Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Junio Aparecido Coelho Guimarães
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu, 22/11/2021
Código: PCSH_HV1171
P/1 - Para a gente começar, vou pedir pra você falar seu nome completo.
R - Junio Aparecido Coelho Guimarães.
P/1 - Qual a sua data de nascimento?
R - 4 de julho de 78.
P/1 - E o lugar que você nasceu?
R - Paracatu.
P/1 - Junio, seus pais são de Paracatu também?
R- Meu pai e minha mãe eram da Lagoa Santo Antônio, aí vieram pra cá. Inclusive, eu já nasci aqui, só meus irmãos mais velhos que nasceram na Lagoa Santo Antônio.
P/1 - Você já nasceu aqui pela comunidade, nesse bairro onde ele tá hoje?
R - É, nascido e criado aqui.
P/1 - E os seus avós, você sabe alguma coisa deles?
R - Tinha vovó, mãe Ana, que é mãe da minha mãe. Minha madrinha Felisbina, mora pro mais velho. Os bairros eram quase tudo dele, foi vendendo, vende para um, para outro, até as casas do lado aqui é tudo quase da família. Foi vendendo, trocando, outro morreu, então minha vó é criada, morada aí, ela é da roça também só que veio pra cá, aí depois foram vendendo de cá, de lá do outro bairro.
P/1 - Eles vieram de lá da roça, depois juntou todo mundo nesse bairro e era tudo família?
R - Era.
P/1 - Então, aqui no bairro era só dos Amaro ou tinha gente que era de fora da família também?
R - Tinha os moradores mais antigos, outros aí. Depois, foi chegando mais gente. Mas nós fomos os primeiros que vieram pra cá, depois, foi chegando mais família nossa e foi crescendo o bairro.
P/1 - Mas pra começar, foi sua família mesmo que começou a montar o bairro, e todas as casas ao redor são da avó, do tio, tudo junto?
R - É. Aí fomos fazendo amizades, tinham alguns vizinhos que foram mudando, foi fazendo amizade com eles, então foi crescendo a comunidade, o bairro foi evoluindo.
P/1 - E como é que era bairro nessa época que você era...
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Entrevista de Junio Aparecido Coelho Guimarães
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu, 22/11/2021
Código: PCSH_HV1171
P/1 - Para a gente começar, vou pedir pra você falar seu nome completo.
R - Junio Aparecido Coelho Guimarães.
P/1 - Qual a sua data de nascimento?
R - 4 de julho de 78.
P/1 - E o lugar que você nasceu?
R - Paracatu.
P/1 - Junio, seus pais são de Paracatu também?
R- Meu pai e minha mãe eram da Lagoa Santo Antônio, aí vieram pra cá. Inclusive, eu já nasci aqui, só meus irmãos mais velhos que nasceram na Lagoa Santo Antônio.
P/1 - Você já nasceu aqui pela comunidade, nesse bairro onde ele tá hoje?
R - É, nascido e criado aqui.
P/1 - E os seus avós, você sabe alguma coisa deles?
R - Tinha vovó, mãe Ana, que é mãe da minha mãe. Minha madrinha Felisbina, mora pro mais velho. Os bairros eram quase tudo dele, foi vendendo, vende para um, para outro, até as casas do lado aqui é tudo quase da família. Foi vendendo, trocando, outro morreu, então minha vó é criada, morada aí, ela é da roça também só que veio pra cá, aí depois foram vendendo de cá, de lá do outro bairro.
P/1 - Eles vieram de lá da roça, depois juntou todo mundo nesse bairro e era tudo família?
R - Era.
P/1 - Então, aqui no bairro era só dos Amaro ou tinha gente que era de fora da família também?
R - Tinha os moradores mais antigos, outros aí. Depois, foi chegando mais gente. Mas nós fomos os primeiros que vieram pra cá, depois, foi chegando mais família nossa e foi crescendo o bairro.
P/1 - Mas pra começar, foi sua família mesmo que começou a montar o bairro, e todas as casas ao redor são da avó, do tio, tudo junto?
R - É. Aí fomos fazendo amizades, tinham alguns vizinhos que foram mudando, foi fazendo amizade com eles, então foi crescendo a comunidade, o bairro foi evoluindo.
P/1 - E como é que era bairro nessa época que você era criança?
R - Na época, aqui no bairro não era asfalto, era aquelas pedras brutas. A gente ficava brincando muito. Meu pai criava ovelha, tinha uns carrinho de carneiro, que depois ele mexia com carroça. Minha irmã começou, depois eu vim também, comecei a comprar animal, falei "vou mexer com esse trem também", que o negócio meu era só mais andar a cavalo, falei "vou pegar e aprender", aí quis mexer também. Na época, quando a gente falava da escola, igual eu, quando eu falo pra dar aula, meu pai sempre já dá o custeio. Você falou de escola, a gente teve uniforme, aí já punha a gente pra tirar aquela barreira, areia lavada que lava no caixote e se não fosse fazer, o coro comia, que era acostumado.
P/1 - Isso era o que vocês trabalhavam aqui, e ali no meio do caminho você falou assim “também tinha umas brincadeiras que a gente fazia” do que você brincava nessa época?
R - Ah, a gente brincava de bola, pique esconde. Ficava assim brincando, carrinho, às vezes. Na época, a gente era doido com cavalinho, boizinho, pegava manguinha verde, fazia brinquedo. Pegava aquelas caixa, lata de doce, de goiabada, botava galãozinho... Bola, pipa, esses trens tudo. Aí nós brincávamos aqui na rua. O pai não gostava muito quando, por exemplo, ficava brincando muito velho, pegava e “Você não vai brincar. Você tem que aprender a trabalhar”. E foi bom, eu fui pegando o ritmo. Eu capinava. Tinha vez que eu não sabia trabalhar direito, aí punha eu pra ajudar a roçar, capinar ______ que trabalhava na prefeitura né, aí foi me ensinando, eu fui aprendendo, falei “vou mexer com esse trem” ai capina lote para um, capinava lote para outro.
P/1 - Mas isso quando você era novo ainda?
R - Menino ainda.
P/1 - Entendi, e era isso, tinham umas brincadeiras, mas tinha bastante trabalho.
R - Tinha. Ah, se faltasse menino, se falasse vai fazer um trem, por exemplo, se saísse um cavalo, um animal dele, um carneiro, uma vez uma ovelha, se a gente não desse conta na hora, o coro podia esperar que tava guardado. Ele era sistemático.
P/1 - E aí você comentou que ele era sistemático, ele era um pouco mais exigente, um pouco mais bravo e como que era a mãe?
R - A mãe até que não batia muito, mas quando pegava também, não deixava passar. Porque eles falavam, “vocês tem que aprender as coisas certas”. Punha de castigo, às vezes. A mãe viajava para São Paulo porque tinha um irmão dela que morava lá, ele até inclusive faleceu, tio Bendito, juntava eu e minhas duas irmãs, Erlane e a Elisane, a caçula, inventando de ir pra São Paulo, por causa de praia. E o povo foi e viu nós na beira do córrego rico, lá em em cima. “Ué seu Bendito os meninos seus estão lá na praia, lá em cima, pra lá da curva da morte”. Tava achando que ia topar com mãe. Menino, quando chegou esse recado, nós não demos conta de ir, o velho mandou o mais velho e a outra irmã minha pegar nós para chegar o coro, “Vocês estão doidos de ir para São Paulo?”, porque o pai batia em nós e nós ficávamos querendo ir atrás de mãe, nós éramos pequenos, e “Vocês não dão conta de ir em São Paulo, vocês estão doidos?” e couro comia. Nunca mais a gente quis ir em São Paulo por que, não dá certo, né?
P/1 - E isso era mais ou menos que idade Junio?
R - Ah, na época, eu tinha uns 6, 7 anos. Eu era molequinho. Nem sabia onde é que ia ficar São Paulo, Belo Horizonte ________.
P/1 - E porque vocês estavam com essa cabeça de querer ir pra São Paulo, o que é que tinha essa coisa de São Paulo?
R - De a pé. É porque o pai batia em nós, e mãe sempre viajava, ela ficava vamos supor, 2, 3 dias fora, e mãe não gostava muito que batia em nós. Ah! Pra quê? Nós falamos “Vamos atrás de mãe”. Foi eu, Erlane e Elisane. No final da história, todos os três deram uma ________ a mais velha que é a Erlane, eu e a caçula, Então, apanhou para não inventar mais. (pausa) Limpar a arroz, era como aqui o povo dela aí, os meninos, meus primos, tudo no pilão e se não socasse não almoçava e não jantava e ainda ficava de castigo, né Benedita?
P/1 - E essa época vocês eram tudo pequeno?
R - Tudo pequenininho. Eu mesmo comecei no serviço de boia-fria. Falei ”Ah, vou”, meu pai já tava meio adoentado, morando na lagoa, e eu fui pra lá, 2017, na época, inventei de comprar um Fiat 147, carteira que é bom, nada, só de por dinheiro mesmo, eu tenho que voltar para ver se tiro a habilitação, cheguei lá na lagoa, falei “Ah, vou comprar esse carro do homem”, doido para poder pegar um carro para poder passear com a menina. Chegou lá, eu conheci uma moça que chama Juliana e ela estava andando com um cara há 5, 6 anos e o rapaz nada, e eu rodeando aquele trem, falei “Hoje vou ter que ganhar esse trem” vai não vai. Quando é fé, o pai dela, “Bendito, bom que Júnio vem pra cá, é bom que ele casa, acho que a orientação dele era por mais ela junto”, aí eu falei: “Ah, essa moça vai dar certo comigo ” e eu fiquei com medo, falei: “Eu vou tentar”. Aí, nessa brincadeira, eu peguei, ela falou comigo “Junio”, ela chegou em mim, “Posso te falar uma coisa?” falei: “Pode”. Inclusive, ela deve falar que tem outro e eu vou cair do cavalo, pensei assim, falei “Ah, esse trem não vai prestar” e eu com vergonha de chegar nela, chego ou não chego, aí ela foi chegando meio junto, _______ “Roupa não faz homem, o que faz o homem é a moral e responsabilidade” aí brincadeira vai, quando tava dançando ________, dançavam mais eram homens, não tinha mulher, era homem com homem, o que acontece? _______ por com mais Maria para dançar, que a primeira dançarina foi mãe, depois vem minha irmã, ai depois Juliana, as meninas do Parque Zimara, a Tamires e essa Juliana, chegou aqui em Paracatu, “vamos ensaiar essas meninas e o irmão delas”, Darlei _______ e eu falei: “Vou ter que ensinar essa moça agora” !agora é tudo ou nada e eu não posso (09:48 _________)” “Vocês podem até namorar, mas na minha dança eu não quero negócio de namoro, não quero agarra-agarra com mulher” ele é sistemático, aí eu falava assim: “O velho, o moço está certo, por que a gente não pode?” Por que é uma dança muito religiosa, é de São João, então a gente não pode brincar com santo. Dança vai, dança vem, todo dia a gente ia pra lagoa, morava lá, trazia ela todo domingo, nossa _________ até chegar dia 23 para o dia 24 que é a dança verdadeira - nós saímos dia 23 e terminávamos dia 24, que é o folclore noturno - nesse intervalo, as meninas ensaiaram, aprenderam tudo bonitinho, no começo lá ela dançou também, depois passou uns tempos, ela com um negocinho lá no ensaio, aqui na porta cantando um _________ “tá com ciúmes?”, aí eu inventei de fazer essas máscaras de mulher, inclusive de plástico. Primeiro veio umas de animal, e não sabia por assim o nariz, os lábios, os trens né _________ e Tio Zé tinha umas máscaras de tipo napa, nós fomos olhando aquilo, aí eu falei: “Márcio, vamos fazer umas máscaras pra nós?”, antigamente de papel que eles faziam e então abafava, “Não, eu vou inventar umas”. Nós chegamos para Paracatu, arrumamos esses galões de 5 litros, cortamos, cada galão dava duas máscaras, rachado no meio certinho, vinha com a tesoura e cortava, aí nós fizemos de lobo, leão, menino do céu, e aí Tião “Não, eu não quero cara de bicho na minha dança, tem que ser com cara de gente” “Nossa, vou ter que mudar esse trem de novo” aí um ajuda o outro _________. Como nós fazemos pra por? Nós temos que fazer uma passagem para o nariz, que é de dentro. Faz a passagem aqui no nariz certinho. Vinha, punha o nariz por cima e ia furando, fiz essas máscaras, fiz a de homem, aí Tião: ”Já melhorou um pouquinho”, aí fiz a máscara pra Juliana, pro tio dela, finado Humberto. E, menino, eu fazia muita máscara, de mulher e de homem _________, as mais velhas até acabou. Tinha umas bonitonas _________, tudo era igual uma com a outra. Aí eu passei a dançar na guia, o guia mesmo morreu que era o Tio Zé, aí eu fiquei no lugar, Tião falou: ”Você vai passar pra frente, você vai puxar a guia e eu vou ficar comandando” aí eu mais Márcio, Márcio de um lado e eu de outro e ele trás _________ pessoal lá, mandava (12:31 _________) nós chegávamos junto. Voltava aqui e fazia tudo direitinho. Aí parava, nós que mandávamos tirar dama, igual contradança, a gente vinha, tirava dama de um, outro vinha, tirava outra dama da gente, a gente cruzava e dançava. Nesse intervalo dessas máscaras, eu peguei e falei vou fazer essas máscaras pra vender para os dançantes, muitos aí que eu fiz que até tem, uns já _________ então eu fui inventando essas máscaras, _________ a de homem ficou boa, essa máscara aqui, a mais velha mesmo, era mais invocada, andei até vendendo, por que dá trabalho demais, não é fácil, até a gente cortar esses trem furava os dedos.
P/1 - E a máscara você vendia pro povo fazer a caretagem também ou não, aí vendia pro povo no geral, que se interessa-se pela máscara, você vendia a máscara?
R - E aí eles vinham e encomendavam duas, já saiu até mais de 20 máscaras.
P/1 - Mas esse povo é o povo que vinha assistir a caretagem é isso?
R - Não, era os dançantes, da Contagem e do Aldacir. Inclusive, eu vendi até pro Aldacir.
P/1 - Que é de outros lugares também.
R - De outras danças. Aí eu fui vendendo pra eles, aí meu povo também igual tio Honório, pai fazia, vendia, eles vendiam máscara demais de papel, era dia e noite fazendo com aquele grude, cola, gastava muito material, e aí depois eu falei: ”Ah, vou fazer de plástico, porque a gente pode molhar, lavar as vezes, está dançando em um tempo e chove”, elas não acabam fácil, a única coisa pra acabar com elas só ressecar ou então queimar, ela dura muito tempo, eu tinha uma máscara muitos anos, acabou tanto é que ela tem até uma capa de revista, que ficou como, quando fez o negócio dos Amaros, ela ficou sendo a primeira máscara que eu fiz bem feita mesmo, bem mais antiga, ela ficou sendo uma capa da revista do Amaros.
P/1 - Foi feito um tempo atrás um DVD com as histórias do pessoal dos Quilombos dos Amaros.
R - É, com elas tem pai tocando, tio Honório contando, nós dançando, explicando o negócio do folclore, como que podia até, tio Honório inclusive falando que podia ter a melhor festa ali que nós passávamos dançava nossa dança, realmente era assim mesmo, podia passar até na porta do boteco, mas nós dançávamos nossa dancinha e ia embora, não ia misturar as coisas. Inclusive, quando eu mais essa Juliana começamos a namorar, namorou por um ano e oito meses, e namoro vai, namoro vem, só que na caretada eu trazia ela assim, como fosse um outro cavaleiro, então não podia ter nada, aí depois acabava a festa, a gente já namorava, às vezes alguma bebida, quando o Tião na hora chegava os caras lá, tinha um capangueiro que era meu cunhado, ele pegava, eu pegando as pingas, cervejas, refrigerantes, o povo ia dando, mas não podia tomar quando tivesse dançando, porque senão, depois não dava conta, tinha uns que, às vezes até bebia e aí dava trabalho, esse caixeiro, Seu Angelino, coitado, ele até morreu, ele chegava, Tio Honório: “Angelino tá demorando”, já chegava aqui trocando as pernas, morava lá pros lados do Açude, nós já estava no lugar certo, na fila certa, porque lá era tudo por ordem de padrão, e eu ia dançar na guia, aí já dançava outro depois, aí vinha a fila, era 12 de lá, 12 de cá, então ficava aquelas filas tudo arrumadinhas, e aí, ele já chegava e queria aqui, _________ tão bêbado, Tio Honório: “Angelino aqui não dá certo. Ele bebe as pinga e fica aqui atrás”. Então, ele bebia, ficava meio variado, tirava a gente do lugar da gente e punha no lugar do outro.
P/1 - Então, acabava não dando conta e atrapalhava o andamento da caretagem?
R - Ai tinha os dançantes, eles falavam “isso aí tá errado”. Aí, teve um dia que eu não sei o que aconteceu lá, tava eu, o Márcio e ele começou, ele bebia demais, inclusive na Roda Angola, ele já estava muito de idade, tinha uns uns 80, 90, era bem velhinho, e inventou: “Ah, vamos ter que ir lá no banheiro que eu estou muito apertado”. Estava eu, Márcio e o André, que é o nosso triângulo, aí nós inventamos de entrar no seu banheiro com pressa, um atrás do outro. Moço, ele estava dentro, sentado, só que ele caiu dentro do… e ele usava aqueles ternos antigos, ficava dentro do vaso, “caiu aqui, molhou tudo” aí mas vocês podem esperar eu estou apertado _________ estava meio ruim, molhou a roupa. Nós ajudamos ele a sair, aí Tião: “Não, mas nós temos que sair” nós temos que dançar na casa dos outros povos na vila, tinha uns lugares tudo encomendados, rodava a cidade inteira ia passando em Cacildo, rodava lá no meio do Saldanha, Sabino, dançava aqui nos povos nossos tudo, nos vizinhos, ia direto. Aí pai tinha hora que chegava o rei na sanfona, tinha hora que ele cansava, e quando ele cansava, vamos supor, mais ou menos meia-noite, três, quatro horas da madrugada, pai já tava meio cansado, que já tava meio de idade, Eliomar, de vez em quando pegava a sanfona e eu tocava também, “Ah, vou ajudar o senhor”, mas não tocava igual o velho não, _________ não dá conta de tocar igual o tio Benedito. Pai melhorava um pouquinho, já pegava, já estava tudo com sono, eles começam a dançar depressa, aí vinha dançando até em Cristalina. Tio Zé, Alcir, que mora lá até hoje, Digo, Emílio, tinha uns dançantes nossos lá, só que eles queriam trazer a caretada de volta, eu falei que era até bom.
P/1 - Porque agora não está acontecendo a caretagem?
R - Não. Até queria trazer ela de volta, por que é igual o povo fala, eles vinham de lá pra cá, vinha a turma, dançava, Teve uma vez, _________ fazer a dança que Tizé queria, vinha ajudar Tio Honório, “Não cumpade, nós temos que ir lá dançar lá em Cristalina tem uma igreja” e nós dançamos, nós dançamos a noite lá também. Fomos até pra Paraíba, Belo Horizonte, Patos, Brasília.
P/1 - Isso foi em que época Junio?
R - Ah, isso daí tem anos demais, desde 2020 pra lá, bem pra lá. 2018. Não, 2008. Por aí. Nós viajamos até a Paraíba, três dias e três noites de viagem no ônibus. Dançamos lá, mas teve dançante que até morreu, ele arrumou uma moça lá e Tio Honório: “Não dá certo levar a moça de Paraíba para Paracatu”. Menino, e esse rapaz teimou com ele, Tio Honório: “Não vai levar”, "Tô querendo ela”, que moça até era bonita mas não dá certo, não tinha como. Nesse intervalo, eles brigam um com outro lá, “Vou levar”, aí bebeu umas e outras, quando chega na hora da refeição na cozinha, eles falavam “Oh, toma cuidado” Tio Honório, comendo comida gorda e bebendo pinga, não dá certo, teve muitos lá que achou que o mundo ia acabar. Bebeu demais, comeu demais e aí eu falei: “Eu não vou, não sou besta”. Tinha essas carnes pesadas igual carne de porco, carne de galinha, esses trens, _________ os meninos que, vocês, nós vamos ter que viajar, ter que ir embora. Esse menino tacou o pé nesses trens e eu fiquei só olhando, eu falei: “Não vou beber muito” aí fiquei quieto só olhando eles. Na hora de vir embora no ônibus esses homens mandavam parar toda hora e tava até ruim sabe. (conversa inaudível)
P/1 - Você começou contar essa história por causa da Juliana, o que que deu lá com a Juliana?
R - Comecei a gostar dela, aí conversa vai, conversa vem, comprei esse carrinho, Fiat 147, e o que que ela fez, ah, “Vai quebrar a cara”, e eu não sabia nem pra onde que vai a primeira, nem pra segunda, nem pra terceira, nunca tinha pegado em um carro, o velho levou lá pra mim, engatou a ré lá e eu falei: “Ah, vou pegar esse carro e vou sair com esse trem nem que for escrevendo ou batendo” menino do céu, _________ de mim lá, e pai: “você não vai dar conta de dirigir carro”, você pode andar na auto escola, tanto é que eu entrei em 2007, não passei também, parei, começou a prova lá, aí nesse negócio querendo que o carro vai pra frente, o carro querendo ir pra trás, “Pode descer disso aí agora, você não dá conta”. Depois vai derrubar a casa dessa menina, de Moacir” que é o pai dela, aí vamos empurrando o carro lá para estrada “Deus tem que ajudar que a pessoa chega e me ensina”. Menino, Deus foi bom demais. Chegou o dia lá, eu esperando o rapaz: “Ah, senhor quer aprender a dirigir?” “Quero aprender”. Entrei do lado do passageiro, agora é tudo ou nada. Ligou lá, fui lá dar umas duas voltas, voltava, dava seta, e eu fui olhando aquele trem, eu segurando o volante meio com medo, liguei o carrinho, joguei a primeira, e ela com medo de eu bater. Ela estava olhando de longe. ”Vai quebrar a cara é agora” aí eu falei: ”Quebrar a cara? Quebra não” aí eu fiquei, aí andei com ele até de tarde sabe, andei, voltei já estava até brincando com o carro. “Vou entrar na auto escola”, aí pai: “Não vai dirigir sem habilitação, que se os policiais pegarem, vai dar problema para mim”. Entrei em 2007. Eu tinha passado na prova, mas burrice minha, não podia ter dado ouvidos para o povo da civil “Se você tiver dúvidas de questão vocês pode trocar”. Na prova tava certinho, no gabarito, eu inventei de trocar o trem, não conferi tudo direitinho com eles: “Ah, deu ruim”. Fiquei numa raiva.
P/1 - Não, mas aí você não passou porque, o que que deu no final?
R - Eu voltei, estava fazendo cursinho, fiz a prova bonitinho, eu acertei metade da prova, acho que é porque eu fiquei nervoso demais: “Engraçado, na auto escola eu fui bom”, aí quando eu fui voltar para renovar os trens acabei quebrando a perna caí com animal, tanto é que eu tenho sete parafusos, e uma platina, na perna esquerda. Fiquei internado no hospital uns 30 dias, tomando injeção, minha irmã me dando banho, minha irmã mais velha, “Ah, você está bebendo demais” e não foi nem da bebida, foi inventar de fazer gracinha, andar de animal no meio de asfalto, animal é daquele animal de roça, que não não gosta de cidade, e eu inventei, fui lá pro centro da cidade “Ah, tá mansinha”, ”Mansinha?”, os caras mexendo com a escada nos postes, ela assustou, eu tentei pular, freei ela, ela caiu, esse pé meu rodou. Vou ter que ir pro hospital, nem levantar do chão eu dei conta, Peguei meu telefone celular, liguei para o meu patrão, ”Pede pra buscar um animal aqui que eu estou indo para hospital”. Chegou lá, me jogou em cima da prancha, cortou minha calça e fez cirurgia. Dia de Finados, fez 30 dias. Falei: “Vou parar de beber”. Mas eu parei tarde. Eu enciumado demais: ”Não vou conseguir outra”. Mas ficou chifre trocado, ela arrumou outro e eu cheguei aqui em Paracatu . Ela gosta do Antônio, que ela namorou. A mãe dela: ”Se eu fosse você, Juliana, ficava com o Junio”.
P/1 - A própria mãe dela estava falando para ela ficar com você.
R - A mãe dela me deu apoio.
P/1 - Mas isso ela já tinha conhecido outro?
R - Arrumou e eu briguei com ela na frente do outro: “Esse trem não vai dar certo” . Eu tentei parar de beber pra poder ver se nós voltávamos. Nessa brincadeira, pai foi pra RPM, morou lá e nisso ele chegou em mim e falou assim: ”Junio, eu não vou aguentar muito tempo, você vai tomar conta da sua mãe e ajudar ela”, “Vou ter que dar um jeito”. E tinha um problema intestinal, de coração, chagas, esses trens. “Vai lá no Dedé da farmácia e compra pra mim uns purgante". Minha mãe danou comigo que não era para dar o purgante. Fiquei lá uns dias lá mais ele, quando tava naquela situação ruim, ”Pode ir embora”, ficava nervoso. Peguei a carroça, minhas galinhas e vim embora pra cidade, aí mãe: ”O que você está fazendo aqui, que você veio pra cidade?”, “Ah, eu mais pai discutiu e tive que vir embora”, “Você não está valendo nada?”. Ela achou que eu estava muito envolvido com a Juliana que eu não ia ajudar ele. Um belo dia: ”Vou falar com ele. Vou, mas eu vou voltar” aí minha mãe falou: “Você vai voltar, seu pai não está muito sadio, você vai voltar pra ajudar seu pai”. Voltei com o rabo meio entre as pernas. Aí pai inventou de comprar uns gados, e inclusive os irmãos dela tiravam leite.
P/1 - Irmãos da Juliana?
R - É, os irmãos dela tiravam leite.
R - Aí teve um dia lá, _________ por que eu não vou tirar leite pra ninguém, porque ninguém manda em mim, e pai: “Você está acostumado a mexer com cavalo bravo, você vai mexer”. As vacas mansinhas até era uma beleza, você podia piar, amarrar a bezerra, tudo belezinha _________. Na hora que os meninos piou, ela e eu fui tentar aprender, com aquele banquinho, na hora que levei a mão nos peitos dela, ela mandou os pé: “Não vou mais mexer com essa vaca”. As cruzadas você até podia tirar quietinha. _________. Nessa dúvida, pai sem lugar, vou arrumar um lugar: “Pai, não compra gado, você não vai aguentar muito tempo”. Logo ele comprou uns gadinhos, mas o povo da RPN era atentado, os guardas, às vezes até malandro lá mesmo matava os bichos e carregava. Tio Honório, pai, mãe: “Não, muda pra cá que vocês estão no meio de rodovia, é perigoso”. Realmente, a gente morava num barraco de lona, depois a gente mudou pra casa da Juliana e fez um barraco tamanho da casa mesmo, de madeira, tudo arrumadinho.
P/1 - Porque vocês moravam perto dessa casa onde a Juliana morava.
R - Eu morava no fundo da casa dela, eu mais finado Humberto, que ajudou pai a fazer o barraco, que pai não podia subir em telhado, ele tinha problema. Humberto foi inventar de pregar uma ripa pra por as telhas, a mãe de Juliana falou: ”Leva umas merenda lá pra Bendito, Humberto e Junio. Humberto lá em cima do telhado, Juliana foi lá de shortinho e Humberto foi dar uma olhada e deu uma martelada no dedo. Eu falei: “Oh, Juliana você não pode fazer isso”. Depois dessa história, ela arrumou esse outro. Nós namoramos um ano e oito meses. Nós fomos em um córrego na Santa Rita, e teve uma coroa, ela é ciumenta, daquelas que você não podia olhar pra outra “Ah, você tá gostando de fulana”. “Qualquer mulher que dá em cima da gente, tem que dar uma que a gente não tá vendo”. Uma coroa muito assanhada. Eu falei: “Não vou chegar lá, vou fingir que eu nem conheço ela, porque vai dar briga”, as duas podem brigar. Quando chega lá na represa: “Vamos tomar um banho” foi eu, meu sobrinho, Juliana e os meninos. Chegou lá moço, a coroa “Passa creme no meu corpo pra mim”. Juliana já aquele olharzinho pra mim. Falei: “Vou embora”. Saímos da lagoa. Ela falou: “Porque você saiu do córrego ligeiro?”, eu falei: “Eu saí porque sou um tipo de rapaz responsável”. A gente tava querendo coisa séria, não podia por outra na frente. Aí eu inventei um colega meu lá, Sebastião, até morreu, ______ vou ajeitar uma coroa pra você, e Juliana mais Juliano só beijinho, beijinho, inventei de pegar a bicicleta e ir lá pra _________ e pão tinha uns porcos, galinhas, esses trens pra criar lá na lagoa, peguei, inventei lá pro _________. Foi escurecendo. Pinga vai, pinga vem, e o negócio de eu ir embora, aí a velha, mãe de Marquinhos, falou: “Você não vai poder ir pra roça na lagoa, perigoso algum malandro de noite” “Vou dormir aqui, qualquer coisinha vou falar com Candinha que eu fui pra Paracatu e não deu tempo de voltar”. Quando eu saí no outro dia cedo, ela estudava _________ na cidade, balangando pra lá e pra cá no _________ na frente do barraco, já vi que ela não gostou, acho que ela percebeu que eu tinha ido atrás de outra.
P/1 - A Juliana se tocou, entendeu que você já estava indo atrás da outra. E perdeu as duas.
R - Aí quando chega lá, o rapaz mais o outro não conversavam um com o outro, e nós bebendo pinga lá no alambique, Aquelas pingas, eles falam pinga ______ tava alambicada, deu aquele resíduo daquela pinga ruim, “Marquinhos, você não conversa com o cara e ainda quer que eu vá na casa do cara para agarrar a prima do cara? Vai que a gente está bêbado e os caras avançam em nós”. Com tanto custo, tirei o rapaz da casa do outro, porque eles eram amigos, mas se transformaram em inimigos. “Vamos embora, eu vou dormir no barraco seu. Amanhã estou indo embora cedinho”. Cheguei lá cedo, dona Candinha já estava meio com raiva, parece que a menina tava meio revoltada: “você pode arrumar outra”. Eu vim pra Paracatu, cabeça baixa, triste. Deixei mãe mais pra lá, vim de bicicleta cheguei aqui, Fernanda, uma moça que eu conheci há muitos tempos desde menino na beira da praia aí, eu lavando o cavalo e os malandro tinha comido, ela tava vendendo aquelas coxinhas, pastel, e os caras pegou e não pagou né. Aí eu danei: ”Vocês tem que pagar”, aí pagou desses salgados para ela. Nesse intervalo, ficou aquela amizadão. Amizade vai, amizade vem, aí era novinha, eu falei: “Gente, não vou mexer com moça nova que é muito complicado” hoje ela está com trinta e cinco, eu estou com quarenta e três. Eu tinha muito costume de ir no centro com o finado André, quando ele realmente faleceu. Ele fez uma besteira. Bebeu um remédio que não podia. Meu companheiro. Nós éramos três: eu, o Márcio e André, onde um estava, o outro estava. O Márcio foi embora pra Patos. Eu falei: “Não é possível que eu não vou arrumar mais alguém pra andar mais eu” . Nesse intervalo que ele morreu, eu fiquei assim, Diane não quis contar logo de uma vez, “André fez uma besteira”, minha irmã mais velha não quis contar com medo de eu fazer também, falei: ”Não vou fazer”. Até ainda tinha visto ele no dia que ele tomou esse remédio bravo, de veneno de lavoura, até dei tchau pra ele: “Vou capinar lá no centro. Estou capinando lote pros outros, quintal e podando árvore de tesourão”. Aí a bicicleta minha pesou na subida, eu empurrei, parece que não era pra mim ir. Fui lá e capinei. Quando é de tarde eu chego aqui, Diane: “É, fez uma besteira”. E e estava melhorando, fez lavagem, mas não deu recurso, comeu por dentro. Quando eu chegava ali no rumo do centro, enchia o olho d’água.
P/1 - Mas ele era novo quando isso aconteceu?
R - Mais novo que eu. Ele era bem altão. A gente sempre chegava pra ver as meninas, gostava muito de carnaval, esses trens, ”Cuidado”, e o pai chamava atenção dele. Nesse ponto, tava certo, porque às vezes você está ali curtindo, tem uma pessoa atentada pra fazer uma besteira. “Ah, vou ter que acostumar sozinho”. Fui acostumando devagarzinho. Nós íamos pra roça, quando nós estávamos acampados também lá no _________ de fazenda, saíamos aqui de bicicleta. Nesse intervalo, nós moramos na RPM, na barra de lá, eles doaram para nós uma chacarazinha, três hectares no Cunha.
P/1 - Mas aí quem estava morando lá nessa época?
R - Eu, meu irmão, minha mãe mudou pra.
P/1 - Ah e seu pai já tinha falecido nessa época?
R - Pai já tinha morrido. Lá era da Dona Candinha. Aí mudou, tirou ela de lá, comprou pra ela uma fazenda no Formigão. Éramos pra morar junto com ela, mas eu e ex no mesmo lugar, não dá certo, aí mãe falou: ”Não, vai ter que arrumar um lugar pra mim separado”, aí arrumou lá no Cunha.
P/1 - Juliana já tinha casado com outro rapaz?
R - Já. Eu vim pra cidade passear e vem Fernanda descendo. Conversamos, bebemos, aí foi gostando um do outro. Juliana arrumou outro e eu já fiquei com Fernanda. Ela era até gente boa, mas só que bebe muito e eu também. Tem vezes até que ela passa do limite, E já chamei a atenção dela: “Nanda, você tem os meninos pra olhar, não fica bebendo desse jeito”. Ela diz que arrumou um menino e fala que é meu, mas não fez o DNA.
P/1 - Você tem tido até hoje um negócio com a Fernanda ou não, acabou já também?
R - Não, tá meio assim. Ela até queria ajuntar os panos. Nós temos amizade um com o outro. Em relação a Juliana, ela é melhor, porque se tiver que falar um trem com a gente, ela fala, Juliana é mais daquela mulher que não fala com a gente, ela fica séria. Às vezes, está com raiva da gente e não fala e Fernanda não: ”Você está errado” e explica. Aí depois arrumei uma filha do Oliveira, _________. Hoje em dia, ela mora com uma velha, agarra uma, agarra outra ali. Essa menina, da _________ eu tava até gostando, ela me chamou pra ir embora, falei: “Eu não posso sair de Paracatu”, porque aqui a gente tem o serviço. Às vezes eu saio da cidade e não é igual aqui, aí ela disse que arrumou um menino, fala também que é meu. Estou também com medo dessa história.
P/1 - A gente tava falando da sanfona, que você aprendeu a tocar. Como é a história da caretada?
R - A caretada, como diz o ditado, quem começou mesmo, foi tio Honório, que fundou ela aqui. Tio Zé e pai. Antigamente, os vestiários da gente não eram roupas mandada fazer, a gente às vezes tinha que comprar aqueles vestidos, enfeitava com uma fita, as calças eram social, a gente punha as fitas. Depois, nós dançamos no aniversário de Paracatu, fomos ficando conhecidos. O povo da RPM deu uma ajuda pra nós, deu os vestiários. Tia Bendita mais mãe começou a costurar, a minha tia Maria, Tia Aparecida costuravam e a gente ganhava os uniformes. “Tem que ganhar uniforme já pronto porque a dança tem que viajar pra Paraíba ou Belo Horizonte”, então tem que sair uma roupa melhor.
P/1 - Sei, vocês deixavam tudo montado pra quando vocês irem viajar estar tudo bonitinho já?
R - Tio Honório já mandava trazer as roupas mais arrumadas, pra não passar vergonha.
P/1 - Mas aí já estava tudo pronto, tudo costurado, tudo montado?
R - Aí já vinha só pra por os enfeites. Comprava e arrumava as fitas.
P/1 - Mas isso era tudo suas tias que costuravam.
R - É, tia Bendita, mãe, tia Maria. Tinha hora que tinha que fazer um vestido correndo. Às vezes, pegava o da irmã: “Ah não, fulano vai ter que dançar lá em tal lugar”, chegava lá e não tinha aquela roupa adequada “Ah, tem que vestir um vestido”, “Ah, vou pegar um vestido de fulana ali pra poder dançar”, e aí arrumava as fitas. Depois foi pedindo e foi ganhando esse uniforme, um outro mais antigo, azul. Ganhava ajuda do povo da prefeitura.
P/1 - Da prefeitura de Paracatu?
R - É, o prefeito. Nós temos que comprar roupa, ia fazer uma apresentação lá no centro, pro povo de Paracatu. Dário era organizador, ele até faleceu agora há pouco tempo, ele que arrumou os negócios de cadastrar os Quilombolas. Aí ele: “Tem que arrumar roupa pra eles, calçado, botina, perneira”. Os povos de Brasília vinha, igual a Rosângela, Valmir, então arrumavam a roupa pra gente.
P/1 - Entendi, e aí a prefeitura acabava ajudando um pouco, pra ficar tudo bonitinho e mostrar tudo certinho.
P/1 - E no meio disso você falou do cadastro dos Quilombolas, como é que aconteceu esse cadastro, que você falou do tio Dário?
R - Ele era amigo do meu pai, do meu tio e da minha mãe. Ele era jogador flamenguista, do Cruzeiro parece, aí ele viajou fora, então falou: “Oh, _________ vamos ter que por vocês pra frente, a caretada tem que ser, os Amaros tem que ser conhecido”. Aí eles inventaram de vir pra Paracatu, foi onde que veio o DVD. Nós temos que dançar bonitinho, porque vai ser filmado, vem até o povo da televisão Toledo.
P/1 - A ideia era fazer um vídeo e documentar isso?
R - É, aí foi filmando a noite toda, cadastrou nós, filmou e veio o DVD. Tio Honório dava entrevista, igual eu estou dando agora. Aí pegava “eu tocava, 24h” e tio Honório “Não, a gente pode _________ dancinha, a gente não pode passar perto de boteco, nossa dança, _________ e vai embora”. Não podia. Por exemplo, se chegasse na porta de uma boate, um trem assim, _________ até inclusive nós já dançamos _________ muito tempo.
P/1 - Por que a caretada é uma dança religiosa na verdade, e por isso vocês passam nos lugares e as pessoas respeitam de vocês passarem, porque elas conhecem a cultura.
R - Até apoio da polícia quando a gente dança aí na rua. Os policiais acompanham. Se alguém mexer com a gente vestido, ou com a dama, a polícia já tá ali pra chamar atenção.
P/1 - E esse pessoal que cadastrou, cadastrou quem estava na caretagem.
R - É, aí foi filmando nós, fazendo DVD, contou a história tudo, filmou as casas do meu pai, a casa de tio Honório, a rua que nós dançávamos.
P/1 - Mas foi com o pessoal de Brasília?
R - Foi o povo de Brasília, com o povo de Paracatu, com Toledo. Fizeram a árvore genealógica da nossa família.
P/1 - Esse pessoal de Brasília, mais a TV, mais o vídeo, tudo isso documentado pra registrar a história de vocês, aí que começou um levantamento da sua história?
R - A caretada ficou mais bem mais falada, da história mesmo, porque _________, não é tirando ele, ele não dança igual. São Domingo não dança igual, São Sebastião não dança igual. Inclusive, nós fomos até dançar no São Sebastião uma vez, o povo de lá não quis levantar bandeira. Tio Honório pediu um ônibus da prefeitura, o ônibus veio nos buscar, um ônibus antigo, pra área rural, eles calçaram o ônibus, tentei chamar a polícia. Nós dançamos e eles não gostaram, tacaram pedra na roda do ônibus. Acho que eles ficaram com inveja que a caretada dançou bonito.
P/1 - Sim, vocês tem um jeito específico de fazer a caretada que não é igual aos outros lugares.
R - Tio Honório: “Não tem que dançar como no passado”. Por exemplo, se a gente dançasse correndo demais, ele chamava atenção: “Vai devagar”. Eu aprendi pequeno. Eu, André e Márcio, _________ que é um dançante também, a gente chegou lá pra poder dançar, mas nós éramos novos e ficávamos com medo. Às vezes, quando os irmãos dela iam, os mais velhos batiam na gente pra poder aprender. Errava, apanhava. Então, a gente foi pegando, foi ficando esperto, era só dar um tapinha. ______ Às vezes trocava um passo ali, ou tropeçava no outro lá, “Está errado”_________ dançar direito, aí voltava de novo, era mais umas dez voltas, até aprendermos. Nós ficávamos cansados, se errasse um, errava tudo.
P/1 - Vocês ensaiavam um mês antes?
R - Nosso ensaio antigamente era dentro do quintal da tia Bendita. Aí depois foi crescendo aquele tanto de gente, foi pra rua, aí chegou, vamos supor, eram doze homens, doze mulheres, então 24, aí tio Honório: “Não vai caber aqui, vamos ter que dançar no meio da rua pra todo mundo ver”, aí nós com vergonha, era meio pequeno.
P/1 - Mas aí vocês ensaiavam na rua, aí todo mundo via?
R - E na hora de vestir de mulher, menino, senhora, nós de vestido.
P/1 - Porque você contou que no começo era só homem, eram vinte homens dançando.
R - _________ Era homem com homem.
P/1 - Sim, porque depois que foram entrar mulheres, a tia Maria falou.
R - Aí, “Não pode dançar mulher”, Chamou lá em Brasília, foi fazer uma apresentação e o menino falhou e a roupa, a fantasia foi, nós estávamos lá, até no evento de negócio, que tava fazendo o DVD pra nós né. E aí, mãe lá, “põe Maria pra dançar”, aí “Não cumpade _________ não dá certo,”, “Maria tá com a perna machucada”, “Mas eu dou conta cumpade _________, pode deixar, o vestido dá certo em mim”, mãe pegou, vestiu lá menino, e dança de um lado, dança de outro, já tinha se treinado. Depois desse intervalo, veio Liane, minha irmã, Juliana, Mara, Tamires.
P/1 - Mas quem começou com essa coisa de mulheres, foi tia Maria, sua mãe?
R - Mãe primeiro, aí depois veio minha irmã, aí a _______ na caixa, minha irmã caçula, minha mãe no pandeiro, pai na sanfona, e seu Zé do violão. Ele era violeiro, agora já não dá conta mais, porque tá moído demais, Ele até queria voltar a tocar pra nós, mas eu falei: “Pra voltar essa caretada, eu até queria, mas tem que, igual mãe falou, a responsabilidade muito grande, saber dançar, e não aquele jeito que tá hoje”. Tá bom pra gente fazer ela, mas tá complicado que a malandragem tá avançada, que inclusive tá tendo _________ em São Sebastião. Agora não tá tendo por causa do negócio do Corona. Diz que vai voltar.
P/1 - Conta pra gente como é essa questão da música, o que você aprendeu a tocar e como foi?
R - Quando pai garimpava na praia, comprou uma vinte e quatro baixo, uma sanfoninha vermelha e foi aprendendo devagarinho, arranhando. Na época, quando estava dançando na caretada, inventei de pegar o instrumento na frente dele. Quer dizer, sou canhoto do pé e da mão, então, não pegava os instrumentos certos, pegava tudo de cabeça pra baixo, violão, tudo. Pra mim, tem que ser ao contrário, desta mão aqui, não dou conta, aí eu pego ao contrário, a sanfona eu pego certo, aí ele: “Oh, você tem jeito, você vai ficar bom”. Fui mexendo com ela, aí larguei, fiquei só no violão, aí ele falou: “ _________ até bem, aí _________ assim. No intervalo dessa aí, ele comprou uma cento e vinte, que é uma sanfona maior, aí já pegou tocando a careta pra nós, tocava até no forró, em boate. Eu falei: “Vou comprar uma sanfona”, ele já tinha morrido, comprei uma pequena, daquelas beija-florzinha preta. Tinha um vaqueiro lá do Brás, ele gostava muito de _________, formação de _________, essas brigas de desafio de forró. Aí, eu fui olhando aquele DVD e fui treinando e aprendendo.
P/1 - Porque o seu pai não tinha paciência pra te ensinar algum instrumento, né?
R - Ele: “Você tem que ir aprendendo devagar, mexendo assim, você vai dar conta”, e eu com medo, me tremendo. “Se tem o DVD, você olhar os jogador profissional, você vai pegar o ritmo”, aí foi olhando aquele trem, até que saiu. De vez em quando eu volto pras butecas e toco uns forrozinhos. O povo gosta. O povo ainda perguntava, inclusive minha ex sogra: “Como que você aprendeu?”, “Aprendi assim: primeiramente Deus dá pra gente o dom, e vai mexendo”, porque pai também não tinha aula. Pai era na raça pura. Foi mexendo, aí tinha um _________ que vendeu pra ele a sanfona. Um dia, na porta lá de casa, peguei essa cento e vinte, quando tio Honório ficou sem sanfoneiro, ficou eu e Eliomar . Trouxe um velho que não deu conta muito. “Ou eu ou você tem que sair com a sanfona”. Eu falei: “Não, eu não vou porque eu tenho mais que dançar pra ajudar tia _________ ”, aí _________ ficou na sanfoninha vinte e quatro baixa, e eu falei: “Vou comprar uma pra mim, de todo jeito tenho que aprender, porque na falta de uma, tenho que ir treinando, um ensina o outro”. Eu tinha um entregador velho lá _________, que fazia ração pra animal, e o rapaz chegou lá do _________, inclusive era do irmão dele a sanfona, do finado seu João, chegou aqui em casa: “Eu tenho uma sanfona pra vender pra você, pra trocar”, aí _________ falou: “Pega a outra pequena e passa pra frente, que ela não presta”, tava com o _________ todo furado, essa aí foi a tenda arrumada, mas estava melhor que a outra, mais afinada um pouco, então _________, aí eu peguei e falei: “Ah, você quer saber de uma coisa, vou trocar esse trem”, troquei. “Nossa, como eu vou dar conta de aprender”, cheguei no meu patrão: “Ah, você tá doido de comprar sanfona, você não vai dar conta de tocar”, e fui _________ aí o tio dele, seu _________.
P/1 - E tudo isso você foi aprendendo sozinho, aí você tinha a sanfoninha lá e ia tocando pra ir aprendendo
R - Todo o dia o vaqueiro chamava nós lá, “Vamos tocar uma cervejinha aqui, fazer um tira gosto e você vai olhando e pega o ritmo”. Aí eu fui, mexe dali, daqui, meio com medo, os dedos vai, tinha hora que saía certo, tinha hora que saía errado, até que deu um controle. Não ficou muito ruim, nem muito bom, ficou mais ou menos. Esse Aparecido dessa caretada, chamou nós pra dançar, eu mais meu irmão, “Vamos lá pra ajudar”, “Aparecido, eu tenho uma sanfona e um pandeiro”. Ele falou “Pode trazer, e o menino já tem uma caixa, vamos ver o que que vai sair” e eu me tremendo, falando agora é tudo ou é nada, _________ pra mim ver meu negócio, aí mais um pouco, aí _________ batendo e o pandeirinho comendo, ainda _________ na sanfona até pego, mas nós não tocamos igual. Todo mundo fala, sanfoneiro não é todo mundo que toca igual, tem sempre uma diferença.
P/1 - Cada um tem um jeito de tocar.
R - Vai de um jeito, vai de outro. Duas, três vezes nós acompanhamos, o trem foi bom. Na hora que eu peguei a sanfoninha, eu falei: “Agora eu tenho que sair em cima” e o cara com a caixa, com o meu pandeiro e esse trem ficou mais ou menos. Batidão e eles pula daqui, pula dali, aí chegou lá na reza lá na casa de Cesário, nós dançamos, festejou lá, tomou umas, aí terminou, cheguei no Aparecido, aí Aparecido: "Você toca até bom”, eu falo: “Mas vocês não tocam igual. Vai ter que ensinar esses meninos seus pra dançar no ritmo, ver se nós damos conta de fazer uma caretada só”.
P/1 - Porque aí nessa você já foi pra música e aí a ideia era ensinar os meninos a dançar.
R - Está querendo trazer o folclore, nós estamos querendo fazer uma com a outra, aí o que eu ia fazer? Pegar uns dançantes que sabem, pra ensinar os que não sabem, aí nós punha os 4 na frente, igual era aqui antigamente, os que sabiam mais, os mais velhos igual Adele, Edimar, Hamilton, o pai dela que já era dançante mais velho e finado Humberto, Chico, já dançava mais, os mais velhos já sabiam mais do que os mais novos, nós éramos tudo pequenininhos, aquelas carinhas de menino, ficávamos tudo olhando, “Vamos ter que pôr os meninos mais novos, porque vai morrendo um, vai morrendo outro”, aí foi, um adoeceu, aí o que que tio Honório falou, “Vamos ensinar Júnio, André, Alonso e os meninos porque nós temos que botar a caretada pra frente, pai Bendito”.
P/1 - Porque aí a ideia agora, também é passar pro pessoal mais novo, porque como você tá contando esse pessoal um pouco mais velho, vocês estão no meio do caminho e tem o pessoal mais novo que é pra trazer o folclore de volta.
R - Aí foi pondo, ensinou menino, nós aprendemos esse trem, e tio Honório: “Nós vamos ter que arrumar roupa pra todo mundo”, _________, nós arrumávamos, um mais grande, até que nós, nas caretadas tinha uns vinte e quatro dançantes, até mais, depois foi diminuindo, tinha muita gente, tinha hora que pai cansava, só de tocar muito tempo. Custava a começar, mas na hora que começava também, ia até até chegar. Ele cansava. “Ah compadre Honorio”, nós dançávamos mais ou menos tal, porque cansa muito então _________ tinha hora que ele cansava, às vezes passava a sanfona pra _________ já pegava um pouco também pra descansar ele, mas era bom.
P/1 - Mas aí nessa época foi diminuindo e hoje acabou, por enquanto não tem, tá sem caretada aqui.
R - É, tem alguns dançantes vivos ainda, tem uns até querendo voltar. Na época que pôs as mulheres, o tio de Maria, que é o finado Humberto, faleceu há pouco tempo, não gostava de mulher de jeito nenhum, inclusive que quando pôs Juliana, “Não vou dançar, porque pôs mulher. Isso não vai dar certo”, ele ficou com raiva. Eu falei: “Dançando com respeito, vai”, aí o que que acontece? No dia que a menina enfezou, “Eu não vou dançar mais, Seu Bendito”, aí largou, aí parou. Logo eu quebrei a perna. Eles queriam voltar, mas só que eles estão querendo só homem, e só gente da família, mas não tem esse tanto de gente
P/1 - Ah, entendi, eles estão querendo voltar esse costume que era mais antigo, de colocar só homem de novo e só pessoa da família.
R - Os que não morreram, estão aí no mundão, tem uns que estão no mundo da droga, uns já tá perdido, uns até estão preso, não tá vivo. Inclusive, tinha um finado Wellington, o Luizinho, tudo queria dançar, os malandros mataram ele. Igual tem o irmão do Quinha. Ele queria, mas eles é assim, às vezes, a gente arruma a turma, “Ah, vamos dançar em tal lugar”, “Ah, vou!”, quando chega na hora tem uns que não cumprem aquele compromisso. Uma vez, na vilinha mesmo, quando Tio Honório saiu às últimas danças nossas aqui, eu tinha ido lá pra Bom Pastor, na casa da menina lá, demorei chegar e Tio Honório tava acabando o ensaio aqui. Menino, na hora que eu inventei de tomar umas lá, e ele era assim, quando tinha que falar também não guardava, “Você não tem compromisso, você marcou as coisas comigo e não chegou na hora certa”. Ficava bravo. Vou tocar um pouco pra você ver.
P/1 - Isso, você toca um pouquinho pra gente ver. Vou finalizar. Obrigado pela entrevista, Júnio. O Museu da Pessoa agradece por você ter contado a sua história.
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