P/1 – Senhor Dionísio, primeiramente muito obrigado pela sua participação em nosso projeto, e pra começar a entrevista eu queria que o senhor falasse para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Dionísio Febraio, nascido em 23 de julho de 1957 na cidade de Adamantina, interior de São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Odevar Febraio e minha mãe _______________.
P/1 – E você tem algum irmão ou irmã?
R – Três irmãs e um irmão.
P/1 – E você é o mais velho ou o mais novo?
R – Sou o mais velho de todos.
P/1 – Então o senhor nasceu em Adamantina.
R – Adamantina.
P/1 – Como era Adamantina nessa época que o senhor nasceu?
R – Uma cidade bem interiorana mesmo, provinciana. Isso no século passado. Assim, eu tenho pouca lembrança porque eu vim de lá para cá com quase dez anos, ia fazer dez anos. Então eu tenho pouca lembrança mesmo da cidade, apesar de ter voltado lá várias vezes. Mas não era uma cidade pequena em relação à região, era uma cidade de médio porte. Ainda é.
P/1 – E a que se dedicavam seus pais?
R – Meus pais eram lavradores de agricultura, trabalhavam na ______________.
P/1 – Qual era a cultura que eles produziam?
R – Café, feijão, milho, arroz, tudo que se come.
P/1 – E como era o lugar onde você morava ali? Era um sítio? Era uma fazenda?
R – Era um sítio ________________ alguns quilômetros da cidade. Era uma fazenda na verdade. _________________________________ e a gente era uma das famílias, nós éramos. Teve avós, toda a família em geral, eram todos recém-casados, eu fui o primeiro neto de todo o clã ____________ todo mundo junto ali, eram todas as famílias parentes, parentescos.
P/1 – Você tem alguma lembrança ___________ trabalhar também, de ajudar os seus pais ali, ou não?
R – Sim. Eu com seis anos já ajudava meus pais. Com seis anos já ajudava a arrancar mato, _______________, ajudava em tudo que fosse necessário. Como eles falam? Rastelar café, que é tirar debaixo do pé, aquelas coisas que uma criança faz, aprende já naturalmente desde criança quando mora no sítio. E depois, antes de vir para São Paulo já com oito, nove anos, aí já ajudava _____________ as coisas que a tecnologia hoje em dia tirou, mas na época isso existia, era manual, totalmente manual.
P/1 – E você tem como descrever para a gente um pouquinho a sua casa nessa infância lá em Adamantina?
R – Cara. Era uma casa grande que eu me lembre, bem espaçosa, de tábua, como todas as casas do interior eram na época, e vários cômodos, tal. Assim, não tenho muita lembrança, não, porque eu também não vivi lá onde eu nasci. De Adamantina eu fui para outra cidade na verdade, que é Irapuru, que fica perto, que é a última cidade antes de vir para São Paulo. Então, a maior lembrança que eu tenho, na verdade, é desse local, porque aí eu já tinha mais noção das coisas. Da fase Adamantina, que eu me lembro, é com meus quatro, cinco anos assim que era nessa fazenda e era um lance assim, muito ___________ das festas que se rolavam em aniversários, casamentos, porque tinha muito aquela coisa da música do interior, da música caipira, roda de sanfoneiros e violeiros, tal. Então tinha muito isso, essa é uma lembrança que eu tenho muito nessa fase de quatro, cinco, seis anos. A morte do meu avô, que foi dentro dessa época, né? Então assim, são várias lembranças que eu tenho. Uma arara azul que a gente tinha, hoje tão rara, tem até o filme Rio que vai para esse lado. Então eu me lembro disso, que são lembranças infantis, bem pequenas, mas estão aí.
P/1 – Você sabe qual foi o motivo de a sua família ter se instalado naquela região, em que época foi?
R – O motivo era a falta de expectativa, de perspectiva para o pessoal interiorano, que eram pessoas da roça mesmo. Quer dizer, uma tradição que vai passando de geração a geração. Os meus avós por parte de mãe eram alemães, vieram da Alemanha. Por parte de pai, italianos, já a segunda geração _______________, a minha mãe é filha de alemão. Então foram os imigrantes, aquela região foi muito povoada por imigrantes nessa época, essa região europeia. Então assim, um fator eu acho que é esse, uma coisa assim, de meter os peitos. Meu avô conta histórias malucas de Minas, do interior de Minas quando ele veio com cinco anos da Alemanha. E aí, depois com o desenvolver da coisa tem coisas malucas; eu me lembro de histórias malucas, de enfrentar onça no mato, coisas assim, entendeu? Histórias malucas, lindas, que para criança é um universo maravilhoso. Agora, o motivo mesmo é esse, acho que vieram para se arrumar de alguma forma, encontrar um caminho.
P/1 – E a sua mudança para Irapuru, quando foi? Com que idade?
R – Irapuru foi... Eu tinha acho que ______________. Foi porque chegou um tempo de mudança mesmo, vai saindo um para um lado, outro para outro, aí começa a despertar a vontade de sair naturalmente. Então, acho que a gente ficou sozinho assim, a nossa família não tinha mais ninguém. E sempre se comunicavam: “Vem pra cá que aqui é melhor”. Então se arrumam, conversam. Então se comunicam e foi assim, a mudança foi nessa fase de cinco para seis anos, que eu me lembre. Foi na época também de ir à escola, para começar a estudar. Então deu tudo certo, com seis anos e meio eu já entrei na escola, e com nove e meio eu já tinha terminado tudo, aí vim para São Paulo e continuei aqui, aqui foi em 69.
P/1 – Mas antes de entrar para essa parte de São Paulo...
R – 67, desculpa. 67.
P/1 – Essa mudança para Irapuru, você lembra se foi feita de trem, de carro, como foi?
R – ____________ a minha mudança de caminhão, aquelas coisas, coloca a mudança toda e vai. Horas e horas de viagem, e foi com caminhão. Foi exatamente assim.
P/1 – E lá a família continuou se dedicando à lavoura do café, do algodão...?
R – Exatamente. Mais café, mais restrito a café e amendoim, que era uma coisa mais propícia para a época. O algodão, os algodoais - também tinham algodoeiros - tinham nas fazendas vizinhas, então a gente trabalha lá, a gente trabalha para os outros, né? Eu esqueci a palavra certa, mas é mais ou menos ______________ entre safra de uma coisa da outra vem sempre um trabalho, vai chacoalhar amendoim, vai colher algodão, coisas assim, para os outros. Trabalhar de diária para o produtor, trabalho manual de trabalhador rural.
P/1 – E lá em Irapuru você também tem alguma lembrança musical assim, como em Adamantina?
R – Tenho. Irapuru também ________________ os violeiros das regiões, então, lá continua. Meu pai tocava violão ____________. Então se juntavam sempre. Existe em todo lugar, lá tem o tal do terreirão, que é onde se seca o café e se espalha os produtos que são colhidos para depois serem vendidos. Então nesse tal terreirão à noite... Inclusive eu tenho uma música minha, eu também acabei virando músico, naturalmente, e que cita exatamente isso, essa cena que me marcou muito, que eram as rodas violeiras e que lá em Irapuru continuam do mesmo jeito, tiveram muitas dessas aí.
P/1 – E o tempo da escola? Então você falou que fez a pré-escola em Adamantina e em Irapuru já entrou na escola. Como foi?
R – É. Entrei na escola, na verdade, foi diretamente em Irapuru. Não foi pré. Não existia pré naquela época. Foi direto no primeiro ano de aula, seis anos e meio de idade. Terminei o curso lá, foram os quatro anos direto. Depois em São Paulo, já passando para São Paulo só para conectar, aí existia a tal da admissão, para depois fazer o segundo grau. Então Irapuru foi só a primeira fase mesmo, primeiro grau.
P/1 – E era uma escola ali perto da sua casa? Como era?
R – Era. Tinha uns dois quilômetros. Ia-se a pé, atravessavam-se córregos, no meio de ___________________ pastos com animais, vacas, até chegar. O local se chamava Bairro Paturi ______________, o conglomerado dos armazéns, as escolas __________ que o pessoal do local consumia.
P/1 – Você já falou um pouquinho do trabalho nessa época, mas eu quero que você fale agora das brincadeiras. Quem eram seus amigos e do que vocês brincavam ali?
R – Os amigos eram os próprios irmãos que estavam nascendo, iam crescendo, e primos. Quando a gente foi para esse Bairro Paturi, foi por causa da família de um primo, de um tio, ______________, minhas primas... Cito os nomes também? Olinda, Edna e o Samuel, depois veio o Carlinhos, o irmão mais novo. Nós éramos três, depois nasceram mais dois lá. Éramos eu, a Denir e a Marlene, depois vieram o Moacir e ___________. Quando ela nasceu a gente já veio para São Paulo, ela nasceu, certamente em 67. (interrupção) Então, as brincadeiras eram esconde-esconde, brincar de cavalinho, que é você ___________ pedaço de pau e sair correndo como se fosse um cavalo relinchando pelo mato afora, pelos cafezais afora, esconde-esconde nos pés de cafezal. Tinha um pomar gigante, a gente brincava de balanço, pendurar a corda e balançar, de subir no pé de manga, pé de laranja, tinham muitas coisas, nosso divertimento era esse. Ou então jogar bola, bola de meia, claro, não era bola de verdade. Inventava-se uma bola de papel, enfim, era isso. Nesse dito terreirão que eu já citei, nos dias de chuva, pancada de chuva, tomar banho de chuva, que é gostoso para caramba, tomar banho de cachoeira, porque o rio passava assim, uns 500 metros de casa, não chegavam a isso, 200, 300 metros. Um rio não, um córrego. Então tinham as cachoeirinhas, a gente tomava banho, o divertimento era esse, entendeu? _________________ além do primo e irmãos, tinha o vizinho, outro vizinho que era do sítio ao lado, mas era perto, que tinha os filhos dele, que era o Orlando, a Marilú, todos mais ou menos da mesma faixa etária. Esse Orlando é amigo meu até hoje. Ele veio para São Paulo também, a gente se encontra muito esporadicamente, mas continuamos amigos desde aquela época.
P/1 – E quando foi que a viola, o instrumento musical se tornou uma brincadeira também? Quando foi que você começou a tocar?
R – Eu tenho assim, a família do meu pai é musical demais, todos eles... Existia até uma dupla caipira de irmãos dele, que chegaram a gravar aqui, tal, nos anos 80. Então essa festa sempre se manteve, essa coisa, sempre teve essa conexão familiar. E, naturalmente, ____________ eu queria saber, queria tentar. Só consegui mesmo aqui, depois de muitos anos. Na verdade há pouco tempo que eu até cheguei a abandonar, parei. Eu gravei um disco em 94, fiz uma dupla de MPB, tipo Sá e Guarabira e tal, com outro artista, aí desencanei porque é terrível, viver de música nesse país, é complicado. Agora que eu estou voltando porque por ser compositor também e tal, trabalhar com música desde 74 eu trabalho no ramo musical mesmo, diretamente. Então isso mexeu muito comigo. Então eu resolvi retomar e agora eu vou fazer o meu trabalho, deixar registrado. Não é com a intenção de ser artista, nem atingir o público massa e aquela coisa. Não quero ser um Luan Santana. Não. Nem tenho noção do que é isso, nem necessidade, mas registrar realmente uma coisa que é meu, só sai de mim. Então essa é a herança que eu tenho da música interiorana, depois fundiu aqui com a música, com a coisa mais urbana, da cidade, e o rock, na verdade, que a _____________ se tornou.
P/1 – Falando um pouquinho ainda do que você aprendeu com seu pai, como é que o senhor descreve seu pai, sua mãe? Como eles eram?
R – Olha, meu pai era muito sisudo, coisa de italiano mesmo, aquela coisa dura de ser rígido, já falecido, inclusive. Mas assim, não foi uma coisa traumática, não. Foi uma época boa de educação e a ______________ rígida acabou também me moldando, para perceber as coisas melhor e atuar de acordo com o ambiente. Minha mãe também. Minha mãe é mais rígida ainda, por ser mãe, claro, mas assim, muito compreensiva, muito amável. Então isso acho que deu uma ______. Essa mistura deu isso aqui.
P/1 – E você mencionou a dupla caipira da família do seu pai, qual era o nome?
R – Nerino e Nivaldo. Nerino era o nome real do meu tio, irmão do meu pai, e Nivaldo era o nome do meu tio José, na verdade. Então para não ficar Nerino e José, ficou Nerino e Nivaldo. Eles gravaram uns quatro ou cinco discos na época. Já pode entrar para São Paulo de novo?
P/1 – Pode.
R – Porque aqui em São Paulo que eles se tornaram, cresceram, vieram também... São pouco mais velhos que eu, pouca coisa, então formaram uma dupla. Aqui em São Paulo é que realmente teve muito mais ainda, porque a família é muito grande, da parte do meu pai são nove irmãos. A parte da minha mãe também, mas a parte musical, que é a do meu pai, era onde se juntava, qualquer coisa era motivo para fazer uma reunião de família, aí vinham outros violeiros na época que fomos conhecendo. Depois tiveram programa de rádio, eles evoluíram, entraram até num patamar legal da época. Então a gente tinha esse acesso, tinha esse contato, mas foi mais aqui. Lá no interior foi mais assim, infância, mais meu pai com os músicos __________ ficamos distante mesmo. Esses meus tios, o pessoal do meu pai, vieram bem antes para São Paulo, acho que em 65, não lembro direito. Então vieram uns anos antes, eu ainda era pirralhinho. E aqui é que teve, realmente, esse up maior.
P/1 – Ainda um pouquinho mais da infância, você tem alguma lembrança do comércio ali na sua cidade? Lembra-se de fazer compra com seus pais?
R – Lembro. Lembro. Lembro quando eu ia à cidade ___________________, sair do meio do mato para ir para uma cidade podia ser qualquer coisa. Para tomar guaraná, cara, para tomar uma gafarrinha de guaraná era a coisa mais linda do mundo. Também um sanduíche de mortadela. Não existia isso, não tinha esse acesso. Tinha assim, uma vez por ano. No Natal sim, você pode tomar um refrigerante, comer uma coisa melhor. Tipo assim, entendeu? E comprar um sapato novo. Eu lembro até hoje, um detalhe importante, mas eu queria um sapato que fizesse nhec, você pisa, faz nhec. Se não fizesse eu não queria. Olha que coisa louca, sei lá quantos anos eu tinha. Se não, fizesse nhec, nhec, nhec, como todos os outros sapatos faziam por lá, sabe assim? Então vir para cidade para qualquer tipo de compra, para o meu... Talvez comprar coisas para o sítio, semente, essas coisas assim, quando ele me levava, nossa, era uma felicidade. Ia de carroça, era uma viagem ______________.
P/1 – Tinha alguma loja que você lembra que você gostava mais?
R – Não. Assim, as lojas famosas da época eram a Casa Riachuelo, Casas Pernambucanas, que eu lembre essas eram tradicionais. Não tinha essa coisa de preferência, de achar: “Ah, eu quero ir lá, se não for lá...”. Não. Que eu me lembre, assim, que me _______________ foi a primeira vez que eu pirei foi o cinema. Aí sim. Quando ia ao cinema... Que eu fui durante esse tempo duas ou três vezes, mas depois da primeira, cara, aí o cinema era ________________ o grande foco de você: “Puta, se eu puder ir ao cinema de novo”. Sansão e Dalila eu assisti. Foi o primeiro filme que eu assisti na minha vida. Perdido no tempo. Então assim, agora do comércio eu não tenho muita... Só eram as casas de ferragens que vendem produtos para agricultura mesmo, o arado, _______________, o martelo, essas coisas.
P/1 – E o primeiro disco, você lembra quando você comprou?
R – O primeiro disco foi aqui em São Paulo. Foi um disco do grupo Aphrodite’s Child, um compacto. Chamava “Break”, a música. Quando eu ouvi aquilo no rádio eu pirei, falei: “Nossa, que coisa absurda”. Acima da média dos Bee Gees e Beatles e afins da época. Era uma coisa nova, inovadora. Então o primeiro compacto que eu comprei com o meu dinheiro. Isso foi em 70, eu era moleque ainda. Os meus tios por parte de mãe eram mais ouvintes musicais do que músicos, na verdade não eram músicos, então eles já compravam na época os disquinhos da época, e eu ouvia com eles na vitrolinha na casa da minha avó. Essa aí eu fiz questão de comprar. Eu comprei e levei para a gente ouvir juntos, eles gostavam também. Porque eram sucessos da época. Depois vieram Folhas, além dos Bee Gees, já citado, Beatles, que era fundamental ter, né? Rolling Stones e tal. Então o meu primeiro disco foi Aphrodite’s Child, a música “Break”.
P/1 – A gente vai voltar para a época que você comprou o primeiro disco, mas antes vamos entrar agora para São Paulo. Então como foi essa mudança para São Paulo? Quando foi? Por que aconteceu?
R – Foi essa época do ano. Acho que setembro, outubro, não tenho certeza, de 67. Foi porque já não dava mais para ficar lá sozinho, meu tio já tinha saído de lá também, já estava em outro local, o resto da família toda, a maior parte já tinha vindo para São Paulo. Aí meu pai veio para cá, conseguiu um local, trabalho, casa, essas coisas. Veio antes, conseguiu, voltou e buscou ___________________ trem e parte da mudança veio em caminhão de __________________ caminhão de transporte que vem para lá e para cá. Então encaixou direitinho numa carga que vinha para cá para São Paulo, e trouxe o essencial para montar uma casinha aqui, o resto ficou para lá mesmo, vendeu-se tudo que ficou. Que eu me lembre então a gente veio de trem, a família toda com mala e cuia, como dizem.
P/1 – E antes dessa mudança, como você imaginava que era São Paulo?
R – Não tinha noção, cara. Eu não tinha noção alguma. Só por foto o que via eu achava aquela coisa absurda, monstruosa, é outro mundo, outro planeta, na verdade, para a cabecinha de uma criança de nove, dez anos. Então quando eu cheguei a São Paulo eu deslumbrei, eu estava no céu. Saí de um local perdido no tempo e vim para uma metrópole como essa. Então foi assim, uma mudança radical total. Eu pirei tanto que no primeiro dia, no primeiro dia de São Paulo eu já fui brincar na rua, de carrinho de rolimã, aquelas coisas, de quentinha dos moleques, parecia um pinto no lixo. E lembro até hoje que tomei uma ralada, tomei um tombo daquilo, porque não tinha noção nenhuma e era uma puta descida assim, uma ladeira abaixo e eu lembro até hoje. O primeiro dia, cara. Ralei tudo, foi meu batismo de São Paulo.
P/1 – E da viagem de trem, você tem alguma lembrança? Tem alguma coisa especial para contar?
R – Ah, poucas. Porque a gente viajava muito de trem de uma cidade para outra quando ia visitar os parentes de outras cidades. Era aquele básico, o cobrador do ticket passando pedindo o ticket para picar, o vendedor do lanche da mortadela com guaraná que era fatal, tinha que ter. Além das próprias coisas que as mães sempre fazem, os lanches ____________ uma viagem longa como essa se tornava mais barato, inclusive. Então assim, o que eu me lembro da viagem de trem é isso, a gente entrando com aquelas malas cheias de roupas, aquelas coisas mais pessoais e o trem lotado para caramba. Quanto mais chegando para São Paulo, mais lotado fica. Então _____________ Bauru você tinha que descer de um trem para entrar em outro, hoje em dia não tem mais. Que eu lembre foi isso, essa visão. E depois eu fiz outras vezes daqui para lá, de lá para cá, mas agora como visitante.
P/1 – E aqui em São Paulo você ficou aonde nesse primeiro momento?
R – Nós ficamos no Bairro Parque São Lucas, perto da Vila Prudente. Então fui direto para lá. Meus avós por parte de mãe moravam numa casa e a vizinha foi para onde nós fomos, para a casa vizinha.
P/1 – E ____________ dedicaram a quê? Eles vieram já com emprego garantido? Como foi?
R – Meu pai foi trabalhar na Rhodia. Ficava em Santo André. Especificamente isso, só ele trabalhava, minha mãe sempre dona de casa.
P/1 – E como foi esse início? Depois da ralada do primeiro dia, como foi a escola?
R – Depois da ralada e puxão de orelha, tudo mais e o castigo. Em pouco tempo eu, para ajudar a família, porque nós éramos cinco e só meu pai pra sustentar... Então a ralação era terrível, então eu virei engraxate. Eu fui ser engraxate logo em seguida. Meu pai fez uma caixinha de engraxate bonitinha de madeira para mim, ele mesmo fez, que ele trabalhava com marcenaria, mexia bem com essas coisas. Então eu fui ser engraxate lá no Parque São Lucas, na avenida principal, na Estrada do Oratório, que a gente morava bem perto, que é uma avenida bem conhecida. Hoje acho que é Avenida do Oratório. E a o point dos engraxates, porque tinha uma feira de domingo, então aos sábados e domingos eu fui ser engraxate uns meses.
P/1 – E como você aprendeu a manha assim, de ser engraxate, o lugar certo de ficar para aguardar cliente? Como foi?
R – Olha, a manha a gente aprende por intuição eu acho. Meu pai me ensinava a engraxar o próprio sapato, ele engraxava o dele _____________ eu fui aprendendo. Que eu me lembre foi através dele mesmo e depois não tem muito segredo, na verdade é você fazer o serviço bem feito. E além disso, com essa caixa de engraxate novinha, bonita, escorava no ombro aqui e ia lindamente, feliz da vida. E os engraxates que já eram do local, que eram vizinhos, amigos, inclusive tinha um deles que era vizinho da frente, que era o meu melhor amigo. E foi já pegando a manha, peguei a manha fácil, então assim, não teve muito, que eu lembre não teve muito trabalho, não.
P/1 – E o dinheiro que você ganhava como engraxate você dava para a família ________________
R – ____________ e eles me davam o essencial para eu _______________ coxinha, aquela coisa, entendeu? Tomar um refrigerante.
P/1 – Então o guaraná já estava ali ______________
R – ____________ de vez em quando eu me dava o direito de gastar sem eles darem a __________________________, mas eu sempre fui muito... Eu tinha muita noção da necessidade da família, então eu gastava normalmente o mínimo necessário. ____________ e o sorvete era uma coisa muito assim, esporádica mesmo.
P/1 – E como era para conciliar esse trabalho como engraxate e a escola nessa época?
R – Então, na realidade, ser engraxate era mais no fim de semana. Então durante a semana não tinha problema nenhum, estudava. Eu não terminei o segundo grau, acabei saindo antes por questão de trabalho também, por necessidade, porque por ser o mais velho, aos 14 anos já tinha que começar a trabalhar. Quer dizer, na verdade não parei. De engraxate fui trabalhar em supermercado, depois em padaria, casa de couros em São Caetano. Daí fui para uma firma, trabalhar numa metalúrgica, mas isso já com 14 anos, naquela época era o que a lei permitia. Então assim, não foi muito... Não tinha tempo mais para escola. Aí era trabalho.
P/2 – E como foi assim, nesse primeiro momento de engraxate, esse contato com os clientes, essa coisa?
R – Cara, foi uma maravilha porque foi aí que eu aprendi a ser vendedor, tanto é que eu tenho uma loja hoje. A própria necessidade me moldou dessa maneira. Olha, foi muito bom, cara, porque era um divertimento apesar de tudo. Eram transeuntes numa feira de domingo, principalmente, que eram os dias mais marcantes, vem gente para todo lado. Até hoje a feira é movimentada, naquela época então era muito mais, quase não se andava numa feira, os carrinhos de rolimã para fazer os carretos que eles faziam e tinham os clientes que aos poucos você ia ficando... Iam sendo seus clientes, você ia sendo o preferido deles. E eu era muito meticuloso, fazia um negócio bonito mesmo. O cara está meio, sabe? Com sapato, tudo... Saía descente, brilhante, tanto que o meu até hoje eu mando engraxar, que eu gosto, é uma coisa assim, que faz parte da vida, acaba entrando no gene da gente. Então essa coisa assim, foi muito divertida e saudável para caramba, foi uma coisa muito legal. Então tinham os grandões, os maiores, a moçada da época que a gente acabava se espelhando, tipo: “Puta, aquele carro daquele Fulano de tal, aquele cabeludo _____________”. Que era a moçada da época, puta, tal carro, tal moto, você ficava se baseando: “Eu quero ser um desses aí um dia”. Era isso. Foi muito bom.
P/1 – E as brincadeiras ali na rua continuavam sendo rolimã?
R – Depois bicicleta, eu tive a minha, e a bola____________________________________________________ moramos na Vila Industrial, comecei a trabalhar numa loja de couros ____________________ uma coisa ligada à outra. Dali, em 74, um amigo meu, vizinho também, da mesma rua, morava inclusive no mesmo lote, no mesmo condomínio, montou uma loja de discos em 74 na Vila Industrial. Lojinha, discotequinha de bairro, aí foi o meu ___________________. Então foi isso aí, daí para cá música até hoje.
P/1 – Antes de a gente entrar nesse ramo da música, então vamos lá, vamos listar os empregos que você teve: de engraxate você foi trabalhar num supermercado...
R – É. De engraxate trabalhei num supermercado por uns dois meses.
P/1 – E era ali perto, ali no Parque São Lucas?
R – Era. Tudo ali mesmo. O mercado era do outro lado da rua, eu engraxava de um lado e o mercado era do outro, então eu fui trabalhar lá. Quando eu estava trabalhando ali a gente mudou.
P/1 – Para a Vila Industrial.
R – Foi, para a Vila Industrial. Aí eu saí do mercado e fui trabalhar numa padaria. Acordava às cinco horas da manhã, moleque de 12 anos ____________. E nessa padaria fiquei uns dois, três meses também porque não dava, trabalhava até... Não lembro até que hora eu trabalhava, acho que duas, três horas da tarde. Dali foi que pintou esse lance de trabalhar na casa de couros em São Caetano. Aí fui trabalhar lá. Vender prego, tachinha, entendeu, pedaço de couro, aquelas coisas que o sapateiro usa. Desse trabalho, deixe-me ver se... Não. Entre a padaria e a... Eu trabalhei numa loja de calçados, vendendo calçados, ali na Vila Industrial também, foram também poucos meses. Aí para a casa de couros, da casa de couros... Rapaz, agora deu branco. Não lembro mais.
P/1 – Foi na metalúrgica?
R – Eu tinha uma metalúrgica também. Fui trabalhar numa metalúrgica. Aí a gente já tinha mudado, a gente mudou da Vila Industrial e fomos pra Vila Rosa, que é Vila Zelina, Vila Prudente, ali. Dali que eu fui para a casa de couros, na verdade. É isso aí, na transição entre a loja de calçados, aí fui para a Vila Rosa, fui para a casa de couros em São Caetano _______. Fiquei... Não lembro, seis meses, um ano. Daí fui para a metalúrgica, que era perto de casa, trabalhei também poucos meses, aí meu amigo abriu essa loja, esse ex-vizinho da Vila Industrial. Daí eu ia trabalhar, aí eu fui trabalhar com ele. Saí da Vila Zelina, Vila Rosa para...
P/1 – Você tinha uma experiência de comerciante...
R – Vila Rosa não. Vila Bela. Vila Rosa é outro local. Vila Bela. Vila Rosa era na Vila Industrial. Vila Bela é Vila Zelina.
(troca de fita)
P/1 – ...experiência como comerciante a vida toda e depois foi trabalhar na indústria. Que diferença tinha entre uma atividade e outra? Como foi?
R – Na verdade eu não tinha muita noção de uma coisa e da outra. Era trabalhador, a princípio era trabalhar, não importa o trabalho, o que não sabia aprendia. Então quando eu saí dessa casa de couros e fui para a metalúrgica, já morando na Vila Bela, foi um aprendizado bem legal, a manusear ferros em geral, de tudo quanto é tipo de coisas, trabalhar com furadeira, torno de _____________ coisa de peças e tal. Aí estava chegando a fase de ir para o exército. Não. Não. O exército ainda ________________ é depois. Dessa metalúrgica eu fui trabalhar na Ford, que foi a fase entre exército e... Aí fica aquela coisa, ninguém pega, você é mandado embora e ninguém vai te pegar. Aí eu tinha um tio que já era torneiro mecânico, alguma coisa assim, dentro da Ford e me arrumou. Aí eu já estava com 17, 18 anos, era uma coisa que nem podia na época, mas assim, aquela coisa da carta branca, das costas quentes, aí eu fui trabalhar de _________________ metalúrgica também, foi dentro da Ford, ali no Ipiranga______. Mas essa fase aí não tinha como, não podia, aí eu tive que parar. Nisso foi que meu amigo montou a loja, lojinha. Então nessa fase de 17, 18, 19, enquanto não arrumava um trabalho eu fui ajudá-lo na verdade, já gostava de música, já comprava disco para caramba, já consumia música. Fui trabalhar com ele e dali não voltei mais para outro local, o comércio me ganhou, a música me ganhou de vez porque de lá eu fui trabalhar em atacadista, depois fui para gravadora, entendeu? Tem muito chão aí, mas vamos por partes.
P/1 – Esse seu gosto musical, como foi moldado? Por influência de que bandas, ou de quais pessoas?
R – Olha, existe uma cena marcante que até hoje eu conto pra todo mundo, para os meus clientes, amigos e tal, quando tá se falando: “Qual música marcou mais e tal?”. Existe um marco muito importante, que em 1970, numa festa de noivado de um desses tios meus, estava ouvindo meu radinho de pilha e tiveram duas músicas que foram fatais. Foram “Born on the bayou”, do Creedence, estava tocando no radinho as musiquinhas. Então estava aí entre “Born on the bayou” e “Oh! Darling”, dos Beatles. Uma atrás da outra. Essas duas músicas acabaram comigo. Na verdade acabaram não, foi o que me formaram. Então essas duas músicas foram fundamentais para a minha vida, que a partir daí eu saquei que existia outro universo musical a não ser aquelas coisinhas básicas que existia na época, que tocavam na rádio. Então foi a partir dessas duas músicas que... Essas me moldaram, abriram a percepção musical. Depois já vieram, através dos amigos, amizades, os trabalhos, desses trabalhos que eu já citei, várias informações, várias indicações, mas aí o rock me pegou, porque eu já estava entrando de cabeça em Beatles ______________ muito... E Creedence também, que era o peso, era uma das _______________ em termos. Já existia Led Zeppelin, Black Sabbath, mas eu não tinha esse acesso, aí foi que entraram os mais pesados, que é o Back Sabbath volume quatro e o Led Zeppelin volume quatro. Esses dois discos aí já 71 para 72. Além do Brad, além do Aphrodite’s Child, que isso aí era minha vida. Elton John também para caramba, Elton John. Para mim _____________ da música pop contemporânea porque o cara foi fantástico. Apesar de hoje, como todos os antigos, está fora da realidade, mas Elton John foi fantástico, fundamental para os anos 70 _________________.
P/1 – ______________________________________
R – ...um jeitinho, engambelava a mãe e o pai, sabe? Inventava uma história, mas chegava com o disquinho debaixo do braço, com certeza. Aí eu já estava sendo autônomo, já estava tendo autonomia a partir dos 14, 15 anos. Eu já trabalhava, já era registrado em carteira. Então eu já era um homem, sentia-me no direito. As coisas começaram, naturalmente, a fazer parte.
P/1 – E você se lembra de alguma loja favorita para comprar discos? Tinha uma específica ou...
R – Tinha em São Caetano, eu só não lembro o nome da loja. Em São Caetano, na... Caramba. Esqueci o nome, Rua João Pessoa, alguma coisa assim, uma dessas ruas famosas de São Caetano. Tinha uma loja na qual... O Aphrodite’s Child eu comprei em Santo André, foi no Jumbo Eletro, na época. Depois eu comprei Folhas, Bee Gees e tal, mas em São Caetano eu comprei um bem marcante também, foi o Alice Cooper, compacto do Alice Cooper, “Elected”. Eu estava passando, a loja, eu conhecia, mas nunca tinha entrado, porque sempre duro, passava... Cara, quando eu entrei, ficava numa galeria. Quando eu entrei que começou aquele ____ inicial de “Elected”, cara, eu quase caí de costas. Foi da hora. Falei: “O que está tocando?”. Era um compactozinho: “Quero um já”. Então essa loja depois eu comprei várias coisas ali. Mas eu nunca tive assim, uma loja específica, porque logo em seguida _______________ aí eu já, diretamente, _______________ além do funcionário, o consumidor também. Aí comecei a ter acesso, a vir com ele comprar no atacadista aqui no centro tudo que saía na época ____________. Então nisso eu também acabava comprando o meu, ele me deixava comprar pelo preço de atacado. Aí já não era mais o consumidor, eu já tinha um acesso direto ao produto.
P/1 – Então agora vamos entrar na loja do seu amigo então. Qual era o nome da loja?
R – Pop Style.
P/1 – Como era a fachada? Como era?
R – Era num cubículo, cara. Era mais ou menos nesse tamanho aqui, um pouquinho maior, porta de rua, de ferro. Era exposição de LPs dos dois lados assim, os compactozinhos no fundo para não ser roubado, porque o compacto era fácil de roubar. Então LPs ficavam nas gôndolas assim e a loja era o must do lugar. Não tinha na região, na Vila Industrial ali por perto, só tinha em outros bairros. E tinha feira de domingo também, na rua do lado principal, na Morais Costa. Eu fui para lá... Antes de começar a trabalhar com ele já ________________ uns meses antes de eu começar a trabalhar com ele, de entrar nessa fase do exército, já era o point da galera se cruzar e ouvir música, ouvir o que tinha na época. Então foram muitas amizades ali se formando com esse tempo todo. Inclusive tem um desses amigos dessa época que trabalha comigo até hoje, ele está comigo, trabalhando comigo. Eu o resgatei depois que eu montei a loja, a gente não se via anos e anos, mas era o parceiro mesmo da época, um dos maiores parceiros de música, depois shows, aquelas coisas. Então essa lojinha foi o foco mesmo dessa galera da mesma geração, crescer juntos e virar turma, viramos a turminha na época, das meninas, namorinhos, aquelas coisas todas. Ir para show junto, ir para um baile da época, os bailinhos da época, que hoje são as casas noturnas, os bares. Então essa turminha foi mais ou menos formada aí através dessa lojinha nesse momento.
P/1 – E essa loja se dedicava a vender discos de rock ou eram outros gêneros musicais também?
R – Não. Tudo, tudo. Muito mais o popular. O rock foi _________________ para o pobre consumidor mesmo, que tinha pouco, mas assim, o rock vinha depois. Era o sertanejo, eram os galãs do Sílvio Santos, a galera da época, os Paulo Sérgio da vida, Wanderley Cardoso, esses caras que mandavam na música, que eram os grandes nomes da época. Roberto Carlos sempre, vai ser sempre, eternamente, o rei, nosso rei musical. Então era um pop. O que tocava na rádio e o que o povo pedia. Então a lojinha vendia isso, de tudo, de tudo um pouquinho. Então a informação musical era abrangente para caramba.
P/1 – E qual era o perfil do público que ia lá na loja? Pessoal mais novo, mais velho ou depende do gênero de música?
R – É. Depende muito do gênero, mas é de toda idade, mas geralmente mais para adulto, né? Criançada, molecada, é que nem hoje, né? Uma criança de dez, 12 anos já vai comprar tudo, já quer tudo, já sabe o que quer. Naquela época não. Eram mais os adultos mesmo que compravam. O povo humilde mesmo que... Era o pessoal do local mesmo. O perfil era esse. Quando aparecia alguém de um nível superior, uma coisa assim mais elevada musicalmente inclusive, mais informada, para mim, para gente era uma ______ porque a gente se interava mais, empolgava-se para caramba. Eu lembro muito bem que acabei virando __________ de um cara meu brother assim que era lá do local também, mas assim, outro patamar de nível social e acabamos virando amigos por causa da música. Nossa interação, nossa química musical foi tão forte que viramos brother, até hoje somos também, entendeu? Fora esse que trabalha comigo até hoje, quem se tornou o meu grande irmão musical e a gente foi assim, fomos sócios musicais muitos anos quando a gente teve que dividir a nossa... A gente comprava juntos, começamos a comprar juntos tudo que a gente gostava, então era meu e dele. Chegou uma hora que cada um teve que ir para um lado, a gente se dividiu: “Essa parte é minha, essa parte é sua” irmanamente. Tipo 3000 LPs ficou a minha parte, 3000 para ele. Então a gente já era uma coisa monstruosa. Tornou-se um grande irmão musical. Partindo dessa coisa de sociedade, de nível de consumidor, ele foi um cara que se tornou um grande consumidor por minha causa ________________ compatibilidade musical porque ele comprava nas grandes magazines da época. E a lojinha que ele não dava bola, vamos dizer assim, na época, acabou dando por minha causa, porque o nosso gosto musical bateu e aí eu o informava, ele me informava, ficou sabendo de tal coisa, não tenho ainda, vai buscar, vai atrás. Então mais ou menos assim, entendeu? A gente virou irmão para caramba até hoje.
P/1 – E nessa época você já tinha sido picado pelo mosquito do rock e viveu uma época de ___________
R – Vivi.
P/1 – Quais eram os seus favoritos ali na loja nessa época da lojinha?
R – Olha, cara, as bandas favoritas? Todas elas. Todas. Eu sempre tive a necessidade ou vontade _________ tudo. Tudo. Entendeu? De todo estilo de música. Inclusive hoje em dia lá na galeria tem as lanchonetezinhas lá embaixo e tem o pessoal do Norte, Nordeste, né? Música deles, bregas. Eu brinco sempre com um deles, quando ele soube disso ele falou: “Não acredito. Você é um roqueiro e você sabe tudo isso”. Porque eu sei o repertório deles todo. Conheço tudo, vendi isso, trabalhei com isso. Então eu canto as músicas, os caras falam: “Pô, sabe disso?”. Entendeu? É um barato, velho. Porque é uma coisa que quem é do ramo mesmo, quem viveu essa... Não perde. Tá na veia. Tem poucos hoje em dia que sobraram dessa época que foram profissionais do ramo, mas quem não viveu ______. As bandas _______________ de colocar Pink Floyd e Led Zeppelin. Todas elas. Todas que surgiam, as novas, tem uma infinidade.
P/1 – E quem foi o seu grande professor de crítica musical, de conhecimento de bandas?
R – Rapaz, agora você me pegou. Professor teve um que me abriu exatamente essas portas, os primeiros passos para o rock mesmo, apesar de que aí já era Kiss, já da fase Kiss, da fase mais o glam rock que se fala, que eram as caras pintadas, as roupas, os _______ da vida, as roupas de cetim brilhante. Aquela coisa do glam rock mesmo, né? Meio andrógeno e tal. Foi um tal de Bochecha. Foi o cara que me apresentou Nazareth, Black Oak Arkansas. Nossa, tem uns nomes assim que fogem agora, mas assim, muita coisa. _______, mais profundamente, entendeu? Saiu de Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin que eram os três manda-chuvas, vamos dizer assim, mais respeitados, mais considerados. Jethro Tull. Aliás Jethro Tull foi uma das coisas que ele me apresentou assim, que é outro divisor de águas também, a música _________ do disco Aqualung e minha loja existe por causa disso. Porque quando eu ouvi Aqualung em 1974, ela já tinha saído, naquela época os discos saiam lá fora, demorava um ano ou dois para sair aqui o mesmo disco. Às vezes saía o disco novo aqui e o primeiro ou o anterior que tinha saído lá saía depois aqui. Invertia tudo. Aqui a coisa era complicada, né? ___________ Aqualung que foi a música que me... Aí foi um divisor de águas definitivo em estilo musical. Era um rock básico, batido. Aqualung é. Aqualung tem tudo, tem folk, progressiva, tem metal. Era tudo numa música só. Se você analisar ela tem três ou quatro perfis musicais, vertentes musicais em uma só concentrada. Quando eu vi aquilo “tararararara” falei: “Nossa, o que é isso?”. Ninguém fazia isso. Era “tandandandandan”, né? Era uma coisa básica, né? Então Aqualung foi uma música que realmente arrebentou comigo, graças a Deus. E esse Bochecha foi uma das pessoas que me introduziu para ir em frente nessa parte, porque apesar da crítica, da reprovação familiar... Ser roqueiro era como marginal, marginalismo total, eu fui em frente. Chutei o pau da bandeira e não quis nem saber.
P/1 – Você chegou a ter vários conflitos em casa por causa desse gosto?
R – Não. Não conflitos, mas assim, lógico, o fato de volume alto, quando era uma coisa que não era gosto geral, claro: “Abaixa esse volume. Você gosta dessas merdas”. Coisas assim, conflitinhos básicos, nada radical, nada muito forte.
P/1 – E aí na loja do seu amigo quanto tempo você ficou lá?
R – Quanto tempo? __________________ Acho que dois anos mais ou menos, dois anos e pouco. Como funcionário. Mas assim, diariamente lá. O point era lá. O ponto da galera era lá, os fins de semana, as noites, marcava para a gente sair. Mas trabalhando foi mais ou menos uns dois anos. Dali exatamente eu saí ________________ trabalhar com outra coisa, não consegui, aí apareceu, ele mesmo me falou. A Prosom que era o nosso distribuidor da época, tinham vários, ______, Prosom, não lembro o resto, Comunicação. “A Prosom está precisando de vendedor. Você não quer ir lá? Não quer ir trabalhar?” “Lógico”. Eu fui na hora ________________ dessa loja um hiato de uns três, quatro meses entre sair dele e trabalhar, fui trabalhar no atacadista. Aí sim. Ah, agora você me lembrou bem do meu grande professor. Esse foi meu grande professor, foi o Flavinho, que Deus o tenha em memória. Esse foi o meu “brodaço” também. Chamava de “brodaço”: “E aí brodaço?”. Foi o que me... Porque aí era um distribuidor. Tinha todas as gravadoras, tudo que saía. Então o acesso foi monstruoso, amplo demais. Todas as gravadoras e tudo que saía existia lá, tinha que ter, era natural. Desde a música clássica ao mais brega possível, sertanejo, enfim. Então ele já era roqueiro e ele era mais roqueiro do que eu já também, mais velho um pouco, então foi meu grande professor. Aí abriu o leque geral. De lá para cá só salvou.
P/2 – E na época que você trabalhava nessa loja do seu amigo, você citou que vocês iam nos atacadistas comprar. Com que frequência isso se dava? Como é que se dava a escolha ou mesmo o estoque?
R – Olha, era muito... Uma vez por semana, às vezes nem tanto, às vezes até mais. Porque às vezes saía um sucesso e ele comprava determinada quantidade, vendia mais rápido do que se imaginava, tinha que correr lá e buscar de novo. Muitas vezes... Eu fui poucas vezes com ele, ia mais ele porque ele era o dono, eu tinha que ficar cuidando da loja, se fôssemos os dois não tinha quem cuidasse. Então a frequência de compra era semanal, uma vez, no máximo duas vezes por semana, às vezes cada 15 dias. Dependendo ______________ do consumo, da falta de mercadoria ___________ ir lá e trazer. E às vezes estourava um sucesso que tinha que correr e buscar uma quantidade razoável para manter pelo menos até a próxima ida. Era mais ou menos assim.
P/1 – E com o que sobrava na prateleira? O que vocês faziam com disco que não saía?
R – Era complicado. Porque na verdade ele era muito... Ele já, pelo próprio fato do aprendizado ensinar, ele quase comprava aquilo que já saía, mas o que ficava, porque sempre fica, depois de determinado tempo o próprio _________________ depositou confiança, aquela coisa de você ser realmente um bom pagador, um bom cliente. Então havia assim uma troca. Existe até hoje. Ou com defeito, às vezes vinha com defeito, dava defeito. O defeito já era automático, natural que era automático. Agora, um encalhe, que se diz, era uma coisa assim mais ___________. Juntavam-se várias peças: “Olha, tem tantas peças que dá para trocar”. Aí entrava com um valor menor e trocava por mercadoria atual e se pagava a diferença. Era mais ou menos assim que funcionava.
P/1 – O senhor lembra de algum disco que gerou muita expectativa mas foi um fracasso retumbante de vendas? Alguma coisa assim...
R – Existe, cara. Existe. Agora, para eu lembrar assim da época é complicado. Sempre tem, né? Sempre tem aquela coisa. O próprio Roberto Carlos mesmo. Aquele disco que ele está com um cachimbo, capa amarela é um disco que saiu com uma expectativa de venda fantástica, que tem “Além do Horizonte”, é o disco que tem “Além do Horizonte”. Na época ele foi um fracasso. Depois ele retomou o seu lugar, mas foi um fracasso. É um disco que marca bem, dá bem esse parecer. Porque o Roberto Carlos era obrigatório todo mundo ter. Saía dezembro que era um disco do final do ano, todo mundo dava de presente, todo mundo comprava para si. Mas esse disco não veio com aquela pegada dos discos anteriores. E é um puta disco, na verdade, mas ele foi um dos discos que causou essa coisa assim, todo mundo comprou mais do que ele vendeu.
P/1 – Até para o vendedor prever se um disco vai sair ou não vai sair, ele tem que entender mais de música que o consumidor em geral? É necessário?
R – Tem. O tino musical é uma coisa que os vendedores da época, todos profissionais da época, que era obrigado a ter, a maioria tinha. Chegava um disco novo na loja ___________ era um artista já famoso então era curiosidade geral, agora, quando era uma coisa meio desconhecida poucos se interessavam, mas sempre se descobria uma música: “Essa aqui se tocar é sucesso”. E as gravadoras se baseavam nisso, porque muitos profissionais do ramo que depois acabei fazendo parte deles com o passar dos anos, que eram consultores. Eram consultados nas lojas famosas de São Paulo, consultados: “Desse disco, qual a música para vocês que é a música de trabalho?”. Então através disso as gravadoras iam para as rádios e trabalhavam. Muitas músicas foram feitas, muitos sucessos foram feitos assim, através de uma pesquisa rápida: “O disco Fulano de tal, que música...”. Às vezes tinha uma música de trabalho que a gravadora escolhia, mas a música de sucesso mesmo era outra, que foi fazer sucesso, foi vender o disco, estourar o artista, muitas vezes muitos foram assim. Nunca era a música que a própria gravadora resolveu trabalhar, decidiu trabalhar. Então essa coisa do tino musical assim, eu tive muito desse tipo de coisa assim. Fui muito consultado também inclusive depois que eu entrei na Polygram eu cheguei a fazer parte de um grupinho que a nossa ideia, a nossa decisão é que mandava. É o que realmente funcionava.
P/1 – Tem algum caso que você _____________ ou após a gravadora que acabou não dando certo e o que estourou foi outra música do disco?
R – O disco do Cazuza. “Faz parte do meu show” foi uma música que nós descobrimos, porque o Cazuza não era bossa nova. O Cazuza veio com “O nosso amor a gente inventa”, depois “Exagerado”. E a música Faz parte do meu show a gente falou: “Essa música é maravilhosa. É um MPB...”. E é mesmo, né? Uma música... Não é Cazuza ali se você for comparar, não é Barão Vermelho. Então essa música foi uma música que nós escolhemos como próxima música de trabalho e arrebentou.
P/1 – Essa foi um caso que vocês acertaram. E tem um caso que vocês erraram, mas que ficou famosa?
R – Ah, teve. Tiveram casos assim, porque é muito difícil você acertar realmente quando... Dos anos 80 para cá as rádios, a música em geral começou a tomar novos rumos ________________, as rádios foram tomando outros ______, tendo outros formatos, cada um tem um segmento e tal. __________________________________ a mesma coisa, né? Então tal rádio toca, tal rádio não vai tocar, tal rádio não vai querer. Ficou mais difícil. Então a gente dava um tiro... Que deu errado assim... Difícil lembrar. Teve de acontecer assim __________________ novela geralmente. Vendia o disco da novela, mas o do artista não, entendeu? Emílio Santiago, vamos dizer assim. Saía em todas as novelas, sempre música em novela, a Alcione... Puta, não me lembro assim, é muita coisa para lembrar. Mas então tocava na novela, o cara comprava o disco na verdade porque tinha todas as músicas boas, mas o disco do artista não tinha muita música atrativa. A não ser que o cara gostasse do artista. Então se vendia o disco da novela e o disco do artista ficava. Ou vendia bem menos, bem pouco e às vezes vendia mais do que a novela quando o disco era bom, não era um hit exclusivo mesmo. Lembrar de algum... Tiveram vários assim que a gente tentou, mas não deu certo, não chegou aonde devia porque cada disco, principalmente de artista nacional, o internacional nem tanto, mas ________________ a gravadora tinha uma estimativa pelo que ela investiu do artista na gravação e todo o merchandising geral, tinha que se atingir uma meta de venda. Se não atingisse, meu amigo, era terrível, sobrava para todo mundo, inclusive para o próprio artista, porque o custo é X e vendeu X menos, então deu prejuízo. A preocupação sempre era essa, de fazer com que superasse o custo e desse os lucros necessários para a gravadora, para o artista seguir em frente, a gravadora manter o artista e tal. Então é uma coisa assim. Eu não me lembro muito bem dos que deram como furo na água porque eu não consegui captar nenhum aqui. Mas lembro de mais um que foi um grande sucesso. Foi o “Still loving you” do Scorpions também. Foi uma música que como tocar o rock, o balaio de rock, nunca... Eu acho que a primeira balada de rock pesado __________________ pros Bon Jovi da vida que vieram depois, mas o “Still loving you” do Scorpions foi uma música que quando eu ouvi era eu e um parceiro e mais os _______________. Falou: “Olha, vocês estão cegos. Realmente você...”. A gente quando ouviu o disco tinha “Rock you like a hurricane”, que é puta pesada, mas quando eu ouvi eu falei: “Nossa, que...”. E era _____________, quase seis minutos se eu não me engano. Ela tem isso. Numa rádio? Não toca de jeito nenhum. São quatro minutos estourando, né? Total de tempo, aquela coisa do formato musical de rádio. E essa música foi uma música que estourou. Tanto que eles vieram para o Rock in Rio, aquela coisa toda, por causa dessa música “Still loving you”. Lembrar dos furados eu prefiro nem lembrar. Porque não chegou, não veio um agora que a gente falou... Estou tentando achar. Ah, teve. Teve as bandinhas, geralmente eram as bandas novas. A fase Menudo fez muito isso. Então tiveram aquelas bandas nacionais que eu esqueço o nome agora inclusive...
P/1 – Dominó.
R – Dominó. Mas teve outra que a Polygram quis realmente ir na onda - que eu trabalhei na Polygram - na onda da __________ e lançou a banda que eu esqueci o nome agora, cara. Era molecadinha assim também. Tomaram um revés total, entendeu? Não deu em nada. Mas eu não me lembro o nome agora. Esse é um dos casos que aconteceu.
P/1 – Vamos lembrar um pouquinho então da sua época trabalhando em produtoras, na Polygram. O senhor disse que o senhor trabalhava numa loja de discos...
R – É. Eu trabalhei numa loja de discos, fui para o atacadista...
P/1 – Para o atacadista e acabou vendendo discos para vendedores de discos.
R – É. Para lojistas.
P/1 – Como é que foram essas duas atividades?
R – Isso. Eu trabalhei de lojista, passei a ser o distribuidor para lojista ____________ e eu fui convidado para trabalhar na Polygram, porque ali eu me tornei, junto desse ______ eu tornei-me junto com esse meu professor os tops de vendas. Conhecedor geral. A gente não tinha estilo. A gente sabia de tudo. Então nos tornamos grandes vendedores, os maiores vendedores. O Brasil inteiro ligava e mandava a gente _____ os grandes lojistas de tudo quanto é lado. Então a gente acabou se destacando. Quando a Polygram precisou de um vendedor me chamaram, eu fui indicado, todo mundo me chamou, os próprios vendedores da Polygram também já eram meus amigos e tal. Sabiam que a gente era fera, não ia ter erro. Então me chamaram. E o Flavinho que era o meu brother ele ficou porque ele já era um braço direito do homem, do patrão. Então ele não precisava, ele não tinha que sair. Eu já era mais aventureiro: “Eu vou nessa. Eu quero ir para ver qual que é”. E fui. Aí foi em 79 isso. Eu saí de lá em 80, fiquei um ano e pouquinho, não chegou um ano e meio, foi uma fase de transição também de Phonogram pra Polygram. Mudanças de todas as gravadoras, de uma comprar a outra, comprar parte, essas coisas. Aí tiveram que fazer um corte e eu fui mandado embora, mas com a seguinte _______________ se fosse necessário novamente eles... “Infelizmente eu tenho que te mandar embora, mas você, o primeiro que a gente precisar, a gente vai te chamar”. Mas não deu outra, não durou nem um ano. Eu fui trabalhar nesse _______________ estava sendo montado na época o Shopping Eldorado, na loja, a gente montou uma loja, eu ajudei a montar essa loja. Montar assim, a equipe de compra e vendas a elaborar o acervo da loja na verdade, lacrar disco. Já era uma nova etapa, discos lacrados, coisa que não existia na época. Então lacrava máquina de disco, sabe? Coisa fina para caramba, Shopping Eldorado, Zona Sul, aquela coisa toda. Então quando eu estava trabalhando no Shopping Eldorado, isso foi no final de 80, aí quando foi julho de 81 me chamaram de volta, a Polygram me chamou de volta. Quer dizer, então só teve esse buraquinho aí, né? ______________ voltei para a Polygram. Aí eu voltei e fiquei até 89.
P/1 – E como é que funcionava lá na Polygram? Eles compravam os discos ou a...
R – A Polygram era assim, na verdade na Polygram eu fui trabalhar de vendas também. Era vendedor de rua. Aí eu fui vender para lojista. Eu tinha o meu roteiro de vendas, minha carteira de clientes, o primeiro passo foi esse. Eu fui trabalhar, tinha meu setor, então aí você _________ na gravadora, quem tem bom crédito, quem trabalha que é o bom pagador vai ser bem atendido sempre, né? Tem a disposição o que quiser. Então eu fui trabalhar na Polygram de vendas e sempre por ser mais novo, molecão da turma, porque era tudo cobra criada, vendedores de dez, 15 anos, tudo velhão já que está no embalo para caramba. Tudo macaco velho. E eu no meio dessa turma, eu fui um macaquinho, eu fui junto. E aí ______________ aprendizado. Aí já tinha um carro, já tinha o meu carrão, meu Fuscão 74. Então fui trabalhar na rua e fui me destacando dentro desse negócio de intuição musical. Nas reuniões de audição, quando saía um novo setor de suplemento de vendas, todo mês tinha, né? __________ a gente ouvia em cada estilo os discos. Então já vinha desde cima determinada a música de trabalho e a gente já consentia essa mesma, todo mundo concordava que era isso mesmo ou então tinha essas diferenças: “Pode ser. A música não é ruim, mas tem a outra que é melhor”. Então nesse meio todo eu fui me destacando nesse sentido. Até quando foi... Tinha as reuniões também, as convenções que se fazia para novos planos, novas mudanças, nova direção, enfim, novas coisas que viviam acontecendo. Eu fui chamado para trabalhar no Rio de Janeiro, fui convidado para ir pro Rio de Janeiro por causa da parte internacional, eu matava a pau mesmo, eu acertava a maioria. Porque era roqueiro, cara. Música internacional para mim eu já me identificava fácil. Eu tinha mais noção, sei lá, intuitivamente eu me dava bem. Então _____________ Rio, mas justo nessa época eu tinha me casado, mulher esperando filho, aí eu deletei. Não pude ir. Não tinha condições de ir, né? Eu estava sem perspectiva, sem base para encarar o negócio, com filho nascendo não dá. Então eu acabei ficando aqui. Isso foi em 87, meu filho nasceu em 87 __________________ acabei ficando até 89. Aí foi quando eu saí. Deu uma pane geral, tiveram que mandar um monte de gente embora.
(troca de fita)
P/1 – Você estava falando dos seus tempos de vendedor da Polygram, que você tinha sua carteira de clientes. Eu queria saber quem que eram os seus principais clientes e se dentre esses tinha alguém lá da Galeria do Rock já nessa época.
R – Tinha. Eu tinha os atacadistas na época. Eles dividiam os setores em quatro partes da cidade, então cada grupo de vendedores tinha do melhor __________ vamos dizer a ramificação é dividida em quatro, então do melhor aos piores. A lojinha de bairro que comprava aquela merrequinha mensal e tal. Então eu tive... De funcionário passei a ser vendedor da Prosom. Teve um tempo que eles foram meus clientes e fez parte também da minha carteira de clientes a Hi-fi, Museu do Disco. Os famosos assim, a Bruno Blois que foi uma loja do centro também muito famosa da época. Então faziam parte dessa turma.
P/1 – E como é que era a Galeria do Rock nessa época?
R – Ah, sim. E da Galeria do Rock era a Baratos Afins meu cliente, que se tornou meu cliente. Porque vira e mexe eles remanejavam, tiravam um cliente meu, dava outro, passava, sabe? Também incentivar e às vezes merecidamente porque merecia um pouco mais, eles davam um pouco mais também. O Baratos e Afins acabou sendo um cliente meu durante muito tempo e agora somos vizinhos.
P/1 – E a Galeria do Rock já era a Galeria do Rock? Como é que era naquela época?
R – Não. Não. Naquela época era a galeria. A Galeria do Rock acabou se tornando por causa do boom punk, os movimentos grunges, principalmente. Acabou se tornando um point porque tinha espaço para essa galera se encontrar e acabou virando naturalmente o point. Então no começo dos 80 era normal. Quando a galeria se tornou o polo comercial para música, abriram-se muitas lojas, foram abrindo muito rapidamente. Isso já foi no meu final de Polygram, eu já estava quase saindo. Foi em 87, 85 para cima, né? Como eu saí em 89, de 89 eu fiquei uns meses sem trabalho e em 90 eu montei a loja. Então aí já era Galeria do Rock, aí foi se tornando... Porque foi o próprio público que acabou dando esse nome: “Vamos para a Galeria do Rock?”. Lá você encontrava rock mesmo. Você queria rock era lá. Além das lojas mesmo tinha a concentração mesmo musical, porque já tinha a Woodstock. A Woodstock foi meu cliente também. A Woodstock não era da galeria, mas era uma das grandes lojas dos anos 90, dos anos 80 na verdade, que deu esse up para o rock também e tal. Então o Valcir foi um grande catalisador disso na verdade. ______________ tinha essa coisa assim. A galeria acabou se tornando Galeria do Rock por causa disso.
P/1 – Essa galeria que ainda não era do rock, era na Vinte e Quatro de Maio que se notabilizava por ter outras lojas de discos importantes também, como você falou. Qual que era o cenário cultural que favoreceu essa concentração ali naquela região? Você tem como falar?
R – Rapaz, o cenário cultural, não sei. Talvez assim, ainda não existia o lance das tribos que existem hoje. A convergência roqueira era quase a mesma. Era todo mundo mais ou menos mesma turma, mesmo pensamento, mesmo gosto musical. Metal começou. Era o metal na verdade, o heavy metal entrou com Iron Maiden, Metallica ____________ que era um som mais pesado. Então fez com que essa convergência fosse para um lugar único. A partir daí o punk junto com isso, que também é outro divisor de águas, foi o que trouxe essa turma, aí as tribos musicais começaram a se formar mundialmente. O punk foi muito radical. Radical e o metal era o extremo, um extremo ao outro. Então fazia com que as tribos se encontrassem, quer dizer, na verdade o povo se encontrava, daí foi formando. Porque o grunge também se tornou uma tribo nova que na verdade nada mais é do que o hard rock. O grunge foi uma forma de dar um nó no movimento da época com os Nirvana, os Pearl Jam da vida. Acho que ela acabou sendo agradavelmente um local para o roqueiro, um local mais indicado. Até hoje acabou se tornando... E hoje é fundamental a Galeria do Rock. Mesmo com a sangria que é hoje trabalhar com música, _____________ difícil para caramba sobreviver no comércio de música em função da tecnologia toda disponível aí.
P/1 – Ainda um pouquinho antes de entrar na Aqualung, antes de _________, eu queria voltar um pouquinho na época da Polygram. A relação com as rádios. Quando tinha um artista novo, um disco novo, como é que era? A Polygram procurava as rádios para tocar? Como é que era?
R – Existia a equipe de divulgação. As gravadoras tinham a equipe de divulgação que só saía pra fazer isso, trabalhar em rádio, cada... É como a equipe de venda. A equipe de venda tinha o seu setor, a equipe de divulgação tinha a imprensa, rádio e televisão. Eram os três veículos, _______ escrita, falada e televisada. Então existia a equipe, cada um atuava nessa área. O artista novo, uma coisa nova, um lançamento era dirigido para cada veículo da sua maneira. Quando a música era boa, quando o artista, o lançamento era uma coisa já que _________, estava na cara que ia ser sucesso, então não tinha trabalho nenhum quase. Chegava na rádio, já abria as portas, já começavam a tocar. Agora, quando não, quando era uma coisa meio difícil, meio desconhecida ou então dependendo do momento, da época também o roteiro musical, a programação lotada de uma rádio... Começou a existir o tal do jabá, já havia, mas em pequena proporção na época, mas aí existia essa... Então: “Puta, tá difícil. Vai ser complicado. Então vai ter que _____ o jabá”. Quanto que você quer, quanto custa para tocar isso aqui. A partir daí começou essa coisa, para você ser um artista hoje em dia, ou você tem um aparato financeiro por trás ou então na sorte de cair nas graças de um veículo grande, de força grande que faça você virar um artista. Então na época era muito complicado. O tal de jabá funcionava nesse sentido, a música tal tá complicada, a rádio tal, ou então geralmente tinha redes de rádios como tem até hoje, mas então era assim. Para conseguir entrar num determinado veículo grande, nacional, de transmissão nacional, tinha que descer o jabá. Era necessário ter uma grana pesada. Era a gravadora que fazia isso. Hoje em dia não. Hoje em dia é o artista, porque os gravadores estão tudo caídos, coitados, tudo quebrado praticamente. Nem têm condições para isso a não ser quando é um nome já estabelecido.
P/1 – Agora vamos falar da Aqualung então. Em 89 você saiu da Polygram e ficou um tempo parado.
R – É. 89 eu saí da Polygram e tentei sair do ramo, eu desencanei porque já não aguentava mais. Estava difícil viver... Eu queria mudar. Achava que ia conseguir trabalhar com outra coisa, mas não teve jeito. Fui trabalhar até com barraca de camping numas exposições lá em São Bernardo. Fiquei uns três, quatro meses, não deu certo. Nessa época meu filho já tinha nascido, já estava com o segundo para nascer. Separação, de mudança e tal, nesse meu brother que a gente comprava em comum, tinha o nosso acervo junto, eu também mudei, vim para São Paulo, eu morava em Santo André nessa época. A gente fez a separação e eu desempregado, de filho, e mulher, aquela coisa toda pra cuidar, pra você ser responsável e não tinha pra onde ir. Aí percebi que eu queria e não conseguia mais trabalhar com mais nada, que é aquela coisa de trabalhar vivendo de música não me saía da cabeça, não tinha condições, não tinha espírito para outra coisa. Estava na loja de um amigo meu entre amigos e naquela época o evento do CD tava começando, passando do vinil pro CD. A gente conversando, ele na loja dele falou assim: “Ô, meu, porque você não abre uma loja? Você tem tanto vinil.” “Você tá maluco. Vou colocar os meus discos para vender? Que é isso. Mas nem ferrando. Você tá louco”. Ele falou assim: “Deixa eu te falar um negócio...”. Ele tinha muito isso, a troca, o cara trazia os LPs que tinha porque queria o CD e tinha coisa para caramba. Ele falou: “Tudo que você tem, se você abrir uma loja, o que você tem velho, usado que você gostaria de ter o novo, uma hora vai aparecer. Pode vender o seu que vem alguém trazer um novo pra você”. Eu falei: “Orra, é mesmo, né?”. Sabe assim, porque eu já convivia com isso, mas não tinha a noção disso, que a troca era natural. Eu poderia substituir os meus vinis, colocar para vender aquilo que de repente estava em mal estado, eu não dava muita bola, não gostava, tinha só por ter. Aí foi que... E a galeria dessa época que tava num boom de lojistas, estava subindo pela galeria. E eu frequentava a galeria já pela Baratos Afins que era meu cliente, também sabia disso. Aí foi fácil. Aí procurei... Quando deu esse estalo porque eu já tava indo para o saco, não tinha mais para onde ir, família crescendo, filho nascendo e tal. Aí eu achei um ponto lá dentro da galeria e peguei, separei tipo dos meus 3000 e poucos, separei mil e poucos vinis e por questão de trabalho também eu já tinha começado a fazer uma espécie de autônomo. Vendedor autônomo. Eu comprava, comecei a frequentar as lojas que eram de rock que eu já conhecia, que eram meus amigos, ex-clientes inclusive, então eu comprava no atacadista o que eles não tinham. Já tinha: “O que você precisa? O que você quer? O que está faltando?”. Eu às vezes tirava de uma loja e levava para outra. Ganhava centavos por cada um, entendeu, mas me mantinha no volume todo. Então eu já estava sendo lojista, só que ambulante. Aí foi fácil porque consegui esse ponto lá, montei a minha loja e coloquei... e comprava, lógico, tornei-me também um cliente dos atacadistas, da gravadora também. Com isso renovei, realmente meu acervo pessoal diminuiu bastante porque aos poucos eu também fui perdendo esse tesão de ter tantos vinis em casa. Eu acabei me tornando lojista, então todo dia tinha isso na loja, ouvia, tinha acesso fácil para ouvir, matar minha vontade e minha informação musical. Foi isso que aconteceu. Aos poucos eu tive a coragem de colocar o meu acervo a venda, mas eu recuperei a maior parte.
P/1 – A sua relação com as atacadistas facilitou essa adaptação?
R – Ah, sim. O conhecimento comercial facilitou muito, né? Porque era todo mundo, até hoje os que restam ainda do meio, a gente se encontra, todo mundo ainda é unido. Somos amigos até hoje, tem o pessoal de distribuidor, apesar de que mudou muito, mas mesmo assim ainda tem essa parte. É uma questão de vivência mesmo, de você estar no meio.
P/1 – E você se lembra do momento que você decidiu que a loja ia se chamar Aqualung? Como é que foi?
R – Lembro. Eu estava dentro da Woodstock com essa ideia já definida: “Vou montar uma loja”. E, detalhe, ao mesmo tempo em que eu saí da Polygram e estava nesse imbróglio todo, eu lógico fui atrás de outras gravadoras para continuar no meio. Eu tinha uns amigos da Warner, eu tinha feito uma ficha lá e aguardando uma chamada. Uma hora vai aparecer uma vaga, a gente te chama. Enquanto isso aconteceu essa ideia do outro de montar uma loja: “Pô, monta uma loja”. Eu tava dentro da Woodstock falando: “Cara, vou montar a loja”. Achei o ponto, estava nos tramites de documentação e tal. E o nome? Aí tinha Rainbow, vários nomes bonitos de bandas e tal, mas o Aqualung ficava assim: “Pá o Aqualung. Sou eu. Sou eu”. Eu falava: “Mas Aqualung, cara”. Aqualung é aquele instrumento de mergulho, né? Aquele snorkel, aquela coisa mais ou menos isso. Mas ficava, de todos os nomes ela estava lá em cima. Aí deu um start e eu falei: “Valcir...”. Eu escolhi quatro ou cinco nomes para o pessoal que estava ali, os vendedores e o Valcir que era o dono da loja e falei assim: “Qual desses aqui vocês acham que é um nome bonito?”. Todo mundo começou a falar: “Aqualung. Claro. Fácil de falar, fácil de...”. Sabe assim? A ideia se fechou aí. Eu falei: “Então não tenho dúvida”. Quando eu estava montando a loja, limpando, raspando parede, mudando pintura, aquelas coisas todas, realmente montando a loja, a Warner me chamou. Aí fudeu. Eu falei: “Putz, e agora, cara?”. Pensei. Falei: “Puta merda”. Porque era um trabalho remunerado muito grande, era muito bom ser um vendedor na época, entende? Trabalhar numa gravadora, quem que não queria? A remuneração era boa. Aí eu falei: “Puta, eu vou enfrentar do zero, começando do zero”. Mas aí eu falei: “Você quer saber? Eu vou ser dono do meu próprio nariz”. Aí dispensei a Warner e montei a loja. Não montei sozinho, era eu e um sócio. Tinha mais esse detalhe, dividir uma coisa pequena a dois. Mas o cara foi assim, esse parceiro foi um anjo que Deus me enviou para me ajudar nessa parte da loja e me segurar. Três meses depois ele desencanou porque ele era do ramo, mas não era muito, não era integrado realmente. Aí ele ofereceu a parte dele e eu comprei. Aí eu já estava me estabelecendo, já tinha descoberto que tinha dado o passo certo na verdade, na época.
P/1 – A escolha do ponto ali como é que foi? Foi uma oportunidade? Alguém sugeriu?
R – Foi assim, só tinha esse disponível mais fácil, o tamanho era ideal. Então foi assim, nada...
P/1 – Mas tinha que ser na galeria?
R – Tinha que ser na galeria. Ah, sim. Se não fosse na galeria não ia rolar. Por ter sido lá é que essa ideia foi plantada.
P/1 – Você estava falando da escolha do nome Aqualung, você mencionou que estava em outra loja, na Woodstock, que era um amigo seu. Como é que é essa relação com os vendedores ali? Teoricamente você era um concorrente deles, né?
R – É, mas cara, a geração roqueira mais ou menos da faixa etária, não tem essa disputa, não existe essa... Hoje em dia existe porque o... se tornou uma necessidade de sobrevivência. Então não existia concorrência. Eu mesmo sugeri ao Valcir na época: “Pô, você precisava passar para a galeria”. Quando eu comecei a me dar bem, a loja começou a ir bem, a gente começou a crescer, ainda continuava amigo, a gente inclusive fazia as trocas. Como eu fazia antes de montar a loja, eu continuei fazendo isso com muitas: “Eu tenho tal mercadoria. Você tem isso? Quer? Tá precisando do quê? Vamos fazer o rolo?”. Mas fazia. Continuava fazendo. E o Valcir foi um grande fornecedor e grande amigo nessa época, né? Eu até sugeri para ele, ao invés de querer afastá-lo, eu queria que ele viesse para a galeria. Porque era um nome forte, para a galeria ia ser bom. Mas ele já estava estabelecido então ele falou: “Ah, não. Vou ficar por aqui mesmo”. Então não tinha essa coisa da concorrência. Quando mais agregasse, melhor.
P/1 – O senhor lembra qual foi o primeiro disco que o senhor vendeu lá na Aqualung?
R – Não lembro. Não faço ideia. Essa é difícil. Primeiro eu não marquei isso. Isso eu não me lembro porque antes de eu montar lá eu não tinha nem gôndola, então os vinis estavam tudo no chão. Então o pessoal, o consumidor passava e via e entrava e comprava também. “Esse aqui tá quanto?”. Já era. Já estava sendo. Demoraram uns 15 dias isso. Eu não me lembro, não tenho noção.
P/1 – E como é que foi para formar o seu público ali, a sua clientela? Foi natural, era o pessoal que já frequentava a galeria?
R – Natural. Natural porque todo mundo passava, mas como eu tenho a formação sessentona, 70, então eu mesmo partia... Meu prisma era esse de focar o que eu mais gostava. Lógico. Claro. Apesar de ter que ter o que estava na mídia, vender o que o público está querendo, mas eu sempre fui do lance da raridade, de ter as raridades. Eu tinha muita. Então isso também era um atrativo. Acabou naturalmente esse sendo o meu mote, minha coisa.
P/1 – E você que trabalhou naquela loja do seu amigo, que era uma loja de rua, e depois foi abrir uma loja numa galeria. Qual que é a diferença de ter uma loja dentro de uma galeria e ter uma loja de rua? Se é que tem uma diferença.
R – Ah, tem uma grande diferença porque na galeria do caso, a Galeria do Rock, que é a única que eu conheço, que tive a noção, ela por ter sido uma concentração do mesmo perfil de gente, mesmo perfil de consumidor... A rua é quem estiver passando. Então tem desde o forrozeiro ao clássico. Na galeria não. A galeria era rock. Até hoje eu falo, os caras: “Pô, mas você só tem de rock?” “Não. 90% rock, 10% são outras coisinhas. 90% rock”. Então é genuinamente rock. É muito diferente de uma loja de rua. A loja de rua é um transeunte que às vezes você tá tocando uma música para alguém ou para você ouvir, alguém ouve e gosta, para e compra. Na galeria não. Na galeria a gente faz isso hoje. Hoje eu vendo o produto que ninguém conhece, que seja bom, por causa disso, pelo aprendizado de saber o que o público gosta, o público roqueiro consome e vai agradar. Isso com o tempo a gente aprende. Ser um balconista você está disponível a vender qualquer coisa ou então atender alguém que queira uma coisa que você não tem, mas existe.
P/1 – E o que atrai o público para uma loja específica da galeria? Por exemplo, são lojas que teoricamente vendem produtos muito semelhantes.
R – Sim.
P/1 – O que faz que o cliente entre na Agualung e não em outra?
R – Atendimento. Atendimento e atenção, porque apesar da internet, meu amigo, o contato pessoal físico “olho no olho”, a palavra, entendeu? A confirmação de que você tá comprando uma coisa que realmente você não vai chegar: “Filha da puta me vendeu coisa errada”. Não tem coisa igual. Então a gente... Eu digo isso porque ouço isso até hoje e com o tempo a gente sempre evolui. Não existe, a gente ouvia no começo, a gente achava: “Pô, mas no que nós somos diferentes?”. A gente pensava assim... A gente que eu digo é meu irmão, meu irmão que é meu parceiro desde quando eu abri a loja, que veio trabalhar comigo. A gente fala: “Pô, ninguém atende assim que nem a gente? Então é isso?”. Porque o pessoal falava: “Não tem quem saiba e saiba vender e mostrar o produto como vocês. O atendimento de vocês é realmente diferenciado”. Então acabei me certificando disso, que o atendimento é fundamental. A forma de atender o cliente. Porque eu não atendo mais cliente, eu atendo amigos. Você pode estar aí pela primeira vez na minha loja, mas se a sua aura me passar que você já é da casa, você já vai ser tratado como alguém que está há 15 anos comprando comigo, entendeu? Então o cara além desse choque diferenciado, você vai ficar bem, você vai querer voltar. É natural. Você vai querer voltar, falar: “Puta, achei um lugar”. Quantos... Toda semana eu falo isso. Neguinho fala: “Pô, não sabia que...”. Gente de fora da cidade, dentro da cidade também, mas fora de outros estados: “Fiquei sabendo de vocês.” ou então “Aqui é a primeira vez que eu to entrando.” “Seja bem vindo e tal”. O pessoal fala: “Pô, achei o lugar. Achei a casa que eu precisava”. É porque o meu acervo dentro desse perfil que a gente criou, ele abrange o gosto musical maior. É a boa música sempre. Não tem música ruim. Eu nunca te ofereço uma coisa que eu queira me desfazer. Eu estou te oferecendo porque eu sei que é boa e você vai gostar.
P/1 – Você gosta ou costuma fazer indicações para clientes ou ficar conversando a tarde inteira sobre música com clientes? É costume lá na loja?
R – Não tanto porque não há tempo hábil pra isso, entendeu? Eu já tive muito mais isso, mas conversar sobre música assim a gente conversa pouco, mas o suficiente que seja benéfico tanto para a gente quanto para ele. Agora, trocar ideia, ficar divagando não. Isso não. Porque quando o cliente chega, se já é cliente conhecido a gente já tem mais ou menos o perfil dele traçado. Então vai enchendo o balcão, vai isso, isso, o cara: “Opa. Chega. Para. Desse jeito você quer me quebrar.” ou então “Eu só vim buscar isso”. O cara já vem direto para pegar determinada coisa. Mas oferecer e mostrar coisa boa nova, o tempo todo. Sempre foi assim.
P/1 – Então vamos falar um pouquinho da Aqualung, espaço físico agora. Como é que é a loja? Como é que você descreveria a sua loja, fisicamente falando?
R – Loja de porte médio, grande. Médio para grande assim, dentro das perspectivas da galeria, dentro do espaço que ela oferece. Médio. Um porte médio. Eu nem considero uma grande loja, mesmo porque se fosse para ser uma grande loja tinha que ter tudo, aí tinha que ser uma megastore. Então é um espaço... Não teria espaço físico para isso. É uma loja média.
P/1 – E o letreiro, como é que é a decoração para chamar a atenção?
R – Eu tenho um letreirozinho simples na porta com o nome, o logo Aqualung, né? A minha porta, eu tenho as portas de vidro, tem uma porta de vidro que fica aberta, porque como eu sou a última loja, eu não tenho ninguém mais além de mim. Eu deixo a minha porta de vidro aberta com o velhinho da Aqualung, aquele famoso com pôster desse tamanho assim. Então de longe já sabe que ali já é a Aqualung, entendeu?
P/1 – Tem algum lugar dentro da loja que você gosta mais de ficar ou de atender o público...
R – Ultimamente, eu com o passar dos anos, acabei me empapuçando de vender balcão. Ao mesmo tempo criei, além do meu irmão, tem os meus funcionários que são todos “cobra criada” mesmo. Então eu fico mais no mezanino cuidando, bisbilhotando internet e agora muito mais ainda tocando, estudando música e tudo mais. Eu fico ____________ eu desço quando chega um cliente amigo que eu quero ver, que quer me _________ um problema relacionado ao dia-a-dia da loja, entendeu? Aí eu desço e faço... Mas ultimamente eu fico meio escondidinho porque os malas acabam te tirando a paciência e a beleza de trabalhar com música. O tesão de trabalhar com música. Então é muito mala todo dia e eu deixo para eles: “Você fica aí. Só me chama se for negócio legal mesmo”. Não que... Eu me dou o direito, mas não que seja uma coisa estipulada. Às vezes eu pago pau mesmo, vejo que é mala, mas atendo e sou do mesmo jeito com qualquer um, entendeu? Porque é inevitável. Qualquer ramo vai ter o mala, aquele que quer ouvir dez e levar um, ou então aquele que não sabe o que quer, não tem noção e às vezes você mostra, mostra, mostra e o cara sai sem levar nada porque não acertou, não era aquilo. Então é isso.
P/1 – E o interior da loja? Como é que as coisas estão expostas ali?
R – Olha, são duas partes, duas coisas, uma interligada na outra, duas... Como é que fala? Dois módulos, né? Uma parte para CD ___________ DVD e a outra parte para só DVD, camiseta que ainda não estou adequado, mas estou me adequando agora exatamente. É isso. Só essas duas posições com paredes, espalhados os produtos pelas paredes e as gôndolas de estoque tal. Os balcões de vidro, né?
P/1 – O senhor chegou a comercializar pôsteres, ou então instrumentos musicais?
R – Não. Não porque aí a demanda é outra, entendeu? E como já tinha pôster, por exemplo, já tenho, é uma coisa bem esporádica, bem... Então nunca me interessei. Instrumentos então você tem que ter um espaço muito grande e custo também operacional alto.
P/1 – E em termos de equipamento? Você tem lá uma TV com DVD, tem uma vitrola.
R – Isso. Tenho meu equipamento. Eu sou a única loja acho que hoje... A única não, mas sou uma das primeiras e mantenho até hoje, que tenho equipamento e toco música. Mostro para o cliente. Porque a maioria não tem o __________ às vezes o cara ________ para ouvir a música. Ele. Mas não para apresentar o produto. Inclusive a gente tem, já tive vários ____________ isso foi crescendo, ela foi se tornando também necessário que o cuidado especial através do _______ de segurança, de ter certo limite de volume, som. Eu quantas vezes fui advertido e o meu som estar no talo e a galeria inteira ouve, entendeu? Porque o meu sou como é bom, eu carco o _____, não quero nem saber. Eu coloco o volume alto, aí o segurança chega: “Orra, meu”. Porque tem esse negócio de advertência, de multa. Rasguei multa na frente dos caras, falei: “Vai se fuder. Quero saber multa o __________. Aqui é Aqualung, rapaz”. Sabe assim? Tipo, né, dar uma de gostoso mesmo. Porque quantos, quantos mas quantos, isso na semana, toda semana, o cara ouve o som e fala: “Puta, de onde está vindo isso?”. E vai seguindo pelo som e chega lá, fala: “Puta, o que é isso que estava tocando? Acabou de tocar agora há pouco”. Entendeu? Porque, meu, é assim que você atrai. Você não assiste uma TV, não ouve um rádio e você fala: “Puta, esse ________”? Então, a galeria é mais ou menos isso. A loja Aqualung é mais ou menos isso. E os próprios vizinhos concorrentes a maioria deles não critica, pelo contrário, gostam porque sabe... A gente não toca merda. A gente só toca coisa boa. Todo mundo fica feliz, só ouve coisa boa. Dificilmente a gente é obrigado a tocar alguma coisa “ruim” porque o cliente está querendo ouvir, quer assistir. Ou então a coisa massificada que todo mundo já está de saco cheio de ouvir, mas é obrigado a tocar. Tem cliente que é aquele que... Né? Tem aquele gostinho de sair de lá porque ouviu lá e comprou lá. Então é isso.
P/1 – Vocês costumam fazer alguma promoção, algum evento, brinde?
R – Não. Atualmente não, mas já fiz muito no começo dos anos 90 quando a gente abriu. Porque eu mudei de local, quando eu abri era no primeiro andar e agora mudou para o segundo. Foi pela questão de espaço, no primeiro andar era menor. Mas fomos, falando em questão de eventos, fomos os pioneiros a fazer eventos dentro da galeria que era tarde de autógrafos. Ninguém fazia, ninguém tinha noção. Eu, por trazer isso da gravadora, porque a gravadora fazia tarde de autógrafos em lojas esporádicas _________ pontos que era Hi-fi, Museu do Disco tal. As lojas tal dos shoppings ou então grandes magazines levavam o artista para fazer uma tarde de autógrafos. O artista “famoso”. E essa ideia veio comigo. Quando eu abri a loja em 90, em 94 eu tive o grande start de fazer isso lá na galeria e, tive a grande sorte de fazer minha primeira grande tarde de autógrafo foi com o Glenn Hughes.
P/1 – E para você trazer essas bandas, essas personalidades, como é que era o contato?
R – Na verdade o leque de amizade vai se alastrando, né? Então você conhece gente de todo tipo, de toda linhagem do ramo, que trabalha com todo tipo de coisa. Então os produtores de show a gente acaba tendo contato. Inclusive acaba virando até consultor deles. “O que você acha da banda tal? Se trouxer vende? Se trouxer dá público?”. E o Dream Theater foi assim meio que... Na verdade foi o primeiro grande evento que a gente teve e participou realmente, diretamente, foi por causa disso. O pessoal do Dr. Sin conhecia o Jonathan Mover, o batera do Joe Satriani, eles foram gravar um disco lá fora e o Jonathan Mover, conheceram-se não sei de qual forma, acabou tocando em um disco dele e falou que tinha a Dream Theater que era uma banda nova e tinha na mão, que eram amigos e que estavam a fim de tocar. Então os caras chegaram na gente, porque eles eram amigos, nós éramos amigos, falou assim: “Vamos trazer o Dream Theater para cá?” “Vamos. Por que não?”. Aí tinha um produtor no Rio de Janeiro que abraçou a ideia e trouxe. Aí fizemos essa tarde de autógrafos monstruosa, fizemos show no Aramaçã duas noites e fizemos no Imperator no Rio de Janeiro. Então essa coisa assim de contato é natural, um fala para o outro: “Ô, meu, qualé”... Aqualung no caso, né? Aí a gente acabou sendo a referência na época para essas coisas.
P/1 – Depois esse contato fica como? Continua um contato? Existe ainda esse contato, uma amizade?
R – Existe. Claro. Tem uns que se alastram e permanecem e outros não, cada um para um lado, acaba esquecendo, deixando para lá. O cara para de fazer, o produtor leva _________ tombo como se diz. No caso faz determinado show que leva invertida e quebra o cara. Então o cara muda de ramo, sai do ramo, entendeu? Isso tem toda hora.
P/1 – Lá na Aqualung quais são os dias que tem mais público?
R – Sábado sempre. Sábado. Mas os dias principais: segunda, sexta e sábado. Esses dias mais aglomerados de tente. Sábado sempre mais.
P/1 – Tem algum horário que é melhor?
R – Ou então quando há um feriado tipo numa terça, aí na segunda é legal. Ou numa quinta aí a sexta e o sábado são legais. E geralmente quando tem show grande, show de estádio, né? Tipo AC/DC, Metallica, Guns N’ Roses e tal. Aí o público de fora vem e aproveita para vir à galeria. Quem não tem o hábito de vir, não tem como vir direto, aí dá bastante público. Independe do dia da semana também, dependendo do show.
P/1 – Tem algum horário que é melhor também?
R – Não. Não. Assim, um horário específico não. Às vezes, a gente sempre comenta isso aí, a gente tem aquela meia hora que entra todo mundo numa hora só, depois você fica duas horas sem atender ninguém. Pare uma coisa que todo mundo combina: “Vamos lá para a galeria agora”. Então tem isso. Não tem horário específico, não.
P/1 – Na galeria, nas lojas da galeria, às vezes é comum eles venderem ingressos pra show ali, né?
R – Isso.
P/1 – A Aqualung já chegou a vender ingressos também?
R – A gente vira e mexe vende. Hoje em dia nem tanto porque tá tudo informatizado, né? Questão de segurança também. Mas quando o ingresso era ticket de papel mesmo, o Dream Theater, vendi para Kiss, vendi para Metallica, vendi para um monte, entendeu? A gente vendeu muito. Hoje em dia mais os pequenos que ainda mantém esse formato de ingresso, mas a maioria está informatizado. Então se perdeu muito isso, mas ainda tem.
P/1 – E como é que é? São as produtoras que procuram vocês?
R – Isso. É a produtora que procura a gente. A gente já tem esse know-how também, não só nós, mas várias lojas na galeria têm esse know-how. Então eles procuram e falam: “Dá para colocar aí? Em troca do merchandising a gente...”. Entendeu? Faz isso, não tem custo, não cobra nada, não ganha nada em cima, só ganha o merchandising que eles tiverem também.
P/1 – Quando você abriu a Aqualung foi bem na virada ali dos anos 80 para os anos 90, né, também coincidiu de ser a virada do LP para o CD, né?
R – Isso.
P/1 – E como é que foi? Você começou vendendo LP basicamente.
R – LP. LP mas já de olho no CD. Porque quando eu saí da Polygram, a Polygram foi a pioneira no CD, isso em 88. Então eu já tinha, sabia que ia ser o futuro, mas o vinil ainda imperava 90%, mais até. Então comecei com LP e gradativamente fui trocando, passando para o CD. Conforme ele foi... E oscilação, transformando em CD. Então as gravadoras na época automaticamente lançavam o CD, tiravam o LP de catálogo. Então ia sumindo naturalmente.
P/1 – Por quanto tempo o LP ainda preponderou sobre o CD?
R – Ah, por uns cinco anos ainda ou talvez até mais vendendo LP mesmo. Eu me lembro bem que em 92 foi que foi o boom do grunge, Nirvana, Pearl Jam, Aerosmith. Todo mundo vendeu, não só o grunge, mas essas bandas surgiram com força mesmo. Guns N’ Roses, um álbum quádruplo, dois álbuns duplos que era o “Use Your Illusion”. Nessa fase vendia muito vinil _______ era pequeno, era meio pequeno. Então foi até 94, __________ depois foi inverter. Aí o CD começou a vender mais.
P/1 – Você começou vendendo primeiro os seus próprios LPs e como é que você foi recolocando produtos para exposição? Foi comprando...
R – O que eu tinha geralmente não era coisa que ainda existia fácil no mercado ou era raridade. Então os meus vinis eu vendia com dor no coração, mas sabendo que toda hora vinha, por causa do CD... Tipo, aconteceu uma coisa meio enigmática na época que era uma coisa meio mágica. O CD assustou o consumidor do vinil, então o cara queria se desfazer do vinil para ter o CD. Porque além da tecnologia do som, da melhora em tudo, o problema do não ter defeito, você ouvia a música sem chiado, então todo mundo quis se desfazer do vinil e passar para o CD. Só que nem tudo tinha em CD ainda. Então aconteceu muito disso. Os meus vinis que eu vendi eu repus muitos deles e outros eu vendi porque eu não fazia questão mais de repor. Repunha, mas ficava na loja, repunha para a loja mesmo, entendeu? Então tenho muito isso de não ter mais, de vender o vinil e às vezes repor por melhor qualidade. O Cauê trouxe o acervo dele com vinis impecáveis, todos bem cuidados, entendeu? Então isso aí para mim eu renovei muito a minha discografia pessoal.
P/1 – E para repor aqueles CDs que saiam como é que era?
R – É o mesmo sistema do atacado das gravadoras. Eu tinha a minha ficha cadastral _________ algumas gravadoras e no atacadista. Então a reposição era natural, vendendo a gente pede de novo, entendeu, ou vai buscar no atacadista que é mais fácil, mais rápido. Ou então quando era na gravadora fazia o pedido, três, quatro dias depois chegava. Então a reposição não tinha muito problema sobre isso.
P/1 – E hoje como é que é? Continua dessa mesma forma?
R – Continua. Continua, mas assim... Como é que fala? Mais difícil, né? Porque vender música hoje em dia, vender CD na verdade hoje em dia não existe, não tem mais. O comércio tá capengando pela questão do mp3, a internet, entendeu? _________. Hoje em dia ninguém mais compra a não ser quem ainda gosta de ter o produto físico na mão, o encarte, aquela coisa, que são bem poucos. A grana para conseguir também que... Você baixa tudo de graça. Vai comprar para quê? É uma questão lógica, né? Então é difícil hoje em dia. Eu não tenho nem tido muito... A gravadora já nem compro mais. Eu nem compro mais. Quando eu quero comprar, eu compro importado, como não tem nacional. A maioria, principalmente dentro do perfil que a gente trabalha, muita coisa é só importada. Então já existe distribuidor, eu tenho o contato disso na mão, faço o pedido, vejo na net o que tem, o que saiu, os lançamentos, porque é fácil o acesso, então a gente pede. E quando sai o nacional o distribuidor me traz, entendeu? Mudou um pouco, mas ainda existe isso, a forma de se repor é essa aí.
P/1 – E geralmente a mercadoria que você compra é entregue lá na loja? Como é que é?
R – É. Você faz o pedido, já existe um prazo de pagamento estipulado, você já tem uma linha de crédito dentro ou da gravadora, ou distribuidor, então você faz o pedido e recebe dentro do tempo estipulado e pagamento a gente paga. Vendeu, faz de novo.
P/1 – Qual que é... Você tem uma estimativa de qual foi a banda ou o disco que mais saiu ali na sua loja?
R – Tenho alguns, cara. Mas tem um que é o campeão assim, o que vendeu mais que todos que é o DVD do Pink Floyd, Pulse. Esse aí além de... Ele demorou muito para sair em DVD original, então na época do laser disc, que durou pouco tempo, né, ele saiu, o laser disc que era o formato digital da época. Então por questões mercadológicas de procura do consumidor, nós acabamos fazendo. Nós que eu digo alguém... Existe hoje muita pirataria do que não saiu ainda e até do que saiu, mas não é difícil acesso. Então esse DVD, esse show do Pink Floyd foi o mais procurado em DVD e não saiu por questões deles lá, por função de divisor entre Roger Waters e David Gilmour que é o dono da banda. Então por questões de detenção dos direitos, questões de direitos, não saía. Não saía o DVD. Demorou dez anos desde que entrou o DVD. Saiu agora, três anos atrás o oficial. Quando o oficial saiu a pirataria já tinha vendido... Eu vendi demais, mas demais. Eu perdi a conta. Por quê? Era a procura, a demanda da procura. Então a gente era obrigado, pra fornecer, pro cara ter acesso, o laser disc quase ninguém comprou, foi uma coisa que passou rápida, então se transformou para o DVD e com isso tiveram muitos, muitos, né? Em função da demanda do mercado. Então foi acho que assim, dentre todos que eu tenho que foram grandes vendedores, esse que foi o maior de todos. Além de alguns discos do Iron Maiden e do Metallica que quando saía você tinha que pedir cem para começar, cem peças desse aqui, 200 daquele, 50 daquele. Guns N’ Roses também é outro. Nos seus auges, né, Nirvana. Nirvana foi muito ___________ se matou então acabou a banda mudou tudo, mas foi assim Pearl Jam também. Então tem discos assim, fenomenais. E tem aqueles que, se fosse contar desde quando eu tenho a loja, que vende diariamente, toda semana, deu um tum no mercado, mas já vendeu para caramba, tem muitos também. Tem muitos. Jethro Tull tá dentro deles. ___________.
P/1 – O LP e o CD sempre foram muito procurados para se dar de presente. Era um objeto que é comum se dar de presente.
R – Sim. Era um produto de luxo, chique. É até hoje. Nobre, né? De presente. Principalmente quando era LP, no formato LP. Mas isso é mais nas camadas populares, sabia? No rock não tem muito essa coisa, porque o próprio roqueiro quando ele quer, ele já vai atrás. A não ser quando ele tem alguém aniversariante, ou então uma festa e sugere que quer ganhar tal. Ou então alguém sabe, descobre que a pessoa gosta daquilo e vai dar de presente. Mas no rock é muito menos. Esse tipo de coisa assim rola mais das grandes massas, música mais popular mesmo, menos classificada, é uma coisa mais comum. Então isso existe mais. Até hoje tem. Dia das mães, dia dos pais, dos namorados. Aí funciona. Natal.
P/1 – Vocês oferecem algum tipo de embalagem especial para esse presente assim? Algum papel?
R – Não. É uma embalagenzinha, sem ser a sacolinha plástica _____________________________________________________________________ ...que é pra grandes volumes, ainda tenho a sacolinha. Tem o timbre da Aqualung, o telefone, o www. Mas no CD não. Eu tenho na cor. Minha cor é cinza, é prata, cinza igual aquela ali. Então é a minha marca. Minha cor é... Sabe? Outros são preto, branco. Já tive todas. Todas as cores, inclusive timbrados. Hoje em dia parei no cinza e parece que ficou a marca, virou naturalmente. Alguém me vê com a sacolinha assim é Aqualung, entendeu? Parece que automaticamente neguinho registrou isso.
P/1 – Bom, vamos falar desse período da derrocada do CD também. Como é que começou e como é que foi o impacto para a sua loja quando as pessoas começaram a parar de comprar o CD?
R – O impacto foi fulminante praticamente. Muita gente. Porque a galeria nos anos 90 chegou a ter mais de 130 lojas de CD, 130 lojistas trabalhando lá dentro. Porque foi um fenômeno, né? Era uma coisa quase que obrigatória você saber olhar a galeria e frequentar a galeria. Não dava pra você andar no corredor no sábado. Sexta também. Por isso que sexta-feira é um dia forte. Mas aí o CD acabou se tornando uma grande coqueluche, mas a internet e os veículos que a internet trouxe com ela de acesso à música acabaram quebrando esse encanto, invertendo. O consumo de CD acabou deixando de ser interessante em função do custo benefício. A internet te dá de graça, então você não precisa comprar, a não ser que você seja realmente um colecionador, alguém que goste de ter produto original em casa. Muitos no começo, muitos ainda faziam questão, mas hoje em dia até esses muitos perderam esse interesse, interesse inviável, né? Para você ter tudo que você gosta você tinha que gastar uma puta grana, tinha que ter um bom salário mensal para manter isso. Então a maioria acabou deixando, desistindo obrigatoriamente. Questão da política também ______________ que não dá acesso a você ter uma vida saudável e ter as suas coisas merecidas. Então tudo isso envolve essa engrenagem toda _________. Eu acho que a internet por um lado viabiliza a interação, a comunicação rápida, instantânea, você fica sabendo de tudo, a informação chega rápido. Mas no caso da música, vender música... A não ser o vídeo, a não ser imagem. Ainda sobrevive. Que é o que salva o lojista disso.
P/1 – No caso é o DVD então?
R – Só o DVD. O DVD é 80% do meu mercado. De todos os mercados hoje em dia é o DVD. É o que salva o lojista ainda.
P/1 – E essa crise, vamos dizer assim, teve impacto em fechamento de lojas e demissão de funcionários?
R – Sim. Muito. Cada vez mais. Até gravadora. Gravadora hoje em dia é um grupinho de gente trabalhando e manuseando as coisas. Nem quadro de vendas existe mais. Existe um vendedor que recebe os comunicados e distribui a quem seja o pedido, o lojista de tal canto do país, entendeu? É uma coisa muito minúscula, né? Tornou-se uma coisa quase que sem valor, quase que sem necessidade. Então eu acho que diluiu. Diluiu muito isso aí. Acabou perdendo essa magia toda.
P/1 – E no caso da Aqualung, especificamente, como é que foi?
R – Terrível. Terrível. Por pouco eu não fechei a loja, enfim, desisti da ideia por decepcionar... Tanta decepção, tanto ____________ mudança de valores foi muito grande, é muito grande. Mas pelo fato de a gente ainda ter criado esse perfil do consumidor que gosta de música, sempre vai gostar e nunca vai deixar e desistir e querer conhecer tanto no novo quanto no velho desconhecido, do raro e inédito. Então esse perfil que eu criei me deu esse alicerce de me manter ainda em função do DVD também que é uma coisa que a gente tem. Pela extensão do tempo que a gente está trabalhando ter esse acervo _____________
P/2 – ...problemas ocasionados pela tecnologia, como é que vocês lidam com as megastores e tudo isso? Como é o impacto?
R – Olha, cara, a gente gostaria de ser uma delas. Sabe, eu tive um tempo que eu falei: “Pô, eu gostaria de ter sido uma mega dessas aí”. Porque os caras chegaram com tudo, que são acervos monstruosos, a quantidade, acesso. Você passa, você ouve, tem toda tecnologia a disposição, os maquinários necessários pra você ser atendido e tirar sua curiosidade sem falar com nenhum vendedor, por exemplo, a não ser na hora de resolver a compra ou não. Então a principio esse impacto foi terrível porque você tinha diminuído, pequenininho, pequeno, porque é o manual, é uma coisa... O boca a boca, o tête-à-tête, mas até eles sofreram principalmente, né? Porque imagina o investimento pra uma megastore dessas existir, tanto que fecharam a maioria, existem poucos resistentes aí, heróis da resistência, né? São poucos. No fim como se diz, sempre foi dito, a peneira é inevitável. Peneirar a coisa só sobra realmente o que tem valor, o que tem consistência. Então é mais ou menos isso. Eu me sinto dentro dessa parte que sobrou dentro da peneira.
P/1 – E depois dessa peneira toda aí, quem é o seu cliente hoje? Qual o perfil do seu cliente hoje que sobrou, que ficou, que foi o herói da resistência?
R – Ainda é o mesmo, cara. Ainda é a faixa etária de 40 para cima, salvo os filhos desses aí que agora já estão chegando nos 20, 30, que também se tornaram consumidores. Então o meu cliente ainda é praticamente o mesmo. Eu perdi muito cliente dessa mesma faixa de consumidor porque o cara tem o próprio equipamento em casa, ele próprio grava, faz o CD com capa, faz tudo. Mas o meu cliente é mais ou menos o mesmo. Eu tenho cliente que desde quando eu abri a loja é meu cliente, entendeu? Fiéis mesmo. Que são amigos na verdade. O cara vai lá para ver a gente e aí ele sai com o que ele gosta. É uma coisa assim tipo, é uma troca de informação, troca de energia, troca de valores entre a gente. Mantém esses valores, na verdade, em pé. Porque o meu cliente ainda é esse. E os que são os transeuntes naturais, que vêm de outros países, outros estados, entendeu, e sabem que lá é a Galeria do Rock. Então às vezes não vem para conhecer a Aqualung, mas acaba conhecendo porque coincidentemente caiu ali e acaba se tornando cliente. Então eu vendo para o Brasil inteiro por telefone, pela net. Eu vendo para clientes que esporadicamente aparece na loja, que falam todo dia: “Ô, e aí Fulano?”. Parece que a gente se conhece. Aí o cara chega: “Eu sou o Fulano que compra com você todo mês.” “Ah, é você?”. Então tem muito isso também. Muitos clientes que... E esse cliente acaba indicando outro, que acaba chegando: “Quem me mandou aqui...” que nem essa semana teve “Quem me mandou aqui foi o João lá de Recife, tal.” “Ah, o João?”. A gente inclusive, uma brincadeira, uma palavra meio grossa, eu falo: o “fuderoso”. O cara é o danadão de lá, é o costa quente, manda gente para cá e ele é lojista lá também, ele tem loja, só que ele sabe que a gente ___________, né? Bom e grande para isso. Então toda hora aparece isso. Graças a Deus que essas pessoas existem.
P/1 – Como é que funciona essa venda por telefone e pela internet que você mencionou?
R – É simples, cara. Pela internet que eu agora to retomando porque eu tinha parado, a internet ficou meio estranha, vender pela internet ___________ para pegar essa engrenagem. O brasileiro gosta mesmo de ter o acesso tête-à-tête, o contato físico. Então até eu entender a engrenagem, porque você faz o pedido totalmente automatizado, você pega o carrinho de compra, vai lá e compra o que você quer, deu X tanto, faz o boleto, já se cria o boleto com os valores mais frete, mais tudo. O boleto foi pago, a máquina detecta tudo isso, tá pago, pedido enviado. Agora, por telefone não: “Quanto deu?” “Deu tanto. Com frete tanto.” “Então tá bom. Estou te depositando agora”. Depositou, conferiu, entrou, vai, manda, entendeu? É assim.
P/1 – E lá na loja tem alguém específico que coordena essa parte do site, da venda pela internet?
R – Então, tinha. No momento não tem, tanto é que eu to reformulando tudo e assumindo, vou ter que por alguém porque era a minha ex-mulher. Minha atual ex-mulher que cuidava disso. A gente se separou, então parou tudo, parei de vender na internet. Quer dizer, vendi até aonde eu consegui, mas ela como dominava essa parte tecnológica toda, eu era mais ou menos tipo o faz tudo. Eu ainda sou até hoje, aqui assim, aqui assado, resolve isso, resolve aquilo. Então essa parte de trabalho mesmo eu não atuava tanto. Eu mais que coordenava, coordeno isso. Então agora eu vou ter que reformar, mas tem que ter alguém especificamente para cuidar disso que saiba manusear a máquina. Não é qualquer um. E como lá na loja só tem gente nova, só garotão de 40, 50 anos, ninguém nem sabe dar um enter, entendeu?
P/1 – Bom, desses clientes que ficaram desde que você abriu a loja, tem alguma exigência que era comum antigamente e hoje não tem, ou que é comum agora e não tinha antes?
R – Exigência?
P/1 – É. Em relação ao estado do produto, em relação ao que está sendo vendido.
R – Ah, sim. Isso sempre teve. Exigência quanto ao estado do produto, qualidade. Isso existe sempre. O produto usado ou novo, enfim... Como é que fala? Original, gravação de estúdio, ou então pirata ao vivo, ou então... Tem um DVD no caso hoje, em função da tecnologia as máquinas, celulares têm boa definição de imagem, qualidade. Então ou produto de show por várias câmeras, produto de... Como é que fala? A estrutura foi montada pra se lançar um DVD ou gravar com um sistema de uma televisão, por exemplo, várias câmeras. Então um público, né? Ou aquela gravaçãozinha caseira, é audiência que eles falam. Esse ainda é um... O CD cópia, o CD original, CD de estúdio, enfim. Isso tem. Isso tem sempre.
P/1 – Tem alguma história engraçada ou curiosa que aconteceu na sua loja que você possa e gostaria de contar aqui para mim?
R – Tem. Tem muitas. Putz. Misturou tudo aqui agora.
P/1 – Se você lembrar depois não tem problema.
P/1 – Depois eu vou lembrar. Vamos continuando, daqui a pouco eu vou lembrar de... Eu sempre tenho uma que eu... Não veio agora. Puxa vida. Geralmente nas tarde de autógrafo é que aconteceram muitas coisas, sabe assim? Tipo gente desmaiando, neguinho inventando qualquer história pra chegar até o artista, ter acesso a uma foto e tal. Muitas histórias. Muitas histórias. Eu vou lembrar daqui a pouco e conto.
P/1 – Vamos falar agora sobre o sistema de pagamento. Qual que é o mais comum sistema de pagamento hoje?
R – Cartão. Cartão, dinheiro, cheque quase nada. Em função da tecnologia o cheque quase sumiu do mercado, né? Mais é cartão.
P/1 – Vocês continuam aceitando cheque?
R – Continua. Pouco, né? Só aqueles que já eram cartas marcadas. São amigos que já sabe que esse pode pegar, não tem problema, não precisa consultar nem nada. Depois de ter levado vários tombos no meio do caminho, na fase áurea __________________ os débitos automáticos não existiam. Mas hoje em dia é tranquilo isso.
P/1 – E a relação com o cartão de débito e de crédito, você acha positiva, tem algum problema?
R – Não. Positiva. Altamente positiva, seguro. Isso aí é inquestionável. Fora as taxas que são cobradas que eu acho meio absurdamente. Para o dinheiro sair da sua conta e entrar na minha você me paga, mas eu pago, entendeu? Sai da sua conta hoje, mas vai entrar na minha só amanhã e eu ainda tenho que pagar para o banco. Isso eu acho um absurdo. (pausa)
P/1 – Essa sua relação tão próxima com os clientes, clientes antigos, isso faz com que você às vezes abra uma continha para algum cliente especial?
R – Sim. Para caramba. Tem muitos. A minha caderneta, né? Como falavam na época, um cadernão, né? Bem menos hoje, já tive bem mais nos áureos tempos mesmo quando o leque era maior de clientela, mas ainda tenho até hoje clientes de vários pontos do país que: “Ô, e aí? Beleza? O que tem aí?” “Tem isso, isso.” “Manda aí. Depois te dou o dinheiro. Depois coloco o dinheiro na conta”. Ou então numa época eu estou precisando de grana: “Ô, meu, dá uma força. Faz três meses que você não me dá um centavo. Dá um dinheiro”. Então existe esse relacionamento de amizade, tem para caramba, ainda tenho muitos clientes assim. É uma forma também de você manter o cara. Eu já levei chapéu para caramba, o cara sumiu, nunca mais vi e a conta tá lá. Nunca mais vi a figura. Enfim.
P/1 – Bom, do começo dos anos 90 para cá o Brasil passou por várias fases, né? Plano Real, crises econômicas. O senhor se lembra de algum período de maior crise, que foi difícil de manter a loja?
R – Foi. Foi na fase de 94, 95, depois que passou as fases grunge, né, do rock assim. A mudança de dólar, aquela coisa toda, o real, até 97 foi terrível. Foi difícil para se manter em função dos ajustes mesmo. Depois que se ajustou aí deu para se manter, mas é complicado.
P/1 – Aproveitando para falar um pouquinho desse balanço sobre a trajetória de uma galeria, o que mais mudou... Aliás, não só na galeria, mas na sua vida como comerciante, o que mais mudou na sua vida como comerciante desde que você começou a trabalhar para cá?
R – Cara, mudou assim, a gente vai crescendo, você vai virando um veterano na coisa. Então minha vida não mudou muito. A perspectiva que eu tinha há anos é a mesma, eu quero viver de música, vou trabalhar com música sempre. Deu mais conhecimento sempre. A música faz isso, né? A música te dá conhecimento amplo, geral de várias áreas humanas, psicologicamente falando.
P/1 – Aquelas lembranças que você tem das modas de viola anterior, o seu pai tocando, o quanto isso te influenciou e te ajudou para trabalhar com música anos depois?
R – Ah, sim. Foi fundamental. Até hoje é fundamental. Tanto que hoje, especificamente agora, nesse momento da minha vida aos 54 anos de idade, eu percebi que as minhas raízes não saem de mim, não morrem. Essa parte interiorana, música rural e tal. Tanto que as minhas composições eu faço questão de agregar células musicais disso, mesmo fazendo rock. Eu tenho feito composições atualmente que agregam, misturam o rock e o samba, sertanejo, enfim, que é o que está acontecendo na música, né? O sertanejo universitário, forró universitário _____________ eu devia falar isso há 20 anos. Jamais. E é uma coisa que apesar de torcer o nariz para época quando essas coisas começaram a surgir, os mais radicais como a gente, os mais antigos somos, é uma coisa que eu comecei a perceber que se você tiver qualidade dentro dessa coisa, por que não? Lógico que tem que ser feito. Se você não fizer, alguém vai fazer. Se não for com qualidade _______________ para o público das novas gerações, formação com qualidade e com conhecimento amplo como tem que ser. Então isso realmente hoje tá me fazendo um grande benefício. Tá me trazendo um benefício muito grande porque, apesar de ter radicalizado nos anos 80, 90, enfim, desde quando me tornei um roqueiro, aí eu abominei essa coisa. Só que eu percebi agora que isso é fundamental. Não vai sair, vai eternamente estar comigo. Então por que não ser exatamente o que eu sou? Por que não exatamente atuar dentro dessa... Então musicalmente falando isso para mim tá sendo benéfico demais e de grande valor.
P/1 – E senhor mencionou que também é músico. O domínio de instrumento te ajudou muito nessa carreira como vendedor do ramo musical ou não influenciou?
R – Não. Na verdade o domínio do instrumento, cara, eu só vim ter agora. Porque eu nunca estudei música, então eu sempre fui um autodidata que não tinha noção de que se eu praticasse, mesmo sento autodidata, eu já teria sido um músico há mais tempo. Teria me dedicado realmente a uma carreira musical artística ______________. Mas pelas circunstâncias todas que me envolveram sempre, trabalhar com música e sobreviver trabalhando com música me fazia com que eu deixasse isso. É um talento, mas mais para curtição, mais para tirar uma onda tal. Eu sabia tocar alguma coisa. E até porque eu nunca, assim no meu íntimo mesmo, nunca tinha a necessidade e a vontade de ficar tocando música dos outros. Era sempre se eu for tocar, é uma coisa que sai de mim. Toco, lógico, as músicas mais famosinhas, aquelas que fazem parte do dia-a-dia da gente. Toco. Mas aí cair em si mesmo que o domínio musical do instrumento e composição eu tenho exatamente de ano para cá. Eu tive um start, eu fiquei dez anos sem pegar o violão. Eu gravei um disco em 94, lancei em 95, casei de novo em 97. Por causa do Dream Theater, minha última esposa foi no show do Dream Theater no Rio de Janeiro, nos conhecemos e nos casamos depois disso. Entendeu? Eu estava separado da primeira. E temos um filho de 12 anos agora que nasceu por causa do Dream Theater. Na verdade o Dream Theater é um dos motivos. Mas aí por causa desse casamento eu abandonei o violão, abandonei instrumento, abandonei porque o disco que eu gravei não deu em nada, sabe? Apesar de ter sido bem feito, bem legal, mas não teve o apelo necessário, não foi trabalhado o principal para se fazer um trabalho de divulgação porque foi tudo totalmente independente. Por causa disso quase que pus a loja a perder, porque eu gastei os trunfos que não tinha. Até o que eu não tinha eu gastei para gravar isso. Hoje em dia não. Hoje em dia está tudo mais fácil. Então de um ano para cá, cara, eu me separei, aí o violão, as músicas começaram a me povoar a cabeça de novo, eu peguei o violão novamente e aí deu o start. Deu um up assim, absurdamente. Até eu mesmo não entendo como é que eu consegui por si só atingir esse nível que os meus amigos, todos eles são gabaritados, eu no meio, eu mostro e: “Cara, que coisa. Como você tá tocando para caramba”. Entendeu? Então é uma coisa que até eu mesmo me assusto. Eu me surpreendo. Mas eu sei que é em função disso, de ter trabalhado, de ter mantido sempre o contato. Então as informações que eu tive, que o meu amigo Índio inclusive, que trabalha comigo, matou a charada numa frase. Falou assim: “Tudo isso que estava incubado dentro de você, agora você tá colocando para fora”. E é exatamente isso. Fui incubando, né, a informação e agora ela sai naturalmente. Quando eu pego um instrumento e começo a compor, toda hora tem um arranjo, sabe, coisa inusitada. Parece com tudo, mas ao mesmo tempo é meu. É minha identidade. É isso que é legal para caramba. Então o domínio veio agora. Então por isso que eu quero registrar, eu estou registrando. Todas as coisas já estão se encaminhando para isso. Vou fazer um trabalho de registro musical meu sem intenção de ser artista coisa nenhuma. Se tiver que ser, se a coisa acontecer por si só, vai ser a força do trabalho, força musical que vai fazer isso. É a própria música que vai me dar isso, entendeu? Eu não tenho nem um tempo pra mim nem idade mais para querer ser artista de aparecer nos programas de televisão. Não é isso que me importa.
(troca de fita)
P/1 – Agora, senhor Dionísio, vou pedir para você falar um pouquinho dessa carreira _____________ não como um vendedor nem como empresário, mas como músico. Como é que foi? Quando começou, qual foi a trajetória?
R – Bom, eu em 81 eu acabei virando amigo do cantor, compositor José Geraldo. Compositor mineiro que vocês conhecem muito bem, dispensa comentários. Para minha sorte esse meu brother que virou meu amigo e a gente dividiu os discos, tornou-se produtor de show. O pai dele já tinha uma grana, né... Nós começamos a trabalhar com o José Geraldo no Brasil inteiro. 81, 82, 83, gravar os discos dele, viajar em turnês pelo Brasil afora. E nessa época eu comecei a, com os músicos dele pela amizade, aí comecei a me formar musicalmente vendo. E pegava em casa, não saía nada e tal. Até que comecei já a me tornar um pequeno compositorzinho, musiquinho. Bem pequeno, bem escondidinho e tal. E foi através disso, cara. Eu comecei a crescer, começou a abrir a percepção musical, do meu “talento” vamos dizer assim. E aí formei umas bandinhas na época, mas tudo assim, bem pequeno, bem mais assim para ver até onde eu ia, até onde eu podia chegar. Aí depois nos desligamos, cada um foi para um lado, o Zé também, eu montei a loja. Mas essa coisa ficou incubada, né? Germinou criando as suas raízes e tal. Quando foi em 92 mais ou menos, que eu estava com a loja, veio um músico pernambucano que estava morando há algum tempo já aqui, há pouco tempo em São Paulo, que já tinha uma carga musical de lá e a gente se encontrou. Ele virou amigo nosso, frequentador da loja. Até trabalhou comigo na loja durante uns meses para se sustentar e tal. Ele tinha o trabalho dele e eu fazia as minhas coisinhas, tinha as minhas musiquinhas em casa, nem mostrava quase para ninguém. Determinado momento eu falei para ele que tinha isso e aquilo e mostrei para ele. Ah, sim, aí eu trabalhei, estava até esquecendo um ponto fundamental para caramba, eu tive a fase gospel. Eu fui gospel também na fase na Renascer, no começo dela em 1990, quando eu saí da Polygram em 89 até montar a loja em 90 eu comecei a frequentar a Renascer que estava começando. Aí eu montei minha banda, minha bandinha gospel. Só música para Deus, né? Foi ali que eu me alarguei um pouco essa estrada, pelo conhecimento musical adquirido através do José Geraldo, da coisa toda, da carga musical que eles me passaram. E eu fiquei até 93. Em 94... Início de 92, 93 eu conheci esse brother. Ele fazia a música dele, eu fazia a minha. Quando eu fui gravar em disco gospel com a minha banda, coincidentemente no mesmo estúdio que ele estava gravando o disco dele. Eu já estava com um pé atrás com esse negócio de crente, de ser cristão, sabe? Aquela coisa que todo mundo tem? Do formato igreja. Estava vendo as coisas não caminharem para o lado certo e eu já estava meio decepcionado. Ele me chamou para ir ver o disco dele, coincidentemente era o mesmo estúdio, que eu não sabia nem ele. Foi gravar no mesmo estúdio. Aí ele me mostrou uma música que me chamou atenção. Falei: “Pô, essa música é boa para caramba e tal”. Ele falou: “Você não quer participar?” ________ “Vou. Vamos nessa”. Aí eu fui. Peguei e mostrei as minhas músicas não gospel para ele, que eram da minha fase antiga. Na hora ele pulou. Aí a música dele que me bateu coincidiu com a minha que bateu nele: “Pô, cara, vamos gravar juntos? Vamos fazer alguma coisa?”. Aí nasceu o disco. Em 94 nós entramos no estúdio, fizemos parceria, composições novas, velhas e tudo. Juntamos e fizemos o disco, entendeu? E aí eu sempre falei _____ em 95, depois de muito trabalho, muita luta fizemos esse disco. Então _______________ meu aprimoramento foi assim, compassadamente, com espaço grande de tempo. Depois dessa decepção toda em 96, 97 com o casamento, o violão eu abandonei o instrumento e vim retomar agora. Agora com um nível assim, a meu ver muito melhor, muito mais consciente, sabendo o que é e o que não é, o que vale mesmo e o que não vale. Então por isso que eu estou assim exatamente nesse momento nesse caldeirão aí.
P/1 – Qual que era o nome dessa parceria?
R – Johnny e Jadson. Um nome dele e meu. O meu Johnny de Dionísio Johnny, que é um apelido de infância de família. Meus irmãos me chamavam de Johnny, Dionísio Johnny. Não é o Johnny que eu acabei ___________________ para ficar mais bonita a grafia, Johnny. _____________ Jadson, que não é nem Jackson, né, ficou meio... Não era caipira, não era rural, não era nada. Então por isso que não deu em nada. O nome não dizia o que era o produto na época, que era um produto de MPB bem feito. Inclusive os músicos que tocaram eram músicos de gabarito. O guitarrista do Casa das Máquinas, Aroldo, que era o guitarrista do José Geraldo na época. O Baixinho, um dos maiores bateristas e percussão do Novos Baianos antigo, da turma do sítio lá, né... que viveram... O Baixinho era amigo desse meu parceiro, entendeu? Então foi uma coisa assim na época, pela circunstância da época o José Geraldo participa, no disco canta uma música. Claro, né? Ele é meu compadre, padrinho do meu filho, meu primeiro filho, ele acabou se tornando meu compadre.
P/1 – E como é que foi ser um músico e ser dono de uma loja de música? Teve algum problema? Uma coisa misturou com a outra?
R - Então, cara, não dá para ser as duas coisas. Não dá. Por isso que eu abandonei a música pessoal para trabalhar com música, para sobreviver, para dar alicerce. Porque não só a minha família dependia daquele dinheiro. Outras famílias, a família do meu irmão, dos meus funcionários. Todas as famílias dependendo daquilo. Então quando o disco não deslanchou, porque foi lançado na época errada, enfim. Não época errada, a música popular brasileira estava em baixa, não existia, MPB morreu, acabou. Só veio depois de Chico César que foi retomando, Zeca Baleiro, agora, né Os grandes nomes estavam em baixa, Caetano, Chico e Gil não tinha valor mais, perdeu-se no meio desse imbróglio todo. Então conciliar as duas coisas não dá. Realmente cheguei a conclusão. Por isso que eu estou agora lá em cima quietinho trabalhando o meu lado, porque descobri que se eu não fizer isso, eu vou ter que pagar um preço lá fora. Eu já recebi essa informação inclusive, espiritualmente falando, entendeu? Que é um talento que se eu deixar engavetado de novo eu vou pagar caro lá em cima. Então agora eu tenho que fazer. Ótima hora. __________ eu tenho que fazer, ninguém vai fazer por mim. Então a loja já está estabelecida, o pessoal que eu preciso, o meu time está formado, então: “Levem aí, galera, que agora eu preciso fazer minha prática”. É mais ou menos essa informação que eu tenho que fazer.
P/1 – Vamos voltar a falar de comércio agora?
R – Vamos.
P/1 – Você mencionou uma equipe de garotões de 40 anos ali.
R – 40 é o mais novinho.
P/1 – O mais novinho. Como é que foi formada essa equipe? Teve um treinamento, como é que foi?
R - ______________________ o único que foi formado que eu posso dizer assim que foi formado, foi o meu irmão, que não era do ramo até então trabalhava com outras coisas. Quando eu montei a loja que ele acabou ficando desempregado eu falei: “Putz, e agora?”. Então ele foi o único que teve um aprendizado de como trabalhar. Porque não é como ensinar, não existe a maneira de ensino. É só praticando. É praticando que se aprende, né, a trabalhar com música. Ouvindo e conhecendo e recebendo informação, aí repassando a informação. É uma troca de informações na verdade. O que você ouve nos veículos, o que você ouve do público, o que você transforma em trabalho na verdade. Então o Indie e o Blue já eram balconistas desde Hi-fi. Então na fase que o DJ vendia na Polygram ele era o comprador, um dos compradores. Ele era o DJ da noite, foi DJ de várias casas noturnas, Hippopotamus, Tamatete, um monte. Todas as casas noturnas famosas em 70, 80, ele é um dos DJs mais antigos e mais respeitados do meio. Atualmente ele está atuando só uma vez por semana no Woodstock Bar que reabriu agora. Então ele já era formado, sabe assim, não tem como formar, não existe escola pra isso. A escola é o próprio balcão.
P/1 – Vocês já trabalharam com publicidade, já fizeram publicidade da loja além dos eventos?
R – Já. Eu sempre anunciei em revistas, em alguns veículos que têm a ver, que tenham mais o perfil e que estejam dentro dos custos operacionais que a loja consegue se manter. Não dá para colocar numa TV, numa rádio, por exemplo, não tem condições, o custo é muito alto. Mas os fanzines, essas revistas de rock, eu sempre tenho, sempre mantenho. Camisetas eu sempre fiz. Fui pioneiro a fazer a camiseta com o logo da loja também na época, depois todo mundo fez. Agora até abandonei, nem faço mais, estou voltando agora, também tudo isso está voltando. Foi reciclagem natural da coisa. Então essa coisa de merchandising eu sempre tive essa preocupação.
P/1 – E a sua relação com os fornecedores hoje como é que é? São as mesmas pessoas que começaram naquela época que você trabalhava?
R – Não. Mudou todo mundo. Mudou muito. Fornecedores são poucos os... Vai mudando de um para o outro, as empresas, fecha uma, abre outra, entendeu? Mas o relacionamento é praticamente o mesmo, é compra e vendas. Você pagou, você deu um bom cliente, se você não pagou você é um mau cliente e neguinho não vai te dar bola, não vai te procurar mais. A questão de fornecimento é mais ou menos assim que funciona.
P/1 – Quando você foi lá para a galeria e abriu a Aqualung a galeria ainda estava no início de ser chamada Galeria do Rock, estava muito forte isso ainda. Como é que está hoje? Persiste, tem alguma diferença? Como é que está?
R – A galeria hoje mudou muito. Ela se mantém como Galeria do Rock, vai se manter com esse subtítulo na verdade porque a gente plantou essa semente, essa raiz. Mas de rock, rock mesmo ela não tem quase nada mais. São poucas lojas. Tem dez, 15 lojas no máximo. Não tenho nem noção,mas não passa disso. Agora, piercing, skate, camiseta para caramba, modas de rock, moda de __________, enfim. Shirts, essas coisas, sport wear, essas coisas, esses nomes esquisitos que tem hoje em dia, né? Então vou fazer parte do universo, entendeu? ____________, mas agora não só música, mas criar adereços ao rock. Então é isso. Lá tá mais ou menos nesse perfil.
P/1 – E a Vinte e Quatro de Maio, como é que é hoje?
R – É a mesma coisa. Não mudou muita coisa em função da galeria, não. Porque quando surgiu a Galeria do Rock tem as outras galerias também com música, que não são Galeria do Rock, mas tem... A galeria do lado, por exemplo, a Galeria... Esqueci o nome. Falhou. Também tem música desde os anos 80, 90, entendeu? Mas é mais dance, é uma coisa mais pra DJ, produto para DJ. São coisas mais específicas. A Vinte e Quatro de Maio ainda é a mesma coisa, por enquanto não mudou muito.
P/1 – Mas continua sendo um ponto muito valorizado pra esse ramo musical.
R – Para esse ramo sim. Ela é um ponto de referência.
P/1 – Bom, como é que é o seu dia-a-dia hoje, o seu cotidiano?
R – Meu cotidiano ultimamente é acordar nove, oito e meia, nove da manhã, ir para a loja ou então ir resolver algum problema fora da loja e ir para a loja. Ir para a loja fazer o que é a minha parte lá, né? Delegar alguma coisa, pegar violão e ficar tocando horas e horas até cansar, até doer os dedos, até enjoar. Fecho às sete da noite. Eu geralmente fecho e fico. Tem muita coisa que eu posso fazer durante o tempo que eu estou fora da loja ou estudando violão, tocando, eu deixo para depois, entendeu? Porque toda vez que eu estou fazendo algum trabalho para a loja a não ser que seja urgente, chega alguém, recebo um telefonema e quebra aquele ritmo. Aí eu deixo para depois das sete que todo mundo vai embora, eu fico até dez horas da noite, nove e meia, dez. Faço o trabalho, resolvo, é rápido, tranquilo. O meu dia-a-dia, a minha rotina é essa assim. Não muda muito, não.
P/1 – E além do violão tem alguma outra atividade de lazer que você gosta de fazer?
R – Futebol. Para caramba. Ir ao estádio. Vou com o meu filho quarta-feira, jogo da televisão, Timão, sou eu e meu filho. É nóis. Domingo também, entendeu? É o esporte em geral. Eu gosto para caramba de esporte, mais de futebol, claro. E shows. Shows. Aí tem o show, até o Timão dança. Se for um show imperdível. E irreverências de amigos, show de amigos mesmo músicos, bar, casa noturna, em teatro. Então essa é minha rotina after loja, entendeu? À noite na verdade. Então isso é semanal.
P/1 – Você gosta de fazer compras?
R – Compras?
P/1 – É.
R – Não. Não sou um “habitueiro” de compras. Na verdade eu estava pensando nisso essa semana, lembrando disso. Eu preciso comprar coisas pra mim, roupa, calçado, sabe por quê? Você acaba esquecendo que isso faz parte do seu dia-a-dia. Porque eu ganho muito também, muita camiseta das bandas, amigo, um traz. Que nem um amigo que foi no show do Crossroads Festival em Chicago em 2010 na turnê e me trouxeram a camiseta linda, maravilhosa. Para que eu vou comprar, né? Essas coisas eu tenho. Então assim, não sou comprador. Pessoal, né? O que for necessário, o básico sim, claro. A sobrevivência do dia-a-dia.
P/1 – Nem mesmo discos e CDs?
R – Esá tudo ali, né, disponível. Eu compro. Todo dia eu compro, mas para a loja.
P/1 – Hoje então o senhor mencionou os seus filhos, mas quantos são e quais são os nomes deles, quantos filhos tem?
R – Filhos? Eu tenho dois filhos, o Vinícius e o Nicola.
P/1 – Algum deles...
R – Os dois já estão... O Vinícius não. O Vinícius é o mais velho, tem 22 anos, gosta de ter teclado, dei um teclado para ele de presente de aniversário que ele gosta de brincar, tirar as músicas dos outros e tem até certo talento para isso. Mas ele se formou em Educação Física, então ele está atuando na área de educação física. Já o Nicola é menor, tem 12 anos, mas esse já tem mais música no sangue, já está aprendendo, já está estudando, já gosta de me ouvir tocar. Esse já tem um caminho mais musical.
P/1 – E lá na Agualung? Algum deles um dia pensa em tocar a Aqualung ou trabalhar lá com você?
R – Meus filhos? Se for vai ser o Nicola, porque o Vinícius com certeza não porque ele já se formou. Então ele já tem uma profissão, gosta inclusive de atuar nessa profissão e sabe realmente, desde moleque ele se interessou por isso. Eu percebendo isso respeitei, né? Ele até trabalhou comigo na fase de início de faculdade e tal, e exército, que é aos 17, 18 anos, ele estava morando com a mãe e veio morar comigo, está morando comigo agora e com a vó. Então ele assim, não vai. Se tiver que assumir só se for por questão de urgência ou alguma coisa assim, mas ele não tem essa vertente de trabalhar no comércio. Ele vai ser um educador físico aí, sei lá até onde vai, vai ter sua própria academia, enfim. Os planos dele são para isso. Então eu respeito e, claro, vou sempre dar o apoio necessário. Já o Nicola com certeza vai ser meio o futuro dele. Se ele não descobrir algo que ele goste mais do que isso, naturalmente vai ser o meu sucessor.
P/1 – Você gostaria que ele continuasse com a loja no futuro.
R – Sim. Ou trabalhando no ramo porque ele já tem essa informação musical mais quente, mais forte do que o Vinícius, mais interesse, gosta realmente da música além de tocar também. Então naturalmente se tiver que ser meu sucessor vai ser ele, entendeu? Se é que a loja vai resistir tanto tempo assim, não sei até onde vai durar isso aí. A loja física na verdade. Então acho que naturalmente vai ser ele. Já falei inclusive, já venho falando para ele, ele tá com doze anos: “Logo, logo o seu papai vai trabalhar aqui para você. Vai trazer você para trabalhar comigo.” “Ah, não, pai. Eu não sei fazer nada”. Sabe, aquela coisa de criança. Mas sempre quando ele está lá na loja ele vai comigo, ele atende e passa a bola para quem tem que passar e tal. Assiste DVD, leva para casa o que quiser ouvir, assistir.
P/1 – Você tem planos de fazer a Aqualung ter algum desdobramento, por exemplo, uma filial, ter uma loja virtual?
R – Virtual sim. Virtual eu vejo que o futuro vai ser esse. Talvez a loja física se tiver que sumir, ela vai ficar só no virtual no futuro. Eu acho que tudo vai ser, naturalmente. É para isso que está se dirigindo. Só não vai ter carro virtual, só não vai ter camiseta, roupa virtual, mas a música é naturalmente um veículo virtual. Eu acho que é mais ou menos isso, o caminho é para isso aí. A loja física talvez suma ____________.
P/1 – Você tem alguma ideia de algum outro empreendimento, por exemplo, um selo musical?
R – Sim. Isso sempre tive. Ao longo desses anos eu já lancei outros artistas, já tive, o selo Aqualung já existiu. Existe, mas ainda não está atuando. Existe o nome fantasia. Eu gravei alguns artistas, mas atualmente parado porque o mercado diluiu, deturpou tudo essa parte. Então pode ser. Pode ser que isso volte, de repente. Por que não?
P/1 – A gente já falou um pouquinho da importância do ponto ser na galeria e na Rua Vinte e Quatro de Maio, mas qual que é a importância de ter uma loja no centro da cidade hoje? O centro hoje, como o senhor enxerga a região do centro hoje? É um lugar que as pessoas continuam frequentando, é um lugar que as pessoas evitam?
R – Não. O centro da cidade, essa parte... Aqui no centro são duas partes, né? O Vale do Anhangabaú, o centro velho, Praça da Sé e centro novo que eles falam, que é essa parte da Vinte e Quatro de Maio, não é nem tão novo assim. Enfim, forma de divisória. Ele teve um tempo muito em baixa, teve sua decadência em função da malandragem, da Cracolândia, da bandidagem. Foi uma coisa que assustou, assusta até hoje, ainda tem, é grande essa parte, mas também pela preocupação dos políticos, enfim, da coisa toda empresarial toda, perceber que havia necessidade de se restaurar. Então o centro, essa parte está sendo revitalizada gradativamente, vai demorar muito tempo, mas já está surtindo efeito. Então já está retomando aos poucos a tranquilidade de se frequentar, de se fazer do centro um local _____________ do centro para se comprar quanto para se divertir, entendeu? A gente comenta isso sempre que a gente para nos pointzinhos, nos botequinhos do centro à noite para tomar uma gelada e sempre tem a galera do local, os transeuntes, os trabalhadores do local mesmo. Acaba se conhecendo todo mundo onde você almoça, onde você toma um café, onde você passa: “Oi, Fulano e tal”. Cadê os cafés da cidade, cadê aquela coisa linda que existiu nos anos 50, anos 30, 40. Por que não voltar isso aí? Então parece que há o foco, vontade e parece que vai acontecer exatamente isso mesmo. A revitalização do centro vai acabar trazendo esse glamour da época de volta. Então está abrindo um Sesc na Vinte e Quatro de Maio que é o antigo prédio da Mesbla. Tá lá há cinco anos e os caras reformando. Daqui a um tempo ele vai... A ala Cracolândia está sendo revitalizada, onde era a antiga estação rodoviária. Parece que vai, eles vão trazer essa coisa de volta. Eu acho que aos poucos naturalmente a coisa vai voltar. Limpar, tirar a sujeira e deixar o prazer de voltar ao centro, você frequentar o centro.
P/1 – Então _________________ melhoramentos urbanos naquela região.
R – Isso. Exatamente. _________________ vierem conforme a expectativa é, mostra, então acho que grande melhoria vai ser para cidade. O centro merece, né? Merece. Só shopping por quê? Você só consegue ter segurança e garantia de compras num shopping? Por quê? Tudo bem. Bem vindos os shopping, mas o centro da cidade é o maior shopping a céu aberto. Então dentro da necessidade de cada rua, de cada local ser reestruturado, a cobertura, o calçadão, enfim. Eu acho que isso é benéfico para caramba e é inevitável.
P/1 – E o que você acha que vai ajudar nesse processo? O que falta melhorar?
R – Falta agilidade, né? Falta realmente comprometimento dos órgãos empenhados nessa coisa. Falta realmente... É muito complicado porque tem muitos prédios abandonados, muita coisa que foi deixada pelo caminho que são... Como é que fala? Democraticamente difícil de resolver, de tomar a forma necessária. Então demanda tempo, a demora é muito grande. Mas eu acho que se a politicagem desse país realmente tiver uma renovação natural, que é natural, e se os dois olhos focarem para lá eu acho que essa coisa retoma, renova. Porque não uma parte de país ali, aquela coisa bonita de você andar na rua com prazer e ver a coisa bonita, loja chique. É muito velho, muito caído, muito acabado, destruído. Até hoje foi só destruído, nunca foi construído, reconstruído. Então acho que essa parte é fundamental.
P/1 – E na questão do transporte? Você acha que é uma região que está necessitando de... É fácil chegar à galeria?
R – É fácil. É fácil chegar tanto de carro como metrô, como de ônibus, entendeu? Apenas a reurbanização é que vai se acoplando aos poucos e vai facilitando isso. Que nem hoje para vir aqui, eu jamais imaginava que essa linha de metrô já estivesse com toda... Que as linhas de metrô já estavam tão alargadas, porque quase não ando, né? E me surpreendeu, cara, para melhor. Pô, ótimo. Que fantástico. Estações lindas, maravilhosas, os trens novos, a facilidade, agilidade da coisa. Gente para caramba. Então eu me surpreendi. Apesar de ter descido longe daqui, eu peguei um táxi e falei: “Leva-me para a Natingui urgente”. Que eu saí e: “onde eu estou”, né? Estava num lugar que eu conheço sempre, mas até eu cair em mim demorou um pouco. Então acho que isso é fundamental. As linhas de metrô são fundamentais para a cidade de São Paulo. Tem que re... Quanto mais puder melhor porque ele dá os acessos e a facilidade de você se locomover, né?
P/1 – A parte agora final mesmo, quais foram as lições que você tirou dessa vida como comerciante?
R – Quais o quê? Desculpa.
P/1 – As lições que você tirou nessa vida. O que você aprendeu para a sua vida pessoal?
R – Cara, é coisa para caramba. Lições eu tenho todo dia e falo que jamais me considerarei um cara formado, uma personalidade formada porque eu acho que aprender é até morrer. Desde quando você nasce, entendeu? Então as lições eu acho que todas elas que eu tive, do bem ou do mal, serve-me para eu me basear no que fazer, no que ser. E jamais desistir. Jamais. Nunca. Inclusive uma das músicas que eu tenho que já foi até gravada, a letra diz exatamente isso “Desistir não convém”. É caos, é desordem. Só destruição. Então eu acho que as lições me foram todas benéficas, mesmo as ruins. São espelhos para que eu me veja ou olhe e fale: “Aquilo ali não. É por aqui”. Sempre sentido up total, para cima. Stand Up, é o disco do Jethro Tull. Levante-se. Siga.
P/1 – Você tem algum sonho hoje, algum objetivo? Qual é o seu sonho?
R – Meu sonho, objetivo pessoal é realizar essa parte musical que agora é uma questão de honra mesmo. Isso eu estando realizado eu acho que eu me completo, complemento-me muita coisa. Eu fico satisfeito, sabe? E depois desfrutar, na verdade. Meu sonho é realizar agora alguma coisa que eu possa desfrutar tranquilamente, prazerosamente. Porque ainda falta. Já desfruto de muitas coisas, do que consegui durante a minha vida, mas eu acho que essa é a parte que fecha assim muitas coisas, me dá um patamar gostoso pra viver a velhice, enfim, minha juventude futura. Velhice não. Juventude sempre.
P/1 – E você sonha até gravar uma composição sua?
R – É. E a continuidade porque já comecei inclusive. Gravei uma música só. E começou agora em julho a retomada disso tudo. Eu só não dei continuidade em função dos eventos, porque os músicos que vão fazer parte disso tudo, cada um tem o seu trabalho, tem a sua carreira. Então um vive para lá, para cá, não coincide de dar um tempo de a gente se encontrar e continuar. Mas já passou essa fase de Feira da Música, Rock in Rio, cada um correndo para um lado para fazer alguma coisa. Então agora, nessa semana que vem agora eu já devo fazer mais coisa. Então esse ano, no ano de 2011, 2011 para quem não lembra, para quem não sabe, para quem não ouviu, seria e será e é o ano das grandes realizações. A minha grande realização em 2011 é registrar esse trabalho. Aí a partir disso Deus sabe. Só Deus sabe. Se você não realizou sua grande realização, seja ela qual for, que seja grande para você, faça ainda este ano.
P/1 – E o que você achou de ter participado aqui dessa entrevista, de ter relembrado a sua infância?
R – Pra mim foi a coisa mais importante nesse momento da minha vida. Eu estou muito feliz de ter feito isso porque além de resgatar coisas passadas que eu já não dava, para mim não tinha importância, mas que eu estou vendo agora que são importantes demais, são parte da minha vida, é a minha vida. Então eu acho que o que vocês estão fazendo também é fundamental para as gerações futuras. Esse registro é muito importante porque se há professores, se há educadores, há que ter informadores também, né? De história. A história não pode ser morta, não pode se apagar no tempo e essa é uma maneira muito sensata e honesta de se registrar a história. Eu agradeço vocês.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não perguntou, não comentou que você gostaria de deixar registrado aqui?
R – Cara, não me lembro agora. Acho que foi tudo perfeito. Eu consegui me lembrar de tudo. Vocês me fizeram lembrar de mais coisas ainda. Se houve alguma pergunta que não foi feita é porque ela não tinha que ser feita então, talvez.
P/1 – Senhor Dionísio, em nome da equipe do Museu da Pessoa e do Sesc, a gente agradece muito a sua participação. Muito obrigado.
R – Eu que agradeço. Foi muito bom. Obrigado.
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