Projeto Centro de Memórias das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevistado Jean Oliveira Sousa
Entrevistador Nataniel Torres (P/1) e Bruno Vieira (P/2)
Paracatu, 20/11/2021
PCSH_HV1169
P/1 - Seu nome completo, sua data de nascimento e seu local de nascimento.
R - Meu nome é Jean Oliveira Sousa. Nascido e criado em Paracatu, Minas Gerais. Eu nasci no dia 31 de Outubro de 1997.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - O nome do meu pai, era né? Jorgil Alves de Sousa, já faleceu. E minha mãe, Claudirene Lopes de Oliveira.
P/1 - Seus pais eram de onde?
R - Minha mãe é nascida aqui de Paracatu, e o meu pai também. Meu pai nasceu aqui em uma comunidade Quilombola do Machadinho. Porém, os pais dele, a mãe dele era do Santa Rita, e o pai dele nasceu no Machadinho. A minha mãe também, a família dela é de Machadinho, mas nasceu na cidade.
P/1 - Você chegou a morar lá na comunidade do Machadinho, ou não, como é que foi isso?
R - Não, porque quando eu nasci já não existia mais comunidade lá, ou existia, mas eu não tinha contato com as pessoas que moravam lá, minha família já não morava mais. Minha família, pai e mãe, minha vó e tia. Agora primo, os parentescos longe, eu não sei se morava, eu acho que tem alguns que morava.
P/1 - Você contou que seu pai já faleceu. Você chegou a conhecer seu pai, você lembra dele?
R - Lembro, conheço meu pai, ele faleceu recentemente, tem dois anos.
P/1 - O que você lembra dele lá na comunidade? Quais são as imagens que você tem do seu pai?
R - O que meu pai conta, o trabalho rural, né? Essa coisa da fazenda, cuidar de animal, e o garimpo também. Aqui em Paracatu, antes todo mundo garimpava, né? Era comum as famílias garimpar no quintal de casa, no córrego, todo mundo garimpava, ele conta muito de garimpo. Garimpou muito na infância dele.
P/1 - Quando você nasceu já não tinha mais isso?
R - Já não tinha mais.
P/1 - E a sua mãe? Trabalhava com o que?
R - A minha mãe sempre foi...
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Entrevistado Jean Oliveira Sousa
Entrevistador Nataniel Torres (P/1) e Bruno Vieira (P/2)
Paracatu, 20/11/2021
PCSH_HV1169
P/1 - Seu nome completo, sua data de nascimento e seu local de nascimento.
R - Meu nome é Jean Oliveira Sousa. Nascido e criado em Paracatu, Minas Gerais. Eu nasci no dia 31 de Outubro de 1997.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - O nome do meu pai, era né? Jorgil Alves de Sousa, já faleceu. E minha mãe, Claudirene Lopes de Oliveira.
P/1 - Seus pais eram de onde?
R - Minha mãe é nascida aqui de Paracatu, e o meu pai também. Meu pai nasceu aqui em uma comunidade Quilombola do Machadinho. Porém, os pais dele, a mãe dele era do Santa Rita, e o pai dele nasceu no Machadinho. A minha mãe também, a família dela é de Machadinho, mas nasceu na cidade.
P/1 - Você chegou a morar lá na comunidade do Machadinho, ou não, como é que foi isso?
R - Não, porque quando eu nasci já não existia mais comunidade lá, ou existia, mas eu não tinha contato com as pessoas que moravam lá, minha família já não morava mais. Minha família, pai e mãe, minha vó e tia. Agora primo, os parentescos longe, eu não sei se morava, eu acho que tem alguns que morava.
P/1 - Você contou que seu pai já faleceu. Você chegou a conhecer seu pai, você lembra dele?
R - Lembro, conheço meu pai, ele faleceu recentemente, tem dois anos.
P/1 - O que você lembra dele lá na comunidade? Quais são as imagens que você tem do seu pai?
R - O que meu pai conta, o trabalho rural, né? Essa coisa da fazenda, cuidar de animal, e o garimpo também. Aqui em Paracatu, antes todo mundo garimpava, né? Era comum as famílias garimpar no quintal de casa, no córrego, todo mundo garimpava, ele conta muito de garimpo. Garimpou muito na infância dele.
P/1 - Quando você nasceu já não tinha mais isso?
R - Já não tinha mais.
P/1 - E a sua mãe? Trabalhava com o que?
R - A minha mãe sempre foi dona de casa, sabe? Nós somos bastante filhos, somos 5. Ela sempre cuidava da casa, meu pai sempre trabalhava.
P/1 - Já que você falou dos filhos todos, qual o nome desses filhos todos, desses 5?
R - Robson Oliveira Sousa, que é o mais velho, aí depois tem eu, Jean Oliveira Sousa, aí tem o Allan, o José Luan, e a Milena, somos 5.
P/1 - Então a gente falou um pouquinho dos seus pais, a gente vai voltar um pouquinho mais. Você chegou a conhecer os seus avós? Você lembra dos seus avós?
R - Sim, de parte de mãe. De parte de pai, não. Porque o meu pai não conheceu a mãe dele, e o pai conheceu pouco tempo, porque morreu ele tinha 12, 10 anos. Então ele foi criado por tio, tia, por irmão, aquela coisa de antigamente, né? Que o povo mandava o menino pra ficar na casa de um, na casa de outro. Minha mãe, eu tenho recordação dos pais dela. Minha vó ainda é viva, a mãe da minha mãe, graças a Deus, o pai da minha mãe já faleceu, mas eu conheci ele, quando ele faleceu eu tinha uns 12 anos, lúcido.
P/1 - E eles faziam o quê? Trabalhavam com o que?
R - Tudo trabalhava na roça. Eles contam que vinham na cidade de três em três meses, e acho que não comprava nada porque tinha tudo, né? Adoçava com rapadura, óleo tinha gordura de animal, plantava-se tudo, arroz, feijão, café, então, era a vida do campo, era a vida da roça. Criar animais, essas coisas. A recordação que eu tenho dos meus pais contando é isso.
P/1 - Como você falou, você chegou a conhecer o seu avô, e sua vó está viva até hoje, tem alguma história que você lembra do seu avô ou da sua vó ou história que eles te contaram, ou história deles com você mesmo, lembrança que você tenha deles?
R - Tenho muitas histórias.
P/1 - Conta uma.
R - O meu avô mesmo era folião, ele também era músico, o de parte de mãe, ele tocava, ele cantava nas festas, então minha vó conta muita história, eles tinham um amor muito grande, ela conta que ele cantava pra ela. Esses dias eu fui visitar minha vó, acho que quarta-feira passada, em que eu cantei uma música, e aí minha vó falou assim, “ó, lembrei do seu avô, nós dois cantávamos essa música, é a música Velha Porteira, e ele cantava pra mim”, eu até brinquei, “Porque antigamente cantava nesses tons", "não cantava nesses tons, porque é alto demais.” E ela, “é, a gente cantava”, e a gente foi cantando Igrejinha da Serra, e eu fui pra lá e a gente passou a noite cantando, sabe? Só aquelas músicas antigas. Depois, vou até fazer uma delas. A história é essa, de música, de canto, das festas de folia. Por exemplo, faziam muita festa de folia, e minha vó conta que a festa ia começar às 18 horas, às 19 horas, aí já começa as 9 da manhã a fazer as massas, os pastel, fazer os trem, porque fazia tudo lá, não comprava nada, fazia aqueles pastéis fritos, fazia massa, descarnava a vaca, fazia o doce de leite, e aí a família toda, os vizinhos entravam em ação, ficava na casa, pra fazer tudo. Os homens faziam essa parte de montar barracão, de pegar os bambus, fazer o telhado, socar o chão. Eu tive o prazer de participar disso, Minha vó faz Festa de Reis, Festa de São João, e eu já fui lá ajudar. Hoje já põe barraca, já é diferente, mas nas primeiras festas ainda fez o barracão de bambu, de pau mesmo, no chão, na terra, vai aguando e vai pisando, socando, eu tive a honra de participar dessa coisa. Hoje concreta tudo, faz aquela barraca e faz o palco, que eu já fui em uma festa que o palco era uma carroça, colocava uma carroça lá e o pessoal cantava. Então, essas histórias.
P/2 - Onde começou a despertar em você, Jean, essa vontade de manter um pouco das histórias, já que você relatou que você sabe da sua vó, dos contos do seu avô, o que despertou? Porque você é uma pessoa jovem, hoje a gente sabe que é difícil uma pessoa jovem se despertar por isso, de onde começou isso tudo?
R - Minha mãe falou uma coisa muito interessante, “quando você nasce com uma coisa sua, você vai ser”. Hoje eu acredito muito nisso, que por mais que a gente corre por um lado, aquele lado que é seu te abraça e vai te puxando. E o que aconteceu na minha infância, na cidade - fui criado na cidade, né? Aqui no Bela Vista, próximo ao centro - o pessoal fazia muita serenata. Tinha um moço, hoje ele ainda é vivo, só que ele já tá doente, e ele fazia serenata pra todo mundo, pegava o violão, tomava a cachacinha dele, e ia batendo na janela e fazendo serenata. Ele chama seu Otávio, é um altão do olho azul. Ele é todo assim galanteador, ia e cantava música, ia lá na casa de minha vó, batia e cantava pra minha vó e pro meu avô. Quando ele ficou doente, antes da morte, ele ia lá e cantava com o violão. Então eu vivi muito a serenata. O pessoal fazia muita na rua e eu via o pessoal tocando na minha rua e na rua da casa da minha vó, que eu moro em uma rua diagonal e minha vó na rua vertical e cruza a esquina, então é bem pertinho. Tanto na rua da minha casa, quanto na rua da minha vó, tinha muita gente que cantava e tocava instrumento, e os jovens de lá queria tudo aprender a tocar violão. Muitos vizinhos meus começaram a aprender e gostaram daquilo, porque lá naquelas ruas era comum isso. A gente brincava de bola, jogava bola na rua, mas quando dava de tarde, tinha essa coisa de cantar, fazia fogueira lá, fazia canjica. É uma coisa que já vêm até da roça
P/2 - Da sua infância mesmo?
R - Isso, e daí que despertou a vontade de cantar, de tocar e de estar naquilo. Eu lembro que o maior incentivador meu também, eu assisti um filme Os Dois Filhos de Francisco, quando ele saiu, ele estourou, né? Na época, não era todo mundo que tinha DVD em casa, ia todo mundo na casa de um assistir o filme, sentava no chão, e eu assisti aquele filme, me incentivou bastante, a querer, porque aquela história dos Dois Filhos de Francisco, do pai dele correndo atrás, a morte do irmão, é um filme que eu já assisti umas três vezes, já cheguei a chorar de emoção, porque é muito forte e que me incentivou também. Quando eu assisti falei, “Nossa!”, isso eu criança, “a vida é tão simples”, depois você vê que a vida não é tão simples assim, só que no final dá certo. Isso fez com que eu também me incentivasse.
P/1 - Você falou que teve essa vontade na infância, e aí, como é que aconteceu isso? Você tocava música, o pessoal tinha interesse no bairro onde vocês moravam, e como começou esse negócio da música?
R - O meu pai. Bem na infância eu já pegava, foi muito pra frente, sabe? O pessoal tava na rodinha, eu entrava lá no meio, sentava e queria ver, pedia pro cara, “como é que faz isso? Como é que toca aqui?”. Eu perguntava muito. O meu pai ele era catire, mas não catire de dança, aqui na nossa região, não sei como é que fala nos outros lugares, eu sei que no Goiás fala gambira, troca de coisa, “vou trocar esse sofá a troco dessa sanfona aqui, e você vai me voltar tanto”, então meu pai fazia muito isso, essas trocas, essas catiras. E o que que acontece? A sanfona, o violão eram coisas que vendia fácil. Então, meu pai sempre tinha sanfona e violão em casa, não que ele tocava, mas ele tinha, porque vendia rápido, ele trocava. E ele tendo, eu tocava em uma, tocava na outra, e ia pegando, pegava com o vizinho algumas notas, ai eu via um vizinho fazendo uma nota, decorava, perguntava como é que era, ele me falava, eu tenho até um primo, o Zé Dito, ele me passou bastante notas no começo e eu fui pegando sozinho, fui aprendendo, escutando a música e fui tirando.
P/1 - Em que você aprendeu primeiro? De instrumento.
R - A gente não sabe, porque quando a gente é criança, é aquela coisa, a criança é sempre bonito o que ela tá fazendo, né? Então, eu criança tocava percussão. O pessoal tava cantando, eu pegava um balde, eu batia, eu tocava triângulo, eu tocava sanfona, só que como era criança, a gente não sabia se tocava certo. Se é criança e tá tocando no tempo, bonitinho, tá certo, mas a gente não sabe se tava certo. Eu acredito que com uns 13, 14 anos comecei a desenvolver, a tocar mesmo. Acho que nessa idade, 10, 8 anos, tocava mais por diversão, mais na onda, e nessa idade, 14, 13, 15 anos que eu comecei a pegar a coisa. Nessa época que os meus vizinhos, meus parentes foram passando as notas, meu irmão também, começou a fazer aula particular, pra aprender, aí ele pegou um livrinho. Eu peguei e colei nesse livrinho com as notas e fui pegando.
P/1 - E você começou pela sanfona ou pelo violão, além dessa brincadeira que você contou de bater no balde, depois você começou a aprender efetivamente, você começou com qual instrumento?
R - Então, lá em casa tinha tudo, né? Eu pegava um pouquinho de cada. Mas o primeiro instrumento que eu toquei assim certinho, que eu peguei bem, foi o violão. Violão toquei, e as percussão. Porque a percussão você pegava o ritmo. Era muito comum lá na rua de casa o pessoal tocar colher, pegava duas colher assim e bate no joelho, não sei se vocês já viram. Tocar colher é difícil, não é qualquer um, é aquela coisa, essa colher todo mundo queria tocar, porque você pegou duas colher, faz aqui, quem tava tocando ali era muito chato, não deixava qualquer um tocar colher. Eu era louquinho pra pegar a colher.
P/1 - Mas você chegou a aprender?
R - Cheguei. Aprendi a tocar colher, triângulo, pandeiro, esses instrumentos de percussão a gente tocava.
P/1 - Vou só voltar um pouquinho, depois a gente volta na música, que a gente vai falar bastante disso. Você falou da infância e tem muita ligação com a música, e tudo mais. Fora a música, você começou a falar que jogava bola, que mais você fazia na infância de brincadeira que você lembra, dessa época aí na rua, além da música, que a gente entendeu que você tinha bastante. Você falou de jogar bola, quais eram as brincadeiras que rolavam nessa época da infância, que você lembra?
R - Jogar bola, pique esconde, essas coisas de criança mesmo. A minha infância foi muito bem vivida. Hoje a tecnologia tá aí. A realidade da minha infância e a realidade das crianças de hoje mudou. Mas a minha infância foi totalmente à moda antiga. Porém, não na roça, é uma moda antiga pra hoje em dia, porque pra mim, a moda antiga era lá na roça, entendeu? Então, eu estou nesse meio termo, que é brincar na rua, jogar bola, brincar de golzinho, pique esconde, pega na molambo e todas essas coisas.
P/1 - Não, essa aí eu não sei, qual é essa?
R - Pega na molambo?
P/1 - É, essa eu não conheço, explica pra mim, por favor.
R - Fica umas 4 crianças sentada e uma fica com um chicotinho. A pessoa que está com o chicotinho, faz uma pergunta. Aí, as 4 que tá lá, vai uma por uma, igual no Raul Gil, no banquinho, um por um tenta responder. A que acerta, vem correndo e pega o chicotinho, e todo mundo tem que correr, bater a mão no pique, voltar e sentar, pro outro fazer outra pergunta. É mais ou menos assim. Não sei se ta certinho, mas o que eu recordo é mais ou menos isso. Era o máximo, né? Criança gosta disso. De correr, de desafio, de pergunta e resposta.
P/1 - Você começou a falar um pouco do seu bairro também, da rua, que uma atravessava a outra, me conta um pouquinho do seu bairro, da sua casa, como é que era lá, nessa época da infância?
R - O bairro que eu moro hoje, que é o mesmo da minha infância, eu acho que é um dos bairros mais antigos da cidade. Então lá, todo mundo que mora lá, e que morava, hoje mudou um pouco, mas que morava geralmente, era família, era parente, e todo mundo se conhecia. Era bem isso.
P/1 - Qual é a diferença do bairro nessa época da sua infância, apesar de você ser um rapaz jovem, já tem um tempo de vida aí, você falou que era de um jeito, e agora mesmo, falou que a vivência das crianças, por exemplo, é outra. Qual a diferença que você vê no bairro, daquela época para a época de hoje?
R - Era mais movimentada de gente e menos movimentada de veículos. Hoje você vê muita moto, muito carro, muita bicicleta. Antigamente, você via mais gente, muita gente, muito cavalo, muita carroça. Hoje já não tem isso. Raro. Na minha infância tinha muita carroça, apesar que o bairro que eu moro, na minha infância, já era asfalto, tinha uns que não era, igual Cidade Nova, algumas ruas não era asfalto, mas lembro muito disso de carroça, pouca gente que tinha carro.
P/1 - Deixa eu te perguntar, a gente tinha falado da questão da educação, como foi nessa época da infância? Queriam que você fosse pra escola, não queriam, como era essa história?
R - Eu sempre fui muito dedicado ao estudo, sempre gostei de estudar. Então, meus pais não tiveram esse problema. Meu pai era muito rígido. Nós tínhamos que estudar e tinha que trabalhar. Comecei cedo. Meu pai me levava, meu pai era pedreiro, aí ele trabalhava na construção civil, levava a gente pra trabalhar. Depois eu fui trabalhar em oficina de carro, bem cedo. Comecei a trabalhar com 14, 13 anos. Era aquela coisa, igual meu pai falava, levava só pra distrair, que trabalhar não trabalhava não, mas era direitinho. Meu pai levava, dava pra gente trocado, pra incentivar, aí eu sempre trabalhei, sempre estudei. Conclui meu ensino médio sem bombar, sem nada. Fiz alguns cursos profissionalizantes, depois eu fiz curso técnico de segurança do trabalho, e tô indo. Eu não fiz faculdade, não sei se vou fazer, vamos ver como é que vai o decorrer da vida. Eu sou uma pessoa que eu tomo muita decisão no hoje, eu não sou aquela pessoa que fala, “não, eu vou fazer isso ano que vem”, eu vejo o que minha vida ta proporcionando e falo, “não, vou ingressar nisso, que eu acredito que isso no meu futuro vai agregar”. Eu vivo a vida muito assim.
P/1 - Agora a gente vai voltar pra música. Nessa época de adolescência, lá nos 15, 16, que você tava contando, você começou a aprender os instrumentos mais da forma corretinha, foi pegar o violão, depois veio a sanfona. Nesse período você estava trabalhando, estava estudando, estava aprendendo música também, como é que foi essa época ai?
R - Adolescente reclama que não tem tempo, né? “Como é que você não tem tempo?” “Quando eu tinha a sua idade, fazia mil coisas”, falam “mas você não dormia?” Dormia muito e bem. Conciliava. Porque assim, eu trabalhava de manhã, ou vice-versa, quando eu trabalhava à tarde, eu ia com meu pai trabalhar, e à noite eu fazia isso. Só que foi época, né? Teve uma época com meus 16, 17 anos, que eu larguei tudo e fui mexer só com a arte, eu trabalhava em uma oficina, de um tio meu, perto de casa, e eu estava até conversando com meu pai, meu pai falou comigo assim, “ó cara”, meu pai era bem duro, bem rígido pras coisas, “cara, esse negócio de música, você tem que dedicar mais, porque você é um adolescente, você não precisa de trabalhar”, eu mais meu pai a gente dialogava muito, era bem tranquilo, nem parecia que era pai e filho, parecia mais amigo, “então, você tem que aprofundar nesses trem aí, porque você não tá cantando legal, você tá desafinado". Eu era besta, se você cantasse uma letra errada, “você contou uma letra errada”, eu escutava muito ele, sabe? Escutava muito os conselhos dele. Aí, eu fazia um curso de manhã no SENAI, trabalhava a tarde na oficina, eu tinha 16 anos, e estudava a noite, então eu tocava ali na hora do almoço, lá naquela idade de adolescente revoltadinho. Eu escutei ele, né? Falei, “não, beleza”. Saí da oficina, como o curso era só um ano, era um curso de soldagem industrial, eu fiquei no curso, indo, beleza, na parte da manhã, saí da oficina, fiquei estudando a noite, na parte da tarde, eu conheci a Casa da Cultura, que acontece? Eu queria fazer teatro, eu pensei assim comigo, meu pai falava muito que eu tinha que aprender falar, aprender a conversar, essa coisa, falei, "pô, mas eu toco, então eu vou ir em uma coisa que eu não tenho”, aí eu procurei o teatro, “vou entrar no teatro”, aí lá no curso que eu fazia, o professor de teatro, que é o Gilber, tem um irmão que é professor de educação física, que trabalhava no SENAI, e ai, o professor meu de soldagem industrial, pegou o contato do irmão, do professor de teatro, me passou e eu fui fazer aula na Casa da Cultura. Só que quando eu cheguei, conheci o professor de sanfona, amigo do meu pai, entrei na aula de sanfona, entrei na aula de forró, entrei na aula de piano, fiz tudo. A diretora queria me matar, falava, “nossa menino, você tá em tudo, como que você entrou em tudo aqui?”. Eu falei, nós somos bem amigos, sabe? Na época, a diretora era a Graciele, ai ela fez até um trabalho comigo, muito legal, sou grato até hoje, que eu comecei a fazer tudo, fazia aula de teatro, aí eu entrei na banda Lira, entrei no grupo de dança afro, com a Cacau e a Rose, e aí fui fazendo tudo. Quando eu tava fazendo tudo, ela chegou em mim, a Graciele, “nossa, Jean, você tá fazendo tudo aqui. Pode continuar a fazer, vai fazendo, depois faz um trabalho comigo com filmagem”. Incentivando, né? Os jovens a mexer mais com a cultura, até procurando uma forma legal de ocupar o tempo. E continuei fazendo arte.
P/1 - Você chegou a fazer teatro, como você estava falando, tem música, um monte de coisa. Mas você enveredou por uma vertente um pouco mais cultural e meio antiga, né? Um cultural meio antigo, as questões das folias, do tipo de música que você toca, até da própria sanfona, por que enveredou por esse lado?
R - Hoje eu tenho uma dupla sertaneja, João Pedro e Jean. Nós cantamos muito música sertaneja antiga, modão, cantamos músicas atuais também, comerciais novas, mas tem essa coisa de cantar também. Eu acredito que por causa da família mesmo. Você tocou no assunto da folia, é até interessante, né? A folia hoje é um patrimônio histórico, né? E tem um toque meu nessa história, muito interessante e muito engraçado. A Teresinha, historiadora, estava fazendo uma palestra sobre a folia na Casa da Cultura, com os alunos de Delano Brochado, uma escola lá de Paracatuzinho, pessoal do EJA, se eu não me engano. E como a gente estava fazendo curso de teatro lá na Casa da Cultura faz muito barulho, aí pra gente não atrapalhar os alunos dos cursos de coral, teatro, de tudo, a gente foi lá assistir essa palestra também. Ela começou a falar da folia da cidade, da folia de 20 anos, e tal, e eu levantava a mão toda hora, “não é assim não, é assim”, e ela falava, e eu, “não é assim, é assim”, e eu falei assim, “essa mulher vai querer me matar”, mas só que porque a folia, ela já tinha uma historia de minha família, então, ela estava contando a historia de uma folia de 20 anos, em que a historia da folia tinha mais, se não me engano, deve ter uns 300 anos. Então, me doeu ali, aí eu falei, “não, isso tá errado, vou meter meu dedo no meio”, e levantei, falava “não, é assim”. Aí, quando viu alguns meninos que tinha algum pai, ou alguma mãe que era da folia, falava “não, realmente é assim”. Beleza, acabou a palestra, aí ela foi lá, “Ô menino, vem cá, pois é você me arrebentou na palestra, agora você me devolva, eu quero que você me dê o telefone de todo mundo dessa folia, eu quero que você me leve em todo mundo dessa folia, que nós vamos fazer um trem com essa folia, nós vamos deslanchar essa historia, que eu como historiadora de Paracatu não sabia, isso não pode ficar escondido”, tanto é que eu passei o contato de todo mundo, ela fez todo um trabalho que se tornou, hoje se não me engano, Paracatu tem não sei quantas folias, tem folia de Nossa Senhora da Abadia, do Divino, da Aparecida, Santos Reis, só que a mais antiga, é essa da região de Soares, do Nolasco, que tem um pouco da minha família, tem um pouco de várias famílias de Paracatu. Tem uma também, eu não sei a região, mas ela é na divisa de Paracatu e Goiás, ali quase chegando em Cristalina, tem uma região lá que também tem uma folia que é bem antiga, que deve ter quase 200 anos também, que é a Folia de Reis. Fiz muitos trabalhos no teatro. A gente viajou. Participei de festival. A gente fez um espetáculo que rodou um ano apresentando que é o Saltimbancos, um musical. Eu interpretava o cachorro. Participei do grupo de dança Afro Ngonda, onde a gente apresentava o maculelê, puxado de reis, de dança do fogo. Eu não faço parte da cultura da caretada, eu não conheço muito, mas a gente fez um trabalho também com a caretada, e eu aprendi a dançar um pouquinho, estudei as música e fiz uma apresentação com o grupo de dança da Casa da Cultura. A gente viajou pra Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e eu acabei pegando essa coisa da caretada também, porque aí já não faz parte da realidade da minha família, já é outra região, mas acabei que foi uma coisa que eu também, nessa vida na arte, peguei.
P/1 - Vamos continuar nessa vertente, mas eu vou voltar um pouquinho, porque eu quero entender um pouco mais, porque você falou que a sua família tinha uma relação com a folia, e você falou até que quando a historiadora foi falar da folia, você tinha uma vivência, ela tinha um conhecimento teórico e você tinha um conhecimento de vivência. Por que você tinha uma relação com sua família, conta um pouco dessa relação da folia e da sua família, como era isso?
R - A história da folia que uma senhora me contou, ela é até prima minha, terceiro, quarto grau, uma senhorinha, ela deve ter uns 80 anos. Um dia quando meu pai faleceu, eu me aproximei dela, até pra saber um pouco da história dele, porque ela conviveu com ele na infância, eu fui conhecendo ela mais, a gente conhecia ela nas festas. Ela é prima minha da parte de pai e da parte de mãe também, que eu não sabia. O pai dela é parente de pai, e a mãe dela é parente de mãe, aí ela conhece muito minha família. Ela se chama Dona Canduxa. Ela me contou uma história da folia, como é que foi contada pra ela, pelo o que eu entendi, pelo o que ela me contou, a folia é muito antiga. Segundo ela, os antepassados nossos, a maioria deles tudo cantava e tocava na família, tinha muito isso de tocar sanfona, de cantar, era um pessoal muito festeiro, acho que vem dessa coisa do Brasil, descendência do índio, mistura com o negro, o português com a viola, e vai misturando tudo, então, já tem isso. O índio trás a dança, o negro trás os tambor, a percussão, e o português vem com a viola, com a sanfona lá da Europa. Ela contou que o pessoal era muito religioso, era um católico, a religião da família era católica, mas era um católico mais aprofundado no espiritismo. Aquela religião antigamente católica, era como se fosse misturada. E como era muito dedicada essa coisa de santo, uma pessoa, se não me engano, chamada João, ele teve um filho, que nasceu no dia de Santos Reis, aí o que aconteceu? O padrinho dele, que batizou o menino, que colocou o nome dele, acho, de José dos Reis, que era irmão do João, falou assim, “vamos fazer uma folia, para homenagear o menino”, se não me engano o menino nasceu com muito saúde ou com pouca saúde, porque ela me contou muita coisa de uma vez, às vezes a gente esquece de alguma coisa, aí eu não sei se ele nasceu com muita ou pouca saúde, que eles fizeram essa folia, para comemorar o nascimento desse menino. Aí juntou a família toda, alguns vizinhos que tocavam uma sanfona, na história dela não conta as músicas, se eles criaram, se já existia, e criou a tradição. “A partir do ano que vem, dia 25 de dezembro, a gente faz a ceia do natal, monta nos cavalinhos, vai sair, vai girar, vai cantar em todas as casas, que nem os três reis magos fizeram pra visitar Jesus, no dia 6 vai chegar, vai entregar o ramo pra outra pessoa continuar, e assim faz a festa no dia final”, e assim nunca acabou. A Folia de Reis hoje, da região de Nolasco, Soares, Nogueira são duas folias, porque o pessoal foi gostando daquilo, foi crescendo, e parece que tem um limite de folião, né? Tem o que carrega a bandeira, o que toca viola, não pode exceder. Ficou grande, eles foram, partiram no meio e criaram outra tradição, que uma vai por um caminho, outra vai por outro, e eles se encontram no final, e faz a despedida e passa o ramo. O que é a passagem de ramo? Eles passam a rosa, cantam com a rosa na mão, os festeiros, que são quem fazem a festa, passa o ramo pra outra pessoa, para outra pessoa fazer a festa no outro ano. Todo ano tem isso, uma mega festa, que vai por volta de 5 mil, 3 mil pessoas. Na roça, o pessoal gira a cavalo, tudo dessa forma.
P/1 - A sua família participava disso também, que até você começou a contar que montavam as barracas, socavam o chão, qual é a participação da sua família? Porque você estava envolvido nisso, pelo menos na infância você tava com eles, como é que era isso?
R - Igual eu contei, igual a senhora me contou, nasceu com os antepassados meu, né? Então, a minha família nasceu naquilo. Alguns daqueles festeiros, às vezes, eram tios meus, parente meu. O meu avô mesmo era folião. O que acontece? Quando não tem a folia, ela não pode acabar. Quando não tem festeiro pra pegar o ramo, os foliões realizam a festa. Minha família nasceu naquilo. Acho que dos meus tios homens, só o Geraldo que já entrevistou ontem, que não é folião, eu também não sou folião, mas eu tô lá dentro sempre, eles até me chamam, me convidam pra ir sempre, só que eu nunca tive o prazer de participar e ir lá todos os dias, quero um dia poder. Vamos ver como é que concilia o tempo.
P/1 - Como você participa disso desde a infância, você viu isso acontecendo. Como era pra você, qual era a sensação que você sentia, olhando pra esses tios, seu pai que era um folião, qual era a sensação de quando você estava lá quando criança?
R - Era muito divertido, porque era muita festa, era muita fartura de comida típica. É muito doido, porque começava bem cedo a festa, 3 horas da tarde já tem gente lá esperando a folia chegar, você não sabe que horas a folia vai chegar, mas o pessoal já vai cedo, porque se ela chegar cedo e a gente sabe como é o caminho, que no caminho você pode enfrentar chuva, sol, pode ter muita casa, cada casa você tem que parar e cantar, entrar, sair e rezar, então quando tem a festa, 3 horas da tarde, 2 horas da tarde já começa, aí faz biscoito, assa pão de queijo, já faz o doce de leite, vai preparando pra fazer a comida. Depois que tem a passagem de ramo, tem a festa no final, um forrozão. Quando a gente é criança, é muita alegria, dançar, divertir. Menino gosta é da folia mesmo.
P/2 - O menino vai gostar é da bagunça. Pra você, Jean, trazendo pros dias de hoje, isso ajudou você ser multi instrumentista, né? Igual você citou que toca vários instrumentos, você acha que essa parte, que a família trazia essa questão da cultura, do canto, da música, você acha que ajudou você hoje a se aperfeiçoar nessa parte?
R - Na parte da música, na parte técnica de música, de teatro, de tudo não, porque isso eu peguei aqui na Casa da Cultura, com os professores. Agora, na parte de conhecimento histórico, sim. Porque, por exemplo, a gente tá com historiadora e ela fala coisas que eu sabia, isso pra mim eu fico muito feliz, porque é uma coisa que eu tive a sorte de conhecer, não foi eu que procurei saber, estudei. Ela tava ali estudando a cultura, e eu já tinha uma coisa ali nas mãos, sem procurar, então às vezes a gente tem coisas na mão, a gente não sabe a grandeza do valor, nessa parte da família, essa grandeza. Eu acho que me ajudou muito, essa coisa cultural, essa coisa de história. Hoje eu sei contar a história pra uma pessoa, às vezes uma pessoa que não conhece a cidade, por causa dessa cultura da família. Na parte da música, foi mais a Casa da Cultura, os professores, porque eu comecei a entrar nos grupos, pegar o pessoal profissional passando bastante técnica.
P/1 - Pra gente seguir mais ou menos uma linha, logo você começou a aprender os instrumentos, já estava ficando mais velho, 16, 17, 18, foi passando o tempo, você foi entrar na Casa da Cultura, aí você falou que uma das questões é que as pessoas mais jovens não tinham essa formação ou, não seguiam mais essa formação de cultura mais antiga, dos antepassados, como você vê isso hoje?
R - Então, depois que a folia se tornou um patrimônio histórico, a folia na zona rural da cidade, hoje tá legal, hoje tá lindo, hoje qualquer pessoa de Paracatu sabe o que é uma folia, que que tem, né? Se pegar uma pessoa, um menino de 15 anos, 14 anos, vai perguntar sobre a folia, vai falar, “sei que é folia, ela passa lá na rua de casa”. Hoje existe muita folia, foi criado outros grupos. Se não me engano, parece que eles estavam com um projeto de criar uma folia só de mulheres, não sei se esse projeto existe, quando eu estava com a Terezinha, que eu passei algumas informações pra ela, então a ideia era que a folia engrandece, que criassem vários grupos, e hoje eu vejo muitos. Esses dias eu vi no jornal virtual uma folia de Nossa Senhora Aparecida, que foi lá na Chapadinha que aconteceu, no dia 12 de Outubro. Eu vi aquilo, eu tava no trabalho e vi no telefone, fiquei muito feliz. Hoje tá grande essa cultura da folia em Paracatu, tá legal. Porém, nesse meio termo, ela só tava na zona rural, aí teve uma (coisa) que fez com que acontecesse tudo isso. Tá fazendo. Tomara que continue, né? Tem que incentivar os jovens a continuar nessa cultura.
P/1 - Estou vendo que você se envolveu com essa cultura e nesse período que tinha esse pessoal que tinha sua idade, que era jovem, não estava se envolvendo, como você falou, teve um período no meio do caminho, que estava morrendo um pouco com essa cultura, porque você acha que aconteceu esse resgate?
R - A realidade da zona rural é a seguinte, como o mundo vai evoluindo, as pessoas tendem a vir pra cidade estudar, um pai que era folião, deixa de ser pra vir trabalhar, estudar. Aí, ele cria o filho e às vezes não passa a cultura. Aí vem outro, outro, e aquele senhorzinho que já é aposentado, que tava na roça levando aquela vida, falece, e vai acabando um, vai acabando outro. Eu acho que a folia acontecendo na cidade e na roça, acho que é a chave pra não morrer a cultura, é lógico que vai ter que adaptar, né? Não vai girar a cavalo, vai ter que girar a pé, porque girar de carro, o trânsito não vai dar certo. Então, tem que girar de pé, vai nos pequenos bairros, eu acredito que vai fazer com que continue. Inclusive, no bairro Paracatuzinho mesmo, tem muita folia, porque muito pessoal da Folia de Reis daquela região mudou-se para o bairro, muitas famílias. Ali tinha muita folia. No Bela Vista tinha só uma só, que era lá perto de casa, tinha um pessoal lá na rua da minha vó que fazia uma folia, não lembro qual santo que era, mas tinha.
P/1 - A gente tinha falando um pouco sobre o Machadinho, onde seus avós estavam e seu pai também era de lá. O que acontece lá, como é sua relação hoje e da sua família com o Machadinho?
R - Na verdade, o Machadinho eu não vivi lá, só sei de histórias que o pessoal conta, histórias de assombração, que nem contava pra criança passar medo, aquela coisa, né? História de coisa que aconteceu lá, da minha bisavó. Uma coisa legal que eles contam sobre as espoças. Tinha muita gente que casava com índia e pegava a índia no laço. Tinha muito essa história “a sua vó foi pega no laço”, uma história que é marcante, que eu vejo lá de Machadinho é essa coisa de pegar a índia no laço e casar, né? Isso, deixa eu ver o que mais.
P/1 - Mas tem alguma história na sua família que você lembre que eles contaram? Que aí você tá falando da cultura do lugar, tem alguma história na sua família assim? Teve alguma mulher indígena que foi pega no laço, como você tá contando? Ou não, isso era um geral?
R - Não, no geral, e tem também, não sei quem, mais antigo tem, alguém foi pego no laço, mulher, isso em Paracatu tem muito. Se pergunta pra uma pessoa de Paracatu, a tataravó dela foi uma índia pega no laço, e o cara casou com ela. Tinha muito disso, desses casamentos forçados.
P/1 - Você não morou no Machadinho, sua família que teve lá e, lógico, eles trouxeram a cultura e você está multiplicando hoje, dos seus ancestrais, mas como você sabe que está o Machadinho hoje? O que você sabe de lá hoje?
R - Então, sobre o Machadinho, pelo o que eu sei, hoje não reside mais pessoas lá, porque tem a mineradora. A mineradora é na região de Machadinho, então não existe mais, as pessoas mudaram pra cidade, do Machadinho e de algumas outras regiões, que quando chega empresa, ou mineradora, ou usina, a gente pega essa zona rural, aí às vezes a comunidade acaba. Mas as pessoas ainda estão aí, se conhece, mas sobre morar lá eu não sei de ninguém que mora lá ainda da minha família, talvez more e eu não sei.
P/1 - Eles trouxeram um pouco dessa cultura de Machadinho pra cá? Eu sei que quando você chega na cidade você acaba mudando muito, por causa da própria dinâmica da cidade, mas você acha que alguma coisa da cultura se preservou?
R - Essa coisa de festa, tem a reza e tem a folia. Pessoal confunde muito, até fico bravo, “oi, eu fui na festa de Reis lá na casa da sua vó”, “não, você foi na festa de reis” “não, você foi na reza”. Você foi em Junho, tem a reza e tem a folia. A reza é diferente da folia. A folia dura muitos dias. Começa no dia 25, na tradição, e vai até o dia 6, no dia 5 para o 6, que é na virada que canta.
P/1 - De dezembro para Janeiro?
R - Não, na virada do dia 5 para o dia 6, porque o dia do santo é o dia 6, não tem aquela coisa de cantar parabéns meia noite? A meia noite que faz a passagem de ramo. Então, a festa começa no dia 5. A reza é diferente. A reza, por exemplo, no dia do santo São João, tem muita reza de São João, que é dia 24 de Junho, vai os rezadores, eles fazem um altar, é um dia só, eles rezam uma ladainha, faz uma sete reza lá, tem um livrinho, é legal que tem aquele livrinho antigo que vai passando de geração, em geração do rezador. E assim, não é qualquer um que é rezador, às vezes tem que buscar. Eu lembro que uma vez a minha vó mudou a data da reza porque o rezador ia rezar em outra reza, era em uma roça e teve que ir buscar ele, e não é qualquer um que reza não, é chata a coisa. Aí tem o rezador, eles fazem um altar, reza, passa o ramo também pros festeiros, no caso da reza não é festeiro, eles falam juiz. O juiz já tem uma casa, na folia de Reis, se você pegou o ramo pra festa, você pode fazer a festa na casa, na associação. Na reza, não. Eu faço a reza, aí o juiz pega a rosa, passa um pro outro, e no outro ano ajuda a fazer a festa. Eles não fazem a festa, eles ajudam. Eles tem que estar lá para, por exemplo, correr atrás do rezador, buscar, eles tão ali pra dar um apoio, e aí a reza é só em um dia. Depois que reza, tem o forró, tem a festa, tem as comida que serve, só que aí, por exemplo, na festa de São João, tem quadrilha, pescaria. É outra época do ano, é uma época de frio, tem fogueira. Na festa de reis já não tem essas coisas, já tá em uma época de chuva. Tem essa diferença. A folia vem mais da família da minha mãe, da mãe da minha mãe, da minha vó, que é esse pessoal de Nolasco, Dobera, Soares, e a reza é mais do Machadinho, mais dos Quilombolas, principalmente essa coisa de São João, porque a população negra, é muito devota a São João, tem muita festa de São João. A caretada mesmo é no dia de São João, então o que o Machadinho traz pra mim de referência é essa tradição das festas de São João, dessa reza.
P/1 - Você falou da reza e no meio do caminho falou de uma coisa que eu fiquei com curiosidade, que é a questão da comida, você falou, “tem as comidas também”, que comidas são essas?
R - A comida, ela tem uma certa tradição. Por exemplo, na festa de São João, o que vai ser comida? Cartucho, canjica, galinhada, feijão tropeiro, quentão, deixa eu ver o que mais tem, vinho, né? O vinho, nas duas tem. Porque assim, tem umas coisas que os festeiros, eles dispõem pro público que está lá, para os devotos, nessas festas não se vendem as coisas, todo mundo ajuda a fazer a festa, o juiz com o pessoal, às vezes até uma pessoa que vai lá, que não é juiz, que não é nada, todo mundo realiza a festa.
P/1 - Ajuda como? Financeiramente ou a fazer?
R - Os dois. Por exemplo, você é o juiz, mas não é financeiro de dinheiro, compra o milho, “vou vir aqui no dia da festa e ajudar cortar os bambus para fazer o barracão”, ajuda dessa forma, para fazer a festa. Aí a comida muda, as mesmas comidas de festa junina. Na festa de reis já é diferente, é biscoito, tem a tradição, serve pão de queijo com doce de leite até umas 6 horas da tarde, café, e a noite a janta, que mata a vaca, aquela comida, arroz, feijão, salada, a carne de gado, faz muito almôndega. Então, a comida muda da festa de reis, da festa de São João.
P/1 - Você falou no meio do caminho, “não, vou me dedicar a ser artista, vou pra Casa da Cultura, aprender um monte de coisa”, foi fazer teatro, se enveredou nisso, você tem outro trabalho paralelo? Você tinha contado, mas o seu trabalho, aquele que você se dedica, aquele que é o que você gosta de fazer é como artista, né? Como é essa vida na arte hoje?
R - Eu fazendo teatro, música, cantando, quando a gente pega aquela idade de 18 anos, a gente tem que trabalhar, né? A gente vai vivendo ainda com os pais, mas depois chega uma hora que os pais apertam a gente, isso é comum. Todo mundo passa por isso, ou trabalha, ou estuda, ou faz os dois, ou toma rumo. E eu nunca deixei de cantar, de fazer arte, mas também nunca deixei de trabalhar, então eu tento conciliar o tempo. Hoje eu trabalho em um lugar de turno. Tenho sorte que eu trabalho 4 dias e folgo 4, então tá muito bom pra mim, sabe? Porque é essa coisa de acontecer da gente ter um show fora da cidade, a gente consegue ir e voltar. Hoje estou me dedicando mais à música, devido esse trabalho.
Às vezes as pessoas falam, “Pô! É domingo, você tem que trabalhar!” Mas pelo contrário, me ajuda bastante, que eu to ensaiando, eu tô cantando, e hoje eu… como é que é a palavra? Perdi a palavra.
P/1 - Coincidiu?
R - É, é isso
P/1 - Conciliou?
R - É, só que eu ia falar outra coisa, esqueci
P/1 - Não, tudo bem.
R - Então, hoje dá certo fazer tudo isso, mas no meu caminho ali dos 18 anos até hoje, que eu estou com 24 anos, que são 6 anos na música, teve épocas que deu uma caída, pegava o violão uma vez na semana, pegava a sanfona… A sanfona tem uma história também, a sanfona é um instrumento, a gente até comentou, né? A sanfona é muito cara, então pra mim ter essa sanfona aqui deu um trabalhozinho. Ela tem um ano, e meu pai deixava a gente tocar sanfona, só que ele sempre vendia. Então, ficava épocas sem. Até a primeira sanfona que eu comprei, meu pai me emprestou o dinheiro, falou “não vou te dar a sanfona, porque se eu te der você nunca vai aprender a comprar as coisas e dar valor, porque tudo que é dado você não dá valor e você tem que ter um porque de você ganhar algo”, aí apareceu o cara vendendo, ai eu liguei pro meu pai, “pai, tem um cara vendendo uma sanfona”, falou, “vou te emprestar o dinheiro”. Emprestou, comprei, depois paguei ele parcelado, que nem faz com o banco. Aí eu fui nessa sanfona velinha, barata, fui trocando, igual ele fazia, vendi, que ele vendia uma, trocava outra, até eu chegar nessa, que é uma sanfona que é boa, que ela faz um trabalho legal. A gente tem que conciliar tudo, se eu não trabalhasse e só tocasse seria mais difícil conseguir essas coisas materiais, se eu só trabalhasse e não dedicasse. Se você não praticar, ficar só no dom, não leva a ouro. Então eu sempre tentei fazer os dois ao mesmo tempo, no tempo certo. E eu tô conseguindo até hoje, nesses seis anos. Depois da maior idade.
P/1 - Você estava contando pra gente que seu pai morava no Quilombo, mas ele não necessariamente era quilombola, assim como sua mãe que era de antepassados Quilombolas, Por que ele absorveu a cultura, como é que é essa história na sua família?
R - Então, o meu pai, a mãe dele era da comunidade Santa Rita, e o pai dele da comunidade Machadinho, meu pai nasceu no Machadinho, só que meu pai, os parentescos dele, os antepassados não era de Quilombo, não era de descendência, tanto que é a família do meu pai são toda de característica mais europeia, de olho claro, de cabelo loiro, só que eles estavam lá, não sei o porquê, se eles vieram de outra cidade, comprou um terra lá, e morou lá, mas aí ele é considerado Quilombola porque tava lá, e toda a família dele foi casando com Quilombolas, e misturou tudo. Eu acredito que tem mais pessoas igual a família do meu pai na comunidade Quilombola, que foi misturando, comprando a terra. Porque a terra do Machadinho é uma terra muito boa pra se plantar, é uma região que tinha muito pique, muita fruta, muita coisa, então eu acredito que o pessoal que vinha de fora, aquela terra agradava pra plantar, pra criar. Acredito que a família do meu pai veio disso, veio de outra cidade e comprou lá. Só que o meu pai, e a mãe, e o pai do meu pai, o que eu sei de história deles, é que eles eram de lá.
P/1 - E a família da sua mãe era Quilombola mesmo, ela é de descendência?
R - A família da minha mãe é Quilombola, descendência Quilombola de Machadinho, tudo de descendência.
P/1 - Agora a gente vai se encaminhando pro final. Eu faço umas perguntas que são de praxe. Jean, eu queria perguntar pra você, se você tem algum sonho, e se você tem, qual é?
R - Na verdade, eu traço muito metas, acho que o meu sonho, eu acho não, o meu sonho é quando eu morrer, quando eu não estar aqui mais, eu ser lembrado. Isso aqui até me deixa emocionado e feliz, porque hoje eu tô realizando dois sonhos meus, porque é uma coisa que meu pai me falava e minha mãe me falava. Meu pai falava muito, “cara, se você quiser ser artista, artista tem que deixar história". Então, o meu sonho é esse, deixar uma marca na história. Porém, eu vivo traçando metas, eu faço que nem eu expliquei aqui no começo, vou trabalhar aqui, depois eu vou fazer isso, igual uma música na dupla minha, ela nasce de uma coincidência muito legal, eu tava numa roça com um amigo meu, aí eu falo com ele assim, e nós cantando lá, falei “eu entrei no curso técnico, e vou parar um pouco de mexer com música e vou estudar, depois vou pra faculdade”, e ele, “não, cê é louco? Não faz isso. Vai trabalhando ali”, aí eu falei com ele assim, “eu queria montar uma dupla sertaneja, eu acho que me daria um gás”, porque eu não gosto e não sei fazer nada sozinho, odeio solidão, ai ele falou, “cara, tem um menino amigo meu de Goiás, que ele canta bem, vocês dois vai dar certo. Ele é um cara gente boa, me passou o contando desse menino, aí eu conheci. Hoje a gente é igual irmão, aí formou a dupla. Então, o meu primeiro sonho é esse trabalho musical,que essa dupla tenha um reconhecimento nacional um dia, faça sucesso. Depois, eu velhinho, não agora, quero me tornar um psicólogo, depois dos meus 40, 45, 50 que eu quero estudar. É muito louco isso “você quer estudar depois de velho?”, mas eu quero ter experiência de vida pra mim ser, entendeu? Então eu vou me dedicar à música até eu fazer essa idade, se eu ver que nessa idade não foi pra frente, indo pra frente ou não, nessa idade quero me dedicar a isso, quero ajudar as pessoas que tem problemas psicológicos, isso me corta, isso me toca.
P/1 - Muito bom. O Museu da Pessoa agradece a sua participação, agora você é uma peça de museu, você vai ficar aí, já é o primeiro passo.
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