pegar o dinheiro e investir de novo. Não tem esse dinheiro! Vê, quem tem esse dinheiro tem que escolher, tem prioridade para escolher, não vai escolher deixar de comer… Eu nunca vi sentido nisso, nunca vi sentido nisso! Eu vi que era um curso que o SENAI, o SENAC, os vereadores trazendo, essas coisas, sabe? Pra quem? Quem é a população que vai consumir isso? Porque a população que se interessa nessas formações, é uma população que é mais carente, é uma população que é mais necessitada e ela inclusive é mais necessitada de comida, ela não vai deixar de comer para fazer um negócio desses, seja o que for! E aí pensando nisso… Eu vi lá, a gente tem tanta coisinha, tem tanto plástico, porque que não faz só de plástico? Aí a primeira coisa que eu fiz, que eu fiz a rosa, todo mundo gostou. Foi quando eu disse, é uma possibilidade de fazer uma coisa mais legal, um impacto maior. E aí foi quando eu escrevi, eu tive… Alguém disse: muito legal o seu trabalho, você tem que botar para a frente. Eu peguei, pesquisei editais, porque eu não tinha como financiar isso. E aí me deparei com o Aldir Blanc que tava rolando, na época. Aí eu consegui um financiamento, e aí nesse financiamento eu queria dar aula para 40 pessoas, e aí, megalomaníaca, porque é pernambucano. 40 pessoas, 5 idiomas, não sei o que, não sei o que, não sei o que… Aí comprei 40 placas e aí foi uma época super ruim, porque o saldo ele dá, mas ele cobra. E aí eu recebi um aporte que seria R$ 20.000,00, mas aí já vem deduzido imposto na fonte, então não chega 20, chega 15 e alguma coisa. Sobre cada coisa que você compra, incide impostos que você também está passando para o estado. Então, por exemplo, eu tive problemas com relação a esse negócio das meninas, porque na época mudou, assim, de 21 para 22, a gente teve uma grande situação que eu não sei se você lembra, mas foi um boom no combustível, no final do ano. E aí o transporte de madeira, madeira é pesado e a minha placa que eu tinha programado e colocado lá no meu edital, no meu projeto, 40 pessoas, 40 placas, a minha placa o orçamento dela era R$ 54,00, no dia que eu fui mandar o projeto eu liguei, disse “quanto é?" O homem disse R$ 54,00. Então era R$ 54,00 vezes 40. Mas quando chegou o dinheiro, em quinze dias tudo mudou, então de R$ 54,00 ele foi para R$ 90,00. Então 40 vezes R$90,00. Fora o resto do material, fora os impostos sobre isso. Mas tem que ser difícil para ficar mais massa. A gente conseguiu muita ajuda, amigos que ajudaram, que se mobilizaram para fazer acontecer. A gente não conseguiu muito apoio da prefeitura local, mas tinha uma associação de moradores da cidade, que quando eu era criança ainda, eu ouvi falar deles. E quando eu era adolescente a gente se juntou, eu, meu irmão e alguns amiguinhos e a gente fez um grupinho, porque na época tinha Carrossel, aí tinha a patrulha salvadora. Aí a gente queria plantar árvores, ser os plantadores de árvores da cidade. E aí a gente fez o projeto soldado verde. Aí eu me juntei com essa galera da adolescência, eles me ajudaram, a gente se juntando nesse negócio. E aconteceu nessa associação, que aceitou a gente, eles acolheram o projeto, receberam a gente e tudo que a gente conseguiu a gente foi fazer por lá. Mas foi massa! Foi um acolhimento legal da cidade… Minha ideia era fazer o projeto para cidade e eu achei muito mais bacana que a sociedade civil acolheu, muito mais do que o poder público, eu acho que foi muito mais importante que se tivesse acontecido dessa forma.
P - E como é que aconteceram essas aulas?
R - Essas aulas, elas foram gravadas para acontecer virtualmente, porque eu precisava me comunicar com mais pessoas no mundo. Então eu pedi a uma amiga que fala libras bem, que me indicasse de preferência uma mulher e aí ele me indicou ela que tá participando com a gente, Lourdes, ela não gosta muito desse nome. Mas aí depois que ela entrou, aí entraram muitas outras pessoas, inclusive de moto voluntária. A minha amiga que estudou com a gente, a Marta alemã, ela que fez os textos em Alemão. E através dessas ideias de intercâmbio a gente foi juntando gente do passado e juntando tudo num projeto só. Então uma outra amiga, que estudou muito tempo, muitos anos em Cuba, educação física, ela que fez a parte de espanhol, junto com o pessoal da Argentina que eu conheci num rolê desses que eu fui com ela. E uma outra amiga fez a parte de inglês, que era o meu professor de inglês. E assim, foi juntando muita gente, a gente conseguiu colocar em francês, português, inglês, alemão e espanhol, os textos, as legendas, elas são automáticas, mas a gente corrige em inglês e libras, porque eu queria que muita gente do mundo tivesse acesso, para que cada um possa fazer em casa, com o que tiver em casa. Porque a gente até sugere, não sei se você chegou a ver os vídeos todos, mas se você não tem a base, você pode usar outro material, se você não tem agulha, porque agulha é R$ 1,00, é uma besteira um real? É! Mas quem tem que escolher entre o pão e a agulha, não vai comprar a agulha. Mesmo que a gente tenho dado. Mas a ideia é que todo mundo possa fazer em casa com o que tem em casa, então se você não tem agulha, mas você tem um palitinho, você pode empurrar com o palitinho, “não tenho agulha, mas eu tenho um grampinho de cabelo, um bilirinho. Pode ser com o bilirinho, com uma tampinha de caneta. Assim, eu vou apresentando possibilidade para que as pessoas façam com o que elas têm em casa. Inclusive elas podem fazer com a imagem delas. “Eu quero fazer minha foto!” Você pode fazer, o programa é de graça. O programa que eu recomendo usar, também foi um grande amigo meu que passou, também essas coisas de pesquisa, “Rapha, esse programa é de graça! Não tem nada a ver com nenhum governo, vai com esse!” E tudo resolvido! Com muita ajuda, muita ajuda mesmo.
P - Você tinha comentado sobre as 40 pessoas que estavam no projeto. Você tinha alguma ideia de quem seria essas 40 pessoas, como é que era selecionado?
R - Então, quando eu pretendi fazer, quando eu pretendi submeter, eu fui à comunidade para conversar com as pessoas. E aí, nessa comunidade moram hoje 61 famílias, que viviam e sobreviviam do lixão. E aí elas saíram separando, algumas pessoas não moram mais lá naquele espaço, não tem mais essa ligação tão próxima com o espaço. Mas essas pessoas eram o foco principal da minha oficina, eu queria principalmente fazer para elas, porque eu queria que elas tivessem uma renda a partir do resíduo que elas já tinham trabalhado, elas iam só trabalhar de um jeito diferente. E aí abrir para elas. Mas aí eu comecei a receber muitas mensagens de outras pessoas, inclusive de outros estados, “eu queria participar, como é que eu faço?” Tipo, “tu vai vim dar aqui? Como é que vai ser?” E eu ainda não tinha gravado essas aulas. Aí eu já dizia as pessoas, vai ter uma etapa, que eu vou gravar, vai ser online, você pode fazer da sua casa, você pode fazer online do seu espaço. Mas eu senti que as pessoas queriam estar presentes na oficina. Da comunidade, duas pessoas estiveram lá, dessas 40, só duas da comunidade chegaram a ir de fato. Inclusive eu cheguei até abrir uma outra turma, porque as meninas disse que teve alguma situação que não dava para ela ir no primeiro dia. Eu até abri uma turma extra para poder encaixar ela, mas ela também não foi. E aí outras pessoas começaram a preencher esse espaço, mas que não eram necessariamente do lixão, mas que também, ou tinha interesse em arte, ou tinha interesse na coisa da sucata, da reciclagem, da ressignificação. Ou porque estavam ociosas e queriam, porque a pandemia também. Foi o tempo da pandemia, muita gente procurando atividades terapêuticas para melhorar a mente, porque tinha chegado já uma situação que não estava mais aguentando ficar dentro de casa. E já tinha passado um ano de pandemia. E aí essas pessoas foram que agregaram mais, chegaram de outras esferas, de outros lugares e outras idades. Algumas pessoas do programa Vida Ativa de Josivan, foram e participaram, algumas idosas. E são minhas alunas também. Duas meninas foram, porque na época, não sei o que aconteceu na escola, era aquela coisa semi presencial, e aí numa dessas, duas meninas de 9 anos foram. Uma garota incrível… que a gente também lançou, tinha aberto para pessoas que tinham deficiência e a gente anunciou para algumas comunidades. E chegou uma menina incrível, o nome dela Érica e ela tinha 13 anos. Quando eu fiz esse trabalho, como eu falei, eu fiz muito assim, eu, o que eu tinha em casa e eu nunca tinha feito ponto cruz na minha vida, nunca fiz, nunca fiz! Eu tinha feito tapeçaria, outros tipos de bordado, mas ponto cruz que é um besteirinha, só um X, eu nunca tinha feito. E aí, fiz o meu trabalho da rosa, e não ficou um acabamento lindo não, claro que de frente impecável, mas quando você vira, não tá impecável. E bordado é uma coisa meio chata, porque você entregar um quadro, qualquer coisa para a pessoa ver, a pessoa vai apreciar a frente, ninguém vai virar. Se você dizer que é um bordado, é instantâneo, todo mundo vira. E não tava com esse acabamento bom. E aí Érica, ela tem, já tinha fechado o espectro dela de autismo, ela já tava com diagnóstico fechado, autista, não sei, acho que grau 2, não sei exatamente, especificidade. Mas aí quando eu fui fazer meu trabalho, fui passando na mesa, falando com cada pessoa e ela tava no final da mesa, quando eu cheguei do trabalho dela, o trabalho dela tava, assim, impecável, impecável, a frente, atrás, assim impecável, um escândalo de perfeito. Eu olhei, eu disse: Érica, como assim? Ela não falava muito, a mãe dela disse: isso aí é muito fácil para ela. Ela me ensinou a fazer isso, ela me ensinou o ponto, tanto que esse ano eu fui convidada e submeti o meu trabalho e deu certo, esse ano eu fui dar aula na FENEARTE, que é uma feira gigante. E aí na feira eu tive contato com gente do mundo todo e disse a todo mundo, foi Érica, minha aluna de 13 anos que me ensinou a fazer esse acabamento. Vocês têm essa possibilidade e tem essa possibilidade, eu estou ensinando as duas, o jeito livre e o jeito Érica, eu prefiro essa, mas vocês me entreguem como vocês preferirem. E Érica foi essa pessoa na minha vida. Ela é uma menina que produz e ela produz na casa dela.
P - O que é sua arte? O que você produz?
R - Então, aí eu comecei fazendo, eu peguei uma rosa, diagramei e fiz esse bordado preenchendo… Hoje em dia e depois assim de um tempo, quando quando eu submeti o trabalho para Aldir Blanc, eu precisava de um norte, eu precisava de uma poeta que ainda não tava definida no trabalho. Como a gente fala dentro de artes, que a gente tem técnicas, mas a poética ela é muito característico de cada pessoa. E aí quando eu fui submeter esse trabalho… O meu pai, ele é muito gaiato, ele mandou para mim, era outubro, quando eu mandei, dois dias antes do aniversário dele eu mandei a proposta. E ele me deu de presente um calendário daquele ano, mas já era outubro, faltava dois meses para acabar o ano. Um calendário ridículo, que a pessoa não manda isso para ninguém, mas ele me mandou como uma mensagem, assim: Rapha tem imagens lindas, eu acho que você vai poder fazer alguma coisa com essas imagens. Que era imagens de aves brasileiras, que foi o grande gancho do meu trabalho, porque eu tenho uma fobia, eu tenho fobia que eu já venho trazendo ela de infância, que é uma aversão absurda a ave, qualquer ave, quanto menor mais eu tenho medo. Assim, é uma coisa absurda, não faz nenhum sentido, mas isso ocorre. E aí quando ele mandou para mim esse calendário, eu achava lindo, mas eu prefiro elas distantes, bem distantes. E aí ele mandou o negócio, eu pensei que ele tava de onda. Mas quando ele mandou, eu disse: porque não ressignificar também isso? Porque eu já tinha trabalhado esse medo, essa fobia em algumas terapias, que não tinha levado muito adiante, então não tratei exatamente. Mas eu já ia ressignificar o plástico, já tava nessa proposta de ressignificar, então porque não ressignificar também o medo, né! Que foi o que eu usei para embasar o resto do trabalho. Quando eu levei a proposta para as meninas, eu submeti a proposta, levei para Aldir Blanc, quando foi aprovada, eu já tinha isso para trabalhar, já tinha essa ideia. Eu disse: eu vou ressignificar o lixo, o resíduo sólido doméstico, que agora é como a gente chama o plástico. E eu vou fazer isso ressignificando alguma coisa que para mim tem importância. Então a poética, ela se apresentou para mim, assim, você vê que é uma coisa dos sinais, que quando você junta tudo, porque não é: ah, ela na infância brincava com terra, mas ela tinha uma preocupação com o rio, ela foi estudar arte, foi trabalhar passarinho. E aí eu comecei a ver que o plástico, ele é um dos grandes causadores da morte das aves, tanto porque elas ingerem, quanto porque também… Tanta sacola plástica que tem no mundo, mas é tanta, tanta, tanta, tanta, que quando elas são descartadas na natureza, elas vão criando uma película permeável, uma película generosa, que às vezes assim, é de palmos de comprimento a película, se a água, ela cai ali da chuva, ela se precipita e vai ali para cima, ela não vai chegar nos lençóis freáticos, porque não tem como, o plástico tá ali impermeabilizando tudo, então não brota vida ali. Algumas florestas por causa de monocultura, poluição de plástico também elas foram dizimadas aos poucos, alguns biomas começaram a ser dizimados. Hoje a gente tem aqui a mata atlântica que é o que está na situação mais crítica, com mais aves em processo ou situação de extinção, ou extintos. E um bioma que deveria estar aqui, contemplando, prestigiado por ele, coisa que a gente não cuida dele. E aí nessa ideia de pegar a natureza como inspiração, esse lampejo aí de juntar tudo, aí eu peguei o plástico, que era esse material que tem afetado diretamente na morte dessas aves, para ressignificar esse plástico construindo imagens dessas aves. E muitas vezes a gente fez um combinado, entre as alunas. Muitas vezes não, mas é uma proposta de todo mundo. Quando a gente vender os trabalhos, a gente submete uma parte, que geralmente é 6% doado pela artesã, e 6 pela pessoa que compra, a gente doa para alguma instituição, que a gente tem umas 30, e as pessoas que compram elas escolhem para onde vai. Que a gente precisa ajudar quem nos ajuda. E são instituições que trabalham com reflorestamento, são instituições que trabalham com repovoamento dessas aves, dessas espécies e uma readaptação delas para esse ambiente novo. E assim, é uma proposta que ela contempla todo mundo que se ajuda, Então a gente está se ajudando e ajudando todo mundo. A ideia era fechar o ciclo. Uma ideia, um conceito, mas que ele favorecesse todo mundo de um modo bom, significativo e legal. E aí essas mulheres que fizeram curso comigo, elas que sugeriram o preço, então a gente cobra o preço dos pontos preenchidos, o xizinho que é feito. Então elas hoje ganham pelo X que elas fazem e não pelo quilo de saco que elas coletam, que é mais rentável e elas conseguem dar um preço. Por exemplo, o valor do trabalho, você manda uma foto sua, elas conseguem já nessa foto, botando no programa, saber quantos pontos vão ser preenchidos, quais cores de plástico elas vão usar, ou de qual material, quanto vai gastar nisso. Elas têm mais ou menos a noção do tempo. E elas já dão um preço, assim: se você quiser que preencha o fundo é tanto X a mais, então o preço é esse. Se você quiser só a ave, então o preço é esse, ou só sua imagem, é assim. E aí foi uma coisa que eu achei que ficou justo para todo mundo. E foi escolha delas. Quanto mais você preenche pontos, mais fica interessante o trabalho e mais fica caro o trabalho. Mas também quando as pessoas reclamam do preço, a gente sempre dá opção, você pode fazer em casa.
P - Raphaelle, me conta sobre a sua arte. Como é esse processo?
R - Esse processo do plástico, de como a gente beneficia o plástico, a gente faz a coleta, a gente cata ou a gente faz uma campanha para a gente arrecadar mais cores, porque geralmente tem mais brancas, então a gente pede, “ah, eu preciso de sacola azul. Quem tem sacola azul?” Então a gente lança as pessoas que engajam, que conseguem pra gente, deixa num determinado lugar, que geralmente é lá na AFAB, nessa Associação desses moradores de Bezerros que nos acolhe. E aí a partir disso a gente faz a limpeza, se precisar, porque às vezes a gente tem uma cor, precisa daquela cor, aquele saco está muito sujo, mas precisa ser limpo, porque ele precisa entrar no trabalho. E aí tem que ressignificar, a gente pegar e recolocar no meio ambiente, ou no meio cultural, de um modo que valorizam um tanto mais. Que enquanto sacola ela já existe, ela precisa de um novo significado. E aí nesse caso ela vira a matéria-prima para nosso suporte que é a madeira. E aí esse processo é um processo que todas participam, inclusive todas participem de todos os processos, desde o processo até precificar o trabalho, e aí combinamos que todas faríamos um preço só, para que não fique uma com mais encomendas outra com menos, isso é uma coisa estabelecida no grupo, foi uma sugestão das meninas que participaram, e aí a gente estipulou o preço pelo ponto preenchido. Então hoje elas têm noção de quanto elas vão ganhar a partir do final do trabalho, quando elas vão receber já na encomenda. Então se você manda uma foto para ela, “eu queria fazer com essa ave, que queria trabalhar com essa foto, eu queria trabalhar com essa imagem aqui que eu tirei essa foto.” Então você pode enviar, elas diagramam isso e já é possível nessa diagramação você saber quantos pontos serão preenchidos, se você vai querer preencher o fundo ou só uma parte isolada, e aí você vai saber o preço de cada coisa. Você consegue já saber nesse processo quanto você vai pagar, ou as meninas que vão produzir, quantas elas vão receber por essa produção. Foi uma coisa que também determinamos juntas, que a gente ajudasse também quem nos ajuda, então tem alguns órgãos, algumas ONGs, algumas instituições, alguns movimentos, que trabalham com reflorestamento, que trabalha com a reintrodução dessas aves em extinção na natureza ou alguns outros animais, algumas outras espécies de bichos, ou fazem pesquisas com plantas e animais, ou que trabalham nessa linha de respeito a natureza. E a gente também quer ajudar, então uma parte do que a gente vende com o trabalho que a gente produz, 12% no caso, é revertido a escolha da pessoa que comprou o trabalho, da pessoa que está pagando pelo trabalho, para onde vai. Então a gente tem uma lista que tem vários nomes, de vários movimentos e claro que cabe infinitas outras mais, é só mandar. E aí a gente escolhe com a pessoa, a pessoas escolhe, e a gente destina uma parte do que a gente arrecada para ajudar quem nos ajuda. Porque isso é importante, todo mundo no meio da cadeia, dessa cadeia que é… todo mundo faz parte, mas que muita gente não está preocupada em fazer parte. E a gente precisa fazer uma parte com impacto muito positivo, porque negativo já temos muitos.
P - A gente tava falando sobre a sua formação acadêmica, para a gente entrar na questão do plástico. Como é que finalizou a sua formação acadêmica? O que você fez logo depois que você se formou? O que que aconteceu na sua vida?
R - Então, eu passei muito tempo trabalhando para o Sesc, prestando serviço ao SESC de mediação na galeria de artes deles, lá em Recife. E alguns eventos que eles fizeram parceria com algumas outras instituições, como o museu do estado, o museu do trem, eu passei muito tempo participando dessas mediações. Que foi quando eu consolidei essa ideia, realmente educação é o que eu quero. Porque a mediação é diferente de uma sala de aula, quando você vai para uma sala de aula, é uma coisa que eu falo muito enquanto professora, todas as profissões elas são beneficiadas pelas pessoas que procuram ou profissional para que ele preste esse serviço, ou profissional para que você compre esse serviço dele, esse objeto, esse artefato. E o professor ele trabalha indiretamente, porque quem nos paga geralmente quando a gente está em instituições educacionais, quem nos paga são os pais dos alunos, para a gente prestar um serviço para os alunos. Então a gente que trabalha enquanto professor, a gente trabalha muito na contramão, porque quando a gente entende que aquilo ali é importante para a nossa vida, você já saiu da escola geralmente. É muito isso! E aconteceu comigo. E aconteceu com alguns muitos amigos, principalmente agora depois da pandemia, quando todo mundo começou a reconhecer que sim, parte ela salva. Sim, arte é importante. Arte é importantíssima para a gente manter inclusive saúde mental. E aí eu lembro que era muito comum quando eu logo no começo eu ia para as instituições educacionais, e aí o pessoal comentava muito, “por que aula de artes? Por que querem estudar artes?” Porque era muito visto arte como quadro. “Por que eu vou estudar um quadro?” Não se vê arte como a gastronomia do lugar, a arquitetura que é pertencente aquele lugar, o modo de vestir das pessoas que é cultural, a música que as pessoas ouvem que é cultural e tem a ver com as raízes, tem a ver com a arte daquele lugar, os filmes produzidos. E tudo assim. Foi quando as pessoas começaram ver grande, a arte grande, porque então era arte quadro, arte quadro, arte quadro. E você tem que quebrar isso. E demora isso para acontecer. Por exemplo, muita gente teve esse boom na pandemia. Teve muita gente que nem atinou para isso. E para gente que tá na escola, quando a gente trabalha o conteúdo arte, não necessariamente a matéria, você vê os conteúdos, aí você vê que é muito diferente. E eu tive a oportunidade de dar aulas, por exemplo, em Recife, em instituições que pagavam, eram caras, privadas caras. Então os meus alunos conhecem, conheceram lugares no mundo, que eu não estive, que eu não sei se estarei. Mas eles já tiveram esse acesso. E é muito legal como eles voltam para a gente contando, “ó, eu fui no Museu de cera, em vez de tirar foto, sei lá, com Justin Bieber, eu tirei com o Picasso, eu vi Frida Kahlo, eu vi tal pessoa, eu vi o trabalho em tal lugar”. Então eles tem outras referências. E isso também é muito importante. Mas é quando você começa a ver que as pessoas estão começando a entender, mas elas ainda não tem entendido completamente, isso é uma construção que demora. Eu ainda tô nesse processo. Então todo mundo ao longo da vida vai passar muito por esse processo. Que você descobre a arte em muitas coisas e em muitos momentos diferentes da sua vida e várias coisas diferentes de artes.
P - Como foi sua ida para a roça? O que aconteceu para você sair da cidade e ir para o campo?
R - Minha vida foi muito aqui em Bezerros, quando eu passei na federal eu precisei estudar lá, porque como eu falei, não tinha Campus aqui no interior ainda, nessa época, era 2004. Não havia! E eu fiz esse movimento achando que eu ia demorar pouco já, mas eu ainda passei 14 anos em Recife, dando aula em instituições, passando por escolas, por museus, por galerias de arte, tendo essa bagagem cultural, sendo enchida de outros modos. Mas chega uma hora que a capital cansa. A gente que é muito ligada à terra, lá em Recife a minha casa parecia uma floresta, povo dizia: adoro vim na sua casa, tem muita planta para olhar. É muito diferente. E eu sentia muito isso. E lá é muito acelerado, eu acho que capital é muito assim para você mostrar e para você ganhar o dinheiro, mas é um dinheiro que você também perde muito pagando em saúde. Você ganha o dinheiro aqui, mas você tem… você perde um tempo de trânsito, você ganha o dinheiro aqui, mas você perde em saúde, você teve que fazer tal coisa. Lá em Recife eu acordava 4:30 da manhã para dar aula do outro lado da cidade, porque eu dava aula na zona norte e eu trabalhava na zona sul, não, contrário, morava na zona sul e dava aula na zona norte. E aí era um tempo duas horas e meia, três horas de trânsito. Isso não é qualidade de vida para ninguém. Aí eu comecei a ver que não tava compensando, eu não tava com tempo para curtir a família, as minhas sobrinhas crescendo e eu não tava acompanhando, os meus avós já estão idosos e eu não tava com eles, ninguém tava com eles, todo mundo casou, teve alguma coisa para resolver da vida. E eu não via muito essa coisa da rotina. Eu comecei a ficar cansada, porque quando você tem 20 e pouquinhos anos é outro lugar, você tem gás para muito mais coisa. Mas às vezes você vai perdendo gás ou você vai vendo que não compensa necessariamente. Aí eu voltei, uns 5 meses antes da pandemia, para fazer esse trabalho, já pensando em fazer uns trabalhos voltados a sustentabilidade e em alguns lugares aqui, porque para mim eu tenho mais conhecimento aqui no interior, era mais fácil do que em Recife para realizar, por exemplo, com menos e com mais gente, porque eu tenho muito mais amigos, eu consigo fazer mais. E aí foi muito nesse movimento que eu voltei. E pra mim foi muito legal, porque quando eu voltei para morar em Bezerros eu me reconectei com muitas raízes, muitas coisas, que talvez estando em Recife, naquela turbulência de rotina, muito corrida, muita aula, eu não tivesse nem tempo para prestar atenção, para contemplar e para ver o que de fato faria diferença. E eu só consegui ver isso aqui, quando eu, inclusive, me reconectei com raízes. Quando eu voltei, que a gente morava na casa muito grande, como eu falei, lá perto do rio, a minha vó já tinha se mudado para um outro bairro bem afastado, mas que tinha espaço para plantar, que tinha espaço… tem uma hortinha, agora a gente tá num lugar bem maior, porque a casa era muito úmida e as paredes começaram a ficar comprometidas de mofo, tanto subindo do chão, como descendo pelo teto. E aí a gente precisou sair daquela casa, que é uma casa nossa e aí viemos para o sítio da família. E aí estamos por aqui desde o finalzinho de maio, foi muito assim, de supetão. Antes do almoço, no último domingo de maio, minha vó, disse: a gente vai se mudar! Depois do almoço ela pegou as coisas e se mudou. Aí ela disse: arruma aí as coisas, quinta-feira o caminhão vem. Aí pronto! Chegamos aqui! E desde que cheguei aqui, ainda não parei. Porque aqui a casa é muito grande, lá a gente tinha… morava eu e meus dois avós, mas aqui é uma casa que tem cinco quartos, cinco banheiros e eu para arrumar tudo sozinha. Tem um espação gigante lá na frente, no que eu chamo de jardim, mas tipo tem 70 metros por 15, aí é muito mato para capinar, mas eu tô super conectada, tô adorando. Não vejo nem passar o tempo, às vezes eu passo o dia na horta, que era como eu fazia na época que eu era criança. Eu vinha da escola, que era o meu compromisso, tirava a farda e passava o dia no jardim, o dia no quintal, até chamar para tomar banho, comer e dormir. Quando não era na rua, era no quintal. Aí eu reconectei com isso, eu achei muito bom! E aí eu comecei a perceber que as coisas que as pessoas vão dizendo pra gente, que você vai ouvindo na sua vida, “presta atenção nos seus desejos, presta atenção no que você faz quando você é criança, oh, dê mais importância a isso, que isso no futuro pode ter…” Eu fui deixando, quando eu entrei na sala de aula, eu fui me desligando, porque eu precisava tocar em outras responsabilidade. E quando eu me reconectei, quando eu voltei, eu vi que era possível me reconectar e sem deixar minha existência enquanto artista de lado. Eu consigo produzir bem aqui. E não deixei a desejar nas outras coisas, que eu continuo produzindo, só que com mais autonomia é mais paciência, muito mais no meu tempo. Eu não tenho resposta imediata para entregar e também não me sinto nessa… não tenho esse anseio de preciso dar conta o tempo todo, dá conta, dá conta, dá conta. Porque na capital você precisa dar conta, dar conta, dar conta.
P - Como é essa questão de Meio Ambiente e sustentabilidade no Recife, que é uma cidade grande?
R - Recife tem coleta seletiva, que já é uma coisa que para mim já conta muitos pontos. E Recife também tem programas e projetos de pessoas, tanto ligadas ao poder público, quanto ligadas a organizações não governamentais, que é muito mais… Eu acho que tem muito mais chance, muito mais vida, muito mais voz para vingar do que no interior. Que eu acho que o interior é muito deixado de lado. Hoje em dia a gente vê que a políticas públicas, estaduais, que elas são voltadas, inclusive editais que você vê que 20% daquilo ali precisa ser contemplado para o pessoal do sertão, 20% para o pessoal do agreste. Mas antes não era assim, antes não tinha essa organização. Então a maioria das coisas que aconteciam era para a capital, então lá tem muito mais possibilidade, lá tem muito mais possibilidade inclusive de você crescer. Eu saí daqui de Bezerros para fazer esse trabalho e quando eu consegui, quando a gente fez a oficina presencial, era massa, a gente acabou a oficina em março. E naquele mesmo mês tinha um edital para concorrer para expor em Caruaru. Aí a gente submete o trabalho e conseguimos passar, que foi nossa primeira exposição. E eu já achei uma coisa muito grandiosa, porque quando eu fui falar para as pessoas….. tipo: grande coisa! Mas eu disse para eles, quando a gente chegou, a gente conseguiu, inclusive depois desse trabalho das crianças quando a gente chegou a gente conseguiu inclusive depois desse trabalho que a gente expôs em Caruaru, nós conseguimos aprovação para a galeria dos reciclados da FENEARTE, que é uma coisa concorridíssima. E a gente conseguiu passar com três trabalhos lá, que eram 70 que passavam e 3 eram nossos. Mas não há um entendimento de quão grande isso é. E eu uma vez dando palestra, conversando com os alunos. aí ele me ligaram, essa coisa do futebol, fui prestando atenção na conversa. E aí eu dei para eles, depois que eles me deram esse voto, “minha gente isso no futebol, que eu até entendo muito pouco, mas é como você chegar numa Libertadores.” Imagina, você monta um grupozinho, seus amigos do bairro, monta um time, joga, joga, sai ganhando, chega na final da Libertadores. Isso é uma coisa muito grandiosa, porque a gente chegou, a gente ficou em terceiro lugar, numa feira que é internacional é uma feira que a gente disputou com o Brasil inteiro o lugar dentro do salão. O pódio tinha três salões, era o salão de arte Sacra, o salão de arte popular e o salão de arte reciclada. Todo pódio era masculino, só tínhamos nós, a gente foi em terceiro lugar na recicladas. Mas só havíamos nós de mulheres, não houve, esse ano eu não vi mulher no pódio. Não houve. Então como a gente chegou grande, a gente chegou muito longe. Isso já é uma vitória muito massa, porque a gente conseguiu ser visto por pessoas que apreciam artesanato, que dão valor a arte, que vão entender o valor daquele nosso trabalho, e pessoa que validam também isso, não só as pessoas que aprovaram, mas também as pessoas que foram visitar, as pessoas que se propõe a comprar. Isso é uma coisa muito grande para você conquistar, por que onde? Onde mais é que a gente tem esse espaço? Não tem! A internet não dá assim, você precisa fazer muito para você chegar muito além, para conquistar muitas pessoas. E quando a gente fez o curso, eu pensei, se eu tivesse as 40 alunas, eu to no lucro, porque tem 40 pessoas que vão saber que esse trabalho é viável, 40 pessoas que vão difundir essa ideia. Aí a gente começou a gravar, e aí muita gente começou a ver. Aí a gente começou a ver que tinha muitas outras possibilidades. Chegou a ir muito longe, a gente tem acesso de outros estados e a gente tem muitos acessos de outros países, principalmente europeus. Aí a gente já conseguiu mandar trabalho para Dubai, a gente tem um trabalho para lá. E aí estamos agora assim. Vamos começar a trabalhar mais essa coisa da publicidade, porque como a gente produz muito. É uma coisa que fica muito a desejar, porque você que é o artesão, você vai atrás da matéria prima, você beneficia o suporte, você grava o negócio que você vai fazer, você faz o negócio que você está gravando, você faz o acabamento, aí você também é responsável por divulgar isso. Você também é a pessoa que vende e a pessoa que cobra. Hoje em dia ser artista independente, você depende de muita gente e você depende de mais. É muito complicado! Mas eu vi que a gente foi muito além, eu fiquei muito animada com isso, muito mesmo! A FENARTE deu um gás. Aí esse ano a gente já participou, participou na galeria, na votação, mas a gente também participou das oficinas. Que foi incrível a experiência, eu tive uma aluninha de 97 anos, ele me chamava de senhora, “professora, a senhora pode vim aqui!” Eu ficava, meu Deus, que fofa! Eu vou levar ela para mim! É muita coisa gratificante que a coisa da educação lhe propicia! Vê se eu tivesse escolhido outra coisa. Eu não ia ter isso, não ia ter essa magia, minha gente! E essa coisa de transformar, ela é muito viciante. Quando você ressignifica uma coisa que você acha que ficou legal, é muito bom! Mas quando outra pessoa diz que ficou legal é outro gás. E aí quando você começa a mostrar para muita gente, muita gente acha que ficou legal. Cabousse, é isso aí!
P - Você comentou sobre a questão de ter só 3 mulheres. Como é essa questão aí no interior? Das mulheres, dos lugares que elas chegam, que vocês têm alcançado? E você se movimentando nesse sentido.
R - Então, infelizmente a gente tem uma sociedade que é extremamente machista, patriarcalista e tudo! A gente assina o sobrenome da família, porque o patriarca da família é um homem, o dono do nome é homem. E aí a gente assina o nome dele, apesar dele hoje… Assim, não que seja pouco produzir uma família, mas assim, substancialmente dentro dela, você tem um papel que ainda é um pouco reduzido. E aqui na nossa família, a gente engrandeceu, empoderou muito as mulheres. Minha avó, ela apesar de ser muito submissa com relação a esses gostos, de não vou mais tocar a sanfona que eu amo para trocar pela máquina, ela não fez com que as filhas fizessem parecido, ela educou as filhas para serem diferentes. Então a gente, a família criou mulheres muito opiniosas, muito criteriosas, muito mandonas também, a gente tomou muito as rédeas e tomou muito a frente. A gente é muito independente nesse sentido. E a gente também cria as filhas e as nossas… Minha mãe e minhas tias, criaram as filhas para isso, que já criam as netas também assim, com essa visão, de faça o seu, vá na sua, vá a frente, você é capaz, não tem isso de machismo. É como se a gente… Na verdade é que nós vivêssemos numa bolha em que a gente nem tem muito essa questão. Apesar de que dentro da casa sempre há aquelas coisas, você vê que o machismo começa quando o filho suja e a filha limpa. E ainda há isso. Mas assim, numa escala muito menor, bem menor. Os meninos não são incapazes, como eu sei que muitos não são, mas eles também sabem fazer, se não fizerem é porque não querem. Mas aprenderam e receberam a mesma informação.
P - Rapha, me conta, porque sustentabilidade?
R - Eu acho que… na verdade eu já acho isso há muitos anos, que não há um meio da gente pensar em nada na sociedade, se a gente não pensar na sustentabilidade. Porque a gente fica pensando muito no lá fora, no que a gente… no que as pessoas podem fazer para nos ajudar, acabar com o nosso consumo, nosso lixo, porque uma empresa tal… Hoje tem, sei lá, eu vi, não sei se vespas, lesmas, minhocas, que decompõem o plástico. A gente vai esperar que chegue pra gente aqui um acesso a isso? A gente não sabe nem o que ocorre depois dessa decomposição, a gente não sabe o resultado disso. E ser sustentável é pensar não só em você, no seu futuro, não, você está pensando para todo mundo. Eu tô pensando também nas minhas sobrinhas, porque eu sei que quando elas tiverem na minha idade, a condição que elas vão ter de viver com plástico, vai ser triste e pior, porque só tem crescido muito, tem crescido exponencialmente. Enter a copa de 94 e a de 98, a gente mais que dobrou a produção de garrafa PET aqui no Brasil, só no Brasil, sem contar no resto. Então ela vem crescendo e as pessoas acham muito prático. Você vê, hoje os negócio vem da China e o povo acha baratíssimo, não sabe o quão caro isso é para o meio ambiente, não sabe o quão caro a gente paga. Quando eu fiz a pesquisa, eu comecei a pesquisar, na época, isso foi 2021, só tinha rolada até então, que tinha se achado plástico na placenta de uma pessoa morta, e já tinha sido achado o plástico, pedaços de plástico no pulmão da pessoa morta, já tinha rolado isso. Mas em março de 2022, mudou tudo. Em março de 2022, _____, ela forneceu uma reportagem bizarra, que havia sido encontrado 15 tipos de plástico diferentes na corrente sanguínea humana. Isso é um absurdo! Porque que a gente tá comendo plástico também, a gente respira plástico, já tem plástico no ar, partículas de plástico no ar que a gente consome indiretamente respirando. Esse plástico da respiração ninguém ainda contabilizou. Mas a gente ingere mais ou menos uma colher de plástico por ano. É muito plástico, porque isso não é nutriente, plástico não tem nutriente. Isso vai ficar no nosso organismo, não é nada que saia inclusive com as fezes, que pode ser que nem saia. Esses dias agora, eu não sei se vocês viram, mas foi encontrado microplástico no coração de uma pessoa viva, minha gente, plástico dentro do coração. Pra gente é muito pequenininho, mas isso entope uma artéria que é extremamente fininha, extremamente pequenininha. E a gente sabe que plástico é impermeável. E aí? Eu acho que no futuro, não muito distante, deve ter um aparelho, vão fazer um aparelho, tu vai ver! Para medir, para calcular a quantidade de plástico que você tem dentro de você, porque é uma coisa séria e cada vez mais normalizada. E não há nada de normal minha gente, no consumo do plástico. Você não precisa. Inclusive, quando eu dou a minhas aulas e faço isso muito, principalmente nas presenciais, eu falo muito de substituição, como, por exemplo, você trocar um copo plástico, por um copo que você vai utilizar várias vezes. Seja ele mesmo de plástico, mas que tenha uma vida longa, uma vida útil maior, não é plástico de consumo único, por exemplo, como copo descartável. Quando eu tava fazendo a pesquisa, em 2021, eu vi que o lugar mais próximo daqui de Pernambuco que recicla copo descartável é em Belém do Pará. Nosso copinho de plástico não vai chegar em Belém do Pará. E nem tem interesse que chegue. E aí, às vezes é uma conta muito besta que eu faço com as pessoas, você não bebe somente 5 copinhos de água por dia, mas se você está na escola, na sua empresa e você bebe cinco copinhos de água por dia, daqueles pequeninos. E você ingere só cinco vezes, que eu acho que é mais, só cinco, no final de uma semana, são 25 e no final de um mês é um pacote de copo só seu, que você descartou. Os únicos, pra que? Isso também quando você vai na farmácia para comprar um remédio que cabe no seu bolso, isso quando você vai comprar um doce que você já pode sair comendo, isso quando você vai comprar uma borracha. Pra que uma sacola para você levar uma borracha para casa? A borracha, ótimo, porque ela vai ter uma vida útil pequena, é borracha, mas o plástico vai ficar aí, 450 anos na natureza, se ninguém queimar ele vai ficar por aí. E ninguém está preocupado, porque ninguém está pensando sobre isso, é mais prático para você pegar do que negar. E eu faço muito isso, é um exercício que eu tenho feito nos mercados da cidade quando eu vou fazer compras, levo a minha ecobag. E aí quando as pessoas vão para pegar, “não, tô com a minha ecobag aqui!” Ai o povo: seria tão legal se todo mundo ficasse assim. Mas seria tão bom se vocês oferecessem essa opção. Porque a pessoa vem comprar, ninguém nunca me perguntou se eu precisava, só pega minhas coisas e quer colocar dentro da sacola. Ninguém pergunta: você precisa da sacola? E no momento que você vê a pessoa comprando, sei lá, uma coisa pequenininha, você vai olhar para a pessoa, “precisa de uma sacola?” A pessoa vai ficar constrangida. A pessoa vai olhar, “não, não preciso!” A pessoa não vai levar a sacola. É muito simples! Mas até pensar parece que é uma coisa que virou complicado, que é uma besteira! É de fato uma besteira! Muita coisa para ajeitar.
P - Quais são os seus sonhos?
R - Aí minha gente, meus sonhos são megalomaníacos. Eu queria que não houvesse mais essas produções, mas infelizmente o plástico também facilita muita coisa da vida, a gente vai pensando, por exemplo, hoje no transporte, claro que não é melhor o refrigerante no PET do que o refrigerante no vidro, mas o transporte, o peso da grade com vidro e o peso da PEC com o plástico é diferente também. Algumas coisas melhoraram bastante e outras coisas eu não entendi porque aconteceram. E é sempre bom que a gente questione, por exemplo, que a gente citou o óleo, o óleo de cozinha antigamente, aqueles óleos de soja, eles vinham em embalagens de metal, hoje em dia elas vem em uma embalagem de plástico, que ainda precisam que seja acrescentado quimicamente um outro componente para manter o óleo claro, por causa da claridade que incide na embalagem. Só piorou, eu queria saber qual foi a lógica de adotarem isso. Mas tem algumas coisas que tem, então o ideal para a gente… E os meus sonhos eles pautam muito na educação, eu queria muito que as pessoas fossem educadas para pensar socialmente, educadas para que não precise uma pessoa dizer uma coisa óbvia, que é não jogue o lixo pela janela no ônibus, isso é uma coisa muito simples. Meu Deus, será que não dá para entender? Só dá para entender quando a pessoa é a vítima, quando alguém joga e a pessoa que já jogou em algum momento da vida tá passando embaixo e atinge a pessoa, ou acontece alguma coisa com essa pessoa, mas é muito difícil que as pessoas pensam em sociedade. E eu acho que isso é um problema quando a gente inclusive tira algumas obrigatoriedade, por exemplo, teve agora a reforma do ensino médio, 2017, para mim muitíssimo mal administrada. E aí tirou obrigatoriedade, por exemplo, de sociologia, de filosofia. Sociologia é uma disciplina que você precisa desde criança, se você não tá preocupando-se com a sociedade e a vivência e a convivência e coisas da sociedade desde criança, porque que você vai se preocupar na verdade do vestibular? Isso não é matéria pra vestibular, isso é matéria para a vida. Aí tirasse uma obrigatoriedade, não vê necessidade de estudar a sociedade, de pensar a sociedade. Então eu vou ser uma pessoa egoísta que sei fazer cálculo, talvez saiba se escrever bem, que isso é uma coisa que aqui no Brasil nem se cobra mais. A gramática foi para o espaço há muito tempo. E cada um por si, vamos jogando assim. Não acho legal! Meu grande sonho é que as pessoas tivessem noção, mas essa noção, ela basicamente parte de educação, é de se colocar no lugar do outro e de saber que você usando o que você recebeu de educação, tudo melhora tanto, mas é tanto, porque você começa até a ponderar algumas coisas, não preciso disso, talvez eu não precise, ou isso aqui que eu estou consumindo, porque tá todo mundo consumindo e que de algum modo não vai me fazer bem, também não vai fazer bem para a sociedade. E é uma coisa assim, que eu acho… Eu luto muito contra, mas eu vejo muito com uma batalha perdida, porque é muito acessível essa coisa exagerada do lixo plástico principalmente. É muito encantador, porque você vê que eles conquistam com cores, com cheirinho, com não sei o que e brilho. E vem com coisas cada vez mais, sei lá, cada vez mais absurdas, coisas que você não precisa, mas que as pessoas botam na sua cabeça que você tem que ter. Isso é uma coisa mínima, um dia desses eu tava vendo essas coisas práticas para o meio ambiente… coisa praticas para casa. Aí a mulher pegava uns preservativos, aí ela colocava um creme no pé e preservativo, para ficar…. Aí você ia ver ela arrumando o banheiro, tudo que ela ia usar era plástico, ele desencapava com plástico, jogava o plástico no lixo… Parecia uma maquiagem de plástico o banheiro, ela arrumando o banheiro, era uma maquiagem de plástico. E depois quando você pensa que no final de uma semana ela vai jogar tudo aquilo no lixo e vai botar tudo de novo. Que inferno! Horrível, horrível, horrível, horrível. É a falta de noção, porque todo mundo acha que por não se colocar no lugar do outro, que o tempo da própria pessoa é muito precioso, eu não posso perder tempo desfazendo esse novinho dessa sacola, eu posso rasgar porque essa sacola aqui é de graça, eu vou ter outra. É muito isso! É muito sobre se colocar no lugar das pessoas, que é uma atividade que a gente faz muito pouco.
P - Qual é o seu legado?
R - Eu quero deixar essa consciência. Inclusive, o meu próximo trabalho, trabalhando agora com plástico e pretendo levar esse trabalho assim, perpetuar, espero que muita gente chegue junto e produza. Eu quero que as pessoas produzam. Não interessa, eu quero que elas produzam. Coloque ali. Até porque quando você está fazendo, principalmente esses trabalhos artísticos, esses trabalhos manuais é muito terapêutico, quando você vai fazendo é uma coisa cíclica, você vai pensando vendo possibilidades, pensando na morte da bezerra, alguma coisa que… Você até trabalha sua emoções melhor quando você está fazendo essas atividades. Além de estar beneficiando uma coisa que pode lhe ser rentável, pode ser rentável para o meio ambiente economicamente. Para o ecossistema ele pode ser maravilhoso, como essa ideia que a gente teve. E estamos pensando em outras, porque a gente quer chegar ao consumo zero, porque quando a gente fazia esse trabalho de bordado, sempre ainda resta umas aparinhas, de acabamento que você vai tirando, mas eu quero chegar a zero, eu quero que não sobre nada. E aí já to pensando em como vamos fazer isso, na verdade eu já tive essa ideia, vou escrever esse projeto. E aí, esse espaço que nos acolheu, que é a AFABE, eu to fazendo um trabalho voluntário, porque lá a gente faz, a gente dá aula para adolescentes e pessoas que estão fazendo cursinho pré ENEM, é aí são vários profissionais. E aí junto com essas pessoas nós estamos fazendo uma grande arrecadação de vidrinho de esmalte, e aí nós vamos fazer um painel grande, que vai fazer a fachada do prédio e é com esses vidrinhos, os fundos dos esmaltes, nós vamos fazer como se fosse, como que chama aquilo? Um vitral de pedacinhos, mosaico, a gente quer fazer grande. E aí eu estava vendo que esses vidrinhos, eles levam quatro milhões de anos para se decompor, porque é vidro. E como ele tem menos de 7cm, ninguém se interessa reciclar. E aí geralmente é um vidro com cabinho de plástico. Aí a gente vai fazer o mosaico com o fundo do vidro, e aí a gente vai conseguir pelo menos reciclagem, estar com a média de ideia do que a gente quer usar, vão ser uns 12 mil. Aí vamos fazer uma grande campanha. Mas eu quero incentivar, quero que as pessoas façam com tampinha, com outras coisas, com o que tiver em casa. A minha ideia é sempre que as pessoas usem o que tiver em casa, que a gente precisa dar fim a isso. To numa onda minimalista, menos é mais.
P - Como é que foi contar a sua história de vida e saber que ela agora vai fazer parte de um museu, que vai ficar aí para posterioridade?
R - Minha gente, eu ainda não internalizei essa informação, que é informação grande. Toda vez que a gente faz uma conquista, é uma coisa que demora se assimilar. E essa informação do museu para mim é completamente nova, é uma coisa permanente. Mas tá sendo muito prazeroso. Primeiro porque não tem uma coisa muito… é uma conversa, então estou me sentindo muito à vontade, estou muito feliz com isso. Porque eu estava com medo de ficar tensa e ficar com os negócios aqui duro, já até trabalhei. Mas estou muito, muito animada, com a possibilidade, principalmente com essa história ir para mais pessoas e que mais pessoas consigam fazer em casa essas benfeitorias com os seus lixos, seus resíduos sólidos domésticos. E tenham ideias também e que volte para compartilhar. Espero que compartilhem comigo, por favor!
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