P/1 – Então primeiro, Herbe, fala pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Herbe de Souza Silva, 11 de julho de 1980, São Paulo, na Freguesia do Ó.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe, e se você souber, data e local de nascimento também, se não souber, só o nome.
R – João dos Reis da Silva, dia 6 de janeiro de 1955. Rita Aparecida de Souza Silva, dia 28 de maio de 1963, lembrei.
P/1 – O que seus pais faziam ou fazem profissionalmente?
R – Então, meu pai começou como torneiro mecânico na antiga Yadoya, ali na Lapa, aí parou, virou pedreiro azulejista. Minha mãe era auxiliar de enfermagem e parou também. O meu pai, eu não sei, ele continua, mas eu não sei a que caminhos ele anda. E minha mãe aposentou porque ela teve uma depressão profunda.
P/1 – Como eles são como pessoas assim, Herbe? Se você fosse descrever pra alguém que não conhece, temperamento, personalidade.
R – Insuportáveis. Minha mãe depois da depressão virou outra pessoa, não é mais a mesma que eu conheci quando cresci. Meu pai já é uma pessoa completamente transtornada pelo ciúme. Sempre foi. Grande parte da minha vida foi o transtorno do ciúme dele contra a minha mãe. Como ele não podia fazer nada com ela, ele fazia contra a minha pessoa. Não é uma pessoa fácil familiarmente. A família toda, socialmente nós somos tranquilos, agora, no núcleo familiar não é muito bom.
P/1 – E sua mãe, você falou que ela mudou muito depois da depressão.
R – Sim.
P/1 – Como foi essa mudança assim? Como era o temperamento dela antes?
R – Ela era muito ativa, trabalhava muito. Depois da depressão, ela caiu e ficou na cama. Até hoje. Ela é viciada em remédio controlado pra dormir. Então não é mais a pessoa que ela sempre foi. Porque era sempre um salto alto, toda linda pra trabalhar. Depois da depressão, virou outra pessoa.
P/1 – Faz tempo isso, a depressão?
R – Faz. Isso eu tinha o quê? Treze anos. Eu estou com 34. Muito tempo. Já meu pai, eu não tenho muito contato. Não é uma pessoa muito agradável pra ter contato. Aprendi a conviver com ele aos trancos e barrancos. Aprendi a irritá-lo, porque ele me xinga, eu xingo de volta. E eu concordo com tudo que ele fala, que ele fica mais irritado. Quer deixar irritado é concordar com tudo que ele fala (risos).
P/1 – Eles vivem juntos, seus pais?
R – Não. Eles separaram quando eu tinha 17 anos, por conta do ciúme dele, aí não deu certo. Eu fui morar com a minha mãe, e aos 22 eu fui morar só.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, que era casada, agora está separada, e tenho um irmão mais novo, que é adotado desde que nasceu, desde o berço.
P/1 – Qual o nome deles, dos seus irmãos?
R – É Elias e Regiane.
P/1 – E você sabe qual a história do seu nome, quem escolheu esse nome e por que escolheu?
R – Olha, eu sei a história e dou graças a Deus, porque pelo meu pai, eu me chamaria Marciano. Porque ele é João Mineiro e ele queria um Marciano. Graças a Deus que minha tia entrou no meio, falou: “Não, vamos colocar outro nome”. Eu falei: “Ai, graças a Deus”. Imagina uma bicha desse tamanho chamada Marciano (risos). Não ia dar certo. Aí minha tia falou: “Não, esse nome...”. Agradeço-a eternamente por me chamar Herbe.
P/1 – E você sabe por que desse nome, por que ela escolheu?
R – Então, ela me disse que tinha um parente de não sei quem que tinha esse nome e ela achou bonito. Agradeço muito.
P/1 – E a origem da sua família, Herbe, você sabe de onde seus antepassados vieram?
R – Olha, por parte de pai, eu tive uma bisavó índia lá em Minas, pelo que ele me contou, e foi vindo já eles descendo. Era uma família de poder aquisitivo bom, era, aí meu avô foi fazer a vida fácil com quem não devia, perdeu tudo. A minha avó é da Bahia, Itaetê, Bahia, também era de uma família boa, mas ela decidiu fugir com um funcionário da fazenda e ficou sem nada. Ou seja, eu era pra ser uma pessoa rica lindíssima, fiquei pobre antes de nascer. Então tenho vários parentes em toda parte do Brasil, desde o Amazonas, até o Rio Grande do Sul, então cada lugar tem um. Mas o núcleo mesmo, a minha mãe nasceu em Mato Grosso, eu tenho tia que é de Goiás, e foi juntando tudo e veio todo mundo pra São Paulo na década de 70, tanto pai, quanto mãe.
P/1 – E seu avô que perdeu tudo, você sabe qual é essa história, por que ele perdeu tudo?
R – Ah, ele foi procurar rabo de saia. Foi atrás de mulher. Tudo que meu pai e meu avô gostam, eu gosto, mas ao contrário. Então ele teve outra família e foi perdendo. Ele pegou doenças, voltou sem dinheiro nenhum, aí minha avó cuidou dele. Mas ele tem outra família, que eu não conheço os meus tios por parte de avô. Então tem toda essa parte antiga, década de 70, dinheiro do gado, essas coisas, que eu não cheguei a viver, nem pegar uma poeirinha das fazendas.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como era a casa onde você passou a infância, a casa e o bairro. Descreva um pouco mesmo.
R – Então, eu moro ainda no mesmo lugar onde eu nasci. Quando comecei a crescer, no bairro não tinha nada, era a minha casa, a casa de um vizinho e pouquíssimas casas. Então era rua de terra, bem assim, sabe, vila que está começando? Então eu estou há 34 anos lá, agora eu não conheço mais quase vizinho nenhum, conheço o da direita, o da esquerda e o da frente, porque tem gente que eu não conheço. Então foi crescendo aos poucos. Franco da Rocha era cidade-dormitório, aí eles compraram a casa lá em 1980, alguma coisa, e foram construindo. Foram construindo. Com a separação, cada um foi pra um lado e eu fiquei no momento com a casa aos trancos e barrancos, cada hora eles querem me tirar de lá. Eu falei: “Não, eu sou filho, então a casa é minha”. E foi crescendo, então eu não conheço quase ninguém, está muito grande o bairro. De dormitório, passou agora... Tem bastante serviço lá. Porque tem aquela história lá de Franco da Rocha, Santos, Jundiaí, que a estrada de ferro passava no meio de Franco. E está bem grande agora.
P/1 – Qual o bairro em Franco da Rocha?
R – Vila Josefina, em Franco da Rocha.
P/1 – E a sua casa como era na infância? Você disse que foi mudando, mas na infância...
R – Olha, quando eu estava no berço, tinha dois cômodos, que era uma casa pequenininha, que era só pra... Aí tinha a minha a irmã e tinha eu quando eu nasci. Aí eles foram construindo. Agora é uma casa maior, mas eu só fico em dois cômodos, porque eu não gosto da outra parte. É uma casa grande, mas só tem eu morando lá, que eu peguei só uma parte da casa pra mim. Tem a garagem, então é tudo tranquilo agora. Mas começamos com os dois cômodos, que eram só duas pessoas, aí os filhos foram nascendo, a necessidade de ter uma casa maior foi aumentando, minha mãe enchendo o saco do meu pai, meu pai enchendo o saco da minha mãe, cresceu a casa. Depois separaram, ninguém está na casa.
P/1 – E nessa fase de infância, Herbe, quais eram as brincadeiras? Do que você brincava e com quem você brincava?
R – Então, tudo: pega-pega, esconde-esconde, passa anel, corda, brincava na terra, brincava de fazer bolinho de lama. Eu brincava mais com as meninas, mas eu tinha outro lado com os meninos, que já ia pra outros lados, mais sexualmente falando. Porque a gente vai descobrindo a sexualidade. E meu primeiro namorado, eu tinha cinco anos. Comecei cedo. Meu primeiro namoradinho, mas sem a malícia que a gente tem hoje. A malícia foi depois, com uns nove, aí eu já sabia o que eu queria, nessa parte mais sexualmente falando. Mas o meu primeiro namoradinho, eu tinha cinco, me apaixonei por ele. Ele foi embora quando eu tinha seis, aí minha primeira desilusão amorosa.
P/1 – Ele tinha cinco anos também?
R – Também tinha cinco. É que a gente cresceu junto. Era tudo tranquilo, ele ia a minha casa, eu a casa dele, e as coisas iam acontecendo naturalmente. Mas eu sempre brinquei mais com as meninas, que algumas vizinhas já estão todas cheias de filho. E tem os meninos que eu saía, que agora já são pais. Eu olho para os filhos deles, falo: “Bem fez a mãe natureza, porque vocês eram pra ser meus filhos, seus demônios”. Que eles adoram me xingar. Olha, dá uma vontade responder pra eles que seu pai já me catou (risos).
P/1 – Você tinha uma brincadeira favorita?
R – Eu brincava de tudo, era bem moleque mesmo. Trepar em árvore, roubar goiaba na casa do vizinho. Porque naquela época não tinha televisão, então a gente brincava na rua. Porque minha mãe sempre trabalhou, então eu ficava muito na escola e na rua. Então era da escola pra casa, de casa pra rua, voltava pra casa preto de poeira, porque não tinha asfalto. Mas nós brincávamos muito. No rio que tinha lá atrás com o terreno baldio, tinha um rio com a nascente, então a gente ia muito. Cada dia a gente fazia uma coisa diferente.
P/1 – E brinquedo, você tinha, Herbe?
R – Ah, brinquedo tinha. Aquelas coisas antigas, aquelas coisas bem pobrinhas: bola de plástico... Mas eu não brincava muito com os brinquedos. Era bem pobrinho, não tinha sempre, era uma vez por ano e olhe lá. Por isso que a gente brincava muito na rua, brincava de casinha. Cada dia que brincava com um grupo diferente, ou com a vizinha, ou com os vizinhos. Bolinha de gude, nunca soube brincar, mas eu brincava. Pipa, eu nunca gostei. Essas coisas de menino não eram muito comigo. Era mais de esconde-esconde, pega-pega. Era o que dava de noite, porque de noite, brincar de esconde-esconde era o máximo.
P/1 – Você falou dessa questão da sexualidade muito cedo, cinco, nove anos.
R – Muito.
P/1 – Eu queria saber assim, quais são suas primeiras lembranças, quando você lembra que percebeu isso. Imagino que nessa idade é bem intuitiva, mas qual a sua primeira...
R – Com cinco anos, com o Gildemar.
P/1 – E como foi isso? Como foi essa história?
R – Ah, a descoberta do corpo. Descobrindo que ele tinha a mesma coisa que eu e que dava prazer, de certa forma, que a gente gostava de tocar o corpo um do outro. Depois quando foi crescendo, os outros meninos descobriram que alguma coisa em mim era diferente, eles foram querendo ter os prazeres que eles não conseguiam, porque só tinha moleque na rua. Poucas meninas e as meninas eram todas recatadas. Eu nunca fui. Nunca fui santa. Aí eu proporcionava esse prazer a eles.
P/1 – E a sua consciência disso assim? Você lembra como era... Essa descoberta que é bem intuitiva do corpo, sensorial, tal. Mas a consciência disso assim, teve algum momento que você problematizou, ou viu problema, ou os outros começaram a ver algum problema?
R – Então, aí onde começou a descoberta de me chamarem de bichinha. Porque até então nunca soube o que eu era, se era menino ou menina, porque eu brincava com todo mundo. Teve uma vez que eu tinha nove anos, que eu pensei que eu ia ficar grávido. Menina, deu um susto. Porque eu não sabia. Porque minha mãe trabalhava o dia inteiro, gravidez, gravidez, falei: “Meu Deus, eu fiz... Eu brinquei com... Eu vou ficar grávido. E se eu ficar grávido, eu vou fazer o quê com esse filho”. Até descobrir no livro que eu não podia engravidar (risos), aí eu sosseguei. Mas foi um trauma. E o medo? Falei: “Meu Deus, como eu vou esconder essa gravidez?”. Foi tenso (risos).
P/1 – E com quem você foi buscar informação?
R – No livro. No livro. Pra descobrir como era a gravidez. Isso eu tinha nove anos, então eu fui à biblioteca da escola e procurei. Falei: “Meu Deus, se eu ficar grávido, eu vou contar pra quem? O que eu faço com essa criança? Por onde essa criança vai nascer?”. Aí eu falei: “Ah, eu não vou ficar grávido, não vai dar certo (risos). Posso continuar brincando”. Mas foi bem assim. Aí eles descobriram esse meu lado mais meigo, mais afeminado, aí virou festa.
P/1 – Você diz “eles descobriram”, os meninos, com quem você convivia.
R – É.
P/1 – Tá.
R – É que eu convivia com todos, mas descobriram na escola e alguns me fizeram chantagem quando descobriram. Eu falei: “Bom, pra não chegar dentro da minha casa, vou ter que ceder”. Mas era tudo na mesma idade, dez, 11 anos, tudo na mesma faixa etária. Que são os meus primeiros amores.
P/1 – E na sua família assim? Como foi essa questão?
R – Não foi porque eu nunca contei. Porque eu nunca precisei contar. Porque querendo ou não, a minha mãe tinha pouco estudo, tinha estudo suficiente pra trabalhar, meu pai tinha parado de estudar, e eu que continuava estudando. Então não era uma coisa muito fácil em 1987, pra saber o que era. Eu fui depois com muito tempo estudando pra saber o que realmente era isso, e convivendo, porque tudo foi acontecendo. Eu nunca cheguei pra minha mãe e falei: “Mãe, eu sou gay”. Não precisou contar. Mas quando ela suspeitou que eu talvez pudesse ser, aí ela fez chantagem, ela falou que se eu fosse gay, ela se mataria. Eu falei: “Então tá, se você vai se matar, eu não sou”. Depois que eu fui morar sozinho, eu falei: “Ahã, te enganei (risos). Enganei-te”.
P/1 – Que idade você tinha com essa conversa com a sua mãe, que ela fez essa chantagem?
R – Eu tinha 15. Foi quando aí começou o boom, é gay. Ela nunca chegou e perguntou “Você é?”, ela falou “se você for”. Aí...
P/1 – Ela te chamou pra uma conversa e te disse isso? Foi isso?
R – Sim. Eu falei: “Bom, eu não sei o que é isso que o povo está falando, eu sei que é ruim, porque o povo está me xingando. Eu sei porque o povo está me xingando”. Pra mim era uma coisa normal. Eu nunca fui de estereótipos, eu sempre fui assim. O cabelo sempre foi curtinho, mas eu sempre fui muito afeminado, desde pequenininho. É que agora eu estou gorda, mas eu tinha cinturinha, já tinha bundão, já tinha um corpo feminino desde pequenininho.
P/1 – E seu pai e seus irmãos em relação a isso?
R – Não, a minha irmã saiu de casa mais cedo que eu. Por conta do meu pai e desse ciúme, ela casou com 15 anos. E já meu irmão sabendo que meu pai tinha algum problema comigo, já fazia tudo pra me provocar, então ele tirava proveito. Ele me provocava até eu bater nele, ele sempre tirava proveito, que eu sempre levava bronca, sempre apanhava. Até passei por tratamento psicológico pra aprender a lidar com ele, aí foi onde eu consegui deixá-lo com raiva, porque eu não revidava as broncas dele. Mas aí foi até os 17 anos, aí minha mãe separou, porque ela não aguentou mesmo.
P/1 – E, Herbe, você falou que pra você, essa coisa de os meninos xingarem, tal, era estranho porque você não entendia qual era o problema.
R – Porque de noite eu estava com eles e de manhã eles estavam me xingando, aí eu não entendi qual a relação. Eles me xingavam pra mostrar que eles não eram, mas de noite eles estavam comigo, aí eu não entendia essa problemática. De noite eu estava brincando com eles, proporcionando prazer, e durante o dia eles me xingavam. Que aí se espalhou pela escola, teve aqueles problemas de não querer sair da sala, dos professores que nunca entendiam.
P/1 – Você se lembra de algum momento que tenha sido marcante nesse sentido, que você tenha tomado consciência de que aquilo poderia te causar algum problema, ou de que tinha alguma coisa estranha naquilo que você via como uma coisa natural?
R – Sim, foi numa saída para o recreio, que tinha alunos de outras salas, maiores. Que era uma escola de primeiro até o oitavo ano, mas são alunos bem grandes, então quando eu fui para o corredor, eles me ameaçaram, aí eu voltei pra sala e fiquei dentro da sala.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Eu tinha dez. Eu voltei pra sala, mas depois eu fui aprendendo a conviver com isso, porque eu também não me escondi. Eu falei: “Se eu sou ou não, o problema é dos outros, não é meu”. Mas eu não tinha essa consciência, eu aguentei tudo sempre muito calado e nunca levei pra casa problema, não. E sempre acabando não... Ia pra diretoria pra... Porque eu sempre estava no meio de alguma briga e sempre eu era o culpado, porque eu respondia. Xingavam-me, eu revidava. E querendo ou não, quem revida depois é sempre aquele que o professor ouve, e é quem ia pra diretoria.
P/1 – E como os professores lidavam com isso?
R – Eles não lidavam, porque nessa época eles não tinham tanto conhecimento. É complicado até hoje para os professores, eu vejo dentro da sala de aula, para os professores reconheceram um aluno que tem uma tendência pra homossexualidade. Eles não sabem lidar. Eles não têm esse feeling de “Espera aí, vamos ver o que está acontecendo, por que os outros estão xingando, e eu tenho que ajudar”. A maioria não tem esse conceito. Na minha época não. Tive bons professores, mas que não me ajudaram tanto nessa parte, porque eles não sabiam como lidar mesmo. Eu sei que já fui muito pra diretoria, já levei um monte de advertência, um monte de suspensão, até tratamento psicológico. Aí minha mãe foi chamada na escola com o meu pai, me mandaram para o psicólogo. Ninguém nunca me contou o porquê eu fui para o psicólogo, mas alguma coisa tem a ver com essa sexualidade.
P/1 – Mas você tinha um comportamento na escola assim, fazia arte, ou era... Como era? Indisciplinado?
R – Não. Aí teve aquela fase da adolescência, quando eu fui da quarta pra quinta série, que aí adolescente, foi só questão de... Que aí eu reprovei. De responder ao professor, de achar que você é mais velho, que você trocou, você não está mais na quarta série. Aí eu reprovei. No outro quinto ano, na quinta série, eu fiz tranquilo. Nunca fui muito levado. Eu sempre gostei de fazer tudo certinho, não pra puxar saco, mas eu sempre fiz tudo sempre do meu limite, sempre fui um aluno mediano, nunca fui CDF.
P/1 – E quais são as primeiras lembranças que você tem da escola, Herbe? Assim, da primeira escola que você frequentou.
R – Ah, foi do prezinho. Foi muito bom, eu tinha... Eu falo nas minhas palestras que eu tinha a mesa dos meninos bonitos. Que tinha eles lá, eu encontro com eles até hoje, continuam bonitos. Então eu lembro. Eu tinha o quê? Seis anos, eu estava no pré, eu já sabia que aqueles meninos eram bonitos e os outros não. E eu via os meninos bonitos, não as meninas bonitas. E eu ficava ali admirando a beleza. E ficava, mas eu não sabia, porque pra mim sempre foi muito normal. Porque eu sempre brinquei com menina, pra mim é normal. E eu tenho muitas primas. Tenho poucos primos. Eram mais mulheres, então eu estava sempre no meio das mulheres. Então pra mim foi muito tudo normal.
P/1 – E essa questão de se vestir, se arrumar? Você lembra quando você sentiu vontade pela primeira vez, por exemplo, de colocar uma roupa de mulher, ou de se arrumar de uma maneira mais feminina?
R – Eu pegava as roupas da minha mãe e da minha irmã, que era sempre aquela... Como ela ia trabalhar sempre bonita, aqueles saltos lindos, toda aquela roupa linda. E os vestidos da minha irmã serviam, então usava os vestidos da irmã. Que eu achava lindo salto alto. Eu corria pela casa de salto alto. Ela tinha um salto agulha lindo, e até então servia no meu pé. Nossa, eu ficava me acabando com aquele sapato em pé. Depois cresceu o pé, não serviu mais (risos).
P/1 – Desde que idade isso, Herbe?
R – Desde cinco anos. Tudo que eu lembro é a partir de cinco anos. Porque até então eu ainda estava no berço, ainda tinha alguns medos. Mas eu lembro bem dos cinco anos em diante, porque foi quando começou todo esse desejo por meninos, esse reconhecimento do outro, com a beleza do outro, e a vontade de ter o outro ao lado.
P/1 – E essa coisa de... Você fala de se vestir desde muito novo, de menina, esse desejo de colocar, mas e de se apresentar publicamente dessa maneira? Você se lembra...
R – Porque até então, como eu era menor, quem comprava a minha roupa era a minha mãe, então ela comprava calça de moleton, roupa de menino, mas no meu corpo não ficava de menino, porque meu corpo era bem já delineado femininamente. Mas minhas calças sempre ficavam tudo muito justa. Mesmo ela comprando maior, a bunda sempre foi grande. Depois que eu saí de casa que eu falei: “Ah, eu gosto desse tipo de roupa”. Mas foi depois que eu saí de casa. Porque na verdade ainda compro roupa masculina, mas no meu corpo fica diferente. Mas dependendo, roupa pra mim é indiferente, eu tenho que bater o olho e gostar, se eu gostei, eu compro. Mas a minha predileção é mais por roupa feminina, porque eu acho mais bonita. Porque roupa de homem é só calça, terno, qualquer coisa serve. Roupa de mulher gasta muito. Eu gosto bastante.
P/1 – E essa época do ensino básico assim, eu queria saber se você teve algum professor que tenha te marcado, um professor ou uma professora.
R – Sim. Teve a professora... A dona Ana, da quarta série. Na verdade, todos eles me marcaram, eu me lembro de todos. A professora Mariza, que era bem rígida, da primeira série, a segunda me marcou negativamente, a professora Mariza, de óculos, porque eu quebrei o braço, ela falou que eu podia ir pra escola, quando eu pedi pra ir ao banheiro, ela fez uma fala enquanto eu saía, ela achou que eu estava fora, mas eu ainda não tava, ela disse pra todo mundo: “Eu não sei o que isso vem fazer na escola. Está com o braço quebrado, vem aqui só pra encher o saco”. E eu ouvi, porque eu tenho bons ouvidos desde pequeno, então eu ouvi. Depois que eu ouvi, eu não fui mais pra escola enquanto eu não sarei do meu braço. Na terceira série teve várias professoras, teve a Hegli, a Jucenir, teve várias. E a dona Ana continua, a dona Ana na quarta série, que foi super mãezona mesmo, uma senhorinha super linda, que tinha vários professores que eram filhos dela lá na escola também, o professor de Matemática, o Edenir. O que me marcou bastante também foi o de Matemática, o Sidney, mas aí já no ensino de quinta a oitava série. Foi o Sidney, o de História, que eu briguei muito com ele, com o Guilherme, muito, e o professor Pereira. Meu Deus do céu. O professor Pereira é o professor de História, sentava lá na cadeira: “Copia a página tal”. E os professores que eu sempre batia de frente, mandava a gente copiar lição do livro. Aí eu sempre batia: “Copiar pra quê? Qual o motivo de estar copiando do livro?”. E eles nunca souberam me responder, a gente batia boca, eles me mandavam pra diretoria, que eu sempre questionava. O professor Marcos, o professor Ângelo. E quando eles tentavam me arrastar pra fora da sala, eu achava o máximo (risos). Mas eu fugia da diretoria. Naquele tempo, a diretoria era o medo de todo mundo, a diretora Evelise. Nossa, aquela era carrasca!
P/1 – Você fez o ensino básico todo na mesma escola?
R – Todo na mesma escola. Depois teve a dona Zuleika, que já foi mais maleável, aquela senhora loura, matriarca, olhos azuis, cabelo, sempre manteve o corte chanelzinho. Depois você se forma, você volta à escola, eu voltei a trabalhar nessa escola onde eu estudei, mas eu trabalhei na secretaria, dei poucas aulas lá, porque não dá certo trabalhar perto de onde você mora. Não dá certo, porque batiam à porta da minha casa pra saber se tinha reunião de pais, se ia ter aula. Eu falei: “Ah, não. Chega! Vou voltar lá pra longe que é melhor”. Mas sempre foi tudo ali. Então era um bairro... Então teve a escola que foi construída em 1982, na época do Governador Maluf, então foi naquela época de obras faraônicas, que ele sempre fala: “Quando eu fui governador...”. Então aquela minha escola continua lá.
P/1 – Qual é a escola?
R – É Elvira Parada Manga. Está sempre lá, há anos, décadas. Então é obra de Maluf, Maluf que fez.
P/1 – Nessa fase assim de infância e adolescência, você lembra o que você queria ser quando crescesse, Herbe?
R – Nossa, eu queria ser bombeiro. Eu colocava fogo em tudo. Ser bombeiro pra apagar fogo. Mas o meu destino foi sendo levado, eu deixei. Eu queria ser muita coisa, mas... Eu queria ser bombeiro, depois eu queria ser... Eu só não queria ser professor, porque eu tinha esse autoconhecimento. Eu falei: “Meu Deus do céu, se eu faço isso com o meu professor, imagina o que os meus alunos vão fazer comigo”. Paguei minha língua (risos). Paguei e paguei feio (risos).
P/1 – Você fala que botava fogo em tudo, mas não literalmente, né? (risos).
R – Não, nos meus brinquedos. Botava fogo. Eu fazia aquelas casinhas bonitinhas, aqueles carrinhos de caixa de ovo, porque tudo pra mim virava brinquedo, e colocava fogo. Eu gostava de ver as labaredas subindo. É literalmente mesmo. Botava fogo. Quase coloquei fogo na casa uma vez. (risos) Mas depois eu parei da fase do fogo. Aí eu fui pra fase da água, que eu fechava as portas, jogava água com sabão no chão e saía deslizando pela casa. Vinha da sala até a cozinha, até que eu fui parar dentro da pia da cozinha, com as quatro patas, quebrei a pia da minha mãe (risos). Aí eu parei também (risos). São tudo fases, são ciclos, cada hora eu invento uma coisa nova.
P/1 – Você era arteiro então, na verdade (risos).
R – Eu fui. Eu fui bem moleque. Eu não passava ruim, não.
P/1 – E durante essa fase, eu queria saber o que mudou nessa transição de infância pra adolescência, sabe? O que mudou...
R – Ah, o comportamento. O comportamento, eu fiquei mais agressivo e o corpo mudou, que aí cresceram os seios. Aí a Educação Física era diferente, era de manhã, e tinha o time de camisa e o time sem camisa, e eu com seios. O que você faz? Eu não fiz Educação Física durante três anos. Conseguia atestado médico, eu sempre dava uma desculpa pra não ir. Porque era feito chamada e se você não fosse, você reprovava. Fiz vários trabalhos de compensação de ausência. Porque pra mim, eu via os meninos sem camisa, eu falei: “Meu corpo é diferente deles, eu não posso ficar sem camisa”. Porque eu já tinha seios, que já foi crescendo. Aí eu parei de fazer Educação Física.
P/1 – Mas você tomou alguma coisa pra...
R – Não.
P/1 – Cresceu naturalmente?
R – Naturalmente. Foi crescendo. Eu tenho hormônios desregulados no meu corpo Então o meu hormônio masculino foi começar a aparecer com 27, 28 anos, porque até então meu corpo era bem feminino. Ainda mantém. Tudo bem que eu estou mais roliça, porque a gente ganha mais, a gente gasta mais, compra mais comida. Mas o meu corpo sempre foi bem feminino, tanto é que eu passava despercebido em qualquer lugar. Se eu não falasse com a pessoa, eu passava como mulher em qualquer canto. Sempre teve essa... Porque aí as pessoas ficavam olhando: “É homem ou mulher? É homem ou mulher?”. E quando eu fiquei loira então, nossa, chamava mais atenção. Isso com 15 anos. Aí eu mudei o cabelo. Essa fase da adolescência, mudei o cabelo, de loiro, verde, roxo, azul, tudo pintado com papel crepom. Foi o hors concour da escola quando eu cheguei de cabelo loiro. Nossa, foi comentário de uma semana. Aí fui pintando de verde, vermelho, aí o povo acostumou. Então o povo que me conhece já acostumou comigo. Então as crianças que estudavam lá ainda moram no bairro, então ainda tenho, querendo ou não, certo contato com eles, tanto de quem me fez mal, como de quem me fez bem. Quem me fez mal viu o tanto que eu cresci educacionalmente, profissionalmente, e em status financeiro. E que eu não tenho filho, eles têm um monte. Eu nenhum, porque eu não posso engravidar, que eu descobri (risos).
P/1 – E você além dessa questão do corpo, que é bem forte na adolescência, queria saber assim, de grupo de amigos, de passeio, as práticas mesmo sociais. Você mudou alguma coisa? Você passou a fazer alguma coisa diferente? O seu cotidiano se transformou?
R – O meu cotidiano continuou o mesmo da escola mesmo: passeio ao Playcenter várias vezes por ano. Todo ano a gente ia para o Playcenter. Pico do Jaraguá, a gente juntava um grupo e ia para o Pico do Jaraguá. Então era o grupo de escola mesmo. Então a gente manteve a mesma turma desde a quinta série até a oitava série. Com 17 eu fui para o Cefam, aí montamos outros grupos de amigos. Que aí cada um foi pra uma escola, foi perdendo aquele vínculo, mas mantivemos certo contato. Mas sempre foi a escola. E os vizinhos também, que estudavam na mesma sala, então a gente mantinha o contato, vizinho de porta. Que esses vizinhos, umas das vizinhas foram minhas mães de leite, porque eu acabei com o leite da minha mãe. Eu mamei em três vizinhas. Verdade. Eu mamava bastante. Muito. (risos).
P/1 – E nessa fase dessa adolescência teve alguma história que tenha te marcado, aquelas coisas que ficam na memória, que você lembre até hoje? Um episódio, uma história forte?
R – Quando eu quebrei meu braço quando eu tinha seis anos. Que minha mãe ficou sabendo acho que esse ano, quando ela mudou pra Minas, que eu falei onde eu quebrei meu braço. Porque até então, a história foi que eu tinha quebrado o braço na escola, e não foi na escola, foi no barranco atrás da escola, que eu estava reinando. Que eu desci o barranco e quebrei o braço. Mas pra todo mundo, eu quebrei na escola. Fiquei 33 anos mantendo a história que eu quebrei o braço na escola (risos). Eu contei, ela: “Você mentiu pra mim?”. Eu falei: “Não menti. Você não me perguntou onde eu quebrei. Eu quebrei na escola, só que foi atrás, não na frente” (risos).
P/1 – Não perguntou fazendo o quê (risos).
R – É. E o pior que eu quebrei sozinho mesmo. Eu estava sozinho dessa vez. Eu escorreguei no barranco sem querer, pisei em falso e fui apoiar, aí fui para o hospital. Ela trabalhava no São Camilo nessa época. Vai para o hospital, coloca o braço no lugar, foi horrível, porque quebrou aqui e aqui. Nossa! Mas eu me diverti.
P/1 – E nessa fase você só estudava, ou você trabalhava já?
R – Não, sempre estudei. Só estudei. Eu comecei a arrumar emprego num bar de um tio meu pra poder fugir da Educação Física. Então ele me deu atestado de que eu estava trabalhando, pra poder fugir, então eu precisava fazer alguma coisa. Mas eu sempre só estudei. Minha meta foi só estudar. Porque sempre meu pai deixou isso bem muito forte: “Eu não vou te dar dinheiro, mas pelo menos eu vou te deixar o estudo. O estudo ninguém vai tirar de você”. Pelo menos essa marca eu ainda tenho deles, tanto meu pai, quanto minha mãe. Então eu sempre estudei. Até os 22 anos, eu só estudei.
P/1 – E esse trabalho no bar do seu tio era um trabalho de fato, ou era mais pra...
R – Não, eu ia, atendia o bar. Sempre gostei de trabalhar com o público, então eu sempre estive envolvido com o público. De atender bem as pessoas, de lidar com as pessoas. Eu pegava história de todo mundo dos moradores ali, super... Eu curiava muito. Sempre curiei.
P/1 – E você ganhava algum dinheiro por esse...
R – Na época, foi na época do real, na transição do cruzeiro para o real, foi em 94. Ganhava. Ganhava o quê? Acho que uns 25 reais na época. Que 25 reais na época era muito dinheiro. Muito dinheiro.
P/1 – E você lembra se você comprou alguma coisa que você queria com esse dinheiro?
R – Comprei. Um walkman. Um walkman amarelo. Não sei o que eu fiz com ele, mas eu comprei. Foi só também. Mas eu levava as balas do bar. Levava pra escola, porque tinha muita bala, muita bolacha, eu levava tudo pra escola. Até hoje ele não sabe. Ah, não vai saber, porque ele morreu também. Já foi, que Deus o tenha.
P/1 – E quando você decidiu que você ia fazer magistério? Como foi essa decisão? Que você disse que quando era pequeno, pensava: “Professor, de jeito nenhum”.
R – Na verdade eu não... Eu entrei no Cefam em 96 como ensino normal. Eu queria estudar no Gandra, em Jundiaí, que era uma escola de nutricionismo. E fui e a minha vaga estava em outra escola. Fui, minha mãe fez minha matrícula faltando uma semana pra começar as aulas. Aí eu entrei no ensino normal, que era o ensino normal, e a escola era só de magistério e tinha algumas salas extras de ensino normal de ensino médio. Aí todo mundo fazendo, estudando, um monte de candidato a professor, passavam dez horas por dia. Aí eu comecei a me interessar. Tinha bolsa, tinha um salário, um salário mínimo na época. Eu fiz a prova no mesmo ano pra entrar em 97. Eu passei na prova, fiquei na lista de espera, desisti da vaga, passei minha vaga pra outra pessoa. No mês de abril, a menina que eu tinha dado a vaga desistiu, eu perguntei para o diretor se eu podia voltar, ele me deu a vaga. Porque eu trabalhava na escola que eu... Porque como eu sempre estava muito ali, então eu tinha contato com toda a parte de administrativo, eu comecei a trabalhar na secretaria da escola. Então eu tinha acesso a tudo na escola. Então aonde eu chego, eu procuro ter acesso a tudo. Então gosto de saber o que eu estou fazendo.
P/1 – Mas isso no Cefam?
R – No Cefam. Eu trabalhava no Cefam, na secretaria, organizando a parte da vida escolar dos alunos. De aluno, de professor, de tudo. Então eles me deram esse voto de confiança, porque o diretor era supertranquilo, supermassa. Foi quando ele chegou à escola. Eu tive certo receio nessa escola, porque ainda tinha muito preconceito. E eu cheguei diferente, de cabelo verde, então virou uns bochichinhos. Quando esse diretor chegou, que ele entrou, conversou com todos os alunos em cima do púlpito, que naquela escola não seria permitido preconceito de forma alguma, e quem tivesse preconceito racial, sexual, seria expulso da escola, eu falei: “Pronto, é aqui que eu quero ficar”. Depois que ele entrou, minha vida ficou tranquila. Tanto é que até hoje a gente tem contato, que agora ele é supervisor de ensino. Na festa que eu te falei, na festa da Primavera Vermelha foi na casa dele. Ele era um diretor muito gente, ele reunia os alunos na casa dele. E os professores, nós viramos amigos depois de muito tempo. Então nessa época eu entrei para o magistério. Que da vaga que eu tinha desistido, a menina desistiu, aí eu entrei. Eu entrei pelo salário e também pelo fervo. Eu fiquei com a vaga de magistério das sete da manhã até as 18 horas, e de noite eu continuava o ensino médio, porque eu não desisti da minha vaga do ensino médio. Então eu ficava na escola das sete às 22 horas da noite. Eu só chegava a casa pra dormir. Nos primeiros anos, eu não gostava do magistério, eu ia mesmo por ir. Quando eu comecei a fazer estágio, que eu tive contato direto com as crianças, com os professores em outras escolas, aí eu me encantei e falei: “É aqui que eu quero ficar”.
P/1 – Você se lembra de algum momento dessa fase, ou algum episódio que tenha batido e você tenha pensado “Ah, acho que é isso que eu quero”?
R – Foi quando eu estava no fundo da sala, que a professora falou: “Fica com essas crianças, que eles não sabem nem ler”. Eu falei: “Fica com essas crianças que não sabem nem ler. Eu estou fazendo estágio”. Eu falei: “Meu Deus do céu, o que fazer?”. Aí eu fui procurando, fui ajudando e fui tomando muito gosto. E nessa escola que eu estava, eu já me infiltrei também, já fui pra secretaria, diretor, então já me habituei, já estava ali. Já fazia parte daquela escola. Eu fiz dois anos diretos de estágio nessa escola, porque eu sempre... E era longe da minha casa. Nessa época, eu morava em Francisco Morato, quando minha mãe se separou, e o estágio era em Franco da Rocha. Eu fiquei dois anos diretos. Quando eu me formei, a coordenadora me chamou pra dar aula de reforço, porque ela já conhecia meu trabalho como estagiário, então ela me chamou. Eu fiquei nessa escola de 2002 a 2006, quando eu entrei na faculdade. Que aí não bateu o horário da faculdade, eu tive que deixar. Muito chateado, eu deixei a escola. Fui pra outra escola em Caieiras, com a Filó, que também foi uma mãe pra mim, que me recebeu de braços abertos. Nem queria saber quem era, falou: “Não, você vai ficar aqui nessa escola”. Eu fiquei até 2008 nessa escola. Aí eu passei num concurso em Campo Limpo, fui chamado, não pude assumir o cargo, aí voltei pra dar aula no Estado e peguei em outra escola. Fui pra terceira escola, com a Josimeire, que também foi a minha primeira turma de primeiro ano. Primeira turma do primeiro ano no Estado, em 2008. Ninguém até então sabia como trabalhar com primeiro ano, e era a minha turma, foi aí que eu falei: “Opa!”. Aí deslanchei. Que até então eu ficava de uma sala a outra “eventuando” quando o professor faltava, então eu tinha que saber dar aula pra todas as séries, desde a primeira série até a quarta série. Então cada aula era diferente. Aí tinha uns alunos: “Meu Deus, o que é isso?”. Que você via a cara deles. Mas eu sempre fui de cabelo preso, tênis, tudo bonitinho. Nunca fui... Fui à paisana. Eles olhavam, aí você colocava o nome na lousa, aí a dúvida: é professora ou professor? Você via aquela carinha deles. Aí você explicava. Que eu sempre me apresentei como professor, nunca como professora. Sempre pra quebrar. Sempre professor. Aí com o tempo você vai fazendo com que eles entendam. Porque querendo ou não, eles têm aquela visão do travesti que eles conhecem da televisão, aquela imagem deturpada. Até eles reconhecerem que aquilo que eles veem na televisão é diferente do que tem na escola tem certo tempo de trabalho. Até eles reconhecerem o profissional. Porque tem os problemas de pais, né? Mas que nunca chegou até a mim, porque eu era blindado pela gestão das escolas que eu passei. Então era tudo conversado com eles. E eu sempre procurei fazer reunião com os pais pra apresentar o meu profissional. Eu sempre falei: “O meu profissional é diferente do meu lado sexual. Aqui eu estou dando aula. Eu estudei muito pra estar aqui”. Os pais ainda, querendo ou não... Aí com o tempo eles vão vendo que o trabalho vai rendendo, aí essa parte fica de lado.
P/1 – E essa questão do estranhamento dos alunos assim, você se lembra de alguma situação que tenha te marcado nesse sentido? Uma reação, ou uma pergunta?
R – Ah, eles perguntam sempre: “Você é menina ou menino?”. Eu falei: “Depende do dia. Tem dia que eu estou menina, tem dia que eu estou menino”. Foi mais recente esse ano, que é o aluno que chegou novo na escola, numa festa que teve, ele olhou pra mim, e a mãe dele do lado: “Você é menina ou menino”. Eu respondi: “Depende do dia”. Ele: “Mas eu ainda não entendi”. Eu falei: “Então, hoje eu estou de menina, mas amanhã eu posso estar de menino” “Ah!”. Aí a mãe dele roxa de vergonha, aí ela foi explicar: “Então...” – não lembro o nome do menino – “Lembra que a mãe falou que anjo não tem sexo, é igual”. Eu falei: “Ai que lindo, eu sou um anjo então” (risos). E ele ainda está na escola. Então querendo ou não, todos os alunos me conhecem, que eu estou na mesma escola. Eu procuro ficar muito tempo no mesmo lugar, porque se ficar trocando de escola todo ano, até começar de novo, explicar pra nova comunidade quem é você, dá trabalho. Então eu já estou há cinco anos no mesmo lugar, então todo mundo sabe quem sou eu e qual o meu lado profissional.
P/1 – E hoje você dá aula para o ensino público estadual, é isso?
R – É municipal. Porque eu saí do Estado em 2011... Eu fiquei no Estado de 2002 a 2011. Eu pedi a desistência em 2011 e assumi outro cargo na prefeitura de Caieiras, onde eu estou até agora.
P/1 – E durante esse tempo lecionando, eu queria saber se teve alguma situação profissional marcante pra você, ou um aluno em especial, ou uma situação mesmo que você viveu como professora.
R – Olha, todos os meus alunos são marcantes, porque querendo ou não, quando você pega aquele aluno que não sabe nem o nome, nem ler lé com cré, e termina o ano produzindo texto, todos eles são marcantes pra mim. Tanto é que todos eles quando me descobrem no Facebook, eles entram em contato, perguntam: “Você se lembra de mim?”. Aí você vai lá ao banco de memória do cérebro: “Lembro”. Você olha a foto, era sim. A minha turminha de primeira série, que eu dei aula em 2007, está na oitava série esse ano. E eu tenho contato com todos os professores. Mesmo estando longe, eu procuro saber como está a vida deles. Alguns, infelizmente, já faleceram por envolvimento com droga. Teve um que o irmão era envolvido com droga, estava no carro quando atiraram no irmão, o matou. Então são várias etapas de alunos que acabaram virando moradores de rua. Então eu cuido muito da vida deles. Agora bem mais, que agora quando meu aluno falta eu vou a casa perguntar por que faltou. E eu não deixo aluno faltar. Tanto é que quando... Eu tenho um aluno que está faltando muito, que está por uma falta pra reprovar, eu falei: “Se ele reprovar, eu o mato”. Porque ele vai reprovar por falta. Porque ele está naquela fase de não gostar de mim, gostar de mim, gosta, mas não quer ir. Então aquela fase, que eu nem ligo, porque ele está comigo há quatro anos, então ele não vai gostar de mim agora, azar dele. Há quatro anos juntos, estamos com problema na relação.
P/1 – Tá tarde, né, pra não gostar agora? (risos).
R – Tá tarde. Ainda tem o ano que vem. Azar dele. Que eu já avisei pra ele que se ele não mudar o ano que vem, ele vai pra outra sala.
P/1 – E já teve nesse seu tempo de magistério, como professora, algum aluno ou alguma aluna que tenha te procurado por essa questão da sexualidade assim, ou que você tenha tido essa sensibilidade de perceber que tinha uma questão acontecendo ali e tenha feito alguma intervenção, alguma ajuda?
R – Então, com os alunos a gente até percebe, porém eu tenho certo receio, porque ainda eles são novos, então eu não posso falar: é, vai ser. Porque isso não tem como dizer. Isso eles vão decidir depois com 15. Mas você já sabe que pode ser, está estudando pra ser, porém, não posso eu falar que é. Então eu oriento os outros pra que não agridam. Isso não só alunos meus, da escola inteira. Eu procuro ser um referencial que eles não cometam o famoso bullying com os outros. “Ah, está chamando de bichinha.” “Está chamando de bichinha por quê? Vai lá no dicionário e procura o que significa bicha. Bicha é verme que dá na barriga de pobre.” E o bendito do dicionário tem. Isso foi em 2005, na sala de reforço: “Ah, professor, está me chamando de bicha”. Eu falei: “Pega o dicionário, procura o que significa bicha” “Verme...” – ela está lendo – “Aqui, pessoa afeminada, é ele, é bicha”. Eu falei: “Não. Não é. Pode parar”. Eu falei: “Dicionário Aurélio”. Que ódio que eu fiquei do Aurélio naquele dia (risos). Porque eu estava tentando dar uma bronca nela, ela leu o dicionário, falou: “Olha aqui, pessoa afeminada, é bicha, é ele”. Eu falei: “Pode parar”. Porque querendo ou não, criança é maldosa. E ela foi. Eu falei: “Olha, que raiva. Pra isso ela sabe ler”. Mas assim, com os meus pequenininhos ainda não. Já tive nessa escola que eu estudei, quando eu trabalhava na secretaria, uma mãe que me procurou, porque ela tava muito triste, porque ela desconfiava que o filho dela fosse ser gay. Ela chorou muito. Só que nesse caso dele, ele estava com umas companhias que ele acabou pegando os trejeitos dos amigos dele. Aí você orienta, você conversa, fala que não é o fim do mundo. Ele mudou as companhias e realmente ele não era. Agora ele é casado, tem filho. Se ele é ou não, não sou eu que vou dizer, mas pelo menos o caminho dele, ele mudou as amizades e eu vi o comportamento dele que era de um jeito e foi mudando. Mas a mãe chorou muito. Ela falou que se fosse, ela queria saber. Aí você tem que acalentar. Porque querendo ou não, eu era um referencial pra isso na escola. Ninguém nunca chegou a perguntar. Todo mundo sabia, mas ninguém perguntou. Essa foi a única mãe que foi querer saber se ele era mesmo. Porque querendo ou não, eu tinha contato com eles, que é vizinho também que eu vi crescer. Mas agora não, ele já tem um filhinho, está superfeliz com o filho dele, casou, separou, está com outra namorada. Falei: “Ele não é. Pronto”.
P/1 – E quando você decidiu fazer faculdade? Por que você tomou essa decisão? Como foi a experiência na faculdade?
R – Olha, na faculdade eu também fui no susto. Eu fiz o Enem, fiz a inscrição do ProUni e esqueci. Porque na verdade eu precisava ter... Porque só o ensino técnico e o magistério não me garantia muita coisa. Pela lei, dependendo de algum tempo, você tinha que ter o nível superior pra poder continuar dando aula. Aí foi no susto. Ligaram-me da faculdade que eu tinha feito inscrição, que eu tinha conseguido a bolsa do ProUni e se eu estava afim da vaga. Eu falei: “Opa! Agora”. E corri pra faculdade e fiz a inscrição. Aí aquelas: “Nossa, na faculdade a gente arruma namorado”. Passei três anos, nunca beijei nem na boca. Tanta raiva que mentiram pra mim (risos). As minhas amigas conseguiram casar, eu falei: “Ah, na faculdade eu vou casar. Gente diferente, com conhecimento”. Eu falei: “Meu Deus”. Quando eu cheguei à sala, falei: “Quanta gente burra”. Tinha aluno que não sabia escrever, que veio de uma rede pública com muita dificuldade, que não sabia escrever. Aí chego eu que já tava dando aula há anos. Tinha quatro alunos na sala que já davam aula, que éramos eu, as gêmeas, que até hoje nós mantemos contato, que é a Ângela e a Alana. Então tinha poucos que sabiam escrever. Tanto é que quando eu entrei, eu entrei em março, a sala já tava formada desde fevereiro, aí entra na sala, o povo fica olhando, olha pra cá, olha pra lá. Também nem ligo. Primeira aula de Português, o professor pede uma redação pra sala inteira. Beleza. Fiz a redação, entreguei. Ele lá na frente, na outra aula, corrigiu e entregou algumas redações para os alunos lerem lá na frente. A minha era a primeira redação. Porque ele apontou o erro de todo mundo e pegou umas dez que não tinha erro pra ler pra sala. Aí vou eu ler lá na frente pra cem alunos. O povo já não gostava de... Tinha ala ali que não gostava de mim. Tinha o Waldsnei Tadeu, que na hora que me viu, me odiou. Sabe aquele preconceituoso praticamente o Hitler? Nossa, ele me olhava com tanto ódio. Aí fui fazer a leitura, fiz a apresentação, como eu fazia com meus alunos. Nossa, ele me deu cada bordoada. E eu continuei. Continuei lendo, continuei lendo. Terminamos a faculdade, o jantar foi na casa dele, porque ele viu que o foco não era esse, que eu fui, querendo ou não, com o passar do tempo demonstrando pra ele. Ele conseguiu ver que o preconceito era dele, que era um preconceito bobo. Tanto é que no dia da apresentação do meu TCC, ele levou o filho dele e falou para o filho dele o quanto ele tinha sido preconceituoso comigo. O filho dele pequenininho. E explicou para o filho dele o quanto ele tinha sido ignorante comigo. O filho dele ouviu tudo. E depois de algum tempo, a gente jantou na casa dele, eu e a as gêmeas, e a família das gêmeas, jantamos na casa dele. Isso vai acontecendo com o tempo. Eu deixo as coisas acontecerem, eu não bato de frente como antigamente. “Ah, está me xingando? Legal.” “Ah, viado.” Eu falei: “Nossa, novidade. Xinga-me”. Eu falei: “Nossa, está escrito aqui, olha. Invente alguma coisa nova que ninguém saiba, porque está escrito em neon piscando na minha testa”.
P/1 – Você falou dessa coisa de expectativa de arranjar um namorado na faculdade. Eu ia te perguntar sobre isso. Eu queria saber se você teve na sua vida amorosa uma pessoa que tenha sido especialmente marcante, um namorado, uma paixão.
R – Namorado não. Eu tenho um amor platônico até hoje, que agora ele já é casado, filhos, então esse nome eu não posso... Mas até hoje, desde 97. Mas já tive vários relacionamentos. Já fui amante de vários. Eu já fui de titular a reserva. E da reserva, nem a convocação eu tive mais. Então aí eu tive muitos. Mas depois com o tempo, depois de sofrer muito por amor, você entendendo que isso não resolve, quer gostar de mim, gosta, o azar é seu. Eu não prendo ninguém a mim. Eu já sofri muito, já tive crise de ciúme, não tenho mais. Quer ficar comigo? Tem que ficar porque quer. Teve um Carlos que foi mais... Que está ainda estou e não estou, porque eu terminei agora, porque ele quer ter uma família, ela quer ter filhos. Eu falei pra ele que filhos eu não posso dar, porque essa árvore só dá sombra. E se ele quer ter filho dele, não vai ser comigo que ele vai conseguir, porque o meu útero está igual a Cantareira, está seco.
P/1 – E adotar?
R – Eu penso em adotar, mas depois que estiver bem estabelecido financeiramente mesmo. Mas aí eu quero adotar pra mim. Mas eu já quero adotar grande, já uma família inteira, pra não ter trabalho. Eu penso em adotar três irmãos, porque tem, mas eu quero estar um pouco mais velho, um pouco mais experiente, bem financeiramente mesmo pra poder adotar. Mas namorado mesmo, o único que me marcou é esse, até hoje, que eu não esqueço. É amor platônico mesmo.
P/1 – E qual a história desse amor platônico? Como vocês se conheceram? Como você se apaixonou?
R – Na escola, no Cefam. Eu o odiava. Eu passava, aquele moleque insuportável, eu falava: “Ai que moleque idiota, feio, ridículo”. Primeira conversa, caí de quatro. E contei pra ele, é claro, mas ele é homem, heterossexual. Eu desabafei com uma suposta amiga, que sabia tudo, e o namorou. Aí, filha, meu mundo caiu, você sofre, chora, falta na escola, toda aquela coisa que menininha faz, menina apaixonada. Mas até hoje nunca esqueci. Nunca tive nada com ele, mas ele sempre soube que eu gostei dele. Mas agora faz mais de dez anos, ele está casado, tem dois filhos já. Eu já procurei no Facebook, ainda vasculho a vida dele, mas é difícil nesse lado. Mas quem entra na minha vida, entra, eu já aviso antes, que eu não sou futuro pra ninguém. Vai entrar e não fica esperando nada de mim, não, porque não vou me prender a ninguém.
P/1 – Eu queria saber se você já fez alguma modificação no seu corpo. Você disse que sempre foi bastante feminino.
R – Não. Não fiz. Eu até pensei em tomar hormônio, mas hormônio feminino engorda. Eu já estou gorda, se eu tomar, minha filha, Mamma Bruschetta perde pra mim. Então nem tento. Eu não sou regrado também muito pra essas coisas. Eu não consigo tomar um remédio pra garganta inflamada, quem dirá hormônio pra ficar com o corpo feminino. Agora tem que tomar pra emagrecer. Tenho que tomar vergonha na cara e voltar pra academia. Quando eu voltei pra academia, eu estava com um corpo top. Aí eu parei, aí você engorda tudo de novo. Mas eu perco peso muito rápido. Pelo menos até uns dois anos eu perdia, agora eu já não sei mais. Eu tenho que criar vergonha na cara. E o comodismo também, que antigamente eu andava muito, eu ia pra faculdade a pé, agora que comprou carro, então não quer mais andar a pé de forma alguma. Mas eu nunca fiz nada de alteração. Como eu falei, sempre meu corpo foi bem feminino, então o que chamava muito atenção quando eu passava na rua era tamanho da minha bunda, que sempre foi grande e sempre todo mundo falou.
P/1 – E você não tem vontade de fazer nenhuma modificação? Só o hormônio que você cogitou, mas não tem vontade de mexer em nada?
R – Eu tenho daqui uns dois anos de fazer uma abdominoplastia, tirar, deixar reto, chapado, colocar um silicone até aqui o queixo. Mentira, silicone até o queixo não porque me atrapalha também. Muito grande atrapalha. Mas penso e não quero. Não sou uma pessoa vidrada em mexer no corpo, não. Vai desse jeito.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho. Você falou que saiu de casa com 22 anos, né?
R – Vinte e dois anos.
P/1 – Eu queria saber como foi essa decisão de sair de casa, como foi a experiência de...
R – Então, eu já estava trabalhando nessa escola onde a coordenadora me chamou, eu estava morando com a minha mãe, meu padrasto e meu irmão, que aí foi quando separou, minha irmã foi morar... E ele sempre gostou de me irritar. Ele sempre provocava e eu sempre batia. Nunca fui de bater, mas me provocava, eu batia. E estava tendo muita briga, eu falei: “Ai, quer saber de uma coisa?”. Peguei o talão de cheque, assinei e dei pra minha mãe, falei: “Olha, vai lá, compra tudo que tem que comprar e reforma a casa pra mim que eu vou embora”. Simples assim. Falei: “Ai, chega. Não dá. Não dá mais. Cansei”.
P/1 – E como foi essa mudança pra sair de casa, ir morar sozinha?
R – Ah, foi supertranquilo. Não via a hora. Chegou, fui morar com os móveis até desmontado. Eu falei: “Tá pronto?” “Tá pronto”. Fui lá à Marabraz, comprei tudo: cama, geladeira, tudo. Em dois meses eu já estava morando só. Estou até hoje. Dormindo na casa, né, porque só vou pra casa pra dormir.
P/1 – Porque você passa o dia inteiro trabalhando.
R – O dia inteiro fora. Eu saio cedo e chego... Aí eu desvio o caminho... Eu saio às 18h, aí você desvia o caminho aqui, chega ali, encontra um amigo aqui. Isso era mês passado, eu estava acompanhando minha amiga que dá aula na faculdade, estava acompanhando as turmas de Pedagogia, eles estavam fazendo seminário sobre Mário Cortella, e eu estava acompanhando, dando ideias, dando dicas de como é na sala de aula, que eles vão ser futuros professores, futuros pedagogos. Eu estava dando uns pitacos na vida deles. Fiz a palestra de novo, pela segunda vez, na mesma faculdade, a convite do grupo da faculdade.
P/1 – O que são essas palestras? Conta um pouco pra gente.
R – Eu falo da minha vida. Isso que eu estou fazendo com você. Falo da minha vida. Falo desde a época que eu era estudante, até agora na sala de aula como é, trabalhar a homossexualidade com crianças pequenas e com uma sociedade que diz que não tem preconceito, mas tem, e como eu lido com as crianças. Que eu não explico para o meu aluno que eu sou gay. Ele sabe e ele me respeito como pessoa. Porque na minha sala, eu tenho uma gama de tipos de aluno. Eu tenho adventista, eu tenho testemunha de Jeová, eu tenho evangélico, cristão, espírita, negro, branco, rico, pobre, tudo numa sala só, e tem eu. Eu que estou ali pra gerenciar essa sociedade que vai crescer. E eu falo como é. Que não é difícil, porque eu estou dando aula, eu não estou falando do meu sexo pra eles. Eles sabem. Eles ficam lá cutucando: “É, está namorando, né, pro?”. Chega alguém a minha sala, eles ficam só de olho, pra saber o que eu estou falando. Porque eles cuidam muito da minha vida. Essa é a desvantagem de estar com os mesmos alunos desde o segundo ano, que eles estão comigo já até o quarto e vão ficar o ano que vem, então eles sabem tudo da minha vida. Quer dizer, tudo que eu falo e tudo que pode ser falado. Então eles já sabem. Tenho alunos novos que até adaptar... Que umas turmas mistas que são bem rígidas. Então são os exemplos pra mim. Eu os vejo como diferencial na escola. E eu trabalho com eles também a questão do gênero, porque todas as escolas têm a fila de menino e menina. A minha não. A minha tem uma fila mista, que é a fila um e a fila dois, é um menino e uma menina. A única parte que diferencia a sexualidade deles é na hora do banheiro, só. Porque não dá pra usar, numa escola, os meninos usarem o mesmo banheiro. Então a minha sala sempre foi fila mista, porque na minha sala não tem rosa é de menino e azul é de menino. Não. Não tem. Rosa é de quem quiser usar. E sempre foi assim. Menino brinca de bola se quiser, menina... Eu tenho alunas que jogam futebol, tem menino que gosta de queimada, tem menina que gosta de carrinho. Porque eu sempre falo: “Vocês estão numa sociedade, carrinho é pra menina e pra menino, por quê? Mulher dirige, não dirige? Então venha com essa história de que boneca é pra menina e carrinho é pra menino”. Então eu sempre trabalhei até com os pais. Então não adianta falar pra mim que isso é... Rosa é pra qualquer um e carrinho é pra qualquer um. Fogão pode ser pra menina, como pode ser pra menino. Então eu tento na escola. Agora, em casa eu já não sei como eles fazem. Até sei, porque eu visito as casas deles, porque quando não trabalho, eu vou fazer visita ou jantar na casa deles. Que o professor janta em casa. Eu vou mesmo. Eu cuido muito da vida deles.
P/1 – Mas os pais te convidam? Como é isso?
R – Eu convido. Falo: “Olha, tal dia eu vou a sua casa jantar, querendo ou não”. É claro que você espera autorização pra saber se pode. Mas eu falo: “Olha, tal dia eu vou tomar um café na sua casa”. E eles ficam esperando.
P/1 – E como você sente que os pais lidam com essa questão de gênero assim?
R – Como eles já me conhecem há muito tempo, então eles não veem tanto problema. Quem não me conhece, chega de fora, tem um impacto. Porque adora conversar no portão da escola. Eles vão perguntando muito, então acaba rápido com esse estigma. O que eu tento fazer com eles é quebrar realmente o estigma do que é apresentado na mídia. Porque o meu grande problema é o que a mídia mostra.
P/1 – Em que sentido? Fale um pouco mais pra gente sobre isso.
R – Eu falo mais dos humoristas, o Zorra Total. Tem a famosa Valéria, que acha que todo... No dia que um aluno: “Nossa, pro, você está igual a Valéria”. Eu falei: “Igual a Valéria não, meu filho, porque eu não sou bandida, eu tenho faculdade. E eu não fico caçando homem por aí que nem ela fica, então vamos pensar direito”. E os gays bem afetados, eles veem que... Nós temos professores homossexuais que não são afetados tanto quanto a mídia mostra. E que todo homossexual não fica 24 horas por dia atrás de homem, que nem a mídia mostra. A gente trabalha, a gente estuda, a gente não vive de sexo 24 horas por dia. E eu também tento quebrar o paradigma de que toda travesti faz programa. Não faz. Toda travesti estuda se quiser, faz programa se quiser. Também eu tento o contraponto. Às vezes nem todas tiveram a oportunidade que eu tive de estudar, porque aí você tem que enfrentar de peito aberto, saber que você vai entrar num lugar que as pessoas não vão te querer e vão tentar te tirar de qualquer jeito. Você vai falar: “Não. Estou pagando, vou estudar e vou ficar aqui”. Porque eu falei: “Eu não vou pra rua, porque se eu for pra rua, eu não vou ganhar dinheiro, eu vou passar fome”. Eu tento fazer com eles. Eu tenho um aluno que se transformou em travesti, que aí ele saiu de casa, a mãe dele o mandou pra fora de casa. Mas quando viu que estava ganhando dinheiro, chamou de volta, porque ele foi fazer programa. Um eu consegui fazer sair da rua. Eu parei outro dia o carro na rua e conversei, falei: “Filha, vá estudar. Vá fazer um técnico de enfermagem, vá virar cabeleireiro, saia da rua porque é perigoso”. Eu tento com quem eu tenho contato. Porque querendo ou não, as travestis com isso elas são... Elas têm aquele receio de chegar próximo, de contar a história delas, porque é só paulada que elas levam. Não que eu não leve, mas eu tenho uma blindagem diferente. Eu tento, o que eu consigo... Eu sei que essa já não faz mais, ela voltou a estudar. Porque é perigoso. Elas saem, ficam a noite inteira na rua, não sabem com quem saem. Eu fico preocupado. Graças a Deus eu tenho um rumo na minha vida. Não que elas não tenham, mas... Porque é um dinheiro que vem muito fácil e é muito dinheiro. Porque pra transformar o corpo vai muito dinheiro. Muito. Não é pouco. E pra viver disso, eu não sei se eu conseguiria viver de sexo. Eu não consigo ficar com uma pessoa por dois dias, porque me irritou, eu já boto pra correr, imagina alguém que fala que está pagando. Não rola. Se alguém falar pra mim: “Eu estou pagando, você vai fazer o que eu quero”. Ah, não vai. Então eu sempre soube disso, que eu sempre me entreguei pra alguém por prazer. E demorou pra fazer o ato propriamente dito, foi com 27 anos com um ex-namoradinho meu. Porque aí eu fiz realmente a relação em si. Eu fiz pra segurar, mas também não resolveu, porque ele era muito lindo, eu falei: “Eu preciso segurar esse homem de algum jeito. Vou fazer o que ele quer”. Não resolveu, ficamos três meses. Mas tranquilo. Mas eu ainda tento. Isso que eu também falo nas minhas palestras, que eu apresentei pra eles a taxa de violência contra os travestis. Que quando eu falo que existe grande mortalidade tanto de hetero, como... Só que quando o caso é de travesti, eles desfiguram a pessoa, eles cortam o rosto, eles matam, eles esquartejam de um jeito que a pessoa se ficar viva, ela não vai poder voltar a trabalhar, por eles cortam o rosto, cortam o cabelo, tudo, pra desfigurar mesmo. E eu mostrei pra esses alunos de faculdade como é difícil. Porque o meu preconceito pode chegar a isso. Eu posso ter preconceito, mas eu não posso deixar com que ele agrida outra pessoa. Nessas palestras você tem que ouvir: “Ah, existe cristofobia, heterofobia”. Eu falei: “Minha filha, tudo é fobia, só que ninguém vai morrer porque é de Cristo. Ninguém vai... Até pode o evangélico morrer, mas ninguém vai chegar a você e vai desfigurar você porque você é cristão. Ninguém vai querer cortar o seu seio porque você é cristão”. E tem. E acontece. Eles roubam os travestis, puxam a bolsa, elas correm de salto. Pra machucar mesmo. Porque eles querem, mas não aceitam. De noite tudo bem, tranquilo, agora durante o dia eles não querem.
P/1 – Você já sofreu alguma agressão física por alguém incomodado com...
R – Então, física não. Porque querendo ou não, eu sou bem alto, então as pessoas têm certo receio de chegar perto, mas xingar, eles adoram fazer isso. Adoram xingar. Eu já falei que já revidei muito, tanto é que teve uma vez no trem que eu tava com as amigas do Cefam, e o cara me xingando, me xingando, me xingando. Parou o trem na Luz, ele continuou me xingando. Eu falei: “Se esse trem abrir a porta, eu vou descer e vou dar na cara dele”. E eu batendo boca. E foi dito e feito, a porta abriu, eu já saí pra cima dele. Aí as minhas amigas lá atrás tudo preocupadas. E fui pra cima. E coloquei o dedo na cara mesmo, mas tudo dentro do respeito, mas não pra agressão. Mas falando que ele não sabia com quem ele estava falando, que eu não era uma bichinha qualquer, que eu mereço respeito, porque eu não estava fazendo nada pra eles. Mas eles gostam de fazer isso. Mas agora não. Como eu falo que eu estou blindado, eu andei muito de transporte público, então eu já passei por todas essas gamas: da ofensa até o assédio. Eu já fui muito assediado dentro do trem, porque homem adora ver uma bunda grande, já quer roçar e já quer colocar as coisas pra fora. Já passei por tudo isso também. Aí, querendo ou não, já não tenho mais esse problema de transporte público, então já é uma blindagem maior, que eu já não sofro mais o preconceito porque eu estou dentro de um carro. Então eu chego à escola, desço do carro, vou pra dentro da escola, então já estou blindado pela segunda vez. Volto pra casa, já tem a minha terceira blindagem. Então eu não fico rodando muito também, eu sei aonde eu vou e com quem vou. Então tenho as minhas blindagens. Todos os lugares que eu vou, eu procuro fazer amigos. Nos restaurantes que eu vou, eu conheço todos os garçons ao dono. Então pra saber que eu não estou lá fazendo nem programa e nem fazendo palhaçada, então eu procuro saber aonde eu vou, então eu tenho que saber me portar. Porque um heterossexual é tratado de um jeito, um homossexual totalmente diferente. Travesti então, desse tamanho, pior ainda. Então você tem que saber entrar, tem que saber se portar, porque querendo ou não, incomoda. Incomoda. Então elas têm que saber se portar.
P/1 – E eu queria saber também se além da atividade, além de lecionar, além do seu trabalho, se tem outro hobby, coisas que você gosta de fazer e faz no dia a dia. Outras atividades assim.
R – Não. Eu faço muita coisa, tudo voltado pra escola, que é de pré-educação. Assim, sair de vez em quando tomar um café. Não bebo. Eu marco sempre um café no final da tarde sempre no mesmo lugar, então a gente está sempre com as amigas tomando um café, elas bebem, eu tomo café, porque elas não podem... Elas bebem e não podem dirigir, então eu fico sempre como o motorista da vez. É sempre assim. Mas tudo voltado no meio da escola. E gosto de falar muito da minha vida. (risos). Chamou, eu vou.
P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar para o final então.
R – Já?
P/1 – Já. Não, mas a gente pode continuar (risos).
R – Ah, a gente continua.
P/1 – A gente tem três perguntas sempre que são perguntas finais, mas antes eu quero saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você quer deixar registrado. Qualquer coisa.
R – Ai não. Então, é que as coisas vão surgindo na mente. Pode perguntar. Porque acontece, perguntou, eu respondo. É que tem tanta coisa. É que tem 34 anos de vida que aconteceram tanta coisa.
P/1 – É muita coisa, sem dúvida.
R – São umas mudanças, tanto é que tem mudanças de cabelo, de corpo, de namorado, de tudo. Eu vivo em transformação, tanto é que eu participei da Bienal da Trans. O Bienal agora desse ano falou também um pouco da transexualidade. E eu fui participar por participar, aí a professora deu o microfone pra mim, e perguntou. E eu estava na Bienal com mais de cem pessoas, e ela foi perguntando, e eu fui falando de mim. E, querendo ou não, eu vou falando, o povo quer saber. E eu vou falando não porque eu sou exibido. Não, perguntou, eu respondi e ela quis saber mais. Terminei com o microfone na mão. Eu continuei, fui a outra palestra de noite, aqui na Vergueiro, todo mundo tinha que fazer atividade, ninguém fazia, ninguém fazia, ninguém fazia, fui eu fazer. Então eu falei: “Ah, não, esse povo está muito parado. Esse povo elite, nariz empinado, que sabe um monte de coisa que eu nem sei”. Mas eu falei: “Eu sei do mundo. Eu não sei nada de teoria, eu sei o mundo, eu sei o que eu vivo”. Essas coisas acontecem. Tudo acontece na minha vida, eu deixo acontecer. Ou por bem, ou por mal, vai acontecer. Eu enfrento de peito aberto, doa... Se for por bem ou por mal, sempre assumi tudo o que fiz de certo e errado. E sempre assinei embaixo. Se eu fiz, eu assumo, se eu não fiz, eu também brigo pra saber quem foi que falou que eu fiz.
P/1 – Quando você pensa assim nesse momento, na sua trajetória, na sua história até agora, qual você acha que foi o momento mais difícil que você viveu e como você acha que você superou esse momento, um desafio mesmo?
R – Os momentos mais difíceis mesmo são quando você troca de escola, quando você tem que começar tudo de novo. Mas o momento ruim mesmo foi quando eu não pude assumir um concurso em Campo Limpo, que não me explicaram o motivo de eu não poder assumir, porém a gente sabe um dos motivos, mas eu não entrei em discussão.
P/1 – Mas como foi isso? Conta um pouco pra gente.
R – Ah, eles me disseram que a faculdade estava errada, que tinha que ter Pedagogia, tinha que ser estudante de Pedagogia. “Não, mas eu tenho nível superior, eu estava estudando...” “Não, mas não pode, tem que estar no mínimo no segundo ano.” Eu falei: “Mas eu já sou formado. É um ano de graduação” “Não, mas não pode. O edital disse que você tinha que ser formado ou estar no segundo ano de Pedagogia”. Eu falei: “Mas eu tenho nível superior. Eu tenho dois níveis superiores. Eu tenho duas faculdades e tem a terceira que eu estou fazendo”. Mas não questionei. Mas também foi melhor, porque aí eu voltei para o Estado, que eu perdi duas atribuições e peguei essa turma de primeiro ano. Que aí foi melhor eu não estar lá. É melhor onde eu estava. São males que vêm para o bem. Não era pra ser. Eu deixo na mão do destino. Não era pra ser. Não vou ficar procurando culpados de uma coisa que eu já sei que isso vai acontecer. Mas agora, assim, eu já estou mais... Eu já: “É meu, não é mesmo? Então agora vai ter que me explicar os motivos”. Eu procuro não arrumar tanta confusão, deixo acontecer, mas se não souber explicar por A mais B, eu fico questionando, fico cutucando.
P1 – E quais são seus sonhos hoje?
R – Fazer mestrado. Eu vou fazer concurso agora no domingo pra ver se eu volto para o Estado, tenho que passar, né, pra poder... Tudo bem que o salário é péssimo, bem menos do que eu recebo, pra ver se eu faço mestrado, porque eu quero fazer mestrado na parte social falando da homossexualidade na escola. Eu quero fazer, se eu não conseguir, vou tentar de outro jeito, que é a meta: mestrado, doutorado. É que assim, eu já deveria ter feito isso, mas eu deixo acontecer. Eu vou de acordo com a maré. As oportunidades aparecem.
P/1 – E por que voltar para o Estado?
R – Porque eu era do Estado, aí eu saí e estou na Prefeitura. Eu trabalho oito horas na prefeitura, então não dá pra conciliar. Então quando eu tive que sair do Estado, batia o horário, então eu tive que optar por um dos dois cargos. Aí voltar seria o ideal pra poder... Porque o Estado te dá uma bolsa mestrado na PUC, então é mais fácil. Tudo bem, tem que passar prova lá pra poder ter direito a fazer o mestrado. Porque o plano projeto eu já tenho, porque eu já fiz duas monografias em cima da homossexualidade na escola.
P/1 – E essas monografias, você fez em que contexto assim?
R – No magistério pra conclusão do curso e na faculdade pra conclusão do outro curso. E agora eu quero transformar na tese de mestrado.
P/1 – E você quer fazer na PUC? É isso? Tem uma pessoa em específico?
R – Não, na verdade eu quero fazer onde tiver a vaga do mestrado, independente de onde for. Existem alguns mestrados, mas é na Europa, mas aí precisa de dinheiro pra ir, porque é lá em Portugal. Aí precisa de dinheiro. E dinheiro eu ainda não tenho suficiente pra ir pra Portugal fazer esse mestrado. Mas a meta é mestrado.
P/1 – É continuar estudando então, o sonho?
R – Continuar estudando. Nunca desistir, nunca parar de estudar, porque professor tem que estudar todo dia. Porque é a única profissão que você não pode parar. Cabeleireiro, você fez um curso, outro, enfermeiro... Mas não, professor é cobrado toda vez pela sua formação. O professor chega atrasado, o pai pergunta. O médico chega atrasado, o povo reclama, mas não vai ficar lá na sua porta batendo querendo saber por que você atrasou. É uma das profissões que ganha pouco, não é muito valorizada e está sempre cobrando que você estude. O governo sempre cobra que você estude, que você estude, mas nunca dá oportunidade de você estudar. O salário não ajuda. O salário dos professores do Estado é muito baixo. Na Prefeitura, eu digo que eu ganho o dobro do que eu ganhava no Estado.
P/1 – É. Até por isso que eu te perguntei por que você queria voltar para o Estado, porque as condições são muito piores, né?
R – É. Eles são bem deficitários. E agora só tem vaga aqui pra zona norte, porque lá pra minha área não tem mais. Assim, voltar pra poder evoluir na carreira. Que aí se eu conseguir, eu pego quatro anos de licença, volto e volto com o mestrado, linda. É sonho, mas primeiro tem que passar na prova.
P/1 – Não, vai dar certo. Vai dar certo. De uma maneira ou de outra, vai dar certo.
R – Eu vou fazer o mestrado. Ou eu faço o mestrado, ou eu faço outra faculdade. Porque eu preciso voltar a estudar, eu estou parado faz anos, eu estou me incomodando com isso.
P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar para o final então.
R – Então está bom.
P/1 – Vou te perguntar mais uma vez se tem alguma coisa mais que você queira acrescentar antes de eu fazer a última pergunta.
R – Não.
P/1 – Uma história que tenha ficado pra trás e você lembre agora?
R – Não. Não. Tem muitas histórias.
P/1 – Uma pessoa?
R – (risos) Tem um monte de pessoas. Não pode citar nomes. Meu livro, se eu fizer uma biografia da minha vida, eu vou ser processado por mais de... Não vou citar nome, não.
P/1 – Não precisa citar o nome da pessoa.
R – Não várias histórias. São várias coisas que aconteceram. É que acontece tanta coisa durante o dia, durante... Que fica difícil elencar um. São muitas decepções com amigos, com ex-companheiros. São muitas coisas. É difícil falar de uma só.
P/1 – Não tem nenhuma agora no momento que te vem, que você gostaria de deixar registrado?
R – Não. Não, não, não. Não. Não. Tá tranquilo.
P/1 – Tá bom. Então a última pergunta é: como foi contar a sua história?
R – Ah, foi maravilhoso (risos). Eu adoro contar a minha história. Fala que eu te escuto, pergunta que eu te respondo (risos). Adoro. É supertranquilo. Tanto é que quando eu vi no Facebook do programa, na hora, o Wendel postou, eu falei: “Opa! Vou lá”. Já me inscrevi na mesma hora. Aí vocês me responderam. E nessa peregrinação, vai marca, demarca, marca, desmarca. Foi complicado, que eu estava na angústia. Porque da outra vez que eu tinha marcado cabeleireiro, salão, pra fazer unha, pé, mão, eu já tinha dispensado os alunos, vocês desmarcaram, eu falei: “Gente, amanhã o professor vem, tá” “Ah, você vem?”. Eu falei: “Então, desmarcaram”. (risos)
P/1 – Foi uma decepção pra todos.
R – Pra todo mundo. Eu fiquei muito triste. E hoje pra chegar aqui, minha filha, fui para o Tucuruvi, peguei o carro da irmã, deixei o meu. Agora tenho que voltar para o Tucuruvi, deixar o carro e pegar o meu. Mas eu gosto dessas coisas. Falar da minha vida eu gosto. Pergunta, eu falo, filha. Não tem muito segredo, eu não tenho muita coisa pra esconder. Eu não escondo nada. Realmente eu sou um livro aberto.
P/1 – Eu tenho uma pergunta de curiosidade assim. Você já teve vontade de mudar seu nome em algum momento? Se você teve, pra que você mudaria? Que nome você gostaria de ter?
R – Não, como eu gostei depois do nome, nunca pensei em mudar, porque depois com muito tempo, você vai falando: “Opa! Esse nome não é de menino, nem de menina”. E eu comecei a gostar mesmo. Eu não gostava muito quando eles me chamavam de Hebe Camargo, que eles ligavam meu nome com a Hebe. Depois você vai vendo que é tudo festa, nem liguei mais. Mas eu sempre gostei dele. Nunca pensei em mudar. Eu penso em tirar o Silva. É o único que eu não gosto, mais por parte do pai. É só isso.
P/1 – Tá certo. A gente encerra aqui então.
R – Ah, que pena.
P/1 – Muito obrigada.
R – De nada. Nem doeu (risos).
P/1 – Foi ótimo.
R – Nem doeu.
P/1 – Nem doeu (risos).
FINAL DA ENTREVISTA
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