Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores - Pronac 128.976
Depoimento de Armando Porto Carreiro de Souza
Entrevistado por Vanuza Ramos
São Paulo, 15 de maio de 2014
NCV_HV014_Armando Porto Carreiro de Souza
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Obrigada por você ter vindo, disponibilizado um pouco do seu tempo pra dar essa entrevista, que é muito importante pro Museu e pro Projeto Ouvir o Outro da Nestlé.
R – Obrigado pelo convite!
P/1 – Você poderia começar, por favor, falando o seu nome completo, o local e a sua data de nascimento?
R – Bom, eu nasci em dez de julho de 1963, na Cidade do Rio de Janeiro, e fui nomeado pelo meu pai e pela minha mãe Armando Porto Carreiro de Souza.
P/1 – Qual o nome dos seus pais, Armando?
R – O meu pai é Alberto Porto Carreiro de Souza, minha mãe é Marlene Pessoa de Souza.
P/1 – E qual é a profissão deles?
R – O meu pai é engenheiro civil e minha mãe é professora primária, né, sofredora.
P/1 – Como você descreveria eles, começando pelo seu pai?
R – O meu pai sempre foi uma pessoa que tentou passar pra gente que era importante você se dedicar às coisas que você fazia, né? Ele sempre, eu me lembro desde pequeno, o meu pai acordando cedo, saindo pra trabalhar, bastante dedicado ao trabalho. Como um homem dos seus 77 anos hoje, um pouco mais distante da criação dos filhos que era comum naquela época, mas sempre presente de alguma forma e tentando passar pra gente que o importante é você ser uma pessoa honesta, decente. E minha mãe já tinha o dom de aturar criança, professora primária, né? E uma grande mãezona, sempre teve presente com a gente em todos os momentos, tentando entender a gente. Por mais que a gente tivesse certo ou errado, ela sempre tentava entender o que a gente fazia, e dentro dessa cumplicidade com o meu pai, de mostrar sempre pra gente o que era o certo, o que devis de ser feito, o que não devia de ser...
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Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores - Pronac 128.976
Depoimento de Armando Porto Carreiro de Souza
Entrevistado por Vanuza Ramos
São Paulo, 15 de maio de 2014
NCV_HV014_Armando Porto Carreiro de Souza
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Obrigada por você ter vindo, disponibilizado um pouco do seu tempo pra dar essa entrevista, que é muito importante pro Museu e pro Projeto Ouvir o Outro da Nestlé.
R – Obrigado pelo convite!
P/1 – Você poderia começar, por favor, falando o seu nome completo, o local e a sua data de nascimento?
R – Bom, eu nasci em dez de julho de 1963, na Cidade do Rio de Janeiro, e fui nomeado pelo meu pai e pela minha mãe Armando Porto Carreiro de Souza.
P/1 – Qual o nome dos seus pais, Armando?
R – O meu pai é Alberto Porto Carreiro de Souza, minha mãe é Marlene Pessoa de Souza.
P/1 – E qual é a profissão deles?
R – O meu pai é engenheiro civil e minha mãe é professora primária, né, sofredora.
P/1 – Como você descreveria eles, começando pelo seu pai?
R – O meu pai sempre foi uma pessoa que tentou passar pra gente que era importante você se dedicar às coisas que você fazia, né? Ele sempre, eu me lembro desde pequeno, o meu pai acordando cedo, saindo pra trabalhar, bastante dedicado ao trabalho. Como um homem dos seus 77 anos hoje, um pouco mais distante da criação dos filhos que era comum naquela época, mas sempre presente de alguma forma e tentando passar pra gente que o importante é você ser uma pessoa honesta, decente. E minha mãe já tinha o dom de aturar criança, professora primária, né? E uma grande mãezona, sempre teve presente com a gente em todos os momentos, tentando entender a gente. Por mais que a gente tivesse certo ou errado, ela sempre tentava entender o que a gente fazia, e dentro dessa cumplicidade com o meu pai, de mostrar sempre pra gente o que era o certo, o que devis de ser feito, o que não devia de ser feito.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Sei, uma história um pouco interessante. Os meus avós, os pais da minha mãe, eles são imigrantes, são portugueses, e minha avó, quando chegou no Brasil, foi trabalhar como empregada na casa da madrinha do meu pai. E depois ela saiu de lá, quando casou com o meu avô, que também veio imigrante pro Brasil e tudo, mas ficou a amizade com essa antiga patroa dela. E minha mãe passou a frequentar essa casa da ex-patroa da minha avó e meu pai frequentava por ser afilhado dela, e o marido dela era tio do meu pai. Eles se conheceram lá e daí as coisas aconteceram.
P/1 – Eu ia perguntar sobre a origem da sua família, a sua mãe é de origem portuguesa.
R – A minha mãe é brasileira, mas os meus avós são portugueses. O meu pai é brasileiro também e tem uma origem um pouquinho mais distante espanhola.
P/1 – Certo, e você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Teresa Cristina Porto Carreiro de Souza.
P/1 – Como era a casa que você cresceu, Armando?
R – Como sempre no começo, né, era um apartamentinho muito pequeno. Até meus três, quatro anos de idade, um pouquinho mais talvez, a gente morava num apartamento pequeno no Rio de Janeiro, na Tijuca, apartamento de quarto e sala, que eu me lembro que eu dormia no quarto do meu pai. Uma grande, a primeira grande mudança na minha vida, foi quando a minha irmã nasceu, que eu tive que sair do quarto dos meus pais pra dormir no sofá da sala, né, porque não dava, não cabia todo mundo no quarto. Aí vai trabalhando, vai melhorando de vida, a gente passou pra um apartamento de um quarto e meio, que era o quarto reversível, quarto de empregada reversível, que dormia eu e minha irmã. Isso foi até os nove anos, quando trabalhando, melhorando de vida, o meu pai construiu uma casa pra gente, foi a casa que eu cresci, até casar a primeira vez e sair de casa.
P/1 – Todas essas residências foram no mesmo bairro?
R – Todas na Tijuca, onde o meu pai nasceu e foi criado também.
P/1 – O que é que você lembra desse bairro?
R – Eu lembro algumas coisas muito legais! Era um bairro no Rio de Janeiro que tinha uma coisa que acabou hoje em dia, né, era um bairro que tinha, assim, tinha a praça central do bairro, que é a Praça Sáenz Peña, que tinha em volta dela, assim, uns 12 cinemas, todos cinemas de rua, não existia shopping, né? Então eu lembro algumas coisas muito peculiares, eu lembro de um domingo por mês eu indo a Metro Tijuca pra assistir Festival Tom & Jerry, aquilo era o máximo pra mim, né, assistir o Festival Tom & Jerry. E a cultura do bairro sempre viveu muito em torno da Praça Sáenz Peña, que era a praça, aí tinha esses cinemas todos. Hoje acabaram todos, não tem mais nenhum cinema em volta da praça, né? Mas eu me lembro de coisas simples, quer dizer, eu tenho 50 anos, eu me lembro do leite entregue com garrafa na porta da casa da minha avó. A minha avó morava numa casa nesse bairro também e eu, até ir pra escola, todo dia a minha mãe ia trabalhar, me deixava muito cedo na casa da minha avó. Seis e quinze da manhã minha tia, que morava com a minha avó, abria a janela, eu entrava pela janela da casa dela, né, pra minha mãe poder trabalhar e meu pai poder trabalhar. Era uma casa que tinha um quintal, a gente... Eu lembro do leite na porta, eu lembro das pessoas se falando, né, na rua e tudo. E a vida inteira, a minha família inteira sempre morou na Tijuca, os meus tios que moravam na casa da minha avó, que se casaram, continuaram morando por lá e tudo. Até que chegou uma época que a gente, essa casa que a gente foi morar depois, quando eu tinha nove anos, morava na mesma rua eu, meu pai, minha mãe, minha irmã, minha avó, minha tia com o marido e com os filhos e mais dois tios meus, tudo acabou morando na mesma rua. Era um bairro que tinha um clima bem familiar.
P/1 – E da cidade, o que você observa de mudanças que impactam na sua vida?
R – Milhares, né? Porque, quando eu era menor, o meu pai tinha um escritório no centro da Cidade do Rio de Janeiro, eu adorava ir pro centro do Rio de Janeiro. Que toda vez que a gente ia ao centro no escritório do meu pai, primeiro que brincar no escritório do pai era uma coisa, assim, que dava muito prazer pra gente, mexer nos papéis, nos carimbos, né? E segundo, tem uma confeitaria muito tradicional no Rio de Janeiro, Confeitaria Colombo, e sempre que a gente ia no escritório do meu pai, eu minha mãe e minha avó, quer dizer, por parte de pai, né, que morava com a gente, a gente ia na Confeitaria Colombo, eu gostava muito. Eu gostava muito também que os meus avós, por parte de mãe, Seu Manoel e Dona Amélia, eles moravam num local, não é mais pobre, mas não tão glamoroso como seria a Tijuca naquela época, mas eu adorava, que eles moravam numa casa também, e a coisa que eu mais gostava é que eu podia fazer uma coisa que eu adorava, que é tomar banho de tanque, tomar banho de tanque, eu gostava muito. E a cidade foi crescendo e crescendo muito. Uma coisa que impactou muito positivamente pra gente, e hoje em dia é muito diferente, né, eu com 11 anos, eu saía da Tijuca, pegava um ônibus, ia pro centro do Rio pro colégio, sozinho. Uma coisa que hoje a minha filha de 12 anos, eu tenho medo de deixar ela ir sozinha pro colégio a três quarteirões da onde a gente mora. Então isso foi de ruim na cidade que aconteceu, eu acho que a gente nesse tempo, a gente tinha mais liberdade de ir e vir, com menos preocupações, hoje em dia a gente talvez tenha menos liberdade e mais preocupações de ir e vir.
P/1 – Você falou da sua família, que morava quase todos próximos, no Bairro da Tijuca, e esses seus avós que moravam um pouco mais distante. Vocês costumavam se encontrar?
R – A gente ia quase que semanalmente à casa dos meus avós que moravam um pouco mais longe. Essa minha avó, mãe do meu pai, o meu avô por parte de pai eu não conheci, ele morreu antes de eu nascer, morreu cedo, então essa avó sempre morou com a gente, quer dizer, sempre morou com a gente, quando a gente se mudou pra essa casa, né, quando eu tinha por volta dos meus oito, nove anos de idade. Foram morar a minha avó, a minha tia e meus outros dois tios que não eram casados ainda; moravam com a gente, depois eles foram casando, morando na mesma rua. Então, assim, a minha avó tava sempre comigo, a gente morava numa casa de dois andares, a gente no andar de baixo, ela no andar de cima. E meus outros avós eu via quase que semanalmente e a família se encontrava sempre naquelas datas: Natal, Ano Novo, aniversários, esse tipo de coisa.
P/1 – Você lembra o que é que vocês comiam nessas datas festivas, nesses encontros?
R – A gente é família portuguesa, então é muita comida sempre, o tradicional, bacalhau, polvo, né? Minha avó por parte de pai, minha avó Diva, ela cozinhava poucas coisas, mas cozinhava coisas, as coisas que ela fazia, poucas, eram muito boas, então ela fazia uma rabanada muito boa, né? E a gente sempre teve esse hábito, a gente passava o dia 24 com a família do meu pai e dia 25 toda família, inclusive a família do meu pai, os irmãos dele, os meus tios e minha tia, todos íamos pra casa dos meus avós por parte de mãe pra almoçar no dia de Natal.
P/1 – Quem que preparava as suas refeições, Armando?
R – Basicamente a minha mãe, sempre foi... Ela adora cozinhar e sempre foi a grande... Todos participavam, minha tia fazia também um pouco, minha avó fazia, mas basicamente muito mais minha mãe.
P/1 – E fora dessas datas festivas, o que você lembra que você comia no seu cotidiano na infância?
R – Acho que a comida normal, nada de diferente, não, não existia essa preocupação tão grande de “temos que ser saudáveis”, nada disso, então era um arroz, feijão, um bifinho, uma saladinha, coisa do dia a dia.
P/1 – Tinha algum prato que você mais gostava?
R – Quando eu era menor? Tinha! Minha mãe fazia um doce de gema de ovo com coco, fazia não, faz ainda, mas faz menos, que eu adorava comer, gostava muito. É que o interessante, eu era uma criança que eu não gostava de sorvete, eu esperava o sorvete derreter pra tomar o sorvete, né? Hoje em dia eu sou um apaixonado por sorvete, mas eu não gostava de sorvete. Então a gente saía, eu esperava o meu sorvete, eu não podia tomar nunca picolé tinha que tomar sempre sorvete de copinho, porque eu tinha que esperar ele derreter pra poder comer, entendeu? Eu não gostava do gelado.
P/1 – Você brincava de que nessa época da sua infância na Tijuca?
R – Eu brincava muito com a minha irmã. A gente morava num apartamento, um apartamento pequeno, e era uma coisa impressionante, que não existe mais, né, a gente brincava no corredor do prédio. Tinha o vizinho de porta que tinha uma, dois filhos também, um menino e uma menina, a menina um pouquinho mais nova, um pouquinho mais novos, a menina um pouquinho mais nova do que eu, o menino um pouquinho mais novo que a minha irmã, e a gente brincava de pique, de pegar. Eu sempre gostei muito também de, desenhar não, que eu sou péssimo, se eu tivesse que ganhar a vida como desenhista, eu realmente não teria condições nenhuma de viver, mas eu gostava de, a gente brincava muito de fazer pesquisa, minha mãe incentiva muito isso na gente. Então a gente pegava um livro, eu falava: “Vamos pesquisar sobre as formigas”, aí escrevia um pouquinho sobre as formigas, mas brincava muito de correr, de... Na Tijuca a gente tinha uma dificuldade, mas era... A minha avó por parte de pai tinha uma casa na serra, a cem quilômetros do Rio, e a gente ia quase, quase todo final de semana e todas as férias eram passadas lá. Então lá era o grande paraíso pra mim, eu me libertava daquele um quarto e meio e andava de bicicleta, andava a cavalo e corria. Depois, quando a gente, quando eu fiz meus oito, nove anos, que a gente foi pra essa casa, aí eu comecei a brincar mais com o pessoal da rua, eu morei numa rua sem saída. A gente brincava muito na rua, brincava muito de pique, essas coisas de criança, jogar bola, apesar de eu ser péssimo, mas eu sempre me esforcei.
P/1 – Nessa época você já pensava no que você ia ser quando crescer?
R – Pensava. Eu não ia ser médico! Eu tinha um tio, irmão do meu pai, que era meu padrinho, que eu gostava muito, e ele era farmacêutico, e eu me encantava, visitava ele às vezes nos laboratórios que ele trabalhava na indústria farmacêutica, e me encantava com aquelas coisas e tudo. Então eu queria fazer Engenharia Química a minha vida inteira, eu queria ser engenheiro químico. No terceiro ano, antigo científico, o segundo grau agora, poucos meses antes do vestibular é que eu resolvi ser médico.
P/1 –E sobre a escola, suas primeiras, sua primeira escola, você tem lembranças?
R – Fantásticas! Eu me lembro como se fosse hoje o meu primeiro dia de aula, né? Minha mãe tava procurando uma escola pra mim, eu tinha três anos e meio. Como filho de professora, já vinha semialfabetizado de casa, né, desde os três anos, eu acho que a pressão não sei se é necessária ou não, mas... A minha mãe tava ficando nervosa, que a gente tinha ido a umas três ou quatro escolas já e não tinha como encaixar, ela precisava que eu estudasse de manhã, só tinha vaga à tarde. Chegou numa escola, no Baby Garden, e encontrou uma colega de turma dela como dona da escola, e a escola tinha acabado de abrir e eu fui da primeira turma da escola com três anos e meio. Fiquei lá até os nove, que a escola termina na terceira série primária, aí eu fiz a quarta série numa escola pública no Rio de Janeiro, aí fiz concurso, já começa a pressão na tua vida, já começa a fazer um monte de concurso pra entrar no ginásio antigo. Aí eu fui estudar no Colégio São Bento, um colégio beneditino, que tem uma característica única, é o único colégio que não é misto no Rio de Janeiro, até hoje não é misto, e lá eu fiz o antigo ginásio, o científico e de lá saí pra universidade.
P/1 – Essa questão de ser uma escola pra meninos te marcou, você sentiu diferença?
R – Positivamente e negativamente! Positivamente, porque é liberdade total, você não tem que se preocupar com a menina do teu lado, você não tem que parecer bonitinho pra ela, você não tem que falar certinho, então é liberdade, assim, total e absoluta pra você ser quem você quer ser. Isso é muito legal do colégio, mas ao mesmo tempo também cria um bando de “pseudotarados”, né, porque você sai de lá querendo encontrar uma mulher de qualquer jeito! Então foi até muito engraçado, quando eu entrei na universidade, ter mulher na minha turma, eu olhava, falava: “Pô, tem uma menina do lado, uma menina do outro, meu Deus do céu” (risos), né, porque eu não tava acostumado. Nos últimos oito anos eu não tinha convivido com mulher no dia a dia; tinha o curso de Inglês, curso de Francês, tinha os amigos de férias, mas no dia a dia na escola não tinha, era só... Mas é muito legal, tanto que durante muito tempo eu fiquei encontrando mais os meus colegas de turma de colégio do que de faculdade, de faculdade, os últimos cinco, seis anos pra cá, a gente passou a se encontrar muito, mas durante muito tempo eu via mais meus colegas, e lá acaba virando uma religião, uma máfia. Eu falo que essa história de bullying que tem hoje em dia, o bullying existe há um milhão de anos, né, e lá o bullying era quase que oficializado. Eu brinco, que tem amigos meus... Eu só tenho filhas mulheres, não pude colocar lá, colocaria com o maior prazer, e eu brinco com meus amigos que têm filhos homens, eu falo o seguinte: “Ó só, aquela é uma escola, aquilo é uma selva, só os mais fortes sobrevivem, ou você é caça ou você é caçador, você tem que escolher o que você vai ser”. Mas eu trago, assim, recordações maravilhosas desse meu tempo de escola, muito, muito, muito boas, e grandes amigos feitos lá.
P/1 – Tem algum professor de todo esse seu período escolar, contando da infância até adolescência, que tenha te marcado?
R – A primeira professora me marcou muito, Tia Mirtes, né, que a Tia Mirtes era muito dedicada a gente, e era muito legal. Depois, no São Bento, eu tive uma professora de Francês que foi muito legal, tanto que o Francês no colégio terminava na oitava série, no ginásio, e a professora era tão legal que a minha turma pediu ao reitor da escola que nós gostaríamos que fosse colocado na grade do científico o Francês. A gente queria continuar estudando Francês, mas tinha que ser com a Professora Sandra, que era uma pessoa muito legal. Porque é interessante na época de escola, até uma das fotos que eu vou mandar pra vocês, que eu ainda quero mandar, o Brasil na Copa de 70, já que nós estamos em Copa agora, né, na Copa de 70 ele treinava no Itanhangá, em São Conrado, ali no Rio de Janeiro, São Conrado não, entre São Conrado e Barra, ali no Rio de Janeiro. E tinha um colega de turma, tijucano também, Vagner Chirol, que o pai dele era Admildo Chirol, que o cara era um dos preparadores físicos da seleção brasileira, então ele organizou uma visita da nossa turma ao treinamento da seleção. Eu tenho uma foto, assim, histórica, que é o Zagalo, Pelé e eu no meio, com sete anos de idade, entendeu, abraçado com os dois. Há um tempo atrás eu tive com o Zagalo, até levei, mostrei essa foto pra ele, e ele: “Poxa, que legal”, a foto preto e branco, Zagalo, Pelé e eu no meio. Isso é uma coisa que, uma das coisas mais maravilhosas do tempo do Baby Garden foi essa ida, quer dizer, valorizei muito mais quando fiquei mais velho do que naquela época, né, mas foi muito legal isso aí.
P/1 – Você falou que você ia sozinho aos 11 anos pra escola.
R – Sozinho.
P/1 – E quando era menor, como era a sua ida pra escola?
R – Geralmente o meu pai me levava de manhã, quando ele saía pra trabalhar, e minha mãe, quando saía da escola dela, me pegava na escola.
P/1 – Aí depois você já começou a ir sozinho, e você saía pra outros lugares sozinho? Como foi essa passagem da infância pra juventude?
R – Foi boa, muito boa. Minha adolescência foi meio, não que eu tenha sido um adolescente rebelde, mas que sempre quer buscar mais espaço do que te dão, né, então tem sempre um conflito por busca de espaço. Foi tranquilo, eu ia pra escola com 11 anos, eu saía pra escola sozinho, eu ia pro curso de Inglês sozinho, eu morava numa ladeira, fica a um quilômetro da Praça Sáenz Peña, aquela famosa praça onde tudo ocorria na Tijuca, o curso de Inglês era lá e tudo. E não tinha nenhum ônibus passando perto da minha casa, então eu tinha que descer até a Praça Sáenz Peña. O que era muito legal é que todo dia, quando eu ia pegar ônibus na Praça Sáenz Peña, minha vozinha, nessa época os meus avós já, maternos, já estavam morando na Tijuca também, só que numa outra rua. Ela descia da rua dela pra me dar todo dia o dinheiro do ônibus, uma maçã, um pedaço de doce de leite, que eu adoro, aquele em barra, e bala Soft pra eu levar pro colégio, todo dia a minha vozinha me esperava no ponto de ônibus que eu pegava pra ir pro colégio, né? E foi tranquilo e a gente começou a andar, andava muito sozinho, né?
P/1 – Nessa fase da adolescência, chegando pra juventude, que passeios você fazia, o que era o seu lazer no Rio?
R – O que eu te falei, isso é uma coisa boa e uma coisa ruim, a gente tinha essa casa fora da minha avó, então a gente ia muito pra Teresópolis, então eu conheci muito pouco do Brasil. Tive duas oportunidades muito legais, que foram importantes na minha vida: com dez anos de idade, no colégio da minha irmã, foram apresentar lá uma excursão à Disney, isso em 1973, tinha acabado de abrir a Disney, né, em Orlando, e eu fui. Fui eu e meu primo com essa excursão, com a Tia Maria Célia, né, fomos à Disney e foi uma experiência muito legal, que eu repeti depois com 12 anos, que aí a minha irmã já tinha dez, mas aí o meu pai não deixou a minha irmã ir sozinha comigo, minha avó foi com a gente. Aí é legal que você já tá no curso de Inglês, já achava que sabia, falava nada, mas achava que sabia falar inglês. E foi muito legal, foi uma coisa marcante. Se repetiu depois lá na frente quando eu fui morar nos Estados Unidos por um tempo, fazendo intercâmbio cultural.
P/1 – Quer dizer que você foi pra Disney com a avó?
R – Primeiro sozinho, depois com a avó, com dez anos eu fui sozinho! E, repetindo o padrão, tou mandando a minha filha agora com 12 anos, com o coração apertadinho, mês que vem vai viajar também pra ficar 20 dias estudando Inglês fora, entendeu, mas com o coração apertado (risos), não posso deixar de considerar isso.
P/1 – E no Rio, o que você fazia?
R – A gente brincava muito, primeiro quando eu mudei pra essa casa, eu tinha nove anos, eu brincava muito de jogar bola na rua e tudo, e a gente saía muito ali por perto, a zona sul era uma coisa distante pra gente, a Barra da Tijuca não existia. Eu adorava, que eu tinha um tio que morava com a gente, o meu tio Ricardo, que todos, ele adorava praia, então todo final de semana eu ia pra praia com ele. Os meus pais não gostavam muito de praia e nem de futebol o meu pai gostava, e eu sempre gostei. Então eu ia muito ao Maracanã com amigos nossos, depois, com meus 12 anos, 13 anos, eu ia sozinho andando pra Maracanã, e o Maracanã, eu sou tricolor, e havia Flamengo e Grêmio, então “por que não? Porque os dois times tão com bons times, vai ser um bom jogo”, eu ia lá assistir. Era um lazer e era barato na época, hoje o ingresso tá caro, mas era barato. Então a gente ia muito à praia com o meu tio e depois você vai ficando maior, você começa a fazer tudo sozinho, né, começa a andar muito de ônibus e a gente se sentia super seguro. Eu voltava da zona sul, com 17 anos, três e meia da manhã de ônibus, sem problema nenhum, não me sentia de forma nenhuma ameaçado quanto a isso.
P/1 – Você continuava frequentando os cinemas do bairro?
R – Sempre frequentei. Eu tinha uma dificuldade grande, eu nunca gostei de... Eu fazia as coisas sozinho, então eu me lembro a primeira vez que eu fui ao cinema sozinho, foi um marco na minha vida, entendeu?
P/1 – Quantos anos?
R – Acho que eu devia ter 15 ou 16 anos, fui ver um filme que foi uma choradeira total, como eu me lembro das coisas, “Uma janela para o céu”, a história de uma esquiadora americana que na preparação, lembra até essa menina do Brasil agora, na preparação pra Olimpíada ela fica tetraplégica, entendeu? Pô, foi um marco na minha vida ir ao cinema sozinho.
P/1 – Você lembrou do seu primeiro filme.
R – “Uma janela para o céu”.
P/1 – Você lembra quantas vezes você ia assim ao cinema, por semana, por mês?
R – Ah, uma vez por mês sempre a gente ia, no mínimo, mas em muitos finais de semana a gente ia, eu me lembro pequeno ainda com seis, sete anos, a gente já botava o pijama, entrava no carro, ia pra Teresópolis, a cidade fica a cem quilômetros do Rio, pra casa da minha avó. A gente ia até de pijama já, já chegava dormindo lá, então a gente, quase todo final de semana, subia pra Teresópolis. Depois eu comecei a ter aula aos sábados, no colégio eu tinha aula aos sábados, isso começou a dificultar um pouquinho, mas teve uma época, quando eu já era maior, assim, meus 15, 16, que eu tinha uma autorização, que meus pais subiam na sexta, eu saía do colégio no sábado, ia pra rodoviária, pegava o ônibus pra ir pra Teresópolis, amava aquilo lá.
P/1 – Mesmo na adolescência continuou indo pra Teresópolis? Que normalmente os filhos param de...
R – Não, mesmo, a minha adolescência foi toda em Teresópolis. A gente tinha um grupo muito legal de amigos, muito legal mesmo lá, que a gente quase não se encontrava no Rio (risos), a gente só se encontrava em Teresópolis, tinha gente de Niterói, tinha gente da zona sul, a gente só se encontrava em Teresópolis.
P/1 – Você continuava com a ideia de ser engenheiro químico?
R – Engenheiro químico, eu queria fazer Engenharia Química.
P/1 – Quando foi que você mudou de ideia?
R – Eu mudei de ideia, comecei a mudar de ideia no segundo ano científico, quando eu comecei a participar de movimentos sociais da igreja católica. Eu achei que eu queria fazer uma coisa que eu pudesse ajudar mais diretamente os outros, né, foi aí que eu resolvi ser médico.
P/1 – Foi isso que te fez mudar de ideia?
R – É, eu queria impactar de uma forma mais direta na vida dos outros, nada como médico, ainda mais como cirurgião, né, que é o que eu sou, para impactar diretamente na vida dos outros, né?
P/1 – E daí você terminou o ensino médio e já entrou direto na universidade?
R – Eu entrei na universidade.
P/1 – Você cursou onde?
R – Fiz a Universidade Federal Fluminense, lá em Niterói.
P/1 – Você se formou em que ano?
R – Mil novecentos e oitenta e oito.
P/1 – Depois que você se formou você foi logo trabalhar?
R – Eu me formei, aí entrei logo na residência médica, entrei na residência médica, acabei a residência médica, fiz logo mestrado, mas eu trabalho desde os meus 17 anos.
P/1 – Aos 17 anos você trabalhava como?
R – Eu promovia vendas de viagens à Disney, era promotor de viagens à Disney. Esse meu tio que eu admirava muito, ele tinha, depois ele fez um laboratório pequeno que fazia álcool, fazia acetona, mercurocromo, produtos oficinais, que é o nome disso. Eu, na época de colégio não, mas nas minhas férias, eu era promotor disso aí, eu ia de farmácia em farmácia oferecendo os produtos dele: “Não, o preço é bom, experimentar” e sempre trabalhei. Eu passei pro segundo semestre da faculdade, então aquele meu primeiro semestre inteiro eu trabalhei: dei aula de catecismo, de religião, fui treinador de time de handebol, que eu jogava handebol também. Então sempre corri atrás de alguma coisa.
P/1 – O que você fazia com esse dinheiro desses seus primeiros trabalhos?
R – Sempre gastei tudo (risos).
P/1 – Gastava com o quê?
R – Eu evitava pedir dinheiro pro meu pai quando eu tinha dinheiro. Gastava quando a gente saía, comer pizza, né, essas coisas, adoro pizza, então...
P/1 – Você falou que a sua família, a família da sua mãe é de origem portuguesa, sabe por que eles mudaram pro Brasil?
R – O que eles me falaram é que eles vieram pra cá no final dos anos 20, início dos anos 30, é que tava muito difícil a vida, eles eram do interior de Portugal e a vida era muito difícil lá. Mas a minha avó não era nem pra vir, minha avó não era nem pra vir. A irmã dela se apaixonou por um português que veio morar em São Paulo, e ela queria vir atrás dele de qualquer jeito. Ela não podia vir, porque era menor de idade, então a minha avó veio acompanhando a irmã! Chegaram no Rio de Janeiro, a irmã depois veio pra São Paulo, morou aqui, casou aqui, morreu aqui em São Paulo, né? E minha avó ficou no Rio, minha avó não era pra ter vindo, né? O meu avô veio porque a situação tava, em termos de ganhar dinheiro, tava muito difícil em Portugal naquela época, no início dos anos 30, uma crise muito grande, e do interior, era pastor de ovelha e não, aí veio pra cá. Veio pra cá e foi ser porteiro da empresa da Esso, acabou como supervisor da Esso, se aposentou com 40 anos de Esso, supervisor da Esso.
P/1 – Eu perguntei isso meio “atemporalmente” dentro do fluxo da entrevista só pra saber dessa coisa da imigração. Você e sua família nuclear, os seus pais, sempre ficaram no Rio?
R – Sempre.
P/1 – Saída era mais pra Teresópolis.
R – Teresópolis.
P/1 – E você é casado, Armando?
R – Sou casado, casado há 14 aos.
P/1 – Como que você conheceu...
R – Segundo casamento, eu fui casado a primeira vez e com cinco anos separei e casei de novo, tem 14 anos. Como eu conheci? Eu tava dando plantão no Hospital Universitário, que, assim que eu terminei a residência, eu fiz alguns concursos, entrei logo como médico da universidade, entrei como médico da Polícia Militar lá no Rio. Um dia eu tou dando plantão, eu era chefe da equipe do plantão da emergência, ela foi ser acadêmica do plantão, (risos) aí nós nos conhecemos e estamos casados há 14 anos.
P/1 – Ela também é médica?
R – Ela também é médica, também é cirurgiã geral.
P/1 – Você lembra como foi seu casamento, seus casamentos, qual você queira relatar?
R – Não, os dois foram ótimos! O primeiro casamento, eu casei muito novo, eu tinha 25 anos e na época eu tava começando a ganhar um dinheirinho melhor e tudo, a gente trabalhava muito, eu acho que atrapalhou muito o meu primeiro casamento é que eu via a minha mulher três dias na semana. Os dois, ela era médica também, a gente se reconheceu na residência médica no Hospital Universitário, a gente se via muito pouco e eu era muito mais infantil e muito menos preparado e não deu certo. E ela hoje é uma pessoa que é minha amiga, a gente ocasionalmente se fala, quando um precisa de alguma coisa, fala com o outro, não tivemos filhos, ficou uma relação muito boa entre a gente. Eu sou padrinho da sobrinha dela e a gente tem uma relação muito boa. A minha segunda esposa eu conheci fazendo uma arteriografia num paciente com um tiro na perna, né, eu tava trabalhando com o paciente quando ela chegou: “O que que é isso aí?”, eu falei: “Filha, não atrapalha, não, fica de fora, por favor, que eu tou trabalhando”. E foi assim que a gente se conheceu e a gente tá casado desde 2000.
P/1 – Você tem filhos desse segundo casamento?
R – Tenho duas filhas.
P/1 – Qual a idade delas e o nome?
R – Ana Clara tem 12 anos e a Ana Carolina tem nove anos.
P/1 – A gente estava falando da sua família, do seu casamento, pra você como que foi ser pai? Como você descreve isso?
R – É difícil descrever, né, porque é uma coisa tão impactante, tão maravilhosa na vida da pessoa e te traz tanta responsabilidade também, né? Agora não sou mais eu, tem pessoas que dependem muito de mim por muito tempo, né, vendo os outros mamíferos, o nosso mamífero, o nosso filho depende muito da gente por muito tempo, né? Então foi muito, muito, muito, muito legal ser pai, muito, muito, muito bom ser pai. Eu adoro as minhas filhas, adoro estar com elas.
P/1 – Vocês fazem programas juntos, nas horas de lazer o que vocês costumam fazer?
R – A gente tenta estar... A minha profissão me afasta um pouquinho das minhas filhas, né, lá em casa é pior, porque afasta eu e a mãe, que a gente opera junto ainda, né? Então eu sou cobrado disso por elas, mas eu descobri com um amigo meu que, quando eu não posso dar quantidade, eu tenho que tentar dar qualidade, né? Então a gente tenta sempre. A gente tem uma casa fora do Rio também, em Araras, que é um município na serra, perto do Rio de Janeiro, e a gente vai muito pra lá. Minha filha de 12 anos tá entrando naquela fase de adolescência, tá começando a ficar difícil de ir pra lá, então a gente tá fazendo certas concessões, mas a gente tem uma família muito unida, nós quatro somos muito unidos, muito. Eu tou tentando bastante conquistar muito a confiança dessa minha filha de 12 anos, né, que mulher adolescente, ela sempre dá uma afastadinha, fica, né, mas é maravilhoso ser pai, é muito bom. É um desafio constante e diário, horário, né, acertar a mão, não ser muito nem ser pouco, acertar, o resultado final tem que ser positivo, né, mas tem erros e acertos, a caminhada é demais.
P/1 – Agora a gente vai pra uma parte da entrevista mais temática, sobre o Projeto Jovens Nutricionistas da Nestlé, então eu vou perguntar um pouco da sua vida profissional, mas ligado a esse projeto. Como a gente tá falando da área de alimentação, de nutrição, eu queria te perguntar assim, pessoalmente, se você pensa no caminho que o alimento faz até chegar na sua mesa, até chegar nas suas refeições, esse percurso todo. Isso é importante pra você?
R – É, é uma coisa que eu valorizo muito, até porque eu tento, lá no sitiozinho que a gente tem, plantar muita coisa da forma sustentável, fazer compostagem, e penso muito nisso. E penso que, até porque a gente teve uma experiência, tem uns quatro anos, né, teve uma grande chuva no Rio de Janeiro, especialmente em Friburgo, Teresópolis, uma parte de Petrópolis, uma enchente, uma coisa terrível, a gente foi trabalhar, eu fui voluntário pra trabalhar lá. A gente ficou dez dias trabalhando no resgate dessas pessoas e tudo, e a gente teve um contato muito legal de como as... Lá é uma área rural que basicamente é a área que oferece toda a parte de horti, de verduras pro Rio de Janeiro, legumes, né? E a gente viu como as pessoas batalham, como elas se dedicam a aquilo e isso mudou muito, eu comecei a pensar muito a partir daí, em relação do que, como é que é importante a gente valorizar quem faz isso aí, que as condições que as pessoas vivem. A gente vive num, a gente reclama tanto de barriga cheia, entendeu? As pessoas vivem em condições, outro dia eu fui comprar umas mudas perto do meu sítio, um lugar, coitado, muito ruim a condição, o cara vendeu as mudas pra mim, muda de alface, muda de espinafre, essas coisas pra eu fazer lá em casa, pra eu plantar lá em casa. E a gente tem que valorizar mais isso aí, porque a gente valoriza muito pouco e são fundamentais pra gente.
P/1 – E sobre a qualidade do produto que você consome? Você pensa: “Ah, é orgânico, foi feito com condições sanitárias adequadas”, você é atento a isso?
R – A gente às vezes não tem muita informação sobre isso, né, e acaba que o orgânico, eu não sei porquê, acaba saindo muito mais caro do que o outro. Eu tou tentando, lá no sítio tudo que a gente planta de verdura é tudo orgânico, não tem defensivo nenhum, não tem nada, então eu acho que mais que valorizar, eu defenderia que tudo fosse orgânico, né? Eu acho que é importante eu explicar o que tem a ver um cirurgião com nutrição, é importante eu explicar isso aí. Quando eu tava no quinto ano da faculdade, eu entrei na faculdade querendo ser cirurgião já, eu já entrei querendo ser cirurgião, eu achei que cirurgião ia ser pouco, que eu precisava mais algumas coisas pra ter uma posição boa como médico e tudo. Me interessei por nutrição, especialmente por nutrição do paciente internado dentro do hospital por acreditar que eu sou capaz, quer dizer, eu não, nós somos capazes de modular a sua resposta à doença através do que você come, daí que veio esse interesse em nutrição também.
P/1 – Como que você conheceu ou teve contato com esse programa de estágio dos Jovens Nutricionistas da Nestlé?
R – A gente, por trabalhar com isso, né, a gente é visitado ocasionalmente pelas representantes da Nestlé e tudo, e no hospital público que eu sou diretor, atualmente geral, era diretor médico na época, a Ana Luísa, que era representante da Nestlé, foi com essa proposta de, primeiro, dar espaço pra quem tá em formação, aprender. Segundo, uma proposta que a gente tem muito grande, a gente acha que todo paciente que interna num hospital, ele tem que ser avaliado do ponto de vista nutricional. Por quê? Porque a gente sabe, isso é bastante conhecido, que o paciente desnutrido, ele vai responder pior ao tratamento, ele vai ter uma doença mais agressiva. O que impressiona a gente é, primeiro, quase 50% dos pacientes, desculpa, 80% dos pacientes que estão internados em hospitais públicos no Brasil, hoje em dia ainda, não são avaliados do ponto de vista nutricional. E, quando são avaliados, quase 47% deles, dependendo do perfil da instituição, um pouquinho mais, um pouquinho menos, tem uma desnutrição associada à doença dele. E se você pensar em tratar só a doença, não pensar em tentar equilibrar metabolicamente esse paciente e melhorar a condição nutricional dele, você tem a grande chance de insucesso, e o insucesso muitas vezes é o óbito do teu paciente, por coisas simples, ou eu deixei muito tempo em jejum. O que é mais impressionante, um percentual grande de pacientes piora a condição nutricional dele dentro do hospital, piora, ele consegue piorar, ele entra ruim e fica péssimo. Por quê? Porque o doente fica muito tempo em dieta zero, ele perde muito tempo de se alimentar pra fazer exame, é confundida a dieta que vai pra ele; no momento que ele tava ali na dieta, chegou, desceu pro raio x, quando ele volta, o almoço tá frio, ele não consegue comer aquele almoço frio. Então, infelizmente, a gente ainda no Brasil, os nossos hospitais são promotores da desnutrição no paciente, e essa proposta da Nestlé é uma proposta muito legal, porque esses jovens vinham fazer um treinamento em campo, que basicamente a ideia era avaliar todo doente que internasse no hospital em até 24 horas em relação ao status nutricional dele. Com isso aí a gente poder interver mais precocemente pra ter melhores resultado lá na frente e, se você olhar pelo viés econômico também, com um tratamento bem mais barato e você devolvendo pra sociedade a pessoa numa fase produtiva com menos tempo de internação, podendo produzir mais pra essa sociedade. Então a gente não tem profissionais pra isso hoje, quer dizer, a gente tem profissionais no mercado pra isso, mas que não tão dentro das instituições ainda, por diversas políticas institucionais; muitas instituições não dão atenção a isso; muitos médicos não dão atenção a isso, essa mea culpa tem que ser feita, e deixam isso, eles acham que não é importante a nutrição do paciente, quando a nutrição do paciente é um dos pilares pra recuperação desse paciente. E as Jovens Nutricionistas é exatamente isso, tá dando tão certo no hospital, que tudo que elas precisavam, uma balança, tudo a gente tentava fornecer, porque a gente sabia que elas tavam acrescentando qualidade ao serviço prestado pela gente, em contrapartida tavam ganhando experiência, né? Tudo na vida é uma via de duas mãos, né, e, com essa qualidade que ela tava oferecendo ao serviço, a gente tava conseguindo melhorar o atendimento que a gente vai dar pros nossos pacientes.
P/1 – Qual foi o ano, Armando, que começou o Projeto Jovens Nutricionistas?
R – Nós estamos em 14, começou em 2011 lá no hospital.
P/1 – Como é o nome do hospital?
R – Hospital Central da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
P/1 – É uma equipe em média de quantas pessoas?
R – Eram duas nutricionistas que se revezavam e faziam essa avaliação de todo paciente que internava no hospital, um questionariozinho básico, que você conseguia dizer se o paciente tava desnutrido, em risco de desnutrição, o desnutrido leve, ou sem risco de desnutrição, sem desnutrição. Coisa rápida, que não precisa nem nutricionista pra fazer, qualquer profissional de saúde pode aplicar um questionário desses, e a gente deixa de fazer isso nos nossos hospitais.
P/1 – Quando essas nutricionistas, essas estudantes, chegaram no hospital, esse primeiro contato com a equipe, o que foi feito em termos de interação com os outros profissionais da saúde?
R – Foram dois momentos distintos, elas, quando chegaram lá, eu tinha um grupo de nutricionistas no hospital mais antigas, civis dentro de uma instituição militar, que tinha uma remuneração bastante ruim e, por conta disso, tinha um comprometimento pequeno, tem sempre um ou outro que é uma exceção. Quando elas chegaram, elas não foram nem muito consideradas por esse grupo substantivo, no meio desse processo teve um concurso e entraram nutricionistas novas no hospital, militares, tenentes, que deram todo irrestrito apoio pro projeto. Então foram dois momentos que elas... Nunca teve dificuldade, as pessoas não colocavam dificuldade, mas só não valorizavam o que as meninas estavam fazendo. Quando entrou esse grupo novo, inclusive o grupo novo lamentou quando o projeto acabou, entendeu? Porque elas vêm, por serem novas, por terem uma outra visão, outra perspectiva, elas veem com excelente olhos a participação do Projeto Jovens Nutricionistas dentro do hospital.
P/1 – Você, como diretor do hospital na época, como era a sua interação com essa equipe que tava chegando e como foi passar isso pro restante da equipe?
R – Com a primeira equipe de nutricionistas foi basicamente: “Olha, vai ter isso, tá? Não atrapalhem” (risos). Com a segunda equipe foi uma interação muito maior e elas cobravam, elas davam aulas pras meninas, então foi muito maior. Com a equipe do hospital como um todo, as pessoas se surpreendiam que isso tava acontecendo, que era uma coisa importante, e as meninas, elas eram super profissionais, super discretas. Eu, como diretor médico, na verdade era um facilitador do trabalho delas, eu tentava, né, as ferramentas que elas necessitavam pra executar o trabalho eu tentava oferecer pra elas no menor tempo possível. E elas me ofereciam relatórios do andamento das coisas e, com isso aí, a gente pode programar algumas intervenções dentro do hospital, com os relatórios obtidos por elas.
P/1 – E por parte dos pacientes, você tem algum dado, alguma informação de como era a aceitação deles com essas profissionais?
R – Ótimo, não tinham dificuldade nenhuma, nunca chegou uma reclamação, nunca chegou nenhum óbice, ao contrário! Nenhum paciente veio falar do projeto comigo, mas a gente vê nas entrelinhas que eles se sentiam bem, que era mais alguém acolhendo o paciente.
P/1 – Eu penso que numa equipe de um hospital existe uma gama imensa de profissionais, desde a área administrativa a área técnica de saúde, enfermeiro, fisioterapeuta, médicos, auxiliares, por esses outros profissionais, digamos, pela recepção do hospital, o pessoal da limpeza, eles tomavam conhecimento de que existia esse projeto?
R – A enfermagem, até a gente comemorou no dia 13 agora o dia da enfermeira, né, dia 13 não, dia 12 é o dia da enfermeira, dia 12 de maio, a enfermeira é o pilar do hospital, né, ela é o que sustenta o hospital, muito mais importante, que o médico trata a doença, o enfermeiro cuida do doente, né? Então essas meninas tiveram uma interação muito boa com a enfermagem do hospital, a enfermagem: “Olha, tem um doente novo aqui, vocês têm que ver”, então a interação foi muito boa com esse grupo. E hoje em dia não dá pra falar de tratamento de saúde sem falar em multidisciplinaridade, não tem como, apesar do cirurgião ser uma pessoa muito selfie e achar que ele resolve tudo, então, por característica pessoal do cirurgião, característica de personalidade do cirurgião, não tem como você não trabalhar hoje a multiprofissionalidade e cada um com a sua responsabilidade, cada um com o seu conhecimento e tentando somar pra um todo o resultado positivo no final. Mas, em especial, a relação das meninas, das estagiárias, né, com a enfermagem foi muito boa no hospital.
P/1 – No seu trabalho, Armando, tanto quanto médico cirurgião quanto diretor do hospital, você percebeu um impacto direto?
R – Teve impacto direto, porque quando as nutricionistas novas entraram, né, do concurso, eu já tinha um perfil do meu paciente, então foi muito mais fácil pra gente programar algumas ações baseado no perfil que essas estagiárias tinham coletado do meu paciente. Na verdade não muda muito em relação aos grandes trabalhos que a gente tem, nacionais e internacionais, mostrando que é o seguinte, a desnutrição associada a uma doença, ela não escolhe classe social. Eu fiz um trabalho no Rio de Janeiro, quando a gente tava na Sociedade de Nutrição Parenteral do Rio de Janeiro, a gente pegou 14 hospitais privados do Rio de Janeiro, a maioria da zona sul do Rio de Janeiro, alguns na Tijuca, outro na Barra, pra fazer um questionário pra avaliar nutricionalmente os pacientes que internavam no hospital. E, pra nossa surpresa, tem um questionário antigo, de 1996, que é o IBRANUTRI, feito no Brasil com quatro mil pacientes, a gente fez mil e 600 pacientes no Rio de Janeiro, pacientes privados com plano de saúde, né, que teoricamente teriam uma condição melhor do que o paciente da instituição pública, os nossos números foram exatamente iguais aos números das instituições públicas. Mostrando que a desnutrição associada a uma doença não escolhe classe social, ela tá presente independente de você ser classe A, B, C, D ou E, não tem, os números foram muito parecidos, estatisticamente insignificante a diferença.
P/1 – Armando, o projeto acabou em que ano?
R – O projeto acabou ano passado.
P/1 – Bem recente, ficou alguma prática desse período que vocês adotaram?
R – Ficou. Quando as estagiárias saíram o trabalho delas teve que ser assumido pelas nutricionistas e eu não abro mão desse trabalho dentro do hospital.
P/1 – Dê um exemplo pra gente ter uma ideia.
R – Um exemplo, o que acontece? Se você esperar o médico te chamar, você, que trabalha com terapia nutricional, pra ver um doente, que ele acha que esse doente tá desnutrido, ele já tá muito desnutrido. Quando você avalia, faz uma triagem em 100% dos doentes, inclusive isso é critério de qualidade da sua instituição hoje em dia, faz a triagem de 100% dos doentes que internam no hospital, você passa a ter uma atitude proativa de identificar esse paciente e precocemente intervir nele, porque às vezes o médico tá com tanta coisa na cabeça que ele não dá atenção a isso. Então o que a gente mudou foi que o trabalho que as meninas vinham fazendo, as estagiárias, foi incorporado pelo grupo novo de nutricionistas, elas são responsáveis por fazer essa triagem nutricional dos pacientes que internam hoje em dia.
P/1 – Você pode dar um exemplo, citar alguma coisa, que tenha significado um marco e uma ruptura que aconteceu dentro do ambiente de saúde do hospital com esse trabalho?
R – Marco foi o seguinte, a gente não se apercebia, não existia balança pra pesar os doentes, então o doente internava: “Perdeu peso”, “Perdi? Quanto?”, “Uns 20 quilos. Você tinha quantos quilos?”, “Ah, tinha 70 antes”, tudo ficava: “Eu acho, eu acho, eu acho”. O marco foi, quando as meninas chegaram, a gente percebeu que não tinha balança no hospital em número suficiente, a gente teve que comprar balança, né, isso foi uma coisa importante. E a ruptura foi que o grupo antigo no final se sentiu um pouquinho incomodado com o trabalho das meninas, né, e eu acho que isso deu uma estimulada no grupo antigo também, e hoje eu tenho, tanto as nutricionistas militares quantos as civis, de certa forma um pouquinho melhor integradas. E eu acho que estimulou bastante o grupo de nutricionistas antigas que tinha no hospital, que tinham uma prática só de dietoterapia: “Você quer comer o quê?”, parecia garçom de restaurante, elas, com o trabalho dessas meninas associado à chegada do grupo novo, elas perceberam que elas são importantes dentro da instituição. Que muitas vezes a gente tem a tendência a centralizar o tratamento de saúde no médico, esquecendo que o médico é quem menos fica com o paciente. Impacta de forma importante? Impacta de forma importante, mas impacta no tratamento da doença e muitas vezes não impacta no tratamento do paciente, o médico.
P/1 – Agora, pensando assim, na sua profissão de médico, dentro desse contexto todo, que impacto tem o seu trabalho, o que o seu trabalho traz pra uma concepção de qualidade de vida das pessoas de uma forma geral?
R – O médico tem um problema, a qualidade de vida dele é ruim (risos), do próprio médico, mas pela paixão que a gente tem e não conseguir dizer não muitas vezes e estar sempre disponível. Eu tava conversando sobre isso no café da manhã hoje, que tem um amigo meu agora que ele não atende mais telefone celular quando toca e ele tá almoçando ou jantando. Eu falei: “Poxa, eu tenho que me treinar pra adotar essa prática”, eu tenho que ter um momento do dia que o telefone tá lá, eu não vou atender, de alguma forma, né? Então a gente tem uma qualidade de vida que não é das melhores, a gente tem que trabalhar na gente isso. Em relação ao paciente, muitas vezes eu, como cirurgião, pra minha intervenção cirúrgica funcionar, dar certo ou ter menos complicação, eu preciso de um paciente mais bem nutrido possível. Então muitas vezes o tratamento não começa quando eu abro a barriga dele pra operar, começa quando eu preparo ele nutricionalmente pra ser submetido a um procedimento cirúrgico. E, quando eu faço isso, eu tou diminuindo infecção, tou diminuindo complicação, eu tou dando mais qualidade de vida desse paciente, porque ele fica menos tempo internado, com menos complicação e volta mais apto pra sua família. Então isso é uma coisa que não tem como não impactar, isso é um conceito que a gente precisa difundir, que o tratamento não tá baseado só no que eu faço quando eu opero o paciente, ele começa muito antes. Especialmente no paciente com câncer, que é um paciente que tem um, na maioria das vezes, dependendo do tipo de câncer, os mais agressivos e menos, pode ter um grau de desnutrição associado e que a resposta é completamente diferente quando eu me preocupo no pré-operatório de preparar esse paciente pro procedimento e quando eu não me preocupo. A mesma coisa, comparando pra gente entender, dá pra você correr uma maratona sem nunca ter corrido antes? Dá, eu fiz isso uma vez quando eu tinha 19 anos, eu tinha corrido cinco, dez e fui correr a maratona, terminei a maratona, 42 quilômetros, tinha 19 anos de idade, muita reserva, quase tive um choque térmico quando terminei a maratona, tanto calor que eu perdi, todo assado, não me preparei, três dias deitado na cama, dor muscular. Um ano depois eu corri a maratona preparado, terminei a maratona, de tarde podia jogar bola com o pessoal se eu quisesse! É isso aí que a gente faz, quando você acha que você vai ter um grande procedimento cirúrgico, uma cirurgia de câncer é uma maratona pro paciente, uma maratona que pode durar muito tempo. Eu não sei o que vai acontecer no ato operatório, eu não sei o que vai ser a resposta do paciente ao tratamento que eu tou oferecendo pra ele, então eu tenho que me preparar pra correr a maratona. Não dá pra correr a maratona sem estar preparado, o resultado, você pode até terminar a maratona, mas com um preço muito alto, você vai pagar por ela, foi o que eu paguei na minha primeira maratona, né?
P/1 – Armando, teve alguma história inusitada, marcante ou até engraçada que tenha acontecido durante esse projeto dos Jovens Nutricionistas no hospital que você trabalha?
R – A história interessante é a seguinte, que a partir do projeto, dessa triagem, a gente implantou um outro projeto no hospital, que é de considerar isso importante, né, a avalição do paciente e o preparo dele. Hoje em dia a gente se orgulha de ser um dos poucos hospitais públicos que oferece o preparo nutricional pro paciente, pra ele levar pra casa e tomar antes de ser internado, né? Isso é uma coisa que orgulha muito a gente lá no hospital, a gente ter condições de oferecer pra um paciente a primeira coisa, aquilo deixa de ser nutrição e passa a ser remédio pra ele. Então é importante você vender esse conceito que aquilo é um remédio, se ele não tomar esse remédio, pode ser que a cirurgia dele vá mal. E tem paciente que acaba de operar, acorda: “Doutor, vou continuar tomando o remédio ou não?”, ele pergunta pra você, porque a gente conseguiu passar pra ele a mensagem que aquilo era muito importante. A gente não consegue passar pra todos, eu não tenho garantia que todos tomam em casa o que a gente dá pra eles também, né, o preparo pré-operatório deles. Mas tudo isso aí veio decorrente dessa avaliação nutricional feita pelas meninas, com o Jovens Nutricionistas.
P/1 – A gente vai agora caminhando mais pro final da nossa entrevista, então algumas perguntas conclusivas, tanto profissionalmente quando pessoalmente. Que aprendizados você colheu ao longo dessa experiência que vocês tiveram dentro do hospital no qual você atuava tanto como médico cirurgião quanto como diretor?
R – O primeiro aprendizado é que eu preciso de mais nutricionista no hospital, eu tenho pouca pros projetos todos que a gente quer desenvolver. Segundo, é muito legal lidar com o jovem, com o aluno, né? Eu tou na universidade também já há 25 anos como médico, durante muito tempo lidei com interno de Medicina, com residente, e é muito bom, porque é sempre desafiador, é sempre estimulante. Então você ter gente jovem trabalhando contigo, buscando coisas novas, isso é muito legal, isso realmente é uma coisa que fica.
P/1 – Que transformações, você já falou bastante no âmbito profissional, e no âmbito pessoal? Você fala que você precisa de uma nutricionista, precisa se cuidar melhor enquanto médico, teve alguma mudança que você implementou a partir dessa avaliação, que era uma necessidade dos pacientes no hospital, mas que acaba sendo uma necessidade de qualquer pessoa que queira ter uma qualidade de vida?
R – É muito legal. A minha filha mais velha, ela tava obesa com 12 anos, a gente sentou, conversou muito, eu falei: “Filha, você tem que melhorar”, “Pai, como é que eu posso melhorar se você não me ajuda?”, né? Então não que eu tenha mudado radicalmente minha forma de alimentar, mas a gente, dentro desse pensamento de um ajudar o outro, pensa em fazer uma alimentação um pouquinho mais equilibrada, mais balanceada e evitar uma coisa da vida moderna, que é o comer na frente da televisão, a gente acabou com isso lá em casa, né? Então não há notícia que você não possa ver, se não ver às oito e meia, você pode ver às dez depois, não tem problema, não vai mudar nada, você entra na internet e vê depois, né? Então lidar com o jovem é muito legal, ter filhas que você consegue passar esses valores, de que é importante você valorizar coisas pequenas, tipo, o doente não conseguiu se alimentar. Por quê? Isso é uma coisa pequena, por quê? Porque a comida do hospital é ruim, porque tava fria quando chegou pra ele, porque ele falou que era alérgico a peixe e veio peixe no almoço dele, então são coisas pequenas que pra você, que tá se alimentando, não tá doente, não fazem diferença, mas pra aquela pessoa que tá lá um dia, dois, três, assim, pode fazer muita diferença. Então a maioria dos médicos não dá importância pra isso, porque não consegue captar, ou diz que dá importância, mas no dia a dia, na correria esquece de dar essa importância na verdade. Então, pra vida pessoal, o que traz sempre é o prazer de estar trabalhando com gente jovem, o desafio de implantar novos projetos e entender também que você tem jovem no trabalho, mas tem jovem em casa também, você tem que entender os anseios e as necessidades tanto de quem tá lá no projeto, que é jovem, quanto quem tá na tua casa, que é jovem também.
P/1 – Na sua trajetória de vida, Armando, qual a situação mais difícil por qual você passou e como você lidou com isso, como você fez para superar ou para resolver?
R – É difícil sempre você... A primeira vez que eu falei que o paciente tinha morrido pra família, eu achei que eu não tava preparado, você nunca está preparado, nunca vai estar pra isso, ainda mais quando é um paciente jovem, vítima de trauma, coisa aguda, né? É difícil, é sempre difícil. A gente se prepara no dia a dia, você cria conceitos que você acha que são importantes, de tentar relativizar a perda, mas pra quem perde aquele é único, não tem muito como relativizar. Nesses 26 anos de médico, de cirurgião, trabalhar com terapia nutricional, a gente vê muita coisa boa, muita coisa ruim, mas a gente não pode perder nunca é a capacidade de se emocionar. É a capacidade de ocasionalmente chorar com a família, ocasionalmente ficar muito chateado, porque uma coisa que você queria fazer de uma forma o resultado foi outro, é se questionar: “Será que esse resultado não foi tão bom, porque eu não tava preparado, não me preparei tão bem pra aquilo?”. E botar uma coisa na cabeça: todo paciente, por mais que pareça igual ao outro, é diferente; e você tem que se preparar pra cada um deles, e a preparação não termina nunca, você tem que estar se preparando a vida inteira pra receber aquele paciente, pra escutar a queixa dele, pra entender o que que tem de importante, o que é só um desabafo dele, o que você pode intervir como um cirurgião, o que você pode intervir muitas vezes como ouvinte só daquele paciente, daquela família. É trabalhar com uma coisa sempre, que eu acho que tem que marcar, eu acho que isso é uma característica que a Nestlé tem que eu acho legal, trabalhar com a verdade, com a transparência, então eu não posso mentir pro meu paciente, eu não posso minimizar a cirurgia que ele vai fazer, eu não posso dizer pra ele que ele vai ficar curado quando eu não sei se ele vai ficar curado. A relação tem que ser baseada, tanto entre médico e paciente quanto entre empresa e médico ou entre empresa e sociedade, tem que ser baseada na confiança. E, se eu mentir pro meu paciente, se eu enganá-lo, é claro, tem paciente que você não consegue botar toda a realidade, porque ele não tem capacidade de entendimento dessa realidade, né, então você tem que pintar a realidade de uma forma diferente pra ele poder entender e tudo. Mas, a partir do momento que eu mentir pro meu paciente, deliberadamente eu perco a confiança dele e sem confiança não há relação entre médico e paciente, não há relação entre indústria e médico, não há relação entre indústria e sociedade, tem que ser uma relação de confiança e de verdade. Eu não posso te prometer o que eu não vou ter condições de te entregar.
P/1 – É meio óbvia a pergunta: Como é a sua relação com a sua profissão? Você gosta do que você faz?
R – Eu acho que eu não ia saber fazer outra coisa (risos). Os desafios surgem, né? Agora a gente tá envolvido com gestão também, que é uma coisa legal, mas gestão pública no Brasil não é fácil, existem muitos entraves burocráticos, existe um nível de corrupção muito grande, né, isso desanima muito você. Mas é outro desafio, tentar impactar, quando eu opero uma pessoa, eu impacto naquela pessoa e na família daquela pessoa; eu, como gestor, tou impactando em muita gente, né, então é o novo desafio, que a gente tentou se preparar pra isso também, e é um desafio bom, mas é melhor operar ainda, né? Eu sou completamente apaixonado. Não faço a mínima questão que as minhas filhas sejam médicas, eu vou adorar se elas quiserem ser. É muito legal que o meu pai, apesar de ser engenheiro, nunca falou pra mim: “Você vai ter que ser engenheiro pra tocar o nosso negócio que a gente tem”, nunca se pronunciou quanto isso, nunca me forçou nem nunca perguntou: “Por que você não quer ser engenheiro?”. Eu acho que o fato de eu amar medicina e ser apaixonado e viver ela quase que 24 horas por dia, às vezes com o preço de um pouquinho de distanciamento da família, eu não faço a mínima obrigação que as minhas filhas sejam médicas, sejam o que vá fazer elas felizes, tão felizes quanto a medicina me faz feliz.
P/1 – Pra você, Armando, o que é mais importante hoje na sua vida?
R – Mais importante hoje é a minha família, minhas filhas, minha família, meu núcleo familiar, mas eu tenho certeza que, se eu não tiver exercendo a minha profissão, eu não vou conseguir ser feliz na minha família. “Não, você agora vai ser só executivo e vai trabalhar pra uma grande rede hospitalar”, eu tive essa oportunidade e não quis, né, essa oportunidade eu não quis. Eu gosto muito do contato com o paciente, mas o mais importante pra mim hoje, sem sombra de dúvidas, é tentar criar pessoas de caráter, minhas filhas de bom caráter, de bons caminhos e tentar dar exemplos disso pra eles, entendeu, tentar ser, dentro de nossos erros e acertos, tentar passar boas mensagens e bons exemplos pra elas.
P/1 – Pensando em sonhos, tem um sonho que você almeja alcançar?
R – Durante muito tempo eu me arrependi, que eu tive oportunidade de sair do Brasil para trabalhar lá fora, e realmente depois eu estagiei algumas épocas da minha vida lá fora, a minha formação médica nos Estados Unidos em especial, e aprendi muito, é muito bom, é outra realidade em termos de organização e tudo. Durante muito tempo eu me arrependi de não está lá fora, hoje eu já não me arrependo mais, eu já acho que eu sou importante no que eu faço aqui dentro, dentro do que eu posso oferecer. O sonho que eu tenho é da gente conseguir ofertar, acabar uma dicotomia que existe na cabeça das pessoas, as pessoas são meio esquizofrênicas, né, porque ela tem um comportamento no privado e a mesma pessoa num hospital público tem um outro comportamento, não são todos, é claro. Mas o meu sonho é que as pessoas tenham o mesmo comportamento, acabem com essa esquizofrenia de: “Eu tenho que ser aqui A e aqui eu tenho que ser B”. É tudo paciente, tem que tratar tudo do mesmo jeito, tem que dar a mesma atenção, tem que dar o mesmo carinho, tem que ter o mesmo respeito, não importa se é no privado ou se é no público. E, se eu tivesse que ter um sonho, é que as pessoas tivessem a mesma conduta que elas têm, tanto na medicina privada quanto na medicina pública, uma conduta de verdade, de transparência e de falar: “Olha, eu não sei o que é isso, mas vou tentar descobrir” ou: “Eu não sei o que é isso e não tenho como descobrir, vou te encaminhar você pra alguém que pode fazer o melhor pra você do que eu”. Todos nós temos limites, temos finitude e não vão saber tudo, não vão saber resolver tudo, apesar do cirurgião achar que sabe tudo (risos), cirurgião geral achar que resolve tudo, né? O meu sonho é esse, é que as pessoas tivessem o comportamento que elas têm na medicina privada delas, que tivessem na medicina pública que elas exercem, muitos têm, mas muitos ainda não têm.
P/1 – A gente tá finalizando a entrevista, você gostaria de acrescentar mais alguma coisa que foi importante na sua vida e que a gente não abordou aqui?
R – O mais importante na minha vida foi o que eu trouxe do meu pai e da minha mãe, né, o que eles passaram pra mim do que é certo, do que é errado, e o que eu acertei e o que eu errei em cima disso também, e que eu acho que a gente tem muita coisa pra aprender ainda, estamos longe de achar que eu estou pronto, eu não estou pronto. Eu não estou pronto como cirurgião com 25 anos de formado, eu não estouo pronto como homem com 50 anos de idade, tenho muito o que aprender ainda, eu acho que a mensagem é que a gente tá sempre aprendendo, sempre. Quem achar que sabe, que chegou no topo, esquece! Não tem mais que estar aqui, a gente tem que aprender sempre.
P/1 – Você gostou de contar a sua história? Como você se sentiu?
R – Esquisito no início (risos). Eu vim pra cá sem ter a mínima ideia de como é que ia ser, do que eu ia falar, mas acho que no final fluiu bem, e é bom você, até pra você ver: “Poxa, se eu tou me lembrando disso, é porque realmente é importante na minha vida, isso me marcou de alguma forma”. Apesar de eu ter a memória boa, pra ser médico tem que ter memória boa, né? O que eu acho muito importante na minha vida foi a minha formação familiar, foi ter participado desse movimento de igreja que me fez ser médico, né, foi ter morado lá fora um tempo pra conhecer uma outra realidade, e foi ter construído uma família e ser pai, foi uma coisa que eu sempre quis ter na minha vida, eu ia ser muito infeliz se eu não constituísse uma família.
P/1 – Tá bom, Armando, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé eu gostaria muito de agradecer a sua participação, você ter disponibilizado um pouco do seu valioso tempo pra vir dar essa entrevista pra gente, muitíssimo obrigada!
R – Eu que agradeço a vocês, agradeço a Nestlé, eu fiquei surpreso com o convite que foi feito a mim na sexta-feira da semana passada, e dizer que foi uma experiência muito legal a gente poder, mesmo que por um tempo aqui, pela manhã de hoje, reviver experiências tão ricas da minha vida, muito obrigado.
FINAL DA ENTREVISTA
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