Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Alice Barros da Costa
Entrevistada por Marcia Trezza e Anna Zidanes
Belém, 25 de abril de 2018
Realização Museu da Pessoa
HTC_HV14_Alice Barros da Costa
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado/Editado por Paulo Rodrig...Continuar leitura
Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Alice Barros da Costa
Entrevistada por Marcia Trezza e Anna Zidanes
Belém, 25 de abril de 2018
Realização Museu da Pessoa
HTC_HV14_Alice Barros da Costa
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado/Editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Para começar, por favor, Alice, fale o seu nome completo, a cidade em que você nasceu e o estado, e a data.
R – Meu nome completo é Alice Barros da Costa. Eu nasci aqui em Belém, mas me criei em Tomé-Açu, interior do Pará. Vim de lá para estudar o ensino médio, em 1988. Mas a minha infância toda foi lá em Tomé-Açu, a terra dos japoneses, da pimenta do reino, e tal. É uma colônia de japoneses, eles se instalaram lá. E eu vim em 1988 fazer o ensino médio porque lá não tinha, em Tomé-Açú. Aí eu vim e fiz o ensino médio, fiz o cursinho e depois passei no vestibular. E depois, em 2001, eu voltei para lá para trabalhar com o meu pai, numa loja.
P/1 – Então, nós vamos contar tudo isso agora em detalhes.
R – Ai, meu Deus! (risos).
P/1 – Em que data você nasceu?
R – Eu nasci no dia cinco de fevereiro de 1974.
P/1 – Alice, você veio nascer em Belém.
R – Eu vim nascer em Belém.
P/1 – Os seus pais estavam aqui, ou veio só para nascer?
R – Não, eu vim porque eu fui a primeira filha, sou a mais velha, então a minha mãe veio. Na época não tinha estrada, ela veio de barco para ter-me aqui em Belém. E quando eu voltei foi também de barco, não tinha estrada. E por ser a primeira filha, a filha mais velha, a primeira, aí ela veio ter-me aqui em Belém. Eu fui a única que nasci aqui em Belém, dos quatro filhos. Os outros todos nasceram lá em Tomé-Açu. E foi por isso, só para nascer, depois voltei para lá, para Tomé-Açu.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai é Gerci Pinheiro da Costa e a minha mãe é Maria de Nazaré Barros.
P/1 – Qual a atividade do seu pai?
R – Meu pai era agricultor, mas depois ele saiu da agricultura e se tornou comerciante. E a minha mãe era professora, sempre foi professora, desde a formação dela, dezoito anos, ela foi para lá.
P/1 – E ela trabalhava com crianças, com todos? De todas as idades?
R – Ela se formou, estudou em um colégio interno em Santa Isabel - o Antônio Lemos - onde depois eu estudei e trabalhei também. Aí ela se formou com dezoito anos e foi para Tomé-Açu tentar emprego, porque os japoneses estavam vindo. Tinham vindo depois da Segunda Guerra Mundial e eles não sabiam Português, não sabiam falar direito e ela foi justamente para alfabetizar japonês, para trabalhar com a migração japonesa. Ela foi com dezoito anos para lá trabalhar, deixou a família em Santa Isabel e foi para lá. Nessa época, a minha avó já era falecida, ela era a filha mais velha também, de uma família de oito filhos, se não me engano, a minha mãe tem. Oito filhos não, oito irmãos que ela tinha. E ela foi desbravar, foi tentar. Depois ela levou uma irmã, depois levou outra irmã e a família toda acabou indo. Só teve uma irmã dela que não foi, que não era professora e não foi.
P/1 – As outras eram professoras.
R – Eram professoras. Tia Geo, tia Emília, tia Cecilia, todas professoras. Tio Luís e tio Alexandre eram agricultores. E a tia Helena não foi, ela trabalhava como cozinheira dos capuchinhos, dos padres, sabe, na igreja dos capuchinhos.
P/1 – Você lembra de alguma história que a sua mãe contava dessa época de professora desses imigrantes?
R – A mamãe contava muita história de quando ela foi para Tomé-Açu. Que não tinha nada, que Tomé-Açu fazia parte do município do Acará, era um município só. Depois que desmembrou, se tornou município. Então ela foi assim... Porque era muito difícil, não tinha nada, era bem colônia mesmo, sabe? Colônia de agricultores da pimenta - eles produziam pimenta. E, no caso, ela nunca contou muito a história dos japoneses, ela contou a história dela para mim, não é? Que ela aprendeu muita coisa dos japoneses: comida, hábitos deles, por essa convivência com eles lá. Mas da experiência da sala de aula, da escola, não, ela não contou muito, não. Agora, ela era sim uma referência de educação lá; ela foi. Todo mundo respeitava: “Ah, a professora Nazaré, a professora Nazaré”. Nazaré Barros, não é? Professora Nazaré Barros. Porque ela trabalhou no início da educação do município e depois se aposentou por lá e tudo.
P/1 – Você acha que alguma coisa influenciou você?
R – Não. Eu não falava que ia ser professora, eu falava que queria ser pediatra. “Eu quero cuidar de criança”, eu falava. “Quando eu crescer, quero ser médica. Porque eu quero cuidar de criança”. Só que eu não sei, incrível que a minha mãe era professora de Geografia (risos). Ela foi professora de Geografia. E eu não sei por que quando eu fui fazer o cursinho, me apaixonei pela Geografia e acabei sendo professora de Geografia também. Mas não era por encantamento do serviço dela, não, não foi essa influência, entendeu? Foi mais assim uma coisa de depois se identificar com a disciplina mesmo. Eu me identifiquei com a disciplina depois já... Depois de muito tempo.
P/1 – E ela casou lá mesmo e vocês foram criados lá.
R – Foi. É como eu estava falando, eu já falei aquele negócio (risos). Ela foi para ser professora e o meu pai era agricultor e foi para trabalhar na pimenta, não é? As famílias dele e dela eram de Santa Isabel. Lá eles se conheceram e construíram a família. Eles não casaram, eles nunca casaram, mas tiveram os quatro filhos: eu, o Helder, o Ênio e a Aline. E constituíram família, viveram juntos até ela morrer, entendeu?
P/1 – E como era a convivência com seus irmãos? Eram quatro...
R – Eram quatro. É, eu era bem atentada com meus irmãos, era bem maligna com eles. Mas assim... Onde a gente morava, no interior... E a gente morava em casa, não era apartamento, não era cidade grande. Então era muita brincadeira no quintal, a gente brincava muito, sabe? De subir em árvore, de fazer estripulias, de brincar em carro velho, de carcaça velha de carro. Sempre foi muito divertido, a gente ia muito para o sítio da minha avó. A nossa infância, aos domingos, era assim: a gente ia para a missa, depois da missa chegava em casa, meu pai tinha o caminhão. Depois ia todo mundo para o sítio da minha avó, passava o domingo inteiro e vinha, no final da tarde, para casa. Eu acho que tive uma infância muito divertida, muito bacana mesmo. Não tinha nada de celular, não tinha nada disso. Mas a gente era feliz porque a gente brincava muito, se divertia muito.
P/1 – Alice, e você era a mais velha deles?
R – Eu sou a mais velha (risos). Aí tem o Helder - é uma diferença de dois anos. E depois o Ênio e a Aline, que é a mais nova, que tem Síndrome de Down - a minha irmã mais nova.
P/1 – E vocês que faziam as graças com ele, você lembra? Algumas assim?
R – Quando eu era maior que eles, eu dava uns tapinhas neles lá e dizia a papai: “Olha, papai, o Ênio apanhou porque ele estava fazendo uma besteira e estava me atentando, por isso ele apanhou”. E papai acreditava em mim, entendeu? Ele ficava com ódio, com raiva (risos): “Papai só acredita na Alice! Papai só acredita na Alice!”. E eu me sentia toda poderosa porque ele acreditava em mim (risos). Mas depois que ele foi crescendo, aí não pude mais fazer isso, não é? Porque aí já não deu mais. Eu já: “Vou parar com isso, não está mais dando certo”. Mas assim... Eu me dou muito bem com o meu segundo irmão, o Helder, que está aqui em Belém. Com esse meu terceiro irmão, o Ênio, eu não me dou muito bem, a gente bem brigava, e bem briga ainda. Apesar da gente estar distante, mas a gente ainda encrenca, sabe? Não sei por que, acho que é coisa de alma. É irmão, mas a gente... E a outra irmã, a minha irmãzinha, ela é tipo uma criançona, porque ela foi criada como uma pessoa especial. Ela não teve estudo, não teve orientação, na época era muito difícil. A minha mãe a colocou na escola, mas em vez dela estar se desenvolvendo ela estava piorando, porque ela estava ficando maligna, ela começava a beliscar a gente, sabe? Aí ela tirou. E ela ficou mesmo em casa. E a gente não, eu nunca tive problema com ela, mais com esse terceiro irmão mesmo. Com ele era meio (risos)... Até hoje é meio difícil. Eu torço para o Remo, ele torce para o Paysandu, é assim, entendeu? Esse negócio aí (risos). Não vão se batendo as coisas. Com o Helder não, com Helder eu me dou bem.
P/1 – E para a escola, como era? Você lembra da primeira escola?
R – A primeira escola em que eu estudei foi no Presidente Vargas. Na verdade, Jardim. Eu lembro do Jardim. Ah, eu posso
contar uma história? (risos)
P/1 – Claro! Deve (risos).
R – Eu chupava pipo até muito grande, sabe? Com oito anos, nove anos, não sei. E eu lembro que eu ia para o Jardim eu levava o pipo dentro da merendeira. E na hora do intervalo, em vez de merendar eu chupava o pipo. Era horrível isso. Eu não sei por que isso. Eu só sei que eu larguei quando vi a galinha comendo o pipo. Uma galinha comeu o meu pipo e eu disse: “Não, eu não quero mais saber disso”. Aí eu larguei o pipo. Já grande, entendeu? Então a minha primeira escola infantil foi nesse Jardim, que era na paróquia da cidade lá, da igreja. Depois eu fui para o Presidente Vargas, que era a escola em que a minha mãe era diretora. Eu fiquei lá até a quarta série e depois fui para o Antônio Brasil. Aí eu fiz da quinta até a oitava série no Antônio Brasil. E aí o ensino médio foi que eu vim para Santa Isabel estudar no Antônio Lemos, que foi onde a minha mãe estudou. Mas eu lembro de todas as escolas, de todas.
P/1 – Como seria para contar para a gente... Como eram essas escolas? As duas? A rotina, como funcionava?
R – Eu lembro bem que no Presidente Vargas eu estudei da primeira à quarta séries com uma única professora, que foi a minha tia. Eu lembro muito, eu ia para a escola com essa minha tia - tia Cecília. Ela passava na minha casa e eu ia com ela para a escola, entendeu? Aí eu estudei o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto anos só com ela. E depois fui para o Antônio Brasil. Agora, na escola, eu lembro muito do Presidente Vargas, que a gente fazia o bochecho – sabe o que é o bochecho? Era o flúor. A minha mãe era diretora, ela levava, tinha o dia do bochecho. Aí ela dava no copinho plástico assim, à gente... Porque não tinha muito dentista, não tinha muito tratamento assim. Então ela fazia isso como prevenção de cáries, entendeu? A gente tinha o dia em que todo mundo virava o copinho, fazia o bochecho, cuspia (risos).
P/1 – Toda semana?
R – Eu lembro, isso marcou muito para mim porque era de vez em quando, eu não lembro exatamente a frequência. No Antônio Lemos eu já lembro bem das vacinas. Porque a gente tomava aquelas vacinas de pressão, não é? Tchi tchi, lembra daquelas vacinas? E no Antônio Brasil a gente se escondia de uma inspetora que tinha (risos), dona Lindalva. A gente se escondia dela para não tomar vacina. E ela achava a gente: “Vamos todo mundo para a fila da vacina” (risos). E a gente tinha que pegar aquela pressão no braço. E eu lembro muito da merenda escolar também. Uma merenda que eu amo até hoje - macarrão com sardinha. Eu amo essa comida. Quando tem na escola, eu como (risos). Porque a gente tinha merenda escolar, não é? Quando era macarrão com sardinha era uma festa (risos). Já era no Antônio Brasil isso, quinta a oitava séries.
P/1 – Alice, e como foi estudar quatro anos com a tia?
R – Olha, foi bom porque ela não pegava no meu pé. Ela era brava, era brava. Ela botava a gente na frente da mesa para a gente responder à tabuada. Se a gente não soubesse, a gente ficava olhando para cima assim. E ela dizia: “O resultado está no teto? O resultado não está no teto!!! Olha pra mim!!!” (risos). Aí a gente já ia tudo com medo para a frente da mesa responder à tabuada, não é? Mas essa minha tia, ela gostava de mim, eu acho. Ela gosta até hoje (risos). Então eu gostava dela, não tinha problema com ela, sabe? Mas ela era bem rígida, bem brava.
P/1 – E os amigos? Como era a convivência com os colegas?
R – Tenho amigo até hoje, dessa época. Tenho a Kelly. Agora a gente se reencontra no Face, não é? Aí tenho a Kelly, que está em Brasília. Ela foi minha colega também, dessa época até o Antônio Brasil. Eu me lembro da Kelly assim, ela tinha um pouco mais de condição do que eu, então eu levava lá minha merenda, meu pão com manteiga e meu café com leite (risos). E a Kelly já levava, dentro do pão com manteiga dela, ela já levava o queijo, o pão com manteiga dela tinha o queijo. Aí ela comia só o queijo. E eu comia o pão dela (risos). Eu lembro até hoje disso! Ela dizia: “Eu não quero esse pão!” Eu dizia: “Eu quero!” Aí eu comia (risos). Então, até hoje eu tenho contato com essa minha amiga de infância, mesmo, do início da vida estudantil. Eu lembro muito disso também (risos).
P/1 – Teve algum acontecimento, Alice, ou nas brincadeiras, ou na escola, em casa mesmo, que até hoje você fala: “Nossa, aquele dia...”?
R – Olha, eu fui uma vez atropelada na escola. Eu estava saindo da porta da sala e os meninos, no intervalo, ficavam naquela correria no corredor. Eu fui saindo, o menino me atropelou, me jogou que eu fiquei com o olho roxo. Fiquei com o olho roxo um tempão, ficou negro, parece que eu tinha pego um soco no olho. E uma coisa que me marcou foi isso. Quando eu peguei catapora também me marcou porque eu fiquei lá, aquela quarentena, aquela coisa chata. Eu fui a primeira da minha família a pegar; depois todos os outros pegaram (risos). Eu já estava ficando boa, eu fiquei boa e ficava mangando deles, não é? Mas assim... Eu lembro muito desse atropelamento. E, no Antônio Brasil, eu lembro que sofri... Agora é bullying, que falam do bullying, tal. Mas eu sofri bullying porque eu sempre fui muito magra e o menino lá me chamava de Olívia Palito. “Ah, a Olívia Palito, a Olívia Palito!” Eu só sei que eu estava me enfezando já com aquilo, não é? E ele tinha o andar estranho, porque ele não encostava o calcanhar no chão, sabe? Aí uma vez eu virei para ele e falei assim: “Ah, se eu sou a Olívia Palito tu és o pé de mola”. Pronto, acabou, nunca mais ele me chamou de Olívia Palito (risos). Eu respondi o bullying com bullying, entendeu? Foi assim. Mas foi um santo remédio, nunca mais ele me chamou de Olívia Palito. Até hoje eu conheço esse rapaz (risos), está lá em Tomé-Açu. Mas era chato porque a toda hora ele me chamava de Olívia Palito, eu ficava com ódio disso (risos). Pronto, chamei-o de pé de mola, acabou com a graça dele, nunca mais (risos).
P/1 – Alice, teve algum professor em uma ou em outra escola que te marcou?
R – Bom, no fundamental menor foi a minha tia, porque ela foi a minha professora. E teve a professora Ivanilde também, que eu lembro que fui... Tipo Jardim II, assim... Eu fui aluna dela. No Antônio Brasil eu tive uns professores que me marcaram - a professora Amendara foi professora de Matemática minha; depois fui colega de trabalho dela, lá no Antônio Brasil. A professora Ivanilde, que foi professora de Português. O professor Ivaldo foi professor de História. Professor Elielson, professor de História. Professor Carlito, que era professor de Educação Física. Ele me chamava de Alice Cooper. “Alice Cooper, não sei o quê”. Era uma atleta, Alice Cooper, não é? E ele me chamava de Alice Cooper. E foram assim, alguns professores que eu nunca esqueci.
P/1 – Escolha um até para contar um pouco por que ele te marcou, um deles que talvez tenha sido mais forte.
R – Todos esses que eu falei me marcaram, eu nunca esqueço eles. Até nem lembro muito dos outros, mas eu lembro, por exemplo, de um acontecimento, que foi em Língua Portuguesa, com a professora Ivanilde. Ela estava entregando uma prova, resultado de uma prova. Aí ela foi chamando um por um: “Fulano de tal, Fulano de tal”. Aí só era nota baixa. Era 4.5, era 4, era 3, era 5. Aí: “Ela não me chama, ela não me chama”. Eu fiquei agoniada, não é? “Meu Deus, ela não me chama. Será que eu me acabei nessa prova?” Mas eu sabia,
eu sabia toda essa prova. Acho que eu estava na sétima ou oitava série. Aí ela me chamou por último. Ela disse: “Alice”. Eu fiquei logo me tremendo, não é? “Dois”. Aí: “Eu não acredito que tirei 2, eu não acredito que tirei 2”. Quando eu peguei a prova, eu tinha tirado 9.5! Aí eu olhei assim para ela: “Professora, pelo amor de Deus, por que a senhora fez isso comigo?”. Aí ela falou para todo mundo da sala: “Alice foi a única, tirou 9.5, parabéns e tal”, começou a me elogiar. Isso foi marcante para mim porque foi o reconhecimento. E eu tinha certeza de que eu tinha feito bem a prova, não é? Quando ela falou: “Alice tirou 2!”. Aí foi um choque para mim, eu fiquei: “Eu não acredito que eu tirei 2, eu não posso ter tirado 2 nesta prova”. Aí, quando ela me deu a prova, que eu vi lá o 9.5! Ah, foi uma sensação muito boa (risos), maravilhosa!
P/1 – E quando você teve que vir para Belém, para estudar, como foi essa mudança?
R – Ah, foi ruim. Na verdade, assim... Graças a Deus que eu fui bem acolhida em Santa Isabel pela escola, pelos colegas da escola, porque eu era envolvida em vôlei. Comecei a brincar vôlei lá em Tomé-Açu. Quando cheguei em Santa Isabel, eu fui para a seleção de vôlei do Antônio Lemos, cheguei com quatorze anos lá. Então o esporte acaba fazendo essa integração, ele proporciona essa integração na gente. E eu tinha já uma prima estudando lá, que foi a Laura. A Laura veio para Santa Isabel antes de mim. E aí ela já tinha as amizades dela, eu confesso que foi um pouco difícil porque ela já tinha o entrosamento dela dentro da escola, quando eu cheguei eu tive que ir conquistando o meu espaço também. Então não foi tão simples. Mas eu lembro de que as piores horas são no final da tarde, quando vai dando seis horas, que toca o sino da igreja, toca a música. Aí dá uma saudade de casa, não é? Saudade da mãe, saudade dos irmãos. É ruim, não é muito bom, não (risos). Aí foi meio complicado, mas eu era muito metida em tudo, aí fui ser do vôlei, fui ser da banda do colégio, eu me entrosei rápido. Então, como eu tinha muitas atividades eu acabei tirando de letra assim, vamos dizer, não é? Porque eu tive experiências na filha de uma outra prima, que veio e não se adaptou, voltou, entendeu? Ela não ficou, voltou mesmo. Eu não. Eu consegui me adaptar, graças a Deus.
P/1 – E você vinha morar aonde? Os seus pais continuaram lá.
R – Primeiro eu morei na casa da tia Geo, que era a mãe dessa minha prima, da Laura. Aí eu fiquei com ela quase um ano, eu acho, ou um semestre. Mas aí teve um problema, um desentendimento com o rapaz com quem ela vivia. Meu pai também não queria que eu morasse com ela, por causa desse rapaz. Teve um desentendimento na casa e ela foi me entregar para minha mãe. Minha mãe tinha ido fazer uma cirurgia até, em Santa Isabel, nessa época, e a minha mãe estava operada. E ela chegou para a minha mãe e falou assim: “Ai, Naza, não dá mais para a Alice ficar lá em casa”. Aí a mamãe disse: “Ah, Geo, que bom que tu vieste me falar isso porque eu queria mesmo tirar a Alice de lá”. Aí eu fui para a casa da outra tia, Cecília, que foi minha professora de infância, entendeu? E foi ótimo. Eu fiquei com ela dois anos, dois anos e meio mais ou menos, e foi muito bom. Agora assim... O que era ruim, você não tem o conforto da sua casa, não é? Por exemplo, eu dormia numa rede no corredor, entendeu? Isso é ruim (chora emocionada).
P/1 – Mas emociona mesmo, não é, Alice?
R – É. Porque você está fora de casa, não é?
P/1 – O horário do entardecer...
R – É, dá saudade, entendeu? É isso (emocionada). Eu falei até assim, quando meu irmão passou no IFPA, aí...(emocionada)
P/1 – Eu te espero, não tem pressa.
R – Isso não é um trauma para mim, sabe?
P/1 – Mas é uma lembrança!
R – É uma lembrança. Mas assim... Eu lembro assim... Eu não queria chorar, mas eu acabei me lembrando de muita coisa.
P/1 – Alice, a gente diz assim: que a gente ri com muita facilidade; agora, quando chora, fica sem graça. Mas faz parte da natureza, não é?
R – É, eu sou muito chorona mesmo.
P/1 – A gente, quando lembra de todas as histórias da vida se emociona, não tem como.
R – Vai fazendo um retrospecto na cabeça da gente, assim, pensando nas coisas. Porque essa minha tia, a gente passava dificuldades, sabe?
PAUSA
É porque assim... Essa minha tia, ela tem... Deixa eu ver... A Socorro, Sivaldo, Toninho, Denílson, a Edmara... ela tem cinco filhos, sabe? E a gente passou muita dificuldade lá. A minha família mandava mantimento, mandava dinheiro, tudo, mas a gente passava, sabe? Aí foi um pouco ruim.
P/1 – Muita luta, não é?
R – A vida lá eu gostava, eu amava mesmo morar com ela, mas não era tão fácil. E quando meu irmão passou na escola técnica, meu pai e minha mãe queriam me deixar na casa de uma tia e colocá-lo na casa de outra tia. Aí eu disse: “Não, não quero isso. Ou vai todo mundo, ou não vai ninguém”. Entendeu? Aí foi isso.
P/1 – Seu irmão é esse com quem você se dá bastante bem.
R – É, que eu me dou bem, o Helder. Foi aí que a minha mãe, já estava aposentada, e ela veio morar com a gente. Aí foi bom (risos). Ela veio morar com a gente em Santa Isabel. Papai construiu a casa em Santa Isabel. Aí pronto, a família de novo... Resgatou a família, entendeu?
P/1 – Você se posicionou, aí resolveram.
R – Foi. Sabe o que eu falei? Eu disse assim: “Olha, se for para eu morar na casa de uma tia e o Helder na casa de outra tia, eu vou embora, vou parar de estudar e vou voltar para Tomé-Açu”. Eu falei assim mesmo para eles, sabe? Aí foi que eles conversaram lá e decidiram. Eu acho que foi a melhor decisão para a gente, porque não tem condições uma família assim, não é? Cada um num pedaço, numa parte, muito ruim. Aí, graças a Deus, a mamãe veio e a gente reuniu todo mundo de novo, entendeu? E meu pai ficou lá, meu pai ficou trabalhando em Tomé-Açu e minha mãe veio para Santa Isabel com a gente (risos).
P/1 – Já tinha se aposentado.
R – Já tinha se aposentado e foi bom porque aí nós ficamos juntos de novo. Foi isso o que aconteceu.
P/1 – Antes de falar da escola, e na juventude? Enquanto criança você contou bastante coisa. Quando você começou a ficar mais adolescente, entrar na juventude, vocês saíam, faziam alguma coisa para se divertir? Como era?
R – A gente tinha que ir para a missa todo domingo. Eu e essa minha prima Laura, a gente ia para a missa todo domingo. Eu, a Laura e a Denilsa, éramos três primas, que a gente andava sempre juntas, as três. Aí para a festa, a gente ia.
P/1 – Aqui?
R – Não, Santa Isabel. A gente ia muito para festa de aparelhagem (risos).
P/1 – Conta como era.
R – Festa de aparelhagem é assim: tem uma aparelhagem grandona, um som grandão e fica lá uma pessoa colocando música, não é? E a gente fica lá dançando. Mas a gente só ia se fosse acompanhada de uns primos mais velhos, então quem levava a gente para a festa era
o Sivaldo e o Chiquinho, dois primos. A gente tinha que fazer alguma coisa em casa, limpar a casa, arrumar, fazer alguma coisa para poder minha tia deixar a gente ir para a festa (risos). Eles levavam a gente para a festa e a gente se divertia. E tinha horário para ir, horário para chegar, era assim. Porque eram todas meninas: éramos eu, a Laura e a Denilsa, a gente tinha quatorze, a Denilsa era um pouquinho mais velha, e a gente não podia ficar andando a sós na rua, não é? Tinha que ir na companhia de um primo mais velho para poder ir dançar, se divertir. E a gente fazia assim... Sabe o que a gente fazia? Tinha também as sedes, não é? (risos) É engraçado isso. A gente foi para uma festa lá, Jurunas, em Santa Isabel. Aí a Laura, dando uma de esperta para cima da mãe dela, foi atrasar o relógio uma hora para a gente ganhar uma hora de tempo na festa (risos). Em vez dela atrasar, ela adiantou o relógio (risos), igual ao horário de verão. Ela adiantou. E aí, quando a tia Geo olhou o relógio: “Já está na hora; bora, pessoal! Está na hora já!”. Eu disse: “Laura, o que é isso? O que foi que tu fizestes?” (risos). Conclusão: nós viemos embora da festa uma hora antes do tempo (risos). A gente foi querer enganá-la, se deu mal! Ela disse: “Alice, em vez de eu atrasar o relógio, eu adiantei o relógio uma hora!” (risos). E assim foi. Mas eu acho que a nossa juventude foi... Como eu falei para vocês, a gente era envolvido em banda de escola, em vôlei, então a gente se ocupava muito com essas coisas extras e a gente, graças a Deus, nunca se envolveu com negócio de droga, essas coisas que tem muito hoje. Já tinha na nossa época, mas a gente não se envolveu, entendeu? A gente foi para um outro lado bacana.
P/1 – Alice, você fala: “Eu fui entrando no vôlei, na banda”. Como é que funciona isso? Chegar assim, de outro lugar. Como é que você foi chegando assim? Chegando e ficando.
R – Chegando e ficando, não é? (risos)
P/1 – É. Nesses espaços.
R – Foi assim: como eu falei, comecei a brincar vôlei lá em Tomé-Açu. Teve um rapaz que passou nas salas convidando quem quisesse brincar vôlei, tal. A gente começou a brincar lá, a gente se reunia em qualquer lugar para brincar vôlei, qualquer quintal a gente se reunia para brincar vôlei. E esse rapaz... Aí, quando eu cheguei em Santa Isabel eu já conhecia o vôlei, entendeu? Aí, passava um professor de Educação Física perguntando quem queria entrar para a seleção, e tal, para jogar nos JEPs Intermunicipal. Aí me inscrevi, claro, não é? “Eu quero” (risos). Aí ele: “Lá vamos nós”. A gente ia. Em vez de fazer Educação Física a gente treinava o vôlei, entendeu? O vôlei valia como a Educação Física da escola. E a banda também, a banda marcial, que era muito famosa. Agora é ainda, mas não como era, faz para tudo quanto é concurso, tudo, também tinha que fazer um teste para entrar, um testinho. Aí a gente ia lá, eu era caixa, batia com as duas baquetinhas. Aí fiz o teste, passei, entrei na banda, entendeu? Foi assim que a gente foi entrando nas coisas, foi se entrosando dentro das coisas da escola.
P/1 – E o namorado? Primeiro namorado?
R – Ih (risos). Namorado mesmo, eu posso dizer, o primeiro beijo, não é? O primeiro beijo, que foi bem estranho. Um rapaz de lá de perto da casa da minha tia, e começamos a aprender a fazer essa prática aí (risos). Mas foi bem estranho, o que eu posso dizer é isso. Agora, existem as paixões, não é? Primeira paixão, primeiro namoradinho que gosta, tal. Isso já foi no ensino médio, no primeiro ano do ensino médio. Um rapaz lá que eu conheci e um outro em Tomé-Açu, uma paixão de férias que depois virou um namoro. Mas o namorado mesmo, eterno, é o Túlio, não é? Esse foi o homem da minha vida, mesmo.
P/1 – O companheiro atual.
R – É. Eu conheci na universidade. E eu pouco lembro dos outros assim, não tenho o que lembrar muito deles. Ele que foi mesmo assim... Eu digo que é de alma, não é? Que se encontra. E a gente está até hoje, já são vinte e três anos.
P/1 – Você tem filhos?
R – Tenho. Tenho o Leonardo, tem quatorze anos. E tenho a Ana Beatriz, que tem oito. Todos os dois do Túlio, claro (risos).
P/1 – E você disse que foi fazer universidade. Como foi a escolha? Conta como foi a sua entrada.
R – Pois é, a mamãe foi falar com o ex-prefeito de Santa Isabel para conseguir uma bolsa de estudos para mim porque era difícil pagar cursinho, pagar ônibus, fazer tudo era difícil. Então ela foi com o ex-prefeito, que era o Alderico Miranda, e ele conseguiu uma bolsa para mim no Cearense, um cursinho que tinha na José Mochel, não tem mais esse cursinho. E aí eu vim a estudar no cursinho. Nós passamos o ano de 1992 todinho estudando no cursinho - eu e a Laura, minha prima. Conclusão: em 1993 ela passou e eu não.
P/1 – E você prestou o quê naquela época? Geografia?
R – Eu prestei Geografia. Foi, Geografia já. Porque foi assim a história com a Geografia: eu fui fazer o cursinho no Cearense e lá eu conheci uma professora chamada Georgina. E eu amei a aula dela, entendeu? Eu achei tão lindo como ela dava aula e tudo. E por causa dela eu fui fazer Geografia. Não foi nem por causa da minha mãe, que era professora de Geografia (risos). Porque eu nunca assisti a uma aula da minha mãe, não é? E eu me encantei por essa professora, entendeu? E eu meti que eu queria fazer Geografia, que eu queria fazer Geografia, e fui fazer Geografia. Aí a Laura passou, em 1992. A gente fez cursinho em 1991, aliás. Aí ela passou em 1992, eu não passei. Então foi muito triste para minha mãe porque o esforço todo, pagar cursinho, pagar passagem, pagar material, tudinho, e eu não passei. Aí eu fiquei com essa culpa, com esse sentimento de culpa. E eu disse: “Não, eu vou passar”. E eu comecei a estudar, descansei um pouco e comecei a estudar em agosto de 1992. Eu estudei, estudei, estudei, estudei. Eu assistia mais as coisas que eu não sabia bem, que eram Química, Física e Biologia. Português, História e Geografia eu sabia mais legal, e tudo. Aí, toda aula de Matemática, Física, Química e Biologia eu ia atrás para estudar.
P/1 – Estudou por conta própria.
R – É, eu ficava buscando, mas eu estava no cursinho lá também, no Cearense. Eu passei em duas faculdades: na UFPA, para Geografia, e passei... Na época era Ficap, hoje é Ulfra, em Engenharia Florestal. Aí eu escolhi Geografia, foi isso que aconteceu.
P/1 – E quando você entrou e fez o curso você realmente tinha feito a escolha certa.
R – Era uma das poucas do curso que tinha feito a escolha por Geografia. Eu me lembro bem que era eu e um colega meu, chamado Cristiano Malato. Quando a gente vai conhecendo: “Ah, eu fiz não sei quantos anos de Direito, mas não passei”. “Ah, eu fiz não sei o quê e não passei”. “Aí eu fui lá, fiz Geografia e passei”. Mas hoje eu tenho vários colegas daquela turma que atuam na Geografia, quase todos eles. E eu não, eu dizia: “Eu fiz Geografia porque eu quis fazer Geografia mesmo, entendeu?” Era assim, muito pouco mesmo, não era comum que quisesse.
P/1 – Você gostou do curso.
R – Gostei do curso.
P/1 – Não se frustrou.
R – Não me frustrei. Assim... A gente tem a frustração no curso naquela hora em que vai tentar um estágio, por exemplo. Abriu, por exemplo, estágio para trabalhar na Caixa Econômica Federal, aí eu fui lá me inscrever. “Qual é o seu curso?” “É Geografia”. “Ah não, a gente só pega Administração, Ciências Contábeis, Economia, nas áreas assim, tal”. Aí dá aquela raiva do curso, não é? (risos). Mas assim... O meu curso, nós dizíamos que nós tínhamos sido os cobaias da Universidade porque quando eu entrei, em 1993, saíram vários professores para fazer mestrado e doutorado - eles foram para o Rio e para São Paulo
PAUSA
P/1 – Alice, a gente estava falando que você entrou na Universidade e acabou se identificando mesmo.
R – Sim, sim, com o curso. Foi.
P/1 – E quando você se formou? Você já trabalhava antes ou só estudava?
R – Foi assim: quando eu passei no vestibular, em 1993... Sabe que calouro passa no vestibular, aí a cidade toda – cidade do interior, não é? – todo mundo sabe, tudo. Então para mim foi uma grande porta que se abriu. Eu fui trabalhar numa Associação de Estudantes que a gente tinha lá, chamada Aese, que era justamente meia passagem de ônibus. Porque Belém-Santa Isabel não era coletivo, era mais cara a passagem. Aí a gente pagava uma passagem de vinda e a Prefeitura pagava uma passagem de volta. E tinha uma Associação desses estudantes, que eram mais de duzentos estudantes vindos para Belém estudar, de lá para cá. Aí eu fui ser secretária dessa Aese. Eu ganhava meio salário, trabalhava meio expediente. Depois eu fui ser professora de uma escolinha, já de Geografia, uma escolinha particular lá em Santa Isabel. Aí fiquei trabalhando na Aese, na escolinha, ganhando já o meu dinheiro e tudo. E fui fazer uma disciplina na universidade, chamada Aerofotogrametria. E lá eu gostei muito dessa disciplina, me identifiquei muito com a professora, estava sempre ali, curiosa, eu sou muito curiosa. E a professora me convidou para trabalhar no projeto de pesquisa dela. Só que ela disse assim: “Olha, eu ainda não tenho bolsa para ti, mas tu já tens que ficar vindo para ir tomando dentro do projeto, se ambientando, porque vão se formar duas alunas, aí eu vou migrar até chegar em ti”. “Está bom”. Aí eu entreguei tudo lá em Santa Isabel, deixei a minha prima Laura no meu lugar, ela foi ser secretária da Aese e professora da escolinha Professora Lourdes. E vim para a universidade, já fiquei sendo bolsista. Então eu fui bolsista do Pipis, que era um programa da UFPA, de bolsa, fui bolsista do CNPq, que era de pesquisa, do governo federal mesmo, e depois eu fui bolsista da pós-graduação também - fiz dois cursos de pós graduação e fui bolsista. Então essas eram as minhas rendas. Só que eu tinha uma professora lá de Santa Isabel, professora Lucimar, que ela queria porque queria que eu desse aula logo no Antônio Lemos. Eu dizia: “Professora, não quero entrar no estado estudando porque a gente ganha muito mal, a gente se estressa e tal”. Ela queria porque queria. E eu fiquei, fiquei protelando, eu não fui aceitando, sabe, continuei onde eu estava. Quando eu terminei as pós - fiz duas pós - aí eu fui na USE deixar o meu currículo e tudo. E nessa época não tinha concurso, era contrato. Pronto, aí logo elas me contrataram lá, eu me formei e fui trabalhar na escola onde eu estudei, onde minha mãe estudou, que foi o Antônio Lemos. Mas durante a universidade eu fui bolsista, eu fiquei seis anos com as duas pós como bolsista da universidade, da Federal.
P/1 – Muito bom. E, só voltando, você lembra do primeiro dia de aula, quando você
pegou uma classe lá?
R – Lá?
P/1 – Lá, pequenininhos. Não sei se eram pequenos...
R – Era, era até oitava série do ensino fundamental.
P/1 – Você lembra do seu primeiro dia?
R – Meu Deus, eu acho que não lembro assim o primeiro dia, mas lembro bem que a gente chegava na escola, a gente cantava o hino do Pará, cantava o hino do município. Era uma escolinha pequena, era desde pequenininho até oitava série. As turmas eram pequenas, cinco alunos, seis alunos, dez alunos. Chama Escolinha da Professora Lourdes. Não sei se
agora... Acho que agora nem tem mais. Eu não lembro do meu primeiro dia, eu só lembro que eu fiquei bem nervosa, com medo de encarar os alunos (risos). Porque apesar de serem pequenos, como é que eu vou transmitir, meu Deus, para esses meninos alguma coisa? Então fiquei meio apreensiva. Mas eu acho que essa apreensão nunca passa. Por mais que você já tenha dez, doze, quinze anos de sala de aula, quando você vai entrar a primeira vez numa sala você fica com aquela expectativa, com aquela apreensão. Hoje não, hoje a gente já fica mais um pouco relaxado, mas sempre tem: “Ah, meu Deus, como vai ser, tal? Será que vão gostar de mim, será que eu vou gostar deles e tudo?”
P/1 – Dá um frio na barriga?
R – Dá um frio na barriga. E a gente encara e vai. Mas lá eu lembro que eu tinha um aluno - eu nunca esqueço esse aluno - era o Ricardo. Ele chegava na segunda-feira... Sabe o Silvio Santos, não é? Quem quer dinheiro? Ele imitava o Silvio Santos, ele ficava o tempo todo: “Quem quer dinheiro? Quem quer dinheiro?” Ele era da sexta série, sabe? Mas era muito engraçado esse menino. Eu me lembro de um japonesinho também que tinha - Sataro parece que era o nome dele. Ele era tão pequenininho, tão bonitinho, eu era apaixonada por aquele aluno (risos). E eu gostava muito deles e tudo, a gente se dava muito bem. Quando eu fui sair, eu falei: “Olha, gente, eu vou sair porque eu consegui uma bolsa na universidade”. Olha, foi horrível, eles não queriam outro professor, eles não queriam. Porque a gente brincava muito, eu brincava com eles, a gente se divertia bastante. E aí eu indiquei a minha prima, a Laura, para ficar no meu lugar. Eles não queriam aceitar de jeito nenhum, não queriam, não queriam. “A gente não vai, a gente vai fazer greve, vai fazer confusão aqui”. Aí eu disse assim: “Olhe, se vocês não aceitarem ela, porque eu estou indicando, é a minha prima, gente boa também, tal, vai ser pior. Porque a professora Lurdes vai pegar outra professora que eu nem conheço, não sei nem quem é”. Sei que foi, foi, sei que a Laura conquistou eles também, sabe? Graças a Deus. Eles gostaram muito dela, depois eles se davam muito bem com ela. Graças a Deus. A gente dava aula de História e Geografia para a turma. Era a quinta, a sexta, a sétima e a oitava séries. Dava aula para quinta e sexta, História e Geografia.
P/1 – E Alice, como foi a passagem dessas experiências para o Telecurso? Como é que foi esse caminho?
R – Pois é, eu entrei no estado em 2002. Eu fiz o concurso em 2002, aí eu entrei no estado em 2003, quando eu fui efetivada. O Telecurso entrou na minha vida em 2014, eu tinha onze anos de estado, fora o que eu trabalhei nessa escolinha e tal, trabalhei dando aula de cursinho antes de ir para Tomé-Açu, devia ter aí já uns quinze anos de sala de aula, contando.
P/1 – E você trabalhava em que cidade?
R – Eu trabalhava em Santa Isabel...
P/1 – No estado?
R – No estado, no município e no particular.
P/1 – Tudo em Santa Isabel.
R – Tudo em Santa Isabel. Eu tinha turma no Antônio Lemos, eu tinha turma na Marieta Eme, eu tinha turma na Dialectus, que era um cursinho pré-vestibular, e eu tinha turma – isso já não era com a Professora Lourdes - eu tinha turma na Nikkei, que era particular também. Eu trabalhava em quatro locais diferentes depois que eu me formei, que voltei para
Santa Isabel para trabalhar. No município foi concurso, no estado eu era contratada e nos outros eu era particular. Eram dois particulares. E aí, quando eu fui para Tomé-Açu aconteceu um problema ali em Santa Isabel, na virada do ano de 2000 para 2001, foi troca de prefeito. E o prefeito não pagou para a gente o mês de dezembro,
o décimo terceiro. E estava tendo uma movimentação na cidade, uns protestos, umas coisas e eu fui reclamar porque estavam mandando falta no professor, e tal. E eu não sei por que eu fui reclamar (risos), eu sei que tinha uma televisão lá filmando e eu apareci na televisão de manhã, de tarde e de noite, reclamando do prefeito. “Porque a secretária está mandando falta nos professores e vocês não podem descontar, porque a gente já está sem receber e tal, tal, tal”. Desse jeito, sabe? Aí depois, eu fui descobrir que o prefeito pediu a minha cabeça (risos). O prefeito pediu para me jogarem para o interior de Santa Isabel, pelo município, pediram para me jogarem para o interior do Pará, pelo estado. E eu fui descobrir isso.
P/1 – E aconteceu.
R – E aconteceu! Só que lembra daquela professora que eu falei para vocês, que era a minha professora, a professora Lucimar? Ela foi minha professora no ensino médio e ela sempre quis que eu fosse dar aula. Ela me defendeu, dentro da URE.
P/1 – O que é URE?
R – URE é Unidade Regional de Educação, que elas têm nos municípios como se fosse USE em Belém - Unidade Setorial de Educação. Então no município é URE. Santa Isabel é a décima primeira URE. Aí, a professora Lucimar falou assim para a secretária municipal de educação - eram a professora Lucimar e a Socorro Jardim - ela disse assim: “Eu não vou colocar a Alice”. Olha o nome do interior que eles queriam me colocar: Pupunhateua (risos). Era o interior de Santa Isabel, sabe? Que lá tem vários interiores assim. Ela disse: “Alice passou em primeiro lugar no concurso, ela pode escolher onde ela quiser dar aula. Eu não vou colocar uma professora formada, pós-graduada, no interior, não vou. Vai ficar na minha sede”. A secretária de educação do município foi pedir para me colocarem em São João da Ponta, que é lá na pontinha do mar, lá no salgado, nordeste paraense, que eu nem sei onde é, nunca fui a esse município (risos). Aí a diretora da URE, a professora Lucimar novamente: “Alice não vai para São João da Ponta, ela vai ficar em Santa Isabel porque ela é pós-graduada, formada. Eu não vou perder uma professora dessas, tal”. Então, elas estavam me defendendo, eu nem sabia, fui saber depois. Quando eu soube disso, eu fiquei muito decepcionada, sabe, fiquei muito triste. Eu disse: “Ah, mas quer dizer então que a gente não pode nem reivindicar nada, não pode reclamar de nada que vão logo te perseguindo, te jogando para fora e tal?”. Aí eu contei para o meu pai, o meu pai falou assim: “Olha, tu queres vir para cá me ajudar? Eu estou precisando de ajuda”. Porque ele tinha um comércio em Tomé-Açu. Aí eu conversei com o Túlio, porque nessa época eu já conhecia o Túlio. Aí o Túlio disse: “Vai, menina! Vai ajudar o seu pai, tal”. Aí, sabe o que eu fiz? Eu larguei tudo em Santa Isabel. Pessoal dizia que eu era doida. Larguei o município, larguei o estado, larguei as duas particulares e fui embora de Santa Isabel, fui para Tomé-Açu. 2001. E fui ajudar o meu pai na loja, fui ajudá-lo a organizar, informatizar a loja, tudinho. E quando eu cheguei em Tomé-Açu, em 2001, queriam que eu fosse dar aula de Geografia lá (risos). A diretora me ligou: “Alice, está precisando de professor de Geografia, vem dar aula!” Eu falei: “Professora, eu acabei de assinar o distrato, eu não posso entrar no contrato”. “Não, professora, não quero não, deixa vir concurso que eu faço, e tal”.
P/1 – Você não era mais...
R – Não era mais professora.
P/1 – Concursada, nem nada.
R – Não, nada, larguei tudo em Santa Isabel e fui embora para Tomé-Açu. O pessoal dizia: “Tu és doida, Alice! Tu não és bem da cabeça, tu... Largar tudo assim e se ir embora” (risos). Mas eu fiquei com uma raiva tão grande daquele prefeito, sabe? Fiquei com um ódio dele querer me perseguir só porque eu fui reivindicar para eles não colocarem falta na gente lá. Os professores estavam indo de Belém para Santa Isabel, estavam levando falta porque não tinham dinheiro para pagar o ônibus. E as diretoras estavam autorizadas a mandar falta, descontar. Já pensou nisso? Aí eu fui embora para Tomé-Açu, em 2001. Quando foi em 2002 abriu concurso do estado, logo no outro ano. Aí eu peguei e falei para o Túlio: “Em Tomé-Açu abriram três vagas para Geografia”. E eu fui investigar lá, só tinha uma professora formada. Aí eu disse: “Vão sobrar duas vagas, não é? São três vagas, tem uma formada, vão sobrar duas”. Aí eu falei para o Túlio, disse: “Olha, Túlio, eu vou fazer o concurso para Tomé-Açu porque lá eu tenho minha família, tenho infraestrutura, eu já estou lá, então eu vou fazer concurso para lá”. Aí o Túlio queria fazer concurso para Salinas, que ele ia fazer concurso não sei para onde, viajando, não é? Aí eu falei: “Não sei, tu que sabes, mas eu vou fazer para Tomé-Açu”. Porque fazia um tempão, nem sei quanto tempo que o estado não abria concurso, entendeu? Esse concurso é o chamado C62. Eu só sei que ele foi fazer o concurso para lá, nós passamos, os dois. E aí fomos para Tomé-Açu, em 2003 o governo chamou todo mundo porque estava precisando, é negócio de justiça, não é? Não podia mais ter contrato, tinha que ser efetivo, tal. Então eu saí da sala de aula em 2001 e voltei em 2003. E fiquei todo esse tempo na sala de aula com Geografia, fazendo meus projetos de Geografia, fazendo meus seminários, fazendo minhas atividades. Só que assim... Eu acho que te deixa um pouco mecânico, não é? Porque eu ficava cansada um pouco, eu tinha quatro primeiros anos de manhã, três segundos anos e dois terceiros. Então eu entrava e repetia, nos quatro primeiros anos, a mesma coisa; aí eu entrava nos três segundos anos, repetia. Aí eu entrava nos dois terceiros e repetia. Então eu estava me sentindo um pouco cansada já dessa rotina, sabe? E por mais que a gente tente dinamizar, levar os alunos para a sala de informática, levar os alunos... Vamos fazer uma pesquisa fora da escola... Eu fazia muito isso, eu sempre os estava levando para tirar a foto de esgoto, de rio, editava e fazia exposição, a gente fazia um monte de coisa. “Vamos embora fazer uma maquete aqui da hidrelétrica, não sei o quê”. Os meus alunos gostavam muito das minhas doidices que eu fazia com eles (risos). E aí o que acontece? Mas eu confesso que eu estava me sentindo um pouco cansada, entendeu? Me sentindo um pouco robotizada, sabe? E aí, como eu também trabalhava na sala de aula de manhã e trabalhava na sala de informática à tarde, no Fábio Luz, em Tomé-Açu, em Quatro Bocas... Aí, um dia eu cheguei na sala de informática, liguei o computador, tudinho e fui visitando os sites onde eu ia ver as notícias, e tal. Abri o site da Seduc, e estava lá: “Projeto Pará”. Aí, justamente a Seduc, juntamente com a Fundação Roberto Marinho, estava lançando o Projeto Pará, que ia trabalhar a metodologia Telessala, a experiência do Telecurso e tal, com o professor unidocente. Aí, olha o que passou na minha cabeça? Que a gente ia filmar, não é? Que a gente ia estar no estúdio e ia (risos)... Que ia filmar. Para mim, eu ia filmar para dar aula de Geografia, entendeu? Eu disse: “Ah, vou me inscrever nesse negócio aqui”. Ah, e que era destinado a professores que já tinham mais de dez anos no estado, professores efetivos que tivessem mais de dez anos, que estava abrindo processo seletivo. Aí eu disse: “Olha que legal isso aqui, Telecurso, Fundação Roberto Marinho, isso é legal”. Eu pensei: “Isso é bacana, vou me inscrever”. Me inscrevi. Aí depois, eu fiquei pensando assim: “Mas, espera aí, se eu passar... Era para vir para Belém: “E o Túlio, o que é que eu faço com ele? Vou inscrever o Túlio” (risos). Aí eu peguei, no outro dia eu cheguei lá, abri de novo o site e inscrevi o Túlio. Porque eu sei todos os dados dele. Inscrevi o Túlio. Está. No site, na internet. Não falei nada. Eu só falei para ele assim: “Ah Túlio, eu inscrevi a gente aí num processo seletivo, é para trabalhar com a Fundação Roberto Marinho, Telecurso”. Aí ele viajando, não é? Túlio viaja. Ele viajando. “Ah, eu acho que a gente vai para o estúdio, vai gravar e tal, vamos dar aula assim e tal” (risos). Conclusão: saiu o resultado do processo seletivo, passamos os dois - eu e ele. Aí foi o dilema da família, não é? E agora, nós vamos ou não? Primeiro nós reunimos em família, eu, ele, o Leo e a Bia: “Quem quer ir para Belém?” Aí três levantaram a mão - eu, o Leo e a Bia - e ele não. Túlio não queria vir para Belém (risos). Aí fizemos a votação: “Olha, Túlio, tu fostes voto vencido”. Aí eu fui conversar com a diretora da escola, não é? Como a gente não tinha muita carga horária de sala de aula não foi tão difícil a gente colocar pessoas no nosso lugar lá, deixar pessoas no nosso lugar, e vir. Aí nós viemos para cá, no dia primeiro de maio de 2014, para fazer a formação do Módulo I com a Fundação Roberto Marinho.
P/1 – E veio de mudança?
R – De mudança! Olhe, foi uma loucura. Porque a gente tinha uma lojinha lá, aí nós pegamos as coisas da loja, demos tudo para o meu pai, enchemos um caminhão de material para ele, de mercadoria, e demos para ele. Pegamos o que a gente precisava de básico, computador, umas coisas, colocamos tudo dentro do carro, viemos embora. E o pessoal dizendo que a gente tinha saído fugido de lá. “Mas como esse pessoal vai se mudar desse jeito, tão rápido desse jeito?” (risos) “Estão correndo de alguma coisa, da polícia”. Foi engraçado isso porque foi muito rápido, muito rápido mesmo. Meu Deus do céu, que loucura!
P/1 – E casa, tudo isso?
R – Deixamos a casa lá. Nós tínhamos um cachorro, eu chorava por causa desse cachorro porque eu ainda deixei ele um tempo lá na casa, reparando também. Deixei uma pessoa para dar comida para ele, não é? Hoje ele mora com meu irmão, meu irmão assumiu ele, sabe? Nós deixamos o cachorro reparando o resto das coisas da casa, viemos embora morar na casa da mãe do Túlio, aqui em Belém, porque o nosso apartamento ainda não estava pronto. Só em outubro, em novembro nós mudamos de lá com as coisas todas. Nós viemos em maio, só fizemos o resto da mudança em novembro, que nós fomos lá arrumar tudo para trazer. Mas até hoje ainda tem coisa lá (risos).
P/1 – E vocês tinham um apartamento aqui.
R – Nós compramos um apartamento aqui em 2007 e começamos a reformar esse apartamento em 2013. Parece que Deus vai falando: “Ó, agora está na hora de fazer o apartamento”. Por coincidência, em 2014 nós mudamos. Por isso que eu digo que Ele vai arrumando tudo, não é? Vai ajustando tudo para a gente. E aí o Telecurso, para mim, profissionalmente, foi uma renovação profissional, entendeu? Porque eu me encantei pela metodologia. A metodologia, para mim ela é perfeita. Eu acho que todo mundo deveria praticar, todo mundo deveria ter a experiência da metodologia Telessala, todos os professores.
P/1 – Por que todo mundo teria que fazer?
R – Olha, existem várias coisas. A rotina da sala de aula é muito interessante porque você acaba estimulando o aluno, você instiga, você mostra. Depois, você vai ler para adquirir mais conhecimento, você manda eles responderem, você manda eles escreverem, eles lerem... Você faz avaliação. Então, quando você vê, acabou a manhã, muito rápido. Quando você vê, dá onze e meia. E acabou. E começou sete e meia. Então, você nem vê o tempo passar, com tanta coisa que tem dentro dessa rotina da sala de aula, que deixa a gente o tempo todo ocupado - a gente, eles, não é? O tempo todo ocupado. Então eu acho que isso tira do professor aquele negócio do professor chegar, sentar ali na cadeira dele, aquela fila indiana, que parece que ele olha a toda hora no relógio e o tempo não passou. Eu não consigo nem olhar o meu celular quando eu estou na sala. Eu não olho. Dificilmente. Às vezes, quando eles estão fazendo uma atividade, eu dou uma olhadinha rápida. Mas eu não olho porque não tenho tempo. Então essa dinâmica que ela proporciona, eu acho que é isso que proporciona um aprendizado bacana, entendeu? E os alunos também falam isso. “Professora, já essa hora? Já está terminando, tal”. Por isso que eu digo que a pessoa teria que adquirir, ter esse conhecimento, com essa metodologia, porque assim... Fora isso, tem a questão do envolvimento que a gente tem com a turma, não é? A metodologia Telessala, eu a vejo muito humana, muito pai e mãe, muito tendo o cuidado, é isso que eu acho encantador nela. Porque a gente se envolve tanto com esses alunos que eles fazem parte da vida da gente. Não tem como não fazer parte.
P/1 – Alice, tem como você contar, escolher uma história com os alunos, ou com um aluno, em sala de aula, ou enfim, uma situação?
R – Eu tenho várias histórias. Eu tenho a história, por exemplo, dos alunos da primeira turma, que foi a turma do Cordeiro. Eu tinha uns alunos que quando eles começaram, eles não sabiam ler. Ensino médio, primeiro ano de ensino médio. Se vocês vissem a leitura, parecia que eles estava soletrando, parecia que eles estavam começando a aprender a ler. E quando você vê o aluno lendo e escrevendo, e a letra melhorando, e a escrita melhorando, isso é muito gratificante. Eu tive uma aluna, chamada Naiane, ela estava no primeiro ano do ensino médio, no Cordeiro, e ela tinha uma colega que era do Mundiar. E ela começou a andar ali pela sala e tal, não é? Já tinha começado a turma, só que demorou a começar a Teleaula nesse ano, porque estava começando a implantação desse projeto aqui. E eu disse: “Olha, eu acho que ainda dá para você vir, Naiane. Vem, vem para cá”. Essa menina se adaptou, ela gostou tanto que ela disse para mim depois: “Professora, se eu estivesse lá, eu já tinha parado, eu não ia terminar este ano. Eu tinha parado porque...”. Ela não conseguia aprender Matemática, ela não conseguia nem ficar na aula, entendeu? Essa menina foi uma grande conquista – não só ela, tem outros parecidos lá, mas a gente vê a evolução. Sabe o que é ver? É isso, é o resultado. Porque, infelizmente, tem gente que não conhece o projeto, que não consegue ver. Quando a gente está lá, dentro da sala, a gente vê. Os alunos vêem, os alunos mesmo falavam: “Professora, a senhora lembra como a Naiane lia? A senhora se lembra, professora?” “Eu me lembro, pessoal. Pois é, olha como ela está lendo agora”. É demais. E um outro aluno, que foi o Gabriel, que se formou agora, início de 2018. Esse menino, ele passou um ano e meio no primeiro ano, no Paes de Carvalho. Ele foi para o IEP – agora eu estou trabalhando no IEP – ele foi para o IEP escoltado pela psicóloga da escola, ou da USE, não sei direito, e foi entregue lá no IEP, escoltado pela psicóloga. A psicóloga dizendo: “Olha, esse menino aqui é um menino problema, ninguém aguenta mais ele no Paes de Carvalho, recebam ele aqui porque não dá mais”. Aí, ele foi para o primeiro ano no IEP, em 2016. A minha sala do Mundiar era aqui e a dele era aqui do lado. E aí ele via as nossas loucuras dentro da sala do Mundiar (risos), ele ficava lá na porta lá sentado, ele não ficava dentro da sala assistindo aula, ele ficava lá na porta. Aí ele foi pedir para a supervisora para ele ir para o Mundiar. E quando ela falou para mim: “Olha, esse menino é um menino problemático, ele toma remédio controlado”. Aí eu disse: “Ai meu Deus, será? Eu tenho medo, e tal”. Porque a gente tem medo da violência, tem medo de tudo. Ele foi. Se formou. Está lá na festa de formatura dele, todo bonito. Sempre me respeitou. Houve alguns problemas na escola, não vou dizer também que foram só flores, mas ele conseguiu terminar o ensino médio dele, entendeu? E a notícia desse menino se formar, ela repercutiu tanto que a secretária da escola perguntava para mim: “Professora, o Gabriel se formou?” “Se formou”. A diretora: “O Gabriel vai se formar?” “Vai se formar”. Sabe? Todo mundo, até a avó dele: “Professora, o Gabriel, acho que a única professora que ele respeitou foi a senhora, até hoje, na vida dele” (risos). Porque eu falava com ele, falava tudo, ele me escutava, ele obedecia. Ele contava as coisas dele também. Então foi uma grande conquista, o Gabriel.
P/1 – Você consegue contar um pouco do processo dele para a gente, Alice?
R – Do Gabriel?
P/1 – É, algum momento em aula, assim, porque você contou da entrada e da formatura. Alguma coisa do processo.
R – Sim. Olha, dentro da sala de aula...
P/1 – Um dia.
R – Quando eu pedia para ele ler, ele lia. O que eu pedia para ele ler: “Gabriel, lê agora esse tema aqui”. Aí ele lia. Ele conseguiu fazer o memorial muito bem. Ele tinha o caderno dele, de memorial, que ele desenhava, que ele escrevia. Diariamente ele escrevia e levava para mim. As atividades, ele resolvia tudinho, participava, socializava. E assim... Deixa eu ver se eu lembro de algum fato dele específico, dentro da sala de aula. Eu acho que é mais essa questão da participação na metodologia mesmo, que ele conseguiu. E ele falava assim para mim - não só ele, como outros alunos também - eles diziam que já tinham visto algumas coisas ali, mas que eles não conseguiam entender. Quando eles foram lá para a sala do Mundiar eles conseguiram entender alguma coisa de Matemática. Tem alguns alunos que têm ojeriza à Matemática. Eu tive uma aluna que ela não conseguia nem assistir à aula de Matemática. E lá, quando a gente começa com a rotina, com a dinamicidade que é, já consegue ficar, já consegue participar. O Gabriel, ele não falava muito das experiências dele na outra escola, mas os colegas dele falavam assim para mim: “Professora, só do Gabriel estar aqui na sala assistindo aula já é uma vitória para a senhora. Porque na outra turma, nem assistir aula ele assistia”. Entendeu? Então, não é que ele fosse o melhor aluno da sala, que ele fosse o exemplo. Não! Mas ele conseguiu se adaptar, conseguiu concluir o ensino médio dele, que eu acho que ele não ia conseguir no ensino regular, entendeu? Agora sim, por exemplo, ele fez uma máscara muito engraçada. Tem uma aula de teatro em que a gente faz uma máscara (risos). Ele fez uma máscara tão engraçada, com um homem fumando assim um cigarrão, que ficou lá na parede pregada, que o pessoal toda vez que chegava lá dava uma observação naquela máscara dele (risos). Porque a sala é compartilhada no IEP, sabe? A gente trabalha de manhã com o Mundiar e, de tarde e de noite, com outras turmas. É ‘mó’ engraçado a máscara que ele desenhou (risos).
P/2 – Pode voltar um pouquinho lá para trás?
P/1 – Sim!
P/2 – E quando você chegou? No dia em que você iria para o primeiro momento, para o encontro com a metodologia? Na formação? A formação daquele primeiro módulo? Conte um pouquinho.
R – Sim, sim. Foi assim: nós viemos no dia primeiro de maio porque estava marcada a formação para o dia cinco de maio. Se você for olhar no calendário lá, dia cinco é uma segunda-feira, cinco de maio de 2014. Quando eu cheguei em Belém, que eu abri o computador, que eu liguei, tinham suspendido a formação e ela tinha sido adiada para agosto. Aí, nós fomos trabalhar na Seduc. Nós ficamos trabalhando no projeto, na Seduc, ainda em maio, junho e julho. E com aquela expectativa: “Meu Deus, como é essa formação? Como é isso? Que metodologia é essa? O que isso vai trazer para nós, e tudo?” Quando a gente foi saber mesmo que a gente ia ser mediador de todas as disciplinas, o que também foi um choque, porque até então a gente pensava que a gente ia filmar, não é? “Não, vocês vão ser unidocentes, vocês vão dar aula de tudo e vocês vão ser mediadores, e tal”. Eu lembro que a primeira formação foi em agosto de 2014, foi ali na José Mochel, na Estácio. Ah, mas foi maravilhoso! Nós fomos ‘mundiados’, os professores. Professores, supervisores, professores unidocentes, multidisciplinares e supervisores e coordenadores, que eram cinco turmas lá. A minha formadora foi a Rosa. Encantadora, nós nos apaixonamos pela Rosa (risos). E aí, eu acho que a metodologia Telessala foi um choque de renovação para todos aqueles profissionais que estavam lá, entendeu? Por mais que alguns não se adaptaram, depois saíram do projeto, mas assim... Eu acho que no fundo, no fundo, ninguém esperava tanto do que foi, entendeu? O encantamento, a questão da abertura que a gente teve e gente dá para os alunos na sala de aula. Porque o muito lindo nessa metodologia é isso: o aluno ter voz, o aluno se posicionar, o aluno falar o que ele pensa, realmente. Ele ter a liberdade de se expressar. Eu acho que é isso que é o encantamento todo, sabe? Eles conseguem lá se abrir, eles contam coisas da vida deles. Eles têm uma verdadeira liberdade, entendeu? Que eles não têm quando estão numa sala mais formal, vamos dizer assim. E a formação, ela foi para ‘mundiar’ a gente, para encantar a gente (risos). Nós fomos pegos pela cobra grande ali, do Mundiar, enroscado e dominado total (risos), entendeu? Mas, olha, eu vou te falar, foi uma semana maravilhosa.
P/2 – Você consegue descrever um dia de formação?
R – Nossa, foi uma semana... A primeira vez que a gente fez a teleaula, a oficina, assistiu o vídeo e fazer a leitura de imagem, não é? Quando a Rosa falou assim: “Sim, o que vocês viram?” “Ah, nós vimos isso, nós vimos isso!” Era uma gritaria de professor! “Nós vimos isso, nós vimos isso, nós vimos isso”. “O que vocês ouviram?” “Ah, nós ouvimos isso, nós ouvimos isso,
nós ouvimos isso”. Todo mundo querendo falar e ela lá registrando no quadro, aquela loucura. Mas nós tivemos também a presença da professora Thereza Penna, firme, maravilhosa. Sobre avaliação. Nossa, que lindo o que ela fala, não é? Nós ficamos assim... Eu sou chorona mesmo, chorei que só, na palestra dela lá.
P/1 – Como ela fez você chorar?
R – Ela foi falando, dando a palestra sobre a avaliação para nós, não é? Que não é fácil avaliar, que é complicado. Contou umas histórias de pessoas que foram mal avaliadas e tiveram grandes prejuízos na vida, até de suicídio, tudo. E ela vai falando da avaliação, contando histórias que vão lhe encantando e que você se envolve, que eu, nossa, me emocionei com a palestra dela, muito. Tenho foto com ela em casa, tenho um monte de coisa com ela lá (risos). Aí vieram as pessoas que pensaram o Telecurso, não é? O Nélio veio para apresentar lá o Machado, como surgiu a ideia do Machado, dentro da fábrica, e tal. E assim, foi uma semana de formação, a primeira, não é? Não que as outras não tenham sido também, todas foram maravilhosas. E o interessante disso é que eu fiz duas vezes a formação.
P/1 – Por quê?
R – Como eu fiquei... Eu terminei uma turma e comecei outra. Quando começou outra, teve a formação de novo e eu fui fazer. E tinha gente que falava assim: “Ah, de novo a mesma coisa já”. Mas é incrível como sempre tem coisa nova!
P/2 – E o Módulo I é o eixo “Quem sou eu”, não é?
R – “Quem sou eu”.
P/2 – Como isso era trabalhado na formação?
R – No “Quem Sou Eu”?
P/1 – E aí, completando a pergunta da Ana, o “Quem Sou Eu”, como foi trabalhado? Mas, você! Do seu olhar: “Eu estava lá, aconteceu isso, eu senti isso”.
R – Sim.
P/1 – Escolhe um dia, o que aconteceu e você como se sentiu, sua reação. Bem pessoal, bem interna mesmo, como uma história.
R – Sim. O “Quem Sou Eu” que a Fundação trouxe para nós foi aquele negócio da regionalidade paraense, não é? Então trouxeram muito carimbó, trouxeram muitas coisas do Pará, imagens do Pará, da comida, da cultura, de tudo do Pará. Então, aquilo envolveu a gente como...
PAUSA
R – O “Quem Sou Eu” assim... Nosso carimbó dominava, teve até no final o carimbó. E uma das coisas que me marcou muito dentro da metodologia foi a questão da divisão das equipes, que eu me identifiquei de cara com a socialização, não é? (risos). Por exemplo, o Memorial também, construir a capa, construir o “Quem Sou Eu” do memorial. Tudo isso foi abrindo a mente, sabe? Para um monte de coisas que a gente estava assim, sei lá, devia estar guardado em algum lugar meu, assim, que eu fui, sei lá, nascendo, renascendo, entendeu? Então, no caso de lá, da primeira turma, da formação, eu lembro muito das histórias que a Rosa contava. Da questão da metodologia em si, a formação das equipes, o memorial. A rotina da sala de aula diária, que a gente exercita muito, que a gente vê muito. E assim... Me fez, eu como Alice... É como eu falei para vocês, me renovou como profissional e me fez crescer muito como pessoa, entendeu? Porque a gente acaba indo para a sala de aula, a gente acaba vivendo a vida daqueles alunos também. Assim como eles vivem a nossa também, porque eu contava histórias da minha família para eles e eles contavam histórias das famílias deles para mim. Então eu acho que o meu “Quem Sou Eu” que eu levo assim, é uma renovação mesmo, um renascimento profissional de uma metodologia que eu nunca tinha visto na universidade e em nenhum curso de metodologia, nem nada. E assim... Eu só tenho a agradecer por ter tido essa oportunidade de conhecer. Porque eu acho que todo mundo deveria conhecer, sabe? Todo professor.
P/1 – Alice, voltando para o “Quem Sou Eu”. Vocês viviam aquilo que vocês iam fazer com os alunos?
R – É, exatamente. A gente vivencia, na formação, como a gente vai praticar com os alunos, entendeu? Então, a gente sempre tem, na formação, resgate do memorial, resgate do trabalho das equipes. Porque como eu falo para eles: “Gente, essas equipes, não é fácil viver em sociedade. Vocês estão aqui, nesta sala, com essas pessoas, vão ficar aqui em torno de dois anos mas depois vocês vão para a vida, vocês vão para o mundo, vocês vão para o mercado de trabalho. E lá no trabalho, você não pode escolher com quem vai trabalhar, você não pode escolher. Vai ter gente com quem você vai se identificar, de quem você vai gostar. Vai ter gente de quem você não vai. Vai ter gente que é de uma religião, vai ter gente que é de outra. Vai ter gente que é hétero, vai ter gente que é homossexual. Então, você vai ter que se adaptar a esse mundo”.
P/1 – Você lembra do Gabriel em alguma dessas equipes?
R – O Gabriel foi da equipe... A primeira equipe que ele foi, foi da Socialização. Então, eles levavam aquela dinâmica inicial, aquela atividade integradora, não é? Ele foi da Avaliação também, de ver o que estava bom, o que estava produzindo na sala de bom, o que não estava. Porque assim... A gente transitava por todas as equipes, entendeu? A síntese. Vamos fazer um resgate do que aconteceu essa semana. O que vocês escreveram aí no memorial de vocês dessa semana? Fazer aquele resgate. Coordenação. Vamos colocar a sala em círculo. Ele pregava as coisas na parede para mim. “Gabriel, prega aqui essas produções de vocês”. A nossa sala era sempre cheia de muita coisa, muita produção deles. Encapava a sala todinha, em cada módulo. E aí estava lá pregando as coisas. Então, ele transitava por todos, não tinha um destaque para ele em uma, entendeu? Não só ele, como os outros alunos. A gente acabava fazendo eles transitarem em todas elas.
P/1 – Agora voltando para você (risos). Você falou que você logo se identificou com a equipe de Socialização.
R – Foi! (risos).
P/1 – E aí, o que aconteceu?
R – Ah, a gente levava tanta coisa! A gente levava carimbó. E brincadeira. E levava um monte de coisa para eles fazerem lá. Teve um carimbó que eu apresentei lá para a Rosa, que ela nunca esquece, ela sempre falava assim (imita sotaque): “Alice...” Porque ela me chamava de Alice, ela é de Recife, não é? “Alice, como é mesmo aquele carimbó?” Aí, lá eu cantava o carimbó para lembrar (risos). É um carimbó (canta): “Chegou ao Pará, parou; tomou açaí, ficou”. Tem esse carimbó, não é? Pronto, ela adorou esse carimbó (risos). Toda vez ela pedia para eu cantar o carimbó. Então assim... No caso do “Quem Sou Eu”, que depois é “Onde Estou”, “Onde Vou Parar Nesse Mundo”, até chegar no final, que é “Quem Vou Ser Eu Nesse Mundo”, não é? Ser social, e tudo. Foi justamente esse, no caso do meu “Quem Sou Eu”, para mim mesmo, eu gosto de falar muito, que foi revigorar a minha metodologia de sala de aula, não é? Eu me sinto privilegiada de ter conseguido conhecer essa metodologia e conseguir uma nova metodologia, entendeu? Porque eu gostava das minhas turmas anteriores e hoje, por exemplo, se eu for hoje para um regular, eu vou usar a metodologia, com certeza, dentro da minha sala. Eu vou usar, não tem como. Porque a gente se identificou com ela, eu me identifiquei, o Túlio se identificou, as pessoas que estão desde 2014 até hoje no projeto, todos se identificaram com essa metodologia, entendeu? Então assim... Como profissional, foi um renascimento para mim.
P/1 – O Túlio gostou também?
R – Ama! Túlio ama! Ele é apaixonado. O Túlio foi assim, ele falava assim para mim, lá em Tomé-Açu ainda, a gente lá no nosso quarto... Porque é todo mundo junto ali. Vocês já viram, não é? Fica todo mundo junto. Ele sentava no computador, falava assim para mim, antes da gente se inscrever no projeto, antes: “Poxa, Alice, eu queria estudar outras coisas, eu queria estudar Filosofia, eu queria estudar Química, eu queria estudar Biologia”. Ele falava. É engraçado isso, não é? Aí eu falava: “Ah, Túlio, eu não sei como é que vai fazer isso, só se tu voltar para o cursinho, ou tu ficar assistindo vídeo na internet, faz alguma coisa aí”. Aí ele disse: “Poxa, mas eu queria tanto estudar outras coisas”. Aí olha só onde ele foi parar! Professor unidocente do Telecurso, ele acabou vendo tudo. Ele viu tudo, todas as disciplinas ele vê. Nossa, ele é apaixonado, encantado mesmo. E assim... O que eu acho também que encanta muito a gente, além da questão da metodologia, da dinamicidade dela, é a nossa clientela, sabe? Porque a gente pega uma clientela que já está cansada da escola, não é? Está cansada, eles não querem mais aqueles doze professores, com aquelas doze disciplinas, com aquele monte de trabalho, com aquele monte de exercício. Eles não querem mais, eles não se adaptam mais a isso. E aí eles vêm com tantos problemas também. Problema social, problema pessoal, problema financeiro. Quantos alunos não falam: “Professora, não fui hoje porque não tenho dinheiro da passagem”. E aí, quando eles têm contato com essa metodologia, onde eles têm voz, onde eles podem falar o que eles pensam, onde eles podem se expressar, onde eles podem ler, eles se encantam também, entendeu? A clientela, para mim... Também não vou dizer que é uma clientela fácil porque não é, tem uma série de problemas também. Mas quando você vê o resultado dela e quando você vê que eles reconhecem que estão aprendendo, aí, pronto, você ganhou o troféu, você conseguiu chegar no seu objetivo como profissional, eu acho. Eu acho que é isso. Essa clientela é... Quando a gente vê essa transformação neles, quando você vê melhorar uma leitura, melhorar uma escrita, melhorar uma letra, nossa! Isso é muito gratificante, é muito lindo, sabe? Para um profissional é muito lindo, porque você conseguiu fazer aquela pessoa aprender alguma coisa, que é o seu objetivo. E quando eles reconhecem isso, é mais lindo ainda.
P/1 – Tem alguma fala de algum aluno, inesquecível?
R – Tenho.
P/1 – Falando o nome dele, o que ele falou, alguma coisa assim...
R – Eu lembro da Tamires, uma aluna minha dessa turma do IEP agora. A gente vendo lá uma aula de Matemática, eu não estou lembrando qual era a aula agora, mas era alguma aula de Matemática, já terceiro módulo, alguma coisa assim, que ela falou assim: “Professora, é só isso aí, é?” Eu disse: “É, é assim, tal”. “Mas, professora, eu nunca aprendi isso, eu nunca consegui entender isso no regular. E agora isso ficou tão fácil para mim”. Então isso que é o gratificante, sabe? Eles conseguirem entender coisas que não haviam entendido há muitos anos atrás e em muitas outras turmas pelas quais eles passaram. Biologia. Aconteceu isso com a minha turma também, quando a gente foi vendo a Biologia, quando a gente foi chegando do meio para o fim. Eu tive muitos relatos: “Eu nunca tinha aprendido isso aqui no regular e eu aprendi agora”. Então isso para mim é o que me basta, entendeu?
P/1 – Agora, se você pudesse sintetizar, Alice, o que faz... Tem a dinâmica, é tudo dinâmico, são quatro horas que passam rápido, são vários recursos. Mas se você pudesse sintetizar a essência da metodologia, além dessa relação com os alunos, mas como que isso faz com que eles aprendam coisas que eles não aprendiam antes. Se você pudesse sintetizar, entendeu? Você dizer: “É isso que eu vou levar depois”, se for para o regular.
R – Olha, se eu pudesse sintetizar... O passo a passo, e tudo?
P/1 – Não, assim... Você disse que em Matemática eles falavam...
R – Biologia, Química...
P/1 – Isso agora eu entendo. Biologia também. Você disse: “Eu levaria essa metodologia para o regular”. Além de ser dinâmico, além de ter essa relação aberta com os alunos, como é que leva isso, o que você levaria?
R – Olha, eu levaria a problematização, que é a introdução naquele assunto. Problematizar antes para instigá-los, para fazer com que eles se interessem pelo assunto. O vídeo, claro, não dá para a gente levar em todas as aulas, porque o do Telecurso tem uma programação bem construída, não é? Consequentemente, a leitura de imagem também. Só se eu levasse um vídeo daria para fazer. Mas eu acho que o mais importante mesmo é a leitura e a escrita, a prática de ler e escrever. Porque com isso, ler de uma forma produtiva, porque você também, ler por ler, não adianta; ler por ler, para entender. Leitura dinâmica, leitura dramatizada. Por exemplo, é muito legal a leitura da Filosofia. O livro de Filosofia eu acho ótimo, acho lindo aquele livro, eu amo aquele livro. Aquela história do “seu” Henrique ali, com a família dele e falando de Filosofia, envolvendo a família toda. E aí a gente sempre faz, cada um faz um pedacinho da leitura e eles todos ficam prestando atenção naquela leitura. E eles conseguem entender o que eles estão lendo. Porque a gente tem os analfabetos funcionais, não é? Que eles leem, mas não entendem o que estão lendo. E eles ali, com a liberdade que eles têm, ali dentro da sala, da gente rir, da gente brincar, da gente se divertir talvez, com certeza, eles conseguem entender o que eles estão lendo. Então eu acho que se eu fosse levar para o regular, eu iria fazer muito mais leituras. Claro que não seria qualquer leitura, seria muito mais prática de exercício, de escrita. Porque é isso que talvez esteja faltando, as pessoas escrevem muito errado. Hoje as redes sociais até provocam a pessoa a escrever errado, ensina a pessoa a escrever errado, abrevia errado a palavra, isso a pessoa até leva. Eu levaria muito isso no meu... Se eu fosse praticar parte da metodologia no regular, eu levaria muito a problematização, levaria muito a leitura, a escrita, o seminário. Porque eu acho que isso também os estimula a ler, a buscar, a pesquisar, para poder desenvolver, entendeu? Isso a gente já fazia no regular, a gente faz no regular, eu já fazia isso. Mas talvez não fizesse com tanta qualidade, não é? Talvez estivesse faltando essa ‘sacação’ que a metodologia me deu para eu poder hoje praticar melhor, talvez, com meus alunos, entendeu? Eu não tinha essa ‘sacação’ da metodologia que eu tenho hoje. Seria mais ou menos isso.
PAUSA
P/1 – Você estava dando exemplos, e com esses exemplos quem for assistir consegue entender. E teve mais algum aluno que você podia contar: aconteceu isso, tal?
R – Olha, eu tinha um aluno, na primeira turma, chamado Dorivaldo (risos). Esse menino era muito bom. Inteligente, lia divinamente, aquela avaliação diagnose que tem, sabe? Ele acertou quase tudo de Língua Portuguesa, ele amava Geografia, Sociais ele era maravilhoso. Mas pense numa pessoa que odiava Matemática. ‘Mano’, esse menino tinha... Falei igual a paraense, não é? (risos) Esse menino, ele não conseguia assistir Matemática. Sabe que é um trauma que ele tinha? Ele tinha um trauma com Matemática. Com tudo de Matemática. E ele sabia um pouquinho de Matemática, só que ele bloqueava nele a Matemática. Eu chamei, conversei com ele: “Olha, Dorivaldo, presta atenção. Se tu fores fazer um vestibular, tu vais precisar da Matemática. Se tu fores fazer um concurso público, tu vais precisar da Matemática”. Então, sabe o que ele fazia quando eu passava? “Vocês vão fazer esse exercício, isso, isso e isso”. Sabe o que ele fazia? Ele pegava só o resultado no final do livro, no gabarito, ele dizia: “Está aqui, professora, já fiz”. Eu disse: “Cadê o cálculo? Cadê a conta? Cadê o raciocínio? Não, não quero isso, não”. “Não, professora, só precisa disso aí, só o resultado”. Ele falava assim para mim (risos). Pois olha, com o tempo, foi, foi, foi, eu insistindo com ele. Eu: “Traz o seu cálculo. Cadê?” Eu sentava do lado dele: “Vamos fazer a conta”. Ele dizia: “Eu não quero fazer, professora”. “Vamos fazer, Dorivaldo”. Aí a gente ia. Ele ficava emburrado, mas com o tempo ele até disse para mim: “Professora, a senhora sabe que eu já estou até começando a fazer exercício de Matemática?” (risos). Olha, ele tinha um bloqueio, eu não sei o que fizeram com aquele rapaz durante a vida dele de estudante.
P/1 – Teve algum dia que ele, na sua frente assim, ele realizou?
R – Realizou! Ele disse assim: “Professora, olhe professora! Eu consegui desenvolver essa conta”. Eu lembro de que ele se aproximou muito de uma menina que tinha, Lorrane, que ela era bem esperta, bem. Uma menina que se atrasou, sei lá quais foram os motivos dela. Mudança de cidade, ela era do Rio e veio para cá, o pai dela era da Marinha, uma coisa assim, sabe? Mas ela era muito boa, também. E ele se aproximando dela, ela: “Vamos embora, Dorivaldo, vamos fazer”. Aí ele disse: “Olha, eu estou até conseguindo resolver já essas questões aqui”. Então teve esse menino também. Dessa turma agora do IEP tinha uma menina, chamada Beatriz, que ela disse para mim, na primeira aula de Matemática: “Olhe, professora, vou lhe falar: todas as outras tudo bem, mas Matemática... Eu não consigo nem olhar para esse vídeo aí”. Ela disse assim para mim. “Por quê, Bia?” “Não, professora, isso não entra na minha cabeça, eu não sei nada disso, eu não consigo”. Como é que essa pessoa está no primeiro ano do ensino médio? Eu ficava assim: “Meu Deus!”
P/1 – E como foi depois?
R – Ela mesma falou para mim, depois: “Professora, eu já estou conseguindo assistir às aulas de Matemática e já estou conseguindo responder alguma coisa”. Ela terminou, se formou agora, terminou o ensino médio dela, sabe? Mas, sinceramente, eu fico pensando... E não são do fundamental, são do médio! Primeiro ano do ensino médio. Como é que esses alunos iam sair se fosse no regular? Colando, não é? Eu acho. Colando, fazendo trabalho, copiando, pegando da internet, copiando. Mas lá não, lá dentro eles têm que ler o livro: “Vamos embora ler agora aula de Matemática”. Chamava todo mundo no círculo, fazia assim. Às vezes eu fazia assim: “Pertinho um do outro”. Sabe? “Vamos fazer a leitura do livro”. Aí eles iam: “É, lá vem a senhora” “Vamos embora fazer a leitura do livro”. Aí a gente ia lendo. Depois, quando a gente começou a fazer isso eles tiveram uma outra visão da Matemática. Porque lendo o livro eles iam começando a entender, sabe? Não vou dizer que eles saíram sabendo tudo de Matemática, eu estaria sendo hipócrita de falar isso, não sou hipócrita. Mas eles conseguiram romper algumas barreiras que eles tinham com a Matemática, que eu acho que é um dos grandes problemas hoje que a gente tem, não é? E falando de outra disciplina, por exemplo, Química. Aquele negócio do detergente quebrar o sabão, de coisas da Química que fazem parte tanto do cotidiano da gente que eles não associam com o cotidiano e que os vídeos trazem associando ao cotidiano. E quando fui fazer a prova do Enem - eu esqueci de contar essa parte - que eu fiz a prova do Enem, em 2016, e passei no vestibular. Eu conseguia ver coisas do Telecurso na prova do Enem. Via muita coisa do Telecurso. De Biologia, de Química, de Matemática, claro. Português, nem se fala. Então, se você der um empurrão e se eles quiserem esse empurrão, eles vão longe. Eu tive duas calouras - dessa turma agora - passaram no vestibular, passaram pelo Sisu. Uma eu acho que vai conseguir ir para Minas Gerais, a outra não, foi para Tocantins. Eu acho que eles precisam só de um incentivo, que eu acho que a gente consegue fazer isso lá dentro da sala do projeto Mundiar, não é? A gente está conseguindo, não só eu, mas muitos dos professores que estão aí na rede, fazendo. Então, isso é muito gratificante para a gente como profissional. O próprio Túlio teve vários calouros, um aluno dele passou para Matemática na UFPA! Muito bom, foi bacana mesmo, muito legal. Isso assim é uma coisa que te deixa em êxtase, não é? Você conseguir chegar, fazer isso. Porque é você sozinho ali, não é? Você, Deus e aquelas pessoas ali. Então, nossa, é o auge assim, eu acho, de um profissional que gosta do que faz. Também tem que ter isso.
P/2 – E tem um acompanhamento do projeto?
R – Tem. Eu tenho uma supervisora. Na minha escola tem, algumas escolas não têm. O Túlio tem supervisora também. Então a gente faz reunião semanal, ela me dá sugestões de planejamento, ela me ajuda. Os problemas dentro da turma, ela me ajuda a resolver. Os que eu não consigo, passo para ela. Nas duas escolas em que eu trabalhei. No Cordeiro eu tinha uma supervisora muito boa também, a Sandra. E no IEP, a minha supervisora agora, muito boa também, a Edna. Me dei muito bem com todas as duas, me dou muito bem com elas até hoje. Quando encontro a Sandra, nas formações, ela: “Ô, que saudade! Poxa, tu saístes do Cordeiro”, tal.
P/2 – Mas tem formações e encontros também.
R – É, a gente tem. Como eu falei para você, eu tive duas turmas e fiz duas formações completas - primeiro, segundo, terceiro e quarto módulos. Essa turma de 2018 agora a gente ainda vai ter a formação, porque parece que está se desfazendo o convênio do estado com a Fundação, aí a Secretaria está se rearrumando para ver como vai fazer. Ainda não sei qual vai ser o futuro do projeto, entendeu? E é muito triste porque eu me identifico tanto, gosto tanto, eu não sei qual vai ser o futuro dele dentro da rede, não é? A gente não sabe, não posso prever. Eu só espero que ele não acabe (risos). A minha torcida é para isso, para que ele não acabe.
P/1 – A gente já está encerrando.
R – Ah, que bom! (risos)
P/1 – Você disse que prestou Enem e você vai fazer outra faculdade.
R – Eu estou fazendo. Eu fiz o Enem, em 2016. Porque toda a metodologia que a gente aprendeu, toda a Telessala, metodologia Telessala... Eu gosto de ser professora, eu gosto de dar aula, eu gosto da escola, eu gosto do ambiente escolar. Porque a gente está se relacionando com tanta gente, com tanta gente diferente. E a gente não sabe direito o que a gente vai encontrar, mas graças a Deus eu só tenho encontrado coisas boas. Mas a gente tem um outro lado, que é a desvalorização profissional, não é? Então nós tivemos uma época de muitas crises econômicas e tal, muitos problemas. E aí eu disse: “Caramba, será que educação para mim... Será que eu não vou conseguir viver só da Educação, e tal?” Aí eu fui na internet. Procurei: “Quais os cursos que te dão mais oportunidade, tal?” Apareceu lá: Administração. Contabilidade, Administração. Administração apareceu em várias opções lá. E quando eu fiz o meu ensino médio, em Santa Isabel, eu fiz Técnico em Administração. E quando fui ajudar meu pai lá, fui ajudar a administrar a loja, fui aprender Administração na marra (risos). Eu disse: “Vou fazer Administração”. Aí eu fiz o Enem, me inscrevi na UFPA, para Administração. Quando saiu o resultado, para minha surpresa o meu nome estava lá. Eu tirei 900 na redação do Enem, tirei 900! Bacana, eu gostei muito da redação, e tudo. E estou cursando a faculdade de Administração. Eu não sei se vou terminar, eu estou querendo terminar. Também não sei se vou atuar na área de Administração, não sei. Não sei nem se eu vou estar com pique para estar atuando nessa área ainda, depois de me formar (risos). Mas é uma opção, entendeu? E também eu sonhei que voltava para a universidade, sabia? Eu sonhei. Eu tive um sonho em que eu estava indo pela perimetral, entrava na universidade - estávamos eu e a minha filha - e eu chegava lá naquele... Engraçado que fazia muito tempo que eu não ia na universidade e, quando eu fui lá, eu vi os prédios com que eu sonhei. Eu sonhei, foi incrível isso. Eu contei para o Túlio até e ele disse: “Nossa, é verdade”. E eu acho que era para voltar mesmo, eu acho que era para voltar. E, de repente, eu posso até dar aula na universidade, não é? Por que a gente não pode sonhar? Sonhar não custa nada, não é? De repente, não é?
P/1 – E você foi bem no Enem? Lembrava dos conteúdos da Telessala, Telecurso?
R – Lembrava. Eu lembro de uma questão que teve nessa prova do Enem, de Biologia, era sobre o negócio da fotossíntese, da folha, sabe? Tinha uma arvorezinha lá, parecido com o desenho que tem no livro de Biologia, do Telecurso (risos). A arvorezinha e a fotossíntese lá, o movimento da questão da mudança, da troca dos elementos dentro da planta, da Biologia. Eu disse: “Mas, olha, o desenho do Telecurso aqui!” (risos). Olhei a questão assim, sabe? Tem várias coisas assim que a gente vê, não tem jeito, está lá. Porque a gente está trabalhando o conteúdo do ensino médio. Por mais que seja de uma forma mais acelerada, mas a gente vê muita coisa! Nossa, só as oitenta aulas de História...Existe um bocado de coisa aí, não é? Oitenta aulas de História!
P/2 – Então, quando você se vê hoje com essa experiência, olha para trás e vê aquela Alice que deu um pulinho para trás quando falou que ia ser mediadora de aprendizagem...
R – Sim! Ser unidocente, não é?
P/2 – Como é que você…?
R – Olhe, eu digo para os meus colegas: “Gente, o difícil é passar a primeira turma, entendeu? Você passou a primeira turma, todos os monstros vão diminuindo”. Porque é a primeira, não é? É estudar a primeira vez a Matemática, a Biologia, a Química, coisas que eu não via há muito tempo, desde o ensino médio, desde o cursinho. Olha só: 1992! Eu fui ver em 2014. Então, hoje, eu já me sinto à vontade. Eu não vou dizer que aprendi tudo, que eu sei tudo, porque é mentira, não é? Mas é incrível que agora eu estou vendo pela terceira vez os vídeos de Biologia. Cada vez que vejo, eu aprendo uma coisa diferente, entendeu? Eu vi a primeira, na primeira turma; vi a segunda vez, na segunda turma. Agora estou começando a ver de novo, na terceira turma. Você vai tendo... Você vai abrindo assim a sua mente e vai ficando mais tranquilo, entendeu? Porque, não sei, você consegue ampliar o seu horizonte de informações, que você já não vai com aquela tensão para a sala: “Ah, meu Deus, vou trabalhar hoje”. Hoje eu dei uma aula de Matemática para os meus alunos da turma nova. Era sobre frações e os números decimais. Mas, menina, parecia até que eu era professora de Matemática! MMC. Tirando MMC com eles lá, ensinando, e eles lá, olhando assim.
P/2 – E eles participando.
R – Participando. E eles: “Aham, professora”. Entendendo, tal. Eu até me senti uma professora de Matemática (risos). Eu acho assim, que a dificuldade é você passar a primeira turma. Depois que você passa a primeira turma, com a segunda você já vai adquirindo um amadurecimento e com a terceira você já consegue até relaxar um pouco. Porque você já consegue ter o domínio do que você vai fazer, do que você vai ensinar, da troca com eles, das experiências também, porque você vai adquirindo as experiências, não é? As dificuldades que você teve na primeira turma, você vai tendo na segunda também e você vai superando mais fácil isso, entendeu? Aí você já vai, vamos dizer assim, mais tarimbado para a outra.
P/2 – E como é a troca com eles?
R – Essa turma agora, que eu assumi agora no IEP, ela está com trinta e oito alunos. Ela começou com quarenta e um alunos. Três alunos tiveram problemas pessoais e tudo. Ela começou agora, dia 19 de março fez um mês. E eu estou com trinta e oito. Esses alunos, eles são diferentes. São alunos jovens, a maioria deles está fazendo dezoito anos este ano, eles têm dezessete e estão fazendo dezoito, alguns já fizeram. Eu tenho umas duas alunas que têm vinte e dois anos, assim. Então, eu já os coloquei para ler, todos eles já leram um pouquinho. Eu já vi que é uma leitura muito boa, uma leitura bem limpa, bem fluente. Eu estou com uma ótima expectativa com essa turma. E eles estão fazendo memorial, fazendo a questão das equipes, sexta-feira nós vamos fazer a apresentação das equipes. E eu acho que eles estão aceitando bem, entendeu? A metodologia. Nós fizemos o período de integração, nós começamos agora a teleaula, tem umas duas semanas que a gente está na teleaula. E eu estou achando uma troca, um feedback bem bacana com essa turma, sabe? Essa turma promete, eu acho (risos). Promete muita coisa. Nós fizemos agora o aniversário do IEP. O IEP fez 147 anos. Aí foi uma gincana que nós fizemos. A minha equipe era a equipe amarela. Eram quatro turmas, os dois Mundiars, uma turma do primeiro e uma turma do terceiro. Nós ganhamos a gincana. Levamos todas as tarefas, ganhamos um bocado de tarefas lá. E eles ficaram muito felizes, ficaram empolgados, ficaram encantados com a escola. Eu tenho alunas... Ah, eu tenho uma história para contar dessa turma, para vocês! Muito legal. Eu tenho um aluno chamado Vitor - Cauê Vitor. Ele fez o Mundiar do fundamental. Esse menino, sabe o que ele me falou? Eu fiquei perguntando: “Por que tu te atrasaste? O que aconteceu, tu repetistes e tal?” “Olha, professora, eu vou lhe falar. Eu fiz o Mundiar do fundamental”. Eu disse: “Sim, tu corrigiste a tua idade. E por que tu não fostes para o regular?” Ele disse: “Olha, professora, eu fui para o regular, primeiro ano, passei duas semanas. Não consegui mais ir, professora. Não consegui mais ir”. “Por quê, Vitor? Tu poderias estar agora no segundo ano, terceiro ano”. “Não, professora, não consegui. Primeiro porque eles eram tudo pequenininhos assim, quatorze anos, quinze anos e eu já tinha dezesseis para dezessete”. Sabe o que ele fez? Ficou parado um ano e meio em casa para poder chegar aos dezessete anos para poder ir para o Mundiar! Vocês acreditam isso? Ele me contou isso agora. “Não, professora, eu fiquei esperando. Eu fui duas semanas, não consegui mais ir. Eu fiquei um ano e meio parado em casa e agora eu vim para o Mundiar, no IEP”. Eu disse: “Meu Deus, o que é isso”. Eu fiquei pensando assim: “Poxa, por quê?”. Ele agora era para estar no segundo ano do ensino médio, ano que vem ia para o terceiro ano. Ele não se adaptou mais. E a gente viu um monte de aluno do ensino médio que entrou agora lá no médio, com dezesseis anos, que queriam ir para o Mundiar. “Gente, não pode, tem que ter dezessete, tem que ter dezessete” Eu tenho duas alunas também, que são do Mundiar do fundamental, mas elas estão na idade certa, elas não pararam. Elas são das ilhas de Belém. Aqui Belém é cercado de ilhas, vocês sabem, não é? Elas são da Ilha das Onças. Elas acordam lá quatro e meia, vêm de barco, atravessam aí a baía, de barco, para chegar na escola às 7:30 para vir ter aula. E elas não faltam.
P/1 – Com você?
R – Comigo, é. São minhas alunas dessa turma agora do IEP. Então, nossa, eu fico assim... Eu tenho que dar o melhor de mim para essas pessoas. Eu tenho que dar o melhor de mim, porque o sacrifício que eles estão fazendo... Que essas meninas fazem, de vir das ilhas todos os dias, de barco. Esse menino que esperou um ano e meio para entrar agora no médio! Para poder ter a idade. Então eu tenho que... Quando eu vou para a escola - eu falo para os meus alunos isso - eu esqueço todos os meus problemas. A partir do momento em que eu entro no portão da escola, eu esqueço, eu me concentro ali, na escola, eu me transporto para lá, para aquela sala, para aquelas pessoas, para aquilo que eu vou fazer naquele dia, e aí tudo flui. Porque se eu for para a escola com os meus problemas, com o meu salário que não aumenta há três anos, com a minha família, algum problema familiar, alguma conta para pagar, alguma... O que é que eu vou produzir lá? Eu vou brigar com os alunos, não é? Eu vou chegar lá e vou ficar descontando neles o meu problema. Eu não posso fazer isso, não posso. Então eu me desconecto assim. Dou bom dia para o porteiro, eu saio dando bom dia, eu saio entrando, e pronto, acabou (risos). E aí eu viro a professora Alice, está entendendo? Quando eu termino tudo, que eu saio do portão, aí eu já vou me voltando para os meus problemas lá, aí eu já volto (risos). Ah, tal coisa, tenho que fazer tal coisa, tenho que fazer isso, tenho que fazer aquilo. Aí eu volto para a minha rotina fora da escola, entendeu? Mas é assim, eu acho que a pessoa, ela tem que fazer o que ela gosta. Eu falo muito isso para os meus alunos também. “Ah, porque eu quero fazer Odonto”. “Ah, porque eu quero fazer Medicina”. “Gente, façam o que vocês gostam, porque você pode estar com um monte de dinheiro, ganhando um monte de dinheiro e você não está feliz. Você não vai fazer bem, você vai fazer por obrigação, você vai fazer mal. Vocês podem fazer qualquer coisa, mas o que vocês gostam, entendeu?” Aí eles ficam olhando assim. Porque você sabe da dificuldade, não é? E os alunos têm a dificuldade deles e, claro, eles pensam em melhorar a condição de vida, eles pensam em melhorar o salário, eles pensam em dar uma condição melhor de vida para a família. Então, eles vão pensar muito no econômico. E eu defendo isso, que você tem que ser feliz, não é? Eu acho. Se você está fazendo uma coisa em que você não é feliz, qual é a gratificação que você vai ter? Nenhuma! Não é verdade? É isso.
P/1 – Muito bom, não é? Então a gente fecha. Só quero perguntar se você quer dizer alguma coisa que a gente não perguntou, algum fato que você queira deixar registrado, um acontecimento que a gente não perguntou.
R – Olha, eu acho que eu falei tanta coisa. Eu falo muito (risos).
P/1 – A gente perguntou muito também (risos).
R – Eu sou demais de falastrona, gosto de contar muita história também. Conto história para caramba. Mas eu acho assim, o que eu quero falar é que esse projeto, essa metodologia, ele mudou a minha vida. Literalmente, não é? Porque vocês viram como foi. De repente, eu estou ali numa cidade, numa atividade, numa coisa, eu me inscrevo pela internet. De repente, acontece uma reviravolta na minha vida, eu mudo de cidade, eu mudo a minha visão de educação, porque o que a metodologia proporcionou para mim foi isso, uma nova visão de ensinar. Uma nova metodologia, uma nova forma, uma nova maneira de ensinar. E assim... Eu acredito muito em Deus, Nossa Senhora, eu sou assim. Eu acho que Ele vai te dando os caminhos, vai ajeitando as coisas, e eu vejo assim o projeto para mim como uma grande reviravolta na minha vida, literalmente. Mudança de cidade, mudança de metodologia, mudança até de convívio, porque eu passo a conviver com uma turma dentro da escola. Apesar de que os outros alunos todos me conhecem lá dentro da escola: “Ah, professora Alice, do Mundiar!” E assim... É mais ou menos isso o que eu sinto, sabe? Uma grande mudança de vida mesmo, não só profissional mas também pessoal, foi o que esse projeto me proporcionou.
P/1 – Muito bom! A gente sempre pergunta o que você achou de contar a sua história aqui para a gente.
R – Ah, eu amei! (risos) Eu amei contar. Tem tanta história que a gente vai lembrando às vezes, não é? Aos poucos. Eu me emocionei com a história de morar com a minha tia, de morar longe da minha família, mas faz parte da minha história, não é? E uma coisa que eu falei também para essa minha turma que acabou e para a outra turma também, esses alunos que passam com a gente esses dois anos, eles fazem parte da minha história agora. Assim como eu vou fazer parte da história deles, também. Mas assim... Eles são parte de mim agora, porque agora eu conto as histórias deles para os outros alunos que estão entrando, entendeu? As experiências, as coisas que a gente viveu na sala. Eles fazem parte da minha história, não tem como. Eu vou lembrar de cada um deles assim, para sempre. Nunca mais vou esquecer, sabe? E dessa turma também, vai ter uns e outros aí, ou todos que terminarem com a gente, não é? Porque vocês sabem que tem a questão de que um começa a trabalhar, outro casa, outro... Aí tem algumas desistências. Mas eu tenho certeza de que esses que vão ficar também vão fazer parte da minha história. Já fazem, não é? Já fazem parte da minha história.
P/1 – Muito bom! Fechamos com chave de ouro (risos). Parabéns pela sua história, pela coragem e ousadia!
R – É, tem que ter coragem, não é? Até para falar do primeiro namorado, do primeiro beijo, não é? (risos)
P/1 – Essa parte é fundamental (risos).
FINAL DA ENTREVISTARecolher