Projeto Memórias do Comércio 2020-2021 – Módulo Ribeirão Preto
Entrevista de Sérgio Augusto
Entrevistado por Luis Paulo e Wiliam Carneiro
Bauru, 24 de janeiro de 2021
Entrevista MCHV_039
Transcrita por Selma Paiva
P1 – Bom, ‘seu’ Sérgio, queria agradecer ao senhor em nome do Sesc Ribeirão Preto e do Sesc São Paulo e do Museu da Pessoa, por participar do projeto Memórias do Comércio. Esse projeto é muito antigo, já, do Sesc, existe desde 1994, já houve três edições em São Paulo, uma em Santos, uma em Campinas, São Carlos, Araraquara, agora Bauru, Rio Preto e Ribeirão Preto. O projeto dá origem a um grande material que fica no portal do Museu da Pessoa, que é o maior museu de história de vida do mundo e também fica lá no Sesc todo esse material e sempre, todas as edições, dão origem a um livro muito legal que o Sesc faz. Esse ano, por causa da pandemia, o livro vai atrasar um pouco, talvez fique pro final do ano ou pro ano que vem, por causa da pandemia, que não dá pra fazer lançamento com um monte de gente junta. Eu vou fazer uma entrada aqui e a gente já começa a conversar.
Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020 e 2021
Entrevista História de Vida HV 039
Sérgio Augusto de Barros Rodrigues – Sasá Modas
Transcrita por Selma Paiva
Bom, ‘seu’ Sérgio, pra começar eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, pra ficar gravado aqui pela voz do senhor, data de nascimento e o local.
R1 – Olha, eu nasci em Ribeirão Preto, meu nome é Sérgio Augusto de Barros Rodrigues, em quatro de fevereiro de 1955 que eu nasci.
P1 – Legal. Muito bom! E qual o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – O nome do meu pai é José Augusto Rodrigues e da minha mãe Geni Barros Rodrigues.
P1 – Legal. E você teve contato com seus avós paternos e maternos?
R1 – Paternos, não. Eu tive um contato muito forte com meu avô materno e com a minha vó, mas era uma vó falsa, mas que sempre foi minha vó, porque desde que eu nasci meu avô já era viúvo e casou com ela, então foi minha vó Albina que era minha vó, que eu gostava muito e respeitava muito e tinha muito carinho por ela.
P1 – Sim. E você sabe a origem deles? Eles já estavam em Ribeirão Preto ou chegaram em Ribeirão Preto?
R1 – Então, meu pai era português, veio de Portugal, nasceu em 1913, veio para o Brasil em 1927 e trabalhou no ramo como representante comercial, vendendo tecidos e tinha loja de tecido também, aí ele aposentou, parou e eu nunca imaginei na vida que eu iria trabalhar com loja, com comércio, não era... mas isso aconteceu. A minha mãe teve um infarto e foi acho que em Águas de São Pedro e comprou umas blusas pra minha mulher e minha mulher trabalhava na secretaria de uma escola, do Sebastião Fernandes Palma e ela usava as blusas pra ir trabalhar e chegou lá na escola, as professoras queriam comprar as blusas dela: “Salete, vende pra mim, eu quero, eu quero”. Aí ela falou comigo, eu falei: “Vende. Nós vamos lá em Águas de São Pedro e buscamos mais” e nós estávamos numa situação muito difícil, porque antes eu trabalhava na Antártica, eu fui mandado embora, não consegui outro emprego e aí ela começou a vender roupa na escola, pras amigas. Aí, em 1984 surgiu, onde era um bar, em frente à casa da minha mãe, na Rua Garibaldi com a Lafaiete. Minha mãe estava falando no telefone, a casa era alta e ela viu o dono do prédio. Nós já estávamos, minha mulher já estava vendendo roupa em casa e ela começou a vender em casa foi em 1982. Aí, em 1984, minha mãe falou: “Não, ‘seu’ ______ (04:54), o Sérgio vai alugar o prédio do senhor aí e vai montar uma lojinha”. E em 1984, dia 9 de setembro de 1984, nós inauguramos a loja lá na Lafaiete, esquina com a Garibaldi.
P1 – Que é onde é até hoje?
R1 – Não. Hoje não é mais.
P1 – Ah, não é na Lafaiete?
R1 – Hoje é na frente, onde era a casa dos meus pais, entendeu? Aí eu fiquei no meio do quarteirão 25 anos, que eu alugava um salão da Igreja São José e aí eu voltei pra esquina.
P1 – Sérgio, mas antes disso, você sabe como seu pai conheceu sua mãe?
R1 – Olha, meu pai era representante comercial e ele vinha vender em Ribeirão Preto e ele morava em São Paulo e ele ficava no hotel lá, no Palace Hotel. E no footing ali, ele conheceu minha mãe. E eles já não eram jovens. Minha mãe já tinha uns 32, 33 anos e ele uns 34 e eles se conheceram lá.
P1 – E você tem irmãos?
R1 – Tenho mais um irmão. Eram dois, um já faleceu. Eram gêmeos. E nasceram em 1948. Eu vim depois de sete anos.
P1 – E quando você nasceu, vocês moravam nessa casa que você contou aí?
R1 – Não. Nós morávamos na Rua General Osório, onde foi o Pão de Açúcar muitos anos. Ali era a casa do meu avô. Eu morei lá até os seis anos de idade. Depois, em 1961, que nós mudamos pra Garibaldi com a Lafaiete. Até então nós morávamos na General, em frente à Praça XV, bem em frente. Meu avô era dentista, tinha um gabinete lá.
P1 – O seu avô, pai da sua mãe, era dentista?
R1 – O pai da minha mãe.
P1 – E seu pai, por ser português, nascido em Portugal, vocês tiveram, quando você era criança, depois, alguma tradição portuguesa, assim: comida portuguesa, música...
R1 – Sim, muito. Música, muito. O meu pai adorava os fados. Nós tínhamos um sítio em Batatais, a gente ia pro sítio, ele ia cantando no carro, ouvia muito... tinha uma guitarra portuguesa, que eu não sei onde foi parar.
P1 – Muito bom! E o que você lembra da infância? Acho que Ribeirão Preto devia ser uma cidade muito diferente de hoje. Ali na região que vocês moravam, como era o ambiente?
R1 – Era um ambiente totalmente familiar, não tinha quase comércio nenhum, eram muito poucos, tudo era... e eu tive uma infância maravilhosa, fui criado na rua. A gente ia, sabe, no bosque e era tudo a pé, não tinha... a gente jogava futebol na rua, ali. Passava um carro a cada quinze, vinte minutos.
P1 – Você lembra das brincadeiras de criança, que eram diferentes das de hoje, né? Hoje não existe mais. Ninguém nem joga futebol na rua. Mas existiam outros tipos de brincadeiras que vocês faziam?
R1 – Sim, eu lembro muito. A gente tinha aquele negócio de mãe da rua, pular, jogar pião. Eu tenho um amigo que eu gosto muito até hoje, o Bolão, que tem uma loja de ferramentas na João Ramalho, era eu e ele, nós éramos a Dupla Dinâmica de meninos ali, na rua. Tinha uma meninada danada e uma rivalidade da turma da General Osório e a gente tinha uma certa rivalidade com a turminha da General Osório, que era... mas era coisa tudo muito saudável, não tinha... tudo muito respeito e nós vivemos na rua, fomos criados na rua, toda meninada ali, entendeu?
P1 – E como era Ribeirão? Vocês iam passear lá na Praça XV?
R1 – Íamos. Eu tenho um amor muito grande pelo Centro de Ribeirão, pela Praça XV, que a gente ia lá paquerar, dava volta na fonte luminosa, tudo acontecia no Centro. Aí, na minha juventude, que aí foi mais no Centro, onde eram os bares, o Lanchorama, o (Snob? 10:18), Maracanã. Tinha o grande Pereira, que fez o primeiro hamburguer de Ribeirão, que chamava Roots. Eu não esqueço jamais dele. Foi o primeiro hamburguer que surgiu em Ribeirão Preto, era na Barão do Amazonas, antes de chegar no prédio onde é lá o museu hoje, que era Câmara Municipal. Ali tinha o Roots, o Maracanã. Minha juventude... eu fico tão triste, que desde que começou esse negócio da pandemia, eu não fui mais no Centro, porque eu tenho que me cuidar, então eu saio muito pouco, raríssimas vezes eu saio de casa. Vou na loja um pouquinho, volto, mas normalmente eu estou mais em casa. Agora, eu tenho uma saudade muito grande do Centro e eu sempre fui meio nostálgico, assim, sabe? Eu gosto muito de História, entendeu? Eu tenho uma formação nessa área, não terminada, (risos) mas eu gosto muito do Centro e não posso ir lá mais, nunca mais fui ao Mercadão, que é um lugar que eu gosto muito também e eu fico triste com isso, mas fazer o quê? Não tem outra alternativa. Agora eu não posso pegar essa doença, porque está na hora de eu tomar vacina, minha vez vai ser no comecinho agora, vai chegar minha vez de eu virar jacaré.
P1 – (risos) Está certo. E cinema, tinha bastante cinema em Ribeirão?
R1 – Tinha, muitos cinemas e eu adorava os cinemas. O Cine Suez, que era um cinema mais barato, que o dinheirinho era curto, eu ia quase que diariamente. Que era ao lado do Lacerda, onde é o Bradesco hoje, na Duque de Caxias. Tinha o Bristol, o Centenário, o São Jorge, que já é mais... o Pedro II, que eu lembro da minha infância, que eu ia lá trocar gibis aos domingos, tinha a molecada toda trocando gibi, na porta.
P1 – E você, Sérgio, pegou a época do trem, né? Ainda tinha a estação ali onde é a rodoviária?
R1 – Tinha. Então, meu pai tinha um sítio em Jurucê e eu, algumas vezes, trazia... eu tinha uma égua... de trem pra Ribeirão Preto. Subia a General Osório montado nela.
P1 – Que louco! Mas já era tudo asfaltado ali, né? Ou não?
R1 – Já, tudo asfaltado. Já tudo comércio.
P1 – E você passava lá de cavalo, de égua?
R1 – De cavalo. Isso em 1967, 1968. Eu trazia de trem a égua, de Jurucê pra Ribeirão. E eu vinha junto com ela, na área de carga lá, pra não pagar a passagem.
P1 – Fala, Wiliam.
P2 – Era isso: como que era colocar a égua? Era na área de carga, então?
R1 – É, na área de carga. Era praticamente um terço do vagão e era baratinho, não era caro. A passagem pra eu ir num vagão de passageiro era mais caro do que um terço do valor eu e ela.
P1 – Está certo. O seu pai era comerciante do quê? Que material ele comercializava?
R1 – Tecido. Meu pai tinha uma loja aqui em Ribeirão que era, assim, famosa na época, que era o Dragão dos Tecidos.
P1 – Ouvi falar.
R1 – Ficava na General com a Saldanha Marinho. Mas ele trabalhava mesmo, ele tinha loja, ele tinha um sócio, mas o trabalho dele, mais, era como representante comercial. Ele foi representante do Matarazzo, na área de tecidos, vendia pras lojas, pros comerciantes de maneira geral, aí. E aí acho que surgiu, aí eu não sei a história, ele comprou essa loja de sociedade com uma outra pessoa, que era até quem mais tocava a loja. Na verdade, assim, ele era mais representante, mesmo. E a loja ele ia quando ele não ia viajar e tal, mas ele tinha essa sociedade lá, que era uma loja grande. Eu lembro que tinha quase vinte vendedores.
P1 – E, nessa época, loja de tecidos era muito valorizada, porque o pessoal comprava e fazia roupa, né?
R1 – É. Existiam pouquíssimas lojas de roupas feitas, né? Todo mundo comprava era tecido, mesmo.
P1 – Está certo.
R1 – Sérgio, e na escola? Onde que você estudou? Como é que foi sua época de escola?
R1 – Eu fiz meu primário inteirinho no Guimarães Júnior. Aí, o ginásio, na nossa época (risos) era ginásio, né, eu fiz dois anos, a primeira e a segunda séries do ginásio, na Associação de Ensino, que era na Américo Brasiliense, onde hoje eu acho que é a Caixa Econômica, que era a Unaerp hoje, que era Aerp. E os outros eu fiz, o terceiro e o quarto, no Otoniel Mota e depois o colegial eu fiz no Metodista. E depois fiz Estudos Sociais até o terceiro ano no Barão de Mauá, aí eu parei, já estava... eu queria, na verdade, dar aula e tal, mas aí eu parei, abri a loja e trabalhei na Antártica sete anos e larguei o curso.
P1 – E, na escola, você gostava mais de que tipo de matéria, disciplina, assim? Humanas?
R1 – Eu sempre fui da área de Humanas, é entranhada em mim, entendeu? Matemática, (risos) por exemplo, Física, eu tenho muita dificuldade, sempre tive. Mas na área de Humanas eu sempre fui bem, sabe?
P1 – E no seu período de escola, você chegou a já trabalhar com seu pai? Ia lá na loja ou não?
R1 – Não. Eu ia, assim, a passeio, raramente, uma vez por semana, mas nunca trabalhei.
P1 – Estudou, né?
R1 – É. Eu nunca tive compromissos na loja. Eu ia, chegava lá, precisava entregar uma mercadoria, alguma coisa, eu ia, mas não que eu tivesse o compromisso de ir, de fazer, entendeu? Nunca tive. A minha mãe era uma pessoa que foi uma mulher além do seu tempo, uma mulher com uma cabeça muito boa. Então, ela queria que os filhos estudassem mesmo, entendeu? E cobrava, ia em cima, ia na escola. Ela era muito positiva.
P1 – Eu entendo, porque antigamente o pessoal já colocava os filhos pra trabalhar, mas já aparecia pessoas que falavam: “Se você estudar até o final, você vai ter uma oportunidade melhor depois”, né?
R1 – Eu gosto muito de ler, sabe? Eu sou um leitor contumaz. Eu já li centenas de livros ao longo da minha vida. Agora não estou lendo mais tanto, porque eu tenho dificuldade pra enxergar, entendeu? Então, eu vou lendo um período, aí começa a embaralhar, eu já não começo a entender, mas eu sempre fui um leitor contumaz, sabe?
P1 – Certo. Então, Sérgio, quando você entrou na faculdade não chamava Unaerp ainda, né?
R1 – Não. Ainda não era faculdade. Eu fiz esse curso no Barão de Mauá. Primeiro eu tive alguns problemas com a ditadura, entendeu?
P1 – Ah, teve?
R1 – Tive alguns problemas sérios, mas tive, então eu tive que parar de estudar, saí de escola e aí eu comecei já no Movimento Estudantil no colégio, no terceiro colegial. Aí depois eu tive uns certos problemas, sofri algumas ameaças, então aí eu fiquei uns dois, três anos, aí que eu fui fazer no Barão de Mauá, Estudos Sociais.
P1 – Nessa época você queria ser professor, então?
R1 – Sim, queria ser professor.
P1 – E aí, como é que foi essa época do Barão de Mauá, da faculdade?
R1 – Foi muito boa. Era uma turma pequena, mas uma turma toda engajada, entendeu? Foi muito boa. Era uma turma maravilhosa, que alguns são amigos até hoje, mesmo eu não terminando o curso e eu sempre estive nos movimentos políticos, sabe? Nunca deixei de participar, não como candidato, mas sempre filiado a partido, sempre militando, na verdade, na política. A vida inteira. Desde 1973, na verdade. Foi quando eu tive um professor no Objetivo, em 1973, que eu fiz cursinho, chamava-se João Medina. Que eu era apolítico, sabe? Meu interesse era mulher, bebida e festa. Aí o João Medina abriu a minha cabeça. E até hoje...
P1 – Entendi. Sérgio, o que vocês reivindicavam, no grupo político?
R1 – Nós reivindicávamos, a princípio, liberdade. Porque nós não tínhamos, nós não podíamos nos juntar na rua numa turminha, fazendo política ou não, a polícia passava e falava: “Circulando, vagabundo”.
P1 – Sério?
R1 – É. (risos) Era esse termo que eles usavam: “Circulando”. Você não podia... eu, por exemplo, não podia participar de nada por questão de idade. Era muito tolhido. E lutava por uma democracia, o principal de tudo era a democracia que a gente queria. Eu, pelo menos. Sempre fui um democrata por excelência, sempre respeitando as diferenças, o contraditório. Agora, na época você não podia, você não tinha direito a democracia. Eles te levavam na delegacia e falavam que você não podia chamar um advogado. Isso principalmente depois do AI-5, em 1968, que aí foi a tortura pra todo mundo. Foi a tortura mental. Eu sempre gostei da liberdade de expressar meus pensamentos, aí eu participava dessas lutas de enfrentamento em passeata, distribuição de panfletagem. Eu tive um problema uma vez fazendo uma panfletagem: me levaram pra delegacia em frente ao Pedro II, que nós estávamos distribuindo panfletos do Dia do Trabalho, pros trabalhadores reivindicarem, procurarem seus direitos e aí me levaram pra delegacia. (risos) Tudo bem, chegaram lá, me soltaram, me deram uma dura, prenderam os papeizinhos, mas não é justo isso, né?
P1 – Sim. E a família, não ficava preocupada?
R1 – Ah, meu pai, meu amigo, na eleição do Lula, em 1989, ficou seis meses sem conversar comigo. (risos)
P1 – Engraçado. Sérgio, e no barzinho, pra ir discutir política podia? Se você estivesse dentro do bar, assim, conversando. Ou não?
R1 – Podia em termos, viu? Você não podia falar muito contra o governo, não, porque a coisa, o buraco era mais embaixo. Você não podia expressar suas opiniões de maneira mais contundente, não. Tinha que falar baixinho, pras outras pessoas não ouvirem, sabe? Era um negócio que foi muito sério.
P1 – Esse período aí que você está falando, logo depois de dezembro de 1968, foi o mais difícil, né?
R1 – É. Aí foi onde eu vivi mais, entendeu? Porque em 1964 eu tinha nove anos. Então, eu fui participar disso sempre no pós 68, já. Que eu já tinha 16. Foi final da década de sessenta, começo da década de setenta. Até 1975, 1977. Em 1978, 1979 já houve uma certa... abrandaram mais, entendeu?
P1 – Entendi.
R1 – No meio do governo do Geisel.
P1 – Já foi mais leve?
R1 – Já, é, aí já houve anistia, que a gente brigava muito por ela. (risos)
P1 – Está certo. Sérgio, quais eram os barzinhos mais legais dessa época aí, pra ir tomar cerveja e conversar sobre política? E conversar sobre tudo.
R1 – Tinha o Lanchorama, que era um bar muito bom, que era na Visconde de Inhaúma. Tinha a Cantina Capri...
P1 – Tudo no Centro?
R1 – No Centro. A Cantina Capri, que era na Prudente de Moraes com a Visconde de Inhaúma. Tinha o Postinho, na Nove de Julho. O Postinho era muito bom. As discussões, lá, eram... e muito no Centro Acadêmico da Medicina, no Rocha Lima, que ficava na Florêncio de Abreu, onde hoje é a Dona Neuza lá, que vende almoço. Foi ali durante muitos anos, o Rocha Lima, ali. E o Rocha Lima, a politicagem era ali, né? Antes teve também na São Sebastião, que era... mas aí já não é mais, muito, do meu tempo, que era da Faculdade de Direito, que era na São Sebastião.
P1 – E o Pinguim não, né? O Pinguim era mais da elite?
R1 – O Pinguim sempre foi, mas também foi, eu sempre gostei muito do Pinguim. Apesar que, pra juventude da época, ele era meio caro, como é até hoje. Então, a gente não ia muito lá, (risos) porque não tinha dinheiro, mas a gente, sempre que podia, ia. Mas os encontros maiores eu acho que não eram no Pinguim, entendeu? Por esse fator. Mas ficar sentado naquele balcão ali do Pinguim, eu passei várias tardes ali, muitas tardes ali, tomando um choppinho. Mas aí a grana era curta, então você tinha que tomar com parcimônia, demorar mais.
P1 – Até hoje, né? Hoje é caro também. Eu fui lá.
R1 – (risos) Até hoje.
P1 – Está certo. Sérgio, quando a gente entrevista o pessoal de Ribeirão, não tem como não falar de futebol: você é do Botafogo ou do Comercial?
R1 – Eu sou botafogueeeeeense fervoroso. Estou triste, meu time está mal, sabe? E o pior de tudo é que entrou esse empresário lá de São Paulo e eu vi uma entrevista dele no começo, eu fiquei encantado com ele, eu falei: “Esse homem vai levar o Botafogo nas alturas, é uma cara bem-intencionado”, mas é nada, um cara que só vê o lado dele. É um empresário, mesmo, sabe? Daqueles que só vêm a nós. E nada... entendeu? E ele está destruindo o Botafogo.
P1 – Até que, nos últimos tempos, ele se manteve na primeira divisão. Então, não está tão ruim.
R1 – É, mas está numa situação delicada, né? Os dois anos que esse cara está no poder, chega no gás, porque é o penúltimo ali. Ele não tem mais uma campanha brilhante, como ele teve há três, quatro anos, mas eu continuo gostando muito do Botafogo e sendo botafoguense eternamente.
P1 – Certo. Você pegou um período muito bom do Botafogo, porque era lá na Vila Tibério, né? Não era lá?
R1 – Muito. Então, eu peguei o final desse período, mas eu peguei um período áureo do Botafogo, que foi em 1976, 1977, 1978, que tinha Sócrates, Zé Mário, tinha um time à altura, que disputava mesmo.
P1 – Você conheceu o Sócrates?
R1 – Sim, muito. Até o fim ________ (30:36) dele, quase de vez em quando eu ia lá tomar uma cerveja com ele, no Cauim.
P1 – No cinema, né?
R1 – É, mas nunca tive assim, sabe, muita amizade, mas o conhecia bem, conversava sempre com ele. Meu irmão estudou com ele no Marista, mas um ano só, ele é muito mais novo que meu irmão.
P1 – Sérgio, você disse que, quando você começou esse negócio, você contou a história lá das blusas de São Pedro, mas aí você já era casado, né?
R1 – Já era casado.
P1 – E como você conheceu sua esposa? Que época foi? Como é que foi?
R1 – A história que eu conheci minha esposa é uma história... meu irmão trabalhava no Matarazzo como vendedor de tecidos, seguindo os passos do meu pai e ele me arrumou um emprego (risos) pra ser auxiliar de contas a pagar no Matarazzo. E eu tinha que ligar nos Bancos todos os dias, pra saber o saldo do Matarazzo. Os Bancos que tinha conta. Aí tinha conta no Banorte, aí eu liguei no Banorte, aí o rapaz falou assim, o gerente, sei lá quem que me atendeu: “Você procura todo dia a Salete”. Aí eu a conheci por telefone, conversando, pedindo saldo e tal e parara e nós já estamos juntos há 45 anos, quase.
P1 - (risos) Sei. Por telefone, aí depois você a conheceu pessoalmente?
R1 – Não. Aí, depois, eu marquei de sair com ela, esqueci, não fui. (risos) Aí, no outro dia, a hora que eu fui ligar, falei: “Nossa, combinei de sair com essa moça, não fui”, tal. Aí pedi desculpas, falei que tive um compromisso urgente e tal, parara e não existia essas comunicações que existem hoje, né, aí foi.
P1 – Aí deu certo?
R1 – Aí deu certo.
P1 – Como foi a época da Antártica? Você foi trabalhar na Antártica, né, depois?
R1 – É, na verdade eu trabalhei na distribuidora Antártica, eu era vendedor. Fui vendedor da Antártica, da distribuidora Ribeirão Preto. Eu trabalhei sete, oito anos lá. E foi uma época muito boa também, gostava muito, tinha grandes amigos lá, entendeu? E era um trabalho que eu falava: “Minha vida é de bar em bar pela cidade, a lua, quando...” (risos)
P1 – E a fábrica da Antártica era ali, na frente da rodoviária? Um pouquinho ali, atrás...
R1 – É. A fábrica da Antártica era onde... ela começava na Duque de Caxias, que é a Luiz da Cunha, quando entra pra Vila Tibério, até quase a Francisco Junqueira. Ali era quase tudo Antártica. Aí, depois, a Antártica comprou a frente, que era um concorrente, que era a Cervejaria Paulista, que fazia cerveja Poker, Niger. A Bud, que era uma cerveja muito boa.
P1 – Existe uma lenda que essa cerveja Antártica feita em Ribeirão era a melhor que existia. É verdade mesmo?
R1 – Eu também acho porque, inclusive até a época que eu trabalhei lá, o cervejeiro era um alemão, um senhor grandão e ele era especialista, aí se juntava com a água do aquífero Guarany, que eles buscam água lá no poço da Antártica, que era muito profundo. Então, uma água de alta qualidade, uma técnica esmerada desse senhor alemão e saiu a melhor cerveja possível, sabe? Era uma grande cerveja, mesmo. Tanto que, em Ribeirão Preto, não existia concorrente pra Antártica. A Antártica tinha 98%, 97% do mercado em Ribeirão Preto. A Brahma vinha de São Joaquim da Barra, que tinha uma distribuidora lá, de perua Kombi, porque não tinha mercado. E era só Antártica, mesmo.
P1 – Interessante! E nessa época da Antártica você já era casado?
R1 – Não. Eu casei nesse período, trabalhando na Antártica.
P1 – E aí, como é que foi a abertura do comércio, então? Vamos falar sobre a Sasá Modas, o seu comércio.
R1 – Então, a abertura do comércio eu tinha saído da Antártica, tinha sido mandado embora e minha esposa já trabalhava. Quando nós casamos, o Banco fez uma falsidade com ela, voltou pra trabalhar, a mandaram embora. Ela nem reassumiu o cargo dela. Que ela veio da Paraíba, ela é do interior da Paraíba. Daí ela prestou concurso na escola lá no Sebastião Palma, pra trabalhar na secretaria e foi chamada e começou a trabalhar lá, mas o salário baixo e eu desempregado, aí eu fui tocar um sítio que o meu pai tinha em Batatais, que eu também não conseguia ganhar dinheiro lá, não conseguia, sabe? Tudo muito difícil, eu não tinha dinheiro pra investir. E aí aconteceu isso que eu falei, da minha mãe dar as blusas pra ela. Desse dia em diante eu nunca mais fiquei duro na minha vida, falar: “Não tem dinheiro”. Nunca mais. Eu vivia duro.
P1 – Sei. Porque vendia bem.
R1 – Vendia. Minha mulher é uma graaaaande vendedora. Aí ela continuou vendendo roupa em casa um ou dois anos, sabe, a gente ia em São Paulo buscar e foi um sucesso. Quando nós inauguramos a loja onde é o barzinho lá, na Lafaiete, eu lembro, minha mãe que viu um homem lá alugando, eu falei: “Mãe, a senhora alugou como? Não tem dinheiro”. Aí ela falou: “Tem um relógio aí na parede” – era um Junghas, um carrilhão alemão – “vende esse relógio e monta sua loja”. Aí fui eu pra São Paulo, ensaquei esse relógio, era grandão, sabe? Aí vendi esse relógio lá e montei a loja. E a loja era um sucesso. A abertura da loja, eu fiz uma meta na época, isso em 1984, de vender cinco milhões por mês, no primeiro dia eu vendi três.
P1 – Nossa!
R1 – Sabe sucesso?
P1 – Sei.
R1 – Foi e até hoje, graças a Deus, a loja vai bem.
P1 – Deu certo. E por que você escolheu o nome Sasá Modas?
R1 – Por causa dela, da Salete. Minha esposa chama Salete e ela trabalhava na escola e todo mundo a chamava de Sasá. Aí, Dona Sasá, eu falei: “Não, vou pôr o nome da loja de Sasá”.
P1 – E aí atraiu muito cliente, quando abriu a loja, né?
R1 – Graças a Deus! Foi muito cliente. E em frente tinha o Colégio São José, que tinha muitos funcionários. Quase em frente, né? Era na esquina. Aí os funcionários do São José todos da escola, de outras escolas. Nós já tínhamos um público direcionado, não era aquele público que passa na rua, porque em 1985 ali também não era um lugar de grande movimento de pessoas andando. Hoje é, mas na época não era. Então, o pessoal ia lá, ainda tinha vaga pra estacionar, entendeu? E foi minha salvação.
P1 – Que legal! E o público, quem era? O pessoal que já estava...
R1 – O nosso público sempre foi... a gente vendia roupa do dia a dia pra mulher que usa pra trabalhar. Eram professores, funcionários públicos. Por exemplo: minha mulher até hoje visita as repartições públicas, ela vai na DRS, na Delegacia de Ensino, leva no Instituto Adolfo Lutz, leva mercadoria lá e vende lá e no dia do pagamento vai lá buscar o dinheiro, entendeu? Isso continua até hoje. E o nosso público é a mulher, a gente vende a roupa que a mulher usa pra trabalhar. E que compra pro marido. A gente tem alguma coisa masculina, um pouco.
P1 – Mais de mulher?
R1 – Mais é mulher. 80% é mulher. E, de alguns anos pra cá, nós entramos na linha de calçados, porque era só roupa. Teve um período que eu também comecei a ter infantil e o nosso infantil ficou muito forte também, que aí a procura... mas aí o tempo foi passando, nós perdemos uma marca que a gente vendia, que parou de vender, uma marca forte de roupa infantil, aí eu fiquei sem essa marca, as vendas de infantil começaram a cair, eu pus calçado feminino. E estamos até hoje vendendo bastante calçados, só femininos também. E cortamos um pouco a criança. Um pouco... quase tudo. Mas então é a roupa feminina, um pouco de masculino, que é aquele masculino que a mulher... porque é muito difícil entrar um homem na loja pra comprar, entendeu? Porque é uma loja de aspecto feminino. Eu não tenho nenhuma vitrine de masculino. Eu tentei pôr, mas ela não dava resultado e a vitrine é o resultado da loja, grande parte. Hoje em dia não mais, mas era a vitrine. Hoje são as redes sociais: Facebook, Instagram.
P1 – Você pegou essa parte? Eu sei que a vitrine era uma coisa que era praticamente um show à parte, né? As pessoas saíam pra... tinha que ser muito bem decorada. Você ainda pegou essa parte aí?
R1 – Peguei. Inclusive tinha concurso de vitrines. A própria ACI fazia. As grandes empresas faziam, sabe e davam prêmio: a vitrine mais bonita de Ribeirão com determinada marca. Aí, agora, hoje a grande vitrine não é mais a vitrine da loja, são as redes sociais.
P1 – É, essas coisas.
R1 – Eu entrei nas redes sociais, consegui, mesmo velho e minha esposa até, graças ao Sebrae. O Sebrae é um órgão muito interessante pra pequena e média empresa, entendeu? Porque foi uma moça do Sebrae lá: “Vocês têm que entrar nas redes sociais” “Não”. E a loja está aberta e funcionando bem graças às redes sociais”. Sabe, a mulher tem um carisma, ela fala, faz umas lives. Fez as lives, daí dois dias, um dia, as lojas lotam, sabe? É fatal. Não tem erro. Nunca teve, pelo menos. Agora nós estamos esses dias com a loja fechada, porque eu estou quase na hora de tomar a vacina. Comecinho de abril vai chegar a minha vez. Eu não posso nadar, nadar e morrer na praia, né?
P1 – Não. Espera mais um pouco, que vai chegar a sua hora.
R1 – É. A gente está esperando muuuuuuuuuuito, mas vale a pena.
P2 – Como era a organização da vitrine, assim? O que tinha que ter na vitrine?
R1 – Olha, a gente tinha manequins. Cada época, por exemplo: Carnaval, coisas de Carnaval. São João. Era muito com as coisas da época, entendeu? E de vez em quando fazia umas loucuras. Uma vez eu pus uma onça. Eu tinha um amigo que tinha uma onça empalhada, pedi pra ele emprestado. Que entrou na moda essas roupas com estampas de animais e eu peguei e falei: “Joaquim, me empresta sua onça lá, que eu vou pôr na vitrine”.
P1 – Certo. Sérgio, quando você começou na loja aí você já explicou que foi uma coisa meio de repente, né, porque você viu que dava pra vender e aí teve que abrir uma loja. Você não ficou com medo? Porque você trabalhou com carteira assinada durante um tempão. E de repente você tem que ficar assumindo um monte de despesas, né, que uma loja tem que pagar um monte de coisa. A loja física, né? Aí você teve que aprender a administrar isso aí. Como é que foi esse período, assim, que você falou: “Não, eu vou abrir”. Como é?
R1 – Olha, eu, sabe, comecei a estudar. Livros, porque na época, né, não existia internet, não existia acho que nem o Sebrae tinha, pelo menos eu não lembro. Eu comecei a estudar livros de autoajuda, como organizar a loja. Foi um processo, sabe assim? Eu fiquei uns dez, quinze dias atrás de livros, sabe? E tudo escrito, sabe? Fazia as relaçõezinhas, o que tinha que fazer, quanto ia custar, sabe? Metas de faturamento; metas de receitas; metas de compras, eu posso comprar até tanto.
P1 – Pôr preço é difícil, não é? O quanto eu vou cobrar por esse...
R1 – É complicado, porque você tem que calcular todos os custos. Aí esse, depois, eu fiz um curso no Sebrae, entendeu? E lá eles têm métodos...
P1 - ... pra fazer isso aí.
R1 – É. E no começo era mais ou menos no olhômetro, entendeu? Eu estudei, mas eu não aplicava. Tem coisas no comércio que eu não consigo aplicar até hoje, que falam que é... mas comigo, graças a Deus, nunca deu problema porque, por exemplo: o meu dinheiro pessoal é junto com o da loja. Até, antes de aposentar, eu não tinha uma conta pessoa física no Banco. Eu usava todas as minhas despesas de casa... e dizem que isso é um erro brutal, mas pra mim sempre deu certo, porque eu não tenho um espírito consumista, entendeu? O dinheiro entra e eu não saio gastando, comprando carro novo, viajando. (risos) Eu não tenho esse espírito de comprar coisas chiques, coisas caras. Então, o dinheiro entra e vai pra pagar e minha despesa é pouca, entendeu? Hoje em dia, até, eu tenho uma situação, né, aposentei, minha esposa é aposentada, eu recebo uns aluguéis, então... mas na época que eu tinha que viver da loja, que eu só tinha a loja de receita, eu sempre fiz isso, eu nunca... mas sempre deu certo. Pra mim, né?
P1 – Entendi. E, Sérgio, a loja começou no começo dos anos oitenta, né?
R1 – É, 1984.
P1 – Você pegou um período de muitas crises econômicas, né?
R1 – Muitas. E atravessei todas.
P1 – Como?
R1 – Em 1986, fevereiro, teve a primeira, que foi o cruzado.
P1 – Hiperinflação estava tendo.
R1 – Hiperinflação. Era difícil, viu? Era muito difícil. Aí, quando entrou a inflação eu fui tocando um período, aí depois eu dolarizei a loja, entendeu? Não era computador, mas eu tinha uma relação dos produtos com o preço em dólar. Essa blusa, quanto custa? Eu ia lá, tal blusa, tatata vezes o dólar, está tanto, porque não tinha outro jeito.
P1 – Sim. Tinha que subir. Subia de semana em semana? Tinha que mudar o preço, né?
R1 – Subia diariamente, né?
P1 – Diariamente?
R1 – Porque o dólar mudava de preço diariamente.
P1 – Sei. Que louco!
R1 – Eu não punha o preço em real. Eu punha em dólar. Então, o preço era diariamente. E nunca o dólar caía, que nem como agora também, só está quase subindo. (risos) Mas de vez em quando cai.
P1 – Sim. Naquela época só subia.
R1 – Só subia. Por isso que teve inflação.
P1 – Depois teve o Collor. O Collor tirou o dinheiro de todo mundo, né?
R1 – Aquilo foi um horror, hein? Pelo amor de Deus! Eu tinha um vizinho, um cara arrogante, sabe? Ele falou: “Meu dinheiro não pegou. Eu pus tudo na conta poupança”. Eu pensei: “Rodou também”. (risos)
P1 – Sim. Foi um período difícil.
R1 – Foi.
P1 – Aí depois teve o Fernando Henrique, deu uma estabilizada.
R1 – É. Em 1994, Fernando Henrique. Mas o pior período mesmo foi o do Sarney, né, que era aquela hiperinflação, não tinha... e era plano não sei o que, plano do Maílson, plano não sei de quem e cada aquilo era uns baques, entendeu? Não existia... por exemplo: eu vendia fiado, com dois meses. Aí era dolarizado no dia da compra, mas no dia do pagamento era fechado. Então, na hora de eu comprar de novo, também comprava fiado, com 45 dias de prazo médio, mas também já era, sabe, uma loucura.
P1 – Difícil.
P2 – Também tinha um período que quase não vinha importações aqui pro Brasil, né? As roupas, assim, na loja, não eram importadas, nem nada. O senhor falou de dólar, como era isso?
R1 – Não, porque era hiperinflação, eu acho que você não viveu esse período. Que as coisas aumentavam 3% ao dia. Então, a gente dolarizava por, realmente, não existir produtos chineses, coreanos, mas o comércio de roupas já era dominado por coreanos, em São Paulo. O comércio de roupa era só coreano, quase. 80% era coreano. Principalmente na linha feminina. E eles traziam, vinham uns coreanos clandestinos, o dono da loja era legalizado e em cima ele escravizava os coitados lá, que foram todos embora, porque apareceu um presidente lá e falou: “Vou gastar 7%, 8% do PIB em educação” e gastou bem e a Coréia virou o que virou hoje, por que gastou no quê? Na educação.
P1 – Sim, está certo.
R1 – E agora estão os bolivianos, no lugar dos coreanos, trabalhando o trabalho escravo lá em São Paulo, fazendo... eu quase não compro mais em São Paulo, por conta disso, entendeu? Pelo motivo do trabalho escravo. Eu não tenho, sabe? Compro muito de Santa Catarina, de empresas brasileiras, compro já mercadoria importada também, de importadoras sérias, mas esses que têm lá no Brás, essas chinesadas que vende tudo... eu comprava umas bolsas lá há uns anos, eu falei pro cara: “Preciso de uma nota fiscal”. Ele falou: “Larga a mercadoria aí”.
P1 – Não tem nota fiscal.
R1 – É.
P1 – Sérgio, sobre isso que você está falando, como é que você compra? Você viaja pra São Paulo, vai pra Santa Catarina?
R1 – Não. Muito pouco eu vou pra São Paulo, sabe? Eu compro mais dos representantes das malharias do sul, de Santa Catarina. Então, 80% das minhas vendas são mercadorias de Santa Catarina, que é Malwee, Marisol, (Sovitec? 54:06), várias empresas. E vem por transportadora. E outra coisa: eu tenho garantia do produto, entendeu? Eu vendo produto pra você, se deu algum defeito, alguma coisa, você chega aqui, eu troco e eles trocam pra mim, entendeu? Lá em São Paulo você compra uma vez e depois nunca mais você acha o chinês lá. (risos)
P1 – Nem está lá, mais. Nem vai estar lá.
R1 – É.
P1 – E você compra essa mercadoria de Santa Catarina direto da fábrica?
R1 – Direto da fábrica.
P1 – É uma vantagem, né?
R1 – É. Além disso, eu tenho prazos bons, condições boas pra pagar. Calçados eu compro do Rio Grande do Sul. E eles me dão, por exemplo, calçados, cento e vinte dias pra eu pagar, de prazo. É muito interessante. E lá em São Paulo, além de eu ter que comprar à vista, eu não tenho garantia, eu não tenho nada, sabe? Comprou, pegou. Se vem com defeito, do jeito que vier... porque as lojas são, sabe? Tem algumas poucas que eu compro ainda, por exemplo: jeans eu compro lá em São Paulo, mas é uma fábrica antiga, que eu conheço os donos pelo nome e eles também me dão garantia. Agora, aqueles chineses, aqueles corredores loucos lá, nem vou. E depois do negócio de covid, eu nunca mais fui em São Paulo. Eu compro esse jeans por telefone. Eles me mandam, eu deposito pra eles, que eu não vou em São Paulo, andar naquele Brás lá, a covid está lá.
P1 – Exatamente. Verdade. Sérgio, e propaganda? Aí em Ribeirão, como é que você faz? Você faz na rádio, no jornal...
R1 – Então, eu fazia na rádio, em alguns jornais locais. Agora, hoje, eu faço só na internet. A internet, hoje, é o melhor pra mim. Ela me traz resultados na hora, sabe? As outras não. Eu cheguei até a fazer uma televisão, esses programas de inserção, tal, que eles fazem: “Loja não sei o que, loja não sei o que”, aí ela não traz um resultado firme como a internet faz. Agora, a internet não: você faz num dia, no outro dia a loja está cheia.
P1 – Na internet você tem o tempo que você quiser, né?
R1 – É.
P1 – Se você quiser colocar todos os produtos que chegaram na loja...
R1 - ... eu coloco.
P1 – Sérgio, além disso, o ano passado começou esse negócio da pandemia, né? Como é que foi pra você enfrentar esse desafio? O que você pensou que ia acontecer?
R1 – Olha, foi muito delicado. Eu não tinha noção do que fazer. Eu fiquei uns 15 dias, os primeiros quinze dias, abobado, sabe, assim, sem noção. Completamente. Eu falava: “O que vai ser?” Mas eu gosto de pagar, então fechou a loja no dia vinte de março e 22 era na segunda-feira. Fechou no sábado. Nós abrimos sábado, depois não abriu mais. E eu já tinha pagado todos os meus compromissos com fornecedores até o dia 15 de abril. Então, eu falei: “Eu tenho até o dia 15 de abril”. Aí, sabe, 15 de abril não abriu, não virava nada, eu não sabia o que fazer, aí eu pus os funcionários naquele esquema do governo lá...
P1 - Pra eles receberem.
R1 – É. Aí, final de abril eu tinha uma poupança, umas reservas, paguei todo mês de abril, que eu devia bem, eu estava com a loja cheia pra inverno, entendeu? E renegociei muito. Muitas empresas ofereceram prorrogação, entendeu? E aí deu um boom de vendas.
P1 – Ah, é?
R1 – Agosto, setembro, outubro e novembro foi um boom de vendas inexplicável, sabe? Eu vendi, por exemplo, em setembro de 2020, 80% a mais do que eu vendi em outubro de 2019.
P1 – Olha!
R1 – Deu um boom. Eu acho que o povo ficou sem comprar, sei lá o que aconteceu. Eu tive que fechar a loja, pra controlar a entrada de pessoas. Eu também fiz algumas loucuras com preço, entendeu? Eu não sabia o que ia acontecer, eu pus preço lá embaixo, mas foi a minha salvação, bem dizer, assim. Aí tudo continuou normal e agora nós estamos com esse problema aí de novo, mas agora eu já estou mais estruturado, já não tenho tanta dívida, como eu tinha, entendeu? Já estou bem mais tranquilo. Eu me capitalizei bem com esse boom de vendas que houve. Dezembro vende bem sempre. Mas agosto, setembro, outubro e novembro foram meses atípicos. Eu acho que não volta mais. Não sei o que houve. Ou se foi o pagamento do Bolsonaro, lá. Não sei.
P1 – E muita gente ficou presa em casa, sem gastar, né?
R1 – É.
P1 – E aí, quando pôde sair...
R1 – Aí foi bem atípico.
P1 – Verdade.
R1 – E dezembro foi bom.
P1 – Dezembro é Natal, né? Sempre vende, né?
R1 – É. Dezembro foi bom, janeiro foi razoável, fevereiro foi razoável, entendeu? Mas já sem aquele boom de vendas dos meses, sabe? A venda normal. Tanto que eu vendi igual o que eu vendi em 2020.
P1 – Entendi.
R1 – Que estava aberto, ainda, o comércio.
P1 – Está certo. E os funcionários da sua loja, são antigos? Como é que você escolhe funcionário?
R1 – São antigos. Na verdade, eu tenho três, né? E todos têm mais de cinco anos de casa. Tem com dez. Eu tenho trinta e tantos anos hoje, eu nunca tive uma ação trabalhista. Nunca. Muitas meninas já trabalharam comigo, a grande maioria são minhas amigas, minhas clientes até hoje, entendeu? Quem saiu da loja há trinta anos é cliente da loja até hoje, sabe? Nunca tive um problema, porque também sempre fui correto, nunca criei problema, mas também tive a sorte de nunca contratar pessoas... porque tem também os maldosos, sabe? Eu nunca tive isso. Sempre: “Ah, eu preciso levar minha filha não sei onde” “Vai” “Eu preciso isso” “Vai” “Eu estou precisando de dinheiro” “Tome”, sabe? A pessoa tem que trabalhar feliz.
P1 – Você treina funcionários? Quando você precisa contratar um, como você faz?
R1 – Não, nunca treinei. Nunca.
P1 – Eles já sabem.
R1 – Eu treino aqui na loja, mesmo, entendeu? Eu ensino, converso, passo uma manhã conversando, mostrando, mas fazer algum tipo de treinamento, não.
P1 – Entendi.
R1 – Eu faço algum treinamento que as empresas dão, entendeu? A Malwee, a Marisol, a Hering trazem verdadeiros artistas, sabe e dão umas palestras maravilhosas, pra toda loja, sabe? Várias lojas. Eles enchem um anfiteatro e isso é muito bom, funciona muito bem, mas eu pagar um curso, nunca fiz. Um treinamento. Eu faço esse treinamento que as empresas oferecem. Os fornecedores oferecem. Eu fiz bastante. Du Loren já fez muito isso.
P1 – Eu perguntei sobre os funcionários porque muitos comerciantes dizem que hoje em dia é muito difícil achar um funcionário bom. Não é questão de ser uma má pessoa, mas questão da pessoa não ter tino pra trabalhar no comércio. Mas na hora que aperta o...
R1 – Então, mas esse treinamento, pra você saber isso, por isso... é muito difícil. Até as pessoas especializadas têm dificuldade. Por exemplo: eu tinha uma funcionária que era maravilhosa como pessoa, como tudo, mas ela não era uma boa vendedora, sabe? Ela não fazia questão de mostrar. Ela não tinha interesse. Ela falava: “Não, eu vou ganhar o meu, está tudo certo”.
P1 – Sei. E não pode, né?
R1 – Mas como pessoa, é minha amiga, gosto muito dela, sabe? Mas...
P1 – Sim, entendi. E nesse ramo seu, o que é mais difícil pra você? É atendimento ao cliente, administração da contabilidade, botar preço? O que é mais difícil?
R1 – Olha, o mais difícil é a venda. Porque a pessoa... você nunca... porque tem pessoas que entram numa loja com determinado negócio na cabeça, entendeu e chega na loja de roupa, nunca tem aquilo que ela planejou. Então, você tem que ter uma pessoa que vire a cabeça dela, que mostre outras coisas. Principalmente a mulher. A mulher, sabe, experimenta trinta roupas. E leva uma, leva duas ou não leva nada. E a grande maioria é assim. Então, eu acho que o problema é a venda. Além da concorrência ser muito alta, sabe? Eu não tenho como competir, por exemplo, com os grandes magazines em questão de preço, de atendimento, de facilidade pra pagamento. Então, o meu diferencial tem que ser o atendimento: deixar a pessoa à vontade, sabe? Mostrar sem forçar nada, sem tentar impor nada. Eu acho a venda o mais difícil.
P1 – Está certo. Sérgio, você tem filhos?
R1 – Tenho. Eu tenho uma filha já com quarenta anos, que faz o que eu queria ter feito: é professora de História, Filosofia, Sociologia e ela não tem tino comercial nenhum, nenhum, nenhum, nenhum, nenhum. Ela não nasceu pro comércio.
P1 – Sei. Na loja ela não ia?
R1 – Então, é uma loja que vai ter o final dela, acredito eu, não muito longo, sabe? Vai ser mais perto. Porque ela não tem tino pro comércio. O negócio dela é dar aula, é politicar, é... ela tem uma religião, aquele negócio de Oxalá, de não sei o que, é um grupo de maracatu que é tipo uma religião, lá em Pernambuco, ela leva isso muito a sério, eu respeito muito, não tenho nada contra. E ela não tem, a loja não tem sequência.
P1 – Mas a loja não tem sequência porque não tem filhos, mas você não tem planos pro futuro de, por exemplo, abrir uma filial, sei lá, montar uma franquia da loja, outra cidade...
R1 – Não. Eu já tenho sessenta e tantos anos, eu não quero mais muito problema na minha cabeça, entendeu? Eu quero, daqui um período, parar, entendeu? Tocar a minha vida sem loja, sem problema, sem obrigação, porque eu já... eu tinha uma filial, entendeu?
P1 – Ah, tinha?
R1 – Tinha. Tive durante... desde 1994, até 2020, fechei o ano passado.
P1 – E onde era?
R1 – Era no Jardim Irajá, do lado da minha casa. Então, eu fechei, sabe, eu não tinha como tocar duas, com esse negócio da pandemia.
P1 – Fechou pela pandemia, né? Entendi.
R1 – É. Então, eu fechei e minha meta... minha esposa tem sessenta e oito anos, ela é mais velha que eu um ano e pouco, a hora que ela fizer setenta, nós vamos parar de vez.
P1 – Entendi. Sérgio, o que você gosta de fazer, quando você não está trabalhando? Agora está na pandemia, mas quando não tem pandemia, o que você faz?
R1 – Eu gosto, que eu estou fazendo agora, com pandemia e tudo: comida. (risos) Gordo você já viu, né? Eu adoro cozinhar.
P1 – Você faz?
R1 – Faço. Direto. Eu gosto muito de estar no mato, na natureza. Eu fui criado, bem dizer, no mato. Então, eu não tenho, assim, um hobby específico, sabe? Por exemplo: eu gosto muito de ir em pescaria, mas não gosto de pescar. Não tenho paciência de ir lá, ficar com a isca. E adoro praia. O mar me fascina. Então, é eu poder resolver: “Eu vou pra praia”, entendeu? Agora, com a loja, eu não posso, fico amarrado. Então, eu quero ter uma liberdade maior, pra eu poder viajar. Sempre viajei bem, entendeu? Sempre gostei muito, principalmente de ir pra onde tem praias. Agora - mas eu sempre pego os dias contados, tem que voltar tal dia, eu vou ficar cinco dias – eu quero ver se daqui a um ano ou dois eu vou uns quinze dias, vinte dias, os dias que eu for...
P1 – Ficar lá. Sei. E pro mato aí é mais fácil, né? Ribeirão tem fazenda aí, tem sítio...
R1 – Mais fácil, é. Então, eu tinha uma chácara no Piri-Pau, aí a promotora começou a pôr medo e aí apareceu, por acaso, um cara que queria comprar, eu vendi e me arrependo muito, sabe?
P1 – Que era perto.
R1 – Pertinho. Era meu paraíso, ali. Foi durante muitos anos. Aí a promotora falou: “Vocês vão ter que derrubar tudo e tirar tudo” e eu fiquei com aquilo na cabeça. (risos) Aí, daí a um ano, sei lá, que aconteceu isso - faz pouco tempo que eu vendi, um ano e meio, dois anos - eu fui de manhã lá, chegou lá, apareceu um cara, bateu: “O senhor não quer vender? Eu com aquilo, falei: “Vendo”. Mas não acreditei que o homem ia comprar. Aí eu falei: “Eu quero tanto”, ele falou: “Não, te dou tanto”. Eu falei: “Não, eu pedi o preço” “Então, não pago”. Aí eu não tive como não vender. E perdi meu paraíso. E seria tão bom pra mim, porque lá é município de Serrana, eu teria tomado a vacina, já”.
P1 – É verdade. Lá todo mundo está vacinado, em Serrana.
R1 – É.
P1 – Wiliam, você tem mais alguma pergunta pra fazer pro Sérgio?
P2 – Tenho, sim. Tenho algumas perguntas que eu queria fazer: Sérgio, a loja do seu pai chamava Dragão. Você sabe por quê?
R1 – É. Dragão dos Tecidos.
P2 – Isso. Sabe o porquê?
R1 – Por quê?
P2 – Não, então, estou perguntando por que chamava assim.
R1 – Não, não sei. Ele já comprou a loja de um outro com esse nome, entendeu?
P2 – Hum hum.
R1 – Quando ele comprou a loja, a loja já existia e era esse nome.
P2 – Hum hum. E o senhor também chegou a cursar Medicina, alguma coisa assim?
R1 – O quê?
P2 – O senhor não chegou a cursar algum outro curso, faculdade?
R1 – Sim, mas foi um período muito curto, entendeu?
P2 – Hum hum.
R1 – Três meses. E aí também eu fui preso. (risos)
P2 – Ah, tá. Ah, é? O senhor chegou a ser... o senhor falou que foi levado pra delegacia.
R1 – É, mas aí eu fiquei lá uns dois dias, entendeu?
P2 – Hum hum. Mas o senhor nunca, na área das humanidades, chegou a dar aula?
R1 – Não. Nunca dei aula.
P2 – E também assim: como o senhor sempre foi da área das humanidades, como é que foi isso de administrar a loja e mexer com números, contabilidade?
R1 – Olha, foi difícil, viu? Mas eu peguei meu prumo, entendeu? Eu estudei, eu li, eu fui atrás. Então, eu peguei o jeito e fui aprendendo. E depois, com o passar do tempo, eu fui mudando o que eu achava que podia, entendeu?
P2 – Hum hum. Começou a gostar de Matemática ou não?
R1 – Não. De jeito nenhum.
P2 - E também o senhor falou que gosta muito de ler, né? É um leitor nato.
R1 – Sim.
P2 – Quais os gêneros literários?
R1 – Olha, eu gosto muito de biografias, sabe? De livros, por exemplo, de Machado de Assis, sabe? Eu li quase que todas as obras do Machado de Assis, sou apaixonado por ele. Eu leio... em cada época que alguma coisa me interessa, por exemplo: eu já tive uma época com ligação de teatro, então eu lia livros de teatro. Outra época livros até religiosos eu já li, entendeu? (risos) Mas eu não gosto muito, assim, dessas ficções, de terror, coisas muito absurdas, sabe? Isso eu não gosto. Eu gosto de coisas mais reais. Por exemplo: o melhor livro que eu li na minha vida é Chatô, o Rei do Brasil, que é um livrão, eu o li em... eu li até a história lá de uma cidadezinha de Goiás, que me deram o livro, eu li. Um outro livro que eu gostei muito também, de biografia, do Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, sabe? Eu sou um... alguns livros de poemas. Gosto muito de Jorge Amado, li também quase todos.
P1 – Legal.
P2 – E na questão da loja, a loja é predominantemente feminina, quem escolhe as roupas, assim? Como é que é?
R1 – Olha, sou eu e a minha mulher. Mais eu. Eu acho que eu tenho um feeling, entendeu, pra isso. Mas sempre com a ajuda dela, mas não é que eu dei a palavra final, não. A gente discute e muitas vezes: “É essa aqui, por isso, por aquilo, tal” “Não”. Aí a outra sim, entendeu? Mas sempre eu que... é até, assim, meio... mas eu e ela. E sempre funcionou bem, cara. Graças a Deus. Não sei por quê.
P2 – Porque tem que escolher pra outra pessoa, né?
R1 – Porque eu penso nas pessoas, acompanho muito também, eu leio muito sobre moda, sabe? Passei a ler depois. Eu li muito, já, também, sobre moda. E eu procuro acompanhar, leio sempre. Agora com o advento da internet, eu acompanho a moda pela internet, passo boa parte do tempo acompanhando o que vai sair. Que nem agora, por exemplo, esse período, eu já estou vendo a coleção de verão que vai sair pra julho, agosto. E dezembro eu estou vendo o inverno, que está chegando agora.
P2 – E a moda mudou muito nesses últimos anos, nesses últimos trinta anos?
R1 – Não. Ela muda, vai e volta, sabe? E ela não tem, assim, mais como... já teve grandes transformações e aparecia alguma coisa que chocava, vamos falar, que vendia muito. Agora já faz um período que não aparece isso, entendeu? Esse ano, no verão, por exemplo, aqueles tie dye, manchados, apareceram, mas foram de leve duração e não pegou muito. Não tem mais um negócio que pegue e vende aquilo... faz algum tempo que não acontece uma novidaaaaade na moda, uma coisa diferente mesmo, sabe, tipo essa que houve agora do tie dye, que é um negócio que não é novo, que já é velho, já existe desde quando eu era menino, que eu fazia isso: amarrava as camisetas com barbante e as cozinhava nas tintas.
P2 – A moda é cíclica, né?
R1 – Ela é cíclica. Totalmente.
P2 – Hum hum. Também na época o senhor disse que era militante, né? Que entregava panfleto, estava lá, né?
R1 – Sim, sempre.
P2 – Aí o senhor tinha mais amigos que faziam isso? Como era essa organização toda?
R1 – Então, eu sempre tive muitos amigos que faziam isso, entendeu? Não, na verdade não tinha muita organização, era mais na conversa de boteco, entendeu? Então, por exemplo: na época mesmo não tinha uma organização, porque eu também nunca fiz parte de grupo nenhum desses mais... VAR, MR8. Nunca. Era mais coisas... como eu vou te falar? Mais no varejo, mesmo. (risos) Nunca... eu tinha até medo, entendeu?
P2 – Hum hum. O senhor conheceu alguém que aconteceu alguma coisa na época da ditadura?
R1 – Eu conheci que dizem que aconteceu: o Leopoldo Paulino, conheci... esqueci, conversei com o filho dele, que foi candidato a prefeito, mas era bem mais velho que eu, o pai dele, que foi preso, torturado. A Madre Maurina eu conversei com elas algumas vezes. Mas na verdade eu comecei a participar politicamente em 1972 ou 1973, que foi quando eu fiz o cursinho Objetivo, que eu conheci o professor que fez a minha cabeça, entendeu? Mas, por exemplo: a Áurea Moretti. Todo esse pessoal daqui de Ribeirão eu já tive algum contato, entendeu? Sou filiado ao PT há muitos anos, mas não tem mais aquele ohhhhh que eu já tive.
P2 – Hum hum. E o senhor sabe se em Ribeirão teve muita repressão, com algumas pessoas? Ou não?
R1 – Ah, teve, muita. Principalmente no meu período aí, entendeu? Fazendo panfletinhos me levaram pra delegacia. (risos) E panfleto que não tinha nada: pro funcionário reivindicar seus direitos, liberdade, abaixo a ditadura. Nada que fosse muito comprometedor, entendeu? Mais era abaixo a ditadura. Esquerda festiva.
P2 – Hum hum. Então, vou passar agora pro Luís de novo.
P1 – ‘Seu’ Sérgio.
R1 – Oi.
P1 – Tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar, que a gente não perguntou?
R1 – Não. Que eu me lembre, agora, não, nada.
P1 – Eu queria agradecer muito o senhor por ter participado da entrevista. Essa entrevista vai ficar no portal do Museu da Pessoa, que é o maior portal de história de vida do mundo e vai ficar lá no site do Sesc também, depois vai ter uma exposição e, assim que acabar mesmo essa pandemia, eu acredito que saía o livro, porque todo Memórias do Comércio sai um livro muito bonito, que o Sesc faz livros bons, né?
R1 – É.
P1 – Hoje em dia os livros todos baratos e o Sesc ainda faz livros bons, com capa dura, bonitão e aí, por causa disso, vai ligar pro senhor um fotógrafo nosso do Sesc pra um dia - mas não agora que está no lockdown, né? – quando o senhor for na loja, pra ele fazer uma sessão de fotos com o senhor, com a sua esposa, lá na loja e, se você tiver fotos antigas, de quando a loja começou, de quando o senhor era criança...
R1 – Vou procurar.
P1 – ... da loja do seu pai, qualquer coisa antiga que o senhor tiver, ele copia, leva o scanner e já devolve pro senhor, tá bom?
R1 – Tá bom, valeu. É só entrar em contato comigo.
P1 – Tá legal. Muito obrigado!
R1 – Obrigado digo eu. Eu fiquei feliz em poder falar!
P1 – Que legal! Foi ótima a entrevista! E a história, muito interessante. Todo mundo fala que Ribeirão é uma cidade muito de direita, mas eu estou encontrando muitas pessoas críticas, que tiveram participação na esquerda, que criticam o que está acontecendo. (risos) É muito interessante isso!
R1 – É um absurdo o que está acontecendo! Esse negacionismo está matando pessoas, muitas pessoas, por conta de negacionismo.
P1 – Pois é, sim. Tá legal, ‘seu’ Sérgio, muito obrigado, um abraço e tudo de bom pro senhor!
R1 – Falô, valeu! Tchau!
P1 – Valeu!
P2 – Obrigado, ‘seu’ Sérgio. Abração, viu? Tchau, tchau.
R1 – Falô! Tchau, amigo, tudo de bom!
P1 – Muito obrigado!
R1 – Tchau!
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