P/1 – Senhor Ivaldo, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Gostaria que o senhor me dissesse seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Antônio Ivaldo Bezerra da Silva; natural de Manaus, Amazonas; nascido no dia 12 de junho de 1947.
P/1 – O senhor sabe a origem dos seus pais?
R – Amazonenses, de Manaus.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Meu pai, Sebastião Sérvulo da Silva; minha mãe, Áurea Bezerra da Silva. Ambos falecidos.
P/1 – Os seus avós também eram de Manaus?
R – Também.
P/1 – O senhor não tem...
R – Eu tenho alguma ramificação nordestina. Alguma descendência de nordestino, mas eles eram de Manaus.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Meu pai aposentou como funcionário do Banco da Amazônia e minha mãe era do lar.
P/1 – Quantos irmãos o senhor teve?
R – Seis irmãos, dos quais dois já são falecidos.
P/1 – Homem? Mulher?
R – Eram quatro homens e duas mulheres. Faleceram dois homens.
P/1 – E que profissões eles seguiram?
R – Coincidência ou não, a única pessoa da família que tinha nível superior era eu. O restante chegou ao nível médio e trabalhavam em atividades comerciais como empregados.
P/1 – Uma parte deles já se aposentou?
R – Os dois falecidos seriam os dois mais velhos e já estariam naturalmente numa idade de aposentadoria. O restante continua na ativa.
P/1 – E como era Manaus na sua infância?
R – Uma cidade pacata, tranqüila. Você caminhava, não precisava de segurança, não precisava nem fechar a janela da casa, dado o nível de tranqüilidade. O progresso traz essa insegurança – eu não vou dizer que Manaus deveria continuar sendo o que era quando eu era jovem, mas esse progresso chegou de forma desordenada e a insegurança caminha com ele. Hoje você tem que ficar dentro de casa, você que é o verdadeiro preso; e quem fica solto é o marginal, é o ladrão, é o matador profissional, enfim, essa qualidade de gente ruim que está solta e nós ficamos trancados, engradados, enclausurados por causa da insegurança.
P/1 – E como era a sua casa na infância, em Manaus?
R – Pois é, a gente morava numa casa de madeira, de frente pro Rio Negro, na Rua Beira-Mar, que não tem nada com o mar, teria que ser Beira-Rio, onde não passava carro porque não tinha acesso absolutamente. Era tipo palafita.
P/1 – Do que o senhor gostava de brincar quando era criança?
R – Talvez pelo fato de morar na beira do rio, o que eu ganhei de muita experiência foi natação. Então o pessoal jovem da minha faixa etária, de 12, 13 até 15 anos, a gente fazia aquelas maratonas de travessia do Rio Negro naquela confluência da nossa casa e nadávamos o equivalente a 12 quilômetros, ida e volta, até o ponto de meta. Esse era o hobby principal que a gente desenvolvia quando criança. Fora as peladas, isso aí é comum de toda criança, mas o principal mesmo era natação no Rio Negro. Não tinha piscina naquela época.
P/1 – O senhor estudou até que ano?
R – Estudo?
P/1 - Isso.
R – Eu concluí o nível superior em 1974 e vinha gradativamente primário, secundário, nível superior, ainda num curso seriado, antes da reforma educacional e, a partir dali, eu me aperfeiçoei em pós-graduação, fiz consultoria empresarial já pela organização que eu trabalho atualmente e fiquei na academia durante dez anos.
P/1 – O senhor deu aula?
R – Sim.
P/1 – Onde?
R – Na Universidade Federal do Amazonas.
P/1 – Aula para qual curso?
R – Eu ministrava a disciplina de Macroeconomia, basicamente Macroeconomia que era a disciplina que eu mais me identificava durante o curso de Economia.
P/1 – Sua formação inicial é em Economia?
R – Economia.
P/1 – Um pouco antes disso, o que o senhor fazia na juventude?
R – Além daquela coisa rotineira da pessoa, eu ajudava muito meu pai. Eu esqueci, antes do meu pai ingressar no Banco da Amazônia, ele trabalhava como autônomo. E que atividade era essa? Era a venda de guloseimas, suco, tipo uma lanchonete – vamos admitir assim – só que era uma lanchonete ambulante. Ele usava uma canoa e todo aquele apetrecho necessário, caixa de gelo e tal, ele levava até aqueles ambientes mais freqüentados, tipo matadouro, tipo mercado, e lá ele efetuava a venda. Eu ia com ele pra ajudá-lo. Às vezes até a gente tinha dois ambientes distintos, eu tinha a minha canoa e ele tinha a dele pra ajudar na renda de casa. Então eu fui uma pessoa que na minha juventude eu posso dizer que fora esse aspecto da natação que eu citei inicialmente, eu tinha meu tempo ocupado em atividade produtiva pra ajudar na renda de casa. Nessa minha juventude eu pouco gozei do social, daquele freqüentar boate, matinê etc porque, primeiro não tinha disponível, o recurso, e segundo, eu estava sempre ocupado.
P/1 – O senhor foi cursar Economia, por que o senhor optou por fazer Economia ?
R – É uma boa pergunta. Na verdade, durante o Ensino Médio, o secundário, eu fiz científico com aprofundamento em Ciências Biológicas. Até hoje eu me considero um médico frustrado. Eu tinha toda uma dinâmica, uma vivência voltada pra Medicina. Até que um dia, um raro dia, eu saí pra brincar com um amigo meu e ele, dirigindo o carro, sofreu um acidente e nesse acidente ele sofreu um corte na cabeça. Nesse corte na cabeça eu vi sangue pela primeira vez e desmaiei. Eu não posso ver sangue, seja qual for a quantidade, eu não posso ver. A pessoa que veio me socorrer e socorreu o amigo que estava acidentado era uma pessoa de convivência na família, amigo da família, e ele registrou pra mim que eu deveria mudar de profissão se eu quisesse ser bem sucedido porque eu, como médico, deveria ser um cara muito incompetente, poderia matar o paciente na mesa. A única alternativa que eu tive naquele momento, estava naquela febre do milagre brasileiro que chamava, Delfim Netto etc, eu me empolguei com aquilo e disse: “Bom, é sair da Medicina pra ir pra Economia”. Hoje eu posso lhe afirmar com plena segurança que eu não estou arrependido. Eu talvez estivesse se continuasse como médico, eu aí seria um profissional frustrado realmente, mas como economista eu consegui dar a volta por cima, superei tudo.
P/1 – Quando o senhor saiu da faculdade o senhor foi trabalhar com que tipo de atividade?
R – Logo no início eu não tinha ainda uma definição, eu fui trabalhar com o delegado da Receita Federal na época, estagiando na área de finanças do Ministério da Fazenda, a Delegacia em Manaus. Lá eu fiquei durante dois anos nessa prática de exercício, uma função mais como estagiário, vamos dizer assim. Logo eu recebi um convite pra assumir uma diretoria na Ceasa onde eu exerci o cargo de diretor técnico e fiquei lá durante três anos.
P/1 – O que o senhor fazia lá no Ceasa nessa função?
R – O diretor técnico financeiro cuidava da parte de mercado, a Ceasa, Central de Abastecimento; cuidava da parte do gerenciamento do mercado na atividade produtiva de todo o interior que encaminhava com produção para aquela comercialização centralizada e também cuidava da parte financeira da empresa. Eu tinha uma certa habilidade porque o curso de Economia me ajudava na elaboração das ações pertinentes ao cargo de diretor técnico financeiro.
P/1 – Quando o senhor saiu três anos depois foi direto pro Ceag?
R – Eu saí da Ceasa, recebi um outro convite da pessoa que trabalhava comigo na Ceasa, que era o presidente, na época. Ele já era oriundo do Ceag na época e me convidou pra ingressar no quadro e eu estou lá até hoje.
P/1 – Explica pra gente o que era a Ceag?
R – Ceag foi do sistema Cebrae, com C. O Cebrae tem uma história já. Ele começou como Cebrae, com C: Centro de Apoio à Micro e Pequena Empresa, e nos estados ele tinha o Ceag que também era Centro de Apoio à Micro e Pequena Empresa. A sigla talvez não tenha nada a ver ou quase nada a ver com a extensão do nome, mas era isso: Centro de Apoio à Micro e Pequena Empresa – Ceag. Durante o governo Collor, quando ele começou a eliminar alguns órgãos que estavam, de certa forma, pesando no orçamento da União, foi nesse momento que o Cebrae Amazonas através de uma liderança sua que era Ministro da Justiça, o senador Bernardo Cabral, ele fez um pacto com a Ministra da época, da Economia, a Zélia Cardoso, e juntamente com um dirigente do Ceag na época que era seu sobrinho, fizeram toda uma tentativa no sentido de salvar a organização Cebrae, com C, pra que ela continuasse prestando serviço à micro e à pequena empresa. Foi um dos produtos notáveis que a gente pode elaborar, pode registrar durante o governo Collor, foi a transformação do Cebrae com C em Sebrae com S que passou a ser um Serviço Social Autônomo em Apoio à Micro e Pequena Empresa.
P/1 – Antes ele era vinculado ao governo, é isso?
R – Ele era uma instituição para-governamental porque as nossas ações eram quase todas voltadas pro governo, mas ele não tinha fonte de recursos que mantivesse a instituição. A direção do Ceag na época do Cebrae com C, ela praticamente cuidava de arrumar dinheiro pra pagar a folha dos funcionários. Era essa a atividade principal do gestor. Hoje não, o Sebrae tem recursos garantidos da contribuição social do governo, apesar de ser uma sociedade civil sem fins lucrativos, ele é um para-estatal, vamos dizer assim. Ele recebe auditoria da União, dos estados e ainda tem a auditoria independente, então toda a atividade pública, todo o gerenciamento público, o Sebrae sofre por ser um órgão que recebe contribuição social do Governo. Que é o que dá sustentabilidade ao sistema.
P/1 – Quando o senhor entrou no Cebrae, no Ceag?
R – Em 1979.
P/1 – O senhor foi trabalhar em que no Ceag?
R – Na época eu ingressei no Departamento de Pesquisa do Ceag. Esse Departamento de Pesquisa buscava análise setorial, fazia diagnósticos setoriais. Eu lembro que um dos primeiros trabalhos que eu desenvolvi foi na área do setor metal-mecânico onde nós identificamos necessidades e potencialidades desse setor. E com o andar da carruagem e a própria mudança estrutural – Cebrae com C pra Sebrae com S – eu passei pro quadro gerencial, onde permaneço até hoje. No momento eu gerencio a área de acesso a serviços financeiros, que envolve incentivos fiscais, envolve financiamento à micro e pequena empresa, envolve uma série de estudos não financeiros, enfim, tudo aquilo atrelado à uma atividade produtiva, o Sebrae desenvolve através da minha área de atuação.
P/1 – Isso envolve também a questão da implementação de pequenos negócios?
R – Isso, que seria projeto de viabilidade econômico-financeira voltado à viabilidade de empreendimentos.
P/1 – O senhor poderia explicar o que é exatamente isso?
R – A empresa, principalmente aquela que está necessitando acessar crédito, ela necessita apresentar para o agente financeiro onde ela está tentando captar aquele recurso um projeto de viabilidade que demonstre a competência técnica, econômica e financeira daquele empreendimento. E essa é uma atividade que o Sebrae, através da minha unidade gerencial, elabora em apoio ao empreendedor. É um estudo que demonstra o retrato da capacidade técnica, econômica e financeira daquele empreendimento.
P/1 – E foi já no Sebrae que o senhor veio para Maués pela primeira vez?
R – Foi. Na época da Ceag eu comecei a freqüentar Maués em 81. Aqui nós chegamos pra desenvolver um trabalho, um diagnóstico municipal onde pudéssemos ter uma fotografia das potencialidades do município e trabalhar essas potencialidades. Eu me recordo, na primeira reunião, as pessoas até me questionam muito dessa capacidade, em Maués tem três correntes políticas fortíssimas: tem a família Mequires, tem a família Negreiros e tem uma outra que não está me ocorrendo nesse momento... Esteves. Mequires, Negreiros e Esteves. Eu consegui, nessa reunião primeira que eu fiz aqui em Maués, colocar essas três lideranças lado a lado discutindo diagnóstico sem nenhum envolvimento político. Uma atitude puramente técnica, eu lembro, saudoso Darci Mequires, o Carlos Esteves que já foi prefeito do município e o Edílson Negreiros que era o prefeito na época. Nós colocamos essas três lideranças lado a lado discutindo potencialidades, discutindo necessidades voltadas ao desenvolvimento do município de Maués. A partir dali nós tivemos como identificar uma série de potencialidades que poderiam ser trabalhadas e de lá pra cá eu continuei e hoje continuo vindo aqui. Em 2003, a Câmara de Vereadores me concedeu o título de Cidadão Benemérito de Maués, isso eu fico muito grato, até hoje eu tenho isso na minha mesa de cabeceira no meu quarto de dormir, com orgulho, a placa que eu recebi da Câmara de Vereadores, em 2003, me concedendo esse título de Cidadão Benemérito de Maués.
P/1 – O senhor falou dessas famílias. Como era ser da elite política aqui de Maués nessa época?
R – Eu acredito que esse envolvimento de liderança persiste até hoje e, de certa forma, eu creio, é uma posição minha, é uma opinião formalizada minha própria, de que isso, de certa forma, prejudica porque nem sempre quem está no poder é uma liderança representativa daquela família tradicional. Agora mesmo nós tivemos o prefeito Sidney Leite que não faz parte do staff nem de Mequires, nem de Esteves e nem de Negreiros, já é uma outra ramificação. E o que está no poder atualmente, o Miguel Paiva, também é de outra situação, de outra família, não menos tradicional, mas fora daquela elite dos Esteves, a elite dos Mequires, a elite dos Negreiros. Essa diversificação é boa porque traz oportunidades pra que outras pessoas consigam dinamizar o município; enquanto que você mantendo na elite, você tenta dar um continuísmo que eu chamaria mais de rotina do que de progresso. Eu via dessa forma esse governo elitizado em prejuízo ao município de Maués.
P/1 – E como era Maués?
R – Maués era carente de tudo e de todos, muito carente mesmo. Eu lembro que eu vim aqui uma vez, não tinha restaurante qualificado, alimento aqui pra conseguir almoçar já era ruim, pra jantar era pior ainda, a qualidade não era lá essas coisas e isso, de certa forma, comprometia até o desenvolvimento turístico do município porque ele não tinha a menor estrutura. Foi com o passar do tempo que foi se estruturando e hoje nós já temos, Maués hoje está uma metrópole em comparação ao ano de 81 quando aqui eu cheguei. Eu brincava com o pessoal porque eu chegava num ponto de venda de alimentação, que não era restaurante, e pedia uma galinha caipira, por exemplo, e as pessoas aqui tinham imensos terrenos na casa e não criavam um pinto. Ficou difícil. Você olhava no freezer dessa pessoa e estava lá uma galinha da Perdigão, uma galinha da Sadia, galinha de todo canto menos uma galinha caipira criada no terreno dele. Eu estou falando aqui no núcleo urbano, eu não conheci além, um palmo, a comunidade. Hoje não, hoje a gente já tem um conhecimento comunitário fora do centro urbano de Maués, até pelo nosso envolvimento no projeto que desenvolvemos aqui que é o Projeto GEO – Gestão Estratégica Orientada pra Resultados.
P/1 – Antes do senhor falar desse, conta pra mim o que deu essa primeira iniciativa que começou na década de 80 de fazer mapeamento?
R – Naquela época, nós identificamos como principal instrumento para o desenvolvimento da atividade principal que era o guaraná, continua sendo o guaraná, a necessidade de se implantar uma agroindústria para o beneficiamento desse produto. Então, atrelada a uma cooperativa que existia aqui que era muito forte, era um modelo exportador de cooperativa até, nós num intercâmbio com um produto internacional chamado Pró-Gerar BID, com o Banco Mundial, nós fizemos instalar aqui em Maués, nessa uma agroindústria do guaraná dotada de instrumental para o guaraná em pó e o guaraná em bastão. Esse projeto durou aproximadamente dez anos, após o que essa cooperativa passou a ter uma gestão através do seu presidente que, de certa forma, comprometeu o dinamismo que aquela cooperativa vinha tendo até então. Eu não quero condenar só a gestão do presidente da época que essa cooperativa faliu. Eu, de certa forma, condenaria também a atitude de alguns associados e a maioria deles, que tinham compromisso com a cooperativa, eles recebiam adiantamento da cooperativa pra devolver através do seu produto e na época da colheita ao invés dele entregar o produto pra cooperativa, ele desviava e vendia por fora justamente porque na cooperativa ele faria encontro de conta: ele tinha o produto e tinha uma dívida, faria aquele encontro. Logicamente esse encontro lhe daria pouquíssimo resultado financeiro porque ele já estava devendo; já ele desviando a produção, vendendo fora da cooperativa, ele teria como angariar um recurso maior e fazer as suas compras necessárias pra levar pra dentro da sua área de trabalho. Com isso foi esvaziando, a cooperativa deixou de ter o produto e passou a ter dívidas, passou a ter dívidas e mais dívidas e como ela tinha compromisso bancário – aqueles adiantamentos ela fazia em nome dela junto a uma instituição bancária e repassava pro seu associado. Como ela tinha esse compromisso bancário, o banco executou a dívida e mandou a leilão esse empreendimento que nós construímos aqui com a maior boa vontade em prol do desenvolvimento de Maués.
P/1 – Essa cooperativa tinha bens pra ser executada?
R – Ela tinha a própria estrutura que foi construída pra abrigar essa agroindústria. Salvo engano, esse imóvel que custou pra esse projeto 147 mil dólares na época, eu não lembro agora a cotação do dólar pra gente fazer uma conversão pro real, mas vamos dizer que ainda foi na época do cruzeiro, vamos admitir que esse investimento tenha alcançado o volume de 50 milhões da moeda na época: 50 milhões de cruzeiros. Salvo engano, esse imóvel, essa garantia com equipamento, tudo da agroindústria, ela foi leiloada pela bagatela de 20 mil unidades monetárias da época.
P/1 – De 50 milhões pra 20 mil?
R – Vinte mil. Vamos considerar a mudança da moeda, o corte de zero e tal, mas foi um preço totalmente absurdo. Era como se você pudesse vender a estrutura todinha por 150 mil, ela foi leiloada por 20 porque ninguém alcançou o preço mínimo.
P/1 – A cooperativa faliu mais ou menos em que ano?
R – Não me ocorre exatamente o ano, mas eu diria que foi entre 84, 85, por aí.
P/1 – Depois que esse empreendimento teve esse problema, logo depois veio o GEO?
R – Não. Antes a gente implantou o Telecentro.
P/1 – O que é o Telecentro?
R – Telecentro é uma unidade de inclusão digital. A gente implantou essa unidade com 12 computadores mais um provedor e o objetivo dele era voltado pra inclusão digital, principalmente daquela pessoa mais carente, mas não com isenção. A gente cobrava uma taxa simbólica, o Telecentro iria cobrar uma taxa simbólica pra sua própria manutenção. Atrelado ao Telecentro nós também implantamos aqui o Banco do Povo de Maués. Para o Banco do Povo nós fizemos uma captação de financiamento na ordem de 300 mil reais como forma de alavancar a carteira do banco. Hoje esses dois instrumentos, tanto o Telecentro quanto o banco, eles estão carentes de uma reavaliação porque tudo o que foi projetado ele não cumpriu, ou quase tudo não foi cumprido. O Telecentro está inoperante porque houve um problema de mudança de endereço e nessa mudança necessitava mudar também a antena de acesso à internet e isso já está com dois anos e ninguém toma a iniciativa de fazer esse Telecentro voltar a funcionar. Eu estou aproveitando esse momento pra levar um diagnóstico, um relatório da forma como está ocorrendo o problema no sentido de buscar uma solução tanto para o Telecentro quanto para o banco que experimenta também uma inadimplência relativamente alta.
P/1 – Principalmente de guaranazeiros ou de outros empreendimentos?
R – Não, o Banco do Povo não visava setorialmente. Ele buscava apoiar aquele cidadão que não tem acesso bancário, que está na marginalidade – marginalidade entendida aí fora de uma atividade formal – e que necessitava de um apoio financeiro onde 100 reais fazem a diferença. Era micro-crédito mesmo, mas com o andar do tempo e pela falta de acompanhamento, naturalmente, essa coisa foi desvirtuada e passou-se a atender outro tipo de financiamento, contemplar outro tipo de cliente que não estavam envolvidos dentro dos objetivos do banco e isso fez com que essa inadimplência crescesse e o banco perdeu credibilidade, perdeu um monte de coisa, principalmente deixou de atender aquele foco principal que é o pequenininho: a pessoa que vende um churrasquinho, a pessoa que tem uma banca de venda de alguma coisa pra quem, eu repito, 100 reais fazem a diferença.
P/1 – E como começou essa coisa do GEO?
R – Eu queria só acrescentar que esse banco, esse banco foi tão importante na vida de Maués que deu ao prefeito da época, Sidney Leite, o título de prefeito empreendedor em 2003, que é um concurso que o Sebrae promove a nível nacional e ele foi eleito, em 2003, prefeito empreendedor apresentando como projeto de sucesso o Banco do Povo de Maués. Agora sim o GEO. A partir de 2004 o Sebrae desenvolveu uma metodologia chamada Gestão Estratégica Orientada para Resultado – eu estou falando Sebrae nacional. E elegeu cinco estados pra ser pilotos nessa metodologia, onde o Amazonas foi contemplado. Muito bem. Como nós já tínhamos um retrato falado, tínhamos um trabalho realizado aqui em Maués, nada mais justo do que manter Maués no projeto-piloto GEO dentro de uma metodologia que estava nascendo e elegemos o guaraná como produto principal de acompanhamento dessa gestão. Fizemos todo aquele trabalho de conscientização junto à comunidade, viemos aqui, fizemos reuniões com o envolvimento de produtores, de beneficiadores de guaraná, o artesanato de guaraná, toda a cadeia produtiva do guaraná foi envolvida nessa reunião e dali nasceu uma conscientização de que o projeto poderia alavancar a atividade. Muito bem. E aí foi destinado o orçamento para desenvolvimento do Projeto GEO, na época 3 milhões de reais onde o Sebrae entrava diretamente com 1 milhão e meio e os outros agentes parceiros, eu vou tentar citar aqui, eu tenho medo de citar e esquecer algum importante, mas vamos dizer: AmBev, Embrapa, Fucap, Idam que é o Instituto de Desenvolvimento do Amazonas, Prefeitura Municipal de Maués, Banco da Amazônia, Banco do Brasil, Caixa Econômica, o próprio Banco do Povo passou a ser instrumento de parceria do projeto GEO, Suframa, Associação Comunitária, produtores, o Sebrae como agente de desenvolvimento. Todo esse aparato de parcerias foi juntado nesse projeto e foi feito um contrato de otimização de recursos. O que se via era o seguinte: Sebrae vinha, fazia uma pontinha, Embrapa vinha, fazia uma pontinha, o Idam vinha, fazia uma pontinha, quer dizer, todo mundo voltado a um esforço numa mesma área, num mesmo produto, sem ter o resultado. Por que não juntar forças, recursos no sentido de alavancar o mesmo produto? E foi feito isso. Fizemos essa parceria onde aquelas instituições parceiras destinavam os seus recursos já orçados para aquela atividade pra dentro do projeto GEO, nada mais justo. Mas cada qual tomando conta da sua fatia orçamentária. Eu, por exemplo, enquanto Sebrae, não tinha dinheiro da Embrapa, não! Cada qual desenvolvendo suas atividades só que de forma agregada, não mais isolada, e tivemos, nesse projeto, algumas metas tidas como principais pra justificar a atividade do GEO aqui em Maués. Entre as quais: aumento da produção, tanto do guaraná em rama quanto de produto de artesanato, melhoria da qualidade do produto através de produção mais limpa, conscientização etc, o estímulo à produtividade, crescimento da produtividade por hectare como forma também de geração de renda, aumento da qualidade de vida, enfim, tudo isso canalizado tanto pra produção quanto para o ser humano que está envolvido nessa atividade. E também alcance do mercado externo através de exportações onde a meta principal seria transformar o guaraná que recebe adubo químico em guaraná orgânico. Essa é uma meta desafiadora, já vem sendo trabalhada há algum tempo e que o Sebrae tomou para si a responsabilidade nessa parceria e nós estamos aqui com uma equipe da Ecocert, de Santa Catarina, desenvolvendo a fase final que vai dar a certificação do guaraná orgânico de Maués e, aí sim, nós vamos poder fazer um valor agregado a esse produto final orgânico na questão da comercialização com o exterior e não mais aqui. Hoje, o maior comprador do guaraná ou seria o único, vamos dizer assim, é a AmBev, então por ser o único potencial comprador, a AmBev, direta ou indiretamente, ela dita o preço do produto. E o produtor fica preso já que ele não tem um instrumento de apoio tipo cooperativa, ele é obrigado, vamos dizer assim, a vender a sua produção pra AmBev e recebe, em troca, oito reais por quilo. O que nós queremos é um agregado de valor em que esse guaraná orgânico salte dos oito reais pra 20 dólares o quilo. Esse é o grande momento e estimular com que produtores possam se envolver com o guaraná orgânico tendo garantia de uma receita maior e estimular também aquele que não quer plantar o orgânico porque ele tem todo um tratamento diferenciado, continuar vendendo pra AmBev sem nenhuma perda de mercado. Isso vai depender da escolha do produtor, nós vamos oferecer as vantagens e eles vão adquirir ou não dependendo da conveniência de cada um.
P/1 – Esse selo, como funciona? Cada guaranazal é certificado, cada produtor?
R – É, cada propriedade é diagnosticada, a Ecocert tira a terra de vários locais, dentro de um terreno de dois, três hectares, ela pontua vários locais onde ela tira amostra da terra pra uma análise pra saber se aquilo ali está ou não contaminado com adubo químico. Uma vez constatada que não está contaminado aquele terreno, ela começa a disseminação de um processo de muda selecionada e toda uma cultura produtiva a base de defensivos orgânicos. Nunca químico, defensivos orgânicos, mas de tal forma que esse guaranazal possa sobreviver com uma produtividade razoável que permita ao produtor um retorno financeiro adequado. Mas ele jamais poderá incrementar uma outra cultura com tratos culturais diferentes sob pena dele contaminar o plantio de guaraná.
P/1 – E já existe mercado certo que pague esse valor na Europa?
R – Já. França e Itália hoje compram guaraná aqui do vizinho, porque lá já tem a certificação orgânica. O que a gente quer é aumentar esse potencial exportador com Maués também participando dessa fatia do mercado.
P/1 – E lá essa matéria-prima provavelmente vai ser transformada em que?
R – Nós temos um estudo em cima ainda da atividade do projeto GEO que foi um estudo de mercado a nível nacional pra identificar os vários usos do guaraná. Nós ficamos surpresos que o guaraná hoje serve até no sal de fruta, ele é um componente até do sal de fruta. Eu estou citando sal de fruta porque está na propaganda visível aí, mas ele também tem participação em outros medicamentos.
P/1 – O senhor pode falar alguns?
R – Não, eu desconheço porque o diagnóstico não pontuou, mas de forma geral ele é usado em medicamentos, ele diz assim, na composição de alguns medicamentos, no uso de xarope, refrigerante, que é o potencial mesmo, sabonete, eu poderia citar, isso aí foi pontual também, algum tipo de refresco com guaraná que Cuiabá promove – Cuiabá, Bahia têm alguma experiência de uso disso aí - e fundamentalmente o xarope. No exterior nós não sabemos a utilização dele, nós não sabemos a destinação do guaraná. Só temos informação de que o comprador exige que seja guaraná orgânico. Tudo indica que seja pra consumo medicinal, tudo nos leva a crer nisso aí.
P/1 – O senhor chegou a dizer que dentro do GEO existem alguns objetivos como, por exemplo, fomentar o artesanato. Como se faria isso?
R – O que havia antes do GEO e após o GEO era uma produção desorganizada. É aquela questão de medo da concorrência. Eu produzia um tipo de artesanato que o fulano não poderia ver como eu produzia sob pena dele copiar o modelo. Com a vinda do GEO nós conseguimos juntar todo mundo e hoje eles se parceirizam de tal forma que um ajuda o outro. Isso deu dinamismo à produção do artesanato. O que havia antes era que alguém encomendava 100 peças de um determinado artesanato e a pessoa que produzia aquele modelo não tinha capacidade produtiva de 100 peças e perdia a encomenda. Hoje o que se vê é o seguinte: o cara encomenda mil peças, eles se juntam, produzem e entregam. Por isso que eu digo, o GEO, Projeto GEO veio incrementar ao mesmo tempo em que ele estimulou parceria entre a própria competência produtiva, entre as pessoas que estão no exercício daquela profissão.
P/1 – O senhor também comentou a questão de haver um incremento da produção, um aumento da produção. Como se faria isso?
R – Ela se daria de duas formas: através de um trabalho em cima do plantio que é a limpeza correta do terreno que proporciona o aumento da produtividade por hectare ou através do aumento de novos plantios. Você teria duas formas de ampliar essa produção. Seja no aumento da produtividade, seja no aumento de área plantada. Eu estou com o relatório, nesse momento recebi um relatório de uma empresa que foi contratada pra fazer uma pesquisa de acompanhamento dos resultados oriundos do Projeto GEO, pra saber se a meta traçada está sendo alcançada, e esse aumento da produção não é surpresa, é até agradável porque nós previmos o aumento. Nós previmos, por exemplo, aumento da produção em 20%, e o Projeto GEO tem uma meta de três anos, ele começou em 2005 e vai até 2007. Esse ano agora é a fase de encerramento do projeto; não quer dizer que ele vai sair, mas a parceirização sai e os produtores continuam. O alcance que vai até o final de 2007 de 20%, ele já supera em 13% a meta traçada. Ou seja, hoje o crescimento registrado é de 26%.
P/1 – Vocês conseguem juntar nesse projeto a porcentagem dos produtores? Quantos produtores se juntam a vocês nesse GEO?
R – Essa é uma boa pergunta porque o universo de produtores de Maués gira em torno de três mil aproximadamente, não especificamente de guaraná. E o projeto GEO teve que fazer uma seleção até pra servir de um processo embrionário que pudesse ser avaliado. Nós temos nessas seis comunidades assistidas um total de 240 produtores. São 40 produtores em cada comunidade assistida. Ela tem muito mais de 40, mas nós selecionamos 40 em cada comunidade, dá um total de 240; mais os beneficiadores que ficam aqui na parte urbana da cidade e os artesãos que mexem com guaraná.
P/1 – Como é a relação com os produtores? Há resistência, é uma coisa que acontece rápido?
R – A cultura do produtor está muito arraigada no processo campo-casa, campo-casa. Ele não se distancia ou quando muito vem na cidade vender o produto dele e comprar necessidades que ele não produz na sua propriedade, tipo roupa, algum tipo de alimento que ele não produz ele compra com o resultado da venda do produto. Então foi muito difícil começar essa agregação, a gente fazia reunião. Primeiro que a comunidade é muito carente, não tem um local pra você reunir – não são todas, mas a maioria deles você não tem um local sequer pra reunir – você ia pro meio de um terreno, ia ali, reunia com eles, vendia uma idéia, nada de levar computador, nada de levar nada disso porque não tinha como fazer demonstração. A outra parte do projeto exigia, como está exigindo, um repasse de capacitação que superava a capacidade do produtor em termos de expectativa.
P/1 – Como assim?
R – Por exemplo, produção mais limpa. É um treinamento que a Fucap repassa em nome da parceria e que envolve, exige o envolvimento do produtor dentro de um espaço onde ele está recebendo a orientação que vai he tomar tempo e muitas vezes ele fica desatento ao treinamento porque ele está com a cabeça lá na produção. Ele está pensando: “Tenho que colher, tenho que comprar isso, pra isso tenho que colher sob pena de não ter o dinheiro amanhã, tenho que pagar alguma coisa...”, então a cabeça estava fora do juízo dele enquanto ele participava de um treinamento. E até nós conseguirmos agregar esse grupo, chegar junto e ele ter aquela participação efetiva e começar a praticar, isso demorou. Demorou, mas nós conseguimos. Hoje, quando o Sebrae anuncia: “Nosso colega Wilson está na comunidade com uma certificadora”, quando nós anunciamos: “Está indo um grupo pra treinamento tal”, chegamos lá e a comunidade já está a postos esperando o Sebrae chegar.
P/1 – A gente tinha alguns depoimentos de alguns produtores falando, por exemplo: “Não adianta muito ter o trator porque eu não sei utilizar o trator”, outros achando que os instrutores não conseguem entender a capacitação. Vocês conseguem perceber alguma coisa nesse sentido ou não?
R – Nós percebemos, tanto que logo no início essa capacitação tinha muita teoria e pouca prática. Nós tivemos a oportunidade de constatar o óbvio: que era alguma pessoa não saber ler e não saber escrever. Isso é dramático, você colocar uma pessoa em sala de aula que não sabe ler nem escrever é uma coisa dramática tanto pra quem está passando a informação como pra quem está recebendo. E aí nós revertemos essa capacitação: menos teoria e muito mais prática, e isso deu um bom resultado. A teoria não pode deixar de existir, mas não mais escrita, ela é verbalizada pra que a pessoa internalize, e eles conseguem internalizar.
P/1 – Senhor Ivaldo, o senhor toma guaraná?
R – Não habitualmente. Eu tomo assim como o Sílvio chegou, me ofereceu, tomei, mas em casa, regularmente, não.
P/1 – Isso é comum em Manaus?
R – É, não tenho o hábito. Eu diria com certa afirmativa de que Manaus, o habitante de Manaus, não tem no guaraná um hábito de consumo efetivo. Até porque, talvez tenha sido esse o motivo, eu tomei de forma errada e me senti prejudicado, meio trêmulo um pouco e achei que o organismo não tinha recebido muito bem o guaraná. Mas não, foi exagero meu.
P/1 – O senhor pode contar essa experiência? Porque nós estamos perguntando pras pessoas se tomar guaraná pode fazer mal.
R – A verdade é a seguinte: eu comprei o produto e não tinha uma receita e fui tomar a minha base. Curiosamente eu coloquei uma colher de sopa de guaraná em meio copo com água. O recomendado é uma colher de café num copo com água. Eu tirei uma colher de sopa e meio copo com água e o corpo ficou trêmulo, eu fiquei sem dormir, perdi o sono completamente, me deu uma ânsia de vômito muito forte e achei que o organismo não tinha aceito o produto. Contando pros amigos aqui que são habituais tomadores de guaraná, eles me questionaram sobre a quantidade e eu disse: “Uma colher de sopa e meio copo com água”, eles disseram: “Você exagerou porque é uma de chá em um copo completo com água”. Eu achei que ficou muito ralo e exagerei. Por isso, talvez, eu não tenha o hábito de tomar o guaraná, porque eu me assustei a primeira vez que eu tomei.
P/1 – Senhor Ivaldo, a gente está conversando com o pessoal e dizendo que a estamos coletando causos. O pessoal aqui conta muitos causos, a gente quer saber se o senhor sabe alguma história que o senhor acha que valeria a pena. Se relacionada ao guaraná melhor, se não uma que o senhor ache que seria interessante contar.
R – Eu queria contar, eu não sei bem se é um causo ou se é um sinistro, o que foi, e eu tive experiência direta nisso, foi em 1996. A primeira-dama do município de Maués promoveu aqui um seminário de valorização da mulher de Maués, e ela chamou várias personalidades de todos os segmentos que você imaginar: jurídico, direito, saúde, o Sebrae foi convidado pra dar alguma coisa na parte de empreendedorismo e eu vim como representante. Muito bem, esse seminário durou uma semana, ele começou numa segunda-feira e terminou no domingo, meio-dia. Meio-dia nós descemos a convite do prefeito, entramos num barco, o barco Amadeus, esse era o nome do barco, entramos, nós éramos 17 participantes como oradores desse seminário. Estava no meio o Desembargador Ari Moutinho, a esposa dele que é da defensoria pública e tinha outras personalidades, eu estou lembrando do Ari e da Lurdinha pela convivência. O prefeito, Sidney aliás, tinha metade da família do prefeito: a mãe do prefeito, a esposa do prefeito, gestante, já em fase terminal de ter a criança, a tia do prefeito, o cunhado do prefeito, enfim, toda a família do prefeito estava a bordo. Nós éramos 17 pessoas fora a tripulação do barco. Fomos até o outro lado da cidade, atravessamos o rio pra uma inauguração que ocorria na Vera Cruz, aqui do outro lado e, no retorno, tipo cinco e meia da tarde, no meio do rio, arrebentou um temporal de uma tal forma que ninguém viu o tempo formar, mas formou um tempo de uma tal forma que esse barco virou. Aliás, ele emborcou, ele não virou, ele emborcou.
P/1 – O que é emborcar?
R – Ele foi pro fundo, literalmente ele foi pro fundo. Como começou a chover a pessoa abaixou a sanefra – uma lona lateral do barco que evita a água da chuva penetrar – ele baixou a sanefra dos dois lados antes do barco sofrer o acidente. Quem estava dentro não conseguia sair porque esbarrava na sanefra, só tinha duas saídas: ou a proa ou a popa, mas você no fundo do rio adivinhar onde está a proa e a popa! Eu estou falando aqui parece que nós passamos horas no fundo do rio, eu acho que ninguém consegue ficar um minuto, eu creio, mas em um minuto tudo de bom que aconteceu é que ninguém entrou em pânico. Essa Lurdinha, a esposa do Ari Moutinho, ela, por ter uma experiência de natação e eu já tinha também, ela foi a salvadora do bloco porque ela mergulhava e puxava o indivíduo que estava lá preso na sanefra, que ninguém podia sair. Ela mergulhava e puxava. O Ari foi um dos últimos até que ela puxou porque não sabia, o barco estava lá no fundo, mas ela ia lá, com muita habilidade ela conseguia ver onde estava a pessoa e puxava pra cima. O que sustentava em cima da água era aquilo que ia brotando do barco, estrado... E eu lembro que eu fiquei agarrado num balde que levava combustível, gasolina provavelmente, chama garote, eu fiquei sustentado naquele garote descendo o rio. Quando nós chegamos na terra – eu estou contando aqui de forma bem rápida – chegamos na terra já era algo em torno de nove e meia, 10 horas.
P/1 – Quanto tempo vocês demoraram?
R – No rio mesmo umas duas horas, duas horas ou mais, de bubuia segurando alguma coisa, descendo o rio. Até que o barco da Ematé foi lá prestar socorro porque a distância do acidente, bem no meio do rio, de noite, ninguém percebia. Alguém passando por lá avisou que tinha um naufrágio e foi o barco da Ematé daqui pra nos apanhar. Não morreu ninguém, ninguém ficou maltratado. A mãe do Sidney, ela é uma senhora de mais, eu creio, mais de 75 anos, muito mais, ela foi uma das primeiras a ser recolhida da água. Não sofreu nada, não houve pânico. Por isso que eu estou contando, não sei se foi um causo ou um negócio precipitado porque naquele momento você tem que jogar roupa fora. Num naufrágio tu não pode ficar de sapato, de meia, de calça, de camisa. Tem que ir jogando pra poder ficar mais leve e você sobreviver, então foi isso que aconteceu tanto com as mulheres quanto com os homens, nós ficamos quase pelados aguardando o socorro, mas ninguém percebia isso não, o causo maior era o acidente e a gente sobreviver. Imagina, eu uso óculos desde a idade de 18 anos, perdi o óculos no acidente, aí eu fiquei sem olho porque eu estou tirando aqui um minuto, dois minutos pra gente gravar, mas lá eu passei quase que uma semana até recuperar o óculos, sem nenhuma atividade produtiva porque eu não estava enxergando direito. Foi o único prejuízo que eu sofri, eu não considero até, foi material, e uma câmera que eu levava pra fotografar também foi embora. Esse é o causo que eu tenho pra contar de Maués assim que teve maior impacto porque eu participei diretamente dele e eu não quero uma experiência dessa pra ninguém, principalmente pra mim.
P/1 – Senhor Ivaldo, por fim eu gostaria de saber o que o senhor achou de contar um pouco da história da sua vida?
R – Eu achei extremamente oportuno, eu não só conseguir vender um pouco da minha vida relembrando lá da minha juventude, como eu pude externar algum sentimento que eu tenho pela cidade de Maués e também pelo trabalho que a gente desenvolve aqui que é com muito orgulho que eu faço isso em prol dessa cidade. Em função talvez desse meu envolvimento profissional eu tenha recebido esse título de cidadão benemérito que muito me orgulha. É essa a verdade dos fatos de eu ter tido essa oportunidade de nos encontrar num bate-papo e sem querer eu imaginei que eu poderia estar vendendo aqui, enaltecendo aquilo que a gente desenvolve com muita boa vontade aqui no município de Maués.
P/1 – Senhor Ivaldo, a gente agradece muito a sua entrevista. Muito obrigado.
R – Eu é que agradeço a oportunidade.
Recolher