Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
História de Aureliano Lopes dos Reis, contada por Valdete de Fatima Lopes dos Reis
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, Minas Gerais, 27 de novembro de 2021
Código da entrevista: CQP_TM
R - Eu me chamo Aureliano Lopes dos Reis, nasci dia 16/06/1912. Tenho 109 anos, eu estou velho mesmo. Meu pai é Gregório Gonçalves Noronha e minha mãe é Vitória Lopes dos Reis. Eu tive os meus irmãos, Manoel, Satu, Laura, Teodorica. Eu tive muitas lembranças boas dos meus irmãos. O meu irmão Manoel Lopes, era tipo assim, um líder da comunidade… tudo que ele queria, nós obedecia ele, rezava o terço da ladainha, nós era folião, nós era careta, nós era tudo. Mas só que o folião… a folia, era uma beleza, mas nós andava essas redondezas aqui… Vocês desculpa de eu falar, as vezes eu não sei falar, porque eu não tive muita leitura. Mas nós andava tudo a cavalo, essas redondezas aqui, fazendo a folia. Tudo quanto era Santo tinha folia, não tinha quem morreu e quem nasceu, tudo nós fazia festa. Engraçado, né? Hoje o Santo que morreu não faz festa mais. É só os que nasceram, que é dois: João Batista e Jesus. E eu era careta, dançava uma careta. Parei há pouco tempo, que eu adoeci. Casei com Luiza Lopes dos Reis, tive 10 filhos. Antigamente o povo tinha muitos filhos, mas hoje ninguém quer ter filho. Não está nem compensando ter muito filho. Do jeito que está, difícil demais, o povo não quer nada com nada. Hoje, do jeito que as coisas estão, não está bom não, hum, hum. Antigamente era melhor, era mais unido, nós tudo trabalhava. Era uma festa que nós íamos. Meu irmão Manoel Lopes, sai de casa em casa, fazendo a folia, arrecadando dinheiro e tinha um moço, que era o meu compadre Izidio, que pegava os mantimentos para fazer a festa. Era cavalheiro mais cavalheiro no dia da festa, nós dançávamos a noite toda. Sabe de quê? Sanfona, violão, pandeiro, caixa. E...
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Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
História de Aureliano Lopes dos Reis, contada por Valdete de Fatima Lopes dos Reis
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, Minas Gerais, 27 de novembro de 2021
Código da entrevista: CQP_TM
R - Eu me chamo Aureliano Lopes dos Reis, nasci dia 16/06/1912. Tenho 109 anos, eu estou velho mesmo. Meu pai é Gregório Gonçalves Noronha e minha mãe é Vitória Lopes dos Reis. Eu tive os meus irmãos, Manoel, Satu, Laura, Teodorica. Eu tive muitas lembranças boas dos meus irmãos. O meu irmão Manoel Lopes, era tipo assim, um líder da comunidade… tudo que ele queria, nós obedecia ele, rezava o terço da ladainha, nós era folião, nós era careta, nós era tudo. Mas só que o folião… a folia, era uma beleza, mas nós andava essas redondezas aqui… Vocês desculpa de eu falar, as vezes eu não sei falar, porque eu não tive muita leitura. Mas nós andava tudo a cavalo, essas redondezas aqui, fazendo a folia. Tudo quanto era Santo tinha folia, não tinha quem morreu e quem nasceu, tudo nós fazia festa. Engraçado, né? Hoje o Santo que morreu não faz festa mais. É só os que nasceram, que é dois: João Batista e Jesus. E eu era careta, dançava uma careta. Parei há pouco tempo, que eu adoeci. Casei com Luiza Lopes dos Reis, tive 10 filhos. Antigamente o povo tinha muitos filhos, mas hoje ninguém quer ter filho. Não está nem compensando ter muito filho. Do jeito que está, difícil demais, o povo não quer nada com nada. Hoje, do jeito que as coisas estão, não está bom não, hum, hum. Antigamente era melhor, era mais unido, nós tudo trabalhava. Era uma festa que nós íamos. Meu irmão Manoel Lopes, sai de casa em casa, fazendo a folia, arrecadando dinheiro e tinha um moço, que era o meu compadre Izidio, que pegava os mantimentos para fazer a festa. Era cavalheiro mais cavalheiro no dia da festa, nós dançávamos a noite toda. Sabe de quê? Sanfona, violão, pandeiro, caixa. E tinha uma música que eu gostava demais dela, era um bolero, eu até me esqueci, vocês me desculpem, mas é porque eu estou com a cabeça meio fraca, cabeça lerda. Cabeça de velho você sabe como é, a gente esquece tudo! Eu vou pensar aqui um tiquinho. Natan, me dá um pouquinho de água ali. A garganta do véio tá seca. (bebe) Que água boa! Essa água está parecendo até com a água do córrego da Rapadura, muito gostosa essa água, difícil a gente ver água assim, eu vou até beber mais. Toma a água Natan, obrigado! Minha gente, descobri que eu sou o mais velho da cidade. Com essa pandemia que veio aí, minha gente do céu, perdi uma filha minha, ela chama Magna Aparecida. Eu tive 10 filhos, tio Sérgio, falecido, tia Benedita, falecida, tia Maria José, falecida, José, falecido. Agora perdi minha Aparecida, uma pessoa que me olhava, que me cuidava. O meu Deus, minha filha morreu, o meu Deus, minha filha ia ficar, eu que ia embora, eu to velho (chora). Oh meu Deus, estou perdendo os meus filhos tudo, meus filhos estão me largando, e eu estou aqui. Agora só tem 3 vivos, Antônio, Isabel e Valdete, e mais tem os meus anjos que me ajuda. Eu tenho André que é meu parceiro, é meu filho, é meu companheiro. Pensa num menino bacana que eu ganhei, que Deus me deu, é André. André faz tudo para mim, André é outro filho que eu ganhei. Sabe, meus filhos tudo indo embora, me dá uma tristeza muito grande. Eu não tenho ninguém mais, não tenho ninguém, não tenho mãe, não tenho pai, não tenho irmão, não tenho amigo. Não conheço quase ninguém daqui, não conheço ninguém. Se não chegar e falar: eu sou filho de fulano. Eu tenho a mente boa, mas estou esquecido, muita gente nova, chegou muita gente diferente para aqui. Vocês cuidado, cuidado com essa doença. Essa doença levou Aparecida, meu Deus, levou Aparecida, eu fico com uma tristeza. Aparecida que cuidava de mim. Aparecida, para que você foi embora? Pegou covid, gente cuidado, esse trem mata, cuidado! Vai devagar, vai devagar, obedece vacina, usa máscara, a doença não foi embora. Se não, vocês vão acabar me deixando também. Cuidado gente, cuidado com essa doença. Eu já passei por tanta peste, mas como essa, de matar tanta gente, fez uma matança no mundo. E é no mundo! E se fosse só no Brasil ainda estava bom, a gente dava uma desculpa e ia para o Japão, se tivesse no Japão a gente ia para a Alemanha, mas é no mundo. Vocês, cuidado! Vou contar um pouco da minha infância. Brinquei demais, de pular corda e de pião, de papagaio, de baliza, era muito bom. Nadei demais, no porto do marido da fé, nos poção. Fui festeiro de São Domingos, uma festa muito boa. Vivi com a minha mulher 82 anos, minha amada Luiza morreu com 101 anos, morreu de AVC, o tal do derrame, mas ficou 30 anos na cama. Mas tirou um pedaço da minha vida, foi a minha esposa e os meus filhos, que foi morrendo pouco a pouco e está deixando eu até agora aqui sozinho. Mas é assim mesmo, uns de um jeito, outros de outros. Uns vai primeiro, outros vão por último. Uns nem nascem, já morreu dentro do ventre. Mas é assim mesmo. Eu estou aqui, estou com os meus 109 anos, tô doente, dor aqui, dor acolá, não ando mais. Minha filha que me olha, meus filhos, Isabel, Valdete, Antônio, André. Que eu já falei, André para mim é meu filho. Tudo que eu quero André não fala não. E eu tenho uma consideração com André, porque tudo ele é meu anjo de guarda. Mas eu tenho uma coisa para falar para vocês, eu já fui preso. Naquela época, eu era festeiro de São Domingos, e tinha um partido, PMDB (MDB) com Arena, e aqui na cidade era forte, os partidos fortes. E o que acontecia, o meu irmão Manoel Lopes, falou assim: esse ano nós vamos apoiar o PMDB. E o meu irmão falava, todo mundo obedecia. E nós apoiamos o PMDB. Só que lá na cidade, lá em Paracatu, ficou sabendo que nós aqui era do PMDB. Você sabe o que eles fizeram? A política era forte e maldosa, até hoje a política não presta. Mas você sabe por quê? O Arena deu dinheiro para o sanfoneiro, marcou meia noite, "nós vamos acabar com aquela festa”. E meia noite o sanfoneiro começou a tocar, (canta) “vamos quebrar o caroço, enquanto a polícia chegar, enquanto a polícia não chega, nos quebra o caroço também, vamos quebrar o caroço, enquanto a polícia chegar, enquanto a polícia não chega, nós quebra o caroço também”. E aí meu filho, a polícia veio, polícia era mal, batendo, batendo, e uns correm daqui, outros correm dacolá. E eu mais meu sogro, foi pego, foi preso. “O meu Deus, vou apanhar”. Porque aqui em Paracatu, quem ia preso, apanhava, mas disse que era só os ladrões, os ladrões e os criminosos, os que matavam. Mas eu estava mais ou menos assim, porque eu não matei ninguém, eu não roubei de ninguém. Chegou lá na cadeia, a polícia, “vocês vão ficar aqui”. Quando estava no meio do caminho para ir para a cadeia, a polícia perguntou: cadê o dinheiro da folia? E eu falei: está lá na casa da minha mãe. “Vão lá buscar, vão lá buscar o dinheiro”. Eles pegaram e deu de ré, e foi. Eu cheguei lá, “mamãe, cadê o dinheiro?” Peguei o pacote e dei a polícia. Polícia? Não confio. A Polícia pegou o dinheiro da folia toda. Aí tinha um amigo nosso, que é senhor Vivi, Severiano de Silva Neiva, ele era o delegado. No outro dia, tirou nós. Mas nós ficou muito triste, que acabou com a nossa festa. Desse dia para cá, meus irmãos foram morrendo tudo e nós passa as festa de São Domingos, para um para o outro, mas nem dança não tem mais. Porque São Domingos fez foi morrer, foi memória, São Domingos é dia 6 de agosto. Nós celebra a Missa, procissão, só, não tem mais festa. E as festas de antigamente, nós rezava, cantava folia e dançava, hoje não, tem essa mudança, os padres não aceita mais. Mas eu sou muito feliz, eu tenho 18 netos, ou melhor, 20 netos e um bisneto, que nasceu agora. E o filho de David, ele é filho de Sibele, o David é meu neto e a filha dele é minha bisneta, eu tenho ela. Mas sou muito feliz. Mas eu estou aqui, o dia que Deus quiser. Se Deus quiser me levar agora, eu estou pronto. Se Deus não quiser me levar, eu também tenho que estar pronto, pra mim carregar a minha cruz, até o dia que Deus quiser. Eu vou deixar essa mensagem no final da minha fala para vocês: “sapateia minha gente, aproveita a mocidade, que quando a velhice chegar, ela só traz saudade”. Essa é a minha história. Vocês acreditam que até hoje eu ainda faço sucesso, recebo homenagem. Esses dias eu fui lá na câmera, recebi um troféu, Aureliano Lopes. “Senhor Aureliano, deixa eu pegar no senhor, senhor Aureliano, me dê esses 109 anos”. É retrato, mais retrato, mais retrato. Veio um povo do turismo aqui, que aqui em casa agora virou Casa Museu. Vem, tira retrato, “o que o senhor faz, senhor Aureliano?” Bebo água daqui, não esqueço, como rapadura, essa é minha história.
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