Depoimento de Rubem de Lima Ferraz
Entrevistado por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Mattos
P - Bom senhor Rubem eu gostaria de iniciar com o senhor falando o seu nome completo, onde nasceu e a data de nascimento do senhor.
R - Meu nome é Rubem de Lima Ferraz, nasci em Jaguariúna, em 1918.
P - O nome dos pais do senhor?
R - Arlindo e Emília, Ferraz ambos.
P - E onde eles nasceram?
R - Bom, meu pai eu não sei onde ele nasceu e minha mãe nasceu em Jaú, estado de São Paulo.
P - Qual era a atividade profissional do pai do senhor?
R - Meu pai era fazendeiro de café, nos tempos passados de café. E a fazenda onde nasci, lá em Jaguariúna, era de café. E a fazenda foi atingida por uma geada muito forte que secou todos os cafeeiros, né. Os cafeeiros levam cinco anos pra voltar a dar, ele tinha dívidas lá que seriam pagas facilmente se nada tivesse havido e com isso ele ficou muito aborrecido, e já... ele tinha idade... e morreu. Então, eu com cinco anos perdi meu pai e comecei a vida.
P - Senhor Rubem, o senhor se lembra dessa época da fazenda?
R - Não me lembro. Eu sei mais por ouvir contar e por visitas posteriores. Então eu não sei até onde eu me lembro ou até onde eu fixei coisas vendo, ou sendo contadas pelos meus irmãos.
P - Certo. Eu queria que o senhor contasse um pouco dessas lembranças, do que é que o senhor lembra?
R - Acho que muito pouco. Lembro de que o cavalo chamava Cravo, o cavalo que eu passeava; me lembro de ter aprendido a nadar no tanque que lavava o café na fazenda. As coisas que um molecão gosta, né. O carrinho que transportava café pra máquina de beneficiar. O trem que passava nos fundos e, talvez que a vida era muito boa com os docinhos... com essas coisas todas, né. Mas nada assim de maior, porque cinco anos a fixação é bem pequena quando você não continua no lugar.
P - Certo. E...
Continuar leituraDepoimento de Rubem de Lima Ferraz
Entrevistado por Valéria Barbosa e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres Mattos
P - Bom senhor Rubem eu gostaria de iniciar com o senhor falando o seu nome completo, onde nasceu e a data de nascimento do senhor.
R - Meu nome é Rubem de Lima Ferraz, nasci em Jaguariúna, em 1918.
P - O nome dos pais do senhor?
R - Arlindo e Emília, Ferraz ambos.
P - E onde eles nasceram?
R - Bom, meu pai eu não sei onde ele nasceu e minha mãe nasceu em Jaú, estado de São Paulo.
P - Qual era a atividade profissional do pai do senhor?
R - Meu pai era fazendeiro de café, nos tempos passados de café. E a fazenda onde nasci, lá em Jaguariúna, era de café. E a fazenda foi atingida por uma geada muito forte que secou todos os cafeeiros, né. Os cafeeiros levam cinco anos pra voltar a dar, ele tinha dívidas lá que seriam pagas facilmente se nada tivesse havido e com isso ele ficou muito aborrecido, e já... ele tinha idade... e morreu. Então, eu com cinco anos perdi meu pai e comecei a vida.
P - Senhor Rubem, o senhor se lembra dessa época da fazenda?
R - Não me lembro. Eu sei mais por ouvir contar e por visitas posteriores. Então eu não sei até onde eu me lembro ou até onde eu fixei coisas vendo, ou sendo contadas pelos meus irmãos.
P - Certo. Eu queria que o senhor contasse um pouco dessas lembranças, do que é que o senhor lembra?
R - Acho que muito pouco. Lembro de que o cavalo chamava Cravo, o cavalo que eu passeava; me lembro de ter aprendido a nadar no tanque que lavava o café na fazenda. As coisas que um molecão gosta, né. O carrinho que transportava café pra máquina de beneficiar. O trem que passava nos fundos e, talvez que a vida era muito boa com os docinhos... com essas coisas todas, né. Mas nada assim de maior, porque cinco anos a fixação é bem pequena quando você não continua no lugar.
P - Certo. E os irmãos?
R - Os irmãos estudavam em escola, não lá, fora. Porque eu tenho diferença, eu fui o único filho do segundo casamento, que já com a diferença de 12 anos para o meu irmão mais novo. Então eu era praticamente sozinho naquele local. Casa grande, 14 quartos de dormir... aquelas fazendas antigas que tinha lugar para os escravos, aquela coisa toda. Até hoje pode ser vista, ela é muito bonita se chama Fazenda Castelo. É dentro de Jaguariúna, hoje.
P - A casa que o senhor estava dizendo, como é que era?
R - Era uma casa senhorial antiga, essas casas de fazenda muito grande, né, 14 quartos de dormir, senzala embaixo com aqueles grilhões onde prendiam os escravos, não é?, e árvores. Basta dizer que o pomar era todo cercado de tijolos, muro, murado, tinha um alqueire, olha um alqueire são 24.200 metros quadrados, o pomar. Então meu serviço, de menino, tinha um carrinho puxado por bode, era pegar as frutas e levar pro chiqueiro de porco.
P - Tinha criação de porcos...
R - É sim, da fazenda, né.
P - E o senhor ficou até os cinco anos. Depois?
R - Até os cinco anos. De lá eu fui para Piracicaba. Tinha parentes lá em Piracicaba, então eu fui para Piracicaba e fiquei até entrar...como é que se chama... Grupo Escolar, antigamente, né. E eu tinha um cunhado que fez muito por mim, quase como se fosse um pai, ele não tinha filhos. Ele era comandante da Marinha Italiana, naquele tempo barco à vela. Então ele acabou me levando pra Itália. Eu fiquei nove meses, 20 meses, desculpa, 20 meses lá. Voltei falando italiano bem, parecia um moleque mesmo italiano. Depois continuei, assim, o grupo, mais tarde o Colégio Piracicabano. Era de metodistas, uma coisa assim... então no colégio fiz o secundário, aliás muito bom, eles eram ótimos, exigentes, né. E com isso a cidade do interior me proporcionou muito esporte, mas muito esporte. Piracicaba tem o rio também, né. Então tinha, além do bola ao cesto, olha, naquele tempo, a gente jogava vôlei no colégio, vôlei era segredo aqui no Brasil, naquele tempo, né. Eu estou falando 32, 33. Que eu saí do colégio em 35, quando eu vim pra São Paulo. É... remo, mas tudo sem orientação, tudo sem orientação, tanto assim que eu remava, como se fosse aluno da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, para a turma de lá, porque eu era um molecão. Com isso eu acabei desenvolvendo demais, aqui os omoplatas. Então nunca pude usar termo, quer dizer, comprar que desse certo o paletó e a calça. Nunca podia mandar fazer porque não tinha dinheiro. Então o que é que era: camisa esporte e pulôver. Daquele tempo até hoje viu.... eu não gosto de paletó.
P - Senhor Rubem, além dessa questão do esporte, na época da escola, o senhor tem mais alguma lembrança da escola mesmo como é que era?
R - Da escola... muito boa. Porque eu disse que (tosse) eles eram muito exigentes. Basta dizer que do quarto ano em diante pra você fazer uma prova, você não tinha mais fiscalização. Eles perguntavam: "Vocês querem o bedel?", e a gente tinha vergonha de querer um bedel porque ia colar, sabe. Olha, nós começamos sei lá... 40, formatura: oito, oito no quinto ano. Porque naquele tempo era quinto ano. Quer dizer, eles não precisavam de dinheiro, que hoje em dia não soltam alunos assim, né. Então a lembrança que eu tenho era esta e bola ao cesto já jogado com o técnico. Bola ao cesto sim, mas o restante era tudo improvisado.
P - E aí o senhor veio pra...
R - Aí eu vim pra São Paulo a procura de trabalho. Para estudar e a procura de trabalho. Então eu fiz o pré-Politécnico, aqui em São Paulo, no São Bento. Mas eu tinha um trabalho que permitia pagar o colégio, né, e estudar. Entrei, prestei o exame, como é que chama?, vestibular, é o nome dele, né. Entrei pra Escola Politécnica. Mas não consegui trabalho que eu pudesse me sustentar, e muito menos trabalho que fosse condizente com o horário integral, em alguns dias na Politécnica. Não era ou de manhã, ou período de manhã, ou período à tarde, à noite não tinha nada. Isso me fez desistir de fazer o curso. Foi aí que eu procurei um outro tipo de trabalho e, entrei na companhia telefônica, seção de interurbano, engenharia. Viajando pelo interior para conseguir, junto aos fazendeiros, o que se chamava "direito de passagem" que eles concedessem à telefônica o direito de cortar uma árvore ou parte de uma árvore e tal, para fazer a posteação passando pelas terras deles, sempre nas margens das estradas. Mas, vez por outra precisava sacrificar alguma coisa. Aí eu fiquei algum tempo lá, um bom tempo.
P - E quanto tempo o senhor ficou?
R - Agora que são elas... Você está... (risos) e olha que estou removendo lá trás.(risos) Digamos que tenha sido 30 até 39 mais ou menos, três anos e pouco, porque aí apareceu uma oportunidade muito boa na geografia e estatística, como é que é o nome?
P - IBGE.
R - IBGE. Uma pessoa lá de Piracicaba mesmo, que eu conhecia, professor Sud Menucci, tem nome de escola..., ele me convidou pra ir pra lá. Então eu fui trabalhar lá, a remuneração era muito melhor, tinha automóvel - já imaginou? - e me deu os funcionários que eu precisava pra fazer o levantamento cadastral dos imóveis em Santo Amaro, para a prefeitura e para o IBGE. Fiquei lá até 42 mais ou menos, 41, 42. Então fiquei com medo de me acostumar, de ser bom funcionário. Eu sempre tive vontade de trabalhar por conta própria, mas não tinha dinheiro. Então eu disse: "Agora eu vou com ou sem dinheiro." Com ou sem, quer dizer, sem dinheiro.(riso) Arrendei terras no litoral santista, canal da Bertioga, mata virgem. Eu estou falando no tempo da guerra, atraído pela possibilidade de fornecer carvão, coisa que era rara naquele tempo, que era combustível, né, pra fazer carvão. Eu precisava de tijolos pra fazer os fornos, comecei a fazer tijolos no descoberto e depois fiz mesmo o forno apropriado porque houve muita procura por tijolo. Então passei a comerciar o tijolo lá naquela região: Guarujá-Bertioga, Guarujá-Bertioga, enchia aqueles chatões grandes de tijolos e fazia as entregas. E onde eu ia derrubando o mato pra carvão e pra lenha dos fornos, plantava cana de açúcar, um pouco de banana, mas pouco, mais é cana. E tinha a cana, o que é que eu ia fazer? Comprei um alambique e ia fazer pinga. Mas a maleita, eu tive seis, me tirou de lá. Não só eu como os empregados, levantava, injeção, naquele tempo o remédio era (Paludã?), (Paludã?) nos empregados, né. Tinha 18 empregados lá. Fiz um portinho, aquelas coisas que se faz pra quem está começando a vida, e eu não posso me queixar. Economicamente eu fui bem lá, mas tive que largar tudo. As terras eram arrendadas, não pude fazer nada. Morava numa casinha de sapé... de barro, mas não me matou não, estou aqui.
P - Como é que o senhor comercializava estes produtos: a aguardente, os tijolos. Como é que era feito? Para quem o senhor vendia?
R - Acontece que Bertioga até hoje é uma vila. Não é nenhum lugar (tosse) desenvolvido. Também me conheciam, eu era o único fabricante lá. Então eles sabiam, queriam tijolos, olha é feito no Caruara, se chamava Caruara, aquele lugar lá. É no Caruara e, eu era... no Caruara. De resto, o carvão era fácil, porque aqui em cima, como é que chama?, Ribeirão Pires, essa região toda... nossa, eles procuravam demais. E sempre tinha um português no meio vendendo, né. Então o português vinha buscar, levava e comercializava. E aguardente sempre houve comprador, né, até na porta. É sem maiores... mas não era nenhuma... São Caetano, não era nenhuma dessas, uma coisa pequena de um empreendedor... que começou como eu comecei, sem capital, mas me saí bem. Agora, tive que abandonar por causa das maleitas. Porque um irmão meu médico disse: "Não, você vai sair daqui, senão você cai numa valeta e não sai mais e o recomendado é você mudar, mudar de local. É melhor que remédio." Daí eu arrendei umas terras, uma fazendinha lá em Bocaina, pertinho de Jaú, café e gado, e fiquei lá. E me casei nessa época.
P - Fale um pouquinho do casamento do senhor, como é que o senhor conheceu a esposa do senhor?
R - Na praia, quer coisa melhor? (riso) Na praia...na praia da Bertioga. Ela ia com os pais (tosse) em férias ou passar fim de semana, essas coisas, porque ela é uma menina do Jardim América e eu daquele matão lá, né. Então tudo isso tem a parte da aventura, do romance, de tudo isso. Ela é dez anos mais nova que eu, né, bobo eu nunca fui... (riso) é um brotinho, né. E tudo deu certo, né. Depois nos casamos e ela foi comigo pra fazenda. Mas ao ter o primeiro filho, quando foi pra nascer o primeiro filho ela não quis ficar lá. Ela quis vir pra cá. Então vim aí pra Pró Matre e tal, mas nós tivemos um desenlaço muito doloroso, né. A criança morreu ao nascer. Aí não voltei mais, já não queria ir mais para o interior. Procura daqui, procura de lá, porque (tosse) eu não tinha padrinho, eu não tinha conhecidos, numa cidade... já era uma cidade grande São Paulo, né. Então, por essa e por aquela, acabei indo trabalhar nessa indústria de carroceria de autos e ônibus. Se chamava Grassi, uma das pioneiras, umas das pioneiras aqui no estado de São Paulo. E lá trabalhei um bom tempo, uns quatro anos, quatro anos e meio ou mais, não me lembro bem.
P - Onde que se localizava?
R - Aqui na Conselheiro Neves, era meio arrabalde, Barra Funda, naquele tempo, né. Mas estive aí, e estava aí tratando de... eu era representante de um irmão que tinha ações e mais um amigo dele, que se desentenderam com a diretoria geral. E eu fiquei representando ou reportando, melhor dizendo, a eles, o que se passava, né. Até que o diretor geral, Bruno Grassi, comprou as ações desse meu irmão e desse outro amigo que era Teodorico de Almeida Bessa. Então ficou sem jeito minha posição, ele veio falar comigo: "Agora ficou muito sem jeito, né?" E foi minha sorte, porque eu saindo de lá numa boa tudo mais, dei uma espiada e aconteceu de ter um posto que ninguém quis, o sujeito construiu e ninguém quis. Estava lá pras traças. É o Posto Campo Belo, no bairro de Campo Belo, um bairro bom, no sentido dos habitantes, é de uma classe média alta, mas sem infra-estrutura nenhuma, sem iluminação, sem esgoto e sem asfalto. E lá eu comecei, no campo do derivado do petróleo.
P - Conta pra gente como é que foi esse começo aí?
R - Bom, todo começo é dureza, né? E o meio e fim. (risos) Mas então como... o Posto era um posto quase sem movimento nenhum, tanto que eu brincava e apelidei aquela rua lá: "Rua do lá vem um." Quando vinha um carro: "Ah, um carro!" era acontecimento, né. Então comecei pensar como eu poderia fixar os poucos moradores do bairro, como eu poderia atraí-los. Me ocorreu que o nome é uma coisa muito importante, o nome da pessoa. Então passei a fazer ficha de cada cliente. Enquanto ele estava parado lá abastecendo, alguém estava perguntando: o nome, profissão, telefone, isso e aquilo. Depois eu fui aperfeiçoando a ficha, tinha a quilometragem do carro, porque eu queria, era importante pra mim, vender o óleo lubrificante, né. E naquele tempo se trocava a cada 1.500 quilômetros, de forma que eu ia tentando saber a quilometragem média dele, mensal, porque no fundo todos nós, a não ser em casos excepcionais, você anda mais ou menos um determinado número de quilômetros por mês. Você vai ao seu trabalho, volta pra casa, o lazer, mas enfim... dá uma média bastante, bastante regular. Então passei a telefonar, avisar que devia estar próxima a troca. Eles achavam isso uma atenção muito grande. Era uma atenção, mas era uma vontade danada de vender, não é isso? (riso) E assim, a gente foi fazendo com relação a... ficar conhecendo a freguesia, né. É... o problema, talvez um pouco maior, num posto, até hoje, é o serviço de lavagem e lubrificação de carros, dado a mão-de-obra que nós temos. A mão-de-obra nossa, em qualquer canto, não é boa, e lá era simplesmente ruim. Então a gente tinha que instruir os empregados de como fazer o serviço, porque não havia o que existe hoje: escolinhas pra ele poder aprender os detalhes, e é um serviço de responsabilidade. Você veja, levantar um carro, eu me lembro de um elevador que eu tinha, grande, com dois pistões, e o rapaz foi levantar um ônibus e não teve o devido cuidado, o ônibus quando estava lá em cima a dois metros de altura balançou e caiu. Não fosse o responsável pela companhia, que era Bola Branca, ser de um coração maior do que a bola branca dele, eu teria que pagar tudo aquilo lá. E ele foi na companhia de seguro, eu trabalhava há um bom tempo pra eles e: "Não, não, não. Eu quero que seja dado como acidente na estrada. Senão eu tiro o seguro de vocês." A companhia murchou, e me desvencilhou do pagamento. Pra você ver que tipo de mão-de-obra a gente tinha, né?
P - Quantos funcionários o senhor tinha nessa época?
R - Lá tinha entre 18 e 22, no fim, no princípio não, né, foi aumentando. Mas eu me considero vitorioso nesse campo, porque eu trabalhei muito junto às empresas. Porque o posto tem isso, num dia depois da chuva está cheio de carros pra lavar, sábado, então, ou um acontecimento, um casamento, sei lá o que é que é... depois, segunda-feira não tem ninguém. Como tinha nas vizinhanças, né, a Varig, Cruzeiro do Sul, naquele tempo tinha a Real, a (Camel?), Lacta, Bombril, eu visitei todas essas companhias e sempre pedi assessoramento pra Shell, pra me mandar um engenheiro não sei o que, especializado em lubrificação, dizer que só graxa boa mesmo era a da Shell - (a gente sabe que é?) igual as outras, (riso) mas enfim... até ficar aquilo como determinação da empresa, né, que fosse lubrificado com tal produto. E consegui uma forma, quer dizer, a quilometragem média dos carros, tendo a quilometragem média a gente marcou cada tantos quilômetros que a gente tem para 1.500, para ser feito o serviço. E a coisa foi, as fichas eram tão boas, sabe, que eu consegui, avisar a companhia! Ligamos: "Olha, amanhã o frota 22 precisa vir, já está atingindo." E assim por diante. E isso me ajudou demais, porque eu tinha uma programação do trabalho lotado durante toda semana. Com isso eu pude estimular os empregados. Eu não sei se eu já falei pra vocês como eu pagava ou não?
P - Não, mas eu gostaria de ouvir.
R - É porque às vezes a gente não sabe o que já falou antes, né. Então eu tinha cinco box. Box é onde lava o carro, né, quatro normais e um grande pra caminhão. Mas não importava o tamanho nem a coisa, o que importava era o faturamento dele. Então eu pagava o salário base exigido, que é o salário mais insalubridade e sei lá o que, e por fora dava um prêmio, um abono de 5% sobre o faturamento. Faturamento quer dizer, custo da lavagem, mais... aquele tempo trocava muito o pino de lubrificação, os pinos ... e ele testava todo o sistema elétrico do carro pra ver se faltava lâmpada, se tinha uma queimada. Então quando vinha um encarregado, digamos, da Varig, a gente dizia: "Olha a lâmpada de tal, assim, não está... está queimada." Então: "Como é que a gente faz?" "Tem aqui, você leva e põe lá, né. Você tem mecânico, tem tudo." Com isso aumentava o faturamento. Agora, isso era durante esses prêmios, os 5% eram pagos semanalmente. Quando chegava no fim do mês, o box que houvesse faturado mais, ganhava em vez de cinco, a complementação: 10%. Isso mexia com todo mundo no sentido de ganho, né. Porque às vezes o sujeito nem mais considerava o salário, considerava esse extra, né. E, posteriormente, eu passei a pagar esses 10% acompanhado de uma coisa: um prêmio pra ele, mas nunca um prêmio em dinheiro. Um prêmio em coisas, vamos pensar assim: um jogo de copo pra refresco. Que ele tinha que levar pra casa, porque o que ele ia fazer com um copo de refresco? E lá ia contar que ele foi destacado, ganhou aquilo no trabalho. E ainda depois, eu consegui, através de amigos, vendedores de outras companhias que eles não sabiam quem era o sujeito, ou amigos meus, entregar esse prêmio fotografando. Então ele levava uma fotografia pra moleca dele, pra beleza dele lá, ele recebendo. E se desse dinheiro ele era capaz de tomar cachaça, né. Então isso aí, eu tenho a impressão que foi bom... bem bom no sentido do estímulo, né. Então eu consegui alguma coisa nesse setor, bastante difícil, de posto de gasolina.
P - Senhor Rubem...
R - Fala...
P - Conforme o senhor disse há um tempo atrás e um pouco dentro deste contexto dos funcionários... houve um momento em que, conforme o senhor estava dizendo, houve um momento em que eles não tinham treinamento nenhum, que deixaram até o caminhão da Bola, o ônibus da Bola Branca cair e tal... Houve algum momento em que eles começaram a ter um treinamento?
R - Não, houve desde o princípio! A princípio era pouquinho: "Olha, você faça isto, não esqueça tal coisa. Deixa... não esquece aquilo lá. Olha, vocês sempre se esquecem daquele espelhinho que tem dentro do carro," sabe, aquele que você olha pra arrumar o cabelo?, muito bem, ele sempre esquece daquilo lá. E o proprietário do carro na hora que senta passa a mão ali: "Ah, vocês não lavaram o carro, tá cheio de areia." Não é isso? São umas bobaginhas assim, que precisa estar atento, né. Porque você pode fazer mil coisas, mas se você deixar uma areiazinha ali, a primeira hora que você vai mexer com o espelhinho pra ver esse cabelo, aí pronto, né. E assim por diante, todos esses... vamos chamar isto de macetes. E outras providências, os pinos que não passavam graxa: "Não ficam aí chuchando, troca o pino e pronto." Então debita, põe um pino novo, não é isso? Então você ganha mais, e eu vendo. E outra, os paralamas, e outra por onde começar e por onde terminar. Porque não adianta nada você passar detergente de baixo pra cima, certo? Isso você sabe na sua casa, mas lá é a mesma coisa, senão depois escorre. É como o frentista, ele tem que começar a limpar os vidros olhando o carro de dentro pra fora, do lado direito. Ele limpa o vidro do lado direito, ele limpa os laterais e aí vem terminar na sua frente porque aí você dá a gorjetinha pra ele, não é isso? É o último que ele limpa. Ensinar o frentista que nunca se enche o tanque num número redondo. Vamos pensar em real agora, você vai chegar: "Encha o tanque." Se ele puser lá 50 reais, o que é que acontece? Se dá os 50 reais pra ele, chegou, né. Agora, se ele fizer 52 e 20 ele vai ganhar 80, não vai? (riso) Não vai ganhar 80? Quer dizer, a gente tem que ensinar esse beabá pra eles. Que aí eles: "Puxa, esse posto é bom de trabalhar, porque a gente ganha bem!", né?
P - E como o senhor aprendeu? Porque na verdade foi uma atividade nova?
R - Nova. Eu não aprendi nada, eu precisava. Então você vai observando e um grande mestre pra mim foi o Sindicato dos Revendedores de Derivados de Petróleo, do qual eu participei muitos anos. Porque nós fazíamos visitas a bairros e dizendo - inclusive nesse minimercado, minishopping... minimercado, não é? - das vantagens disso, que se devia vender também gasolina, que fazia assim. E um observava, oh, meu empregado fazia assim, o outro assado. Então você vai captando daqui e de lá e forçado pela circunstância de ser um local que não era de passagem grande, você tentava fixar o indivíduo lá. Achar que era importante, porque lá chamava ele de dr. João, né? E nisso a senhora dele, de dona Amélia, né, e assim por diante. Oh, que gente e tal... E assim vai aprendendo essas manhas todas. Lendo também, porque eu realmente não conhecia nada nesse campo. Depois foram aparecendo as facilidades, por exemplo, tinha uma empresa, era a Havoline, eu me lembro, a Havoline tinha aquelas corridas em Indianápolis que eles davam um óleo lá, para... Ah, no sábado passava corrida de Indianápolis numa tela grande lá. E eu não tinha nem a máquina, mas a Shell cedia e tal, né. E depois para o filho do sujeito, passava aquele filme do Walt Disney, do gato e... disso, daquilo. Não rendia praticamente nada em venda, mas o local ficava marcado, né, ficava marcado o local. Depois eles passavam, o pai passava, o tio passava, alguém passava lá, né. E assim foi ficando conhecido e procurado, especialmente, isso aí, né. (Fim da fita 020 / 01-A) Eu fui aumentando as coisas. Época de Natal, procurava, vendia panetone, aquele monte de panetone, até as firmas, eu telefonava: "Olha, você vai lá, você pode comprar, ao invés de você ficar procurando aqui na firma, você vai lá, compra, tal e põe na conta." Chisp, chisp, o lápis corria, né? Era panetone, era caixa de bombom da Lacta, sei lá o que é que era. Eu sei é que saía. Cigarro, então, nem te conto. Isso ajudou, não era decisivo mas ajudou, e qualquer coisa a mais sempre soma, né? O duro quando você tem menos, né? Essas coisas me ajudaram bastante. Cheguei, depois aumentei, procurei floricultura que tinha no bairro boa, já naquele tempo, não é? Então tratava: "Olha, Dia dos Namorados você tem aquele tal canto bem visível, não é? Você põe lá, os seus vasos, as suas... sei lá!, bouquet e tudo mais, e a gente ganha uma porcentagem sobre a venda." Pequenininha, porque você não pode botar, pra fazer um bouquet um Zé lá, né? precisa botar... (risos) E eles mandavam empregados, tudo. Então foi também flores e o que houvesse. Ah! cheguei a botar quadros uma vez, dentro de uma saleta lá.
P - Quadros?
R - É quadros, quadros.
P - De pinturas?
R - É, tela.
P - E as pessoas, os clientes viam?
R - É, chegavam lá, iam lá e iam ver. Estavam esperando o carro e iam ver, podiam gostar ou não, né. Mas o sujeito tinha possibilidade de fazer isso. Então eu cedia o local, não habitualmente, mas fiz algumas vezes. Tudo isso tentando ter um amanhã melhor, não é isso? Agora, depois de 13, 14 anos eu cansei, eu cansei. Porque eu era só.... e aquilo praticamente era night and day porque era muito bonito folks, mas pra trabalhar é muito duro! Então deixei.
P - Senhor Rubem, como foi a reação dos freqüentadores do posto quando o senhor vendeu... começou a vender flores, quando o senhor começou a vender...?
R - Você já viu mulherio, né? O mulherio gostava, o mulherio gostava! E a gente ia conversar com eles, porque ali era um bairro, no fim você conhece todo mundo. Porque não tinha quase gente de fora que viesse, sei lá!, da Mooca, do Tatuapé ou da cidade. Um ou outro, mais carros comerciais, mas os automóveis mesmo eram praticamente ali do bairro. Então tinha mãe que trouxe a criança pra ver o coelhinho, né?, e assim por diante.
P - Como era a história do coelhinho?
R - Eu arrumei uma gaiola vermelha grande e botei um coelhinho branco, não é? Uma menina, uma alemãzinha ali pra fazer a venda...(riso)
P - O senhor usou um
expressão interessante falando da alemãzinha, como é que era mesmo?
R - A prova de fidelidade.
P - Ah, é?
R - Porque ela não tinha (riso) não tinha seio, nem bunda, era uma tabuinha. Então naquele tempo ninguém pensava em botar uma mulher vendendo num posto, né? Mais tarde, quando eu consegui flor podia ir a moça da... mas aí já eram... eles já tinham se habituado com essas coisas que não eram muito inovações, já tinham sido de outros produtos lançados, né? Porque até hoje ainda existe uma restrição, é o que sei, muito menor. Mas se você puser como frentista uma moça muito bonita, até hoje ainda existe um pouco desse preconceito, sabe. Ah, você vai lá porque você vai ver a Mariquinha, vai ver não sei o que, isso aquilo, aquilo outro. Até hoje ainda existe um pouco e eu não peguei essa fase de atual, né. Mas sempre a gente batalhou, através do sindicato, para que pudesse moças trabalhar, por que não? Que menores - não se conseguiu nunca -, que menor pudesse fazer aquele serviço de água e limpeza de pára-brisa. A legislação não permite, como não permitia cobrir, como não permitia você vender panetone. Eu vendia, né. Até eles descobrirem. Hoje se vende, hoje têm firmas especializadas dentro dos postos vendendo tudo: doce, chocolate, leite, tudo mais, não é isso? Hoje tem. Antigamente, meu Deus do céu, era um crime de lesa pátria.
P - O senhor chegou a ter um tipo de problema...
R - Não.
P - Com a legislação, por vender...
R - Não, não, não. Porque não era assim um ponto muito central. E a preguiça, sabe como é que é, né? A preguiça e umas lavagens de graça, (riso) também funcionava. Não era nenhuma Câmara de Deputado, mas também funcionava. Alguma coisa a mais eu posso falar pra você?
P - Bom, eu gostaria de... pelo o que eu ouvi do senhor, essas inovações foram conquistas também através do sindicato.
R - Não foram através do sindicato. Elas foram feitas, aprovadas e transmitidas.
P - Isso que eu gostaria de entender...
R - Porque eu pertencia ao sindicato, no princípio como conselheiro, depois como vice-presidente, não sei quantos anos que eu fiquei, mas foram muitos anos, né. E o sindicato preocupado em crescer, porque as reuniões nossas eram 15, 20 só. No fim de anos, nós tivemos um jantar, eu me lembro, no Pinheiros, de 1.200 talheres. Como cresceu isso! E antigamente não se dava desconto na gasolina, assim propriamente dito, como hoje. Mas havia muito, assim: se você abastecer aqui, você ganha pontos, tantos pontos você ganha uma lavagem e lubrificação grátis, ou uma troca de óleo, ou, ou qualquer coisa assim. Então a gente tentava esclarecer que esse tipo de coisa só leva à ruína. E se não for ruína total, há um ganho bastante menor, porque custa. Então a gente levava, pacientemente, nos bairros uma lousa, onde se explicava para os operadores, os proprietários de postos daquela região, quanto custava essa brincadeira. Então se mostrava que posto, digamos, tem um aluguel de dez, dez e qualquer coisa. Se você dividir em dois a parte que é utilizada pra gasolina, a lavagem e lubrificação custam cinco de aluguel, não é? Agora, limpeza, isso, aquilo, você ia botando, quanto que ele estava gastando pra vender uma gasolina que dava muito pouco. Muito pouco, porque era muito... eu não sei as porcentagens, mas era muito mais apertada que hoje. Hoje, eles fazem, eu acho que erradamente, mas dão desconto, dão 35 dias... tem posto dando 10% de desconto. Então, se amanhã o governo chegar a cortar isso, eles não podem reclamar, porque..."Vocês estão ganhando demais." E a gente tinha uma preocupação muito grande, trabalhávamos muito junto ao Conselho Nacional de Petróleo, que fixava os preços. Então, nos unimos com a turma do Rio e esse trabalho foi muito proveitoso, porque nós tínhamos aquilo que se chama delegado, né. Um delegado em Santos, um delegado no Brás, um delegado na, outro bairro qualquer, Pinheiros, né. Então, a gente telefonava: "Ô fulano, você marca um jantar aí, dia tal, que nós vamos, a diretoria vai aí." Então ele ia lá no restaurante do bairro, né, e encomendava um jantar, cada um pagava o seu, e a gente tinha a oportunidade de transmitir essas inovações, essas coisas, né. E ver as dificuldades do local, tentando... O sindicato foi muito operoso, parece que continua assim, que seja, sabe. Porque conseguiu muita coisa. Vocês vejam uma coisa, o tanque de gasolina, essa é uma tese minha, mas é muito polêmica. O tanque subterrâneo é da companhia, digamos, da Shell ou da Esso, para armazenamento. As bombas são das distribuidoras também, né. A aferição da bomba, também das distribuidoras, o transporte do combustível também é. Então o proprietário do posto, no campo do derivado do petróleo, não tem nada, é tudo deles. Eu, minha santa de devoção é santa abobrinha: santa abobrinha porque é que não lacra o tanque, põe o combustível que eles entenderem lá dentro e paga pela saída, no relógio, como é feito na Eletropaulo. Isso não é feito, a meu ver, porque tem uma evaporação muito grande que você perde. Ninguém pode medir com acerto o que eles entregam, porque a medição até hoje - agüenta aí - é feita com a régua de madeira. Como é que você mede 22 mil litros e meio de gasolina com uma régua de madeira? Você não mede. As entregas são feitas na hora que há disponibilidade da condução. Hoje, quase todos os caminhões que entregam são de medida standard, o controle bem controlado pelas distribuidoras, mas antigamente havia muito caminhão particular que entregava cinco mil litros, oito mil litros, seis mil litros, tal etc. E já viu como é que faziam, né? Eles pegavam, um pouquinho inclinado que o caminhão fica, não fica 20, 50 litros lá dentro? Despeja mas, né? Fica inclinado. Você andava meia dúzia de quarteirões e estava lá o sujeito tirando aquela gasolina, aquele excesso, e assim por diante. Era uma beleza. Houve caminhões que eles pegavam tambor, digamos de 100 litros, posto dentro do tambor grande. Então quando abastecia o caminhão pra trazer no seu posto, aí a bomba deles iam marcando quando sai, né, mas enchia o tamborzinho que estava lá dentro e quando descarregava, descarregava tudo. Mas o que estava dentro do tambor não descarregava, não é isso? Como é que você ia medir isso aí? De jeito nenhum. Por isso que ninguém quis nunca pagar pela saída, porque havia uma porção de coisas, né. Mas...
P - E como que é essa relação entre proprietários do posto de gasolina e as distribuidoras?
R - É muito boa.
P - É boa?
R - Muito boa. Eu estou falando boa, quando o indivíduo também, o proprietário trabalha certo, né? Porque uma Shell, uma Texaco, uma Esso e tal, não faz coisinhas assim, que não sejam certas. Eles são muito grandes pra, pra... (tosse) eles fazem grandes coisas, sabe? Isso eles fazem. Por exemplo, você investe um dinheiro firme num posto melhor, faz e acontece, azuleja, pinta, e a companhia pega e faz um outro em frente. E aí? Divide o teu lucro pelo meio. Por isso que eu estou falando, pequenas coisas eles não fazem, mas grandes eles fazem, né. E aí você fica falando sozinho, né. Isso é muito comum, não há zoneamento, não há zoneamento porque eles têm uma força muito grande junto aos poderes públicos. Em estradas eles fazem isso, em estradas! Não é brincadeira, não é?
P - Senhor Rubem...
R - Fala moça.
P - Pode falar? No caso do, da forma de pagamento...
R - A forma de pagamento, pelo menos no meu tempo, era cash. Absolutamente cash, descarregou, pagou. Agora, eu não estou certo como eles fazem. Mas agora as companhias passaram a dar um prazo. Então é o que está acontecendo, esta concorrência boba, desleal, de prazo, né. Abasteça e dê um cheque pré-datado pra tantos dias, não é isso? Mas não tinha, né. Era cash, absolutamente cash.
P - Inclusive entre o proprietário e clientes?
R - Clientes, proprietários e clientes. Agora, com o cliente, quando você podia financiar, você financiava se fosse o caso. Eu não podia, mas eu encontrei um sistema que deu certo. Então, vamos dizer, varia. É... Laboratório (Carboervas?), que era lá perto, e outras companhias, eu ia lá e dizia pra eles: "Olha, eu pago cash. Pra vocês mandarem um cheque ou um... cada vez com um funcionário, vocês têm frota de "n" carros, é muito difícil. Confiança no sujeito que vai e... é tudo. Você nem sabe a importância que vai dar. Então, vamos fazer o seguinte: o consumo mensal de vocês é na ordem x. Então você me dá a metade disso e eu presto contas a cada 15 dias, está certo?" E eles me davam. Então eu podia atender a parte burocrática deles e de segurança, que era o funcionário que vinha sem dinheiro, e, ao mesmo tempo, eu tinha dinheiro pra comprar. Porque eu não tinha dinheiro pra financiar. Foi o expediente que eu encontrei e deu certo.
P - Isso, no caso então, com as empresas, né?
R - As empresas. Agora, o particular não. O particular tinha que pagar. Não tinha esse negócio pra depois, essas coisas todas, porque pra você o depois, o que você financiasse, eu já tive diversas experiências. Eu financiava, ele enquanto não tivesse dinheiro pra pagar o anterior ele não voltava, ele comprava em outro posto. Então, além de você ficar sem dinheiro, você perdia o fornecimento enquanto ele não tinha para fazer o dobro.
P - No caso desse trabalho da venda do combustível, o que é que o senhor mais gostava de fazer?
R - Ah, o gerenciamento do comércio. As coisas que apareciam novas, que você inventava uma coisa, o expediente. Então seguia aquilo, você seguia como segue com um filho, né. O desenvolvimento, os erros que se fez. Porque eu estou contando o que eu acertei, o que eu errei eu não falei nada.(risos) Ou você acha que ao longo do meu trabalho eu não errei? Coisas impraticáveis, uma série de coisas assim.
P - Que o senhor não quer contar...
R - Não, não adianta, porque... uma experiência que não deu certo, você segurou, viu que você estava errada, que não deu certo. Mas o fato, você perguntou o que eu mais gostava, era de seguir exatamente o que estava sendo.... inovado, né. Fazer compras de determinadas coisas, de determinadas novidades. Puxa, isso aqui vai ser bom de vender e tal, tal etc. E ficava encalhado lá. No fim, quantas vezes eu tive que trocar nos fornecedores de auto peças, porque aquilo lá estava ficando velho demais. Você não vendia. Você pensava que fosse haver consumo, né. E assim por diante.
P - Senhor Rubem, o senhor foi, o senhor teve uma participação muito forte no sindicato, não é?
R - Acho que sim, eu e, evidentemente, Moacir Machado Castanha: que foi um presidente notável durante muitos anos, eu fui vice junto a ele, né. Agora, com o Toninho (Escavone?) era ótimo, né? (Bertoldo?) também, nós trabalhamos bastante, né.
P - Conta pra gente como é que foi a trajetória no sindicato, eu digo também a ... o senhor havia nos dito dos jantares de 1.200 talheres...
R - Nós começamos, eram, digamos, 15 trabalhando. Mas os 15 trocavam as mesmas palavras, reagiam mais ou menos uniformemente, né. Cada um no seu setor, porque cada posto tem uma forma de atuar. Um posto de passagem grande não atua como... não iria fazer... tomar nota do nome do sujeito. Não dá, é aquela passagem rápida. Mas, enfim, no geral como trabalhar, tudo bem. Então nós começamos timidamente no início a convidar pessoas que tinham uma representação em bairros ou em cidades. Santos, Campinas e tal, quem era o bom naquele lugar. Procurava o sujeito e: Escuta aqui, vamos fazer uma delegacia aqui, você vai ser o delegado, você vai coordenar os movimentos aqui da cidade. Segurar essa turma que vive dando de graça, dando brinde, dando não sei o que, né. E mostrava eles os inconvenientes e enfim... trabalho de sindicato. Ah, mas... Nós iremos, é só o senhor telefonar que nós iremos lá na sua cidade. Então, nós viemos fazer a pregação, vamos falar, assim, entre aspas, do beabá, para que se tivesse alguma coisa. Então começamos a fazer, uma vez, o tal dia do revendedor, jantares e pedimos encarecidamente a eles que trouxessem as senhoras, imagine né? A madame do Chico, do Zé lá, puta merda!, era gozadíssimo, né. Depois nós até fizemos umas experiências engraçadas. Fazíamos com que nossas mulheres fossem com jóias, pra mostrar mesmo, e muito bem vestida. Então, vinha a coitada da Zefa lá não sei da onde e dava com as mulheres bem vestidas. Então a gente soprava... "Olha lá. Você está vendo o que é que adianta dar coisas de graça? Olha, a mulher do fulano que não dá nada de graça está assim e você está feito lavadeira." Um jeitinho de ... política sindical inicial, evidentemente que hoje não precisa nada disso, passou e tal. Mas princípio é princípio, né. Então foi no princípio 30, depois 40 e assim foi aumentando e as distribuidoras passaram também a aceitar os nossos convites. Porque também não é fácil você conseguir ver o presidente da Shell, não é isso? Enfim.... o presidente da Esso, da Texaco. Tem que prestigiar, como que não?, tudo mais. Depois é aquela papagaiada que você sabe, o discurso, tem que agüentar o discurso, agüentar mais isso, mais aquilo. Assim que foi feito.
P - Senhor Rubem, até quando senhor ficou com o posto de gasolina?
R - Fiquei até... olha, eu acho que eu pus ali. Eu não sei se foi cinqüenta e quatro... cinqüenta e três... 54. Agora, o que houve comigo realmente foi, como é que eu poderia dizer, cansaço. Porque sozinho, eu não tinha ninguém com quem repartir uma folga, ou isso ou aquilo. E eu queria uma hora poder ir com meus filhos pra represa, né, com minha mulher pra cá... ela saía de férias e eu sempre não. Eu não estou me queixando, mas é que eu não soube temperar a coisa. Acreditei na minha saúde, nisso, aquilo tudo, chegou um ponto que eu quis parar com aquilo. Quis parar, era demais. Você não tem domingo, você não tem sábado, você não tem nada. Duas horas da manhã telefonam pra sua casa: "Oh, o guarda tá bêbado! Uma delícia, né? E assim por diante, isso é o de menos, né. Por isso que depois eu passei a fechar às 11 horas, tudo mais, isso, aquilo, né. Mas a responsabilidade de todos aqueles carros lá. Porque, seguro de posto só foi feito muito depois. As companhias seguradoras não queriam segurar os carros que ficavam no pátio. Então você corria o risco. Quantos não tiveram... nossa!... um desastre verdadeiro perdendo por ladrão três, quatro carros. Chegava lá armado, tirava as chaves e levava os carros, né. E eu não tive isso, mas tem outras coisas que eu tive. Enfim, aquilo me esgotou.
P - Atualmente o senhor está aposentado?
R - Sim.
P - Como que é o dia-a-dia do senhor, o cotidiano?
R - Meu dia-a-dia é gostoso. Não porque estou aposentado, mas porque agora eu sei entremear as coisas. Eu gosto muito do lazer e referente a água. Meus filhos começaram a velejar na barriga da mãe, quando estava indo na represa, né. Então foram lá que começaram e até hoje velejam. Em regatas, isso, aquilo. E até tem parte, eu falei pra você em uma empresa, fabricante de veleiros, isso e tal e isso e aquilo. E eu gosto, depois passei a gostar... já gostava, mas mais agora, de pesca. Então, em companhia de dois deles ou três, dependendo de quem fica pra cuidar da loja, a pesca de peixe de oceano. Porque eu não tinha esses barcos assim, esses barcos enormes, sabe, essas lanchas com cabinas, com isso, com aquilo, né. E eu tenho um filho que tem agora, então... barco deles, porque o meu era motor de popa e olha lá, né. Então comecei a pesca de peixes de oceano que é agora no verão. Que é um... realmente é um esporte que me encanta, nós pescamos naquilo que nós chamamos de água azul que vem agora. É uma corrente de água azul que vem de Fernando de Noronha, Vitória, Rio, Ilha Bela, Sul da África, Norte da África e Fernando de Noronha. A água é azul, mas não é esse azul do seu jeans não, é azul de anil, sabe, de anil. É bem transparente. Então é lá que estão estes peixes grandes. E é lá que a gente vai pescar. E a corrente também é mais quente que a normal, né. Então é engraçado porque no meio do mar, você vai indo com a água esverdeada, de repente se encontra esta nítida separação, né. Como se tivesse um muro. Aquela é uma corrente larga, né. Lá que a gente vai pescar, é longe da costa, não avista a terra, nada. E gosto de pantanal demais. Tenho bons companheiros que tem rancho, lá tem tudo. Mas nós, quando vamos, trazemos uns tantos peixes, não muito. O resto a gente solta tudo. E só dentro de uma certa medida porque peixe tem medida pra você poder trazer. Tem razão a medida, tem razão de ser. Foi estudado pelo Ibama (tosse) que, digamos, um dourado, enquanto ele não atingir 81 centímetros, é quase certo que ele ainda não procriou, mas quando atinge aquela medida é quase certo que ele já procriou. Então você vai tendo a conservação da espécie. Pra que é que você vai pegar um pequenino? E assim por diante. E outra, nós vamos com gente convidado, mas não pode levar revólver. Porque chega lá ele fica com vontade de dar tiro. (riso) Pode dar tiro aonde ele quiser, mas menos lá. Porque vai matar um bicho de lá pra que, pra que dar um tiro no jacaré? Então, quem não gostar disto não vai conosco, tá bom? É o nosso sistema, nós vamos e ... e de resto as outras porque para a praia eu vou sempre. Essa casa em Bertioga tenho há 50 anos. Então, eu acabo indo mais nessa do que na de Guaicá que é muito mais bonita e mais ainda é a de Ilha Bela, do meu filho menor. Quando eu vou pescar eu vou lá pra Ilha Bela com eles. Quando nós saímos pra pescar no Rio de Janeiro, pra não sei aonde, eu acabo dormindo na lancha. Não quero saber de hotel nem nada, gosto muito daquele barulhinho do mar o que faz chuá, chuá no casco. Esse é o lazer, digamos, principal. Agora, por exemplo, hoje, que é que eu vou fazer? Vou para o apartamento? Eu desço, vou pra praia. Caseiros que estão comigo há muitos anos, este de Bertioga está há 20 anos e pesca comigo no mar lá, mas costeiro esse aí. E assim a gente vai rodando.
P - Nosso tempo está chegando no final, mas eu queria fazer uma pergunta pra concluir. Tem alguma coisa que o senhor gostaria de realizar, alguma coisa que ainda não fez e gostaria de fazer?
R - Eu acho que estou bem comigo mesmo. Eu me dou bem comigo mesmo. Aceito como eu sou e toda manhã eu falo obrigado para o paizão, né. Falo obrigado mas de coração, sabe. Então não tenho assim e nunca tive na vida um rancor ou... porque não tenho isto, porque não tenho aquilo. O que eu não tenho meus filhos têm e eu fico feliz porque passaram e comem farinha na minha cabeça longe. E a gente fica contente com tudo isso.
P - O senhor acha importante deixar esse registro aqui da história da vida do senhor? A história do comércio de São Paulo?
R - Eu não saberia dar importância a isso aí. Eu acho até cansativo o que eu falei. Para um terceiro, ah, eu acho. Tenho o direto de achar, né.(risos) Quem não seguiu. Eu acho que filho meu nunca leu uma coisa assim, também, porque eles acompanharam minha vida. Eu mesmo agora estou surpreso porque acabei lembrando uma porção de coisas, numa seqüência. Porque a gente esquece da seqüência. E outras coisas que a gente fez bem feito, mal feito e tudo isso. Nada de brilhante, nada de super, supra, mas estou contente comigo mesmo, tá?
P - Muito obrigada.
R - Não por isso.
Recolher