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História
Personagem: Eronides Santiagua
Por: Museu da Pessoa, 10 de junho de 2016

Relatos de uma vida desperdiçada

Esta história contém:

Relatos de uma vida desperdiçada

Eu nasci em Sorocaba, interior de São Paulo, no dia 27 de outubro de 1971. Cinquenta dias antes, meu pai havia sido assassinado em Guarulhos. Com seis anos e meio de idade eu vi minha mãe morrer. Bem na minha frente. Do coração, aos 36 anos.

Posso dizer que não tive infância. Eu me criei, do jeito que Deus quis. O mesmo Deus que me tirou minha mãe. Família também eu não tive. Que família é essa onde os seus irmãos dizem pra você que só são irmãos por causa do sangue e do sobrenome, e que “cada um tem que viver sem depender do outro?”. Que família é essa que a irmã da sua mãe, sua tia, pega os filhos dela pra criar e os maltrata, judia, faz comer o pão que o diabo amassou, e um a um vai fugindo - ou se perdendo? Onde você come depois do cachorro e apanha muito? E apesar disso, eu queria dizer a ela que a amo. Como mãe adotiva. Mesmo ela tendo me mostrado o pior da maldade humana. E dizer a todos que me machucaram que eu queria matá-los, arrancar parte do seu corpo, mas que não consigo fazer isso não. Ao invés, eu os perdoo.

Um dia - tinha menos de dezessete anos - resolvi sair de casa. Nesse dia, minha mãe adotiva comprou uma chácara em Salto do Pirapora e eu fui pra lá. Lá eu tentei me matar três vezes. Não adiantou, nem o capeta me queria.

Saí por esse mundo como andarilho. Não sei como nem por que, cheguei em São Paulo. Tinha sido cobrador de ônibus por doze anos, tentei continuar a ser em São Paulo. Só que o itinerário foi outro: o centro da cidade, a calada da noite, o álcool, as drogas. Virei morador de rua, volta e meia vou para o albergue, fui como que adotado por uma ONG - É de Lei! - mas não escapei das doenças: HIV, câncer, agora tuberculose e, pra completar, hepatite C. Uma coisa é certa: estou morrendo!

Sabe, não tenho rancor, não guardo mágoa. Tenho mesmo é saudade. Tão grande que me dá até arritmia. Saudade do que não fui, do que não fiz, da família que não tive, dos parentes...

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Programa Conte Sua História

Depoimento de Eronides Santiagua

Entrevistada por Lucas Torigoe

São Paulo, 10/06/2016

Realização: Museu da Pessoa

Entevista número: PCSH_HV538

Transcrito por Karina Medici Barrella

Revisado por Jader Chahine

P/1 – Você nasceu onde, Santiagua?

R – Eu nasci em Sorocaba, no Hospital Santa Lucinda, às dezesseis horas e trinta minutos.

P/1 – Que ano que foi?

R – Conta de mentiroso. Sete um, 1971.

P/1 – Você nasceu em que dia?

R – 27 de outubro, no dia que o Lula nasceu (risos).

P/1 – E o seu pai, qual é o nome dele?

R – Meu pai? Quando nasci meu pai já tinha sido assassinado, dia sete de setembro de 1971. Eu nasci cinquenta dias depois da morte do meu pai. Eu nasci em Sorocaba, ele foi assassinado em Guarulhos, no bairro de Pimentas. Ele trabalhava na fábrica de papel Independência, quem conhece aqui?

P/1 – Eu não conheço, não.

R – É do lado da fábrica de tênis Montreal, a Independência. Hoje a Montreal é até fechada, não existe mais. Eu nasci cinquenta dias depois da morte dele, vim forçado nesse mundo.

P/1 – Qual é o nome da sua mãe, Santiagua?

R – Maria Benedita Januário Santiagua. Ela morreu com 36 anos, na minha frente. Ela brincou comigo. Primeiro ela fez um almoço, reuniu todo mundo. Porque ela morreu naquele dia, não é? O seu Deus deixou que ela fosse na minha frente. Onde está seu Deus?

P/1 – Ela morreu do quê?

R – O coração dela parou, marca-passo.

P/1 – Você cresceu em Sorocaba?

R – Eu não cresci, eu fui jogado pra cima: vá e se vira. De lá eu fui... Sei lá dizer o que eu vivi. Eu estou aqui até agora, no momento. Hoje eu não vou na casa de parente, não gosto. Vou numa biqueira, porque posso pegar quatro drogas ali. Eu não vou na casa dos meus parentes porque é 22 reais para chegar, a passagem. Não é por dinheiro. Ninguém merece. Eu moro na rua: sou morador de rua, de albergue. Eu sou porra-louca, tiro coelho da cartola.

P/1 – Como é...

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Título: Relatos de uma vida desperdiçada

Data: 10 de junho de 2016

Local de produção: Brasil / São Paulo

Personagem: Eronides Santiagua
Autor: Museu da Pessoa

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