P/1 — Primeiramente gostaria de agradecer sua participação e para começar queria que o senhor falasse para a gente o seu nome completo, local e a data de seu nascimento.
R — Meu nome é José Ferreira de Lima, nasci em Fortaleza, Ceará, dia 13 de Abril em 1938.
P/1 — E qual é o nome do seus pais?
R — Joaquim Ferreira de Lima e Lidia Muniz de Lima.
P/1 — Tá. E você tem irmãos?
R — Tenho. Tenho mais nove irmãos.
P/1 — E como é você nessa escadinha? Você é o mais velho?
R — Nessa escadinha eu sou, nós somos sete. Do primeiro casamento, meu pai casou e ficou, e viuvou, eu tinha cinco anos. Então da minha mãe são sete né? Escadinha de um, quando ela morreu, deixou sete filhos, a mais velha tinha sete anos. E morreu de parto, né? A minha irmã é mais nova, de 43, eu tinha cinco anos de idade, o terceiro da turma.
P/1 — E como é que eram os seus pais? O que eles faziam?
R — O meu pai plantava verdura no Ceará. Verdureiro, tinha horta, né? Vivia da verdura. Ele plantava. Quando conheci ele no conhecimento da vida, ele era verdureiro, plantava. Depois teve fazendo outras coisas. Depois que a mamãe morreu ele se atrapalhou na vida também, teve atrapalhado, vendeu aonde ele plantava e andou trabalhando de empregado e voltou de novo no ramo, então ele trabalhou 25 anos trabalhando no ramo, em Fortaleza.
P/1 — E como é que era a casa de vocês na sua infância , você lembra?
R — A casa nossa era de taipa. De taipa. Bem acabadinha, bem feita. O pessoal faz lá as casas assim, porque tem casa de taipa lá que tem trezentos anos em Fortaleza, a nossa não! A nossa era mais ou menos, mas era uma casa que tinha, digamos, uma cozinha grande, depois uma sala de janta e depois só um quarto só. Aí, o corredor e depois tinha a sala de visita. Aí, as pessoas que vinham, bastante gente, as pessoas dormem na sala. Porque lá não usava cama, era só rede, né? Então, a casa era grande, não era tão pequena assim, pois os cômodos são grandes. Eram quatro cômodos, mas grandes, né?
P/1 — E o senhor teve contato com os seus avós?
R — Meus avós, meu avô, é, pai da minha mãe, era verdureiro também. Ele (pausa) Ele, mais ou menos e qualquer coisa, ele mudou para aonde ele plantava, 1902, mais ou menos, ele abriu a horta dele, tava solteiro, né? Ele morreu lá. Até hoje tenho um tio meu que nasceu lá dentro do sítio dele e tá vivo até hoje tem mais ou menos 86 e 87 anos. (toca o celular) Será que eu posso atender?
P/1 — Pode atender.
R — É importante devido... Eu esqueci de desligar
P/1 — Tava falando dos seus avós e o seu avô...
R — O meu avô, pai da minha mãe, então ele, até hoje a terra não foi vendida né? Deixou muita terra. Deixou, não posso calcular que é de pequeno... em Fortaleza mesmo. É que não tem aqueles cálculos de medida certa, né? Mas, eu acredito que ele deixou um (pausa) um negócio de uns 15 a par de 20, de dez a 15 alqueires mais ou menos. Uns trezentos mil metros, mais ou menos, né? E hoje, onde ele plantou lá até o fim da vida, eu tenho o meu tio que tá lá, tem uns 86 anos mais ou menos, nasceu lá e era o mais novo da família, tá vivo ainda.
P/1 — E como é que era o José pequeno? Como é que era brincar com tantos os irmãos? Como é que você fazia?
R — Eu posso falar que eu nasci no paraíso, né? Até os cinco, seis anos, a gente tinha uma vida muito boa. Acho que uma vida boa. Lá tinha tudo, né? A minha mãe, a gente, tinha uma vida muito boa. Eu acho boa pra gente que tinha terreno muito grande, o sítio do meu pai era muito grande, tinha cajueiro, tinha manga, tinha tudo, né? Tinha lugar de pescar, de pegar peixe, não tinha necessidade. Eu acho que com a morte da minha mãe, que me deixou com cinco anos, então atrapalhou. Eu tive que ter uma vida, digamos, do até os cinco ou talvez até os sete, oito anos e aí não foi tão ruim, né? Quando meu pai se atrapalhou, trocou uma coisa por outra, né? Bebia um pouco, não sei porque, mas muito trabalhador. Meu pai era um leão para trabalhar, ele tava, às três horas da manhã tava levantando para cuidar da horta, né? Cuidar da horta é muito trabalhoso em Fortaleza, um lugar seco, lugar que não tinha água, baixava. Mais ou menos em 46, 47, nós mudamos e meu pai foi casar em 48, cinco anos depois que minha mãe morreu, né? Então aí, a nossa vida mudou, diferente, aí foi uma mudança na vida muito forte, minha madrasta é uma pessoa muito, muito ruim, nunca vi uma pessoa tão ruim como a minha madrasta. Então, nós estávamos só quatro no poder dele, três filhos… Minha mãe morreu, deixou… Morreu no parto, né? Então, foi para a casa das minhas tias, e outras duas meninas foram para casa das minhas tias também, meu avô, parte da minha mãe. Então, tivemos essa parte crítica, né? Então, quando meu pai casou, eu tinha dez anos. Então, trabalhei seis anos quase que nem escravo, entende como é que é? Muito meu pai no começo, minha madrasta pra casar com ele foi muito boa, né? Sem recurso nenhum, na época que ele casou estava sem recurso. Ainda, na véspera do casamento roubaram todas as roupas dele, lá em casa, a nossa casa muito mais simples do que aquela que nós tínhamos. Não era tão pequena, né? Mas era no meio do mato, bem cercada, mas uma casa com quintal grande, com árvore, com tudo. Aí, o ladrão entrou lá e levou tudo. Aí ele teve que pegar roupa emprestada que meu tio deu para ele casar. Mas isso é outra história… Foi muito difícil para nós. Cinco ou seis meses depois, o negócio começou a mudar, minha madrasta era muito ruim com a gente. Porque a comida… Nós éramos pobres lá, mas tinha comida, né? Era arroz e feijão. Arroz, não. Era feijão e farinha. A gente tinha o café todo dia. O pão não, a gente fazia a tapioca em casa. Nós íamos bem, a gente era livre no mato, ia lá caçar passarinho, fazer uma arapuca. Minha madrasta chegou, ela mudou, e ela começou a achar ruim com nós, meu pai falava que não queria e começava a brigar, e aí ele deixou pra lá, pra não brigar com ela, ele largou pra lá. E ela era muito ruim para nós. Aí, até a vida dele melhorou, ele fez horta novamente, melhorou a situação financeira, mas nós não. Eu e o meu irmão mais velho, ele tá aí de prova. Ele fez um prédio agora, fez um prédiozinho de 14 pavimentos, né? Ele tá no número um. Eu vendi para ele o apartamento número um. É um apartamento popular, de dois dormitórios, né? Ele tá lá. Então, esse meu irmão, nós estávamos juntos, né? Nós trabalhamos até os 16 anos, eu trabalhei com o meu pai. Até os 13, quase 14 anos, eu não tinha roupa para vestir, trabalhava direto. Dava três horas da manhã, aguava a horta. E às sete horas, nós tomávamos café com farinha, só o café com farinha (risos). E às 11 horas era o horário de almoço, era o feijão e farinha, nada mais. Feijão de corda e farinha, nada mais. Meu pai e minha madrasta batia o prato diferente, né? Era um frango, lá era galinha, né? Matar uma galinha. Eu só sentia o cheiro, eram quatro pra ela poder dar. Depois nasceu os filhos dela e ela tratava diferente. E eu com 13 anos, quase 14 anos, e as meninas querendo, olhando para mim querendo namorar, porque as moças vem primeiro, né? E eu só tinha as calcinhas curtas rasgada na bunda (risos). Eu digo: “Vamos ver o que eu posso fazer”. E eu andei inventando umas coisas lá e deu certo, né? Lá pedi para o meu pai lá nessas três horas de almoço, ele dava três horas de almoço pra nós. Das 11 às duas horas da tarde, né? Aí, nessa hora de almoço eu pedi para ele me arrumar um pedaço de terra, fiz um canteiro de verdura e eu fui indo. Aí, um tio meu me deu um pouco de sementes e eu plantei aquilo lá e aquilo lá eu fui fazendo. O primeiro que eu tirei, o meu pai levou para vender deu uns duzentos reais mais ou menos, duzentos cruzeiros, né? Deu 40 para nós, eu lembro até hoje, comprei roupa para mim e para meu irmão. Meu irmão era mais velho que eu quase dois anos. Era não, é. E assim, eu comecei a fazer mais e ele fez mais um. E nós fizemos dez canteiros, nós dois, né? Mas era para plantar na hora do almoço, nós não misturarmos com o serviço do meu pai. Nós trabalhávamos para ele das três às 11, e depois das duas até escurecer, na horta dele e eu era bom disso aí, viu? Eu tratava bem a horta dele, fazia… Os canteiros lá eram levantados, né? Então a história vem assim. Eu juntei esse dinheiro, eu não sei como é que deu na cabeça quando tinha mais ou menos 14 anos e pouco, eu queria mudar de vida, que eu queria fazer o que meu pai fazia, que dava dinheiro. Meu avô tinha muita terra, eu vi gente lá em Fortaleza crescer muito, vê que nós íamos fazer a horta dele lá e ele cresceu muito. E a verdura tinha muito, não sei como consumia tanta verdura lá. Lá tinha 190 mil habitantes naquela época, quando saí de lá. No começo de 53, mais ou menos, coloquei na cabeça de sair fora, né? Eu digo: “Vou fazer a vida em algum lugar”, porque eu li, comecei a ler. Li muito a Bíblia aos 12 anos, né? Eu estudei até os 11 anos só. Então, comecei a ler a Bíblia, li duas vezes. E aquilo lá me deu um incentivo assim, que eu digo: “Bom, o profeta não faz milagre na terra que ele nasceu. Aqui eu garanto que faço, mas não vai ter condições porque não tem ajuda, aí vou fazer fora”. Já com 13 anos, quase 14 anos, e comecei a juntar o dinheiro, né? E juntei no Ceará, com aquela crise todinha, eu juntei dinheiro pra vim embora pra cá. E eu disse: “Meu pai vai ter que me autorizar porque não quero sair brigado de casa”, né? A gente nunca saía de casa, tinha medo de não dar certo e voltar lá e com a cabeça baixa, né? Aí, deu certo. Juntei pra vir embora. Aí nisso, apareceu um casal em Fortaleza que tinha vindo para São Paulo, voltou pra lá, vinha pouca gente pra cá, prá São Paulo, eu não sei porque eu pus na cabeça. Ai, foi aquele casal pra lá e falaram se eu queria vim junto, que eles conheciam meu serviço e sabia que era uma pessoa de responsabilidade. Embora que lá tinha a molecada jogando bola, tinha tudo isso ai, colava também pra jogar também junto. Mas meu pai não queria, não deixava brincar. A gente era oprimido ali, né? Digo: “Vou sair daqui para poder ajudar minha família”. Só de lá pra cá eu passei quase 60 dias para chegar em São Paulo
P/1 – Só antes de você passar essa viagem. O senhor falou que trabalhava praticamente o dia inteiro. Qual era o período que o senhor ia para escola? Como é que era?
R — A história da escola… Eu estudei só até os 11 anos. Mais ou menos até os 11 anos eu estudei. Então, a gente levantava às três horas da manhã e regava a horta toda, aguava, né? A horta aguava duas vezes no dia, porque meu pai ainda foi fazer a horta no meio das dunas. Ele pegou as terras do coronel, o coronel arrendou para ele. Ele fez lá no meio daquelas dunas, naquela seca, parecia um deserto, viu? Meu pai era um vencedor, um guerreiro, né? E deu certo, a horta dele era bonita, viu? E tratada por nós. Então, a gente aguava das três às sete horas nós aguávamos. Lá era perto da escola, a gente já pegava e ia pra escola dali. Não tinha lição de casa, não tinha nada. Não trazia lição de casa. Dez para sete a gente saia pra escola. Saía às 11h e voltava para o serviço novamente. Isso dois anos que eu estudei. E estava estudando quando meu pai casou, já estava um ano e pouco estudando. Depois que ele casou com ela, não chegou a um ano de estudo.
P/1 — Daí o senhor decidiu vir para São Paulo? O senhor veio sozinho? Como é que foi?
R — Dessa vinda minha, eu fiquei quatro anos sozinho em São Paulo. Eu cheguei com essa família. Deu certo, porque eu juntei essa quantidade de dinheiro que não dá para acreditar quanto eu juntei. Eu juntei bastante dinheiro que dava para ficar três meses comendo sem fazer nada, né? Naquela crise, sem ser mão de vaca, não sei, dei sorte. Eu acho que foi sorte. Eu vim. Eu paguei, vim de pau de arara. Pau de arara era quatrocentos, naquela época, né? O salário mínimo era 690. Eu vim de pau de arara. O pau de arara tombou no caminho. Andamos três dias para chegar na beira do São Francisco, duas noites, e o caminhão tombou depois que entrou no estado da Bahia. E lá morreram duas pessoas e me machuquei bastante. Então, eu voltei para… Você também não conhece lá? Mas era estrada antiga, então são uns seis, sete quilômetros para dentro do mato, é fora do mato, mas ainda na rodovia, né? Lá pelas sete horas da noite. Mas só quatro da manhã que alguém socorreu nós e levaram nós para a beira do rio de novo. Lá só quem estava com pouco machucado que atenderam, né? Os outros mandaram para um caminhão que carregava boi, puseram nós no caminhão e levaram para Pernambuco, para o outro lado do rio, né? Lá tinha um hospital aonde tinha uns estagiários. Hoje nós sabemos o que é estagiário, o que faziam lá os médicos, né? Com muita boa vontade. E ali foi feito o tratamento, fiquei 28 dias. Não internado. Porque lá não tinha internamento, né? Mas, no hospital nós arrumamos... Eu falo nós, porque com três dias, eu tinha 16 anos, com toda vida pela frente, já arrumei uns amigos lá no pau de arara, era mais ou menos cinco, rapaziada assim, aí nós íamos brincando, contando história e zoando assim. E aquela família que vinha comigo, eu passei meu dinheiro tudo para ela. O marido dela estava em São Paulo e ela trazia só um filho. E eu entreguei meu dinheiro para ela, era mil e trezentos e pouco. Entreguei tudo e fiquei sem nada. Ela falou: “Deixa eu guardar seu dinheiro.” E a gente sem experiência, não podia nem ir no banheiro, não podia desabotoar. O meu braço inchou, meu rosto parece que passou um ralo de ralar côco. Arranhou tudo, né? Então, ela pegou o dinheiro e ficou. Não me devolveu mais, mas ajudou. E aí, ficamos lá e ficamos 28 dias no hotel lá, né? Ela até ficou devendo, deu uma parte lá, mas da parte dela, né? Depois chegou em São Paulo mandou o dinheiro, né? Então, ficamos 28 dias lá para ficar em tratamento. O filho dela quebrou a perna. Teve gente que quebrou a clavícula, tiveram dois que morreram. E outros voltaram. A maioria do pessoal voltou, falaram: “Não vou mais não, Deus não quer que eu vá.” Outro falou assim: “Não vai dar certo.” Eu digo: “Nem que eu vá a pé, eu vou embora”. E de lá foi uma história muito maior, porque ficamos 28 dias, depois ela arrumou em cima de uma carga de arroz… era um Mercedez, primeira vez que vi um Mercedez, carga de arroz, mais ou menos um Mercedez 50 ou 51. Acho que era 51, pois foram os primeiros que vieram, né? Veio de Fortaleza, carregou o arroz e veio. Veio sete pessoas dentro da carga de arroz. Seis sacos, né? E naquele caminhão lá, nós ficamos dois dias no caminhão e duas noites. O caminhão quebrou e fez aquilo. Aí, o guarda começou a perseguir. Aí, ele passou nós em outro pau de arara. E aquele pau de arara foi outro sofrimento (risos). Aí, chegamos em Volta Redonda e ficamos dois dias quebrados lá. E isso foi em 54. Eu saí de lá dia nove de julho de 54. Não, dia dez. Era para sair dia nove, não deu certo, mas eu fiquei esperando, fiquei lá esperando o caminhão no ponto, um dia e pouco lá esperando o caminhão e pegamos outro pau de arara. Quando chegou no Rio de Janeiro quebrou, mas quando chegou em São Paulo, chegamos e nem sei quantos dias, só depois que fiz a conta e deu 40 e poucos dias para chegar aqui. Eu sei que quando eu saí de lá dia nove de Julho. Quando o Getúlio Vargas morreu, ou suicidou-se, eu estava procurando emprego. Essa pessoa me ajudou muito, esse casal, né? Ele achou que por causa do dinheiro, até que porque quando ele morreu... Uma pessoa que não posso falar que aquele dinheiro não valeu. Nunca me cobraram nada mais enquanto eu não trabalhei, né? Ela foi comigo para arrumar serviço. Só fui arrumar serviço, comecei a trabalhar dia 14 de setembro de 54.
P/1 — E como é que foi quando chegou em São Paulo, depois dessa viagem toda? O que o senhor achou da cidade, como é que foi?
R — Eu achei boa, achei bonita, achei diferente. Hoje, seria como sair daqui e ir para os Estados Unidos. Seria você vir de Fortaleza para cá, seria chegar nos Estados Unidos hoje. A diferença de Fortaleza pra São Paulo, seria isso ou mais do que isso aí. Você falava uma coisa, a pessoa dava risada, no meu caso as pessoas riam do que eu falava, ou não entendiam o que você falava, tiraram sarro. A rapaziada tirava sarro, o pessoal mais velho dava risada, que já não tinha tanta gente. Tinha nordestino aqui, mas não muito, o que tinha mais era baiano ou pernambucano. Porque Fortaleza não tinha condução para cá. A condução que tinha era o navio e o navio eram 40 dias. Comprava passagem pra cá e ficava 40 dias esperando, na espera. Era difícil. Cheguei aqui e arrumei esse serviço, fui trabalhar no Tranquillo Giannini. Violão, né? Fábrica de instrumentos na Barra Funda. Trabalhei dia 14 de setembro, trabalhei dois anos e pouco. Eu era de menor, ganhava só meio salário mínimo, então eu vim ganhar, em São Paulo, menos do que ganhava lá.
P/1 — O que o senhor fazia na Giannini?
R — Eu fui da seção de montagem, aonde começa a montar o violão. Depois de cinco, seis meses eu fazia tudo lá. Algumas sessões que não fiz. Até o serviço do chefe que ele fazia, que ele planava violão. Ele ia no banheiro, eu sabia quando ele ia e pegava a plana e ia fazendo. Quando ele voltava, eu tinha guardado. Ele olhava, olhava e perguntava: “Quem mexeu aqui?”. Ele foi um exemplo pra mim. Ele acabou me ensinando, né? Então, assim, eu consegui mais de 10%. Mais de 10%. Eu ganhava quatro e oitenta por hora, que era o salário mínimo né? Meio salário mínimo de menor. Eu trabalhei dois anos ganhando meio salário mínimo de menor. Então, eu consegui com um ano e pouco lá, eu consegui ganhar cinco e cinquenta por hora. E cheguei em casa contente e falei pra família, que eu morava com eles lá: “Consegui um aumento”. Aí, ele falou assim, passou uns dois ou três dias: “José, você vai pagar seiscentos”. Eu recebia mil cento e cinquenta e descontava 69 do meu INSS que era só 6% na época e dava quinhentos para ele. E quinhentos eu juntava, depois de três em três meses mandava para o meu pai. Meu pai não merecia e nem precisava. Mas eu mandava de capricho para mostrar para ele que não precisava fazer aquilo com nós. Assim, no capricho eu mandava para ele e a cada três meses, eu mandava um ordenado meu quase completo, né? E eu vivia bem de paletó, vivia bem de gravata. E ia trabalhar de gravata. Aquela época era de paletó. Todo mundo em São Paulo, até molequinho de oito ou dez anos já andava de paletó e bermuda. Não era bermuda, né? Era calça curta. No começo, onde eu trabalhava o pessoal zoava com a minha cara. Era uma seção de onze pessoas, quando entrei, né? Depois ficou treze, ficou nove, ficou doze. De acordo com... E o pessoal era muito boa gente. Eu me queimei lá porque eu quis brigar porque tiravam sarro, mas o pessoal falava: “Não é assim José. Não é assim, não”. Aí, eu não falava muito porque eu tinha medo de errar.
P/2 — Tinha mais alguém que era nordestino também?
R — Oi?
P/2 — Tinha mais alguém que era nordestino?
R — Não. A empresa tinha umas trezentas e poucas pessoas. Só que era por seção. Na seção de montagem eram só onze pessoas só na montagem. Tinha até mineiro, e mais paulistano. Meu chefe mesmo era paulistano. Mas eles eram muito boa pessoa. Eu não sabia, achava que era gente ruim. Mas não era gente ruim né? Eu fiz amizade. Saí da empresa porque trabalhei dois anos e pouco. Quando passei de maior, tirei as primeiras férias, quando voltei mandaram embora. Mas eu tinha um dinheiro guardado, mesmo eu ganhando mixaria, eu era assim. Eu tomava um copo de leite por dia e um pãozinho, nada mais. Não abria mão para nada, nem para bater, jogar pedra (risos). Para bater palma, batia assim. Então, tinha uns dois mil ou três mil. Eu trabalhava só de segunda à sexta-feira. Trabalhava dez horas por dia, para não trabalhar sábado. A firma fazia isso desde que eu cheguei, né? Então, no sábado esse pessoal que eu morava na casa deles, começaram a montar uma barraca na feira. Aí no sábado e no domingo eu ia ajudar eles, não ficava parado. Ajudei muito eles. Eles compraram um terreno e fui na olaria catar pedra, tijolo pequeno, carregar no carrinho pra eles fazerem a casa, a troco de nada. Eu pagava pensão pra eles, eu dava quinhentos reais para ele, cruzeiros quer dizer, depois dava seiscentos. Conforme aumentei, eu dava mais. Aí, quando saí, fui mandado embora, eu tive a ideia de ir para a feira. Mas lá onde eu trabalho tem pessoal… Até o chefe lá falou: “José, você não tem experiência no comércio, mas você compra umas meias e vende assim.” Na minha cabeça eu tinha outra coisa, cheguei e arrumei um sócio que era irmão dessa pessoa. Aí, comprei um cavalo com uma carroça, junto com ele. Eu com o dinheiro e ele com a experiência. Só trabalhamos duas semanas, ele começou a me roubar e eu tinha uma inteligência danada. Eu vendia copos, alumínio, louça e ferragem. (risos) Ele me roubou muito, né? Aí, eu cheguei em casa e falei: “Você vai tocar sozinho e vendo minha parte para você a preço de custo e empresto a carroça e o cavalo para você”. O pessoal falou: “Ah, José! Você não vai dar para isso”. Eu fui lá tirar a licença na prefeitura. Tinha 18 anos nessa época. E fui trabalhar na feira por minha conta. Com pouca coisa. Com dois metros de banca, lá tinha panela, louça e ferragem, colher, garfo assim. Com oito meses eu ganhei tanto dinheiro, que eu pensei: “Puxa vida! Agora eu vou enricar assim”. Ganhei bastante dinheiro mesmo. Com oito meses eu tinha bastante dinheiro mesmo. Minha banca tinha 12 metros de comprimento, tinha tudo, era uma loja. E eu já com 18 anos. E lá tive um contratempo, que eu não queria, e não pensava em ir embora. Queria ajudar minha família: “Comecei agora a fazer. Vou conseguir”, né? Mas, meu pai chegou em São Paulo e começou a encher minha cabeça. Eu não queria ir, mas ele falou que: “As coisas tinham mudado e papapa”, sinal que ele reconheceu que a gente não era… E a família começou a me dar conselho, pensei: “eles não querem mais gente aqui na casa deles né?” Eu devia ter mudado de casa, né? Mas, não. Aí, fui lá e quebrei a cara. Peguei cinco dias de viagem para (corte no áudio) e mais um dia e meio de trem para chegar em Fortaleza. Não tinha condução para Fortaleza, pois fui em 57, no carnaval de 57. Aí, pus uma barraca de cereais lá na feira, pus uma venda primeiro e juntei bastante dinheiro e não deu certo. Eu que vendia em São Paulo, né? Já estava acostumado. Vendi uma bacia grande de banho. Naquela época usava muita bacia, balde e regador. O balde usava muito porque em São Paulo tinha poço, né? Tinha poço em São Paulo, vendia bem. Vendia uma bacia e ganhava um dinheiro. Lá eu fui vender cereal, vendia seis sacos de cereais e não vendia mais nada. O lugar que era miserável. Era difícil. Aí, eu trabalhei lá e fui perdendo o dinheiro, perdendo dinheiro. Um dia não tinha mais dinheiro para trabalhar. Ai eu peguei todos os fundos de saco que tinha… A feira começava sexta-feira e ia até segunda-feira de noite. Lá no centro da cidade de Fortaleza. Quando terminou a feira, eu disse: “Vou mandar tudo para o meu pai comer lá na casa dele”. Tinha arroz e feijão. Peguei tudo os fundos de saco, dei balança e lona para ele. E você vê, poderia vender a balança e a lona, mas dei tudo para o meu pai. E fiquei sem dinheiro depois, sem dinheiro para vir embora. Aí foi difícil para vir embora. Contei meu dinheiro e: “Resolvi ficar mais dois meses aqui e vou embora só em setembro. Dia 8 de setembro, mais ou menos, dia oito de setembro, eu passo aqui e vou embora”. Voltei, mas com muito trabalho, foi pior do que a primeira viagem. Não tive aquele contratempo do caminhão tombar, mas foi pior, vim fazendo baldeação. Então, se eu for contar os detalhes fica...
P/1 — Então, só queria perguntar para o senhor: na primeira vez que o senhor chegou em São Paulo, que bairro você morou com a sua família?
R — Eu fui morar na Vila… Na Cachoeirinha, mas se chamava Vila Rica.
P/1 — E como é que o senhor fazia para chegar na Giannini?
R — Eram 20 minutos para pegar o ônibus. Mas, eu não pegava o ônibus porque era muito difícil, só tinha o ônibus da CMTC e ele demorava 40 minutos ou uma hora no ponto de ônibus esperando. A fila era muito grande já naquela época, né? Largo Japonês. Então, tinha pau de arara. Eu trabalhei dois anos e pouco e nunca peguei o ônibus. Peguei o ônibus uma vez só, não deu certo. Todo o dia eu ia de pau de arara. Mas, tinha gente bacana no pau de arara, de gravata, maioria de gente de gravata era em cima do pau de arara. Chovendo, fazendo sol, ou frio, o pessoal no pau de arara. Tinha gente que quando chegava na Barra Funda com o cabelo branco de gelo.
P/1 — E onde é que era a feira que depois o senhor foi trabalhar?
R — Eu fui trabalhar na feira da Vila Nova Cachoeirinha. Trabalhei no bairro da Freguesia do Ó, hoje Itaberaba. Na Itaberaba, hoje Freguesia do Ó. Até a Cachoeirinha dizem que é a Freguesia também, né? Na Casa Verde, Vila Espanhola assim né? Em São Paulo tinha, naquela época, 60 feiras por dia. Quando eu comecei no CEASA, São Paulo tinha 120 feira por dia. Hoje eu não sei, hoje acabaram as feiras. Mas tinha 60 feiras e a gente fazia as feiras, então eu trabalhei lá pelo bairro nosso.
P/1 — E como é que foi o senhor juntar esse dinheiro para voltar de novo para São Paulo?
R — Ah! Para juntar foi difícil. A história, tudo. Só não entrei em detalhes, né? O meu irmão estava servindo o exército quando cheguei lá, e ele saiu do exército. O meu irmão que era mão de vaca. Eu não era, mas tive que ser. Ele juntou um dinheirinho no exército quando estava servindo no interior do Piauí e depois foi no interior de Fortaleza. Ele juntou um dinheiro e na hora que foi sair do exército a turma roubou ele lá no exército mesmo. Chegou em casa sem dinheiro, sem nada. Aí, eu tinha chegado de São Paulo, eu peguei e arrumei o dinheiro para ele, mil e quinhentos pra ele. Com aquele dinheiro, ele montou a horta dele de verdura. E eu não queria trabalhar naquele ramo mais, não dava mais certo, eu não queria, ainda mais que ganhava dinheiro em São Paulo. E ele não me pagou aquele dinheiro. Três meses ou quatro meses depois, seis meses que eu estava lá, ele pagou, foi aquele dinheiro que eu tinha, só aquele, nada mais. A passagem custava dois e duzentos e ele me pagou mil e quinhentos. Já tinha ônibus em Fortaleza, tinham posto um, uma empresa recém inaugurada lá, né? O navio era oitocentos paus, mas não tinha… Ficava 60 dias para chegar aqui. Aí, eu peguei e pensei: “Vamos esperar para ver o que acontece, né? Dia oito vou procurar a passagem”. Dia sete, era um dia de domingo, eu tinha uns colegas lá e eles me convidaram para ir na igreja, na Assembleia de Deus em Fortaleza que era muito grande, era quase um centro de turismo. Grande, muita gente. Eu disse: “Vamos lá”. Cheguei lá e o cara que foi meu sócio estava lá, ele era evangélico, né? Cheguei lá e ele: “O Zé estamos aqui...”, conversamos assim, ele tinha uns 65 anos e eu tinha menos de 19. Não, já tinha feito 19. Aí eu falei: “Vou embora amanhã”. Ele falou: “Então, vamos juntos!”. Eu tive que fazer o quê? Ele marcou comigo num lugar lá de manhã cedo para comprar cedo. Para chegar às oito horas da manhã do dia seguinte para comprar passagem. Eu não tinha dinheiro, só aqueles mil e quinhentos: “Vamos ver o que acontece, né?” Aí, quando eu chego lá, ele falou pra mim… Eu cheguei lá oito horas e ele já tinha comprado as passagens, ele disse: “Rapaz, eu comprei as passagens num caminhão aí. Eu paguei oitocentos por casa passagem”. Poxa, já deu para mim, né? Eu não tinha falado para ele que só tinha mil e quinhentos. Ele comprou quatro passagens por dois mil, quatro por quinhentos. Ele trouxe dois cunhados dele. Quatros pessoas. E viemos em cima de uma carga de couro. Para mim estava bom, mas para ele que ia passear, né? Veio em cima da carga de couro. Mas aquela carga deu uma novela: saímos de Fortaleza e o guarda já pegou, não podia viajar. Nós andamos uns cinco ou seis dias naquele caminhão. O cara deixou o meio da carga e a parte de trás e da frente era alta e nós ficávamos no meio que era baixo, e cobria com uma lona. E quando chegava perto dos guardas ele cobria com uma lona. E quando o guarda perguntava o que era, ele dizia: “É couro”.(risos) Nós estávamos lá debaixo, nós dávamos risada. Nós estávamos em seis pessoas dentro daquela cabine e viemos até quando o guarda descobriu. Estávamos em Jequié, metade do caminho de Fortaleza, mil e quinhentos e cinquenta quilômetros. Ele passou no guarda de madrugada, o motorista, chegou na primeira vila, ele parou ali, o pessoal inventou de descer para jogar bola com a molecada lá, mas ele não. Ficou em cima do caminhão. Fica noite e dia lá, o caminhão para e ele fica em cima. Teve uma batida lá, o guarda veio e perguntou: “Esse caminhão veio cheio de couro, né?” Ele com a moto, dai ficou rodeando e rodando, e perguntou para alguém: “Vocês estão aonde?”, responderam: “Nós estamos em cima do caminhão”, ele: “Mas esse caminhão era couro”. Aí, pronto. Não conseguimos mais passar por posto de guarda e ele teve que transferir nós para um ônibus, um micrônibus que vinha de Salvador. O motorista conversou com ele, ele pagou a parte e nós ficamos de pagar a parte de São Paulo. Mesmo o cara que foi passear não tinha dinheiro de pagar. Eu viajei dois dias de pé, de lá de Jequié até dentro do Rio de Janeiro em pé. Noite e dia. Dois dias, sem poder sentar. O ônibus era dois lugares de um lado e três do outro e só tinha aquela vaguinha no meio. Mesmo assim viemos em pé naquele meio. Era um ônibus pequeno. A perna ficou inchada de tanto ficar... Quando parávamos para almoçar, mas era rápido, né? Era uma coisa do outro mundo, viu? Antes de nós conseguirmos sentar, já tinha alguém lá. Dava graças a Deus quando uma pessoa sentava. Do Rio para cá, que veio pouca gente para São Paulo, acho que só veio seis pessoas e nós viemos à vontade, né? Deitados (risos). Aí, foi tudo só alegria. Mas, cheguei em São Paulo sem dinheiro. Chegamos na Estação do Norte que era a fonte, né? Sem nada. Pegamos o táxi e minha parte foi 16 cruzeiros, eu não tinha dinheiro pra dar. Mas, ele pagou. Ele pagou, mas era danado, queria receber logo. No dia seguinte. Ele era gente ruim. Eu disse: “Aonde vou arranjar dinheiro para te pagar?”. Eu fui para a casa do irmão dele. A pessoa que eu estava na casa dele, no dia seguinte, foi lá e falou: “O José, lá não é o seu lugar não, vamos lá para a casa”. Eles foram muito bons para mim, né?
TROCA DE FITA.
P/1 — Só voltando seu José, o senhor voltou para São Paulo de novo, pra que bairro o senhor foi?
R — No mesmo lugar, na Vila Rica. Na estrada do campo da Cachoeirinha.
P/1 — E o senhor foi trabalhar com o quê? Como é que foi esse momento?
R — Fui trabalhar com essa pessoa. Eu trabalhava sete dias na semana, ele me pagava um dia de serviço. Eu trabalhava três semanas e para ganhar três dias. Foi com esses três dias que eu juntei e comecei a minha vida... De novo. E com trinta dias depois eu tinha comprado uma bicicleta — que era difícil, né? — pra carregar minhas coisas. Depois mais 60 dias comprei um cavalo com a carroça, que naquela época era a condução mais fácil para feira. Na feira não tinha piso, nem asfalto, era muito lama, né? Eu mandei uma carta para as minhas irmãs no Ceará, se quisessem vir eu ia mandar buscá-las, para umas que ainda estavam sofrendo na mão da minha madrasta ainda. Uma tinha casado e outras duas ainda estavam sofrendo lá. Mandei a carta. Eu queria buscá-las. Para o meu pai eu não mandei, mas também nunca fiquei com bronca com o meu pai. Não precisa, ele tá levando a vida dele, né? Minha madrasta também. Minhas irmãs vieram, mas outras irmãs diferentes, que estavam na casa do meu vô. Vieram um ano depois. Vieram morar comigo e fiquei, e minha vida fui tocando, ganhando dinheiro. Ajudando a família sempre lá e nunca esquecendo.
P/1 — Daí o senhor vendia ferragem na feira de novo?
R — Eu vendia a mesma coisa. Eu comecei vendendo só xícara. E a essa forma de copo aqui americano, era só na Nadir que tinha. Aí, a Americanas abriu e lançou uma promoção. Isso aqui custava, mais ou menos, 60 cruzeiros uma dúzia. A Americanas lançou 28. Aí, a xícara estava saindo pouco e comprei copos. A 28, eu vendia três por dez na feira, no meio da feira. Eu vendia dez dúzias, dava 120. Então, pesado, né? Cheguei a comprar duzentas dúzias de copos. Trazia de táxi. Arrumei um conhecido que trazia pra mim de táxi. Pagava, claro. Aí, três dias depois, na feira, estava cheio de gente vendendo também, copos, né? Eu vendi uns dez dias e parei também. Aí, eu fui vender talher, faca, garfo, escumadeira, ralo, garfo para arroz. Peguei um pacotinho assim. No primeiro dia eu ganhei o dobro daquilo lá. Ah, não vou mais vender aquilo lá, não, aquilo é muito pesado e ganho mais com isso. Eu vendia peixeira, faca de cozinha, faca de mesa, todos os tipos de faca, fui me especializando. Assim, eu logo levantei. Com quatros ou cinco meses em São Paulo montei uma barraca para mim, tirei a licença tudo direito e foi tudo só alegria. Fui trabalhando, né? Tive muitos contratempos, não tinha experiência e sempre tinha uma pessoa que dava prejuízo pra gente. Não tinha orientação nenhuma, fiquei quatro anos sem ter nenhuma família em São Paulo. Eu cheguei em 54, as minhas primeiras irmãs chegaram em 58. Quando deu 58 mesmo, meu pai veio para São Paulo. A madrasta largou dele. Não. Ele largou ela. Meu pai tinha 15 anos de diferença dela. Hoje não seria muito. Ele tinha 35 e ela tinha 20 quando casaram. Ela já tinha filho, né? Foi muito ruim para nós. Aí, peguei e fiz uma barraca para ele, eu mesmo patrocinei tudo.
P/1 — E aí, vocês moravam com o seu amigo ainda?
R — Eu já tinha feito a minha independência. Esses meus amigos foram para o Mato Grosso, né? E quando vieram do Mato Grosso, vieram para minha casa. Eu pagava aluguel. Aí, eu já estava morando numa casa independente, num terreno grande, num barracão. Barracão de três cômodos, com as minhas irmãs. Minhas duas irmãs. Meu pai chegou, arrumei uma barraca para ele e ele foi trabalhar no mesmo ramo. Quando ele juntou dinheiro, o que que ele fez? Mandou dinheiro para a madrasta do Ceará para ela vir. E estavam separados, né? E quando penso que não, ela veio com dez pessoas, né? Foi bem recebida. Falei para ela que, na minha casa, quando eu compro a Itubaína, todo mundo toma. Não tem coisa de separação. Aqui o que eu como, todo mundo come junto. Assim foi indo. Eu sei que essa minha madrasta ficou a pessoa mais amiga minha. Porque esteve uns com o meu pai, uns cinco anos, e separou. Mas, ela nunca deixou de ser minha amiga e eu não tenho nada contra ela, né? Então, eu consegui fazer essas coisas que queria fazer. O que eu queria era isso, era juntar a família. A minha madrasta não era gente ruim, mas ela foi ruim pra nós. Ela gostava de trair o meu pai. Ela era da igreja. E quando começou a trair o meu pai de novo, largou ele, sumiu com o cara que foi para Jundiaí. (risos) Mesmo assim eu ajudei ela até ela morrer. Tem um filho dela, que é meu irmão mais novo. Quando eu tinha 16 e saí de Ceará, ele não tinha nascido ainda. Ele é muito meu amigo, me considera muito, né? Eu tinha ajudado ele quando era pequeno. Trabalhou muito tempo comigo, trabalhou umas seis vezes comigo. Eu tive loja de carro, ele tomava conta. Eu tive posto de gasolina, ele tomava conta. Dei o posto de gasolina de sociedade para ele. Ele não conseguiu fazer, mas dei 10% do posto para ele.
P/1 — E como é que o senhor saiu dessa barraca da feira?
R — Eu saí da barraca da feira, pois foi um fracasso. Eu fui muito bem. Eu cheguei aqui em 57 como falei, e comecei a namorar a minha mulher em 58. Eu tinha uma paquera, assim, de dois ou três anos, mas achava que não daria certo. Por eu ser de fora e ela de São Paulo, né? Ela me admirava, sabia que era um trabalhador, conhecia a minha vida, né?
P/1 — Onde vocês se conheceram?
R — Ela era nova, tinha 14 anos. Comecei a namorar ela mesmo em 58. Ela tinha 16 anos e eu tinha 20. Nisso, casei só em 62. Até aí eu ia muito bem. Aí, eu comprei caminhão em 61, comprei terreno, fiz uma casa. Quando eu fui casar, já tinha feito a casa. Em 61 já tinha comprado caminhão e tudo. Para ter caminhão naquela época era muito difícil, nem carnê que tinha! E comprei um caminhão e eu era novo. Então, casei com 23 anos. Casei, ela foi me ajudar na feira. Mas, eu na época de 62, 63 e 64. Eu comecei a ajudar muita gente que pedia para ser fiador. Fui fiador de muita pessoas, até de caminhão para os outros, e acabei me atrapalhando com aquilo lá. Porque quando fui ver que ninguém pagou as contas... Fui fiador até de caminhão para os outros. Financiei um caminhão, o cara não pagou nenhuma prestação, paguei tudo. Financiei um dinheiro para uma pessoa lá que devia para um agiota, uns trezentos mil, na época, e tive que pagar. Eu me apavorei. Não tinha costume com aquilo lá. Eu tinha uma casa, dois caminhões na época, tinha uma loja de alumínio, bem sortida mesmo. Comprava duzentas panelas de pressão. Comprava um caminhão de regador. Um caminhão completo, né? E eu estava indo muito bem. Quando comecei a ser fiador dos outros (pausa). Quis pagar as contas. Se fosse como hoje, eu faria um acordo, eu devia cem e pagava 30. Faria um acordo e pagava em parcelas, né? Mas, eu ficava de: “Vou pagar, vou pagar”. Aí, entrou a ditadura, né? Em 64. E com um descuido meu, cassaram a minha licença. Atrasei um pagamento na feira, eu não sabia, né? Cassaram a licença. Trabalhei uns dias e não deu certo, não ia mais. Puxa vida. Eu tive que vender minha casa, já com a minha mulher, para pagar minhas contas. Vendi a casa, vendi os caminhões. Mas eu peguei um caminhão mais velho. Eu tinha um caminhão 46, peguei um 35, né? Num valor bem menor. Vendi a loja para pagar as dívidas, e o cara não me pagou, me deu um cano na metade do dinheiro. Peguei o jipe, eu tinha um jipe, vendi o jipe. O cara deu a entrada, não me pagou o resto. (risos) A esperança era pouca, né? Era pagar contas, né? Aí, não tinha licença para a prefeitura, um ano e pouco de... Já sem casa e pagando aluguel. Aí, um dia eu só tinha um caminhão, ano 39, isso foi 65. Eu não tinha nada. Eu tinha comprado televisão. Tinha prestação para pagar, tinha aluguel vencido. Eu disse: “Caramba vou fazer o quê?” Fui lá onde conhecia as bocas do caminhão, pra vender o caminhão, o cara disse: “Quanto você quer?”, eu disse: “Quero quatrocentos”, ele respondeu: “Dou duzentos”. Vendi por duzentos. Aí, tinha um cara querendo me tapear também e me chamou para comprar o caminhão de melancia. Aí, fui no mercado da Cantareira e ele tinha conhecimento lá e fomos procurar o caminhão de melancia. Estava jogando fora as melancias, muitas melancias. E compramos uma cara de melancia por duzentos mil cruzeiros. Hoje valia um milhão e pouco. Ele gostava de trabalhar comigo, mas não dava certo, uma pessoa que não gostava de trabalhar. O cara conhecido meu. Nós ganhávamos oitocentos por semana. Naquele caminhão de duzentos, fizemos mil. “Aqui tá o lugar! Vou vender melancia”. Fui lá comprar melancia, fui sozinho, porque ele não tinha coragem de trabalhar. Eu tinha. O outro caminhão deu certo também. E no terceiro eu perdi quase todo o dinheiro também, porque não tinha experiência. E nisso eu fui aí e me adaptei a melancia. Quando esfriava não vendia. Eu vendia na feira, na quarta-feira. Eu e o marretar, se chamava marretar. Vendia em pontos de ônibus. Comprei outro caminhão de novo, caminhão velho, né? Ano 39 de novo, por acaso. Um dia fui comprar melancia e não tinha, a melancia estava um ouro, né? Aí, tinha um caminhão de abóbora. Os corretores ficavam em cima da gente, sabiam que nós comprávamos melancia, né? Ele disseram: “Tem uma abóbora ali, não sei o que lá...”. Aí, fui lá e comprei o caminhão de abóbora. O caminhão estava dez dias para vender lá. Eu paguei 130 cruzeiros o caminhão. Com mais ou menos sete mil quilos. E levou na minha casa e fui vender aquela abóbora. Abóbora graúda de Atibaia. Tinha abóbora até de 40 quilos. Mas, eu não tinha esperança nenhuma. Mas, fui lá vender e gostei. Porque eu comprei abóbora mais ou menos a 30 centavos a 150. Deu uma quebra danada, deu pouco capital, mas tá bom. Voltei lá e comprei um caminhão de moranga da que tinha lá. E foi assim que eu comecei com abóbora, né? E nisso tinha um cara querendo roubar a gente. O cara sabia que eu era trabalhador. Tinha muito disso no mercado, uns caras com as ideias de nos roubar. Então, ele dizia: “O José, vamos levar o caminhão lá no CEASA”. Porque descobriu onde eu morava, né? O caminhão de abóbora lá na porta, né? Acabou me levando para o CEASA. Cheguei lá com caminhão e me roubou a metade mesmo (risos). Eu aprendi com ele, mas não roubava. Ele não tinha nome nenhum lá no CEASA. Eu não sabia. O pior cara que tinha no CEASA. Devia só para duas pessoas: Deus e todo mundo, né? (risos). Eu paguei as contas dele. A pessoa tinha muitos defeitos, viu? O cara muito inteligente, muito bom, muita sorte, mas muito diferente. Tentei com ele, por três meses ganhamos muito dinheiro e três meses depois perdemos tudo. Abri uma firma no nome dele.
P/1 — E como é que era o CEASA naquela época?
R — Agora, no CEASA, era com o produtor. No CEASA na Cantareira, no dia que choveu, no primeiro dia que fui lá, que deu a enchente, isso foi no primeiro dia que o cara me chamou para ir lá. Eu tinha uns quatro mil quilos de moranga. Eu tinha um caminhãozinho e fui descarregando, lá pelas 11 horas e meia-noite. Arrumei uma pedra lá e coloquei a pedra. Lá era uma bagunça danada e começou a chover. Pensei: “Sabe de uma coisa, eu vou para a feira amanhã”. Fui para cima e fui embora. No dia seguinte, só vi a notícia que encheu de água. Encheu dois metros de água. Ali enchia tudo de água. O prefeito desativou o comércio ali. Fizeram o mercado lá na zona norte, em Santana, lá tinha um pátio da ponte pequena. E de lá fizeram lá para a frente do Pacaembu. Na frente do Pacaembu é grande, toda aquela praça era o mercado. Ficou de dois a três meses lá. Tudo descarregado ali. O CEASA estava fazendo para outra utilidade né? Foi passado para lá. O CEASA foi inaugurado, e quando ele começou, eu comecei também. Então, foi difícil para eu entrar, porque era só para produtor, e não pagava nada. Fiquei nove meses ali e não pagamos nada. Luz e nem segurança. Tanto tinha segurança do CEASA, do CEASA mesmo, Centro Estadual de Abastecimento SA. Lá tinha segurança e polícia. Tudo, tudo. Muita iluminação. Era um centro de turismo e ninguém pagava nada. Nove meses e não se pagou nada. Para eu poder alugar lá, tive que alugar umas terras em Ibiúna, para poder provar que eu era produtor. E porque eu tinha os documentos da Cantareira, foi mais fácil para conseguir. Eu tenho os documentos até hoje, de 66, documento do produtor. Hoje é mais fácil porque dá para comprar. Se tiver dinheiro compra o box, né? Naquele tempo era mais difícil. Não corria dinheiro lá dentro. Tudo o que eu arrumei foi na base da capacidade e da amizade também, né?
P/1 — E o senhor está no mesmo lugar desde aquela época?
R — Não. Só naquele lugar que estamos ali, é a terceira vez. Quando inaugurou o CEASA, era ali, era aberto. Combinava e ninguém roubava, né? Não tinha roubo. Depois nós passamos para frente da verdura. Aquele pavilhão de verdura, não sei se já andou por lá. Era só a metade. Então, a frente era aberto e nós ficamos na frente do pavilhão um ano e pouco lá, no sol e na chuva, no ar livre mesmo. Depois voltamos para o mesmo lugar de novo. Onde eles levavam a gente, nós estávamos indo. Assim era no governo militar. Mas, era bom. Eles davam toda a estrutura pra gente, o governo militar. Eles estavam ampliando o mercado, fazendo maior, né? Eles puseram todo o pavilhão, lá onde é a favela hoje, né? Na ponta, né? Ficamos 30 anos e meio lá. Ficamos 30 anos e meio lá e tinha gente que não sabia aonde ficava abóbora ainda, porque ficou fora. Mas, eu consegui vender muita abóbora que nunca pensei que conseguiria vender tanta, né? Eu era o menorzinho lá dentro e fui ampliando com as coisas de serviço. Eu comecei em 66 e lá em 69 consegui competir com os maiores.
P/1 — O senhor vendia xícaras e copos. Como é que foi para aprender a vender abóboras? Os tipos de abóbora?
R — Eu aprendi a vender abóboras por andando por essa cidade, né? Primeiro eu tomei muito prejuízo. Às vezes eu trabalhei dois ou três caminhões de abóbora, mas só vendia uma. Mas, eu tomei conhecimento com os cariocas. Eu aprendi com os cariocas alguma coisa, saber se a abóbora está boa ou não. Abóbora no Rio é muito tradicional. Quando eu comecei aqui em 66, 60% da abóbora nossa ia para o Rio de Janeiro. Isso aí abóbora madura. A verde nós ficávamos. O Rio de Janeiro não gastava como em São Paulo, por exemplo. São Paulo com 120 feiras que falei para você. No Rio de Janeiro… O consumo de abóbora no Rio de Janeiro com outro consumo. A abóbora pode falar: antes de mim e depois de mim. Porque eu consegui, naquele pequeno espaço e fui ampliando, ser o melhor do Brasil, da América do Sul e talvez até do mundo. Só não posso concluir que sou o maior do mundo, porque nós não temos o conhecimento. O meu filho foi passear nos Estados Unidos. O Renato, que parece comigo, o mais novo, casou e foi passear nos Estados Unidos. Não sei o que fazer lá (risos). O mais velho foi levar os filhos lá na coisa das crianças, lá…
P/1 — Na Disney?
R — Isso! Na Disney. Ele tem uma casa melhor que a minha. Não que eu possa ter uma melhor. Nós moramos perto um do outro, uma casa muito boa. Só que o mais velho meu trabalha desde os 12 anos. Desde essa idade ele está me ajudando. E hoje é quase tudo dele, né?
P/1 — E o senhor disse que provavelmente é o maior vendedor de abóbora do Brasil e da América do Sul...
R — Provavelmente, não! Com toda certeza. Eu mandei muita abóbora para Porto Alegre e para o Rio de Janeiro. Achava que não iria entrar no mercado do Rio de Janeiro. Além de eu entrar no mercado do Rio de Janeiro, fui o maior vendedor de abóbora do Rio de Janeiro para o atacado. Eu fui o mais visto do Rio de Janeiro, sem ir no Rio. Teve cara que vendia há dez anos e não conhecia ele. Eu me acho atrasado nesse ponto e em outro ponto, não. Porque eu forneci fábricas de doces aqui em São Paulo e nunca fui na fábrica. Eu ensinei a pessoa que montou a fábrica, mais ou menos em 75, que abóbora ele poderia usar. Usar a abóbora com casca e tudo, só tira a semente, a abóbora é branca e faz com tudo. Ele, canadense, levou uma para fazer experiência, testou e deu certo. Aí, ele não queria outra abóbora. Fui fornecedor de quase todas as fábricas de doces aqui em São Paulo. A Paçoquinha, na Bela Vista, tinha um fornecedor lá, mas ele comprava aqui. Eu mandei abóbora para o mangueirão de porco, em Santa Catarina. Aonde vinha os porcos, no Paraná e em Santa Catarina. Tinha do 19, do 21, do 29 e do 31. Tinha três mangueirões. Eles precisavam de abóbora, porque os porcos vinham todos vivos. Hoje vem no frigorífico, né? Aí, eu entregava abóbora para eles. Em 68, 69 e 70.
P/1 — E o senhor entregava abóbora? Ou eles iam buscar?
R — A maioria eu entregava. Eu mesmo ia entregar lá. Poucas vezes eles iam buscar. Eu mesmo entregava. As fábricas aqui de São Paulo entregavam também. Eu trabalhava à noite, das oito da noite às sete da manhã. Eram 11 horas de serviço. Eu trabalhava de dia e entregava essas abóboras. (pausa) O mercado, mais ou menos em 72 e 73 eu mandava abóbora, só em 70 eu quase quebrei no Rio de Janeiro. Abóbora que eu mandava, o preço não pegava. Aí, fui perdendo dinheiro. Perdi dinheiro que quase não pude trabalhar. Mas, cinco anos depois eu tirei toda a diferença. Em 77, tirei toda a diferença com ele. Ele chegou para mim: “Eu quero abóbora. Tem abóbora?”. Eu disse: “Tenho. Só se for buscar em São Paulo”. Ele não era muito honesto, na palavra dele. Aí, ele vinha e trazia a mala de dinheiro. Trazia e me pagava. Eu levava dois caminhões de abóbora e ganhava o dobro. Dobrei o capital da abóbora. Fui conhecido para todos os lugares. Para Recife eu mandei abóbora em dezembro de 72, janeiro de 73 e fevereiro de 73. Nunca ninguém fez isso aí, falou o Lula (risos). E o pessoal perguntou: “Para onde está mandando a abóbora?” Recife, né? Mas, a abóbora que tinha lá é branca, né? Carioca. Caravela que chama. Então, eu trabalhava com ela, lancei ela em 67 aqui em São Paulo no segundo ano que estava aqui. Lancei a abóbora caipira. Por que eu não conseguia comprar. Porque eu não tinha conhecimento, era difícil essas coisas. Eu lancei as abóboras assim. Eu lancei a abóbora japonesa em 75. Não por ter conhecimento e sim pelo conhecimento que tinha já. E em 69, o São Paulo teve uma geada, que pegou a cidade toda. São Paulo era o único lugar do Brasil que tinha abóbora o ano todo. Esse ano pegou tudo. Quando deu agosto a novembro, não tinha uma abóbora em São Paulo. Quando foi em 75, deu neve em São Paulo e pegou São Paulo toda. Essa época acabou as lavouras tudo. Alguém falou para mim: “Lá na Bahia tem abóbora”. Eu falei: “Não tem porque eu estava pegando no norte da Bahia”. Estava pegando abobrinha. Lá eu pegava abóbora baianinha. E eu pegava nem se tivesse muita. E não tinha muito naquela época, agora só tem nada lá, só seca mesmo. Aí, fui no sul da Bahia e encontrei uma roça de abóbora, só que a roça estava fechada. Aí, o pessoal começou a falar: “Você compra abóbora?” O japonês, né? “Eu compro”. Desde que comecei a trazer para cá, nunca mais faltou abóbora em São Paulo. E foi quando eu comecei a comprar, porque não tinha mais abóbora para comprar, uma viagem de abóbora japonesa. Porque a abóbora japonesa começou a entrar aqui em 73 por intermédio da Cotia. Eu levei pro CEASA e soltei lá no meio, fiz uma pia grande, né? Mas, o pessoal da Cotia era uma empresa grande, com advogados, a direção deles era muito grande e eles me procuravam. Todo mundo me procurava. Eu acho que não era uma pessoa muito comunicativa e a Cotia vinha me procurar. Eles tinham comunicação comigo quase sempre, até pelo preço. Porque lá na Bahia, até em 75, 77 eu fiz muito negócio lá. Em 80 eu estourei lá na Bahia de tanto comprar lá. 80% da safra eu comprava. Já estava produzindo muito mesmo. Na Bahia no mês de junho até o mês de novembro, mais ou menos, duzentos mil quilos por dia de mercadoria. Eu perdi o freguês do Rio de Janeiro. Acho que vou dar um pulo no banheiro...
P/1 — Ah, claro.
R — Dá licença um pouquinho.
P/1 — O senhor falou que vendeu para a Argentina?
R — Argentina, já vou chegar lá. Por que que eu falei para você sobre isso? O meu conhecimento sobre a abóbora, é bastante, né? Eu sabia onde e como produzia, né? Então, em 77 os argentinos eles carregaram, a partir de julho eles começaram a carregar. Mas, eles estavam uns 60 dias procurando abóbora no Brasil. Uma das coisas que ampliou as abóbora em São Paulo, foi o pessoal que vinha de fora vir buscar as abóboras aqui e levar. Então, 72, 73, 74 e 76, o pessoal de Porto Alegre vinha e pegava abóbora comigo. O cara trazia o dinheiro para uma carga de abóbora e levava a carga. Só que quando não ia bem para Porto Alegre, era para a fronteira da Argentina. Quando chegou 75 e 76, chegou o pessoal da fronteira atrás de mim para comprar. Também era uma carga de caminhão que levava, né? Em 77, chegaram os argentinos direto. Uma importadora que tem uma foto de carreta, muito grande, foi a primeira. Em 60 dias consegui vender para eles. Só que eu vendia para eles, o exportador. Em 77 vendi três mil toneladas, isso significa 150 carretas para a Argentina. Em 78 foi pouca coisa, mais ou menos, coisa pouca, dez ou 15 carretas. Em 79 foi menos ainda. Em 80 estourou de novo. Em 80 eu vendi mais de 500 carretas de abóbora para lá, a curto prazo. Teve dia que bati o recorde de carregar abóbora. Tudo repassado. Fui o primeiro a trazer abóbora do Rio de Janeiro a São Paulo. Porque São Paulo só mandava pra lá. Fui buscar abóbora em Recife, em 77, para mandar para a Argentina. Em 76 eu mandei abóbora para Recife. Só que naquele tempo, sem telefone, era difícil, não tinha a comunicação que tem hoje. Hoje se fala com o mundo todo. Na Bahia andava 350 quilômetros para ir telefonar para São Paulo. Sabe o que é 350 quilômetros? É daqui a Bauru só para telefonar. Ia seis e sete horas de táxi e voltava dois ou três horas da manhã. Em 80 colocaram na Bahia telefone, via Embratel, aí era discagem direta. O pessoal oferecia o telefone lá. Eu viaja muito. Eu fazia duas viagens por semana para Bahia, não era Salvador. Eu pegava avião aqui para Vitória. De Vitória iam me buscar. Mas, já aluguei carro. Já fui de táxi. Eu ia na segunda-feira, fazia a praça na terça, voltava na quinta e na sexta estava de volta. Era assim, em 80. Eu tinha dois compradores a partir de 76, porque era difícil para comprar abóbora. Nós ficávamos incentivando. Em 80, quando eu estava numa fase meio difícil, né? Os dois me largaram. Já tinha vindo da Bahia mesmo, ele me disse que não tinha nada lá. Eu fui lá para Bahia. Foi quando eu fui de ônibus. Eu peguei avião para Vitória, eu esperei seis horas para pegar o ônibus às nove horas, mas deu certo. E foi quando eu vendi em 80, a curto prazo, aquelas quinhentas carretas, 508 a 510 carretas para a Argentina, a curto prazo. Aí, veio argentino de lá. Vieram 5 importadoras de lá. Comunicação era pouca, né? Só tínhamos um que mexia por telefone. Os outros vieram pessoalmente, atrás de mim. Depois veio argentino mesmo. Cada um que vinha, eu vendia um pouco. Eles compravam cem mil quilos, duzentos mil quilos de uma vez só. Era para arrumar 50 hoje: “E quem sabe eu te arrumo?”. Todo mundo ficou servido. Eu sabia quantos mercados tinham em Buenos Aires. Tinham 22 mercados lá. Na Argentina, comem mais abóbora do que no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, só para ter noção, na década de 80, tinham 41 a 42 abobreiras e aqui só tinham sete. Eu, a Cotia, né? E mais sete que são descendentes. O meu vizinho, que morreu a pouco tempo, ele tinha cinco anos mais velho que eu. Eu tenho 73 e ele tinha 78. Ele tinha quase 60 de abóboras, do pai dele. Todos eles são herdeiros. Eu montei sozinho. Já morreu outro também. Todos eles já tem mais de 70 anos. Mas, todos eles são herdeiros. Só que não fizeram nada. Eu fiz e eles me acompanharam. Quem não me acompanhou, não fez nada. Ampliaram e fizeram diferente, né? Só trabalha dono e o empregado, vende se o cliente quiser comprar, se não quiser não compra. Eu fiz todo esse tipo de coisa aí. Eu vendo abóbora hoje para Brasília. Não é vender uma abóbora, vender uma abóbora é fácil. Vender caminhões e caminhões de abóbora. Belo Horizonte primeiro, né? Depois Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, depois Rio de Janeiro de novo e Brasília. Hoje Brasília não precisa da abóbora nossa, Belo Horizonte não precisa, Rio de Janeiro não precisa e Porto Alegre não precisa, mas ele pega direto da roça, pega em São Paulo. Mas direto da roça. Hoje é tudo fácil, com telefone. O cara no meio da roça com celular.
TROCA DE FITA
P/1 — Seu José eu queria saber do mercado do abóbora hoje? Quais as regiões que produzem? Onde é que o senhor vai buscar?
R — Abóbora hoje está quase toda globalizada, como quase todas as coisas hoje, globalizou. Até o Rio Grande do Sul que não produzia abóbora, produz agora. Eu acho que o maior abobreiro hoje é do Rio Grande do Sul, que ele tem oito carretos puxando abóbora, levando ou trazendo. Eu não faço isso porque não deu certo. O CEASA do Rio de Janeiro, me convidaram no Rio da Janeiro porque eu tinha um bom nome. Eu peguei em 75, eu tinha um primo meu lá do Ceará, para mandar pra lá. (toca o celular) (pausa) Então, não sei onde parei...
P/2 — O senhor estava falando que convidaram você para o Rio de Janeiro para vender abóbora.
R— Pois é, no Rio de Janeiro fui o primeiro a trazer de lá para cá, né? Como o Rio de Janeiro fica perto da Bahia, uns oitocentos quilômetros. Porque trazia de Tupã as abóboras, por exemplo, de Tupã fica uns quinhentos quilômetros e vinha até do rio Paraná, ou sei lá como chamam da divisa de São Paulo com Mato Grosso, e traziam abóbora de lá, que são mais uns seiscentos quilômetros. Daqui para o Rio de Janeiro mais quatrocentos e pouco. Então, ia abóbora daqui para o Rio de Janeiro, Madureira, São Cristóvão, São Sebastião e Niterói. Niterói do outro lado. Depois montaram o CEASA no Rio de Janeiro que era do Irajá, e continuava indo nesses três lugares ainda: Madureira, São Cristóvão e São Sebastião. Depois teve CEASA no Niterói, que é o mais velho depois do Rio de Janeiro. Só em Niterói teve mais de dez abobreiros. Tem uns 12 ou 13 abobreiros, se não tiver mais. Estou sem contato lá. O pessoal descobriu que a Bahia produzia e a Bahia descobriu que o Rio de Janeiro comia abóbora. Que nem Recife. Recife eu mandava abóbora da Bahia aqui e mandava para Recife e eles não sabiam. Quando fui lá, eu tinha abóbora lá, comprada lá. Carreguei uma carreta para Recife, já estava na metade do caminho, mil e quinhentos quilômetros. Mas, depois não pude mandar abóbora nem de graça lá. (risos) Porque todo mundo descobriu. O baiano descobriu que o pernambucano comia abóbora, e o pernambucano descobriu que o baiano produzia muita abóbora. Porque o sul da Bahia é uma terra muito boa. O pessoal fala: “E a água?” Faz ligação. E respondem: “E de onde vem?” Tem rio lá, tem muita água. Um lugar muito bom. Puxa vida! Nem vejo lugar melhor que aquele. Agora a Bahia foi o maior produtor de abóbora. Porque o pessoal de São Paulo, do interior de São Paulo, planta lá. Eles estão plantando muito no norte de Minas. Eu já sabia dessa terra. Porque eu tinha um xará no Rio de Janeiro, e ele falou para mim: “O xará, não vou falar para ninguém, mas lá tem uma terra muito boa”. Só que ele é diferente de mim, né? Eu abri o campo. Agora hoje produz muito em Goiás, é muito grande, apesar que tem que partir em dois. Em Minas Gerais também. Eu falava que o mineiro era preguiçoso, né? Minas com muita terra, dava para levar toda a abóbora de São Paulo para Minas, né? As abóboras que eles consumiam eram tudo daqui. Hoje consomem muito. Em São Paulo produz em Paulista, de Marília para lá, e a noroeste menos um pouco, de Bauru ao lado contrário, a Sorocabana pouco, mas produziu muito também. Litoral produziam em Registro, Iguape, Sete Barras, mas planta pouco, né? Pouco que a gente fala é tirar 20 a 30 caminhões de abóbora. No Paraná plantam. No Paraná vem abóbora para nós. No Rio Grande do Sul plantam. No Rio Grande do Sul é grande consumidor de abóbora, em Santa Catarina, não. Mas, vendi muita abóbora para Santa Catarina e Florianópolis. Eu tinha um freguês em Florianópolis que buscava toda semana.
P/1 — E é o senhor que vai buscar essa abóboras, ou essas cooperativas trazem?
R — Eu ia, hoje eu não vou. Eu fazia tudo, desde a limpeza da abóbora, vendia, guiava e limpava caminhão. Eu trabalhava 18 horas por dia. Em 69 e 70, eu trabalhava em média 20 horas por dia, tinha dias que só descansava duas horas. Muitas vezes guiando caminhão. Teve dias que chegava às três horas da manhã e saía às cinco. Dormia e saía às cinco horas. Chegava às quatro horas da tarde e saía às 6 horas, até tomar banho, almoçar e tudo isso aí. Dormia e mandava minha mulher chamar às seis horas. Era trabalhoso. Mas, hoje não. Todo mundo tem telefone, o cara está dentro da roça e está ligando pra você. Ou qualquer lugar do mundo. Abóbora hoje não falta.
P/1 — E os produtores trazem para você?
R — Não o produtor, mas o intermediário. Hoje tem muito intermediário no meio. Ultimamente só compro de produtor, mas ajudei muito intermediário e tirei muitos fora, né? Aqui em Boituva mesmo. Boituva e Tatuí, durante 18 anos, todas que elas plantavam lá, eu comprava fechada. Nós calculávamos de 18 quilos, dez quilos, cinco quilos. Eu entrava dentro da roça e andava de ponta a ponta, de um lado para o outro e o japonês me dizia: “Eu tenho tanto e quero tanto”, eu fazia o meu cálculo e comprava. No começo eu dava umas cabeçadas, mas nunca mais perdi na vida de abóbora. Então, eu conseguia competir com qualquer pessoa na abóbora, porque eu tinha preço. Essas 40 pessoas no Rio de Janeiro, 20 e poucos eu vendi abóboras para eles. Os maiores abobreiros do Rio de Janeiro, que eu admirava, que sabia só o nome da pessoa, eu vendia para eles. Tinham ricos no Rio de Janeiro naquela época e tudo português. Português é uma raça também boa, porque não tem raça ruim. Como teve uns portugueses que quase me tiraram da praça. Lá, não. No Rio de Janeiro todo mundo me conhecia, sem eu ir lá. A única vez que fui no Rio de Janeiro, fui fazer umas contas lá e capotamos o carro entre Rio e São Paulo. O empregado que eu tinha, né? Ele foi comigo. Eu ia guiando. Parei para tomar um café e ele disse: “Deixa eu levar um pouco”, 20 quilômetros depois ele capotou o carro. Quase que eu morri dentro do carro. Nós ficamos presos dentro do carro. O carro ficou num barranco e não conseguimos sair. Aquela época era 75. Nós demos umas pesadas no vidro e saímos pelo vidro traseiro. Quando saímos o carro começou a pegar fogo. Aí, apareceu gente para apagar o fogo, isso quatro horas da manhã. Aí, eu não ia mais no Rio de Janeiro. No começo eu mandava o pessoal buscar o dinheiro, mas não deu certo. Mandava empregados meus que fugiam com o dinheiro ou gastava ele todo, e eu com contas para pagar, né? Depois colocavam na conta do banco para mim. Vendi para o Rio de Janeiro, talvez o segundo melhor mercado de abóbora que conheço, depois do argentino, né? Buenos Aires. Recife é um mercado muito bom, mas mercado de altos e baixos, né? Ele pode dar hoje a abóbora dois reais e amanhã pode dar 50 centavos. Altos e baixos. Pode dar até três hoje. Mercado grande de abóbora. O pessoal come abóbora por necessidade, né? O cara compra meio-quilo de abóbora lá, pela pobreza. Antes o São Paulo fazia, só fazia doces, né? Hoje o São Paulo come abóbora. Porque tem muitas pessoas de fora, os próprios japoneses, né? Abóbora japonesa. O Rio de Janeiro não usa a sua própria abóbora. Hoje os mercados que usam muita abóbora: Brasília, gasta bem pela proporção que eles são, Belo Horizonte, mais que tudo, né? Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
P/1 — E quem são os maiores consumidores hoje? Para quem o senhor vende essas abóboras hoje em dia?
R — Hoje mais os supermercados. Mas os supermercados não promovem as abóboras. Eles vendem abóboras ruins. Quando mandava muitas mercadorias, abóboras boas para o Pão de Açúcar, ele vendia bem, mas acabava comprado de outra. Mas, da ruim eles não vendem e acabam comprando da nossa de novo. Nós mandamos as boas, mas eles não são grandes consumidores. Um feirante bom, consome o mesmo que um mercado como o Extra. Consome uns trezentos a quatrocentos quilos de abóbora por dia, da abóbora boa. Na época que comecei era 98% feirante. Hoje os supermercados são 80%. Tem o varejão e o sacolão. Feirante hoje é limo, quase não tem feirante. O feirante é onde vende as abóboras mais barato, um refugo de abóbora que você limpa ela e vende mais barato. Mas, no supermercado é onde vende mais, né? Porque hoje todo mundo tem carro, o cara vai com a família. Tem tudo lá, até almoça lá. Já fui no Extra de domingo com a família e almoçamos lá mesmo, acabou fazendo um passeio lá mesmo. Só que na feira antes também era assim, a rapaziada fazia tudo lá na feira, era bonito, viu?
P/1 — O que o senhor acha que mais mudou na sua atividade comercial para hoje em dia?
R — Ah, mudou bastante, viu? Eu sempre fui muito trabalhador. E hoje é mais fácil as coisas para mim. Graças a Deus. Hoje eu estou aqui, mas o serviço está andando, né? Lá não é fácil, mas está andando. Está com meus filhos, to passando em vida, porque o pessoal fala, falar para os filhos: “Quando eu morrer, tudo é seu”. Eu acho que não deve ser assim. O meu filho mais velho está trabalhando comigo desde cedo. Os outros também acompanharam. O Reginaldo está sempre junto comigo. É meu, mas todos os meus filhos já tem uma parte na firma.
P/1 — Quantos filhos o senhor tem?
R — Tenho cinco. Quatro legítimos e uma adotiva. Ela tem 37 anos, a adotada. Eu tive sete filhos e uma adotada. Ela trabalha comigo também. O meu genro que é casado com ela também trabalha comigo. Eu fiz um prédio agora de 14 pavimentos e estou fazendo de 44 apartamentos...
P/1 — Aqui em São Paulo mesmo?
R — Aqui em São Paulo. Estou fazendo outro, lá perto também, na Vila Souza. Eu fiz na Cachoeirinha. Lá tenho 20 e poucos apartamentos para vender. Já está pronto. Comecei a fazer um outro, está na terceira ou quarta laje já. Eu fiz uma garagem embaixo, para depois mais uma garagem, depois fazer o térreo e depois o primeiro andar. Lá tem 14 pavimentos, são 11 andares, mas tem 14 pavimentos. Hoje as coisas são mais fáceis. Eu falei para o meu filho: “Antigamente, foi mais fácil fazer a casa que eu moro hoje, do que fazer um banheiro para mim em 70”. Eu fui fazer a casa lá, não tinha dinheiro, nem nada e fiz a casa. A casa que eu moro não é tão ruim, já tive melhor, né? Estou num bairro bom, não é um bairro ruim. Então, as coisas são fáceis. O freguês vem oferecer para você. Você chega no CEASA e tem cinco, seis caminhões para descarregar. Se quiser, dez também. Antes tinha que buscar na lavoura e mesmo com o dinheiro na mão não conseguia. As vezes não tinha mercadoria. Eu incentivava a plantar também. Eu incentivei São Paulo em 66. Foi quando eles forneceram nós em 67, 68 e 69. Foi quando deu a geada e acabou. Mas depois eles continuaram a plantar. Eu tive um comprador que me representou de 68 até 80 em Tupã. Eu arranjei uma pessoa muito honesta e trabalhadora, achei a pessoa certa. Ele trabalhou comigo e ganhou muito dinheiro, mas mudou de ramo, né? Ele morreu a esses dias. Tinha dez anos mais velho que ele. Era a única pessoa que ia visitar. Nós não éramos sócios. Ele só começou só por causa do frete dele. Depois ele começou a carregar caminhão de terceiros. A história de Tupã começou em 67. Comecei ir atrás de abóbora lá e incentivar o pessoal, era difícil. Eu cheguei o mês todo a dormir no expresso de prata. Eu ia noite e voltava na outra. Porque o expresso de prata só sai daqui às 11 horas e de lá também. Buscava dinheiro em São Paulo e trazia no bolso. Dois anos eu fiz assim. Em 68, encontrei essa pessoa, nós dois crescemos. Nós falamos Tupã, mas toda a região lá, e é longa de cem a duzentos quilômetros longe de Tupã, que ia: Rinópolis, Arapuã, Oswaldo Cruz e assim por diante. De Marília para lá, né? E essa pessoa ficou 12 anos comigo e ele conseguiu progredir muito. Porque depois nós mudamos do frete dele, começou a ganhar uma comissão. Quanto eu ganhava de mercadoria, ele mandava. Aí, depois chegou a 90% da abóbora ele comprava.
P/1 — O senhor está falando dessa expansão toda da abóbora no país, do consumo e as mudanças e tal. Quero saber da expansão dela dentro do CEASA? Como se organiza, como funciona?
R — Dentro do CEASA? Sobre abóbora?
P/1 — É, sobre como se organiza, como funciona. O senhor acha mudou muita coisa desde que o senhor começou?
R — Abóbora não era nada ali. Além de ser o último artigo do mercado, ninguém tinha nada ali. A pessoa descarregava o caminhão de abóbora, não pagava o produtor. A pessoa mais antiga da abóbora, ele não levava a família dele lá, para começar. Não levava a família. Era o que mais me admirava, o Zezinho. Ele morreu agora. Foi meu admirador. Foi a pessoa que mais demorou para confiar em mim, demorou mais de 30 anos. Ele falava para os outros que eu não pagava e aquilo lá. Lá não tinha amizade lá dentro, mas hoje não. No dia que o Reginaldo casou, o pessoal fechou lá. “Caramba, como é que pode? Onde é que estou hoje? Eu entrei aqui dentro e parecia um ninho de cobra”. Então, as coisas mudaram. O cara queria um caminhão de abóbora, eu tinha para levar: “É tanto”. Combinou o preço e descarregava para ele. Não tinha isso no leilão. Só existia um querendo engolir um ao outro. Cobra engolindo cobra.
P/1 — Então, hoje os comerciantes estão mais unidos?
R — Existe hoje concorrência. Mas, não temos rivalidade ou briga. Não tinha amizade lá dentro. Os maiores produtores de abóbora não se falam lá dentro. A minha maior vitória é essa. Subir na vida e a pessoa que me perseguia vir lá em casa. Primeiro eu fui na festa dos filhos dele, depois ele foi lá em casa: “Não Zé, é assim, assim, assim”. Foi muito bom isso aí. Hoje, a pessoa que mais me perseguia, a filha dele trabalha lá dentro e já tem 20 anos trabalhando lá. Ele morreu também. O meu vizinho que tem quase 70 anos de abóbora, que falei que o pai dele trabalhava com abóbora. Não conhecia a mulher e os filhos dele, não conhecia nada. Hoje o filho dele tá trabalhando lá. Dos 20 anos pra cá que começou a fazer meu sistema e ele começou a levar a família. O filho trabalhava fora e foi lá ajudá-lo. Hoje ele morreu e os filhos tomaram conta, como sócios. Isso foi muito bom, mudou muito.
P/1 — O senhor estava falando que no começou não pagavam nada e depois virou box?
R — Box sempre teve, mas só que era tudo de graça. O governo bancava tudo.
P/1 — E como é que hoje?
R — Hoje é pago, tudo é pago. Pago aluguel, paga segurança, taxa de água e de luz. Hoje tudo nós pagamos taxa. A última vez que tive lá eram quatrocentos mil por mês, isso há dez anos atrás. Hoje não temos segurança nenhuma, né? Lá ainda é um lugar seguro para trabalhar, mas a segurança é pouca.
P/1 — Agora uma parte mais pessoal senhor José. Como é que é o seu dia-a-dia? Quantas horas o senhor trabalha por dia?
R — Hoje eu estou tranquilo. Eu vivo tranquilo sempre. Eu fiz uma cirurgia de coração, uma coisa que nunca pensei na vida em fazer, fiz ponte de safena, né? Fazem dois anos e poucos que fiz. Esse ano fiz uma revisão. Mesmo assim eu trabalho hoje suas três ou quatro horas por dia. Até pouco tempo atrás, antes disso aí, trabalhava 50 horas por semana. Porque eu tinha uma construção e no CEASA eu ficava umas 8 horas. Trabalhava 18 horas. Com meus filhos trabalhando, com o meu filho mais velho que é o dono lá, né? Ele é cobrador. Cada um tem uma parte de 30% ou 50%, ele não tem 50. Mas, entre os outros está distribuído em cota.
P/1 — O que o senhor gosta de fazer quando não está trabalhando?
R — Eu gosto de ficar em casa assistindo televisão. Assisto bastante por dia. No CEASA vou todo dia. Hoje não fui, mas estão ligando, né? (risos) Daqui a pouco eu passo lá. Os 4 meu ajudam, né? Um entra as duas horas, outro as oito horas, outro a uma hora. Eu vou de nove às dez horas, às vezes vou oito horas, mas no máximo ao meio-dia vou embora.
P/1 — Onde o senhor faz as compras? Verdura, legume, onde o senhor compra?
R — Eu não me preocupo com isso. A minha mulher sempre que fez. Mas hoje ela não está bem, está muito gorda. Hoje temos 50 anos de casados, ela tem 68 anos, cinco anos menos que eu. Ela pesa 160 quilos. O filho dele, com 16 anos, pesa 185 quilos. Ela é muito gorda, ela tá sofrendo muito. Mas, ela que faz as compras. Lá em casa tem empregada. Eu nunca me preocupei com isso, só com dinheiro para ganhar (risos). Ela nunca foi a pessoa de jogar as coisas fora. Minha sorte foi essa daí. Do contrário... Ela não vai hoje, porque para ir no supermercado é um sacrifício. Fala que que ir, vamos lá e ela diz: “Ah, não estou boa. Não vou”. Manda as empregadas todos os dias comprarem alguma coisa, né? Tem duas empregadas lá em casa. Uma vai e outra vai de manhã cedo. Moramos meio longe do supermercado, mas não tão longe, né? Então, quem compra as coisas pra casa é ela. Eu não sei comprar nada para casa (risos). Porque eu me dediquei com outras coisas, né?
P/1 — Qual foi a maior lição que o senhor tirou do comércio?
R — Qual a maior lição do comércio?
P/1 — Isso.
R — O comércio foi tudo para mim. Já me perguntaram porque que eu virei comerciante. A minha nora me perguntou: “Por que que o senhor virou comerciante?”. Eu fiquei sem responder. Mas, é... Qual foi mesmo a pergunta?
P/1 — Qual foi a maior lição que o senhor tirou do comércio?
R — Foi tudo, né? Quase tudo, né? Tratar o freguês bem. Conquistar o freguês. Eu até acho que não sou bom de conquistar, mas se eu conquistei os cariocas e os portugueses, que são uma raça difícil, mas gente boa. A maior lição que tive foi com abóbora para mim. Não tem outra pessoa, outra coisa melhor que abóbora para mim. Hoje, né? O meu sogro era argentino. Ele veio para o Brasil a quatros anos, né? Ele me perguntou: “Tá vendendo o que no CEASA?”, “Abóbora”. Ele: “Mas abóbora!” Isso em 66 e 67. Onze anos depois eu falei para ele: “O maior consumidor de abóbora é a Argentina, eu vou levar o senhor para lá. Tenho muitos conhecidos na Argentina”. Eu nunca fui para Buenos Aires, mas meu filho mais velho foi para receber lá e não conseguiu. Foi de avião. Ele ia. E eu falei pra ele se tivesse no aeroporto eu levava ele na Argentina. Hoje eles nos convidam para ir. Isso é uma grande vitória para nós. Eu falei para ele: “O senhor não conhece abóbora, mas os maiores de comedores de abóboras são os argentinos”. Lá se chama outro nome. Eu também não procuro muito. (pausa) Se eu fosse nascer novamente ia querer trabalhar com abóbora de novo.
P/1 — (risos) O senhor tem um sonho para o futuro?
R — O futuro são os meus filhos, né? Meus netos e filhos. Quero que cada um tenha o seu negócio, né? O Reginaldo, o mais velho, ele gosta muito de informática, mas ele não conseguiu ganhar dinheiro com isso. Quando surgiu o computador, eu fui o primeiro a comprar computador no CEASA. Até o gerente geral do CEASA, que naquele tempo era muito durão, ele foi lá pedir autorização e foi lá olhar o computador. Na época dava para comprar três Volkswagen, em 80. E o Reginaldo aprendeu lá. Essa pessoa aprendeu e ele sabe. Eu não sei nada, não queria, mas agora vou ter que aprender, porque todo mundo usa, né? Eu com 73 anos, vou ter que aprender. Ele sabe tudo. Ele fez uns programas de computador, que até o fim do ano...
P/1 — Para controlar o estoque?
R — Para controlar as vendas. O estoque é controlado. Eu comprei um computador em 80 e 81, mas levei quatro anos para uma pessoa operar. Mas, hoje não. Tudo é feito no computador. Acho que estamos bem atrasados. Demos um passo atrás. Eu evolui na abóbora, porque na abóbora não tinha nada. O cara que tinha muito na abóbora era quem tinha firma e só uma nota fiscal dentro da pasta. Nós temos o escritório lá, tudo copiado lá. Quem não copiou, não fez nada. Eu fui criticado pelos outros, por o mais velho lá, ele me criticou muito, o Zezinho. Para começar ele não abria o mercado. Mas, ele acabou depois de dez ou 15 anos. Ele dizia na minha cara que não vendia abóbora para argentino ou gaúcho. Imagina? Ele era descendente de espanhóis, ele era um cara grosseiro. Eu conquistei o mercado do Rio de Janeiro todinho, com português. Não existe raça ruim no mundo, existem pessoas ruins no meio daquela raça. Sejam nordestinos, sejam o que for. Eu nunca fui em Recife, e fui o maior sucesso do mercado de Recife de abóbora. Eu mandei meu empregado pegar avião para lá receber dinheiro na bocada. Eu tinha medo. Pessoa experiente, né? Chegar a abóbora, descarrega e já recebe, né? De acordo com o que foi combinado. Mas, no Recife ninguém tinha mandado. Eu fiz bom negócio no Recife, cheguei a dobrar o capital. Em 76, fui na Bahia, foi quando eu perdi a freguesia lá né? Me pediram abóbora, vou carregar uma carreta e o truck, carreguei a carreta com 40 mil quilos de abóbora, eu paguei 50 centavos na maioria e mais o frente, eu dobrei o capital em Pernambuco. Se fosse hoje eu tinha ganhado 40 mil reais num dia só. Descarreguei e no outro dia estava na conta aqui. Foi dividido em dez e 15 pessoas. Os comerciantes de lá são pequenos, eles não descarregam carreta de mercadoria. Dividem em oito e dez pessoas, tem muitos abobreiros, mas pouca condição financeira, né? Eles dividiam para poder comprar. Aí, depois de dez dias, ninguém vendia em Pernambuco mais. Estavam tudo cheio. Os baianos descobriam que os pernambucanos comiam abóboras, e os pernambucanos descobriram que os baianos plantavam. Um perto do outro, só poucos quilômetros. Então, esse mercado eu abri tudo, eu fui o maior abobreiro. O meu filho tem um sistema de trabalho diferente. A abóbora tem que ampliar mais. Deixa evoluir. Hoje se come muito mais abóbora em São Paulo do que antes. Essa abóbora japonesa chamou muito a atenção do paulistano. O paulistano come abóbora, o japonês e a turma de fora compra muito. Embora que pela população aqui tinha que gastar muito. O Rio de Janeiro gasta mais que nós. Nós estávamos gastando duzentos mil quilos de abóbora por dia. Hoje eu não sei. Eu fiz a estatística a uns três, quatro anos atrás. Em 2006 e 2007, dava duzentos mil quilos por dia. Hoje não é só a CEAGESP. hoje, tem São Miguel, tem duas pessoas pelo atacado, tem Guarulhos. Antigamente não. Tinha Campinas, tem Jundiaí, tem Sorocaba, tem em Santo André. Estou quase perdido, mas eu sei, mais ou menos, quanto está se gastando. A abóbora promoveu muito. Isso que precisava. Antes se falava: “O senhor vende só abóbora? O que mais?”. (risos) Mas abóbora que eu vendo, né? (pausa)
P/1 — Tem alguma coisa que nós não perguntamos que o senhor gostaria de falar?
R — Que eu lembro agora, não. Porque minha história é muito longa e acabo esquecendo umas partes. Eu posso falar para você que a minha vida foi abóbora. Eu gostaria de ampliar mais agora para ajudar meus filhos. O Reginaldo não vivia de abóbora, ele vivia da minha parte. Ele montou lan house. Mas não dava dinheiro. Até o prédio era meu. Ele não pagava aluguel lá, mas não deu para viver daquilo lá. O meu filho mais velho, o que eu ganho, ele ganha mais do que eu hoje. Ele tem a proporção dele, ele é o cabeça, que manda lá. Mas, tinha que mandar. Os outros todos trabalham lá no setor. Eu quero ver se amplio mais para ele, não para mim. Depois que morrer, aí tem briga para separar. Porque sempre dá briga, né? Não adianta que meus filhos não tem essa coisa de brigar um com outro, que é difícil na família, apesar de que eu vim de uma família desestruturada. Mas meu pai, a partir dos 18 anos, foi comandado por mim. Meu pai e meus irmãos sempre me admiraram muito depois dos 16 anos, que não voltei para aquilo que fazia. Eu fiz um prédio agora, depois de cinco anos. Nem meus irmãos que moravam lá, não sabiam. Eles falaram: “Mas é seu?”. Depois vendi um para eles lá. Fiz um prédio de 44 apartamentos e mais para um zelador. É meu. Estou fazendo outro de 45 também. Tenho projeto para fazer um de 104, tenho terreno, tenho tudo comprado, pago, tudo isso aí. Eu quero deixar os meus filhos pelo menos com uma parte. Eu tinha uma loja de automóvel. Eu cuidava de automóveis, fiquei 15 anos com uma loja. A coisa que mais interessa o jovem e os velhos também. Eu fui apaixonado por carro. Hoje eu gosto de carro, mas resolvi ter o carro mais simples da vida para não chamar muita atenção. Eu sempre quis ter um carro melhor. Quando lançaram o Del Rey, o Santana, a Caravan, quando lançaram a… Lá debaixo da Caravan, eu comprei a Caravan. Quando lançaram o Passat 75, pensei: “Vou comprar o Passat, né?”. Todo mundo queria saber como era o motor do Passat, os mais chegados com a gente, né? Admiraram. Mas, hoje eu quero o carro mais simples possível. (risos) Só falta eu fazer isso aí. Deixar bastante coisas para os meus filhos, senão vai ter briga.
P/1 — (risos) O que o senhor achou dessa entrevista? De ter participado do projeto?
R — Eu confio muito em vocês. Eu não sabia o que vocês iam fazer aqui. Eu tinha uma série de perguntas para fazer, para saber o que que era. O importante é que não estar no meio de... Eu conheço de tudo na vida, viu? Desde quem mexe com drogas, e usa isso e aquilo. Eu nunca, não. Nem fumar, não fumo. Já mexi com tudo quanto é coisa, viu? Tem que ter uma psicologia de conhecer de tudo que tá entrando. A minha mulher mesmo ela tá ligando, porque tá assustada. O Reginaldo queria vir junto. Mas, se ele viesse junto nós dois iríamos conversar ao mesmo tempo. Nós não íamos conseguir se enxergar, e iria atrapalhar, né? Agora alguma coisa que não deu certo, nós podemos consertar, se tiver eu posso aumentar alguma coisa, né? Mas, se eu for contar mais em detalhes, vai ficar pior, né? Inclusive a história da abóbora, né? Quando eu falei para você que a abóbora é assim. Eu sou conhecido nos maiores mercados que conheço, que seriam o de Buenos Aires, que hoje a Argentina não tá carregando com nós há algum tempo, né? Porque o mercado abriu. E diretamente do norte de Minas Gerais estão mandando abóbora para lá. Tomando cano de vez em quando. Eu não tomei. Tomei poucos canos. Porque eu vendia para os importadores. Os que eu vendi direto pela fronteira, alguém me deu um cheque que até hoje não recebi. Lá é fogo. Se vendeu fiado lá, não recebe. Perdi muito em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Brasília, Belo Horizonte. Em todos os principais mercados. Hoje tenho uma experiência muito grande. Nos anos 70 quase que saí do mercado por causa do Rio de Janeiro. No entanto, foi o maior mercado que eu peguei.
P/1 — (risos) Tá certo. Muito obrigado senhor José. Em nome do Museu da Pessoa, e do Sesc São Paulo, eu agradeço muito.
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