Histórias Que Reciclam
Depoimento de Ygor Montenegro Jacinto
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, data de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQR_HV07_Ygor Montenegro Jacinto
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Ygor, obrigado pelo tempo, pela disposição. Você pode falar pra gente o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Ygor Montenegro Jacinto. Nasci em São Paulo, hospital eu não vou lembrar, mas eu nasci de cinco meses e meio. Foi um milagre mesmo, eu tinha só um pulmão formado, o outro estava quase e foi aí, meu, estou aqui hoje e estamos aí.
P/1 – Conta mais um pouco desse episódio. O que sua mãe falou?
R – A minha mãe entrou totalmente em choque, né? O moleque vai nascer logo agora, nem esperava, cinco meses e meio. E ainda mais na época, 92, não tinha a tecnologia que tem hoje, todos os recursos. Mas mesmo assim, com fé em Deus e muita força dela também, conseguimos.
P/1 – E você ficou muito tempo incubado?
R – Fiquei, fiquei um tempo na incubadora, em torno de seis meses pra mais. Mas minha mãe sempre ali dando a maior atenção, meu pai também sempre na correria. Foi isso. Tinha meu irmão também, meu irmão tinha um ano e pouquinho, a gente tem a diferença de um ano e pouco, então é um negócio...
P/1 – Uma parceria.
R – Orra, a gente é brother, é coladão, da hora.
P/1 – E fala pra mim o nome inteiro da sua mãe e onde ela nasceu.
R – O nome dela é Maria Tereza Montenegro. Ela nasceu em São Paulo. Ela tem duas mães na verdade, a mãe dela adotou ela pra uma outra mãe que cuidou dela e oito mulheres que virou irmã delas e mais um irmão, então foi aquela bagunça. Ela foi criada no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Ela já viu de tudo, viveu de tudo, foi bem dureza pra ela. E agora a gente está aí, tamo junto, é muito louco, é muito louco da história dela, de tudo o que ela desenvolveu, da parte que ela saiu de lá e agora a gente está aqui na zona oeste, é totalmente...
P/1 – Uma vitória.
R – Foi bom, foi bom.
P/1 – Agora me conta mais um pouco disso aí. A mãe dela...
R – A mãe dela doou ela pra essas pessoas pra cuidar, pra essa outra mãe dela. E as duas se chamam Eunice, então tipo, só mudou de mãe (risos), o mesmo nome. E sempre está aí junto, minha mãe ajuda as duas, cuida das duas também como pode, tem um carinho pelas duas como mãe. Só que a mãe dela mesmo, de sangue, não tinha condições e acabou doando ela pra essa outra mãe dela que acabou cuidando dela até o tempo que durou. Depois ela saiu de casa e foi viver a vida dela.
P/1 – Então ela ainda conhece a mãe de sangue.
R – Conhece as duas, ajuda. A mãe dela de sangue, dona Eunice, mora na nossa casa na praia, fica cuidando dos nossos cachorros, temos dois cachorros, a Texuga e a Gordinha, é a maior vibe porque é bom pra ela. E bom também pra minha mãe, que minha mãe fica calma, fica mais sossegada, não tem preocupação com ela, é tudo mais tranquilo lá na praia. E a gente vai sempre visitar ela. E até a outra também que mora ainda no Capão Redondo com minhas oito tias que são as melhores tias do mundo, são arteiras pra caramba e é muito louco, é muito louco. É bom.
P/1 – E ela te falou como foi crescer no Capão, essas coisas?
R – Falou, falou que foi difícil. Falou que tudo de errado era o mais fácil, sabe? Se encontrar, de se ver. E é aquela coisa, da ponte pra cá quem fez e quem sabe aquele trânsito, é o caos, é cada dia quando você acordava você via um presunto. Era mó perigoso, era uma coisa perigosa, ainda é, mas não como antes. E daí foi um crescimento que ela foi pensando já em sair de lá, ela pensou: “Tenho que sair daqui porque não dá. O trânsito me atrapalha pro trabalho”, ou então muitas pessoas já veem aqui como uma zona de risco e daí um carona fica difícil. Então muitas coisas foram ficando difíceis pra ela e ela foi morar na casa de amigas e acabou mudando de lá. Ela puxou um pouco pra frente do Capão Redondo, foi morar um pouco mais em Santo Amaro. De Santo Amaro ela foi descobrindo, foi viajando, que daí só ela mesma que sabe contar pra gente um pouco, mas não esticou tudo o que aconteceu. Também acho que por parte de não lembrar muito as coisas. Mas, pô, foi uma coisa muito louca pra ela porque se for conversar com ela hoje ela leva uma coisa que é boa, de explicar pra gente qual é o certo, qual o errado, o caminho que a gente deve seguir ou não. E foi sempre muito de mostrar pra gente, desde pequeno a gente sempre ia pro Capão Redondo, via como era a forma de lá, como que a rapaziada era. Meus primos mesmo, a gente chamava os moleques de índio porque, mano, os caras toda hora queriam empinar pipa, fazer um monte de arte, que eu e meu irmão nem imaginava fazer. A gente sempre foi criado aqui na Vila Madalena, então.
P/1 – É outra vida.
R – É, é outra parada. Lá eles podiam empinar pipa na rua, já aqui a gente nunca pôde empinar pipa. Quando a gente empinou uma vez os policias logo pediram pra gente tirar o pipa do alto, a gente falou: “Porra, beleza”. Agora a gente meio que não teve essa criação do gueto, mas de forma aqui a gente não teve, mas lá no Capão a gente esculachava. Andava descalço, não sabia onde estava chinelo, o tênis zoado amarrava no fio. Era muito louco, era da hora, a gente curtiu.
P/1 – Eu vou chegar nessa parte da sua infância, mas eu queria perguntar agora do seu pai. Qual é o nome inteiro dele?
R – César Augusto Jacinto.
P/1 – Ele nasceu onde?
R – Ele nasceu na zona oeste, Vila Madalena. A gente não mora na Vila Madalena, a gente mora num bairro que chama Vila Ida, mas eles já dizem que ali é a área Vila Madalena. Esse bairro era um bairro também que não era flor que se cheira, sabe? Tipo, pra zona oeste, ainda mais no pico, porque quem entende da parte da Vila Madalena sabe que ali já foi época de brejo, foi fazenda, foi negócio que mudou muito. Depois veio a parte de lotes, cada um foi comprando um lote e montando as casinhas, aí foi mudando tudo. Nessa parte que mudou isso era coisa já do bisavô dele que deixou pra ele. Na época que ele era meio moleque já estava facção lá, então era droga pra cima, droga pra baixo, era tiroteio direto porque tinha a boca de cima e tinha a boca de baixo, aí os caras saíam no tiroteio doido lá. E ele era da parte que ele seguiu o Exército e fora o Exército ele é ex-pugilista profissional, então ele era bem reconhecido pela parte da luta, entendeu? Boxe pra ele era tudo. Ele participou dos campeonatos, participou de um campeonato pra pegar as Olimpíadas também, que é o brasileiro e foi indo, foi indo. Depois ele acabou parando também de lutar, por desistir. O Exército também ele saiu fora porque ele queria curtir o carnaval e os caras não queriam deixar, ele pulou fora. Ele acabou conhecendo a minha mãe, resolveu sair e viu que rolou.
P/1 – Depois que saiu do Exército?
R – É. Isso aí foi depois do Exército. Minha mãe ainda chegou a pegar umas lutas dele. No Exército ele lutava ainda. Começou o processo no Exército, depois ele levou como carreira e seguiu um tempo ainda. Hoje ele é separado da minha mãe, eles não estão mais juntos, mas ele teve um AVC, perdeu metade dos movimentos de um lado do corpo, mas está voltando aos poucos. Continua com o mesmo físico, forte. E trouxe essa genética pra mim e pro meu irmão. Eu mesmo não tenho a tendência de academia, meu irmão já é puta ogrão, sabe? (risos) O cara gosta. Mas eu gosto de luta, a gente treinou dos oito até os 18 anos.
P/1 – Boxe também?
R – É, boxe. Boxe e muay thai. Então eu e meu irmão, a gente sempre quis entrar numa academia de luta, mas ficava com medo de bater nos amiguinhos, sabe? Então a gente sempre treinou em casa com ele, ele sempre passou o treino pra mim e pro meu irmão, ensinando a gente a ter a calma, meditação, saber ver o próximo, a não tocar no próximo com a mão, mas sim com calma. É uma coisa boa, sabe? Ele ensinou uma arte pra gente que, querendo ou não, muitas pessoas precisam ter calma, saber observar, é muito louco.
P/1 – E ele te contou alguma história de quando ele era boxeador?
R – Orra, várias, várias.
P/1 – O que te marcou que ele te contou?
R – Ele me contou uma vez que ele colou, tipo, ele foi numa balada lá com os amigos, que era o antigo Palmeiras. Pra quem conhece, na época dele rolava uns flashbacks, black love, aqueles sons antigos mesmo, sabe? Aí meu, ele foi conversar com uma moça lá, chegou na moça, tal: “E aí, vamos nos conhecer”. O segurança estava dando em cima dessa mulher e ele não sabia. O segurança, por parte de ser grandão e ele baixinho, achou que ia dar conta desse cara. O meu pai já deu uma nele, o cara caiu, véio. Aí já vieram seis seguranças pra cima e ele derrubou os seis. Aí acabou, né, o pessoal da Vila Ida toda, estava todo mundo nesse Palmeiras, que todo mundo frequentava. Então todo mundo, quando viram ele batendo nos seis falaram: “Meu, o cara bateu nos seguranças da balada, não tem mais segurança”, a balada virou bagunça. E aí foi um quebra pau doido. E fora essa história, dessa briga, ele já me contou também, em parte da luta um cara golpeou ele por baixo, deu nas partes íntimas e ele estourou o cara pela metade. O cara perdeu a luta pela parte de bater embaixo e ele perdeu a luta por bater no cara até abrir toda essa parte do cara aqui. Foi um negócio que pra ele marcou que a luta já não estava dando mais pra ele. Da parte das pessoas quererem lutar de uma forma traiçoeira, ele falou que já não dava mais pra ele. E também já estava chegando o meu irmão e ele deu uma sossegada já.
P/1 – E eles te contaram como eles se conheceram?
R – Essa parte eles contaram meio que um comecinho. Eu lembro aos poucos porque eles comentaram quando eles estavam junto, faz um tempinho já. E por parte da minha dislexia é difícil lembrar, é muito... Eu só lembro das coisas quando eu estou muito focado.
P/1 – Não tem problema.
R – Mas eles se conheceram de uma forma muito louca porque meu pai gostou da minha mãe pela postura das roupas que ela usava, por ter mó corpão, mó morenona, sorrisão, cabelão cacheado. E ele todo bonitão também, trabalhava na Forum, na época que todo mundo queria usar as roupas da Forum, os pagodeiros. Ele vendeu para uma pá de gente, pro Netinho de Paula, um monte de artista pagodeiro ele vendia essas roupas porque ele acabou virando gerente da Forum. E aí ele conquistou a minha mãe sendo que os dois começaram a ter uma química muito louca que ele dava umas roupas pra minha mãe, minha mãe também falava: “Pô, negão já não é mal vestido, ele é bonito, tal, ajuda”. Foi rolando a química entre os dois, acabaram ficando junto uns tempos de namoro, se beijar, tal, acabaram tendo meu irmão. E nesse namoro ela acompanhava ele nas lutas e vice-versa, um estava acompanhando o outro sempre. E quando eu e meu irmão, a gente viu essas fotos, quando a gente parou pra ver as fotos dos dois era um negócio muito louco.
P/1 – Ah, é?
R – É, os anos 90, por aí, é um tempinho mais black power. Meu pai andava com black, minha mãe também, meu pai andava também com o cabelinho quadrado, uns óculos.
P/1 – Estilo.
R – É, entendeu? Era muito louco. Eu e meu irmão, a gente vê hoje essas fotos e fala: “Pô, caramba, olha os dois”, maior rolo, maior rolo.
P/1 – E a sua mãe fazia o quê na época que conheceu seu pai?
R – Então, a parte que ela trabalhava, ela sempre trabalhou com parte de Vendas, ela sempre se deu bem, mas acho que ela estava no começo da Gradiente ou então ela já estava num outro tipo de empresa que seria o foco dela, entendeu? Eu não lembro muito bem assim, mas eu só lembro até hoje da parte de todas as empresas que ela trabalhou, que eu frequentava muito era a Gradiente porque eu ia lá jogar Nintendo 64 direto, eu e meu irmão, a gente ia lá jogar Nintendo, tomar chocolate e comer lanche. Saía do colégio, era a primeira coisa que a gente fazia. E era muito louco também, é bom.
P/1 – E o seu irmão nasceu. Em que ano ele nasceu, qual é o nome dele?
R – O Caio, Caio Montenegro Jacinto. Putz, a gente tem a diferença de um ano e seis meses. Ah, ele nasceu em 90, é, foi. O cara já nasceu numa forma totalmente diferente da minha, o cara nasceu gordão pra caralho. Desculpa, pode falar?
P/1 – Pode, pode falar palavrão.
R – Desculpa.
P/1 – Não, fique à vontade.
R – Meu, ele nasceu gordão e ao mesmo tempo todo enxutinho assim, sabe? Meu pai ficou bobo: “Esse aí é meu filho. Caramba, todo fortinho, boladinho”. E ele é super, meu, é um cara firmeza pra caramba. A gente tem umas desavenças direto, coisa de irmão, mas é um cara gente boa. Ele já é mais de boa, de parte de sair, essas coisas. Ele é um irmão firmeza pra caramba. Gosta de uma academia, parou com a luta, mas mesmo assim de vez em quando a gente treina um pouco junto. E ele trabalha, segue a vidinha dele, é bacana pra caramba.
P/1 – E vocês dois cresceram na Vila Ida então?
R – Crescemos na Vila Ida.
P/1 – E como era a Vila Ida?
R – Na infância? Ah, a gente causava (risos). Era muito louco, a gente não parava quieto, era sempre skate. Playstation, chamava os amigos pra dormir em casa, comprava pizza, daí você tinha que sair correndo com a pizza porque senão os parceiros já queriam um pedaço. Meu, era muito louco porque a minha casa era sempre a reunião dos colegas, sabe? Então toda a criançada da Vila Ida ia pra minha casa, o portão ficava, tipo, estrumbado de criançada. Vinha gente da rua de trás e de lá de cima, do alto, que era a Queirós Aranha de cima, que a gente diz a Vila Ida de cima, que é a minha rua sentido subindo.
P/1 – Você nasceu na Rua Queirós Aranha, você morava lá.
R – Moro lá até hoje. A gente se mudou de lá, ficamos dois anos no Remédios, daí depois a gente voltou pra cá porque foi bem nessa fase que minha mãe se separou do meu pai. Isso aí eu já estava com 18 anos, meu irmão com seus 19, 20, por aí, nessa base. Daí a gente voltou agora pra vila já um pouquinho maior, mas quando pequeno a gente aprontava um monte, muito. Era skate pra cima e pra baixo, era bicicleta com o aro todo torto de descer e subir calçada, escada. Um zoando o outro, você tá ligado? Tipo: “Meu, ó o tamanho da sua beiçola, pé preto”, era muito louco, era muito louco. O meu irmão sempre vinha querer me zoar, porque é irmão, na frente dos amigos tem que se amostrar. Na roda eu era sempre o mais novo, então, tipo: “Vamos zoar o Beiçola”, que era o meu apelido. Aí o negócio aloprava, todo mundo queria me zoar e eu me sentia meio que: “Ah, demorou, vamos zoar agora”. Mas na hora de comer eu trancava a porta, ficava comendo primeiro e depois falava pros caras: “Vem comer”, daí só deixava um pedaço pra cada um. Eu falava: “Vocês não zoaram?”, era muito louco, era da hora.
P/1 – E o que mais vocês brincavam? Você falou de skate, videogame.
R – Skate, videogame. Fora isso a gente também pegava uns carrinhos de rolimã de madeira lá, meu, montava e ia pro arrebento. Tem uma rua próxima de casa que se chama Embratel, fica do lado do Parque de Pinheiros pra quem conhece. A ladeira ali é monstra, é grande. A gente descia de carrinho de rolimã a milhão, muito rápido. E de madeira, ninguém tinha freio, era os pés. Tinha gente que já saía com chinelo, não queria ir até em casa colocar um tênis, aí já voltava com a tampa do dedão já toda zoada. Mas era muito louco, a gente zoava muito. E fora isso também tinha bombinha, rojão, a gente aprontou muito, aprontou. As bombinhas dentro das caixas de correio dos vizinhos, as cartas iam tudo pro tchau, sabe? Conta tudo ficava atrasada. Meu, a gente aprontou muito, muito, muito.
P/1 – Que histórias você tem que você se lembra que você gostaria de contar? Que você aprontou, que te marcou mais.
R – Tem uma história que é a melhor que aconteceu com a gente até...
P/1 – Que vocês contam até hoje.
R – É. A gente chora de rir. Porque é o seguinte, a gente pulava numa casa que tinha do lado de casa lá, que tinha umas bolinhas de tênis. Tinha umas duas quadras de tênis nessa casa e a gente achou que essa casa estava abandonada, que estava chovendo de bolinha de tênis e a gente doido pra jogar taco, né meu? Fala: “Meu, estamos com tudo aqui. A casa ali lotada de bolinha de tênis e os tacos na mão, vamos pular”. No que a gente pulou, beleza, nada de barulho, não tinha ninguém também na casa, pensamos. Fomos lá e pegamos umas oito bolinhas. Jogamos com as oito, perdemos as oito. “Ah, vamos voltar lá e pegar mais uma cota”. Quando a gente foi pegar mais um pouco, tipo, o Luan, um amigo nosso, abriu uma porta lá que abriram várias, várias bolinhas assim. Guardadinha, empacotada, novinha. Eu falei: “Noooossaaa!!! Já era! Vamos jogar no saco e vamos sair fora”. Daí eu por ser o mais novo, o menor, os caras pularam primeiro pra depois pegar minha mão. No que desce pra pegar minha mão o dono chegou. Na hora que o dono chegou eu falei: “Corre, corre, pega a minha mão! Pega a minha mão!”, e os caras começaram a rir da minha cara porque eu estava assustado. E meu irmão assim. E eu com as bolinhas na mão, junto comigo, eu falei: “Ou vocês me pegam”, os moleques ficaram falando: “Da a bolinha que a gente te pega”. Eu falei: “Não, me pega primeiro e depois você pega a bolinha, a gente pega junto, leva junto” “Não, não, não”. O dono chegou com o cachorro. Eu falei: “Putz, agora vai me pegar, véio, já era, mano. O cachorro está aí, você não está ouvindo um barulho? Pega, vamos correr, mano, vamos correr, me segura”. E o Luan e meu irmão rindo porque a altura é grande, meu, não dava pra dar o impulso sozinho, tinha que tocar na mão. “Ô pega aí, ajuda aí, ajuda aí”, os caras rindo, rindo. Eu falei: “Beleza, meu, até a hora que o cara chegar aqui eu já comecei a chorar de nervoso. O cara vai me pegar aqui, vai chamar a polícia, avisar minha mãe. Minha mãe vai me dar aquele cacete, meu, por que eu pulei na casa dele sem permissão. Você poderia ter pedido bolinha, você poderia ter pedido pra ele, em vez de eu estar pedindo eu estou roubando”, tá ligado? Beleza, resumindo a história: o cara entrou, ele não colocou o cachorro lá no fundo, o cachorro ficou com ele lá dentro da casa e eu fiquei lá sentado sem fazer barulho algum no fundo da casa do cara, tipo, meu, esperando os caras jogarem pelo menos alguma escada, alguma corda porque até então os caras não iam conseguir me pegar porque ia fazer barulho raspando o pé. Aí meu irmão teve uma ideia de pegar a escada. No que foi pegar a escada o cara chegou. E me viu lá no quintal e falou: “Ô, que você está fazendo aí? Esse saco aí cheio de bolinhas, minhas bolinhas”. Eu falei: “Pô, desculpa aí seu japonês”, porque era japonês o cara, troquei ideia com ele naquele sentido, né? Alguém pegava numa linha: “A gente é moleque, brincava com taco, desculpa”, já chorando, né? Tipo: “Não fala nada pra minha mãe, pelo amor de Deus”. Daí meu irmão já ficou assim, falando pra mim que tipo: “Não, ferrou, já era. A mãe vai descolar, ele vai dedurar”. Graças a Deus que esse japonês foi muito bom. Ele chegou em mim e falou: “Pode pegar todas as bolinhas, meu filho! Isso aqui a gente já está fechando, eu só vim mesmo pra pegar uma pasta que eu deixei aqui, que eram os documentos da academia de tênis”. Depois quebraram essa academia e hoje montaram um condomínio de playboy lá, condomínio da hora, ficou super lindo. Mas pra gente dá a maior saudade porque meu, era bolinha com rodo, então pulava, tipo, a gente perdeu essa cota de bolinha: “Ah, não vamos ficar procurando, não, vamos pular no japonês”. Acabamos com as bolinhas do japonês em questão de uma semana. E ele mesmo queria que acabasse porque também não ia ter vazão pra tudo aquilo. Então foi de uma forma que ao mesmo tempo que eu fiz o errado e deu certo. E a gente dá risada porque, meu, eu fiquei muito em choque. E eu fiquei muito, porque eu falei: “Meu, o cara vai me dedurar, o cara vai falar pra minha mãe, minha mãe vai me quebrar”. Porque era isso, né? Mãe quando pega o filho dá cintada, dá chinela e ninguém escapa. Meu, é muito louco, quando a gente lembra disso os caras falam: “Beiçola, seu beiço ficou muito grande na hora que você estava chorando”, foi forte.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Estava com dez anos.
P/1 – Dez anos.
R – Dez anos. Antes disso já tinha aprontado muito já. Aprontava dentro de casa, pegava a bicicleta do meu irmão, tirava umas coisas que tinha na bicicleta dele e colocava na minha (risos) porque eu achava a dele mais invocada. E fora isso eu nunca fui muito de ficar com os moleques na rua porque meu irmão ficava me excluindo porque ficava falando: “Você é novo!”, ou então ficava falando que eu tinha chulé (risos), tá ligado? Pra não ficar junto. Porque os moleques também eram um pouco... eu tinha um ano de diferença então pra eles era muito esse um ano. Hoje quando a gente conversa, todo mundo na mesma roda os caras falam: “Porra, ó o Beiçola, esticou”, hoje eu sou maior do que todo mundo da roda, os caras ficavam: “Meu, ó o tamanho do Beiçola, se ele carregasse tudo o que a gente já fez com ele, ele ia quebrar nós tudo aqui agora na roda” (risos). E é muito louco, muito louco. Tenho vários amigos ali, vários. Luan, Cauê, Diegão, tem muita gente. Nestor. Esse Nestor já é um cara mais velho da vila, a gente treinava com ele muay thai, foi a primeira academia que eu e meu irmão entramos pra treinar após treinar com meu pai, isso já era com uns 12, 13 anos. A gente sentava a porrada em todo mundo porque eu pegava menino da minha categoria era só os molequinhos franzinos e eu já tinha noção, então batia sem querer nos caras, véio. Eu acabei desistindo da academia porque eu falei: “Não adianta eu ficar indo e sempre fazendo os mesmos golpes, as mesmas técnicas, sendo que tem que dar certo”. Meu irmão também acabou desistindo, depois ele quis trocar eu e meu irmão pra treinar com um pessoal mais velho, daí fora que eu não aguentei: “Tudo bem, eu tenho uma noção mas não dá pra treinar com os caras já grande”. Mas foi bom também, desenvolveu muita coisa em mim, agilidade, noção, foi bom.
P/1 – E você jogava futebol, gostava de esporte também?
R – Basquete. A partir dos 15 anos comecei a jogar um basquete. Aí jogava naquela época AND1, quem curtia AND1 que é um street, meio que um basquete de rua. Participei também da peneira da AND1, cheguei ao segundo estágio só, consegui ganhar uns autógrafos de uns caras que jogavam na gringa, o Hot Sauce, o 2AND2, eles falam lá, que eram os fortes. E fora isso fui na GVD, que foi um dos caras que apoiaram a NBA aqui no Brasil e montou uma marca com uns tênis da NBA, com umas roupas da NBA aqui. Daí eles fizeram um evento e acabaram trazendo o Leandrinho. Daí eu tive o prazer de conhecer esse cara pessoalmente, eu fiquei bobo, bobo, porque meu tamanho perto do cara, a mão do cara dava a minha cabeça assim. Bem no dia que estava tendo esse evento ele falou: “Ah, vem você aqui jogar”, eu falei: “Puta, logo eu? Meu, nossa, que da hora, eu vou jogar com esse cara”. E joguei com ele mó natural, com medo pra caramba, mas ali, tipo: “Você não vai conseguir pegar bola de mim, meu, o seu tamanho não dá”. Consegui dar um corte nele, até fiquei mó feliz e ele mesmo falou: “Bom! Bom! Bom!”, daí fora que ele acabou também com a minha graça, né? O cara pegou a bola, deu uma dunk que eu falei: “Putz, meu”, mas foi muito bom, gostei pra caramba. Daí foi nisso que foi criando o desempenho pra gente treinar mais. A gente jogava com uns amiguinhos lá perto de casa, o Cauê também, o Luan. O Luan chegou a jogar um tempo na LUB, nos times aí bons. O Cauê chegou a jogar na AND1 Brasil, conseguiu passar na peneira na frente de todos os amigos e conseguiu. Então ele recebia as roupas lá do time e dava pra gente, fazia um dividir, sabe? Dava umas bermudas, regatas, tênis. A gente ficava super feliz porque era mó caro na época, ninguém trabalhava, então, era difícil ficar pedindo pra mãe também, que mãe uma hora cansa, não tem também pra dar. Mas era muito louco, era bom.
P/1 – E você falou que gostava de videogame também, né?
R – Ô, videogame, meu!
P/1 – O que vocês jogavam?
R – A gente conseguiu comprar um Playstation 1 de um vizinho lá, que minha mãe que acabou dando a grana, 250 reais que a gente pagou na época.
P/1 – Você se lembra direitinho.
R – Lembro, lembro. Porque estava fissurado, o vizinho já ia comprar um Play 2 e a gente no Play 1 ainda. Mas mesmo assim pra gente era a maior diversão, pra mim e pro meu irmão era aquela coisa, videogame dentro de casa eu nem saía de casa pra rua, chamava os moleques da rua pra vir pra dentro de casa pra jogar, era a maior fila de gente pra jogar. E aquela coisa, o próximo nunca quer passar pro próximo (risos). “Perdi? Não perdi nada, mano!”, era muito louco. A gente sempre ficou muito fissurado nessa parte de videogame. Aí, o Playstation 1 queimou a gente jogando NBA, eu e meu irmão, acho que o videogame não aguentou mais tanta pancada de jogar controle em cima, de perder e sem querer, sei lá, sabe aquele sem querer caiu no chão, mas dá um tapa no videogame e fala: “Pô, perdi de novo!”. Era muito louco e acabou quebrando. A gente correu atrás de comprar um Playstation 2 mas estava muito caro e a gente falou: “Ah, deixa quieto”. Minha mãe até prometeu de dar um pra gente no fim do ano, mas também estava meio puxado pra ela e ela não pôde dar. A gente foi comprar depois de velho, com 19 anos eu comprei um com meu irmão, cada um deu um dinheirinho e a gente comprou um Playstation 2. Aí depois, agora comprei o Playstation 3, que eu falei pra ele: “Meu, agora já era”, tipo, vamos jogar. Mas mesmo assim a gente nem para em casa pra jogar mais. Pra você ter noção hoje ele já até largou de mão assim, deixa lá, vai filhos de amigos em casa daí eles se divertem bem mais que a gente. Mas é mó bom, meu, puta, a gente curte pra caramba.
P/1 – E você assistia TV também? Ouvia rádio.
R – Sim, sim. Via muito TV Cultura. Minha mãe sempre colocou eu e meu irmão pra ver TV Cultura, essas coisas. A gente nunca foi muito fissurado em novela, em reportagem, essas coisas, porque muita coisa ela já sabia que poluía a nossa cabeça, deixava a gente muito nervoso, pilhadão. Fora do videogame, o videogame já deixava a gente nervoso, então era bom a gente ver um desenhinho, ver alguma coisa mais calma. E até hoje, com 23 anos nas costas eu ligo lá na TV Cultura, vejo Castelo Rá-Tim-Bum, O Pequeno Urso, nossa meu! Tem vários desenhos lá que eu piro, eu piro. Alex e Alexander, os ratinhos lá, é muito louco, é muito louco.
P/1 – E me diz como é que era o humor da sua mãe e do seu pai na sua casa? Como é que funcionava?
R – O meu pai sempre foi muito dado. O meu pai conhece a Vila Ida toda. E é isso que eu puxei dele porque eu também conheço todo mundo, da Vila Ida, Vila Madalena, da Faria Lima, vai puxando ali desde Pinheiros, desde o Alto de Pinheiros ao Alto da Lapa, Lapa. Todo mundo. É muita gente que por ele também acabei conhecendo. Ele fazia muito churrasco em casa, ritmo de festa era sempre. Minha mãe não, minha mãe já era mais um pouco fechada, já queria mais um pouco de tempo pra ela, queria viajar, queria mais ficar entre eu, meu irmão e meu pai, ficar junto ali com a família. Mas também ela não deixava de curtir as festas, ela sempre foi mais calma, mas também gostava do auê. Meu pai gostava de tomar umas, então sempre tinha amigo pra tomar uma, sempre tinha amigo pra fazer a festa, churrasco. E pra mim e meu irmão era o máximo, né? Deixar de comer arroz e feijão na panela pra ficar só comendo carne da churrasqueira, orra, a gente curtia muito. E a energia era boa.
P/1 – Nessa época, mas também hoje, onde você gosta de ir na Vila Ida, na Vila Madalena, as pessoas que você conhece, quem são especiais que você gosta?
R – Partes da Vila Madalena que eu vou. Eu vou em todos os bares ali, desde o Quitandinha ao Companhia, ao seu Domingos. Posto Seis. Eu conheço todos os gerentes, filhos de donos, então os caras já vêm numa coletividade, a gente: “Pô, então vou estar em tal bar”, daí a gente vai, todo mundo se encontra, toma aquela cervejinha mesmo, dá aquela risada, lembra de umas paradas de antigamente que a gente tinha vontade de ir pra Vila Madalena mas não tinha idade. Ou então tinha idade, mas não tinha dinheiro, então era muito louco. E a rapaziada que eu tenho lá como coração são muitos, são muitos. É muita gente porque muita gente viu eu e meu irmão crescer, muita gente chegou agora e a gente já soube acolher pra ficar mesmo, seja a pessoa que tenha dinheiro, seja a pessoa que não tem, que tipo, meu, está ali com os amigos, seja a pessoa que não tem amigo a gente puxa pra gente também. A gente tem um ponto lá que a gente se encontra todas as sextas-feiras, que é tipo todo mundo da molecada da vila cola lá, então cola na base de umas 12, 14 pessoas, dessas 14 cada um chama mais um, fica 20 e poucas. A gente fica numa praça que chama Café do Ponto, que é mó galera também que cola, aí vêm os vizinhos que já são de antigamente, que é o Luan. Pô, mudou totalmente a feição do neguinho catarrento que andava só com a canela cinza, hoje o cara está totalmente mais trabalhado (risos). Hoje ainda a gente até se zoa nesse sentido de ficar um zoando o outro. Tigrão que é um cara já velho da Vila, na época que meu pai já era o mais velho esse Tigrão era da minha idade hoje, então ele acompanhou a forma que meu pai foi cuidando de mim e do meu irmão e hoje o cara é mó brother meu como foi brother do meu pai, é amigo meu e a gente senta junto pra tomar cerveja. E hoje a gente troca a maior ideia. Tem o Tigrão. Tem muita gente, Chalão. Ah meu, tem muita gente, eu vou falando os nomes assim. Tem a Grace também, que é da época do meu pai. O Cássio, o Paulinho, caras que trabalham aqui e também são lá da Vila. É muito louco, muito louco.
P/1 – E você estudou onde, a primeira escola?
R – Estudei no Victor Oliva. Victor Olivera era colado de casa, dois quarteirões, então nem tinha como cabular, não tinha ideia de sair mais cedo e inventar papinho furado que era um dois pra mãe chegar lá e perguntar: “E aí? O que está acontecendo?”. Mas era muito louco porque a forma que eu estudei ali eu conheci muita gente que precisava, sabe? Eu estudei com uns moleques que moravam num abrigo, os moleques não tinham pai nem mãe, muitos chegaram a ir pra Febem porque não tinham casa, não tinham família. Muitos eram mal humorados, era cara feia mesmo, o que você tivesse de bom os caras quebravam mesmo pra você se sentir zoado igual eles. Quando eu entrei nessa escola eu achei: “Putz, o cara vai me quebrar, os caras vão me zoar”. Totalmente o contrário, os caras queriam andar comigo toda hora. Eu falei: “Meu, o que vocês querem andar comigo?”, e o fato é que eles queriam andar comigo porque eu sempre estava com lanche. Eu falei: “Porra, caralho, eu estou sem lanche os caras saem fora, eu estou com lanche os caras vêm. Então demorou, vamos começar a pedir um dinheirinho a mais pra minha mãe e eu vou dividindo o lanche”. Ao invés de comprar duas coca-colas, ou então uma coca-cola e um salgado eu começava a comprar dois salgados, aí ficava um pra eles e outro pra mim. Aí os moleques já começaram a ter uma afinidade tipo: “Pô, um pelo menos aqui pensa diferente, sabe dividir”. Foi a hora que eu comecei a ganhar os caras. Em vez dos caras quererem quebrar minhas coisas eu comecei a ganhar os caras. Daí a gente começou a dançar capoeira, foi a época também que a gente começou a aprender a dançar BBoy, esse negócio de hip hop, tal.
P/1 – Você dançou muito.
R – Orra. Até hoje, quando eu vejo algum momentinho assim que eu estou curtindo um som, algum pico legal, eu vou lá, curto um pouquinho, danço um break, é muito louco. Aí com os moleques do abrigo foi que eu criei mais vínculo ainda que eu acabei entrando dentro do abrigo, entendeu? Não sem precisão de pai, mãe, essas coisas, mas a forma como eu gostei dos moleques, os moleques gostaram de mim também, então a gente criou uma amizade que a dona do abrigo que cuida deles, que é do lado de casa falava: “Manda o Ygor vir pra cá”, então já dormi lá. Eu jantava lá, tomava café e dançava lá com os meninos que eles tinham tipo um salãozinho com um monte de espelho, a gente fazia umas coreografias juntos. Era época que a gente ouvia uns B2k, uns sons black antigos. E a gente começou a desenvolver uma amizade que era muito louca. E até então eles começaram a se abrir comigo e me explicar toda a história deles até o tempo que eles acabaram saindo de lá com 18 anos. Então a gente viveu desde a segunda série até os 18 anos, que daí o abrigo abre as portas para eles viverem a vida deles como eles quiserem, que aí eles já são responsáveis por si. E com esses daí eu lembro até hoje, o Fernando, o Davi, o Testa, vixi, Dieguinho. Meu, os moleques eram muito atrito, os moleques eram terríveis mas, ao mesmo tempo, a cabeça dos caras tudo mudou, hoje em dia uns já são pais, outros já casaram. Menos eu que ainda estou acarado aí, mas tamos aí. Mas porra, vejo os caras no desenvolver pra coisa boa sendo que os caras tinham tudo pra dar ruim, tá ligado? Já não teve um pai e uma mãe, fora isso não tinha presente. Tinha presente naqueles momentos só de festa de aniversário, ano novo e Natal, fora isso não tinha nenhum tempo de ganhar presente e nem tinha gente pra dar. Era muito louco pros caras. Os caras me viam com coisa nova, viam minha mãe dando as coisas e eu sempre: “To moleque, to moleque”, e aí criou uma união do caralho. Meu, curti pra porra, foi um crescimento que pra minha cabeça também comecei a ver tudo de outra forma, não só pra mim, as coisas que eu tinha não eram só minhas, eram para os meus amigos também. E trocava brinquedo meu novo quebrado com os dos caras (risos). Ixi, fiz vários rolos que minha mãe olhava: “Você só sai perdendo, Ygor!”, eu até falei: “Mãe, putz, deixa, já trocou, não tem como falar pro coleguinha: ‘Ah, vai destrocar’”. Mas foi bom, foi bom.
P/1 – E a sua relação com o Capão Redondo, como é que foi?
R – Nossa, eu amo aquele lugar, amo, amo! Não tenho medo algum, vixi, até hoje.
P/1 – Sua mãe levava vocês lá.
R – Levava. Levava pra gente ficar junto com meus primos. Eu pedia pra ela pra ficar lá com as minhas tias de férias, era muito louco. Porque querendo ou não eu empinava pipa, falava palavrão, coisa que em casa, tipo, na rua de casa não podia falar que neguinho já, os vizinhos tudo fiscal da vida alheia, falou o primeiro palavrão vem todo mundo: “Tereza, vi seu filho ali, maior boca suja” (risos). Era osso, mas com meus primos lá, minhas tias mesmo já falavam, daí a gente já pegava o bonde andando, falava também. Era muito louco. A gente soube aproveitar bem, bem. E a gente aproveita até hoje quando a gente vai lá, vê nossos primos, as tias mesmo. O pessoal da rua lá também, veem eu e meu irmão e não acreditam como que a gente desenvolveu tanto, porque a gente era franzino, só o pó, magrelinho. Agora vê os caras, puta, os caras estão um armário, o tamanho dos caras. Mó da hora. E é mó bom, minha mãe soube de toda forma levar a gente pra conhecer lá, conhecer em todas as áreas um pouquinho do Capão, muito bom. E ela explicava pra gente: “Vivi em tal lugar, vivi aqui. Tinha amigo aqui, tinha amigo aqui. Tinha um namoradinho ali”. Muito louco, mó bom.
P/1 – Agora vou fazer uma pergunta mais sobre reciclagem. Na época da sua infância você sentia que havia essa preocupação das pessoas?
R – A gente tinha já a parte de vender latinha. Eu e meu irmão juntava no fundo de casa e a minha mãe levava num lugar lá, vendia e trazia dinheiro pra mim e pro meu irmão. Então a gente já tinha uma noção que isso girava um dinheiro, mas não sabia que tinha outros tipos de materiais como papelão, esses outros produtos. Mas já tinha essa noção. E fora isso a gente nunca pensou que ia tocar no lixão, nunca, nunca, pra gente tudo era lixão, menos a latinha, porque a latinha que trazia dinheirinho do sorvete ou de alguma coisa que a gente precisasse ali no momento.
P/1 – E na escola não se falava muito disso?
R – Não rolava, não rolava, porque não tinha o que mostrar, entendeu? “Vocês vão reciclar, vocês vão fazer isso e aquilo”. Mas onde tem uma cooperativa, onde vai esse lixo? Só mostravam que existia um lixão monstruoso com o mesmo tempo que tinha material reciclável tinha lixo, lixo de lixo, de cachorro morto a gato zoado, então era um negócio bem zoado mesmo, não tinha essa parte de esteira, não tinha nada, o pessoal ia nesse monte, pegava seu material, pegava as coisas que achavam, fazia seu rolo, seu dinheiro e isso. As pessoas saíam também contaminadas porque tinha muitas coisas químicas, zoava a pessoa, a pessoa não ia como uma forma de trabalho ia como uma forma de: “Vou fazer um dinheiro, mas não sei se vou voltar pra casa”. Porque tinha muitos produtos químicos, muitas coisas.
P/1 – Então era mais ou menos isso que era apresentado pra vocês.
R – É, não tinha o que mostrar também porque até então, se você for ver, a reciclagem foi dar uma crescida de 2000 pra cá, não teve alguma parte que possa ter explicado antes pras crianças ou até mesmo pra quem seja mais velho que eu saber. Pra eles tudo era lixo.
P/1 – E você ficou do infantil até o ensino médio na mesma escola, é isso?
R – Não, não, troquei, troquei. Saí do Victor Oliva na segunda série, entrei na segunda série, fui fazer a segunda série, repeti por causa da dislexia, fiz de novo. Aí me passaram porque, porra, repetir o cara de novo não dá (risos). Aí fui pro Sesi. No que cheguei no Sesi fiz da terceira até a oitava série. Foi quando eu conheci outros tipos de amigos, amigos que tinham dinheiro, amigos que não tinham, mas mesmo assim eu não queria estar ali junto com eles mas queria que eles olhassem pra mim como se fosse todo mundo normal como eu via meus parceiros antes, meu, os caras eram pau e pedra lá comigo, eu queria que os caras também fossem. E acabou sendo com todo mundo do colégio, tipo, todo mundo do colégio já me adorava, o pessoal da oitava que era de uma série muito a mais, já altão, curtia conversar comigo, trocar ideia comigo. Porque uma vez os moleques, vamos dizer, mais fudidos da oitava vieram brincar comigo com uma brincadeira de salgadinho, fazia assim na minha testa, aí antes dele jogar na minha testa eu peguei e joguei na testa dele e falei: “Parça, não dá, brincadeira boba”. E saí andando, eles vieram me pegar pra me dar um cuecão e eu falei: “Ô, você me dá um cuecão aqui agora, daqui a pouco vai estar a Vila Ida toda aqui no portão”. Foi isso mesmo, eu chamei todo mundo da Vila Ida e foram todos os amigos da Vila Ida pra porta do Sesi. Os caras achavam que o Sesi era um puta colégio de boy, tal, mas ao mesmo tempo quando os caras da oitava viram toda aquela galera, falaram: “Meu, você é louco! Mexemos com o cara errado”, tipo: “Entrou um cara dentro do colégio que não dá pra”... e foi aí que começou a parte do respeito também entre os amigos, começou a chegar mais gente perto de mim pra se sentir mais seguro (risos). Foi muito louco, o Sesi me ajudou pra caramba. Os professores também.
P/1 – Você gostava deles?
R – Ah, tinha uns professores ali, a Nilvia, a Sheila, elas me ajudaram muito. A parte da dislexia, a parte da minha dificuldade, muitos professores levavam no preconceito, sabe? Preconceito mesmo, de falar: “O cara é burro, esse aí não vai ser nada, esse aí vai ser um lixeiro, esse aí vai ter o destino dele no lixo ou então vai ser morador de rua”. Ouvi muito já falar que não tinha nem chance de eu terminar o colégio. E mesmo assim tinha outros que falavam: “Não, ele consegue, a gente vai desenvolver isso nele, a gente vai ajudar ele”. E na sexta série eu comecei a ler, foi bem difícil. Então da segunda série, sendo que neguinho já estava sabendo falar o a, o b eu já ficava panguando, olhando a vaca voando, sabe? Era bem difícil. Agora pra mim, até hoje para eu ler em voz alta eu já começo a gaguejar, travar, embaralho as linhas, então começo a ler pulando linhas. Agora quando estou lendo sozinho, comigo, com a minha calma, é totalmente normal. Se eu ler alguma coisa e conversar com você o que eu li é bem mais fácil eu explicar do que eu ficar lendo. E vai ser bem mais fácil você me entender eu explicando do que eu lendo porque você só vai entender o que que que picadinho quando eu estiver lendo.
P/1 – Agora você falou desse seu problema, como é que você percebeu que você tinha algo, ou alguém falou?
R – Minha mãe sempre deu uma olhada nisso, sempre focou nessa parte minha de déficit de atenção, eu ficava panguando na aula, a professora passava a matéria, pra mim eu achava que já sabia. Ou então até sabia, mas não da forma como ela estava explicando ali, eu queria explicar da minha forma, muitas vezes foi isso, a professora saía da sala nervosa porque eu falava pra ela: “Eu já sei o que você está falando, tia, fala depois, para de ficar me chamando". E eu olhando pra janela, esperando dar o intervalo, ou então esperando ela terminar com essa aula chata, que eu queria que chegasse a próxima aula de uma professora que eu era apaixonado, a Patrícia. Era uma puta loira, bonita demais, eu ficava doido por ela.
P/1 – Ah, é?
R – E ela que chegou na parte da minha mãe, de abrir o olho da minha mãe e falar: “Meu, ele tem algum problema com atenção”. Daí começaram a pesquisar tudo essa forma no colégio também e minha mãe começou a pesquisar fora, me levando nas clínicas e falaram pra ela que tinha a ABCD, não sei se vocês conhecem, que cuida da parte dos disléxicos. É um projeto que pesquisa do disléxico e vê o nível de dislexia que ele tem. Então tem primeiro, segundo, terceiro nível. Acho que agora deve ter um pouco mais, mas eu era o terceiro, era a mesma base do que o do Einstein, o Einstein também era um disléxico. É uma coisa que a gente pensa aqui, você está conversando comigo, você me explica uma fórmula, eu vou entender essa fórmula que você está me falando agora, vou entender, está gravado aqui pra mim agora. Agora se daqui cinco minutos você me perguntar, fórmula nenhuma vai existir mais, você explicou pra mim tá bom, tá, eu entendi, mas não vou lembrar agora. Vou lembrar daqui uns quatro, três dias, ou então posso lembrar daqui duas, três horas e vou falar pra você: “Pô, você lembra aquilo que você me falou? Então, isso, isso, isso e isso”. Aí minha mãe me ajudou muito nessa parte com o ABCD. Eles encaminharam para uma psicóloga e essa psicóloga que eu acompanhei, que eu falava do que eu comi de ontem, de anteontem, do que eu deixei de fazer, se eu tomei banho, se escovei meus dentes, e depois eu fui pra psicopedagoga que me deu a maior mão de todas, foi uma segunda mãe pra mim, nossa, Maria Roberta é o nome dela.
P/1 – O que ela fez?
R – Porque ela ia no colégio brigar por mim, sabe? Ela tomava a frente mesmo e era muito louco porque muito professor falava: “Então esse moleque não vai aprender”. Daí ela falava: “Você tem obrigação de ensinar ele. Você tem que se esforçar, não é ele que vai se esforçar pra te entender, você vai ter que se esforçar pra ele te entender”. Era muito louco porque eles começaram a mudar a forma de prova comigo, a forma de analisar. Tinha uns professores que faziam com birra mesmo porque já queria meio que falar: “Não dá, o cara não vai pra frente”. Tinha outros que tiveram uma puta paz comigo e eu consegui entender eles, passava com uma nota super boa com eles, que eles faziam prova teórica comigo, então era muito louco.
P/1 – E como é que isso te afeta além disso? Você lê as coisas...
R – Muitas vezes eu até ando com a caneta no bolso e minha mão eu sempre estou marcando e lavando ela porque é muita questão de estar aqui com vocês, você fala pra mim: “Então Ygor, daqui umas duas horas eu posso passar aqui pra pegar uns sacos de PET com você ali?”, eu vou anotar e falar pra você: “Tá bom”, mas eu vou ficar com isso, tipo, olhado pra minha mão e não esperando apagar, ou então eu vou já correndo pra perto de um papel e anoto e fico lembrando desse papel toda hora para eu não esquecer com você e não falhar e ninguém ficar falando comigo na minha cabeça porque senão já era. E é muito rápido isso. Eu não ando com carteira porque sempre deixei minha carteira em algum lugar, sempre alguém teve... dinheiro eu só ando com pouco, ando com o dinheiro preciso que eu vou usar, porque eu tenho a tendência de colocar a mão no bolso e esquecer qual bolso eu coloquei. E nessa de eu ficar colocando a mão em todos os bolsos o dinheiro já pode ter caído, o vento levou, aconteceu isso direto. O cartão, eu coloquei no meu cartão de débito uma fitinha amarela que chama bem minha atenção para o caso de se eu deixar em algum lugar, procura a fitinha amarela, primeiro a fitinha amarela.
P/1 – Pra destacar.
R – É, porque eu sempre deixo em algum lugar. Se eu chego em algum barzinho e deixo em cima da mesa, batata, na hora que eu chegar no estacionamento eu vou falar pra você: “Ô mano, cadê meu cartão?”, é muito louco. Os amigos mesmo já se acostumaram com meu jeito, sabe? Até minha ex-namorada me ajudava pra caramba nisso porque ela via que eu esquecia não na maldade, mas acontecia. E até hoje é muito louco. Tem momentos que no trabalho, que eu estou focado num peso que eu acabei de pesar ali e aparece outro peso, puta, aquele peso lá eu esqueci. O que eu faço? Pego o material de volta, peso de novo, perder tempo mas vou conseguir marcar, vou finalizar. Isso ao mesmo tempo vai também me ajudando a lembrar das coisas e lembrar de anotar, e é bom.
P/1 – E pra leitura você também falou que...
R – Sim, sim. Pra leitura, se eu ler agora um livro aqui, um verso de um livro pra você, olhando pra você eu vou gaguejar pra caramba, vai demorar pra sair. Fora isso eu vou acompanhando a linha, mas eu vou ter que acompanhar com uma régua para eu ler com você porque senão eu já vou pulando as linhas, pra ir da forma mais rápido e acabar logo pra você não ficar me apertando mais, pedir mais nada, sabe? (risos)
P/1 – Você tem problema de ansiedade também.
R – Sim, muito, muito. Eu sou muito ansioso, mas ao mesmo tempo eu penso naquela forma totalmente diferente, tipo: “Ah tá bom, não vai fazer? Então deixa pra amanhã. Amanhã é um novo dia, deixa pra amanhã”. Nessa de deixar para amanhã eu já esqueci o que era pra fazer na ansiedade, vou deixar pra amanhã daí amanhã eu vou ficar ansioso, amanhã sim, porque amanhã eu vou pensar naquilo, tipo, do começo da manhã na hora que eu acordo eu já vou estar já, é aquilo, é aquilo, é aquilo, mas no dia mesmo já vou esquecer.
P/1 – Mas engraçado que a gente está conversando aqui e você está se lembrando de tudo, eu falando, você entendendo.
R – Então, é porque isso sempre em partes que eu te falo que me gravam. O que me grava é único. Se você perguntar, que nem, minha mãe fica boba porque muitas vezes quando eu encontro alguém, amigo meu, eles não lembram da forma como eu já encontrei eles mas eu falo: “Você estava com tal roupa, laranja, tal, tênis tal, camisa tal, não foi você?”. Foi. Minha ex-namorada mesmo, antes da gente se conhecer, puta, foi muito louco. Eu fui numa balada, vi ela na porta, tal, mas nem cheguei nela. Ela estava ela e mais duas amigas lá. Eu cheguei numa outra menina, num outro canto e falei: “Meu, aquela mina é feia pra caramba”, e essa é a minha ex-namorada, pra ter ideia. “Aquela menina é feia pra caramba, não pego ela nem chupando uma cana pura, mano, da cachaça”. Eu estava bebendo pra caramba. Falei: “Pô, vou conhecer essa moreninha aqui mas não a”. Cheguei na moreninha. Os meus amigos Luan e Gabriel foram nessa menina que é minha ex-namorada, tá ligado? Ficaram com ela e eu falei: “Mano, você ficou com essa menina mó feia, véio, tal, tal”. Beleza. Se passou uns três anos, daí eu encontrei essa menina lá na Praça Pôr do Sol, velho, que é minha ex-namorada. E quando encontrei ela com uma amiga dela que era minha amiga, que eu ficava com essa amiga dela, eu me encantei com ela e fiquei: “Meu, é você véio”. E olha como é, eu xinguei a menina de feia, mas quando eu vi ela, tipo, foi o brilho, tá ligado? Foi um colírio assim. Aí eu lembrei pra ela: “Meu, você estava com uma camisa vinho, uma calça jeans preta, uma botinha skinny e um cabelinho meu chanelzinho”. Ela ficou com a boca aberta, tipo: “Meu, como você lembra disso?” “Sua amiga Michele estava com um chapeuzinho de reggae, com vestidinho meio floridinho”. Ela falou: “Meu, como você lembra disso?” “Tá vendo, são coisas que marcam”. Então pra mim o que marca, aquele momento fica.
P/1 – Fica gravado.
R – Fica. Então é um negócio que eu posso esquecer de te contar agora, mas daqui a pouco eu posso falar pra você: “Então, lembra velho, aquilo que eu te falar? Então mano, é o seguinte, tal, tal, tal”. É muito louco.
P/1 – E conta pra mim quando você começou a se interessar pelas meninas, essa parte de namorinho. Foi na escola, foi no bairro?
R – Não, eu sempre fui encantado por olhar as meninas, as mais bonitinhas do colégio, tá ligado? E nunca possível de pegar, nunca possível de ter, de beijar. Mas mesmo assim eu tinha cara de pau, eu sempre fui cara de pau de falar: “Não, tá bom, vou lá conversar, não custa nada”. E mesmo nessa conversa eu via que elas eram bonitas mas não eram o que eu queria, entendeu? Era uma coisa só da beleza. Eu andava mais com aquelas meninas mais feias, tal, mas nem me tocava que as menininhas bonitas queriam que eu andasse com elas porque eu era mais descolado. Mesmo assim eu fechava a porta pras bonitinhas e ficava com aquelas feias por parte minha, de ficar conversando, de ter mais conversa com elas, de poder zoar elas e elas poderem me zoar e ninguém levar nada pra casa, tipo: “Ai nossa, cara idiota”. E bem, as bonitinhas sempre tinham isso, né meu? Se você falar uma coisa pra elas, elas já se sentiam todas intocáveis. E em parte de namorar eu comecei a namorar mesmo com 18 anos, mas com 14 já dava uns beijinhos (risos), já vivia. Comecei a namorar com 18 anos, namorei a Raíssa uma tempinho, depois namorei com a Janaína, que é uma mina que morou na gringa, morava em Miami e daí eu ia pra lá, até então a parte do visto do estudante ou visto do passeio ia pra lá pra ficar com ela mesmo que ela falou: “Meu, vem morar aqui, eu te ajudo”. E nessa parte que eu não consegui o visto, a mina achou que eu estava mentindo e me deu um pé na bunda, eu falei: “Puta mano”. Depois disso eu não fiquei com mais ninguém e agora na terça-feira minha ex-namorada termina comigo.
P/1 – Ah, é? Nossa.
R – Bem no dia do aniversário dela falou pra mim que não dava mais. Mas eu entendo ela porque eu sou muito, não é que eu sou muito pegajoso, é porque eu quero o bem, sabe? Eu quero que não te aconteça nada de mal, mas ao mesmo tempo quero estar ali, se eu puder ajudar vamos ajudar, se for pra fazer andar vamos andar. Mas ao mesmo tempo pra mulher ela não vê isso, ela já vê que tipo o cara já está ali pra ela, então isso pra ela cria neura, então ela deixa de dar valor e pica o pé mesmo, pica o pé na bunda. Já aconteceu. Achei bom para eu ter uma outra visão de mim e me dá o meu valor. E a outra parte achei bom mesmo porque está lotado de mulher no mundo.
P/1 – Isso foi terça-feira passada então?
R – Foi.
P/1 – Você está solteiro recentemente?
R – Foi.
P/1 – Nossa.
R – Foi no aniversário dela, terça-feira, véio. Eu comprei um bolo, comprei o refrigerante que ela mais gosta, tá ligado? (risos) A mina me deu um pé na bunda. E fora isso, eu ia fazer uma festa pra ela no sábado. Então o aniversário dela é na terça, sábado agora ia rolar uma festa pra ela que chamei até um grupo de forró, que ela gosta muito de forró, e não rolo nada véio, não rolou nada. Eu só fiquei com a cara de tacho, falei pra todos os convidados que só lamento e foi isso, foi fogo. Mas é a vida, a gente aprende, é muito bom.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Helen. Foi essa que eu falei da roupa.
P/1 – Entendi.
R – Que era pra gente ter se conhecido já o tempo de 15 anos de idade, que ela foi na mesma festa dessa amiga minha que fez 15 anos, ela foi na festa de 15 anos e eu fui, com 18 também e agora que bateu da gente ter ficado junto. A gente ficou um ano e meio junto, foi agora. E me deu essa facada (risos). Mas bom, bom, bom.
P/1 – Bola pra frente.
R – É, vamos andar, né meu? Também sou novão, 23 anos, tenho muita coisa pra viver ainda, muita gente também pra conhecer.
P/1 – E depois do Sesi você foi estudar onde?
R – Fui estudar no Ciridião. Pô, estudar no Ciridião foi foda porque queria mais ficar com as menininhas do que estudar. Aí você tá ligado né, mano, não dá. Não dá pra estudar. Você foi pro banheiro e você vê uma menina super gostosa, daqui a pouco você está subindo pra uma sala e você vê outra, aí você já fala: “Não, vou colar lá, né mano? O que é, agora essa aula já não estou entendendo mais nada desde o começo do ano, vou entrar agora? Não, vou ficar por aqui”. E baguncei pra caramba, estudei à noite lá, foi quando eu comecei a namorar com essa gringa aí e a gente quis enrolar pra ver se eu ia pra lá, acabei não indo e ela acabava só ela vindo, daí eu falei pra ela: “Meu, é fogo você só vir” e ela também já começou a achar que eu estava mentindo, foi a parte do visto. Mas não era pra ser, não era pra ser, Deus sabe das coisas que ele faz. Foi muito louco, mas também pra mim foi uma mega lição, porra, quem diria, uma puta negona de clipe, sabe, a mina fez uns clipes da Nicki Minaj.
P/1 – Ah, é?
R – É! Tipo, meu, não acreditei. Até quando eu ia com ela nas baladas todo mundo olhava e me falava: “Meu, esse neguinho é bandido ou é da facção, porque ó a mina que ele tá”. Eu mesmo olhava pra cara dela e falava: “O que você viu em mim, véio?”, e a mina tinha 26 anos e eu com meus 19 pra 20, agora. Olhando pra cara dela e tentando chegar ali junto. Danou-se tem uma diferença muito grande, mas não tá ali. Mas também foi bom. Nossa, amadureci muuuito, a minha cabeça.
P/1 – Você foi pra lá, né, você falou.
R – Não. Então, eu ia pra lá, mas eles acabaram negando meu visto, entendeu? Então não tive chance alguma. Eles negaram meu visto, acabaram com meu relacionamento porque ela acabou achando que eu estava mentindo, entendeu? Que eu estava tirando o visto e nunca saía meu visto. Daí eu falei pra ela: “Pra você é mais fácil porque você tem já família aí, você tem uma história aí, pra você foi bem mais fácil. Agora pra mim, sou praticamente uma pessoa que tenho pouco dinheiro, uma passagem e roupa pra levar. Voltar não sei se eu volto”. Não ia voltar, né, véio, então tipo, fica difícil. E eles já sabem da forma que é. Só pela parte do colégio, que quando eu passei na prova fiquei feliz pra caramba e falei: “A porta está aberta”. Mas fechou e eu falei: “Putz, já era”, então vou ficar aqui, vou seguir aqui e foi bom, foi uma boa experiência, foi uma coisa que amadureceu muito. Eu vi a pessoa que eu sou e o valor também, né meu? Puta morenona, a mina era foda, a mina era da hora. Janaína.
P/1 – E a sua mãe, como ela começou com o trabalho em reciclagem?
R – Em 2002.
P/1 – 2002, faz tempo já.
R – 2002, faz tempo. Ela começou em Pinheiros, lá do lado do parque da Editora Abril, sabe aquele parque eles abriram agora, que era um lixão desativado?
P/1 – Sei.
R – Então, ali era a cooperativa. A Cooper Viva Bem fundou ali primeiro junto com o Vira-Lata. Eu acompanhei ela no começo, meu irmão já não tinha muita tendência de acompanhar porque ele já ficava: “Ah, é lixo, lixo”, cheio de frescurinha. Mas eu não, já, lixo, brinquedo, coisa que neguinho não usa mais? Pra casa, vou trazer. Lotava minhas coisas, trazia muita coisa, muita. Muito brinquedinho pra casa, muita coisa que eu gostava. E a partir de 2002 o crescimento que teve, o que ela fez nessa cooperativa é muito louco, porque ela deu valor. Eles tiraram ela de lá, a Editora Abril tirou, fez um abaixo-assinado e conseguiu tirar ela de lá porque eles montaram a praça e daí ela falou: “Meu, me arruma um lugar que eu saio”. Daí mandaram ela lá pra Sabesp, do lado dos Remédios. No que enviaram ela pra lá, tipo, foi bem na parte da separação entre ela e meu pai, então a gente acabou morando nos Remédios porque ficava mais próximo do trabalho também. Então tudo foi se ligando pra ajudar, foi muito louco. Daí depois de lá montaram aqui e agora a gente está aqui permanente. Mas essa parte de todo esse giro que ela trouxe, de fundar uma reciclagem, foi muito difícil, porque ela saiu da Gradiente sendo que ela tinha um cargo muito bom lá dentro, ela ganhava até mais do que a supervisora dela, que ela representava mesmo, ia na casa do cliente, mostrava o aparelho, ligava o aparelho, via se estava funcionando. O cliente chamava ela e o meu irmão, meu pai também, meu pai nunca ia: “Vai lá ver uns filmes lá na casa lá pra ver como era o aparelho”. A gente ficava mega feliz porque era muita coisa, novidade. Era época do celular da Gradiente, aquele tijolão, sabe? Tinha um joguinho da minhoquinha, a gente ficava doido, eu e meu irmão. Foi muita essa mudança que depois a gente viu que ela largou uma empresa que ela deu o suor, deu o sangue, que entrou com a parte da reciclagem que ela investiu que ela investiu todo dinheiro que ela tinha, que ela ganhou da Gradiente na parte dessa reciclagem e foi um bom investimento, sabe?
P/1 – Ah é?
R – Está até hoje, deu essa crescida.
P/1 – E você sabe de onde ela tirou a ideia, quem influenciou?
R – Tinha uma amiga dela, a Cida, olha como eu lembro, é muito louco, tem coisas que marcam mesmo. A Cida apresentou esse projeto pra ela e falou: “Tereza, vai dar certo, vamos lá, vamos lá, que eu conheço Fulano, Sicrano, Sicrana”. E essa Cida sempre foi muito comunicativa, sempre conheceu os peixes grandes, sempre conheceu Fulano ali, Fulano aqui e montou, conseguiu dar aval pra essa cooperativa funcionar. Começou em Pinheiros, tal, tem até um pessoal que aproveitou e cresceu, veio de lá junto com ela, está até hoje e sabe também dessa história, vê essa história como uma evolução muito grande. E daí, meu, minha mãe, minha mãe de toda forma ela lutou. Lutou por caminhões, lutou por um lixo, seja com mais material, não apenas lixo porque ia muito lixo, lixo mesmo, cachorro morto, que nem eu estou te falando, era muita coisa. Mas era uma pilha assim. Não tinha maquinário, tinha que ir com os bags lá mesmo e separar. Foi uma coisa bem difícil. E ela foi trazendo benefícios nem só para essa cooperativa, pra Viva Bem, sendo que quando ela viu que já tinha os benefícios pra cooperativa dela as outras cooperativas foram chegando mais próximo, foi chegando a Vira-Lata, foi chegando um monte de cooperativa próximo falando: “Pô, é a Tereza”. Foi quando foi dando um crescimento pra ela não só no nome dela, mas no trabalho dela. Aí várias ideias foram rolando e deu o projeto de cooperativa. Mas muita coisa ela foi investindo do bolso dela e deixou de dar pra mim e pro meu irmão em parte do videogame (risos) pra dar esse up aqui que hoje, pra mim, eu até falo pra ela: “Graças a Deus você não me deu o videogame, né?”, porque dá pra comprar de boa. É mó bom, mó bom.
P/1 – E me conta como funcionava na época dos primórdios.
R – Do comecinho?
P/1 – É, não tinha esteira, como é que era?
R – Ah, começava todo mundo no monte. Ela começava na parte de querer uma forma melhor, aí arrumou uma esteira e uma prensa. Aí nisso que girava já o torno do pessoal da esteira e já o pessoal da prensa já trabalhando. E ela tinha uma equipe de cooperados que até hoje tem a Mailsa e a Elisângela que são já dessa época antiga. E meu, era aquela equipe que: “Vou hoje trabalhar, amanhã não sei se tenho o dinheiro da passagem”, ela dava o dinheiro dela. Chegava junto. “Preciso comprar uma coisa pra dentro da minha casa”, ela passava o cartão dela. Sabe, ela fez muito pra que as pessoas ficassem do lado dela, que as pessoas não pensassem: “Ah, esse negócio não vai dar certo, também não estou nem aí se vai dar certo ou não, não está dando dinheiro, não está dando nada”. Então ela chegava junto. No começo ela soltou muito do dinheiro dela, eu não tenho noção do tanto, mas eu via já pelo desgaste que ela sentia. E fora isso a saída que meu pai não trazia, entendeu? Meu pai não chegava junto com ela e falava: “Tereza, você trabalha com isso, então vamos junto”, ou então: “Calma aí que eu vou te entender também”. Meu pai sempre foi da, ele já estava meio desvirado, a parte de chegar tarde em casa, essas coisas, então minha mãe cuidava do trabalho, cuidava de mim e do meu irmão. Cuidava do trabalho, tinha que solucionar problema meu e do meu irmão, daí pra ela estava tudo muito desgastado, mas ela foi lutando. A parte da esteira eu acho que ela conseguiu por um pessoal lá que deu esse benefício pra cooperativa, deu essa ajuda. Aí começou com uns caminhõeozinhos depois a F350, não era a Hrs ainda e foi chegando ajuda, ajuda. Daí o negócio deu uma crescida e começou a vender material de uma qualidade melhor, começou a pegar um material bom, começou a ter pontos de coleta, começou a ter outras ideias pra pegar o material, não só chegar o compactador – o compactador vinha de tudo, hoje já tem um compactador que passa de quarta e quinta que é o reciclável. Então é muita coisa que ela trouxe ideias grandes, grandes e mudou muito. Era uma coisa que meu irmão tinha vergonha, eu ficava meio envergonhado às vezes por causa do cheiro do lixo, mas depois eu pensei: “Mano, para, acho mais coisa aqui do que eu ficar comprando”. Amava ir pra reciclagem. E fora de amar, tinha uma mulher lá que fazia trancinha no nosso cabelo e a gente gostava pra caramba, tá ligado? (risos) Era muito louco. E foi uma fama que eu comecei a ver também, uma forma da reciclagem através dela que não tinha fim, velho. E não tem filho, né mano, é um negócio vitalício. Então é um trabalho que eu tenho o maior orgulho, de falar pra todo mundo, até mesmo pra quem me perguntar: “O que sua mãe faz?” “Ela é presidente de uma cooperativa de reciclagem”. E quando neguinho ouve assim, fala: “Puta mano, que dá hora”, tipo, tem uns que nem entendem muito. mas quando eu mostro eles olham e falam: “Meu, que ajuda que dá, né?”, e é uma ajuda muito grande pro nosso planeta, um barato muito bom, muito. Se fizer a cota de tanto de isopor que vem pra cá hoje em dia, é muito isopor. E a gente trabalha com a reciclagem de isopor, sendo uma das primeiras cooperativas a começar esse trabalho, então olha a coisa que ela trouxe. Coisa que até os japoneses não tinham essa noção nessa máquina, ela pegou esse amigo dela que é lá do Rio Grande do Sul, Renato Mendel, também deu a maior força pro cara se levantar, tudo e hoje o cara dá a maior mão pra ela também. Mas ela trouxe um benefício grande com essa máquina de isopor, não muitas cooperativas têm. E outros benefícios que se for ver é muito bom, meu. É muito bom, muito bom.
PAUSA
P/1 – Vocês estão trabalhando com isopor, é isso? Mas só isopor ou tem outras coisas?
R – Não, a gente trabalha com todo tipo de material, mas o isopor é uma pauta muito grande porque o isopor não tem como você colocar ele num lugar que seja lixo preparado. Se colocar debaixo da terra e tirar ele daqui cinco anos ele vai estar intacto, vai estar a mesma coisa, isopor não se dissolve, não acontece nada, ele continua a mesma coisa. Então essa máquina faz com que o isopor seja tirado o ar dele no calor e no calor ele sai em forma de tarugo derretido. No que ele saiu derretido ele é triturado e após ser triturado ele vira umas pedrinhas, se lavado, tudo, ele vira umas pedrinhas que eles derretem ele e fazem molde, cantoneira, acabamento de casa. Então é uma coisa que, pô, houve uma saída pro isopor, ele tem uma saída, então é bom, essa máquina melhorou muito até pra gente.
P/1 – Vocês são os únicos então?
R – Tem essa cooperativa e acho que mais uma.
P/1 – Que recicla isopor.
R – É, que faz essa parte de reciclagem de isopor. E fora umas outras máquinas que ele distribui em outras partes aí que as pessoas fazem esse tipo de trabalho mas só pra essa empresa, pra Ecológica.
P/1 – Agora, explica pra gente que não conhece, como é que funciona uma cooperativa de reciclagem? Quais são as áreas, tal.
R – Eu venho na parte, eu já peguei não todos os setores em trabalho físico mesmo, peguei em temporadinha: “Ah, quebra um galho ali, fica ali”. Então tem a parte da prensa, que é o toque final, mas eu vou começar desde o começo, toda a produção, a partir do escritório pra vocês entenderem que o negócio é sério também. Tem a presidente, que é a Tereza, minha mãe. Tem a Aline que é a secretária, que quando a presidente não está quem assume é a Aline, então ela toma à frente, faz de tudo quando minha mãe não está. Tem a menina que cuida da Contabilidade, que é a Mari, que também foi treinada pela Elisete que está num outro tipo de trabalho em uma outra cooperativa, o mesmo trabalho que ela fazia aqui na Contabilidade ela está em Jundiaí porque a minha mãe abriu uma filial lá e daí está tocando lá junto. Daí essa parte desses três são já a chapa do escritório, então presidente, secretária e tesoureira, seria os três. Lá fora vem o coordenador do galpão e o coordenador do pátio. O coordenador do pátio vai cuidar de toda a área do pátio ali pra parte de carga e descarga, a parte dos fardos e material que seja de papelão está todos os fardos em cada área, seja mais fácil o acesso pra fazer a carga do caminhão. O coordenador aqui do pátio é o cara que sofre também porque é muita mulher, ao todo hoje estamos com 14, tem tempo que está com 18, tem tempo que está com 23, então é um negócio muito louco. Mas até então, graças a Deus eu estou com 12, e as 12 são uma bomba, né? Que é muito louco, você tem que arrumar tudo certinho pra começar o dia delas, então você tem que separar bag vazio, já deixar um fácil acesso pra elas pegarem de manhã, deixar tudo organizadinho as baias dela do lado da esteira. Ah, material que eu vou pegar hoje: jornal, revista e PET. E amanhã? Vou pegar PAD, PP e alumínio, ou seja, sucata. Cada dia cada uma fica numa área e faz um giro na produção e pra elas também é bom porque o material leve é o mais caro, pesado é um valor, mas não é igual ao do leve, então elas têm que ter esse giro pra trabalhar também produção em dinheiro. Após tudo isso que elas fazem, enchem os bags delas eu pego a equipe que eu tenho de rapazes, que são três rapazes, pego esses bags, peso eles, finalizo a produção do dia e passo pra menina do escritório, que ela não faz parte dessa chapa, mas ela cuida dessa parte de produção, ela tem que bater tudo no computador, que era o trabalho que eu fazia antes de ir pra lá pegar essa buchinha e ela faz toda a produção da pessoa pelo mês, entendeu? Então a pessoa fez a produção, fechou no dia 25, ela sabe quanto vai receber, sabe o quanto produziu, sabe se foi bom ou não. Aqui a gente trabalha com uma meta que foi estipulada, a gente conversou todo mundo e chegou numa metade cinco mil quilos, você tem que chegar nessa, chegou, você se livra de ir pro isopor. Mas aí você se livrar de ir pro isopor, o isopor é leve, então você não ganha muito peso, mas ele é o mais caro, então se você produzir mais peso no isopor mais você ganha. As pessoas não levam muito nesse pensamento, levam tipo: “Ai, ir pro isopor, negócio é mó sol, bate, fica tudo branco, zoa todo o olho”, o pessoal não quer tocar no isopor de jeito algum. Mas se for vai render também, faz um dinheiro. Daí a gente tem esses giros. A partir do momento que sai todos os bags daqui, que sai de PET, PAD, PAD colorido, que PADs são aquelas de Omo ou então Cândida, sabe aquelas garrafinhas? Aqueles são os PADs. PP que é o copinho. O PET cromo que é uma garrafa PET mais bonitinha, mais trabalhada no brilho. É um negócio que tem toda a separação que a gente faz lá mesmo, vai pra prensa e da prensa a gente faz, se diz que a gente já diz pro mercado a primeira mão. A gente vende pro mercado e eles fazem a segunda e a finalização da terceira mão, que é já reutilizar o plástico, tudo isso já da forma que a gente nem faz, a gente não faz aqui dentro, a gente só faz a parte da prensa, produção, separar o material e tudo isso.
P/1 – Mas o que acontece? O lixo que sai da casa das pessoas vai pra coleta, vem pra cá.
R – Então, tem duas formas. Tem o compactador ainda, mas hoje compactador está totalmente diferente, não vem cachorro morto (risos), só vem os materiais normais mesmo, vem muito latinha. Vem aqueles pontos que eles vão passando, sabe, nas quartas, quintas, cada dia vem um caminhão diferente e eles deixam aí o material e o pessoal não vai mais no monte pegar. Tem uma máquina de Bob Cat, que é aquela pazona que dá aquela pazada, joga dentro da esteira, as meninas só vão recolhendo, tipo, já vão separando o que é orgânico e o que é material. E é muito louco, é muito louco. Meu, sou doido porque eu falo assim e eu fico feliz porque mudou muito, tá ligado? Tipo, meu, hoje tem uma empilhadeira nisso aqui, véio, antes carregava no braço, meu. Fardo de papelão de 340 quilos assim, ó, pegar três neguinhos e puxar pra, tipo, jogar um um um pra cair em cima do caminhão. Aí fora cair em cima do caminhão tem que fazer a carga de cima, então você tem que fazer três andares. Porra meu, saía daqui quebrado, moído, mas teve esse benefício do BNDES que ajudou pra caramba também, foi muito bom.
P/1 – Você vê que mudou então, você acha que mudou?
R – Orra, nossa! Pela parte que eu já vi desde o começo até agora foi uma coisa muito grande, sabe? Foi uma coisa que quem vê uma cooperativa hoje, quem pensa num reciclável pensa naquela pilha de lixão ainda, sabe? Não sabe mais pensar tipo: “Meu, vocês têm maquinário? Vocês têm esteira, vocês têm isso? Vocês têm capital de giro? Vocês pensam no que? Vocês têm apoio, vocês têm patrocinadores? Vocês têm o quê aí mais?” Sabe, caminhão, caminhãozinho? E esses caminhãozinhos que a gente tem eles não passam de porta em porta, eles só passam nos lugares que são pra coletar e encher eles. Porque nessa parte de porta em porta a gente perde muito tempo e perde o dia. E ao mesmo tempo que perde o dia, perde a produção das meninas porque se não traz sacaria não tem produção. Então tem que ser daquela forma ágil, o caminhãozinho tem que sair na base de umas duas a três vezes no dia pra rua. Ele pega ou em restaurante, ou nos clubes, ou nos hospitais e outras áreas também que eu não sei muito te indicar, mas tem os pontos certos que você enche o caminhão. Tem os Correios também que a gente pegava. Tem muito lugar que a gente pega ainda aí que dá uma ajuda grande.
P/1 – E como é que funciona o trabalho em cooperativa? Vocês...
R – Ah sim, aí você entrou na pauta boa, hein, meu? Porque cooperativa aqui dentro, aqui se diz cooperativa, mas não é, entendeu? Eu já vou ser sincero porque muitos aqui pensam da forma: “Minha barriga é um rei, então vou pensar no meu rei, minha barriga”, então eu digo, pensam em si. E é muito louco porque tem uns que pensam em si e tem os que pensam no próximo. Então tem uns que levantam a mão pro sim, tem uns que levantam a mão pro não. Então fica naquela coisa: “Vocês concordam com isso?”, daí neguinho não entende e fala que não, mas nem procurou entender, procurou saber. Ou então porque Fulano falou que sim, mas não gosta de Fulano vai falar que não. É umas coisas que não dá pra entender, mas são tudo macaca velha, tem filho, tem família, tem responsabilidade, então qual seria? Vou dar o meu melhor e trabalhar com cooperativismo e todo mundo dá certo. Mas o fogo é conseguir colocar isso na cabeça do pessoal aqui, sabe? O fogo é conseguir colocar na mente de cada um que se eu fizer o meu e ajudar o próximo ali um vai estar ajudando o outro. Isso na hora que chegar lá na frente, na hora do pagamento não vai ter o gasto de um ter carregado nas costas o outro, um ter sobrecarregado o outro, entendeu? Isso que atrapalha a parte da cooperativa. E se você for falar alguma coisa, você não é dono, você é sócio. Então você não pode argumentar de uma forma tipo: “Meu, se não fizer, rua”. Não, não tem rua. Tem rua se você não agir com as normas da cooperativa, agora fora isso, se você for direitinho no sapatinho, pô, você fica bem. Então muita gente leva à sério a parte da cooperativa, de cooperativismo, e muita gente leva daquela forma tipo: “Ah, não estou nem aí, meu, se eu receber o meu tá bom, se eu receber isso pelo menos dá para eu pagar minha conta de luz e tomar um Ki-suco”, é meio difícil.
P/1 – Mas vocês tentam, mesmo com esses obstáculos, a tentativa de...
R – Tem, tem. Mesmo muito já ouvindo a mesma história, a mesma ladainha de ficar falando: “Meu, aqui é cooperativa, aqui é cooperativa”, muitos entendem e muitos não, mas a gente mesmo, em toda reunião a gente entra na mesma pauta: “Aqui é cooperativa, gente! Aqui é cooperativa, abre o olho. Percebe que se você não fizer vai vir outro e vai fazer, mas esse outro que está fazendo já fez o trabalho dele ali e está fazendo o seu também”. Tipo, clarear um pro outro, tá ligado? Abrir os caminhos um do outro que fica melhor de viver. Aqui é essa base e até hoje eu nunca, pelo fato de acompanhar muitas cooperativas eu nunca vi uma cooperativa ser da forma unida, sabe? É sempre um olhando o problema do outro, mas ao mesmo tempo ninguém larga o osso. Eu posso falar que aqui é o pior lugar, mas não saio daqui. É difícil entender porque é o pior lugar. Não é, não é. É bom.
P/1 – E quem são as pessoas que trabalham aqui geralmente? Elas procuram, tem muita gente que procura?
R – Tem, tem. Tem gente que vem com diploma, formado com faculdade. O mercado está escasso, tá zoado, e até mesmo você ter um curso ou não, ter uma faculdade ou não, meu, hoje em dia você tem que mostrar, você tem que ter a qualidade, você tem que ser o produto bom. E está difícil, né meu? Aqui quando vem pessoas aqui pra conversar, entrar num acordo aqui pra trabalhar, tem neguinho que vem hoje, faz a ficha, fala que vem trabalhar amanhã, trabalha um dia e vai embora. Tem outros que acham que é casa da mãe joana, você vem na hora que quer. Ou então tem uns que trabalham 15 dias e depois vai embora, aí quer receber, quer ficar brigando pra receber. Mas não pensa que aqui não é cooperativa da casa da mãe joana, que se veio e trabalhou seu dia você recebe. Não, trabalhou, tem o dia certo pra receber, o quinto dia útil, tem um vale, sabe? Tem uma postura, tem uma base. E isso que é o bom, isso que mantém as pessoas motivadas em trabalhar. E as pessoas também vêm procurar trabalho aqui porque veem que não é um negócio que você vai entrar e neguinho vai deixar de pagar, neguinho vai te enrolar pra te pagar. Não. Você fez, você trabalhou, você recebe. Se está ali precisando de uma ajuda, pessoal ajuda. Vai ser cobrado uma taxa? Vai ser, mas pelo menos está ali, isso ajuda. É muita coisa.
P/1 – Às vezes eu sinto que tem uma dificuldade das pessoas em geral em considerar o trabalho com o lixo ou com reciclagem uma coisa normal. Você acha que é isso mesmo ou tem mudado?
R – Eu acho que muitas pessoas já começam a ver de uma outra forma, sabe? O problema é que as próprias pessoas que trabalham com reciclável têm o seu preconceito, não têm o poder de se expor. Tem outros que se expõem mesmo, tem uns que aqui eu falo pra você, que sai com a camisa da reciclagem aqui fora na rua e não está nem aí se Fulano, Beltrano ou alguém vai olhar pra ele e vai falar: “Meu, trabalha no lixo, lixeiro”, não, tá nem aí. Tem outros que eles mesmos já têm discriminação e têm vergonha. Então uma coisa que se todo mundo se unisse pra mostrar a qualidade, o que causa isso, acho que ia estar uma fila de gente vindo trabalhar, tá ligado? E é o bom, e é o preciso, porque se trabalhar pra uma coisa que é bom pra gente, que vai melhorar ainda pro nosso futuro, quanto mais gente trabalhando nessa área melhor, melhor, bem melhor.
P/1 – E você vê impacto na natureza?
R – Ah vejo, vejo muito. Hoje você não vê mais latinha na rua. Hoje se jogar uma latinha na rua você não vê, parceiro, você não vê. Papelão também, você vê um ali, numa caixa, daqui a pouco o que está dentro da caixa você vê virado no chão e o papel já era, entendeu? É muita precisão, hoje está sendo mais a precisão. E por parte da precisão você vai correr onde? Você tem o quê pra correr? Você não tem um diploma, você não tem outra saída, querendo ou não você vai ter que tocar. Você tendo vergonha ou não você vai ter que fazer. E vai ser isso, daqui um tempo, meu, vai ser neguinho que vai olhar dessa forma pra reciclagem, como uma forma de saída, porque não vai ter outra saída. Emprego está tudo se acabando, está tudo se fechando mesmo, entendeu? Não dá, não dá, o Brasil não está conseguindo mais sustentar o brasileiro como antes, quando ele podia desfrutar e gozar, sabe? Ele não pode mais, tem que cuidar agora, tem que saber se cuidar, se controlar. E trabalho tem pra isso? Não tem. Qual é a precisão? É o reciclável ou então é catar papelão na rua, latinha, essas coisas.
P/1 – É uma alternativa como outra qualquer.
R – É, entendeu? E fora isso, se você for ver é um trabalho, é um trabalho que você não está tirando de ninguém, aliás, você está aliviando a outra pessoa porque a outra pessoa já não pode nem ter saída praquele material. Ou então pode ter uma saída, mas vai passar daqui a dois dias ou então, você vê em partes aí que o lixeiro nem passa, fica aquele lixo acumulado. E mesmo assim vai lá neguinho tirar o reciclável, só deixa o orgânico direitinho. É essa parte que eu admiro, que hoje o catador, ele não é mais aquele catador que parece cachorro, chega furando tudo, joga tudo no chão e ele só pegou o que era bom pra ele. Não, hoje o catador é aquele que mesmo você saindo lá na sua porta ele vai falar pra você: “Boa tarde, licencinha”, abrir seu lixo, ver o material que ele pode tirar, fecha. Já era, orgânico fica. É muito louco, né meu? Porque você vê qual é a forma? A pessoa, tipo, muitas pessoas no mundo, até mesmo aqui no Brasil discriminam as pessoas que mexiam no lixo e falam: “Puta, lixeiro! O cara vai bagunçar tudo”. Não, hoje o cara já não quer nem trazer transtorno, só quer tirar o dele. Então você vê o grau que chegou? É uma coisa que hoje o cara está sendo visto e está sendo valorizado não na forma que merece, mas está pelo menos sendo visto, então já é um passo pra ser valorizado.
P/1 – Como é a relação das cooperativas com os carroceiros, os catadores?
R – Os carroceiros são na forma que eles pensam no ganha pão de hoje. O que eu pegar hoje eu vendo hoje e uso pro meu consumo de hoje, seja com a família ou nas coisas erradas, existe. Então é loucura porque eles trabalham muito, eles pegam muito peso, desgastam o corpo, a postura, a coluna, tudo, meu, vai pro pau e vai muito rápido porque você não tem o alimentar direito, não tem o beber direito, você não tem o descansar direito, você tem tudo um ponto marcado por causa de um material que daqui a pouco outro carroceiro passa e leva seu ponto, entendeu? É uma coisa que o carroceiro tem o material, tem as coisas dele, mas é inseguro. E anda, e anda. Vira um dinheirinho? Vira. Mas e aí? É só esse dinheiro que eu recebo hoje, eu gasto ele hoje e amanhã eu tenho que correr atrás por mais? Os carroceiros deviam ter essa noção que a cooperativa está ali pra tirar eles desse mundo. Ia ser bem melhor, que eles podem pensar que eles giram bem mais dinheiro na rua? Giram. Mas esse dinheiro que você gira traz saúde, traz benefícios que nem a cooperativa traz? Você tomar o café da manhã tranquilo, você poder tomar um banho na hora que você for embora, você poder dormir e acordar num horário que você está numa cooperativa e fala: “Bom dia, pessoal. Vamos trabalhar”. Não, muitos não têm compromisso e carroceiro não gosta de compromisso, ele não gosta.
P/1 – Eles resistem a esse trabalho aqui, você acha?
R – Ah, a gente já pensou de toda forma, a gente já tentou trazer todos os carroceiros, minha mãe já tentou, na verdade. Mas pra ele, a cabeça dele é aquilo, meu, se ele não ver eu produzindo o dinheiro na mão pra ele não está produzindo, então pra ele já é o costume dele estar todo dia na rua: “O que eu produzir, ah, eu já sei o sucateiro que eu vou ali, que está numa cota boa de dinheiro, vendi. Ganhei meu dinheiro de hoje, amanhã o que vai ser? Tem que acordar de novo”. É esse, eles não querem ter o compromisso com a cooperativa, esse que é o problema. Eles não têm nenhuma maldade, não têm nenhum preconceito em forma de pontos a cooperativa recolher do ponto deles, não, eles veem de uma forma que todo lugar tem, mas poderia estar nem precisando andar ou estar fazendo todo esse trabalho, poderia estar aqui dentro de uma forma mais protegida, sem sol na cara, né? Tomando uma aguinha fresca, tendo horário de café, do almoço, isso é bom. Mas não procuram.
P/1 – Agora, você tem alguma história que você se lembra, dessa sua vida daqui em cooperativa, que te marcou? A história de alguma pessoa que você conheceu?
R – Eu vou contar uma história aqui que foi esse ano ainda, vocês vão ver, esse barato acho que dá até filme se pá, foi muito louco. Um dia eu cheguei aqui, trabalhava no escritório, eu sempre fico ouvindo... eu tenho um iPod, né? Sempre fico andando com ele pra cima e pra baixo. E, meu, os moleques viram que eu estava com um iPod na mão, daí eles falaram: “Meu, achei um iPhone 6”. Eu falei: “Como assim?” “iPhone 6, está lá na sua mesa, zero”. Quando eu cheguei na minha mesa o iPhone 6, puf, cinco mil reais, em cima da minha mesa. Eu falei: “Meu, você é louco? Essa bomba aqui, você achou aonde? Não, meu, vou achar o dono” “Não, negão, desbloqueia aí, vamos vender, vamos desbloquear o iPhone” “Meu, isso daqui não tem desbloqueio. E outra, melhor achar o dono, ser justo, que possa rolar uma caixinha e a gente vai ficar bem mais feliz do que ficar procurando problema”. E todo mundo falou: “Então demorou, você se vira”. Aí eu baixei um aplicativo que é associado ao iTunes que pela parte do código do serial do iPhone ele te mostra o nome do dono, tá ligado? E eu peguei o nome do dono e procurei a dona no Facebook. Aí fui falar com a dona, a dona era uma loirona, tal, pá, toda bonitona. Eu falei: “Puta, vou falar com ela”. Fui conversar com ela, a mulher achou que eu tava dando em cima dela. Porque eu expliquei pra ela, eu falei: “Pô, estou com o seu celular, não sei o acaso que ele possa ter vindo parar numa reciclagem, parte de lixão, numa pilha, os rapazes acharam aqui o seu celular e eu quero te devolver, tem como?”. A mulher não respondeu, só visualizou, achou que eu estava dando em cima dela. Depois ela me respondeu isso, falando: “Achei que você estava dando em cima de mim, pô. Um negão, tal, vir com um papinho desse”. Eu fui lá, peguei uma amiga dela em comum lá que ela tinha, mandei pra ela, até lembro o nome dela, Camila, eu falei: “Camila. Oi, tudo bom? Sou o Ygor da Cooper Viva Bem. Estou com o celular tal, tal, não sei o acaso que o celular da sua amiga veio parar aqui, não sei se ela foi roubada ou ela perdeu”. Ela falou: “Ela foi roubada, tal, entraram dentro da loja dela, apontaram o revólver na cabeça dela, falaram pra ela dar o celular. Daí ela deu e bloqueou o celular. No que bloqueou os bandidos não conseguiram usar, devem ter jogado no lixo”. E olha o local, olha o lixo que caiu? Logo aqui, velho! Tipo, falei pra ela: “Agradece, agradece a Deus”. E a mulher estava pagando ainda. Então imagina, você pagando cinco mil por uma coisa que você não está nem usando, não está na sua mão. Quando eu falei pra ela, mandei a foto, a mulher, as pernas dela tremiam, que ela falou: “Meu, não estou acreditando, meu coração vai parar”. E estava zero o celular. A Bob Cat sempre passa naquele monte ali, então se a Bob Cat passasse por cima ninguém ia ver. Rapaz conseguiu ver, pegou, levou na minha mesa, tipo: “Vender, fazer um dinheiro”, ao mesmo tempo não conseguiu mas quando eu devolvi o celular pra dona ela deu cem reais e eu entreguei pro rapaz e falei: “Ó, fica aí. Não estou falando pra você que uma forma, uma ação ajuda a outra”. Então é uma coisa muito louca, que nem ninguém acreditou aqui. Até ela mesma ficou surpresa, que ela falou: “Meu, se fosse em outro lugar neguinho poderia até querer vender pra querer pegar as peças”. Eu falei: “Meu, o que a gente ia fazer com um negócio desse? Que também querer te atrasar pra querer vender peça sendo que tem uma outra saída? Já era, meu”. E isso aí ficou, no Facebook isso aí estourou, ninguém acreditou, né? Um iPhone 6 bem no, quando, tipo, bombou, do ano passado até agora meio que foi a mudança do 5 pro 6, pô meu, foi muito louco. E foi uma puta história até pra gente aqui mesmo. E todo mundo que acha alguma coisa que seja de alguém, tenha: “Pô Ygor, será que é um documento importante? Será que é alguma coisa importante?”, ou até mesmo pra minha mãe, o pessoal do escritório vem e mostra. E são várias coisas que a gente acha. Eu achei um bonequinho do Charada, velho, se vocês quiserem eu pego lá, meu. Quer que eu pego?
P/1 – Pra mostrar? Depois a gente mostra.
R – Uma Charada desse tamanho, velho. Trabalho a mão, sabe? E ele segurando, meu, novo, novo, intacto. Todo trabalhadinho assim. Eu falei: “Porra, olha como é que é, mano, lixo traz vários benefícios, meu”. Achei um fone da Beats também, pegando, inteiro, branco ainda, grandão, deixei em casa. Um HD de um tera da Samsung. Tentei achar se tinha algum programa de alguém ou não, peguei também, levei embora pra casa. É muita coisa, mano.
P/1 – Vocês pegaram coisa inusitada, também? Umas coisas estranhas.
R – Ahhh, aqui antes apareciam uns fetos, né?
P/1 – Sério?
R – Criança. É. Apareceu já. Daí tipo foi questão de chamar polícia, essas coisas. Uma outra cooperativa já achou uma granada. Quente. Aí chama o GOE, só faltou a SWAT (risos), mas chamou mó galera. É muita coisa, meu. Isso que é loucura, que as pessoas jogam coisas pro lixo sendo que não é lixo. Pra elas pode ser, pra elas pode não ter uma saída, mas pra outros têm, têm, dá um jeito, mas tem. E é muito louco que tudo tem utilidade, né? Não é uma coisa que você vai olhar e vai falar: “Tá quebrado, desce a bicuda”. Não. Por que está quebrado? A curiosidade também do povo. E fora isso que tem muitos aqui que não têm um estudo nem do ensino fundamental, ou estudo nenhum, e mesmo assim olha aquilo, gosta e tem a curiosidade de querer arrumar, de querer fazer, sabe, é muito louco.
P/1 – E você acha que mudou a sua vida esse trabalho, reciclagem?
R – Muito! A minha cabeça, né? Minha cabeça, de muitos amigos, de muitas pessoas, que eu conheço muita gente. Por parte de eu ser muito comunicativo, fácil de lidar, fácil de conversar, levar tudo na brincadeira, até mesmo sério, mas não daquela forma tão séria. “Não, meu, calma, vamos”. Eu explico muito, falo com muitas pessoas, muitas pessoas vêm falar comigo: “Pô, você que trabalha na reciclagem, como que é?”, explico. E muitos falam: “Porra, eu achava que era um lixão” “Ah, mas você achou isso na reciclagem? Caraca meu, por que vão jogar isso fora?”, eu falo: “É, então, por que? Por que?”, tipo roupa, até mesmo calçado, tem neguinho que anda com uns calçados que, porra, bonitão, tá inteirão e tá aí, tá batendo, bom, bom. É muito louco. Pra mim, eu vejo de uma outra forma, eu vejo que o lixo já não é mais só lixo, tá ligado? É um presente também, ele te presenteia de forma que, menos você espera você acha alguma coisa, ou um celular. Ah, você acha, você vai achando. Dinheiro, dólar, você acha muita coisa. Ouro, você acha muito. Acha, acha. Uma moça aí já achou já.
P/1 – Ah, é?
R – É. Achou dólar e trocou na casa de câmbio, levou em torno de mil e 800 reais.
P/1 – Nossa.
R – Então é uma coisa que... Lixo é bom (risos). Vou falar pra você, é bom, vem procurar também (risos). Não, mas é bom.
P/1 – Quais você acha que são os maiores obstáculos ou desafios que vocês têm aqui na cooperativa?
R – Ah, o preconceito. Preconceito entre as próprias pessoas que conversam sobre o material. Até as próprias pessoas que trabalham aqui dentro têm um preconceito com o próprio trabalho, sabe? Tem neguinho que mente, fala que não trabalha aqui, tem neguinho que sai com uma outra roupa muito diferente pra falar que nunca tocou na parte desse tipo de trabalho. Não é bem assim, né, meu? A gente tem que começar da gente, tem que começar dos cooperados mesmo a mostrar, a meter a cara, lutar. É difícil com o governo, com a prefeitura, com toda essa? É difícil, mas é um trabalho, meu, é um trabalho. Tem que mostrar. Tem que mostrar o que você está trabalhando, o que você está fazendo e o que você está produzindo, mostrando pra todo mundo mesmo o que é. Eu acho muito louco quando a gente chega numa conversa que as pessoas falam: “Ah, então a reciclagem é isso, isso e isso”. As pessoas mesmo tomam a frente, ela já te entendeu, você já até não fala mais nada: “É isso”. Então se todo mundo focar na parte da reciclagem já começando daqui sem o preconceito e as pessoas também de fora vendo que não é só lixo, é um negócio que gira pra famílias, pode ser pra famílias depois, futuro, é tudo pra gente, é tudo pra gente. É tudo, tudo, tudo, tudo. E deve, né, deve ser visto e valorizado. Muito louco.
P/1 – E quais são seus sonhos hoje, Ygor?
R – Meu? Aha, mano, nossa! Agora você me pegou! Meu sonho? Meu maior sonho é morar na praia. Tipo numa praia que seja mais calma, mais tranquila e, sei lá, que eu monte tudo dentro da minha casa com a forma que eu já tenho em pensamentos com madeira e produtos reciclados, tá ligado?
P/1 – Ah é?
R – É. Tipo, que eu não vá ter muito gasto com energia, que eu não vá utilizar de muitos recursos eletrônicos, não. Tem que usar só que eu vou precisar mesmo, o notebook, meu tempo e montando aos poucos uma casa, meu espaço. E estudar, aperfeiçoar mais ainda na parte da reciclagem, trazer de uma forma que isso vire uma faculdade ainda, que neguinho faça uma faculdade, que tenha na carteira ali ó: “Eu trabalho com isso, meto a mão na massa mesmo e dou aula sobre isso, explico, sei como que gira, o quanto gira, quanto posso girar pra você e pra uma cidade que esteja ali caindo, sabe, sem muito giro pra crescer”. Então o negócio aqui é muito louco, meu, tem como crescer muito lugar aí que está caindo, tem como crescer países que estão tipo, pra baixo, e levantar, velho, só com isso. E poucas pessoas acordam pra ver isso, acham que não tem mais chance, acham que o mundo não tem mais chance. Tem. Tem. Tem mesmo.
P/1 – E por que a praia?
R – Ah, porque eu já sou muito agitado, tá ligado? Eu sou muito, ahhhh. Tipo, eu quero fazer tudo, quero agir da minha forma, rapidão. E a praia, quando eu vou pra praia, sei lá, eu já fico mais calmo, eu fico muito zen, eu fico olhando tudo de uma forma diferente, sabe? Não olho mais na forma adrenalina, vou fazer, tem que fazer. Não, calma aí, eu vou fazer, mas na minha calma, calma. Vou olhar também (risos). Que eu sou muito daquela forma: “Tem risco? Quanto? 5%? Então ainda dá para me salvar”, tá ligado? Eu não fico pensando muito, vamo, vamo, vamo, vamo. E quando eu vou pra praia até para entrar na água eu fico pensando: “Será que eu devo entrar por esse lado ou por aquele?”, eu já fico pensando em várias saídas, coisa que aqui eu já nem penso. Então é bom. Acho que quando eu tiver um pouquinho mais, uns 40 anos, aí eu quero ir pra lá pelo menos passar um tempo e vir pra cá pra trabalhar, passo um tempo. E mesmo assim continuar nessa parte de reciclagem, que agora é um negócio que eu não saio mais, não, é um negócio que agora vai ser pra família mesmo, vai passar de mãe pra filho, sabe?
P/1 – Como é que foi contar um pouco da sua história pra mim hoje?
R – Ah, bom, né, meu? Porque faz lembrar muita coisa, sabe? Muita coisa que ajuda até a minha cabeça. E até que eu estava um pouco pra baixo ainda com o que aconteceu e agora estou aí até com um sorriso na cara, tá ligado? Tipo, rindo pra porra. E é bom porque aí eu vejo o meu valor, eu vejo a pessoa que eu sou e o bem que eu faço, tá ligado? Pra muita gente. Que nem, eu chego aqui dentro, se eu chego com a cara fechada todas essas mulheres da esteira são as primeiras já a saber: “O que tem com o Ygor? O que aconteceu com o Ygor?”, tá ligado. E quando eu chego sorrindo já parece que está rolando a festa na esteira, todo mundo: “Êêêêê!”, a mulherada, e eu ainda dou uns berros, ainda fico: “Eita, vamo, vamo!”, e elas já começam, todo mundo a soltar aquela energia, sabe? Que o bagulho me deixa louco, que eu vejo, meu, cada mãe de família aí que estende mesmo a manga pra falar: “Meu, eu vou fazer isso por um filho que...” faz alguma coisa errada ou então já fez, ou então um filho que está precisando. Ou então eu mesmo estou precisando de uma melhora, essas coisas. É muito bom. Até mesmo pra minha mãe, tipo, sabe? Eu vejo minha mãe como uma heroína. Mano, é pesado, é da hora. Bom, bom.
P/1 – Tá certo. Obrigado, viu Ygor, foi ótimo.
R – É nóis, valeu!
FINAL DA ENTREVISTA
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