Projeto Conte Sua História - Atados e Abraço Cultural
Depoimento de D. J. Positivo
Entrevistado por Leonardo Godoi e Matheus Lima
São Paulo 26 de junho de 2018
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_A_HV02
Editado por Leonardo Godoi e Matheus Lima
P/1 - Vamos começar então, eu queria saber qual era a sua perspectiva da cidade onde você nasceu, como você enxergava a cidade onde você nasceu quando você era criança?
R - Na verdade, olhando para a minha cidade como cidade mesmo, porque minha família, tanto materna quanto de parte de pai, é do interior do país e é uma região onde tem plantações, tem gado, tem coisas assim. Na casa dos meus avós tinha um quintal atrás da casa que tinha pé de banana, pé de abacate, de laranja, galinhas, essas coisas assim. Então quando eu saía da casa, da cidade, da capital e visitava os meus avós, para mim era muito interessante, muito legal porque aquela conexão com a natureza era muito reconfortante, era como a conexão mesmo com a vida, porque é diferente na cidade, que tem prédio e tudo isso. Era uma coisa que eu adorava.
P/1 - Qual era o nome da cidade?
R - Da capital? De onde eu morava ou onde eu visitava meus avós?
P/1 - Onde você morava.
R - Onde eu morava é a capital da Venezuela, Caracas.
P/1 - E em Caracas você tinha algum lugar favorito? Que você gostava de ir quando era criança?
R - Tinha alguns lugares históricos no centro da cidade, por exemplo eu lembro muito a primeira vez que eu visitei a Casa do Libertador Simón Bolívar, que é o libertador da Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador. E então tem muita história, tinha coisas, roupas que ele utilizou naquela casa que virou museu e era muito interessante. Quando eu olhava as roupas, as espadas, as coisas, era como uma conexão com o passado. Eu era bem criança e sempre gostei de pintar, de desenhar, de cores e coisas assim, então aquelas visitas que eu fazia às casas e aqueles lugares antigos perto da casa, no centro de Caracas, era para mim muito mágico, muito artístico. Eu olhava para as coisas, sentia que as casas falavam para mim da história de meu país, como foi que começou, como foi que nasceu tudo.
P/1 - E o que você gostava de pintar quando era criança?
R - Eu lembro muito da praia, é um tema que para mim era muito interessante. Lembro que eu fiz uma vez um desenho colorido da praia e eu coloquei um dia que eu fui para a praia, que nós fomos – nós geralmente íamos para praia uma vez a cada ano – e eu lembro que eu fiz aquele desenho, ainda lembro dele. Tinha umas pedras assim que entravam no mar, tipo uma parede e coloquei as pessoas na água, somente (inint) [00:04:25] e foi muito, muito bonito. Eu lembro que minha mãe, meu pai, falaram que parecia um desenho feito aqueles que tem cola, que você coloca um papel e tira assim, não lembro como é o nome em português. Tipo uma calcomania, não lembro como é nome em português, tem cola atrás, você tira o papel e coloca num caderno, coloca na parede. E ele gostou muito daquele desenho. Era uma das coisas que mais gostava, e ainda gosto muito de pintar o mar, pintar as palmas. Quando eu olho para o mar, quando estou em algum lugar que eu possa olhar para o mar, é uma tranquilidade, é o horizonte que vai e se perde, para mim é uma inspiração. Além do que eu estou olhando tem mais coisas para conhecer, para se aventurar, é uma coisa provavelmente tipo aventureira, tipo exploradora, algo assim. O mar além de dar uma tranquilidade para mim, paz, limpeza mesmo também, me encoraja, me convida para ir além do que eu estou olhando.
P/1 - E falando em aventurar, como foi a sua juventude? Como foi a sua escola? Como era o ambiente escolar?
R - Meu ambiente escolar foi interessante. Essa parte da pintura, das artes em geral sempre foi muito relacionado com a minha escola, eu lembro que toda vez que os professores, os maestros como nós falávamos, passavam uma tarefa, eu sempre gostava de fazer um desenho para aquela tarefa. “Tem que falar qualquer coisa do petróleo, das plantações”, eu sempre fechava os olhos e lembrava da terra onde moravam meus avós e fazia alguma paisagem. Ou se eu tinha que escrever alguma história, alguma coisa do livro, eu gostava sempre quando tinha que fazer algum desenho. Geralmente os professores falavam assim: “tem que fazer uma cópia com su dibujo”, dibujo é desenho. Eu gostava de transcrever, resumir um pouquinho e fazer também o desenho que eu estava vendo naquele livro. E fazia, tentava fazer. Para mim era muito bom.
P/1 - Seus avós foram importantes para você na sua infância, adolescência?
R - Foram sim. Para mim olhar para eles era respeito, eu lembro que meu avô era de muito caráter, minha avó também, por exemplo eu lembro sempre que minha mãe falava que quando era criança eles foram muito rígidos com eles, na educação dos meus tios e minha mãe, uma turma de acho que 11 pessoas, 12. Meus avós tiveram bastante filhos e eu tenho um monte de primos. E minha mãe sempre falava como era quando eles faziam alguma ruim, que meus avós castigavam eles de um jeito bem forte. E as questões como fazia o meu avô para comprar comida, ele comprava sacos de mandioca, de batata, de milho e levava porque tinha que dar comida para todos eles ali, mesmo assim também todos eles começaram a trabalhar com o meu avô desde que eram crianças. Até que cada um foi crescendo, mais ou menos aos 17, 18 anos e foram saindo da casa, a maioria deles foram para a capital do país e ali moraram muito tempo, inclusive minha mãe também. Ela mudou para Caracas quando estava grávida de mim, então eu acho que fui... a minha vida nasceu no interior, naquela cidade, no estado Táchira.
P/1 - E você tem algum irmão? Como era a sua família? Seu pai, sua mãe?
R - Era meu pai, minha mãe, meu irmão mais velho e minha irmã mais nova.
P/1 - E como era a vida com os irmãos?
R - Muito legal. É bem particular o meu caso porque eu sou o menino do meio, que falam “o filho sanduíche”, alguma coisa assim. Então as vezes aconteciam coisas ruins que eu me sentia um pouco isolado, porque geralmente meu irmão era muito tremendo, fazia muitas coisas, era um menino muito... ele gostava de fazer maldades, caçar passarinhos. E também que toda vez que compravam roupas, geralmente a roupa que ele deixava era a roupa que passava para mim, então praticamente era pouca roupa que compravam para mim, nova, era mais para ele e depois ele deixava para mim. Somente em dezembro, Natal, geralmente lá nós temos o costume do dia 24 de dezembro e o dia de ano novo, estrear roupas novas e então era o dia que eu tinha minha roupa nova também, ele também tinha e era assim. Então as vezes compravam quando começava a escola, novo ano escolar, mas algumas coisas era calça que o meu irmão deixava mesmo, então eu colocava aquela calça e ele tinha calça nova. E depois, quando minha irmã nasceu, quatro anos mais nova que eu, então a atenção para ela, e ela era menina, era a filha da casa, a rainha da casa. Eu falava para ela assim... eu lembro que olhava para ela, menininha, muito pequena na cama dela, lembro o dia que minha mãe chegou com ela nos braços, eu estava olhando pela janela e vi quando elas estavam descendo do carro, de um táxi e minha mãe trazia nos braços aquela menina, aquele bebê. E eu lembro que falei para meu irmão: “minha mãe está chegando e tem um bebê nos braços”, depois eles chegaram, colocaram a menina na cama e nós olhamos para ela todos surpreendidos, meu irmão e eu. E aí então ela era... eu falava para ela assim... em espanhol se fala “reina”, rainha, mas eu falava reinita, tipo rainhazinha, alguma coisa assim.
P/1 - Mas por que foi uma surpresa? Vocês não sabiam que ela estava grávida?
R - Não, não sabia não. Eu não sabia nada disso não, na minha casa essa coisa da gravidez, qualquer coisa relacionada com o sexo, com reprodução e tudo isso era tabu. Minha família também era muito reservada nisso, eram os costumes, eu estou falando do século passado e a gente era muito criança, aquelas coisas eram tabu, falar do sexo do mesmo jeito que hoje se fala. Eu não sabia isso aí, eu comecei a saber dessas coisas quando eu estava já na escola, acho que no ensino médio, alguma coisa assim, eu tinha uns 13, 14 anos e foi quando eu comecei a saber.
P/1 - E como foi a sua primeira experiência amorosa?
R - Na verdade aí tem muitas coisas para falar.
P/1 - Fale tudo, pode falar tudo.
R - Não sei como falar isso aí. Eu estava assim como uma dupla de saber as coisas, de conhecer como em duas águas – nós falamos assim – como em duas coisas e tal. Mas lembro que, falando tipo experiência amorosa, quando eu estava estudando o sexto grado, eu tinha uns 10 anos por aí e tinha uma menina que eu gostava muito dela e então meu irmão falava que escrevia cartas para ela, essas coisas e ele fazia para noivas que ele tinha. Eu lembro que eu fazia cartas e desenhava um coração com uma flecha, aquele coração pingava sangue num copo. Eu colocava essas coisas e mandava para ela, depois ela também enviou para mim, meu irmão levava e depois o irmão dela trazia para mim de volta, mas era uma coisa muito inocente. E foi assim, um dia na casa dela, que as nossas famílias eram muito próximas, então fomos convidados para um aniversário não lembro de quem, era uma festa. E naquele dia foi a primeira vez que eu dei um beijo nela, eu lembro que eu perguntei: “posso beijar você?” e ela falou: “pode, você é bobo, claro que pode” e então e foi assim, mas era isso, beijar e tal. E então aos meses, aconteceu que estava outro cara também procurando ela, era muito mais velho que ela e ele tinha barba, tipo você mais ou menos, eu lembro e aquele cara era do mesmo nome que eu. Mas eu não sabia como estava ficando aquele negócio, então um dia eu estava com a menina e ela perguntou para mim se eu já tinha feito o amor, se eu tinha relação sexual com alguém. Eu falei que não, ainda não, não sabia não e ela ficou pensando a coisa e ficou dando uma risada assim, tipo estranha e tal, e eu mais ou menos pensei que ela estava ficando com aquele cara e não sei, a coisa foi passando, passando, até que um dia acabou. Mas foi uma coisa muito inocente, eu não soube mais daquele negócio. E também enquanto isso estava acontecendo, eu olhava muito para os meninos na escola, eu lembro que tinha um menino que era loiro, tinha os olhos verdes e o cabelo era amarelo e as meninas procuravam muito ele, ele era muito engraçado e também olhava para ele e sentia tipo uma atração muito estranha. Então começou um conflito aí, porque eu não sabia porque isso acontecia, mas para mim era tormento, atormentava a minha cabeça. E como eu sentia isso, então eu sentia que era uma coisa muito ruim, que eu estava fazendo uma coisa muito má e geralmente eu ia muito para igreja com a minha mãe, depois eu comecei a estudar para fazer a primeira comunhão e comecei a conhecer um pouco mais da religião católica, da Bíblia. E cada vez que eu conhecia mais da religião, eu me sentia pior com minha parte interna, porque aquela questão de gostar de outro menino, de outro homem começou a atormentar a minha cabeça, então eu comecei a ficar mais fechado, sem pode falar, com medo de que alguém soubesse isso e eu fosse jogado fora da casa, não sei. Eu estava no meio de uma tradição muito machista, mas eu tinha essa questão na minha cabeça e sempre foi um tormento. E na medida que eu ia crescendo, eu sentia ainda mais aquela curiosidade, aquela atração pelos caras, e também um pouquinho pelas meninas, mas eu não estava seguro e não sabia o que passava pela minha cabeça. E foi assim por muito tempo essa questão. Então acho que nesse caso a minha adolescência não foi muito espontânea, porque eu achei um refúgio na igreja, mas eu ficava ali com os meus amigos e não falava disso, então não tinha namorado, não tinha namorada, nada, era sozinho.
P/1 -E quando você teve certeza das coisas que você sentia por dentro?
R - Quando eu tinha mais ou menos 18 anos, 17, eu conheci um cara e foi a primeira vez que eu tive realmente uma relação sexual. Nós falávamos e tal, e de algum jeito, não sei como falar, tirou aquelas...
P/1 - ...inseguranças?
R - Não, ele fez com que eu deixasse sair um pouco aquele gosto, aquela atração por homens. Ele me falava nas orelhas coisas muito legais, até que finalmente nós tivemos uma relação sexual, eu gostei um pouco e ao mesmo tempo me sentia muito mal, eu sentia: “eu vou para o inferno”. Eu estava com muito medo, sentia que tinha um carimbo na minha testa e todo mundo sabia. Mas ainda estava com a possibilidade de mudar isso, de ter uma noiva, alguma coisa, mas não sabia como fazer, meu pai era muito estrito, eu tive um pai que foi muito, muito estrito, eu quase nem falava com ele. Eu sentia como um medo dele e então a nossa comunicação foi muito difícil, foi um pai muito responsável na verdade. Não era meu pai biológico, ele casou com a minha mãe depois que eu nasci, quando eu tinha já uns oito anos, mas eles já estavam morando juntos quando minha mãe estava grávida de mim. Minha mãe já tinha meu irmão e estava grávida de mim, e aí então que eles começaram a morar juntos e desde que eu nasci a única pessoa que eu conheci como meu pai era ele. Mas a relação não era muito boa. E sempre essa questão de eu sentir a questão da homossexualidade, não entrava isso na minha cabeça. Então foi uma época de muito descobrir muitas coisas. Quando eu comecei a assistir às aulas de biologia no ensino médio, eu lembro que falava da reprodução, dos órgãos sexuais e tudo isso e para mim essa questão ainda dava muita ansiedade. Mas isso transcorreu há muito tempo, então aquele medo, aquela questão de ficar fechado fez com que eu tivesse muito insegurança as vezes ou era tímido, então eu sofri muito o que hoje em dia chamam de bullying, sofri muito isso porque eu era muito medroso. Tinha outros amigos, um grupinho muito pequeno de quatro meninos, três meninos, que eram meus amigos na escola e eles eram tipo eu, mais tranquilos, mais do estudo, mas tinham outros meninos, porque éramos crianças praticamente, que gostavam de fazer coisas ruins.
P/1 - E como você expressava esse sentimento? Você expressava por meio da sua arte? O que você fazia?
R - Geralmente sim, eu acho que eu comecei a expressar através da arte, comecei pouco a pouco para olhar mais para as artes. Tinha um canal na televisão, na rede pública do país, que era um canal educativo, sempre falavam de manualidades, de fazer coisas, pintar e tudo isso. Eu lembro que eu sempre assistia e pegava ideia para fazer coisas, eu sempre trabalhava desde pequeno, oito anos eu acho, lavando carros, limpando jardins nos prédios perto da minha casa, comprando coisas no mercadinho para as pessoas, eles me chamavam da janela de suas casas: “vem cá, vai comprar tal coisa para mim”, davam para mim uma lista, eu ia e comprava, levava para eles e eles davam para mim um dinheiro, alguma coisa. E além disso eu sempre estudava, aquele dinheiro eu sempre poupava, minha mãe era uma pessoa que sempre falava de poupar de dinheiro, de tudo isso. Então eu tinha o hábito de guardar um pouquinho e eu mesmo tentava comprar tintas, comprar coisas assim para fazer aquilo que eu via na televisão. Depois quando comecei a sair também, que comecei a sair sozinho para o centro da capital, tinha pessoas que pintavam na praça, colocavam a tela e pintavam e eu ficava olhando para eles. E assim fui pegando ideias e fazia. Eu lembro também de um desenho que eu fiz na minha escola, eu tinha que desenha uma parte de umas escadas que estavam com uma perspectiva, e eu fiz aquele desenho, mas eu não concordava, não imaginava de onde eu estava olhando aquelas escadas. E então eu fechava os olhos e pensava, até que finalmente resolvi, fiz aquele negócio e o desenho ficou guardado muito tempo. Uns dez, 15 anos depois, que eu olhei esse mesmo desenho, eu tinha acho que uns oito anos, eu estava muito surpreendido porque sem saber eu resolvi uma questão da perspectiva das escadas, da profundidade e tudo isso, sem saber, sem ter uma educação nesse sentido. Minha cabeça sempre começou, desde criança, a resolver muitas coisas, a ser criativo, inventar coisas, sempre queria fazer coisas diferentes, não gostava de fazer as coisas do mesmo jeito das demais, sempre procurando alguma coisa. Então acho que essa energia, essa possibilidade de ser eu mesmo, de deixar sair o que eu sentia, comecei a expressar através das artes, da pintura. Também estive em grupo de danças folclóricas no meu país...
P/1 - ...então você sempre trabalhou com essa parte mais artística?
R - Mais artísticas e mais criativa.
P/1 - E como foi essa experiência da dança?
R - Foi muito boa, muito interessante. Lembro que nós tínhamos o que chamávamos de quadrilha de dança para os casamentos e para as meninas que faziam 15 anos, aniversariantes. As roupas que nós utilizávamos era o estilo de roupas da época da colônia, então era bem interessante mesmo. Chapéus com penas, era uma coisa tipo aquelas fotos, aquelas pinturas que ainda existem do Dom Pedro I, Dom Pedro II aqui no Brasil, tipo esse estilo eram as nossas roupas. E as meninas usavam os vestidos grandões e aquele negócio que eu não sei como se fala, que faz assim.
P/1 - Leque.
R - Como fala?
P/1 - Leque.
R - Leque?
P/1 - É.
R - Eu lembro ainda o som quando eles abriam, porque tinha um momento na quadrilha, uma música que todas – geralmente éramos quatro ou seis duplas, então a coreográfica te prendia – e então tinha um momento em que elas abriam todas juntas. Eu lembro exatamente o som aqui na minha cabeça, não imaginava que (inint) [00:31:28]. Mas foi muito bom porque também deu para me expressar. Lembro que nós fizemos também um número dos carnavais, da época dos anos 40, que tinha um costume lá que todo mundo vestia disfarçado, aquele costume de eu sou homem vestido de mulher também era uma coisa que fazia na época. E naquele grupo de dança nós fizemos esse ato, essa apresentação e todo mundo vestiu-se tipo anos 20, 30, época de Charleston, aqueles filmes branco e preto. E fui muito legal, eu lembro que eu fiz um número do vestir de mulher e foi muito engraçado porque deram um jeito como que eu deixei sair uma parte assim... não sei como fala, aquela parte delicada, aquela parte muito sutil que eu tinha, mas não vou falar feminina, mais sutil, mais de estilo e tal. Então teve muita brincadeira também depois disso, muitos companheiros da escola em que eu estudava – eu tinha já acho que uns 15 anos – brincavam muito comigo, “olha aqui a menina do nosso grupo”, foram muitas coisas mesmo. E foi muito bom, mas ao mesmo tempo também ficava um pouco ruim para mim, porque eu sentia que não era isso, mesmo que eu curtisse aquele personagem, não era que eu queria ser mulher, é somente uma coisa de ser. E foram acontecendo muitas coisas.
P/2 - Deixa eu te perguntar, quando você dançava, você consegue descrever a sensação do corpo, de dançar? Qual era a sensação em dançar?
R - Era como liberar, era como – não sei – falar com o corpo. Nas artes, à medida que eu fui crescendo, eu fui demonstrando interesse pelas artes no geral, música, canto, atuação, teatro, tudo isso e acho que eu fiz um pouquinho de tudo. Até hoje em dia inclusive. Eu comecei a gostar da atuação, acho que anos mais tarde, quando comecei a fazer faculdade, eu fiz uma matéria que se chamava Expressão Corporal e aí então foi muito mágico e nesse momento eu acho que eu me soltei mais. Comecei a fazer danças, muito livres, eu colocava música primitiva, música que eu sentia que era minhas raízes da terra, da selva, das plantas, tudo isso e eu começava a fazer tipo danças, que saiam espontâneas, com alguns movimentos espontâneos. E eu lembro que eu fiz uma em que eu tinha duas facas nas minhas mãos e eu coloquei aquela dança e eu mesmo coloquei algumas – como fala – tipo cintos, algumas coisas assim, pendurados que estavam no teto, nas paredes, com parafusos e todos estavam... as minhas mãos, minhas pernas, tudo ali. Eu estava nesse processo de sair, de me expressar e tal, então aqueles cintos eram elásticos, e eu comecei a dançar, eu me lembro essa vez que eu comecei a dançar, então aquele elástico puxava para um lado, empurrava para outro. E na medida que a música ia começando, tinha aquele negócio de “brum, brum, brum”, tambores, então eu começava a cortar aquilo, até ficar livre de tudo isso aí. E não sei, fiz umas coisas aí e já vi que pronto, acabou-se tudo e eu fiquei no chão. Foi uma sensação muito boa, eu senti que de algum jeito, essa parte da arte me ajudava, a me expressar. E também depois fiz uns números no teatro com um grupo, também foi muito legal.
P/1 - E o que você estudou na faculdade? Como foi a sua época da faculdade?
R - Essa história das artes é muito interessante, mas eu queria voltar um pouquinho, aos 25 anos, ou melhor, um pouquinho mais para trás, acho que aos 18 anos, que era aquela coisa do gosto ou não gosto de homem, gosto de mulher ou o que? Somente tinha a experiência com aquela menina quando tinha 12 anos mais ou menos, que nós beijamos e depois com aquele cara quando tinha 17, 16. Eu lembro que aos 18 anos, quando ia fazer 18, o meu aniversário é dia 31 de janeiro, eu estava pensando na minha vida, não só no que aconteceu, não só no jeito que eu fazia as coisas, se eu ia virar tipo mulher, tipo trans, alguma coisa ou ia gostar dos meninos, das meninas, o que ia acontecer e tal. E eu também queria sair da casa, queria abrir minhas asas e começar a sair, conhecer mais a vida. E acho que pelo mesmo medo de falar na minha casa o que eu sentia, e não ser uma pessoa muito delicada, muito feminina, não sei, de algum jeito, tipo um menino mimado ou alguma coisa assim, então eu comecei também a gostar de algumas coisas que comecei a saber, do Exército, das Forças Armadas e tudo isso aí. E então eu decidi prestar serviço militar aos 18, tinha ainda 17 e não deu para acabar o ensino médio, eu deixei na metade, não terminei, mas eu queria sair da minha casa, sentia que tinha muitas restrições por meu pai e tal, minha família e tudo isso aí. Mas a vida toda foi calado o que eu sentia, eu não falava com ninguém. E aí eu fui para o Exército, procurar ser um pouquinho mais forte de caráter e muitas coisas, assim foi, fui para o Exército e foi muito forte ficar lá, muitas coisas passaram no sentido da disciplina e tudo isso, mas também me ajudou um pouco, aprendi a ter mais essa disciplina de acordar, de fazer esporte, de tomar banho de manhã, até agora ainda eu faço isso e se eu não faço, eu fico o dia todo, com sono, não sei, meu corpo não reage.
P/1 - Quantos anos você passou no Exército?
R - Foram dois anos. E então quando eu compartilhava com os caras, os banheiros eram grandões e todo mundo estava nu, sem roupa e a pessoa olhava para alguém, minha cabeça atormentava. E passou tudo isso, finalmente saí do Exército e fiz alguns amigos, aí depois curtindo um pouco mais, comecei a trabalhar em construção.
P/2 - Foi o seu primeiro trabalho? Além daqueles que você fazia de menino?
R - Sim, comecei aos 12 anos pelo fato de que tinha aquela questão da criatividade, eu comecei a gostar muito do trabalho da construção, tipo pedreiro, uma coisa assim. Porque é construir mesmo, trabalhar com cimento, com tesouros, dá para fazer qualquer coisa. Mas com os maestros com que eu trabalhava, era tudo certinho, tudo quadrado, assim e tal, mas eu sempre percebia que naquela massa de areia, terra e cimento, dava para fazer outras coisas, então eu sempre procurava dar um jeito, tudo que eu fazia eu procurava dar um toque, alguma coisa artística, diferente, alguma coisa. Eles sempre falam para mim: “nossa, você sempre quer fazer do seu jeito, alguma coisa tem que deixar”, então assim foi, desde os 12 anos que eu comecei, trabalhei numa coisa, outra até que eu fui para o Exército. Quando eu estava no ensino médio aprendi muito também... minha mãe sempre foi exigente para que nós escrevêssemos muito bem, porque ela foi maestra também no passado, então ela era muito assim: “escreve isso aqui, procura exercício, pega uma folha dessa de rascunho e faz, começa, faz a letra certinha”. Acho que por isso que minha letra também é muito boa, gosto muito da minha letra.
P/1 - E a faculdade?
R - Espera, já vou chegar lá.
P/2 - O trabalho... você saiu do Exército e?
R - Então, no exército trabalhei num escritório, trabalhando com aquela máquina de escrever, eu sou da tecnologia disso aí e pouco a pouco fui aprendendo outras coisas. Saí do Exército e comecei a procurar trabalho de office boy, trabalhar tipo mensageiro, coisas aqui porque eu só tinha aquela habilidade para escrever à máquina, para fazer relações e coisas assim. Então consegui alguns trabalhos desse jeito e as vezes, quando não tinha esse trabalho, eu trabalhava em construção com um primo que era contratista e pegava contratos de construção. E assim foi, mais ou menos aos 21 anos, consegui um trabalho de motorista, e eu sabia dirigir e aquela empresa deu um curso para dirigir o ônibus. E eu comecei, fiz aquele curso que foi um processo bem longo para entrar lá, bem exigente, exame médico, psicológico, muitas coisas. Até que finalmente entrei, fiz o curso que também foi bem forte, eu nunca tinha dirigido antes e aí fui aprender a dirigir diretamente com um ônibus em Caracas, é tipo São Paulo. Eu lembro os primeiros dias, era uma coisa... depois pouco a pouco fui deixando aquele estresse, aquela coisa, até que finalmente fui aprovado naquele curso e comecei a trabalhar na empresa.
P/1 - E como foi a experiência de dirigir um ônibus pela primeira vez?
R - Eu lembro o primeiro dia que eu saí, porque nós fizemos o curso num estacionamento que era muito grande e colocaram aquele negócio que é assim, [00:46:01], então tinha que fazer com aquele ônibus, que tinha 13 metros de comprimentos, 13 como a cinco metros. Eu estava na parte da frente, as rodas da parte da frente do ônibus ficavam atrás de mim, então eu tinha que utilizar aquela parte onde eu estava para passar, por exemplo utilizar os espaços, aquela parte eu podia colocar em cima da calçada, mas as rodas como estavam atrás não estavam na calçada, então tinha que calcular tudo isso aí. Depois, quando eu saí eu lembro o primeiro dia que eu saí para rua realmente, eu peguei uma rodovia e isso foi... porque eu ia pouco a pouco e o instrutor, aquele que estava para nos ensinar, estava sentado ao meu lado e ele tinha somente um pedal para frear, qualquer coisa que eu fizesse de errado, ele freava. Então naquele dia eu ia de pouco a pouco na rodovia e ele falava: “acelera, acelera, tem que acelerar”, “não, não”, “acelera, caralho”, ele mesmo pegou o pé dele e acelerou o ônibus. Lembro que nesse momento, eu lembro que passou desse lado aqui... como eu ia devagar, tinha um caminhão que estava atrás e mais outros ônibus, eles tentaram me ultrapassaram e nesse momento ultrapassaram os dois juntos, por esse lado passou o ônibus e por esse outro lado passou o caminhão que era muito longo também. E mais ou menos a uns 100 km/h, alguma coisa assim, muito rápido e eu não queria nem olhar, eu estava assim, olhando para a frente. E depois eles passaram, eu segui até que finalmente chegamos ao lugar, a gente parou em outro estacionamento e eu comecei a tremer todo. E depois o instrutor falou para mim: “você é demais, você é demais cara porque você nunca saiu, você nunca pegou um carro, nada e você saiu e pegou a estrada com um ônibus que tem quase 14 metros, você é para caralho, você é bem encorajado, parabéns”. Quando ele falou para mim, eu relaxei um pouquinho mais e senti que dava para fazer aquele trabalho, depois continuaram os dias de curso e fui melhorando, até que peguei o jeito e fiquei naquele trabalho, trabalhei por sete anos dirigindo em Caracas, tipo São Paulo, só que mais doida ainda. As pessoas não respeitam os sinais de trânsito. Aqui tem mais consciência aí. E, então, nesse tempo, eu conheci uma menina – já conhecia fazia tempo, desde pequenos. Ela gostava de mim, queria ter alguma coisa, então, ela sempre procurou vir atrás de mim. Então, eu pensava: sim, não, sim, não. E, então, finalmente, eu deixei levar as coisas para ver o que ia acontecer. Provavelmente, ficando com ela, ia mudar o que eu tinha na minha cabeça. E a gente começou a sair, fizemos alguns passeios que fiz, na mesma empresa, para a praia, e tal. Passamos umas noites diferentes, às vezes saíamos, e, em uma dessas vezes que nós saímos em grupo, que nós ficamos na praia uma noite, em um camping, tipo barraquinha, aquelas de tela, de tecido, foi a primeira vez que eu tive relação com a mulher, sexualmente. Foi aos 25 anos. Para mim, foi muito estranho. Gostei um pouquinho. Depois, nós continuamos, que sim, que não. Tivemos um tempo que foi muito juntos, então, eu senti que eu estava gostando, que podia ser. Eu quase não olhava para os caras. E, então, ela ficou grávida nessas aventuras, e aí, então, nós falamos: “vamos nos casar e tentar formar uma família”. Então, eu pensei, na minha cabeça: “faz, tenta, provavelmente esse é o caminho”. E assim foi. Eu lembro que, no tempo em que ela esteve grávida, eu esqueci do mundo, somente para mim era ela e aquele bebê que eu não sabia se era menina ou menino. E, assim, foi muito sempre eu comprava coisa para ela. Naquele trabalho, eu ganhava bem, relativamente, e ela também trabalhava, e tudo. Foi legal. O bebê nasceu, uma menina, muito (amor) [00:51:56].
P/1 - E o que você sentiu quando ela nasceu, durante o parto?
R - Nossa, é uma coisa que, quando você olha, saber que tem uma vida que está crescendo no corpo de outra pessoa e que você parte dessa criação, de algum jeito. E, depois, você vê aquela pessoa pequenina, que é parte de você, então, era uma coisa mágica para mim, da vida, e tudo isso. Foi muito bom, durante alguns meses. Ela começou a crescer. Era muito legal o que eu sentia com ela, aquele amor, aquele afeto, mas comecei a perder a atração pela mãe. Não sei, começamos a ficar tipo irmãos em casa. Então, aquela ideia dos caras voltou à minha cabeça, comecei a olhar muito para os caras. Então, foi um momento de muito tormento em minha cabeça. Lembro que a menina tinha mais ou menos um ano e alguma coisa e foi internada em um hospital porque precisava de alguns medicamentos. Não estava muito grave, muito ruim, mas precisava de um tratamento. Então, eu fui umas duas noites, acho, e, em uma dessas noites que eu fui para lá, depois que eu saí do hospital, que a mãe ficou lá, não sei, minha cabeça chegou a ideia: “nossa, tem uma noite para você, sozinho”. Aí eu tinha escutado já sobre alguns lugares, tipo boates gays, e, então, tive curiosidade de saber como era. Senti que era minha oportunidade. Então, minha cabeça doida, tentei ir lá, fui com muito medo, muita coisa, e fui àquele lugar que era muito conhecido lá. Mais ou menos, cheguei como 12 da noite. Naquela época, não tínhamos celulares, nada dessas coisas, então, não dava para pesquisar onde estava. Então, bom, fui aquela vez, entrei naquela boate, e, para mim, foi muita surpresa, porque vi muitos caras com roupas muito elegantes, que saíam do trabalho, vi que eles tinham aqueles anéis de casado, muitos caras sérios, e outros mais afeminados. Para mim, foi: uau, uma coisa assim. Naquela noite, conheci um cara de outra cidade, a gente conversou, bebemos, dançamos, e, depois, saímos de lá e fomos para um hotel. Foi realmente a primeira vez, com 27 anos – acho que eu já tinha –, que eu estive com um cara assim, mais desse jeito, formal. Mesmo que tenha sido bom, no momento depois que tudo acabou, começou aquele problema, aquela questão na minha cabeça, de preconceito para mim mesmo, acusando que fiz alguma coisa errada. Quando eu saí do hotel, no dia seguinte, eu sentia que todo mundo olhava para mim, que sabiam o que eu tinha feito, e tal. Bom, passou um tempo, e, então, foi quando começou a minha cabeça a mudar de ideia, quero mais os caras, quero as mulheres. Isso começou a afetar a relação, aquele matrimônio, até que, finalmente, a gente se separou. Ela não compreendia porque estava acabando tudo. Para mim, sempre foi muito importante a honestidade, a transparência. Foi uma coisa que eu aprendi muito desde pequeno: falar a verdade. Por isso, aquela verdade que estava na minha cabeça, me consumia, me queimava. Era o que eu queria falar, mas dava medo. Então, naquele momento, eu tentei ser honesto com ela e falei o que estava acontecendo, que eu estava nesse momento de dúvida, e eu gostava mais de meninos e tal. Foram dias muito fortes. Lembro que isso foi em 93, 94, alguma coisa assim, três, quatro, e, naqueles dias, estava passando, nos filmes, justamente sobre isso. Tinha um filme, que se chamava Segunda Pele, e era uma história praticamente idêntica à minha. Era, também, um cara que tinha planos com uma menina, começaram a morar juntos, tiveram um menino, e aquele cara, depois, conheceu aquelas boates, depois namorou com um arquiteto, deixou a mulher. Uma coisa assim, mas todo um drama, aquela coisa dramática. E, então, eu fui com ela para aquele filme, e eu lembro que, para os dois, foi muito marcante, e eu falei para ela: “essa é, mais ou menos, a minha história, o que está passando com esse cara aí”. Lembro que ela chorou muito, e ela falava que não dava para ela fazer nada, porque ela estava lutando com uma coisa que era muito... ela falava para mim: “se fosse outra mulher, eu faria muitas coisas, mas como faço para lutar com isso aí?”. E, depois, vimos outro filme, que se chama Filadélfia, que é daquele cara que pegou AIDS, HIV, e, então, aquele filme me afetou muito. Eu lembro que, acabando o filme, eu chorei para caralho, porque eu pensei: “nossa, esse é meu destino”, porque, naquele momento, o HIV era a enfermidade do gay. Câncer gay, era o nome do HIV, naquele momento. Era exclusivo das pessoas homossexuais. Eu lembro que a mãe da minha filha me consolou, mas eu chorei muito, porque o final do filme foi muito triste. Mas, depois, passaram muitas coisas, superei aquela questão. Eu decidi acabar com aquela relação, a gente decidiu, ela mudou para o interior do país e eu fiquei lá na cidade. No meio de todo esse tempo em que eu estive com ela, e aquele trabalho, foi aí que eu tentei estudar, na faculdade, artes plásticas, e fiz aquele que eu te falei, das (inint) [01:00:21], e tal.
P/2 - Ela foi com a sua filha?
R - Ela foi, exatamente. Foi com ela.
P/2 - Só ela ficou sabendo da sua história?
R - Ela ficou sabendo. Acho que ela falou para a mãe dela. Eu conheci a mãe dela, primeiro, mais ou menos como dez anos atrás, e nós éramos muito amigos. Conheci a mãe dela na igreja, quando eu ia para a igreja católica. Eles eram todos crianças de 12, 13 anos, mais ou menos minha idade. Eu sempre visitava a casa dela, então, a mãe dela era minha melhor amiga, e eu tinha um melhor amigo, que era um moço que estudou comigo na escola. Eu conheço ele desde 1981, e eu conheci a (Maida) [01:01:24], que foi minha esposa, em 1985. Eram as únicas pessoas que eram meus melhores amigos, mas eu nunca contei para eles aquela questão. Depois que passou do matrimônio, eu falei: “nossa, eu tenho que assumir esta situação, tenho que fazer algo com isso”, e aí foi que eu comecei um processo de falar. Primeiro, falei para ela, depois para um primo meu, para meu amigo. Foi um processo que levou, mais ou menos, um, dois anos.
P/1 - A sua filha já sabe?
R - Não. Ela tem, agora, 24 anos, e ainda não falei para ela. Acho que ela sabe, ela suspeita.
P/2 - Ela mora lá na Venezuela?
R - Ela, agora, está morando no Chile, ela saiu da Venezuela por causa de todo esse assunto aí. Bom, eu comecei esse processo de tentar me reconhecer, me aceitar, mas, até hoje, é uma coisa que, para mim, ainda não (inint) [01:02:43] lidar com isso. Às vezes estou bem, às vezes estou mal, às vezes estou assim, porque eu sou assim, e tal. Então, estou nessa questão. Tento não prestar atenção, às vezes, quando vem essas ideias na minha cabeça, começo a fazer alguma coisa. Então, para mim, toda a vida foi... minha cabeça, tive muitas depressões, muitas coisas. Mesmo que estivesse assim, eu sempre tentava fazer alguma coisa, eu falava: “você não pode ficar assim, tem que ir para frente, estudar, fazer algo”. Eu já tinha tentado estudar na faculdade de artes, mas não continuei, somente estudei um ano, algumas coisas. Naquele ano, aprendi um pouquinho sobre trabalhar com câmeras, com fotografia, com tintas, e, depois, parei aquele estudo porque tinha que trabalhar, e não dava.
P/1 - Então, vamos resumir um pouco? Falando na viagem que a sua filha fez para o Chile. Quando você saiu da Venezuela?
P/2 - E por que você saiu, também? Como foi essa viagem? Essa mudança, na verdade.
R - Bom, para fechar a ideia daquela história, a menina foi morar com a mãe, eu fiquei na capital, morei em outro lugar, e nós tínhamos sempre uma comunicação. Não foi a melhor, mas ainda temos, até hoje, ela e eu. Então, passou o tempo, a cultura muito fechada do meu país com relação à homossexualidade e tudo isso, muito machista, e era uma das coisas que eu queria sair da Venezuela fazia muito tempo.
P/2 - Você teve algum outro amor lá, depois que se separou?
R - Não. Com nenhuma mulher mais.
P/2 - Nem com nenhum homem?
R - Não. Depois, conheci alguns caras que eu fui em algumas boates, tentando conhecer alguém, para ter alguém que fosse meu parceiro. Nunca aconteceu, geralmente era sexo casual. Aconteceu umas três vezes, então, para mim, ficava muito vazio, eu sentia que o centro de tudo era o sexo, então, eu preferi ficar praticamente sozinho, não gostei de ir mais para as boates. Geralmente, as apresentações que faziam eram com transexuais, caras que faziam dublagem de mulheres, então, não me sentia identificado com isso aí, porque eu gostava, também, de fazer outras atividades, esporte, correr, trabalhar em construção. Então, eu falava: “nossa, tenho que ser cabeleireiro, só isso?”. Não. Eu comecei a me afastar daquele negócio, e a ideia de sair da Venezuela, toda vez, sempre ficava maior. Depois que eu separei, mais ainda. Eu queria sair para um lugar que eu fosse mais aberto, tivesse mais a possibilidade de falar, de ser eu mesmo. Então, finalmente, depois que passou, aconteceram muitas coisas. Eu tive a oportunidade de sair de um trabalho que eu fiz, de arte, uma restauração de um mural. Eu continuei com a minha arte, mas uma coisa pessoal. Eu fazia coisas, dava presente, quadros, pintava nas casas, algumas coisas. Eu comecei a desenvolver uma técnica para fazer imitação de madeira, então, uma coisa de metal eu pinto ela e fica como se fosse de madeira. Gostaram muito, eu comecei a pintar portas desse jeito. Quando começou toda essa situação que tem lá agora, eu retomei... depois que separei, eu mudei para o interior do país – cansei de Caracas, da capital, que era muito estresse –, e foi quando fiz faculdade completa, de pedagogia. Aí foi, realmente, muito bom para mim, porque comecei uma etapa. Mesmo já com quase 35 anos, foi muito bom, porque eu fiz, naquela faculdade, o que nunca tinha feito antes, que foi fazer esporte, trabalhar com teatro novamente, com pintura, com muitos projetos. Eu fumava muito por causa do estresse, eu trabalhei em Caracas, e eu parei de fumar, porque eu comecei a fazer esporte para deixar de fumar, e aí, toda vez, o esporte foi maior. Comecei a fazer competências, peguei um terceiro lugar, depois, uma vez, peguei um segundo lugar, outra vez outro segundo lugar, e assim foi a nossa (inint) [01:08:56]. Eu sentia que tinha coisa, assim, que tinha 20 anos.
P/1 - Mas e a viagem, o porquê você saiu da Venezuela?
R - Então, acabou a faculdade, eu queria trabalhar em alguns projetos que eu tinha, de pedagogia, e, então, as instituições (onde tinha, tinham falado que íamos trabalhar) [01:09:21], o Governo pegou elas e mudou muitas coisas do jeito deles, e não deu para eu trabalhar ali. A situação começou a ficar muito autoritária, tinha tudo que ser do jeito do Governo.
P/2 - Qual Governo?
R - O Governo do Hugo Chávez. Então, começou aquela época da revolução. No princípio, ele tinha muitas ideias boas, sociais, para a população, muitas coisas começaram a mudar, bem interessante. Mas eu nunca acreditei nele 100 por cento. Não sei, tinha algo que não gostava. Mais ou menos no período de 2008, que foi quando, casualmente, eu acabei a faculdade, lembro que teve uma transmissão na televisão, e ele começou a falar assim: “sim, eu sou socialista, marxista, leninista, comunista, tudo o que você quiser, eu sou. Aquele que não estiver comigo, está contra mim”. Acho que esse foi um momento decisivo para a Venezuela, que a dividiu em duas partes, porque, então, era isso: aquele que não era simpatizante com o Governo, era tipo inimigo, e aquele que não era simpatizante com a oposição, então, era chavista, era do Governo. Ou era branco, ou era preto. E eu estava no meio, como muitas pessoas, tipo cinza, porque aquele extremo, não. Então, depois que eu graduei, eu comecei a trabalhar, novamente, em construção, porque (o dinheiro) [01:11:14] da educação não dava, não prestava, nas escolas públicas era tudo revolução, socialismo e tal. Eu não gostava desse jeito de falar. Então, comecei a trabalhar em construção, a pegar bicos, a trabalhar com táxi, comecei a fazer muitas coisas, porque o dinheiro começou a desvalorização do Bolivar, da nossa moeda, e foi muito ruim tudo isso aí. Então, além daquela questão que eu tinha na minha cabeça, que não podia ser eu mesmo, porque toda vez ficava com mais medo de falar no meio político desse jeito, então, estava essa situação também. O Governo tinha um projeto de fazer casas – tipo Minha Vida, Minha Casa, alguma coisa assim, que tem aqui –, que as comunidades que precisavam de casa se reuniam e faziam aquele projeto, começavam a construir, contatavam pessoas. Então, eu comecei a trabalhar em um projeto desses, e, na primeira semana que eu estive trabalhando, estive um acidente de trabalho, aqui, nessa mão, quase perdi a mão, praticamente. Um vidro cortou muito ruim, e fiquei um ano parado, sem proteção do Governo, que não reconheceu aquele acidente como sendo de trabalho, então foi minha família que me apoiou o tempo todo. Eu mudei para a casa da minha irmã, que é a mesma dos meus avôs. Eles morreram, e, com o tempo, ela comprou, aí mora minha mãe, minha irmã, meus sobrinhos e meu cunhado. Ela falou que eu fosse para aquela casa para me atender, me apoiar, e tal. Então, eu passei um ano muito ruim, sem o auxílio do Governo. Meus direitos todos foram violados: ao trabalho, à saúde, tudo. Aí eu fiquei muito mal, muito estressado, muito deprimido, então, minha cabeça misturou toda a situação da minha vida: “foi assim que tudo estragou, minha filha por aqui, meus estudos não prestaram, meu matrimônio não prestou, agora, aqui, eu estou quase sem fazer nada”. Aí fiquei um tempo muito mal com essa situação, comecei a tomar medicação psiquiátrica, tive tratamento psicológico e psiquiátrico por um longo tempo, mais ou menos um ano e meio, até que, finalmente, comecei a melhorar, comecei a eu mesmo falar para mim, (sempre era assim) [01:14:14], nossa, escutar mensagens de autoajuda, minha família sempre me falava que eu era um cara muito para frente.
P/2 - Você que buscou ajuda psiquiátrica?
R - Sim, eu mesmo. Minha irmã é psicóloga, e ela também procurou me ajudar, mas não do ponto profissional, porque ela é minha irmã, me conhecia, mas ela procurou ir comigo, ela me falava: “você quer?” “Sim, eu quero”.
P/2 - Você estava contando, Douglas, que aí você ficou, naquele ano, na sua casa.
R - É, eu fui internado, inclusive, porque eu estive muito mal, eu senti que, psicologicamente, eu estava em um buraco, uma coisa assim. Eu me sentia que estava impossibilitado fisicamente, emocionalmente, tudo quebrou. Então era isso: “eu tenho que sair, procurar uma ajuda”. Aí eu falei para a minha irmã. Nessa época, também, comecei a provar drogas, experimente algumas, e estava sentindo que eu estava tentando sair dos meus problemas por aquele caminho: maconha, cocaína. E, então, foi muito ruim, também, porque minha família percebeu isso, minha mãe começou a ficar mais preocupada. Eu escutei, uma vez, uma conversa dela com uma tia, uma irmã dela. Estavam falando de outro cara, mais ou menos de minha idade – isso faz, mais ou menos, cinco anos –, e ele tinha muito problema com cocaína, coisas assim, e era um cara de mais de 50 anos. Ele tinha muito tempo. Eu escutei quando ela falou com minha tia: “nossa, mas aquele cara tem muitos anos nesse negócio aí, mas pior é quando uma pessoa que tem quase 50 anos começa a fazer isso, que nunca fez antes”. Então, ela estava falando de mim. Aí também foi uma reação para mim. Não fiquei agressivo, nada dessas coisas, mas era uma coisa que eu sabia que, nas primeiras vezes que eu provei aquelas drogas, comecei a beber, e tudo isso, sempre, na minha cabeça, eu nunca quis provar drogas, porque eu sabia que eu era vulnerável a ficar adicto pelas situações que eu estava passando, e eu sempre procurei lidar com elas de outro jeito, tanto trabalhando, estudando, ou fazendo outra coisa. Então, foi assim. Com isso, foi quando eu falei: “nossa, não, eu sei que o psiquiatra não é para pessoas loucas, e os psicólogos também não. São pessoas que, de algum jeito, podem me ajudar, então, vou pedir ajuda”. Então, falei com a minha irmã, direto. Falei para ela que eu precisava me internar em algum lugar, porque estava já ficando muito adicto às drogas. Eu deixei de fazer esporte, então, eu olhava nas paredes as medalhas que eu tinha recebido quando eu fazia, os troféus, as fotos de quando eu graduei na faculdade, de minha filha, e pensei que eu não podia acabar com minha vida desse jeito, que, se eu continuasse, eu ia acabar. Eu comecei a olhar os quadros que eu tinha feito, as pinturas, as coisas para minha mãe, para minha família. Então, foi um momento decisivo, de dar aquele passo, e, finalmente, assim foi. Fui internado.
P/2 - O que a droga trazia, que era bom?
R - Na verdade, o que eu sentia era que, por exemplo, a droga dava, para mim, uma força, que eu podia fazer muitas coisas. Pela frustração, acho que pela impotência, pelo fato de não poder fazer as coisas desse jeito, eu comecei a virar minha cabeça tipo (inint) [01:20:06] social, tipo malandro, falando de um jeito introspectivo. Malandro não tentando ofender ninguém, mas no sentido de: “vou fazer as coisas bem ruim, tipo mafioso”. Então, começou a chegar, na minha cabeça, ideias de roubar, de comprar uma arma. Toda vez que eu consumia cocaína e ficava bêbado, misturava com maconha, tudo isso junto, que eu nunca na minha vida havia experimentado, me dava uma fortaleza artificial. Era uma coisa que, realmente, depois, nos momentos em que eu estava melhor, eu sentia que isso não era não.
P/1 - E como você se sentiu quando você estava internado?
R - Quando fui internado, que eu tinha que deixar todo o resto, experimentei períodos de abstinência, só deixaram eu fumar cigarro: um de manhã, um de tarde. Eu sentia que minha vida, de algum jeito, estava destruída, mas, ainda, eu podia sair para frente, que eu tinha que procurar um jeito de ser eu mesmo, continuar com aquela ideia de sair do meu país, mudar o lugar onde eu estava, o jeito de pensar das pessoas, aquele jeito fechado, tradicional, aquele jeito de (inint) [01:21:52], de todas as pessoas homossexuais. Por exemplo, uma pessoa transexual, um homem que é afeminado caminhando por uma calçada, e tem outros caras na calçada da frente, que começam a falar besteira para essa pessoa, insultar, é uma coisa que, aqui, eu não vejo. Então, todas aquelas piadas de homossexuais, de gays, eu cresci com tudo isso, acreditando que era normal. Por que não tem piadas de heterossexuais, de outro jeito, somente homossexuais? Também pensei que eu tinha que pegar, novamente, aquela ideia de fazer arte e tentar viver minha vida, procurar algum jeito de fazer. Então, minha cabeça começou muito a caminhar, e eu comecei a me sentir melhor, deixei as drogas, naquele tempo, com um mês internado. Saí daquele inferno tomando remédios para a ansiedade. Eu ainda sou muito ansioso por muitas coisas que quero fazer. A situação da mão deixa, para mim, muitas coisas. Então, quando eu saí, tive algumas recaídas, mas eu saía, e, depois começou a questão da Venezuela começou a ficar mais forte ainda. E tinha problema para conseguir comida, o dinheiro não alcança. Tudo começou a misturar, novamente, a minha cabeça, tudo era uma pressão para a minha cabeça, de que eu não podia ser eu mesmo, se eu falava que eu era gay, e tal. Tudo era ruim, tudo não dava, não prestava. A relação com minha filha, de nunca ter falado, ainda, para ela, também, para mim, é muito ruim não poder falar a verdade para ela. Nesse momento, retomei a ideia de orar, de pedir para o universo para alguma energia, para algo, alguém, não sei. Algumas pessoas falam de Deus, do jeito que for, mas eu sei que nós somos energia, que nossa cabeça é uma energia, que nós podemos canalizar para o jeito positivo que nós queremos. Então, comecei a visualizar a ideia de sair, e teve um dia que eu tinha que fazer isso. A resposta quando as pessoas me perguntam: “por que você escolheu o Brasil?”, eu falo: “eu não escolhi o Brasil, o Brasil escolheu a mim”. Eu já falava um pouquinho de inglês, então, saiu um trabalho repetindo com os turistas que chegaram em uma cidade bem perto de onde eu morava, e um dos amigos que morava lá, que trabalhava como guia turístico, ligou para mim que tinha um turista australiano e um sueco que queriam conhecer a Venezuela, e precisavam de um guia, se eu queria trabalhar para eles. Eu acho que eu pensei somente dois segundos e falei: “eu quero, eu sou o cara, quero ir”. Eles queriam, mais ou menos, 15 dias, e eles iam me pagar esse dinheiro em dólares, e não sei o que. Foi assim que aconteceu. Comecei a viajar com eles. Um dos caras, na metade da viagem, seguiu para a Colômbia, e eu continue com o australiano até a zona Leste da Venezuela, depois para o Sul, que é, precisamente, onde fica a fronteira com o Brasil, e aí, então, eu falando com aquele cara, muitas coisas, então, ele me falou se eu queria acompanhar ele até Manaus, que ele precisava chegar até lá, então, que eu ficasse em Manaus e tentasse fazer coisas. Foi desse jeito que eu cheguei em Manaus com aquele rapaz australiano. Então, o dinheiro que ele deu para mim foi para pagar passagem, chegar até Manaus, comprei celular, uma coisa que não tinha, e aí foi que começou minha vida aqui no Brasil. Cheguei em Manaus, falei com o dono do hostel onde eu estava. Já tinha viajado 15 dias na Venezuela, conheci muitos lugares que não tinha conhecido. Com isso, deu para eu pegar uma coragem, uma força nova para eu começar, então saí.
P/2 - A língua era espanhol, com os turistas que você viajou?
R - Não, era inglês. Tinha um turista que falava um pouquinho de espanhol, mas com aquele que eu fiquei, da Austrália, só inglês. Então, também deu para eu praticar o inglês, muito, naqueles dias, e, quando cheguei no Brasil eu somente falava o primeiro que eu aprendi: obrigado. Era a palavra mágica. Por favor e obrigado. Então, tentei falar com o dono do hostel para pedir trabalho para ele, e não dava para não se entender português, e, quando ele falou: “você fala inglês?” “Do you speak english?”, eu falei: “yes, I do”, e, então começou uma conversa, e ele deu a oportunidade para eu trabalhar na selva. Trabalhei por dois meses, acabou aquela permissão que eu tinha. Nesse dia, conheci uma menina advogada, e contei, mais ou menos, as coisas de minha vida na Venezuela, o que estava acontecendo. Depois que eu saí do hospital, que tudo se misturou muito ruim, eu comecei a sair para a rua para protestar, comecei a tentar fazer uma demanda para o Governo pelo acidente que eu tive, e o Governo começou a me ameaçar, a me perseguir pelo telefone, a polícia ficou de olho porque eu saía para a rua protestar.
P/2 - Sozinho ou com grupos?
R - Com grupo, ou, por exemplo, estavam fazendo uma feira para comprar comida, os policiais passavam na frente, compravam, me levavam, e eu começa a gritar para eles, falar: “ó, porque vocês”, tal. Todos estavam ficando de olho em mim. Então, minha família ficou muito preocupada desse jeito, sempre falavam para mim: “vamos para casa”, porque eu estava muito frustrado porque eu não podia fazer nada, então, era uma situação política, econômica, pessoal, era tudo na minha cabeça. Quando saiu aquela possibilidade de viajar, que eu não pensei que provavelmente ia vir para cá, eu falei: “sim, amanhã mesmo tem que chegar naquela cidade”. Falei: “agora, então, amanhã, tem que estar às 8 da manhã no Rio de Janeiro”, “vamos lá”. Peguei uma mochila, coloquei algumas roupas, e o primeiro que eu peguei foi o passaporte, coloquei ali por qualquer coisa. Minha cabeça fiquei pensando essas coisas, então, foi assim. Saí, e aqui no Brasil, nesses dois meses, falei com aquela menina advogada, expliquei, e foi ela que falou para mim: “você pode pedir refúgio aqui no Brasil, porque você está em uma situação vulnerável, você mora na fronteira, você está ameaçado pelas máfias da fronteira”, porque, na fronteira, se você não paga, você não pode trabalho, você tem que pagar para as máfias, narcotráfico, contrabando de gasolina, para militares, você não sabe quem está lá. Então, é muito ruim trabalhar.
P/2 - Em que cidade você morava lá?
R - Isso, onde morava, porque é fronteira com a Colômbia
P/2 - Qual o nome da cidade?
R - É Estado Táchira. Então, para mim, era ficar mais sem liberdade de nada, de poder falar, e tal. Então, quando eu estiver aqui, em uma conversa que eu tive com essa menina, eu falei isso e ela falou: “você deveria pedir refúgio”. Quando venceu aqueles dois meses, eu saí para a Venezuela e falei com a minha família: “vou pedir refúgio no Brasil, vou levar a documentação do meu acidente, de tudo o que aconteceu, mas não vou levar, vou escanear e levar pelo correio, porque não posso correr o risco de que a polícia venezuelana registre minhas coisas, minhas bagagens, e, se eles conseguem aqueles documentos, vão saber que eu vou fazer uma coisa contra eles”. Então, eu cheguei no Brasil novamente já em 2016, agosto, acho que foi, e aí foi quando eu pedi refúgio na Polícia Federal, e eles me falaram a causa do refúgio, eu falei um pouquinho, e, então, foi quando eu comecei a ficar com aquele medo de que o Governo venezuelano estava me perseguindo, e fiquei com um pouco de paranoia, e volte para a selva, trabalhar lá.
P/2 - Isso em Manaus que você pediu?
R - Em Manaus. Na selva, quatro horas da cidade. Aí, então, comecei a trabalhar por um tempo, comecei a relaxar um pouquinho melhor, ainda continuei a minha medicação para ansiedade, para dormir, tudo isso. Depois, fui para a cidade, em alguns meses.
P/2 - Tem alguma história da selva? A gente não pode perder, não é? Com você, não com os turistas. Se tiver. Se não, a gente vem mais para cá.
R - Na verdade, na selva foi muito legal, porque foi uma coisa assim, sair de uma cidade, ficar na selva, contato com a natureza novamente, ficar olhando para o céu à noite, aquelas estrelas, tudo muito legal. Então, foi muito mágico, sabe? Eu peguei muita energia lá, tomava banho no rio. Foi uma experiência muito confortável para mim, e deu para eu pegar mais força para sair para frente. Eu lembro que o primeiro trabalho que eu fiz lá, foi lixar umas casas de madeira, pequenas, que são as habitações que tem naquele hostel, e colocar verniz. Aquele calor, alguns mosquitos. Mas eu pensava: “não, isso é melhor do que ficar na Venezuela”. Quando eu lembrava tudo o que acontecia na Venezuela, passava toda aquela coisa ruim que eu sentia. E aí cresci, aquelas pessoas deram oportunidade para eu trabalhar, muito legal. Passaram coisas boas. Aí saí para a cidade, trabalhei alguns dias lá, em outro hostel, trabalhei pintando, começaram a sair alguns trabalhos de pintura, comecei a dar umas aulas particulares de espanhol, coloquei umas placas nas paredes.
P/2 - Deixa eu só perguntar para você, porque a gente não vai correr. Você precisa sair, não é?
R - Preciso.
P/2 - Mas, como ele conhece bastante você, ele já conhece um pouco da história, agora, principalmente, do Brasil, não é? Então ficamos nós dois.
R - É, que é a parte que a gente vai contar.
P/2 - Eu vou ficar aqui, ainda, porque assim aparece um pouco mais ele. Como foi o começo para dar aulas?
R - Quando eu saí do Brasil para a Venezuela, a primeira vez que vim para cá, eu aproveitei aquela saída e fiz um curso para dar aulas de espanhol para estrangeiros, que eu fiz em outro Estado. Naqueles dois meses que trabalhei, eu poupei um dinheiro, deu para pagar um curso e a passagem de volta. Então, eu voltei com a ideia de trabalhar isso, porque era a ideia que eu tinha quando graduei em pedagogia. Eu conheci uns caras que eram de países falantes de inglês, e eles deram uma ideia para mim: “você deveria trabalhar dando aulas de espanhol para estrangeiros”. Eu gostei dessa ideia, e fiz algumas oficinas lá na Venezuela quando eu graduei. Mas, como eu falei, depois as coisas viraram de outro jeito, não deu para continuar. Então, quando eu voltei, agora, para a Venezuela, que pedi o refúgio, fiz aquele curso, já tinha mais ideia de como fazer.
P/2 - Inglês e espanhol?
R - Isso. Então, eu coloquei umas placas, uns papéis, nas ruas, oferecendo aulas de espanhol. Conheci o Instituto Federal de Educação, lá no Amazonas. Eu fui procurando aulas de português para eu aprender, e trocar, dando aula de espanhol, então, eles oferecem umas horas de inglês que tinha, se eu queria pegar, e, finalmente, deu certo. Peguei umas horas para trabalhar aos sábados, e, também, na semana, trabalhava tipo voluntário com eles mesmo, fazendo material didático do espanhol, gravações, dando aula tipo cultural nas aulas de espanhol deles. Foi passando um tempinho, foi bem interessante. O calor de Manaus é muito forte, uns 30, 35 graus, às vezes 40, mas umidade, então, isso estava me afetando muito.
P/2 - Antes de você contar toda a sua trajetória para cá, eu queria que você contasse um pouco assim: primeiro, que você fazia muito trabalho com arte, fez pedagogia, estudo com línguas, então, tinha toda essa parte intelectual, mas você também trabalhava na construção civil.
R - Isso
P/2 - Você sentia – para você, não para os outros – que os dois trabalhos tinham que valor? Igual, diferente? Construção civil e quando você tinha que fazer um trabalho mais acadêmico, de escola, entendeu?
R - Na verdade, por exemplo, até hoje em dia é bem interessante esse processo, porque, na medida em que eu ia ficando mais velho, eu sentia que o trabalho de construção ficava muito forte para a minha saúde. Então era um trabalho bem cansativo, de força, eu comecei a ter problemas na coluna também por causa do peso e essas coisas. Também quando eu tive o acidente da mão não dava para fazer do mesmo jeito então aí, por exemplo, quando eu cheguei aqui a Manaus eu também tentei trabalhar com algumas coisas assim, mas não dava. Então quando eu comecei a utilizar o inglês que realmente com pessoas falantes da língua, nativas e não nativas, então senti que essa parte de conhecimento acadêmico que eu tinha dava para trabalhar melhor para fazer.
P/2 - Mas, os dois trabalhos para você têm o mesmo valor, afetivo, de importância ou um vale mais que o outro?
R - É na verdade...
P/2 - Para você.
R - Para mim tem praticamente um valor muito parecido no sentido que, por exemplo, a construção está muito relacionada com a criatividade que é para mim muito legal e uma das coisas que eu tenho em minha cabeça é que eu mesmo faço a minha casa em algum momento, fazer do meu jeito uma coisa bem artística bem diferente, utilizando materiais recicláveis, fazer culturas, coisas assim, então eu quero juntar isso. No caso acadêmico também na parte da criatividade quando eu estive na faculdade estudando pedagogia praticamente quase todas as exposições, as tarefas que eu tinha que fazer eu fazia de algum jeito artístico, às vezes fazia performance tipo teatro, às vezes fazia uma pintura bem grandona, alguma coisa com aquela pintura eu expressava, explicava alguma coisa, era muito interessante, muito bom e eu sempre misturei tudo isso. Então também o ensino da língua eu tive uma experiência na Venezuela que conheci uns caras dos Estados Unidos que iam fazer um mural em uma escola na Venezuela e eles também queriam aprender espanhol, eu também queria trabalhar com eles naquele projeto como voluntário, então eu comecei explicar para eles espanhol ao mesmo tempo em que fomos fazendo aquele mural, então trocávamos ideias de pintura, de idioma, de criatividade, então tudo começou a se misturar e tudo isso aí depois essa ideia ficou até agora também a ideia de fazer atividades artísticas dentro de uma sala de aula se vai se relatar uma história se vai fazer um personagem, falar, estou pensando na minha cabeça em fazer um personagem de Dom Quixote para contar a história da Espanha e de coisas assim, então tenho muitas ideias na minha cabeça.
P/1 - Só voltar para a sua trajetória aqui no Brasil, como é que você tomou a decisão de sair de Manaus e vir para São Paulo?
R - Exatamente, bom, como eu falei é a questão do calor que era muito forte. Eu peguei chikungunya quando estava em Manaus, fiquei muito ruim com essa doença, vários meses praticamente parado. Ajudei uma família que morou lá na selva que eu conheci e eu estive uns dias lá e eles me ajudaram dando comida, e eu fiquei um pouquinho melhor. Porém, meu corpo ficou um pouquinho fraco assim, com debilidade, aquele calor e aquela umidade não prestava, não ajudava. Então eu lembro que falei: “tenho que sair daqui de algum jeito e vou procurar outra cidade”. Um amigo que estava aqui em São Paulo me falou que aqui tinham albergues para imigrantes e refugiados e que podiam vir aqui e começar, tentar aqui em São Paulo. Então desse jeito foi que eu fiz, o último pagamento daquela escola foram 360 reais, então comecei a procurar adiantado uma viagem em avião porque por barco dava muito mais dinheiro. Então justamente conseguimos com outro amigo uma passagem que custava 359 reais. Então peguei aquele dinheiro da escola, paguei a passagem, fiquei sem dinheiro, mas eu falei: “já tenho meu passaporte para sair de Manaus”. E eu adoro Manaus, a arquitetura, a história e tudo que tem, mas aquele calor não me deixava, vivia abafado. Então foi assim que vim finalmente, no dia de vir fiz um par de vincos pintados, umas coisas, uns murais, e cheguei aqui a São Paulo, cheguei ao Rio, foi aqui que consegui a promoção, fiquei praticamente duas horas. No Rio do aeroporto para a rodoviária em um ônibus que eu ia e ele foi atirado de uma das favelas, então quando eu vi aquilo eu pensei “vou ficar no Rio mais um dia para dar uma olhada”, mas eu vi isso e falei para mim: “não, eu vou embora do Rio, não sei como é que estão passando tiros, não sei o que acontece”. Então cheguei em um sábado aqui e finalmente peguei um ônibus e cheguei em São Paulo.
P/1 - Qual foi a sua primeira impressão de São Paulo quando você chegou?
R - Um monstro de cidade. Muito grande. Quando eu cheguei no terminal Tietê é muito parecida a modernidade, tudo bem arrumado, funciona muito melhor do que o meu país, e, o terminal Tietê é como um aeroporto internacional da Venezuela em Caracas, é muito grande, tem coisas de luxo, tem lanchonetes, coisas bem organizadas, então eu cheguei no terminal de um sábado e tive que morar dois dias no terminal até ter a segunda-feira que abria o escritório para os imigrantes. Então na segunda-feira eu fui para aquele escritório e eles me encaminharam para o refúgio e aí comecei naquele refúgio que fica em Pari, é o lugar.
P/2 - Mas, você já tinha todas as orientações daquele lugar.
R - Exatamente, aquele amigo também ajudou e chamou, então eu cheguei aquele lugar e foi ali que eu realmente comecei a conhecer a cidade, cheguei sem dinheiro, com 50 reais em minha bolsa e aquele dinheiro acabou em uma semana.
P/2 - Tendo passados esses dois dias na rodoviária para depois ir para esse lugar que você foi encaminhado para Pari, tem alguma sensação que você queira deixar registrada? Você já estava esperando por isso? Foi tranquilo?
R - Estava esperando ir para algum albergue, tinham vários, mas eu não sabia qual era. Então eu fiquei aqueles dois dias no terminal, no Tietê, mas para mim foi legal, eu pensei: “é assim que é para um imigrante”, quantas pessoas passaram por algo pior do que eu, então para mim foi assim. E depois quando acabou o dinheiro todo eu tinha um mapa que eu pedi no escritório de turismo e tinha no Tietê e eu perguntei da cidade, como era, eles mostraram para mim os mapas bem grandões, nossa quando eu vi a cidade e tal. E um desses mapas foi que eu peguei que está o centro, e o que está o redor assim, então aí dava para ver no mapa aonde eu morava e dava para ver o centro, Tietê. E então eu comecei a marcar as ruas com uma lupa, eu olhava o nome delas, eu fazia um roteiro para andar e assim foi a primeira vez que eu cheguei ao centro, porque eu vi aquele prédio grandão que tem aquela bandeira que fica ao lado do prédio Martinelli, foi bem legal. Lembrei dos filmes de King Kong, e eu pensei: “somente falta o gorila alí na ponta”. Assim eu comecei a ver a cidade, tudo isso. Fiquei um pouco assustado quando vi tantas pessoas morando na rua, foi uma das coisas que me impressionou muito, e senti medo de cair desse jeito. Foi aí quando eu senti a agressividade da cidade. Mas, assim foi começando, comecei a pegar uma coisa, bicos de construção por enquanto, mas toda vez que eu pegava um bico de construção eu ficava doente, porque estava muito fraco, então o pó, o peso, ficava doente, com conjuntivites, pneumonia, aconteceu três vezes seguidas. Então eu pensava: “o que será que está passando com o meu corpo, por que? Será Manaus”. Aí então um dia passando pela praça República, isso foi em 08 de fevereiro, eu lembro que estavam fazendo aqueles testes rápidos de HIV, e tinha um papel grandão falando “tire a dúvida das suas costas”. Então não sei, eu tinha na minha cabeça a ideia de que podia estar acontecendo isso por coisas que eu lembrei, especialmente quando um amigo meu falou que as pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade, de perseguição normalmente cometem erros, então, acho que pelo fato de não saber lidar com a minha sexualidade eu cometi alguns erros de não me proteger algumas vezes, fiz algumas coisas impulsivamente. E então essa dúvida estava em minha cabeça. Eu fiz aquele teste e efetivamente aconteceu que eu fui diagnosticado positivo. Nesse momento minha vida, todos os meus planos de estudar, de tudo caíram para o chão, foi um castigo, tudo caiu. Nesse momento eu lembrei daquele filme que eu vi muitos anos atrás, Filadélfia em que o cara morre finalmente de AIDS. E nesse momento tudo começou a dar voltas, eu não sei, eu fiquei no ar. E lembro somente de uma expressão que o cara falou para mim, sentou ao meu lado: “fique tranquilo, tente manter a calma, tem aqui esse lugar que você pode ir, aqui tem tratamento e as pessoas hoje em dia morrem mais de diabetes ou outras coisas do que mesmo HIV, tem tratamento, procure esse lugar”. Então eu peguei isso, coloquei na minha mochila, no meu bolso e comecei a andar, mas eu não sei aonde estava andando, eu comecei a cantar uma canção que eu lembrei do meu país. E assim fui andando e até como tive um momento que comecei a ver aonde eu estava, perdido, e aí começou a minha cabeça que eu senti que já estava tudo acabado e não sabia o que fazer, pensei em minha filha, em minha mãe, em todo mundo. E aí foi quando começou essa situação bem desafiadora, porque foi o desafio maior que a vida colocou para mim, o que eu vou fazer agora nesse momento. Então eu tinha essas opções aí. Então eu fui para aquele hospital que me indicaram, fiz a prova novamente de sangue, fizerem três vezes e deu positivo. E então gerou uma data para fazer um exame de sangue e saber como estava todo aquele negócio do vírus, a carga viral, dos CD4 que são as células de defesa. Eu tive que esperar 15 dias até que finalmente saíram os resultados, e eu ia para o médico. Nesses 15 dias foram um inferno em minha cabeça. Porque todas as dúvidas que eu tinha em minha cabeça de todo o preconceito que eu tinha em meu país, tudo que eu sabia do HIV que vou morrer, e vou ser apontado por todo mundo, e que tudo já estava acabado. Mesmo assim chegava alguma mensagem de minha família, Consuela, eu tinha um celular que dava para ter aquele aplicativo de WhatsApp e aí recebi mensagens: “como você está, como é São Paulo?”. Para mim era tudo surreal, era tudo bizarro, somente o que eu fazia que eu tentava colocar o melhor rosto, jogava água no cabelo, tirava uma foto sorrindo e enviava para lá. Tudo bem e tudo legal. Aí quando eu fui falar a primeira vez com a médica e finalmente depois de muitos dias de inferno, de muitas coisas que eu senti, como febre, calor que ia e voltava, o vírus estava já procurando e atacando meu corpo, então eu sentia como se uma mão passasse em meu corpo. Eu sentia que era um monte mesmo que passava em meu corpo. Então foi quando eu disse: “ou eu vou morrer ou vou para a frente, aqui você não pode correr para a sua casa para com a sua irmã, sua mãe, com ninguém, você está sozinho aqui”. Vamos ver do que você é capaz. Decidi que iria pegar o tratamento e fazer as coisas e vou tentar fazer exercícios, tudo que comecei a saber que tinha que fazer que era me alimentar melhor, tomar muita água, muitos líquidos, tentar fazer exercícios, e assim eu comecei mesmo. Porque estava um pouco fraco, comecei a fazer isso. Começaram os três meses de adaptação do medicamento no corpo e naquele tempo não deu para eu pegar trabalhos. Pessoas que conheciam me falavam para eu pegar aquele trabalho, que saiu um trabalho de construção, saiu um trabalho não sei aonde, mas não dava. Eu tinha problemas, diarreias, enjoos, muitas coisas que o medicamento dá naqueles primeiros três meses porque o metabolismo muda completamente tudo.
P/2 - Você não falou para ninguém?
R - Não falei para ninguém, somente uma pessoa que era a psicóloga da casa do albergue, falei para ela já no momento em que não deu para eu suportar mais ficar calado, então falei para ela e ela me escutou e também me falou muitas coisas, porque eu procurava muita informação pela internet, qualquer informação eu começava a ler e às vezes eram informações antigas de dez, 15 anos atrás quando a medicina e os remédios não estavam tão adiantados agora. Então minha cabeça ficou muito ruim, comecei a ter muitos sonhos estranhos, sonhei com anjos, com a morte, com todas as coisas. Tudo mudou e era todos dias, sair, olhar para o sol, para o céu, tinha que ir para a frente, então era tudo isso que eu tinha que levar calado, somente com aquela moça que eu falava algumas coisas, todo mundo falava para mim e perguntava coisas. Eu não queria falar, era muito ruim, não conseguia comer, porque tudo dava vontade de vomitar. Então eu ficava uma hora comendo, pouco a pouco, eu me obrigava a comer, assim como outra pessoa ia ao lado e me falava: “come, tome remédios, vá para a frente, você pode, vamos lá”. E foi assim. Nesse tempo acabou o período de moradia naquele albergue, e eu fui mudado para outro albergue e nessa mudança houve uma equivocação no encaminhamento e eles me enviaram para uma casa emergencial que era somente para ficar uma noite. E para ficar todas as noites tinha que ir para lá ou para o centro, então aconteceu que foi muito complicado com tudo que eu estava passando, adaptando ainda ao medicamento. Não dava para ainda pensar muito, não tinha vontade para ir procurar onde ficar, fiquei alguns dias na rua. E cai na rua, justamente o que eu tinha mais medo. Fiquei na rua. Comecei a conhecer pessoas na rua, fumei maconha, e ela de um jeito tirava minha cabeça da preocupação e me dava fome. Então eu podia comer. Uma vez eu não tinha o que comer, mas sempre os medicamentos estavam em minha bolsa muito escondidos para que ninguém soubesse. Foi muita coisa. Eu tinha que fazer esporte, foi uma das coisas que me falaram, e eu me lembro que uma vez fazendo esporte estava jogando futebol, e tive um acidente com o goleiro, cai no chão, parti a testa, uma costela. E eu falava: “como que isso é possível?”. Além disso tudo, chegavam mensagens da minha família, um dia minha irmã falou para mim: “como está?”. Então eu pegava e falava que eu estava muito bem, que estava para frente, que São Paulo é mais difícil, não é tão fácil de conseguir trabalho, eu estou muito bem, muito legal. Lembro um dia que ela me falou: “minha mãe me mandou falar para você que ela está muito contente que você está muito bem”. Esse dia foi uma facada no meu peito, e foi quando eu senti mais que eu tinha que ir para a frente, que eu tinha que lutar contra o preconceito que eu tinha em minha cabeça para mim mesmo, que eu tinha que lutar contra muitas coisas e que eu estava sozinho aqui para fazer isso, que se eu não fazia, eu ia morrer e ficar na rua, conversei com muitas pessoas que conheci na rua que eu falava para elas, e sentia quando eles falavam para mim que eles tinham deixado de acreditar neles mesmos, que eles já estavam cansados do sistema e de muitas coisas. Eu falava: “não posso deixar de acreditar na única pessoa que vai me ajudar, que sou eu mesmo”. Eu passei já por muitas coisas eu meu país, lá em Manaus, e isso aqui, então eu acho que esse o maior dos desafios e que persevera. Porque eu tenho um sonho, eu quero ser artista, eu quero dar aulas de espanhol, quero ser artista plástico famoso, não famoso igual um grande artista, de querer expor. Mas, eu quero fazer grandes e quero fazer muitas coisas boas. Comecei a me afastar um pouco das pessoas que me chamavam para fumar e que esquece das coisas. Comecei a procurar um lugar e eu soube de um albergue que chama Arsenal da Esperança, que fica no Mooca, que é o mesmo do Museu do Imigrante, ele está dividido em dois, uma parte é museu e outra parte é albergue. Então eu tive que ficar várias noites fora, sete. Esses dias eu entregava minha documentação às 18 da tarde. E até às 18 e 19 da noite eles passavam uma lista, depois saiam novamente, passávamos aquela noite, eu tomava banho e comia, jantava, e dormíamos, no dia seguinte, 07 da manhã saía para a rua novamente.
P/2 - Só podia se ficar sete dias?
R - Isso, então eu saia com as minhas coisas, e nesses dias uma das coisas que me deu suporte foi que eu havia ganhado uma bolsa no Museu de Arte Sacra para fazer um curso de escultura, eu entreguei meu portfólio de trabalho de artes e falei lá, sempre fui perseverante, ganhei a bolsa e comecei a fazer aquele curso que era uma vez por mês. No final de semana de cada mês.
P/2 - E você nessa época que fazia o curso você ainda morava na rua?
R - Ainda morava na rua e tinha minhas coisas espalhadas, então eu ia para o curso e no mesmo eu deixei uma das malas, e então eu peguei duas malas menores, e levava de um lado para o outro e ia para Cáritas, e lá também procurei psicólogos, ajuda para passagem, coisas assim. E foi assim que finalmente ganhei aquela vaga e fiquei sete dias fazendo isso até que finalmente eu poderia ter uma vaga fixa para mim naquele lugar.
P/2 - Só o primeiro albergue que você ficou, quanto tempo que você podia ficar?
R - Foram quatro ou cinco meses, e fiquei acho que o mês de maio, alguma coisa assim que foi na rua e alguns albergues emergenciais, que foi na época do frio. Então tinha um carro da prefeitura que passava pelas ruas e pegava as pessoas que estavam lá e levava elas para um albergue emergencial que é somente de uma noite. Então o prédio que eles arrumam colocaram beliches e mantas, cobertores, aqueles de cor cinza sabe? E então aí eu conheci muitos lugares e me vi envolvido com muitas pessoas, então era isso, falar com pessoas do jeito que eu falava e que estava já rendido. Não sei tudo isso para mim era surreal. Então quando eu cheguei àquele albergue finalmente eu passei aqueles sete dias e a princípio eu não queria me sentar e nem nada, depois já passavam e jogavam no chão, aguardando que eles me chamassem. E eu não queria tocar em nada, a princípio eu olhava e tudo era sujo na cidade, tinham tantas pessoas na rua e depois eu estive nessa situação. E já para mim não prestava atenção se colocava a mão onde as pessoas sujavam, qualquer coisa. E foi assim, porque o que eu tinha na minha cabeça era tomar remédios, caminhar e tomar água, era somente isso. Eu acho que perdi uns sete ou oito quilos mais ou menos, tem um cara da Venezuela do meu país que quando ele olhou para mim dois meses, um mês mais ou menos que saí daquele primeiro albergue ele não falou nada, mas no rosto que ele colocou eu percebi a impressão dele que eu estava muito fraco porque eu não tinha comido bem.
P/2 - Ficou um mês, mais ou menos na rua assim?
R - Isso e estava nessa situação. Então depois naquele albergue grandão da Esperança fiquei e aconteceram muitas coisas, muitas mudanças, eu estava mais tranquilo, dava para pegar café da manhã, jantar, e então eu acordava bem cedo, 06:30 todo mundo tinha que acordar e levantar, pegar café da manhã e sair para a rua procurar trabalho, fazer qualquer coisa. Então eu comecei a sair e pegar café da manhã, comer no Bom Prato, já conhecia, e às vezes pedia dinheiro, eu entrava em um mercado pegava algumas bananas, um pão e pedia para alguém para pagar para mim.
P/1 - Quando que foi isso, em que ano?
R - Ano passado. Isso foi justamente ano passado quando cheguei no dia 08 eu cheguei, no 19 de janeiro, dia 08 eu fui diagnosticado e no dia 01 de março eu comecei o tratamento. Foi o dia que eu acho que eu nasci de novo. Eu senti que era uma nova oportunidade de viver e de fazer as coisas de outro jeito. Assim eu comecei, no museu eu comecei a lembrar do meu pai, aquele rancor que eu tinha de coisas que quando eu era criança, do jeito que ele criou e muitas coisas. Eu comecei com o trabalho de falar e perdoar, falava para o céu, falava: “lembrei de meus avôs, de pessoas que eu tive e que estavam mortas”. E comecei a pedir para eles que me dessem fortaleza para ir para a frente. Foi assim que eu fui pegando força, comecei um projeto para trabalhar com as meninas que estavam em um centro, na Fundação Casa que estavam privadas de liberdade. Eu entrei em um projeto para fazer murais nas paredes da quadra e que eram para fazer os sonhos delas. Então eu fui convidado para primeiro fazer uma oficina e falar para elas, e elas iriam falar para mim o que elas queriam fazer nas paredes. Fizemos umas folhas primeiro, umas duas ou três vezes, escutei um pouquinho das histórias delas, e isso me ajudou também a sentir as histórias de outras pessoas, me ajudou a tirar de minha cabeça tanto a preocupação e tanto o peso. Comecei com esse processo de crescer e sentir mais fortalecido e foi quando eu fiz o mural da janela, aquele que eu fiz para ela que estava como esperança e tentando abrir a mão, uma janela naquele prédio, daquele lugar aonde elas estavam presas, não sei.
P/2 - Foi na própria unidade que você fez? O trabalho era na unidade?
R - Esse das meninas?
P/2 - Quando você diz do projeto.
R - Isso. Com umas pessoas que eu conheci no albergue primeiro que eu estive, elas souberam do meu trabalho artístico e então meses depois elas me contataram para ver se eu queria trabalhar naquele projeto. Então eu gostei da ideia e pareceu ser um momento difícil, de como seria trabalhar, mas aquele projeto ajudou muito porque eu estava naquele processo. Conheci uma muralista, uma menina que fazia murais em graffiti e ela era do Chile, e lembro que ela me falou sem me conhecer, somente trocamos ideia por uns cinco minutos porque ela perguntou: “como vão as coisas?”. E eu falei: “estou indo para a frente, está bem forte aqui o Brasil para mim, estou passando por desafios que nunca pensei”. E ela falou: “você vai ser ajudado se você agradecer muito, tem que agradecer por tudo que você tem e tudo que você está passando, você tem que pedir para teus antepassados, teus avôs, teu pai, tua mãe, todas as pessoas que são teus antepassados, essas são energias que ainda estão aí, e você acredita nas energias?”. E eu falei: “acredito sim”. E ela: “pede para eles, vão te ajudar”. E foi como uma palavra mágica sabe, porque então eu iria me reconectar com meu pai biológico, tanto meu pai que me criou, então foi um processo que me ajudou e o trabalho com as meninas também me ajudou, começaram a sair coisas muito boas. Tudo se arrumou de um jeito, e, nesse dia que eu estava nessa casa cai do beliche, parti a testa nesses dias. Eu lembro que eu somente ria quando estava no hospital porque eu pensava: “faz 15 minutos que eu estava acordado, dormindo, e agora estou aqui no hospital costurando minha cabeça”. Sempre era o medo do sangue, eu falava com os médicos, foi depois que eu aprendi que o medicamento ele limpa o sangue, o vírus ainda continua no corpo, mas ele fica escondido nos gânglios, coisas assim, mas ele não afeta praticamente em quase nada. Eu não infectei ninguém nem pela saliva e nem pelas fezes, utilizando o banheiro e essas coisas.
P/2 - Isso te preocupava?
R - E tudo isso eu comecei a aprender.
P/2 - Isso era uma preocupação para você?
R - Porque eu tinha muito essa preocupação quando eu morava nos albergues, então tudo isso começou a ficar claro na medida em que comecei a falar com os médicos. Em algumas ONGs que eu fui também de apoio para pessoas com HIV, começaram a falar e eu comecei a entender um pouco mais tudo isso, e já fiquei um pouco melhor daquela adaptação do medicamento.
P/2 - Fala um pouco mais devagar dessa parte porque é importante para as pessoas que ainda estão no estágio anterior ao que você está hoje de conhecimento e de tudo. Isso que você foi percebendo e que você está falando rápido, que você foi aprendendo, como você foi se fortalecendo em relação a conviver com...
R - Eu utilizo muito a palavra desafiador, é desafiante, porque nesse processo eu comecei a ver que às vezes o que a gente, todo mundo fala de problemas, são realmente desafios. Você passa por desafios e depois não acaba tudo, você terá um desafio muito maior, e o outro, e assim vai. Então somente toda vez que você cai, você levanta e diga: “vou para a frente”. Nesse processo eu comecei a descobrir as fortalezas que eu tenho, principalmente isso, para mim o mais principal é acreditar em si mesmo, que é possível fazer as coisas. Não é uma coisa que não é muito fácil para se falar com jeito, mas é possível, somente o único trabalho que a pessoa que tem HIV tem que fazer principalmente é tomar o remédio todos dias. Meu caso eu tomo três comprimidos, tem pessoas que tomam somente um, mas no meu caso como eu tomo medicina psiquiátrica, eu tenho outras composições. E tudo isso me ajudou, e, comecei a falar com a psicóloga, é muito importante isso de procurar uma ajuda, uma pessoa que pelo menos possa te escutar as coisas que você sente, que seja de confiança, nesse caso um profissional, um melhor amigo, e aí você vai sentir que você começa e que é normal. Porque a princípio você sente que não é normal. Eu sou um vírus que está andando pela rua e que vou contaminar qualquer pessoa que eu vou tocar, não é assim. Você já tem um momento, uma hora que eu até comecei a esquecer que tinha essa situação, em que eu comecei a sentir a fortaleza e novamente comecei a correr e fazer coisas, saber com que pessoas falar. Estou com coragem de falar, mas é por isso, porque eu quero que as pessoas vejam que é possível estar desse jeito e tem muitas pessoas como eu que tem ainda mais anos lutando com uma doença que hoje em dia é considerada uma doença crônica, do mesmo jeito que é considerada diabetes, a pressão alta que você tem que tomar medicamentos todos os dias. Então enquanto a pessoa toma aquele medicamento, tudo vai ficar diferente, tem que tentar se cuidar, eu parei de fumar já faz um tempinho, estou fazendo esportes, estou tentando todos os dias sair, caminhar, vou caminhando para o meu trabalho e volto. Não falo para todo mundo, já falei em uma empresa que eu estava trabalhando que eu era HIV positivo, e, no mesmo dia eu fui demitido daquela empresa que eu não soube se foi a causa ou não, mas, todo mundo fala que essa foi a causa. Então para mim foi um aprendizado que eu agradeço também que aconteceu. Porque desse jeito eu aprendi para quem eu posso falar e para quem eu não posso. É uma coisa muito particular. E por isso que eu posso falar isso aí, o maior compromisso que tem uma pessoa com HIV é tomar os medicamentos certinhos todos os dias e não deixar de acreditar em si mesmo, principalmente. Porque é o medicamento que vai dar a fortaleza de saúde que você precisa. Mudarmos os hábitos, tentar não fumar, ou fumar muito menos, tentar fazer algum esporte, pelo menos caminhar rápido, tomar muita água, tentar comer muitas frutas. Não é possível, às vezes por exemplo eu estou sem dinheiro, e se eu tenho somente um real na bolsa e vou e compro algumas bananas na rua aonde tem aqueles caras com carrinhos e eles me dão, quatro, cinco, seis bananas e eu como elas. Então eu prefiro comer as bananas do que pão. Porque somente o pão enche o meu estômago, mas não vai dar a mesma força que a banana. E assim tem dias que é difícil a situação, no sentido que eu não tenho dinheiro. Agora eu estou me encaminhando a muitas coisas, comecei a pegar bicos de trabalhos porque eu sentia uma pneumonia forte, mas então eu ficava doente o tempo todo, mas principalmente pelo fato de que eu passei pelo chikungunya, o médico me falou que meu corpo ficou um pouco mais fraco. E vou pegar um tempo para que ele fique bem, na medida em que possa pegar um trabalho mais tranquilo e eu tenha mais dinheiro, possa comer mais vegetais, frutas, mais carnes, mais coisas que vão me fortalecer, vitaminas e essas coisas. Minha vida está se tornando, (no momento não mais) [02:19:52] na saúde e em tudo isso, e a parte do aceite é muito importante quando eu vejo que dou um passo, e, dou outro e saio de um obstáculo e passo por um outro, e mais um desafio, eu olho para trás e é bem gratificante, sentir que você pode e que você não precisa de drogas ilegais. Você precisa da ajudinha de um medicamento. Embora não vai ser para a vida toda que eu vou tomar provavelmente aqueles medicamentos psiquiátricos. Na medida em que eu vou fazendo esporte eu sinto que minha cabeça está melhor, as preocupações sempre vão estar aqui, os fantasmas sempre vão ficar aí. Todas aquelas situações da minha vida passada de quando eu estava mais jovem, tudo isso sempre estará aí. Mas, eu não posso continuar sempre assim. Eu tenho que pegar todo esse monte de coisas e colocar aqui do lado, eu sei que estão ali, mas, eu não posso continuar com esse peso nas minhas costas, eu tenho que deixar tudo de lado e hoje em dia eu sinto que eu estou mais aliviado, estou mais tranquilo, estou mais focado nas coisas, estou focado mais na parte profissional de dar aula de espanhol, provavelmente inglês. Meu trabalho artístico estou tentando fazer no meu tempo livre, mas, relaxado, quando fica pronto eu procuro vender ele e assim vou. E vai chegar a hora que eu sei que tudo vai ficar bem certinho, porque eu vim para o Brasil precisamente para desenvolver e ser uma melhor pessoa. Estudar, ser eu mesmo, desenvolver minha arte e tudo isso passo a passo, com muita paciência e acreditando sempre que eu posso. Sempre que eu posso e assim eu posso fechar falando um pensamento que deixaram para mim uma vez no albergue no Arsenal Esperança que vencedor não é aquele que sempre ganha, mas é aquele que nunca para de lutar. Então é uma coisa que todos os dias eu faço. Lutar e ir para a frente com minhas coisas, continuar, é isso. Tomar sua medicação e continuar, no caso do HIV. Se há outro problema igual tem que sempre acreditar em você, principalmente, porque se ninguém acredita em você, somente eu mesmo é que eu paro em frente ao espelho e falo: “você que vai me ajudar e você que vai me dar a minha fortaleza para seguir adiante, para a frente, então vamos lá”, eu falo, eu me vejo no espelho e eu me amo muito, então estou muito orgulhoso de poder falar um pouco mais de confiança, sem drama, porque eu estou muito orgulhoso de verdade de poder estar aqui e de ser assim, é possível. Esse preconceito que eu sinto com HIV é uma coisa que é errado. Não é possível que as pessoas sejam ainda apontadas porque tem uma doença crônica. Todos cometemos erros, eu não sei quando aconteceu e também não vai resolver nada, de saber se aconteceu desse jeito, eu sei que tenho que me proteger e ir para a frente, continuar minha medicação, acreditar em mim, agradecer tudo que acontece em minha vida, e, ir para a frente.
P/2 - Muito bom. Agora só precisamos com esse fechamento que você fale seu nome desse jeito que você está se chamando hoje, aonde você nasceu e o dia.
R - Exatamente, eu acho muito importante.
P/2 - Só isso.
R - Eu falei, meu nome resumindo as iniciais do meu nome, então eu falei DJ que são as iniciais dos meus primeiros nomes, DJ positivo, porque quando eu fui diagnosticado foi com HIV positivo, então eu pensei em HIV positivo, iria tirar o HIV, e deixo só um lado porque isso vai atormentar minha cabeça e vou pegar somente aquela palavra, positivo, é ser uma pessoa positiva, assertiva, que vai para a frente, corajosa, que é perseverante, então a palavra que eu peguei desse HIV positivo é a palavra que mais vai me ajudar. Ser positivo, por isso que é DJ positivo.
P/2 - A data que você nasceu e o lugar.
R - A data que eu nasci foi em 31 de janeiro em 1968, às 13:30 da tarde, segundo minha mãe e o cartão que eu tenho, eu não lembro porque era muito pequeno.
P/2 - Onde você nasceu?
R - Eu nasci na cidade de Caracas na Venezuela, um país que adoro, mas hoje eu estou aqui e reconstruindo minha vida nesse país com todos esses desafios que já passei e estou passando e que ainda faltam para passar.
P/2 - Você hoje atua, trabalha, dá aula em qual organização fala o nome para a gente registrar.
R - Isso. Estou trabalhando faz um ano com a Abraço Cultural que é uma ONG que trabalha com refugiados para tornar eles professores da sua língua nativa, a Adus que trabalha também com refugiados, a Caritas também que é uma ONG que apoia muito os refugiados e imigrantes. Então com eles já consegui muito apoio, tanto psicológico com muitas coisas, e estou dando agora aulas em uma escola particular, tenho poucas horas na semana, mas isso está me ajudando pelo menos para pagar o aluguel que é o que eu mais preciso e estou tendo algum tempo para reorganizar as coisas que eu deixei de fazer, do trabalho.
P/2 - Você não mora mais em albergue?
R - Não, agora em uma pensão bem grandona mesmo, é tipo uma república. E aí estou perto do centro de São Paulo, então eu posso caminhar, eu caminho, é um exercício que faço para ajudar minha saúde.
P/2 - Muito bom.
R - E com as ONGs ainda tenho comunicação. Estou aí trabalhando, procurando oportunidades, criando minhas próprias, e aguardando qualquer oportunidade para pegar e continuar.
P/2 - Já avançou muito, em tão pouco tempo, parabéns.
R - Muito obrigado.
P/2 - D. J. Positivo. Muito obrigada pela sua história.
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