Projeto Quinta do Sumidouro na memória e vida dos seus moradores Depoimento de João Nestor da Fonseca Entrevistado por Sônia London e Mônica Machado Pedro Leopoldo, 02/09/2013 Realização Museu da Pessoa | InterCement | Instituto Camargo Corrêa Transcrito por Liliane Custódio P/1 – Senhor João. R – Oi. P/1 – Vou pedir que o senhor diga pra mim o seu nome completo, data e local do seu nascimento. R – Certo. Meu nome é João Nestor da Fonseca, nascido aqui em Fidalgo, em 1948, oito do nove de 1948. P/1 – Qual é ou qual era o nome dos seus pais? Eles são vivos? R – Não. Todos falecidos. O nome do meu pai é Agenor da Fonseca Amaral, e o nome da minha mãe, Conceição da Silva. P/1 – Sei. Eles nasceram aqui? R – Foram. P/1 – Foram? R – Todos eles. P/1 – E o que eles faziam aqui? R – Era agricultor, trabalhava com lavoura, na lavoura. Até morrer, como diz o outro. Ele morreu em 73, 1973. Trabalhou até 68, 1968, ele trabalhou. Aí adoeceu, daí pra cá foi... Não teve condição de trabalhar mais, a gente ficou nessa luta com ele aí até Deus tirá-lo. P/1 – E a sua mãe também era daqui de Pedro Leopoldo também. R – Minha mãe também era. Era nascida e criada aqui em Fidalgo. P/1 – Fidalgo? R – É. A Conceição da Silva. P/1 – E ela fazia o quê? R – Ela trabalhava em casa, na cozinha, doméstica. Fazia as obrigações de casa: lavar roupa, passar, cozinhar. E meu pai essa época criava muita... Muita criação, muito galinha, muito porco, então ela cuidava disso tudo, além da luta de 11 filhos. P/1 – Onze filhos? R – É. Onze filhos e ainda criou mais três. P/1 – Da onde? R – Três. Tudo daqui. P/1 – Mas... R – É parente e foi... Trabalhava, começou a trabalhar com meu pai, pediu a meu pai se meu pai consentia deles morarem conosco, meu pai...
Continuar leituraProjeto Quinta do Sumidouro na memória e vida dos seus moradores Depoimento de João Nestor da Fonseca Entrevistado por Sônia London e Mônica Machado Pedro Leopoldo, 02/09/2013 Realização Museu da Pessoa | InterCement | Instituto Camargo Corrêa Transcrito por Liliane Custódio P/1 – Senhor João. R – Oi. P/1 – Vou pedir que o senhor diga pra mim o seu nome completo, data e local do seu nascimento. R – Certo. Meu nome é João Nestor da Fonseca, nascido aqui em Fidalgo, em 1948, oito do nove de 1948. P/1 – Qual é ou qual era o nome dos seus pais? Eles são vivos? R – Não. Todos falecidos. O nome do meu pai é Agenor da Fonseca Amaral, e o nome da minha mãe, Conceição da Silva. P/1 – Sei. Eles nasceram aqui? R – Foram. P/1 – Foram? R – Todos eles. P/1 – E o que eles faziam aqui? R – Era agricultor, trabalhava com lavoura, na lavoura. Até morrer, como diz o outro. Ele morreu em 73, 1973. Trabalhou até 68, 1968, ele trabalhou. Aí adoeceu, daí pra cá foi... Não teve condição de trabalhar mais, a gente ficou nessa luta com ele aí até Deus tirá-lo. P/1 – E a sua mãe também era daqui de Pedro Leopoldo também. R – Minha mãe também era. Era nascida e criada aqui em Fidalgo. P/1 – Fidalgo? R – É. A Conceição da Silva. P/1 – E ela fazia o quê? R – Ela trabalhava em casa, na cozinha, doméstica. Fazia as obrigações de casa: lavar roupa, passar, cozinhar. E meu pai essa época criava muita... Muita criação, muito galinha, muito porco, então ela cuidava disso tudo, além da luta de 11 filhos. P/1 – Onze filhos? R – É. Onze filhos e ainda criou mais três. P/1 – Da onde? R – Três. Tudo daqui. P/1 – Mas... R – É parente e foi... Trabalhava, começou a trabalhar com meu pai, pediu a meu pai se meu pai consentia deles morarem conosco, meu pai perfeitamente os adotou como se fossem filhos. Saíram depois de rapazes já, pra casar. P/1 – Hã. R – É. Tinha um que chamava Antônio da Saúde, esse daí era de Lagoa Santa. E os outros dois eram daqui mesmo, um é primo, chama Raimundo Catarino, e o outro era sobrinho do meu pai, Carlos da Silva, já é falecido, mas foi criado conosco, com meu pai. E nós o tínhamos como irmão mesmo, que ele é primo-irmão. P/1 – Quem foi o primeiro da família que veio pra cá? Foi o seu avô, foi o seu bisavô? Como a família veio pra cá? R – Olha, que eu tenho bem conhecimento, mais é do meu avô. Meu avô e minha avó, todos os dois, do lado de pai e mãe, tudo era daqui de Fidalgo. P/1 – E eles vieram da onde, seu avô e sua avó? R – Não, eles nasceram e criaram aqui. P/1 – Ah, nasceram aqui. R – E adquiriu a família, que é a minha mãe, o meu pai, do outro lado do meu avô, e por aí. Agora, os meus bisavôs é que eu não sei falar se é daqui ou se é de outro lugar. P/1 – Ah, tá. R – Mas moravam era aqui, porque essa família toda foi nascida e criada nessa região nossa aqui de Fidalgo. P/1 – Sei. R – Primeiro era Sumidouro, depois passou pra Fidalgo. Mas primeiro falava Sumidouro. P/1 – Sumidouro. R – É. Agora é Quinta de Sumidouro. De Fidalgo, quer dizer. P/1 – E como era a casa que vocês moravam? R – Ah, era uma casa muito simples, não era nem de tijolo, nem de adobe, era de enchimento. Era de madeira fina assim e a gente fazia aquelas masseiras de barro e rebocava até com a mão, nem com colher de pedreiro não era, era com a mão. Punha um pouquinho de areia no meio pra dar uma liga e assim que era feito. Então foi o jeito da nossa casa. Depois, com um espaço de tempo, depois da família criada, aí que meu pai construiu uma casa de tijolo, já com outro material já, já assim, mais com perfeição. Era tijolo, areia, tudo, já foi desse jeito. Mas antes era barro, uma casa de barro. Telha, dessas telhas curvas, dessas telhas antigas, e foi desse jeito. Depois passamos por uma casa que meu pai fez em 65, 1965, já foi com essa telha francesa, essa telha já... De forma que era desse jeito nossa casa depois. Depois, no velho morrer, aí ficou eu com a minha mãe só. Eu era solteiro, minha mãe ficou viúva, fiquei com ela. Minha mãe ficou viúva, com um espaço de uns anos eu fiquei com ela, aí eu casei, fui morar com ela. E depois começou a dar um desentendimento, não por parte dela e por parte da minha esposa, a família rendeu ciúme e começou fazer intriga, aí eu pra não complicar a situação, eu peguei e falei: “Eu vou sair. Eu vou arrumar uma casa pra eu morar, porque eu não posso maltratar a minha mãe e nem maltratar a minha esposa sem ela merecer”. E eu tava vendo que ela não merecia passar por aquilo, eu peguei e a gente veio. Mas foi uma coisa até me abalou porque da família toda, foi o único que não saí de casa pra trabalhar em lugar nenhum, a não ser aqui dentro de Fidalgo, por conta do meu pai e minha mãe, já de idade, eu não queria deixá-los sozinhos, então eu fiquei, enterrei meu pai, enterrei minha mãe. Mas na época eu não consegui continuar morando junto com ela por esse motivo de família, uns rendendo ciúme, achando que eu ia “possear” de tudo que minha mãe tinha. E era o contrário, eu tava tentando zelar pra nós todos termos, igual ficamos tendo, mas eles não punham na cabeça por esse lado, não pensavam assim. Aí eu peguei, retirei e fui morar na casa de um compadre, depois mudei, vim pra casa de uma tia da minha dona, depois eu aluguei outra casa, e agora eu moro na Rua Santo Antônio, na casa, uma morada minha lá, hoje é minha, graças a Deus. Então eu vivi esse período todo desse jeito. Trabalhei 12, quase 13 anos na prefeitura de Pedro Leopoldo. Trabalhava lá de dia, de tarde eu tava em casa. P/1 – Tá. Vamos voltar ainda um pouquinho lá pra sua infância, nós já vamos chegar aí ao seu trabalho. R – Certo. P/1 – Tá? O senhor lembra assim, como era a sua rua? R – Lembro. P/1 – O que vocês faziam? Como era então? R – Tudo. Era rua de chão, tinha poucas casas. P/1 – Quantas casas, o senhor lembra? R – Lembro. Devia ter nessa rua minha, que é a Rua Fernão Dias, que é a nossa casa, tinha mais ou menos uma base de seis ou sete casas. P/1 – Olha! R – Hoje, se for contar, tem mais de 50. P/1 – (risos). R – Mas era isso. Então a gente... Porque se eu for falar que eu tive infância, eu to mentindo. Eu nunca tive infância, foi só trabalhando. P/1 – Mas o senhor brincava? R – Por isso que eu não concluí meus estudos. Porque dava na época das plantações, meu pai falava: “Não, nós vamos trabalhar. Tem que ir trabalhar”. Às vezes nós tínhamos prova naquela semana, ele nos tirava, nós não fazíamos a prova. Quando terminava a plantação, a professora era muito boa, que era muito amiga deles, do meu pai, da minha mãe, e a gente também tinha muita amizade com ela, muita consideração, ela separava a prova e nós íamos lá fazer. Mas nós não dávamos assim, sequência ao estudo. Em uma semana faltavam duas, três. Era assim. Aí eu já tava grande, mais ou menos uma base dos 13 pra 14 anos, e não tinha outra classe de aula pra nós aqui de estudo. Era só o primeiro ano, o segundo ano, terceiro ano, quarto ano, aí quando a pessoa completava o quarto ano, ele recebia o diploma, aí ele já não voltava pra escola mais, não tinha mais jeito de ele estudar aqui. Nessa época não tinha como, a situação não permitia a gente estudar fora. Então eu fiquei. Depois eu fiz segundo ano, quando eu entrei no terceiro ano de grupo, eu saí de novo pra ajudar meu pai na lavoura. Quando foi à noite, aí abriram uma sessão pra ter aula da noite, o noturno, eu fiz o terceiro ano, completei o terceiro ano. E daí pra cá parei de estudar e fui trabalhar mesmo, não tive como, não. Trabalhando ajudando o pai. Que nós plantávamos muita lavoura, então nós tudo da família, tudo trabalhando em casa. Das meninas, que eram as duas mulheres, umas lavando, outras cozinhando, e os outros trabalhando na lavoura. P/1 – Desde pequenininho? Desde que idade, mais ou menos? R – Desde pequeno. Eu comecei a trabalhar com a idade de cinco anos. P/1 – Cinco anos. R – Cinco anos. Eu falo sempre para meus meninos: “Olha, meu filho, eu já podia ter aposentado muitas e muitas vezes. Através de a gente ser simples em certo tipo de coisa que eu não me aposentei”. Porque pela idade que eu comecei a trabalhar, com cinco anos, eu vou fazer 65 agora dia oito de setembro, então eu passei minha infância tudo trabalhando. Pra nós brincarmos, os coleguinhas brincando, era depois de uma hora dessa. Nós chegávamos do serviço, aí nós reuníamos o grupinho de companheiro, ficava brincando de pegador, escondendo, a brincadeira que nós tínhamos. E quando era de domingo, tinha o campinho lá no grupo onde a nós estudávamos, aí nós formávamos uma turminha lá e jogávamos uma peladinha lá durante o dia, mas era depois que tinha que fazer os deveres de casa. Papai não abria mão pra nós mesmo. Igual, todo ano tinha uma... Tem ainda a festa, só não é uma festa igual era pra trás, uma festa tradicional. Nós às vezes fazíamos as coisas tudo a tempo pra nós virmos pra festa aqui em cima, aí ele falava assim: “Não, mas ainda tá falando isso”. Às vezes tava quase na hora da missa aqui, nós tínhamos que fazer aquilo. Ele não nos deixava vir pra cá sem fazer aquilo. Ainda como... Era uma recomendação, minha filha, um “corrigimento”, qualquer coisinha que não tinha motivo que ele soubesse, ele tava querendo corrigir a gente. Mas eu não ignoro disso, não, que pra nós foi bom. Que foram 11 irmãos, morreram dois mais novos, pequenininhos, os nove que ficaram graças a Deus são cidadãos de bem. São cidadãos de bem, graças a Deus, nós não encobrimos com coisas erradas de espécie alguma, então agradeço muito ao meu pai por ele ter nos corrigido, apesar de tudo. Porque nessa época nós não tínhamos esse desenvolvimento que nós estamos tendo hoje. Como estão assim os jovens, estão envolvendo em coisas ruins, então a gente não tinha isso. Não tinha essa época isso, mas ele não nos deixava distanciar mesmo. P/1 – Quantos irmãos eram? R – Nós éramos 11 irmãos. P/1 – Não, mas quantos meninos e quantas meninas? R – Nós éramos nove homens e duas mulheres. P/1 – E como vocês tratavam, como vocês faziam com as duas irmãs no meio de tanto homem assim? R – Pra nós... Até hoje elas duas são vivas. Uma fez agora em julho, dia 31 de julho ela fez 80 anos. Eu falo que aquela é minha mãe, pra mim é minha mãe. E a outra tá com 73 anos, também a mesma coisa, tanto do carinho que nós temos com elas, elas têm com a gente. Somente eu e meu irmão mais novo, e o mais velho do que eu, um pouco acima de mim, o que elas podem fazer pra nós, elas fazem. Então graças a Deus a gente tem uma convivência muito boa. P/1 – E elas estudaram também? R – Igual eu mesmo. P/1 – Igual a você. R – É. Igual. Lá em casa só teve um que concluiu o quarto ano, só o caçula que ficou no quarto ano, o Expedite, Expedite João da Fonseca. Esse concluiu o quarto ano, pegou diploma. Os outros foram segundo, terceiro ano, e quando chegou ao quarto ano, não completou, tiveram que sair. Aí ele completou. P/1 – Ele completou. R – Porque ele era o mais novo, quando meu pai falava: “Amanhã nós vamos pra lavoura”. Ele falava: “Eu não vou, não. Eu tenho prova”. E não ia mesmo. Ele batia pé e não ia. E eu era doido pra ir guiar boi, eu gostava demais de trabalhar na lavoura, então quando meu pai falava, eu já tava correndo (risos). Era desse jeito. P/1 – Então o senhor tocava boi? R – Ah, mexia com boi. P/1 – É? R – Trabalhei muito tempo. P/1 – Como era isso? R – Trabalhei com lavoura, com boi, trabalhei em curral tirando leite. Mas foi muito e muito tempo. Trabalhei foi anos e anos tirando leito do... Eu de cada coisa de serviço braçal aprendi fazer um pouco, graças a Deus também. O serviço que nós tínhamos pra fazer na época era isso. E nosso pai empurrava mesmo a gente pra trabalhar, não aceitava nós ficarmos em casa parados, não. Se nós não tivéssemos serviço na lavoura nossa, aí ele falava assim: “Olha, fulano tá precisando de um ou dois pra ir trabalhar, vocês vão trabalhar lá pra ele”. Aí nós íamos. Era assim, não nos deixava ficar parado, não. Nós trabalhávamos direto, não tinha férias, não tinha nada, era de domingo a domingo, quase. Era só o domingo que nós tirávamos pra descansar, mas se acontecesse que tivesse uma cerca estragada e o gado entrava pra dentro da lavoura, ele nos mandava pra lá: “Olha, vai arrumar a cerca lá, tem criação dentro da roça, põe pra fora e vai arrumar”. Então nós não tínhamos aquela liberdade, igual hoje os meus filhos, a liberdade que eles têm. Mas mesmo assim, todos os quatro filhos meus, eu os trouxe também não de judiar, de bater, e nem os tirei do estudo, mas os ensinei a trabalhar. O que eu aprendi, eu os ensinei a fazer. Falei: “Olha, meu filho, o homem só não vive do vinho, nem do pão, não. Então ele tem que sacrificar um bocadinho. Então hoje você pode estar num emprego muito bom, mas amanhã você pode estar desempregado, aí como você vai fazer pra sobreviver? Você tem que dar um jeito, então você tem que aprender”. P/1 – Então vamos voltar mais um pouquinho lá, antes de chegar aos seus filhos. E a sua juventude como foi? R – Ah, trabalhando. P/1 – Como o senhor se divertia? R – Ah, nós tínhamos um joguinho de bola. Tinha um joguinho de bola de domingo, nós jogávamos. Por exemplo, o dia que nós não tínhamos o jogo de bola, nós tínhamos os companheirinhos, nós jogávamos um “truquinho”, um baralhozinho, então nos divertíamos. Nessa época era mais uns bailezinhos em casa de parente, era sanfona, a gente dia de sábado sempre tinha, nós íamos. Era assim que nós fazíamos. E também aqui toda vida, aqui é um lugar muito religioso. Então quase todo mundo tinha um levantamento de bandeira. Então na época do mês de junho, até agosto, até hoje ainda continua esse levantamento de bandeira, então tinha assim, aquele costume depois que levantava a bandeira, que rezava, levantava, agora fazia um rastapezinho, aí nós estávamos ali no meio. P/1 – Então como namorava? Como conhecia as meninas? R – Uai. P/1 – Uai. R – As meninas é o seguinte, elas iam às rezas também. Igual aqui na igreja também, as rezas aqui começavam no mesmo de março, mês de São José, a reza de São José, vinha o mês de abril, São Benedito, aí o mês de maio, o mês de Maria, então eram três meses de reza direto. A gente se via nesse local, ficava conhecendo, aí começava o papinho, mas era um namoro mais ali, os pais delas não davam a gente espaço pra nada, não. Igual nós estamos aqui, uma comparação, se fôssemos eu e você que estivéssemos conversando, namorando, o velho punha uma cadeira aqui e ficava de frente pra nós. P/1 – (risos). R – (risos). É. E não podia mesmo nem pegar na mão, não aceitava bem, não. Mas foi desse jeito. P/1 – Quando anos o senhor tinha quando começou a namorar a sua esposa? R – A minha esposa? P/1 – Isso. R – Ou a primeira? P/1 – Não, a primeira namorada então. Vamos ver. R – Ah, eu tava com 16 anos, eu ia fazer 17 anos. Na escola a gente já tinha... Eu frequentei a escola, ela também, a gente conversava. Mas nunca tivemos assim, coisa séria, um papinho à toa. Depois tava mais ou menos quase completando 17 anos, um dia eu vim à reza aqui, aí antes da reza a gente ficava fazendo avenida, subia, andando pra lá, pra cá. P/1 – Fazendo o quê? R – Avenida na rua aqui. Juntava aquele grupinho de moça, às vezes a que gostava de algum, assim, de mim ou de outro, mandava a colega chamar. Aí a colega chamava, aí começava a bater um papo. Aí continuamos. Foi assim que eu comecei a namorar essa menina. Depois namoramos assim, uns seis, sete meses. Terminamos, comecei a namorar outra e fui continuando. Eu era muito paquerador. P/1 – (risos). R – Teve uma vez que eu tava com seis namoradas tudo aqui do lugar. P/1 – Ao mesmo tempo? R – Tudo. Eu ia à casa de cada uma. A semana toda eu tirava um dia pra uma. E elas não ficavam sabendo. Quando elas descobriram, minha filha, me fecharam na rodinha e eu andei rato. P/2 – (risos). P/1 – (risos). R – (risos) É. Aí eu falei: “Não, isso aqui é gente das minhas amizades, gente que eu tenho”. Aí ela falava: “Ah, assim que você tava me enganando, né? Levando-me na conversa e namorando outra e falando...” “Não. De jeito nenhum. Você tá doida? Não faria isso com você, não”. Aí foi. Até que eu tive que ficar só com essa que eu casei. P/1 – (risos). P/2 – (risos). R – (risos) Essa daí, coitadinha, ela me tolerou demais, fiquei até bobo, na época, de tanto assim, que ela suportava. Mas eu não tinha nada escondido dela, não. Às vezes... P/1 – Ela sabia que o senhor tinha seis namoradas? R – Sabia. Eu falava com ela. Com ela eu falava, por isso que acho que a gente até casou, mais por conta disso, da sinceridade minha com ela e dela comigo. Aí eu falava com ela assim: “Olha, fulana tá desfazendo de você e falou que vai me tomar de você. Então você não esquenta a cabeça, não, eu vou namorá-la ao menos uma semana, ao menos uma semana”. Assim que eu fazia, sabe? P/1 – (risos). R – Aí eu conversava com ela, saía às vezes... Igual aquela casa ali, uma casa que tem ali de frente ao barzinho aqui, a menina e minha namorada moravam logo na frente, a minha esposa aqui hoje. Aí ela sempre implicando com a minha namorada, provocando-a, tal. Aí ela pegou e falou: “Você vai ver, eu vou tomar seu namorado. Eu vou tomá-lo”. Ela falou: “Você não toma nunca” “Vou”. Ela pegou e mandou recado pra mim. Eu falei: “Ô, menina, o negócio é o seguinte, eu sou bem mais velho do que você e eu tenho namorada certa, tenho namorada firme, a minha intenção é de casar com ela, então eu não quero atrapalhar meu namoro com ela” “Não, mas você é bobo, porque passou por aqui...” “Então tá bom”. Aí eu voltei e falei pra minha namorada: “Olha, fica na sua, pode ficar tranquila, na hora que eu sair da casa dela, ainda passo aqui na sua casa”. E era assim que acontecia, eu vinha à casa dela aqui, ficava aqui até oito e meia, nove horas, quando eu ia embora, passava lá. Olhava pra um lado e para o lado, não via ninguém que tava tocaiando... P/1 – (risos). P/2 – (risos). R – (risos) Aí entrava lá, ela já tava sabendo, esperando, então batia um papo de uma meia hora, 40 minutos, falava: “Vou embora que eu tenho que trabalhar amanhã cedo”. E ia embora. E assim eu fazia. Depois eu falei: “Olha, você quer saber de uma coisa, a gente não deve deixar do certo pelo duvidoso. Pra mim ela é a certa, então é uma pessoa que eu tenho intenção de casar, eu vou mudar esse _____00:22:47____ meu, que não tá certo, não”. Aí modifiquei. P/1 – Modificou. R – Aí já passei mais a sério, não quis mais bater papo com ninguém, não. Em termos de namoro não. Foi até que eu casei. P/1 – Com quantos anos o senhor casou? R – Eu fiz 30 anos dia oito de setembro e casei dia 30 de setembro. P/1 – Tá. Trinta anos. R – Ainda foi uma história a respeito do meu casamento. P/1 – Como foi? R – Uai. P/1 – Uai. R – No dia do meu casamento a gente veio aqui pra igreja, que eu casei nessa igreja aqui, aí na hora do padre celebrar o nosso casamento ele só falava “Zé Nestor”: “Seu Zé Nestor”. Eu falava: “Seu Vigário, é João Nestor”. P/2 – (risos). P/1 – (risos). R – Aí ele falava comigo: “Tá bom, senhor João”. Quando a velha ia falar: “Ô, senhor Zé Nestor”. Aí eu por fim fiquei até com vergonha de falar com ele, de falar com ele que era João Nestor, aí falei: “Ah, deixe-o falar. Na hora de assinar, eu vou assinar João Nestor”. Aí foi. Quando foi na hora de colocar a aliança, eu coloquei a aliança no dedo da mão esquerda dela, ela veio e colocou na minha mão direita. Eu olhei assim, falei... Ainda a cutuquei pra ver se ela maliciava o que ela tava fazendo. Não, ficou tranquila. Aí casamos e tal, assinamos lá os papeis. Quando nós fomos embora, minha sogra nos recebeu na porta. Não, no portão. Minha sogra chamava Eulinda da Fonseca Vieira. Eu falei: “Dona Eulinda, deixe-me falar pra senhora, a senhora podia me casar, que eu to solteiro”. Ela tomou um susto, falou: “O quê? O quê? O quê?”. Eu falei: “Não, a senhora podia me casar, que eu to solteiro” “Mas por quê?”. Eu falei: “O padre só casou o Zé Nestor, não casou o João Nestor. E a sua filha colocou a aliança no meu dedo direito, aqui da minha mão direita”. Eu falei: “A gente não é noivo”. P/1 – (risos). P/2 – (risos). P/1 – O João Nestor? (risos). R – Ela falou: “Ô, meu Deus do céu”. Eu falei: “Então a senhora me case”. Dei a ela a aliança e dei a mão esquerda, ela pegou e colocou a aliança aqui e mandou a minha esposa... Ela falou: “Meu Deus”. Eu falei: “Pois é. Pra senhora ver”. E você acredita que até hoje... Eu usei aliança no dia que eu casei. Nunca usei aliança. Ela que usa minha aliança. P/1 – Por quê? R – Que a dela já acabou, que ela mexendo com _____00:25:05____, ela que usa. Nunca... Não sei. P/1 – Por que o senhor tirou? R – Não, não acostumei com aliança. Não acostumei. Mas eu sempre falo com ela: “Denise, a honestidade é que manda. Eu com aliança ou sem aliança, se eu não te respeitar, qualquer lugar eu... Saiu um papinho pra mim, eu posso chegar. Mas como aliança é necessária, que consagra o nosso matrimônio, mas por aí não é que eu vou falar que eu vou segurar as petecas sozinho, não. Eu posso errar”. Então graças a Deus todo lugar que eu ando eu trato todo mundo bem. E mesmo se... Já aconteceu de pessoa chegar perto de mim, principalmente em festa igual nós trabalhamos, começa a batendo papo e tal, quando começa a jogar uns assuntinhos, eu já vou dizendo: “Minha filha, sou casado. Já sou até avô de neto” – falo assim com ela. “Ah, não parece, não.” “Pois pode acreditar, que eu sou casado e muito bem casado. Muito bem casado. Porque o respeito que a minha dona tem por mim, a minha esposa, eu tenho por ela.” Faz assim, olha para o meu dedo: “Não parece, o senhor não tem aliança no dedo. O senhor a escondeu?”. Eu falei: “Eu não. Nunca usei aliança. Usei no dia que eu casei” – falei pra ela. “Minha aliança tá em casa guardada.” Ela ria, né? É assim que eu faço, eu respeito muito minha esposa, porque é uma companheira que... Pra mim a minha mãe era muito boa, eu não tenho outra pessoa pra restituir, mas minha esposa restituiu minha mãe, pra mim. Porque eu não tenho que queixar dela uma unha de nada. Entende todo o meu sistema, minha natureza, então eu também a mesma coisa com ela. Eu não tenho ciúme. Eu sempre falo com ela: “Sabe como eu tenho ciúme com você? É se você estiver brincando”. Porque tem pessoas que tem a liberdade de falar palavras pesadas um com o outro na brincadeira, né? P/1 – É. R – “Você pode brincar com quem você quiser, com amigo meu, com seus amigos, só que falo uma coisa, se eu escutá-lo gabando que falou isso com você, fez isso com você, eu não vou falar nada com ele, eu vou falar com você. Agora, se você quiser continuar, agora já vai mudar a história entre nós dois. E eu também te dou a mesma liberdade comigo. Se caso você vir, você pode usar comigo a mesma impressão que eu to te usando”. Ela falou: “Não, João, é marido”. Então é a maneira que nós vive, graças a Deus, numa boa harmonia, numa boa união. Você entendeu? P/1 – Como ela chama? R – Denise Vieira da Fonseca. P/1 – E aí vocês tiveram quantos filhos? R – Cinco. O segundo filho meu, eu o perdi com sete meses. A primeira era mulher, filha mulher, aí ela falou comigo: “Ganhei de você. Você viu, né?”. Eu falei com ela: “Mas o segundo vai ser filho homem”. E foi. P/1 – E foi. R – Eu tenho muita fé em Nossa Senhora do Rosário: “Ô, Nossa Senhora, a senhora me deu uma filha mulher, agora me dê um filho homem”. O segundo foi filho homem. Só que eu não tive a felicidade de ele viver. Viveu sete meses, e quando ele ia completar sete meses dia 11 de março... Que ele mais a irmã dele tudo é de um ano só. Ela nasceu em 79, dia 11 de março, seis horas da manhã. E ele nasceu dia 11 de março de 1980, sete horas da manhã. P/1 – Olha! Um ano. R – É. Aí ele viveu... Ele ia fazer sete meses dia 11 de março, quando foi dia dois de setembro, ele faleceu. Um menino gordo, sabe? Mas a gente ficava até bobo, lá em casa ninguém falava que tinha criança. Você não via dar um pio, não chorava. P/1 – E por que ele morreu? R – Ele tinha problema de sopro no coração. O médico falou comigo. Eu não quis falar com a mãe dele, mas ele me chamou lá e falou comigo: “Ô, senhor João, eu vou falar com o senhor a verdade. Para o senhor eu vou falar, que os pais sempre são mais duros, têm o coração mais firme um bocadinho. Olha, o seu filho pode viver 30, 40, 50 anos, mas o problema dele, ele pode morrer do minuto para o segundo. Do segundo para o minuto. E a hora que ele completar três anos, vai ter que operá-lo” – falou comigo. Só que ele não teve essa felicidade de chegar até aí. Eu fiquei tristonho com aquilo, mas eu falei: “Mas Nossa Senhora vai me dar outro filho homem”. E veio outro filho homem. P/1 – Veio outro. R – É. Depois veio outra filha mulher, depois o caçula homem de novo. É. P/1 – Como eles chamam? R – O caçula? P/1 – Não, os filhos todos. R – A mais velha chama Luciléia da Fonseca, o segundo chamava Geraldo Antônio da Fonseca, o que morreu, aí veio o terceiro, chama Leonardo César da Fonseca, a terceira... Não, a quarta, é Lucilene da Fonseca, e o quinto, Luís Sérgio da Fonseca. Ele hoje já é pai também, já tem um rapaz, um netinho, já tá com um ano e pouco. Então eu tenho... Da minha primeira filha eu tenho três netos, tenho um menino homem com 15 anos, e tenho duas, uma com sete e outra com um ano e meio, a caçulinha. E tenho do outro filho, o Leonardo, tenho um neto, já tá com dez anos, dia seis de março ele fez dez anos. E agora tenho um netinho, filho do Luís, dia 24 de julho fez um ano. P/1 – Um ano. R – Já tá andando, conversa muitas coisas comigo. P/1 – (risos). R – Ah, é uma gracinha. A gente fica muito satisfeito. P/1 – Bom, vamos mudar um pouco de assunto. E a congada, como entrou na sua vida? Ou o senhor entrou na congada? Como foi? R – Olha, pra dizer pra você a verdade, na congada mesmo eu comecei já mais velho, mas na folia, eu nasci dentro da folia. P/1 – Ah, foi? R – É. O meu pai foi diretor da Folia de Santos Reis e do divino Espírito Santo, ele foi diretor 50 anos, direto, sem passar pra ninguém. Ele que organizava tudo, marcava o dia de sair, as tocadas, ele cuidava de tudo. Essa Folia de Santos Reis, eu nasci dentro dela. É nessa tal casa que eu to te falando, casinha rebocada com a mão, de barro, é lá. E nessa época a gente era pequeno, ficava olhando como os mais velhos faziam, com muita atenção, que a gente tinha maior entusiasmo com aquilo, nessa época era muito animado. Na época de a folia sair dia 24 de dezembro lá na casa do meu pai, gente subia até nas janelas, ficava na janela pra ver a hora do canto e dos mascarados dançarem. Então a gente ficava debaixo das pernas dos mais velhos lá pra ver como era. E aí com cinco anos eu entrei. Eu ia fazer cinco... Eu ia fiz cinco anos em setembro, quando em dezembro já entrei na farda. Tomei até couro pra poder entrar na farda de Benedito. Porque essa época todos os foliões eram muito foliões, então era mesmo só pra quem sabia. Quem nunca tinha entrado, eles não abriam mão muito, não. O meu irmão mais velho, ele era muito duro com a gente, e na época a folia trabalhou à noite dia 24 pra dia 25. Quando foi no dia 25, almoçou, na hora não tinha o Benedito pra fardar. Aí os companheiros da sociedade, primos meus, falaram comigo: “Você tem coragem de fardar?”. Eu era pequenininho assim, eu digo: “Eu tenho” “Você tem?” “Tenho” “Então vem cá”. Levou-me lá dentro do quarto, tocou os instrumentos: “Canta isso pra mim”. Aí eu cantei. Ele falou: “Ah, esse daqui vai sair direto. Canta esse assim”. Aí eu cantei. Mandou-me primeiro cantar o... As danças aqui tem o dobrado, lundu, maxixe, e para o Bastião tem candombe, para Guarda-mor tem boiadeira, dança essas coisas tudo. Só o Biné que dança do candombe até o maxixe. Aí ele tocou um dobrado, eu cantei, tocou lundu, eu cantei. Ele falou: “O maxixe é mais fácil, você sabe, não precisa nem pedir pra dançar”. Eu falei: “Toca um candombe pra mim”. Eles tocaram, eu dancei. “Pode fardar.” Aí eu fiquei lá dentro do quarto trocando a roupa. Ele chegou lá, falou: “Já arrumei o Biné”. Chegou lá fora, na sala: “Já arrumei o Biné”. Meu irmão falou: “Quem é?” “É João, seu irmão”. Ele falou assim: “Ah, eu vou lá”. Chegou lá, minha filha, eu tava calçando as meias, já tinha vestido o calçãozinho da farda, eu tava calçando as meias, eu sentado na cama, ele me pegou pela orelha aqui e me levantou no ar: “Você não vai fardar, você não sabe de nada. Você não sabe de nada”. Eu falei: “Eu já treinei aqui. Dei um treino com eles aqui, eles falaram que tá bom” “Não, você não vai fardar, não”. E nisso, os dois companheiros que tinham me mandaram fardar, falaram assim... Eles entraram na hora lá dentro do quarto e o viu me maltratando, eles falaram: “De jeito nenhum. Sai lá pra fora, deixa o menino pra lá. Nós temos que ajudá-lo, você tá tirando o entusiasmo do menino”. Aí eu acabei de fardar. Quando saí lá pra fora com a fardinha no corpo, com a máscara na cara, o capacete, aí eles tocaram lá para o Bastião dançar, o Bastião dançou para o dono da casa. “Agora é o Biné”. Eu falei com o dono da casa com a vozinha fininha: “Oi, oi, ô, o que você quer com o Binezinho?”. Aí ele falou assim: “Ah, o que você souber fazer, que você é muito pequenininho”. P/1 – (risos). R – Ele falou: “Quero um dobrado´”. Que os Binés tudo não gostam de dançar dobrado, que é mais difícil de cantar. Ele falou: “Eu quero um dobrado”. Os foliões mais velhos falaram: “Olha, gente, esse menino, ele vai sair muito bem, porque a coisa mais complicada é que caçou pra ele cantar e dançar”. Quando eles riscaram os instrumentos lá, eu em cima. Porque meu pai sempre dava pra gente força: “Tem que cantar lá perto do violino, que o violino toca os versos que você canta. Aí você vai perto do violino”. Ah, mas que eu dancei, eles me levantaram lá em cima. Todo mundo, o dono da casa falou: “Ô, gente, a folia parada aqui por conta de um Benedito e o menino aqui”. Aí de lá pra cá meu irmão largou do meu pé, né? E eu vim crescendo, fazer até com a idade de 14 de Benedito. Tirei a farda no ano de... Por exemplo, em janeiro, dia 20 de janeiro que nós encerramos a sociedade, quando foi em dezembro do mesmo ano eu já fardei de Bastião. Daí pra cá fardava em todas as fardas que precisava: Bastião Guarda-mor. Que nós aqui, o rito nosso é o seguinte: são dois mais velhos e um mais novo, um pequenininho. Porque essa folia, a hora que nós formos chegar a ela, eu vou explicar a você como ela foi fundada, por qual motivo. Toda vez... Na nossa Folia de Santos Reis e São Sebastião nós temos sempre quatro, cinco meninos conosco. E parece uma bênção de São Sebastião mesmo, que nós cortamos a noite inteira e eles cortam conosco. Meninos de quatro, cinco, seis anos, andam conosco. A mãe fala: “Como eu vou fazer?” “Não, pode deixar, nós tomamos conta deles”. Hora que eles começam cochilar, nós na casa de algum amigo os põe pra dormir, deixa-os descansando lá e vamos seguindo viagem, que nós andamos a noite inteira. Assim nós fazemos. Mas voltando aí nessa parte da folia, essa folia nossa aqui que eu to falando pra senhora, ela tem 302 anos. P/1 – Trezentos e dois anos? R – Trezentos e dois anos. P/1 – Quem trouxe a folia pra cá? R – Isso foi criado por uma promessa dos meus tataravôs. P/1 – Qual era a promessa? R – Foi criado por uma promessa. Que nessa época aqui em Fidalgo, menino, criança recém-nascida, até 14, 15 anos, passou uma maresia aqui, uma epidemia, que tava matando tudo. Aí aquelas mães já tinham... P/1 – Matando do quê? R – Aquelas mães... P/1 – Mas do quê? R – Ah, não sabia. Medicina nessa época não era tão desenvolvida, né? P/1 – Sei. R – Aí aquelas mães já tinham perdido os filhos, outros que estava com os filhos doentes já não sabiam mais como fazer. Aí juntou um grupo de mães e falou assim: “Gente, vamos fazer uma promessa pra São Sebastião, porque ele é o protetor da fome, da peste e da guerra. Se ele puser uma treva nessa epidemia que tá tirando as crianças, nós vamos fazer uma folia de menino”. P/1 – Ah. R – Olha, a partir da hora que elas fizeram essa promessa, não morreu mais nenhuma criança. Mas nenhuma, até nos dias de hoje. Através dessa doença, não. Aí elas fizeram a promessa no meio do ano, quando foi no fim do ano, elas formaram a folia. Os maridos juntaram, formaram a folia de menino. E não tinha verba pra comprar os panos pra fazer as roupinhas pra eles, as mães forneceram as roupas delas. Aí saíram pra folia. Granjearam de casa em casa, granjearam os donativos, aí compraram os panos e fizeram a roupinha pra eles no outro ano. No outro ano eles já tiveram a roupinha deles pra eles trabalharem. P/1 – A fardinha. R – E aqui nessa igreja não tinha a imagem de São Sebastião, então eles pegaram, trabalharam no outro ano, adquiriram as esportas, trocaram a imagem, trouxeram a imagem de São Sebastião pra aí. E aí essa sociedade veio, esses meninos foram crescendo, viraram rapazes, viraram pai de família, avôs, e continua a sociedade, não para. Mas nós sempre temos essa tradição, quatro, cinco pequenininhos conosco. E nós seguimos essa tradição até hoje. Eu já to... Meu pai passou essa responsabilidade pra mim de diretor dessa folia eu tava com 21 anos, eu faço 65 anos agora domingo, vou fazer 44 anos de diretor dessa bandeira de São Sebastião e Santos Reis. E minha irmã desde mocinha que ela lavava e passava as roupas dos mascarados. Quando mamãe também fracassou na saúde, ela falou: “Você que cuida, você que enfeita, então você que vai ficar com a responsabilidade da diretora. Você como a diretora e João como diretor”. Aí nós continuamos, eu mais ela. P/1 – E o que faz o diretor? R – Uai, a missão do diretor é, por exemplo, chega a época de a sociedade sair, a gente vai à delegacia, vai à prefeitura, pega o alvará, vai à prefeitura, o delegado autoriza, a gente fica com a licença na mão pra poder trabalhar. Porque essa Folia de Santos Reis não precisava comunicar com a polícia, mas como é uma época que é época natalina, dia 24, dia 25, passagem do ano, então dá muita bebida as pessoas que ficam por fora. Os componentes da sociedade, não. Nós bebemos sobre a minha mão. Assim, por fora eu não aceito. Então a bebida é usada desse jeito. E já tem os copinhos pequenininhos, aquele que pode beber o cheio, eu dou, o que não pode, eu dou a metade. P/1 – (risos). R – Que eu sei que mais fraco. Então nós trabalhamos assim. Que eu falei: “Olha, nós temos que dar um bom exemplo, nós temos crianças conosco. Então se nós damos mau exemplo, o que essas crianças vão aprender? O que elas vão ser na frente? Então nós temos que fazer a coisa certa”. E assim nós fazemos. De maneira que nós vimos lutando, eu vou fazer 44 anos de diretor dessa folia. E é uma folia de tradição, uma folia de família, que eles falam Folia dos Fonseca, que minha família é dos Fonseca, então foram eles que fundaram essa sociedade. Então nós continuamos planejando. Nós éramos nove irmãos homens... Não, sete homens. Tudo foliões. Hoje só tem eu. Só eu. Eu ainda tenho quatro irmãos vivos, eu perdi dois. Tem quatro vivos, tudo foliões. Dois não passaram pela religião, continuou na mesma religião católica, só que perderam o entusiasmo depois que meu pai morreu. E dois, depois de mais velho, passaram pra evangélica. E a gente não tem o direito de tirar a liberdade e a vontade de a pessoa ser o que ela quer ser, né? Eu falei: “No meu caso, eu não faria isso”. Mas o que você lá vai fazer também, você lá vai acompanhar a palavra de Deus, então que Deus tenha um bom destino que você quer fazer. E eu fiquei sozinho. P/1 – E o que é... R – Hã? P/1 – O que é a Folia de Reis? R – A Folia de Reis? P/1 – É. R – A Folia de Reis é formada numa base de 18 componentes. Não todo dia que tem 18 componentes, mas ela é formada com 18 componentes. Somo três reis magos e 15 componentes pra cantar, tocar e bater. Nós trabalhamos com a caixa, um pandeiro, dois, três cavaquinhos, duas violas, então esses componentes compõem aí. Aí nós andamos do dia 24 de dezembro, à meia-noite que nós saímos, nós vamos até o dia 20 de janeiro. P/1 – Ah. R – Nós vamos daqui, nós vamos pra Tavares, nós vamos pra São José da Lapa, nós vamos pra Prudente de Morais, tudo convite, nos convidam. E mais outros lugares convidam, mas nós não damos conta nem de bater o nosso lugar aqui tudo, visitar as casas, aí nós ficamos em dificuldade aqui, com o povo cobrando da gente, mas os outros companheiros também que nos ajudam são desses lugares aí, aí a gente fica sem jeito de não ir visitá-los também. Nós tiramos um sábado à noite e um domingo pra nós trabalharmos na cidade deles lá. E graças a Deus, todos os lugares que nós vamos nós somos muito bem recebidos, muito bem tratados, então a gente só tem que agradecer mesmo a consideração dos amigos que nos ajudam e o pessoal que nos acolhe. Nós somos muito bem recebidos. P/1 – E a congada então, como entrou? R – A congada é o seguinte, dessa folia, igual eu to te falando, nós temos mais três folias aqui em Fidalgo: nós temos a Folia de São Sebastião do Chapéu, temos a Folia do Divino e temos a Folia de Nossa Senhora do Rosário. Nós saímos com a Santos Reis do dia 24 de dezembro a 20 de janeiro, aí nós descansamos uma semana, no domingo seguinte nós já pegamos a de São Sebastião do Chapéu. Aí nós vamos até na quaresma, antes do Carnaval. Aí nós encerramos. Aí ficamos os 45 dias da quaresma parados, quando é mês de maio, nós saímos com a folia do Divino, trabalha até junho. Aí nós paramos a do Divino, pegamos a do Nossa Senhora do Rosário, que foi uma folia criada também através do pessoal que trabalhava em pedreira, um lugar muito perigoso. Tinha lugar que eles trabalhavam num lugar de 50 metros de altura, amarrados pelas cadeiras nas cordas. Aí era muito perigoso. Aí essa congada nasceu disso aí, eles fizeram uma promessa para o Nossa Senhora do Rosário proteger aqueles trabalhadores que estavam trabalhando naquelas pedreiras, um lugar perigoso, que eles iam fazer uma missa e um terço pra Nossa Senhora do Rosário. E cada um deles ia doar um dia de serviço deles pra ajudar a fazer as despesas que ocorressem dentro da festa. Aí graças a Deus todo mundo trabalhou até parar esse setor de lugar perigoso, nunca aconteceu nada com ninguém. Então essa festa veio crescendo. O primeiro ano foi uma missa e um terço, já o segundo ano já trouxeram a congada de Mocambeiro pra fazer a celebração aqui, a congada. Daí veio só crescendo, só crescendo, só crescendo. P/1 – Qual foi o primeiro ano? R – Ah, essa festa do Rosário já anda aí por uns 70, 80 anos. Você entendeu? Que ela funciona. E nós continuamos trabalhando nesse movimento aqui. E das folias, os foliões saíram para o candombe, pra guarda, e hoje nós estamos aí nessa união, que nós somos aqui mais ou menos um grupo de uns 12 a 13 candombeiros. E a guarda tem mais, só que a guarda esse ano não funcionou, não. Ela ficou parada. Ela não funcionou, não. Mas o candombe tá funcionando. Eu trabalhava no candombe cantando e batendo, hoje eu recebi a responsabilidade de capitão do candombe. Que o candombe tem o primeiro capitão, tem o segundo capitão, tem o capitão-mor, que o mais velho do que nós, e tem fiscal, tem o lerim, tem o cabo, que o cabo é pra distribuir a bebida, a pinguinha na hora que a gente ganha, ele que cuida disso. A gente primeiro a benze lá no candombe, depois dela benzida, aí agora tá autorizado servir os companheiros. Ele já sabe como é o regulamento, então a responsabilidade é dele. Então o candombe é formado nessa base aí. E nós trabalhamos dentro desse setor e eu já to com... Praticamente eu posso falar 65 anos. Eu já tenho uns 43, 44 anos que eu trabalho no candombe. P/1 – E é de família também? Era família que... R – Olha, praticamente aqui o lugar é um lugar pequeno, quase todo mundo é parente do outro. Então normalmente se apresenta esse trajeto assim. Que aqui tinham dois candombes, com o da Quinta, três. Mas era assim, quando convidava o festeiro dessa festa do Rosário, convidava o candombe, por exemplo, dele, aí o outro que não era convidado ia lá pra bagunçar. Você entendeu? Com despeito ia lá, formava confusão no candombe, aí era aquele Deus nos acuda pra poder controlar. Que chapava uma mais a mais, aí foi assim. Formou a diretoria da guarda, aí o moço ficou sendo presidente nosso da guarda, ele ficou sendo presidente do candombe. Hoje tem bem anos que ele faleceu, Zé Eduardo Bastos. Então ele pegou e falou: “Nós vamos acabar com esse problema. Nós vamos fundar um candombe aqui para o reino do Nossa Senhora do Rosário, pra trabalhar dentro do reino do Nossa Senhora do Rosário, aqui e em qualquer lugar que for convidado”. Assim ele fez. No outro ano os companheiros... Ele arrumou as madeiras, os companheiros fizeram os instrumentos, aqueles instrumentos que estão ali, fizeram os instrumentos, aí quando foi o mesmo de setembro, os estreamos, o padre os benzeu pra nós, e daí pra cá funcionou. Aí acabou com o problema. Nós vamos pra todo lugar aqui de promessa, que o pessoal nos convida, até pra aniversário, comemorar aniversário nós somos convidados pra ir. Nós somos convidados. Então acabou aquele problema de discussão, um atacar o outro, provocar. Então acabou. Nossa Senhora deu a ele uma boa ideia, que ele agiu desse jeito e tá servindo de uma lição pra nós até hoje. Que o grupo que trabalha dentro da sociedade, tanto os que nós temos aqui, como os companheiros que vêm nos ajudar... Porque nós também trabalhamos assim, hoje nós estamos aqui trabalhando na nossa festa, quando é no domingo que vem, é na sua festa, nós vamos lá te ajudar. Nós não vamos com o nosso candombe, não, nós vamos pessoalmente lá ajudar você. Porque na Quinta tem o candombe, aí nós vamos lá ajudá-los, o candombe deles. Mocambeiro tem o candombe, nós vamos lá ajudá-los na festa deles; Matosinho tem o candombe, nós vamos ajudá-los. E eles também vêm aqui nos ajudar. Ontem mesmo eu tinha aqui uma faixa mais ou menos de uns 40, de 35 a 40 candombeiros, entre capitães e candombeiros, que batem e cantam. Eu tinha mais ou menos esse número de gente aqui ontem nos ajudando. Assim foi bom que eu pouco trabalhei, eu fiquei mais foi na tranquilidade. P/2 – Na administração. P/1 – Na coordenação. R – É. E os companheiros tudo de boa vontade. Então nós trabalhamos em união. Porque se não tiver união, não vai. Isso aqui é qualquer projeto que a gente faz, se nós não tivermos união, não tem seguimento. Então nós trabalhamos em união. Eu falo sempre para meus companheiros: “Olha, aqui não tem política, aqui não tem discussão, não tem falsidade, nós todos somos irmão um do outro aqui dentro da sociedade. Pode ter algum de vocês que seja inimigo, mas aqui dentro da sociedade é amigo. Podem vocês não conversarem, mas não provoque nem um, nem outro”. A lição que eu dou pra eles aí dentro da sociedade é essa. E graças a Deus vem seguindo, esse meu filho aí vem e nós vamos continuamos. Enquanto Deus der a gente a vida e a saúde, que a gente aguentar fazer, nós vamos fazer. É o que eu sempre falo com eles: “Pra Nossa Senhora, para as coisas de Deus, eu só não vou se eu estiver doente, ma se eu estiver são, com saúde, pode me oferecer o dinheiro que me oferecer”. Igual um companheiro falou comigo assim: “Ô, João, por que sua vida é só mexer com folia e candombe?”. Eu falei: “É um dom que Deus me deu. Eu gosto quanto…, tudo quanto a boa eu gosto, mas o dom que Deus me deu, eu não o deixo por nada, só se eu estiver doente. Mas se eu estiver, por exemplo, com saúde, vai funcionar, eu vou”. Por exemplo, eu desde a idade de cinco anos, se você me perguntar o que é passar um Natal na minha casa, ou um Ano Novo, eu não sei falar. Passo-os dentro da sociedade. Todo ano é dentro da sociedade de Santos Reis. Então muita gente fala comigo: “Eu fico bobo com você”. Eu falo: “Não. Não fique bobo, não. É o dom que Deus me deu e eu tenho a fé”. Pra você ver, eu graças a Deus vou fazer 65 anos, nunca fui de confusão, nunca ninguém me assaltou, nem me ameaçaram, graças a Deus. A primeira coisa que eu faço é pedir as graças de Deus pra iluminar meu caminho. Então saio de peito aberto, vou pra Belo Horizonte, qualquer lugar aí sem um pingo de receio. Mas eu sempre buscando a Deus no meu pensamento e as minhas devoções que eu tenho, penso aos santos pra me protegerem. E graças a Deus eu alcanço essas bênçãos rogadas P/2 – Eu queria saber qual é a diferença entre o congado e o candombe, se tem alguma diferença. R – Tem. Tem. O candombe é o instrumento que conseguiu tirar Nossa Senhora da beira das águas do mar. Ela apareceu nas ondas do mar. Então o candombe foi o primeiro que chegou. Ele não foi o primeiro, lá foi primeiro, foi o império pra buscá-la, quando ficou sabendo que ela tava lá. Aí ela não queria acompanhá-los, que ela não queria aquele império que eles queriam dar pra ela. Ela queria o império da humildade. Aí ela via que não tava neles, aí ela não quis segui-los, eles a levaram na marra, pôs ela lá na igreja. Quando foi no outro dia, ela tava no mesmo lugar que ela apareceu. Aí eles chegaram lá na igreja, não a encontrou, de repente eles tiveram a notícia que ela tava lá nas águas do mar. Aí levaram a banda de músico, tocaram música pra ela lá, ela não quis vir. Então os negros lá na senzala não tinham os instrumentos, aí eles ficavam lá batendo no bancos, nas coisas assim, e cantando, e cantando. Aí eles falaram assim: “Vamos pôr que você leva esses negros lá, eles conseguem tirá-la de lá”. Aí eles arrumaram uns pedacinhos de pau, puseram um courozinho de boi neles, foram de precata dos nos pés, precata de Deus, chapéu de palha, chegou lá à beira do mar, eles cantaram. Ela veio pra beira do mar. Chegou lá, ela foi a um instrumento por um. Chegou, sentou, pôs a mão, abençoou e pediu a eles pra cantarem, eles pegaram e cantaram: “Oi, Pai nosso que estás no céu, santificado seja o vosso nome, santificado seja o vosso nome. Somos pretinhos do Rosário, filho do pai eterno”. Aí que eles bateram os instrumentos, ela manifestou e saiu na frente, e eles a seguiram. Aí ela parou numa pedra, sentou numa pedra, ela queria que a casa dela fosse feita ali. Eles fizeram o gosto dela, fizeram a igrejinha pra ela lá e depois cantaram o verso pra ela: “Nossa Senhora é lá da Lapa. Nossa Senhora é lá da Lapa. Oi na Lapa não pode morar Nossa Senhora, oi do Rosário”. Aí que eles fizeram outra igreja e ela foi morar na igreja dela. E aí libertou, aí veio a libertação da Princesa Isabel, logo entrou também, e libertou a escravidão, e os negros puderam louvar a Nossa Senhora com liberdade, com liberdade. Que eles chegavam à igreja, eles não os deixavam entrar, eles ficavam de fora. Eles não podiam assistir a uma missa. Eles cantavam na senzala deles lá. Então é onde faz a diferença da congada pelo candombe. O candombe é o pai do trono. P/1 – É o quê? R – É o pai do trono, o candombe. É tanto que não sei se vocês observaram isso aqui ontem, as guardas tudo foram na frente, o candombe foi o último, que foi atrás. O congo coroado na frente, e o candombe atrás. Ele que vem fechando a congada toda. E quando chegamos aqui, as congadas, as guardas, nossos amigos, ficaram de lado, um de outro, Nossa Senhora vem entrando e nós entramos, a levamos lá à igreja, ao altar. Então ele é o pai da congada, o candombe, mas é tudo do reino de Nossa Senhora do Rosário. O Moçambique, os caboclos, as guardas de congo. O Moçambique é depois do candombe, que ele também fez parte de tirar nossa senhora das águas, o Moçambique. Depois veio a guarda de conga, aí vai criando as outras, outras congadas. E hoje tem é muitas congadas, com muito tipo para louvar a Nossa Senhora. Em todos, por exemplo, esses instrumentos do candombe, são seis instrumentos, cada instrumento daquele a batida é diferença, mas hora que reúne todos baterem, vira uma orquestra só, um som só, igual você os vê bater. Então é desse jeito. Os instrumentos são tão abençoados por Nossa Senhora do Rosário, que cada um tem um tom, mas na hora que começa todo mundo bater... E não tem ninguém que estudou isso, não. Isso não é de estudo, não, é da mente e do coração. A pessoa parece que já nasceu com aquele dom e vai. Então nós vimos fazendo esse tipo... Igual eu te falei, as crianças, nós vimos aproximando-as. A única coisa que a gente não tem é uma força, assim, por exemplo, da Secretaria da Cultura. Podia dar mais a gente uma situação pra nós termos uma sede própria pra nós treinar os meninos, uns falam ensaiar, pra nós treiná-los. Porque como eu falo: cantar, bater, ninguém ensina, não, a pessoa já vem por si. Por que como eu vou te ensinar a cantar? Pois é você que tá cantando com a sua língua, sua boca, sua voz. Agora, eu só sei o seguinte, se você estiver cantando e eu estiver ouvindo, eu sei o tom da primeira voz, da segunda, da terceira, da quarta e da quinta. Se você coloca quatro vozes e você tá cantando três: “Olha, o lugar dela é aqui. Ela vai cantar aqui. Essa voz que ela tá cantando, ela canta aqui. O lugar dela é aqui”. E aí você já vai cantar naquele lugar ali. Isso aí nós sabemos, mas falar que domina a boca da pessoa pra ele poder cantar, não tem como. Bater também é a mesma coisa. A pessoa fica observando você bater, quando vê, pega num dia que você já vai bater, como você já tem prática, mas ele já pega o ritmo ali. Daí acaba de praticar. Por exemplo, ele desafina, que ele tá meio confuso, com medo de errar, passar vergonha, aí ele vai só desenvolvendo no meio da turma, os companheiros vão dando a ele apoio e ele só tem que acabar de chegar por ele mesmo. E assim nós vimos fazendo. Os companheiros, todos novos que chegam, os nossos companheiros tudo dão apoio. Nasce o apoio de todos, recebe de bom coração, com maior carinho e todo mundo expõe: “Olha, o que eu souber é pra te ensinar. O que eu quero é te ensinar”. Então a pessoa fica entusiasmada. Nós temos um baixinho, que ele deve ter com uns 12 anos, ele já bate os instrumentos do candombe tudo, já tá cantando, e na folia também ele tá fazendo a mesma coisa. Mas vai saindo cada dia melhor. E a gente vem trazendo-o com o maior carinho, ensinando-o como é o regulamento que a sociedade funciona, não pode ter falta de respeito, não pode ficar deslocando do meio da turma da sociedade pra ir pra porta de boteco, tudo isso nós vimos trazendo para o nosso ritmo, que é a cultura que nós temos, que nós aprendemos foi desse jeito. Então nós ficamos passando pra eles também. E eles vêm seguindo, graças a Deus. Pela idade deles, até que eu eles não vem dando pra gente amolação, trabalho, não. De vez em quando a gente dá um puxãozinho pra trás, mas pra não complicar. P/1 – (risos). R – Mas graças a Deus eu to muito satisfeito em ver o desenvolvimento deles, com aquele entusiasmo e com aquela boa vontade. Então eu falei pra ele: “Olha, meu filho, do jeito que você vem, a hora que você tiver aí uns 20 anos, você já tem condições de ser um capitão de candombe, ser um mestre de folia, ser um mestre guarda, porque você tem dom. Você leva o jeito e tem o dom”. Então graças a Deus eu to muito satisfeito de ver o desenvolvimento dele. E a avó dele também, a mãe dele, dão muito apoio, falam: “Não, estando com vocês, eu to sossegada, porque eu sei que ele tá num bom caminho. Pra seguir, ajudar fazer as coisas de Deus, eu to muito satisfeita”. Então a gente sempre tem esse prazer de estar com eles por devido à promessa que foi feita na época por eles. Então nós vimos bem. Dá um empurrão aqui, outro ali, mas vai indo. Mas tenho certeza que é igual eu falei, essa sociedade de Santos Reis até hoje nunca parou. Não vou dizer que não tem dificuldade, não. Tem sim. Porque nós não temos ajuda de nada. A ajuda que nós temos são as esportas que nós granjeamos. Durante as tocadas que nós tocamos, aí chega ao dia 20 de janeiro, aí a gente tá sabendo que o produziu. Agora a gente... (corte no áudio). O que nós conseguimos, as esportas que nós conseguimos são para a reforma dos instrumentos, são para a manutenção dos uniformes que eles usam, e comprar corda, que arrebenta muita corda, que o instrumento é tocado, é espancado, e trabalha muito alta a afinação, então arrebenta muita corda. Então a gente tem que comprar pra não parar. Igual, esse ano eu to tentando registrar essa sociedade pra nós podermos ver se nós conseguimos uma verba pra um patrocínio pra nós podermos conseguir manter a sociedade uniformizada, os instrumentos tudo arrumadinho, bem zelado. E eu já até conversei. Não conversei com o Aloísio, mas conversei com o Tadeu, que o Tadeu é muito meu amigo, se a gente consegue arrumar uma sede, mesmo um cômodo, pra gente ter uma reunião, pra gente conversar as coisas que for preciso. E aí esses meninos treinarem. A gente pega esses instrumentos um dia de domingo, um dia de sábado, porque eles praticamente não trabalham aqui, a gente dá a eles um treino pra eles irem desenvolvendo, pra no de amanhã eles serem o eu que sou hoje e outros. Porque nós vamos ter a vida pela gente, então nós temos que ir reformando o grupo. Igual, muitos candombeiros já passaram nesse candombe. Nesse aqui passaram poucos, mas noutro que nós temos aí, que vai funcionar na quinta-feira, ele tem 599 anos, ele é de 1916. Não, 1914... P/1 – 1500? R – 1416. É. Esse candombe. Dele só restam dois instrumentos da tradição, o resto teve que reformar tudo, porque estragou, apodreceu, não teve mais condições de reforma. O filho do capitão que era dono dele, o filho restaurou tudo, tá muito beleza, vai funcionar domingo lá, vão tocá-lo lá na quinta. Vocês vão vir domingo lá? Vocês vão me ver lá. Tem 599 anos de existência. Tava por dentro escrito no Santana. Aí o filho do homem pegou, tirou a numeração e pôs por fora pra todo mundo ver, ele é de 1416. Então quantos já passaram? Quantos capitães já passaram por esse candombe, que eu nem conheci? E o candombe é uma coisa mimosa, uma coisa muito de mandinga. Hoje até que graças a Deus não. Mas antigamente o trem rolava pesado. Pesado. Era difícil. Olha, mesmo o capitão de candombe não ia ao candombe, ele ficava na casa dele. Da casa dele ele bagunçava o candombe todo lá. Posso falar, que o meu pai falou pra mim, que tinha um candombeiro, um capitão de candombe que não foi ao candombe na casa de um moço cumprir uma promessa, que ele tava meio rinchado com outro capitão. Quando o trem funcionou lá, os instrumentos, não sabe da onde, saiu fogo, pegou fogo nos instrumentos. Tinha labareda de fogo em casa instrumento. Aí o capitão que tava reinando lá falou: “Já sei o que é isso. Já sei quem mandou isso aqui. Mas não precisa ter medo, não. Ninguém precisa ter medo, não”. Levou a boca lá no candombe, fez chup, chupou o fogo tudo pra dentro, o fogo apagou na hora e o candombe continuou trabalhando. Aí ele pegou e falou quem era que tinha mandado o fogo lá no candombe. Você entendeu? Os candombeiros que estavam batendo os instrumentos ficaram bobos, porque ninguém tava fumando, não tinha fogo perto, o instrumento pegou aquela labareda de fogo de uma hora pra outra. P/2 – Nossa! R – Então hoje não. Sempre eu falo: “Gente, nós saíamos pra louvar Nossa Senhora, nós temos que ter amor por Nossa Senhora, nós temos que saber que Nossa Senhora é uma mãe que compadeceu com o filho dela, viu o filho dela sendo preso na cruz pra nos salvar, pra nos perdoar. Como nós vamos trabalhar pra ela com essa má intenção, com esse mau coração com os irmãos que tá dentro da sociedade? Não existe isso, não. Quem faz isso é quem não tem fé em Deus, quem não tá no seguimento da lei de Deus, tá no seguimento da lei do demônio. Essas pessoas são espírito fraco”. Então graças a Deus, depois que eu to reinando dentro desse candombe, nunca mais houve esses detalhes, você entendeu? Mas aqui mesmo. Aqui eu apreciei. Na época era tudo estrada de chão, poeira. Nessa festa do Rosário mesmo tinha um... Abriu um barzinho ali, e um moço lá de Lagoa de Santo Antônio, ele era assim, mexia muito no centro espírita. Aí ele chegou aqui, o candombe tava batendo, o dono desse candombe que eu to falando pra vocês, antigo. O candombe tava batendo, ele veio ao candombe aqui, daqui ele foi lá e comprou uma garrafa de pinga, e ele fez as “mandaca” dele lá. Chegou aqui, ele abriu a garrafa de pinga e dando para os candombeiros beberem. O capitão falou: “Não. Ninguém vai beber dessa pinga. Ninguém”. Ele sabia que a pinga tava temperada, trabalhada já. Ele pôs a garrafa de pinga lá, benzeu-a no candombe, cantou, falou as palavras lá: “E agora pode servir a pinga”. Aí todo mundo bebeu, não teve nada. O que aconteceu? O cara que veio com a garrafa de pinga, esse capitão pegou uma palha de milho, fez uma cruz e jogou lá no chão. O cara foi pra entrar no candombe, pisou na cruz, “calambeou” pra cair, ele falou: “Não, aqui não. Você não vai cair, não, você vai cair em outro lugar”. Ele desceu de onde ele trouxe a pinga, ele deitou lá, ele tava de roupa branca, deitou lá no meio da poeira e ficou o dia inteirinho de Deus dormindo lá. O sol quente mesmo de agosto, que o suor você via descer igual bica d’água assim correndo o rosto dele. E ele lá tocado na poeira lá. Quando foi “vespando” mais ou menos uma hora dessa, eles pegaram e falaram: “Agora o companheiro pode acordar, ele já dormiu bastante”. Falou as palavras dele lá no candombe lá, de repente o companheiro chegou aqui tudo amarelinho de poeira, a cabeça dele, a roupa. Aí chegou aí, o capitão ainda brincou, falou: “Uai, você tá cansado demais. Você dormiu muito?” “Ah, rapaz, não sei o que aconteceu comigo, não, que eu puxei a palha”. É maldade dele. É maldade dele. De maneira que isso aí eu apreciei. Agora, do fogo, como eu falei pra você, eu não cheguei, não, meu pai que falava pra nós isso, que apreciou esse negócio desse dia lá. O capitão desse candombe que eu to te falando chamava Zé das Candeias, e o outro é o tal de Zé Basila. O Zé Basila foi que mandou o fogo no candombe lá. E o Zé da Candeia puxou o fogo tudo com a boca e apagou na hora. Você entendeu? E ainda falou para os candombeiros: “Ah, eu já sei quem mandou isso aqui. Isso é o compadre Zé Basila”. Agora, esse outro aqui do capitão Eusébio eu apreciei aqui. O cara quis cair, ele: “Não. Aqui você não vai deitar, não. Vá deitar em outro lugar”. E ele desceu, chegou lá, ele “cumbucou” no meio da poeira lá, ficou lá deitado na beira da estrada o dia inteirinho. Até impressionou, as guardas bateram as “moçambicas”, as guardas e o candombe, e ele não veio, não apreciou a festa. Mas agora não. Graças a Deus até hoje, eu já tenho mais... Beirando os 40 anos que eu to funcionando dentro dessa sociedade, nunca vi. Depois dessa daqui, nunca vi mais. P/1 – Agora eu queria pedir uma coisa para o senhor fazer: primeiro cantar aquele dobrado, o primeiro que o senhor aprendeu de São Benedito. O senhor lembra? R – Ah, do São Benedito? Lembro. Nós temos uma dobrada do candombe aqui, que eu sempre gosto de cantar ela, que ela... Isso até as folias, as congadas cantavam, eu vejo cantar na rádio sempre, mas eu aprendi dentro do candombe. É a congada que fala assim: “Dia 13 de maio é um dia muito bonito. Dia 13 de maio é um dia muito bonito, a congada se reúne pra festejar São Benedito. A congada se reúne pra festejar São Benedito”. Esse é um dela. E tem o outro também: “Dia três de maio a assembleia trabalhou. Dia três de maio a assembleia trabalhou. Com o poder da Santa Isabel a escravidão acabou. Com o poder de Santa Isabel a escravidão acabou”. Esse é o verso da libertação. E tem o canto da escravidão: “No tempo do cativeiro, como o senhor me batia. No tempo do cativeiro, como o senhor me batia. Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus, como a pancada doía. Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus, como a pancada doía”. Essa é o canto do negro. Aí vem: “Abre a porta da senzala, deixa esse negro entrar. Abre a porta da senzala, deixa esse negro entrar. Esse negro está cansado, oi de tanto trabalhar. Esse negro está cansado, oi de tanto trabalhar”. E tem vários dobrados. Isso daí é da arte da linha dos negros. Agora, tem o dobrado que nós cantamos: “Oi marcha via, hoje é dia de alegria. Vamos todos acompanhar o Rosário de Maria”. Essa é uma marcha. Tem outra também: “Marcha nova que vem da Bahia cantando e rezando pelas estradas. Marcha nova que vem lá da Bahia cantando e rezando pelas estradas. Viva o povo que adora, viva o povo que venera, Nossa Senhora do Rosário”. Essa é marcha também. Tem a outra também que a gente a canta, principalmente quando nós estamos em caminhada com a dor, ela é assim: “Nossa Senhora quando andava pelo mundo, oi que beleza, com o teu filho nos braços, louvado seja. Nossa Senhora quando andava pelo mundo, oi que beleza, com o teu filho nos braços, louvado seja. Os anjos estão rezando, oi que beleza, no Rosário de Maria, louvado seja. O Rosário de Maria, oi que beleza, lá no alto tão bela flor, louvado seja. Vem as contas pequeninas, oi que beleza, nesse congado ele abaixou, louvado seja”. Essa é outra marcha do reino de Nossa Senhora, né? E quantos mais têm, né? Então a gente procura sempre concluir tudo, tanto eu, como o capitão, outro capitão, outros que não são capitães, mas que têm aquele dom, chegam e cantam também. Cada um canta o que sabe, o que vem na mente. Porque o candombe não é coisa que a gente estuda, não. Eu aprendi com o capitão, o capitão Lelé, ele falava que ele tinha... Era um recurso pra tudo. Ele falava assim: “Olha, candombe você não ensina ninguém, a pessoa aprende. Na hora ele entra no candombe, Nossa Senhora abre a mente dele, vem o verso na cabeça dele, ele canta”. E é assim mesmo, porque... E outra, por exemplo, nós estamos aqui, nós somos dez candombeiros, ou 15, você vem, você canta um dobrado, ele vem e canta outro, você vem e canta outro, ele vem e canta outro, eu venho e canto outro, mas daí cada um de nós estamos “mutucando” ali pra aprender o que o outro cantou, aí a gente vai. Aí a gente vai. A gente vai seguindo. E cada vez que nós saímos, que nós vemos candombeiros que não estão acostumados assim na nossa turma, outros tipos de grupos, a gente fica observando-os cantar pra gente pegar alguma coisa deles, alguns versos deles pra eu também passar pra outro. Então nós vimos nessa luta aí. P/1 – Então aí a gente podia ir então... Você quer fazer alguma pergunta? Vocês? Não? Como foi para o senhor contar a história? R – Pra mim? Uai, muito boa. Gostei muito. P/1 – Gostou muito? R – Gostei. Fiquei muito satisfeito de ser entrevistado por vocês e também estar passando a cultura que nós temos aqui em Fidalgo. Igual eu to te falando, nós temos aqui quatro grupos de folia, nós temos esse candombe, além desse outro que eu to te falando, e temos também a guarda de congo. Tem o nosso congo, o nosso trono todo coroado. Tem o rei congo, tem a rainha congo, tem a rainha Santa Isabel, tem a rainha Santa Efigênia, tem a rainha da paz, tem a rainha Nossa Senhora da Aparecida, tem a rainha Santa Cruz, temos o rei São Benedito, tem o rei do império, a rainha do império. Nós temos o trono coroado completo. Então nós temos essa cultura aqui, graças a Deus, muito boa. Muito boa, porque eu ando muito assim, nós saímos muito pra fora, muito pra fora. Nós não vemos, a não ser as moçambiques e as guardas, outras coisas como nós vemos aqui. Nós temos as folias, temos o candombe. Que o candombe é uma coisa tão, assim, significante, que em congada não pode ter dois candombes, é um só. Agora, moçambique, guarda, caboclos, catopé, podem ter quantos quiserem. P/1 – Sei. R – Mas o candombe é um só. P/1 – É um só? R – É um só. Não pode ter dois, não. É um só. Aí você vê a diferença que faz o candombe no meio da congada. É ele, é ele só. Se tiver mais de um, atrapalha o outro. Um atrapalha o outro. Já as congadas não, as congadas cada um sai cantando o que sabe, e nós vamos indo, porque é de tradição deles. Então é desse jeito. P/1 – E nós podemos acompanhar o senhor organizar o grupo? O que o senhor vai fazer agora? R – Nós? Nós agora vamos fazer a descoroação dos reis com o meu grupo de candombeiro, que eu tenho outro capitão que trabalha comigo, que é até meu primo. E nós vamos fazer a descoroação dos reis desse ano, de 2013, e vamos coroar os dois reis para o próximo ano de 2014. P/1 – Tá. Não, mas agora o senhor vai organizar o grupo? R – Vamos. É. P/1 – E vão ensaiar um pouquinho ou não? R – Não ensaia, não, já tá pronto, já tá feito na cabeça o que tem que fazer, né? P/1 – Não ensaia, né? Vem da cabeça (risos). R – É (risos). P/1 – Que eu queria gravar um pouco o senhor tocando. R – Pois é, nós vamos pra lá. P/3 – Depois pode você vocês aqui fora pra fazer com a gente? R – Vêm. Nós vimos aqui, uai. P/1 – Pode chamar? R – Pode. P/1 – Agora? P/3 – Depois que acabar lá. R – Agora? P/1 – Agora ou depois que acabar? P/3 – Vocês não tem que fazer lá... P/4 – É melhor quando acabar. P/3 – É melhor fazer antes ou... R – É, nós vamos fazer pra não atrasar, porque nós vamos ter a janta ainda. P/1 – Ah, tá. R – Eles vão servir a janta depois da coroação, aí nós vamos fazer isso ainda. Você entendeu? P/1 – Tá. R – Depois que nós fizermos isso aí, nós vimos cá, ou lá dentro da igreja mesmo, se servir pra vocês por as coisas lá e quiser filmar e gravar, pode. Mas vai ser bom, porque até vai filmar descoroando os reis e coroando os outros. Vai filmar, vocês vão levar essa coisa lá para o Museu de vocês. P/1 – Pois é. R – Viu? P/1 – Pois é. R – Então é isso. P/1 – Muito obrigada. R – De nada. Eu que agradeço. P/1 – Muito obrigada. Foi muito bom ouvir o senhor. R – Muito obrigado, viu? FINAL DA ENTREVISTA
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