P1 – Dona Maria, obrigado.
R1 – Por nada.
P1 – A senhora me fala o nome inteiro da senhora, onde a senhora nasceu, que dia que foi também?
R1 – Eu não sei a data do meu nascimento, nem o ano que eu nasci, nem o mês.
Porque, quando eu me entendi no mundo, meu pai não me mandou educar, não me deu a sabedoria de nada, senão trabalho de roça.
P1 – Mas o nome inteiro e o local.
.
.
R1 – Lá? Sítio Tapuó.
P1 – E qual é o nome da senhora?
R1 – Meu nome é Maria de Nazaré Menezes da Costa.
P1 – A senhora nasceu aqui em Barcarena?
R1 – Foi, sim senhor.
Lá naquele local lá, Tapuó.
P1 – Qual que é o nome?
R1 – Barcarena, Cafezal.
Município de Barcarena, Cafezal.
P1 – E teu pai, quem era teu pai?
R1 – Antônio Ferreira Tenor.
P1 – Ele era como, o teu pai?
R1 – Ele era baixinho assim, tipo assim, meio índio.
P1 – Ele era meio índio?
R1 – Ele era.
P1 – Por que ele era meio índio?
R1 – Porque ele foi criado lá na natureza, que estavam os índios.
Pai dele, mãe dele era, tudo por lá.
P1 – Era de que tribo eles?
R1 – Olha, eu não lembro.
Quando ele faleceu não me disse nada, não disse nadinha pra nós.
A minha mãe também, idem.
A nós nos criamos lá, ficamos já todos grandes, trabalhando sempre em lavoura, apanhando fruta: açaí e bacaba; juntando semente no mato, pra sobreviver na vida.
P1 – A mãe do seu pai, você conheceu? Pai do seu pai também?
R1 – Não senhor, também não.
P1 – E o nome da tua mãe, qual que é?
R1 – Geralda Menezes da Costa.
P1 – E como é que era sua mãe?
R1 – Minha mãe era mais forte do que eu, mais alta um pouquinho, mais clara também.
Ela morreu estava com 36 anos, morreu nova.
P1 – Ah é? Morreu jovem, ela.
R1 – Foi, morreu jovem.
P1 – Morreu de quê?
R1 – Olha, o problema é que ela pegou um sofrimento e foi rapidinho.
Ela estava com febre e foi pisando na água e estuporou.
Aí, disso, ela foi.
Que diante a doença e sofrimento da pessoa era assim, estuporava, não podia estar com febre pisando na água, tomar banho, fazia mal.
E hoje em dia, né?
P1 – Faz mal por quê?
R1 – Porque está com o corpo quente, aquela febre vai apurando no corpo da criatura.
Pisou na água fria, aí sofre.
Aí pega, o coração estupora na hora.
P1 – E a família da sua mãe é de onde?
R1 – É do Genipaúba, do município do Acará.
P1 – Vocês vieram para cá por quê? A senhora sabe?
R1 – Ela veio porque.
.
.
como diz? Gostou do meu pai, se gostaram e fugiram de lá para cá, pro Cafezal.
P1 – Mas fugiram de lá?
R1 – Foi.
(risos)
P1 – Por que eles fugiram de lá?
R1 – Porque eles se gostavam e o pai não deixava, porque era nova e também rapaz novo.
Ele tinha dezoito anos, ela tinha dezesseis.
Nesse tempo não podia, mesmo.
Aí via que não alcançava e ele fugiu com ela.
(risos)
P1 – Eles contaram para a senhora como eles se conheceram?
R1 – Foi, eles contavam sim, conversava, sabia tudo.
P1 – E a senhora nasceu, a senhora se lembra como era a casa da senhora lá?
R1 – Era de palha, coberta de palha sempre, assoalhada de tábua de acapu.
A parede era de tábua também.
P1 – Lá no Cafezal?
R1 – Lá onde nós moramos agora, onde eu paro, é.
Onde eu construí minha família, tive meus filhos, foi lá, tudo lá.
Cafezal eu ia em passeio para lá, com a minha prima, que tomava conta.
Era faxineira de lá, eram três.
Duas irmãs e uma sobrinha.
E eu ia pra lá com elas passar o dia, sábado, domingo.
Eu ficava com elas.
P1 – Cafezal a senhora diz o casarão?
R1 – É, o casarão ali.
Ali só existia seis moradores, não é que nem está agora.
Sofrido, que não tem para onde ir, correr para fazer uma casa, que tudo é dono.
P1 – Ah, é?
R1 – É.
Agora é.
No meu tempo não era assim, não.
P1 – Quem que morava lá?
R1 – Eu não conheci quem morava lá.
Se passeamos para lá porque ficava distante, né? Tudo distante lá.
Administrador, que era Manoel Rodrigues, Antônio Rodrigues, aí eram os donos, administradores de lá.
Seu Dudu também, que a casa grande era dividida em três casas, pra três famílias.
P1 – Ah, é?
R1 – É.
E tinha a igreja que ficava bem no meio, casa pra cá e outra pra ali, tudo emendado.
P1 – Então, tinha três famílias na casa grande?
R1 – É, três famílias.
P1 – Por que tinham três numa só?
R1 – Por causa da família.
Por causa que fizeram da casa grande assim e fizeram a do outro administrador aqui, assim, desse lado, que gostava dali e a outra ficou ali do outro lado.
Fica só uma família na casa, porque é tudo conhecido, né? O dono mesmo era o finado Manoel Alves de Souza.
Era o dono.
Aí veio o ‘seu’ Henrique, que é o doutor, que era o dono.
O primeiro morreu, o pai dele e aí ficou ele.
Depois ele faleceu também, já ficou o filho dele, mora no Rio né, não sei.
É um riquinho por aí.
E a Doutora Dulce.
É um casal só que tiveram.
Aí não fizeram mais casa, ficaram lá o pessoal todinho, morando.
Um é dono, outro quer ser dono e sei que foi enchendo.
Que tem gente lá que eu nem conheço.
P1 – Hoje, né?
R1 – É, hoje em dia tem gente que eu não conheço.
Aí pronto, a pessoa não pode entrar por ali, porque é dono, não pode ir para ali, porque tem dono.
E é assim.
E eles enfrentam mesmo.
E eu paro lá no meu lugar, mesmo.
Como eu digo: não é herança, não foi o que meu pai deixou, não.
Eu arrumei uma pessoa que era dona, que se achava também, que me colocou lá naquela área.
Até aqui, graças a Deus, ela não me provoca com nada.
Eu estou bem.
P1 – E a senhora tem irmão?
R1 – Tenho, dois irmãos.
P1 – Quem são eles?
R1 – É Geraldo Menezes da Costa e Raimundo Menezes Ferreira da Costa.
Mora aí no Cafezal também.
P1 – Vocês, quando eram crianças, faziam o quê? Trabalhavam?
R1 – Era, trabalhava.
P1 – Trabalhava onde?
R1 – Na roça.
Na roça com mandioca, macaxeira.
Plantavam banana, apanhava açaí, bacaba.
O trabalho nosso era esse aí.
P1 – Fazia o que, comia, vendia?
R1 – Comia, vendia, comprava o que comer, alimento, calçado, roupa.
P1 – Tudo?
R1 – Tudo pra dentro de casa, mas dava.
E hoje em dia, né? (risos) O que a gente ganha não dá, como até essa metade.
P1 – E pescava também?
R1 – Pescava também.
Papai tapava o igarapé lá, pegava muito peixe.
Alimento só pra casa, pra família.
Nós éramos muitos, só era um peixe.
Quatro filhos e eles dois.
P1 – A senhora, como que era o dia da senhora, quando a senhora era menina?
R1 – Eu gostava de brincar só eu mesma, que era só eu mais criança, né? E tomar banho, quando eu deitava, dormia, que a mamãe fazia.
Ficava só eu em casa, com ela, com a minha mãe.
Meu pai saía o dia inteiro pra trabalhar, pra chegar de tarde, enfim e meu irmão mais velho.
P1 – E a senhora brincava do quê?
R1 – Com a minha boneca, né? A gente comprava aquelas bonequinhazinhas assim, né e era isso aí.
Entreter a vida.
(risos)
P1 – Brincava de esconde.
.
.
R1 – É, de se esconder, era assim.
P1 – A senhora gostava de pescar também?
R1 – Pescar só ia pra igarapé pescar, o igarapé.
Os peixes, camarão.
Ia com papai, a outra minha irmã.
P1 – Tomava banho no igarapé também?
R1 – Tomava banho no igarapé e hoje eu não gosto de tomar banho no rio.
Tenho medo, por causa de bicho.
P1 – Por quê?
R1 – Tem cobra, né? Sucuri _______ (10:00).
P1 – Não tinha antes?
R1 – Não, tinha, mas aí eu não tinha medo, né? Mas depois que eu me entendi mais no mundo, fiquei com medo, que a gente via os bichos lá pelo fundo e ficava com medo.
Não dava pra tomar banho, porque a água, hoje em dia, está poluída dessas coisas que tem no rio.
E faz mal pra gente, dá gripe, dá febre.
P1 – É verdade.
E de noite o pai da senhora, a mãe da senhora contava história?
R1 – Ai, papai contava muita história pra nós e aí a gente escutava até nós dormirmos.
(risos)
P1 – A senhora pode contar uma história que ele contava pra senhora?
R1 – Não, já esqueci.
P1 – Esqueceu tudo?
R1 – Esqueci, não sei, não lembro mais.
(risos)
P1 – Nenhuma?
R1 – Não.
P1 – Nenhuma da cultura daqui?
R1 – Não, não.
(risos)
P1 – Mas ele contava pra senhora dormir, era isso?
R1 – É, ele contava pra mamãe, que estava com os outros, meus irmãos mais velhos, né e eu pegava e dormia, porque era menor, cansada do dia, da lida do dia e dormia.
A gente ficava e depois também se agasalhava e dormia.
P1 – E a senhora gostava de trabalhar?
R1 – Gostava.
E gosto.
Pena que agora eu não posso trabalhar, porque eu já tenho idade de não trabalhar mais e aí eu fico aí só na manha.
(risos) Esperando que o filho trabalhe, a filha, né? Quem mais que me ajuda é essa aí, graças a Deus.
Tem uns doizinhos lá, umas crianças e __________ (11:37) está lá.
Ficaram até tomando até lá uma farinha, o negócio da boia.
P1 – E como é que é esse casarão? Esse casarão está lá por quê?
R1 – Olha, agora não está mais, porque destruíram.
Era, como eu disse um dia desses, para a menina lá presidente da comunidade: “Olha, Maria, não era pra destruírem a casa grande.
Era pra deixar lá, ela não incomodava ninguém.
Dava pra, hoje em dia, pra quem gosta, alugar pras pessoas, que tem muito pra acomodar”.
E agora não tem.
É bonita a casa, a casa e a igreja.
Deixaram tudo, destruíram tudo.
P1 – Mas por que que ela foi feita lá, essa casa?
R1 – Eu não sei.
Quando eu me entendi, meu pai dizia que eram os escravos que fizeram.
Tempo da escravatura.
É tão bom que nós moramos lá, tem o engenho lá, era outro casarão pra lá.
Quebraram tudo, arriaram tudo embaixo.
Só tem o engenho lá, largo assim, tinha dois cobertos, assim.
P1 – Era um casarão que tinha escravo?
R1 – Era, sim senhor, os escravos que fizeram.
P1 – Eles plantavam alguma coisa lá nesse casarão?
R1 – Não, não plantavam, nadinha.
P1 – E o dono que era essa família aí?
R1 – Dessa família lá, ninguém sabe quem era o dono.
Ninguém sabe se era o Dido, o próprio da fazenda grande, do Cafezal, né? Ou se era outro.
Mas a gente acha que era outro mesmo, porque não tinha morador nenhum.
P1 – Quando a senhora se entendeu por gente, não tinha mais ninguém?
R1 – Não tinha mais ninguém, não, morando lá.
Só nós mesmo, que nós morávamos lá.
P1 – E por que falavam que tinha escravo lá?
R1 – É porque era gente mau daquele tempo, né? Matava ou enterrava, ou rolava.
Rolava, né? O pessoal contava pra gente, aí eu ficava parecendo papagaio escutando, aí é o que eu falo hoje em dia.
(risos)
P1 – Falaram que tem um poço lá.
.
.
R1 – Tem, poço.
No Cafezal tem, poço bonito lá.
Mas agora o pessoal usava pra tomar banho lá dentro, lavar roupa, tudo fica lá.
Tem um senhor lá que é irmão do Manoel Cracoá, Chico Cardoso.
A mulher dele é Sônia, ela é delegada do sindicato.
Aí ele se acha que ele é o dono lá, é isso.
P1 – A senhora chegou a ir nessa casa grande? Visitou?
R1 – Cheguei, sim senhor.
Passava final de semana com a minha prima lá.
P1 – Como é que é lá? Fala pra mim.
R1 – Como é que ela falava? Ela conversava com a gente, porque a gente era parente mesmo, né? Aí que me tirei com a mãe dela, com idade de cinco anos que eu vim pra casa do meu pai, com a minha mãe, que eles foram me buscar.
E então hoje em dia que eu sinto falta de eu não estudar, porque meu pai não me deixou lá.
Se me deixasse, eu saberia ler hoje em dia.
Aí eu sabia mais de coisa.
(risos)
P1 – Como é que era essa casa grande que a senhora viu?
R1 – Olha, ela tinha um quarteirão daqui para ali, de comprimento, largura assim, tudo assoalho de acapu e pó amarelo.
P1 – Era bonito?
R1 – Era bonito lá, tudo polidinho, chega brilhava, assim.
P1 – A senhora não tinha medo de ter visagem?
R1 – Não, nunca tive medo de visagem.
Lá não.
E elas também não tinham medo, elas dormiam só as três lá, cada uma no seu quarto.
Quando eu ia pra dormir pra lá com elas, me botavam em outro quarto pra eu dormir, lá na cama, eu dormia até de manhã.
P1 – Então tinha cama lá?
R1 – Tinha cama, tudinho pra gente dormir, era.
P1 – Mais alguém que a senhora sabia pra lá, da redondeza?
R1 – Da redondeza lá só era um senhor que se chamava Fagundes o nome dele, que já morreu também e o ‘seu’ Clementino, ele também já faleceu.
E o ‘seu’ Alexandre, que era onde eu me criei, que era o meu tio.
Era só.
P1 – Como é que era Barcarena, nessa época?
R1 – Barcarena era só uma mata, igual isso aqui.
A gente, pra ir pra lá pra cidade, só tinha um comércio do lado daqui.
Do lado de lá tinha o outro, ________ (16:30).
Aí, pra subir, pra ficar uma cidade já, movimentada, assim, de povo, já foi entrando com negócio de prefeitura, sindicato.
Foi indo, foi indo, o pessoal tirando terra pra cá, tirando terra por ali.
Aí, o começo, mesmo, da cidade foi o japonês, senhor Manequita.
Foi ele que começou.
P1 – Qual é o nome dele?
R1 – Manoel.
P1 – Manoel?
R1 – Manoel Japonês.
P1 – O que ele fez aqui?
R1 – Ele aumentou, movimentou o lado de cá, né, por conta dos trabalhadores dele e aí, depois, veio e entrou coisa da prefeitura, compraram e fizeram.
Foram aumentando, já.
P1 – Então foi um japonês que começou?
R1 – Foi um japonês que começou essa cidade lá.
P1 – Barcarena?
R1 – Barcarena.
Foi por isso.
Depois, agora, está mais conhecida, tem mais povo.
P1 – Ele foi fazer o que, o japonês? Foi plantar?
R1 – Foi plantar lá, plantar horta.
Ficou bonita, quando estava por conta própria dele, muito bonito.
Mas aí eles têm os deles, largaram e foram pra o lugar deles.
P1 – Tinha luz, gás, nessa época lá da sua infância?
R1 – Não, também não, não tinha.
É por isso que foi, o da prefeitura cresceu lá, pra plantar energia.
P1 – Como é que a senhora fazia pra ir lá da sua casa, até a sede, em Barcarena?
R1 – Nós íamos a remo.
Até chegar no posto do comércio, pra saltar, pra fazer as compras e voltava a remo pra casa de novo.
P1 – Qual porto que era?
R1 – Era de lá do porto do comércio, do finado ‘seu’ Duquinha Moraes.
Esse que era o comerciante lá.
P1 – A senhora ajudava os seus irmãos, quem que trabalhava mais lá?
R1 – Olha, lá em casa era por si, pra ajudar papai, né? Depois o meu irmão mais velho arrumou família, foi fazer a casinha dele, viver pra lá com a mulher.
E em casa só eu, com papai e a minha irmã.
Aí a outra minha irmã arrumou já homem também, aí ficamos.
Ela ficou por lá mesmo, num barraco pra lá pra trás e ficou morando pra lá e fiquei só eu com meu pai e minha mãe e outro meu irmão, mais criança.
P1 – A senhora está como, nessa escadinha? Caçula ou não?
R1 – Eu de caçula, não.
Só é a minha caçula é essa uma aí.
Aliás, eu tenho duas caçulas, por causa que o primeiro homem me deu três filhos, aí o segundo me deu mais filhos.
E justamente eu tenho uma caçula com ele.
Aí, já desse outro é que eu a tenho.
Só tenho uma filha com ele, aí parou tudo, graças a Deus.
Mas está aí, ela está com trinta anos, trinta anos.
P1 – Como é que essa história que a senhora falou que ia estudar, mas não deu?
R1 – Sim, eu não estudei, porque meu pai não queria que eu estudasse.
Ele ainda dizia: “Não, não vou te botar pra estudar, pra ti não aprender a fazer bilhete pra namorado”.
Acabou que ele trouxe pra dentro de casa, trabalhador pra trabalhar com ele e aí a gente se gostava, pronto.
Aí a gente se conheceu e pronto, acabou.
(risos) Foi isso.
Porque senão, eu não chegava a nem ter essa filha, porque eu tinha aprendido, eu tinha um saber bom pra eu aprender e gostava, queria, tinha muita vontade de estudar.
Mas aí não deu.
Quando chegasse assim, por exemplo, se o senhor tivesse um papel aqui me ensinando, ele tomava e rasgava tudo e pronto: “Isso é só pra vagabundagem”.
Ele dizia assim, meu pai era.
Aí tá bom, não tem problema.
Eu me criei, construí minha família, me disciplinei por conta própria dele, porque ele arrumou duas pessoas pra trabalhar com ele.
Chegou no fim um veio gostar de mim, eu estava com quê? Meus dezesseis anos, estava nova ainda.
Eu tive a primeira filha, a primeira filha está com sessenta anos já.
Em 1956 eu a tive, no ano de 1956.
P1 – A senhora lembra como que foi o parto dela?
R1 – Lembro, sim senhor.
P1 – Como é que foi?
R1 – Foi bem, foi normal, teve em casa, foi normal, com parteira.
Aí só que eu nem.
.
.
se chegasse a parteira e a pedisse pra eu dar, eu dava.
P1 – Não teve dor?
R1 – Não, só um pouquinho, assim, só na hora, pronto, nasceu.
Então, se eu soubesse a leitura, como muito.
.
.
eu tenho filho que.
.
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______ (21:58) enxergo.
Chamo de índio pra ele, boto.
Aí ele dizia assim: “Mãe, a gente aprende na escola muitas coisas, indicam pra gente, tanto professora, como professor, diretor, explicam pra gente” “Tá bom, que tu seja feliz com isso”.
Mas nem assim, (risos) o bichinho é perigoso.
Mas está bom, né? Já chegamos até aqui.
P1 – A senhora e a família da senhora tinham, tem religião?
R1 – Tudo católico.
P1 – A senha vai na igreja?
R1 – Vou na igreja sim, de vez em quando.
É a igreja do evangélico, é a igreja católica, eu sou assim.
Deus só é um, né?
P1 – Ah, é?
R1 – Deus só é um, só um Deus que nós temos ali em cima.
O que você acha?
P1 – Não importa a igreja que vá, é um Deus só?
R1 – É, sim senhor, é um Deus só.
Ele cuida de nós todos no mundo.
Ele, o meu pai dizia assim, ele tinha um catecismo e dizia assim: “Minha filha, quando morrer, vou deixar esse catecismo pra mim”.
Mas nunca ele deixou, mas dizia assim lá: “Quando Deus quiser acabar o mundo, não vai ser só com um, vai ser com tudo.
Tudo pra um não falar do outro”, certo? Então, como eu digo sempre, converso com as pessoas que, às vezes, em casa, vão perguntar e conversar comigo, eu digo: “Não.
Eu falo isso aqui, não é que eu saiba ler, porque eu vi o catecismo que o meu pai tinha, que o padre deu pra ele”.
Ele já morreu esse padre.
Ele explicava e eu estava escutando as conversas dele com meu pai.
Então, por isso que, quando eu lembro, eu falo e é verdade.
Porque nós, aqui no mundo, meu irmão, um não é melhor do que o outro.
Tanto mulher, tanto homem, tanto criança, tanto tudo.
Todos nós somos mortais, vai depender de nós.
P1 – A senhora acha que, se não saber ler, dá pra ser sábio ainda?
R1 – Dá um pouco, né? (risos) Dá um pouco, sim senhor.
Eu não sei ler, não sei escrever, não sei assinar um nome.
Aí eu ponho essas palavras pra você, por quê? Deus está na minha mente, me orientando, não é verdade? Olha, eu tenho ido dentro de Belém, lá no escritório lá, com aqueles barãozão, como o senhor sabe, vocês todos sabem melhor do que eu.
Mas eu vou e sou bem recebida, graças a Deus, bom como vocês me receberam aqui.
Quem foi me procurar lá, pra vir para aqui com vocês? Vocês.
Olha, um tempo aí veio um de São Paulo, lá comigo, um advogado.
Mas só que ele chegou já de noite pra conversar comigo e ele foi ver direto lá o engenho, que a gente chama de calha, mas era o engenho lá.
Quando é tempo de manga, dá muita manga, muita manga boa.
Aí ele chegou, mas veio conversar comigo sobre os meninos que eu tenho, sobre o pai do segundo.
São doze.
Ele queria que eu desse os dados todinhos dele, mas rapidinho: “Mas meu irmão, não posso.
Agora não, vem outro dia.
Dá?” “Não, porque eu estou viajando já de madrugada, pra pegar o voo” “Vem outro dia, pra conversar”.
É que eu não recebo nada desses meninos, nunca, ele nunca ajudou, o pai deles, nunca.
Quando as filhas encontram com ele e vai receber, uma pede dez, outra pede vinte, aí pede uma ajuda e ele não dá.
E fica é muito bravo, ainda esculhamba com elas.
Eu digo: “Minha filha, eu não tenho pra dar, mas o que eu tiver eu reparto”.
Né?
P1 – A senhora, quando era mais nova, gostava de dançar?
R1 – Não, nunca gostei de festa, de farra nenhuma.
P1 – De cantar?
R1 – Não também.
P1 – Por quê?
R1 – Não, porque meu jeito é esse aí.
(risos)
P1 – Como é que é o jeito da senhora?
R1 – É assim: que nem eu vim aqui, vocês me puseram pra eu conversar com você, converso.
Se eu chegar em casa eu já vou, não tenho o que fazer, vou tomar meu banho, armo minha rede e deito, pronto, descansar a vida.
“Mãe, a senhora tem tanto”.
Tem tanto, mas ninguém vem fazer e eu não quero, também não peço.
Eu não sou mulher de estar pedindo, não peço pra filha, não peço pra filho, não.
Eu sou uma pessoa, como diz o meu filho: “A senhora é incrível, mesmo.
Só Deus sabe a sua situação”.
Eu digo: “É só ele mesmo, só eu e Deus”.
Não adianta, meu irmão, a gente se coisa para os outros e eles não vão cooperar com a gente, com aquilo que a gente precisa e que a gente quer, né? É verdade.
(risos)
P1 – A senhora, naquela época lá, quando a senhora era jovem, a senhora ouvia rádio? Já tinha rádio na casa da senhora?
R1 – Não, não tinha rádio.
Já vim ter um rádio quando eu tive a primeira filha mulher, começou a falar, a filha: “Mãe, por que a senhora não vende as verduras e compra um rádio pra nós?” Eu digo: “É?” “É.
A gente fica aqui no Centro e não tem nada pra gente escutar” “Tá bom, sábado eu vou mandar comprar um rádio pra vocês”.
Então, no sábado que eu mandei a verdura e eu falei: “E o dinheiro?” Quarenta reais.
“Leve pra fulano, compra um rádio pra minha filha”.
E foi, quando foi no outro dia, na segunda-feira, veio o rádio.
P1 – Quando ligou, como é que foi?
R1 – É no botão né, era bonitinho, era desse tamanho a altura dele.
O bichinho ligava, não sabia ler, mas botei eles pra estudar tudinho.
Não se formaram, porque não terminaram e não quiseram.
Eu digo assim, né, porque eu botei pra estudar.
E hoje em dia ela está se esforçando pra se formar.
Graças a Deus vai pra Belém estudar pra lá, fazer um curso.
Aqui tinha, mas aí ela não sabia ir também.
E lá no Centro, pra ir pro Centro tem.
O rapaz foi lá e me falou, mas eu não sabia, então pronto.
Se entende por aí, que você vai chegar lá.
(risos)
P1 – Vocês ouviam o que no rádio?
R1 – Música.
Música de carnaval, São João.
(risos) A diversão pra ela, presa em casa.
Não era no tempo dessa ainda, não.
Das outras, é.
P1 – Vocês gostavam de ouvir mais o quê?
R1 – Escutava a novena da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, né? Do Círio de Nazaré.
Tudo isso passava e a gente escutava.
Futebol que eles gostavam, os meninos.
Dia de jogo o rádio era pra eles escutarem.
(risos)
P1 – A senhora acompanhava o rádio também?
R1 – Não, eu nada me impacta.
Como fala? Nada me impacta, nada.
Nem rádio, nem televisão.
É eu estar no meu serviço fazendo alguma coisa, o que eu faço, o que eu não faço.
Hoje em dia eu acho ridículo, tenho uma filha lá, ainda hoje eu estava dizendo pra ela.
Ela está com a cabeça torta, de tanto ela aguentar o celular assim, só fazendo tudo.
É lavar roupa, fazer comida.
É tudo.
Eu já falei pra ela, mas não tem jeito não, não sei não.
Tenho outro neto, que é até filho dela, por causa do celular quase fica broco.
Quase.
Foi obrigado esconder o celular dele e tomar dele.
A gente conversa, mas até aqui ainda não o convenci.
Mas tenho fé em Jesus que nós vamos vencer.
P1 – A senhora gosta de falar do passado?
R1 – Passado, assim, como? (risos)
P1 – A senhora pequena, a senhora jovem?
R1 – Quando era mais nova, né? Criança.
Sobre o que mais? O que era que eu fazia?
P1 – É.
R1 – Eu ia com a minha mãe ajudar a fazer uma lenha pro fogão, que a gente tem um a lenha.
Apanhar açaí, caçar guarumã pra fazer peneira, fazer paneiro.
Tudo eu ia com ela, importante era ir, pra acompanhar, porque era só eu e ela.
Não a deixava sair pro mato sozinha, eu ia acompanhar.
P1 – Pra ajudá-la?
R1 – Pra ajudá-la.
Ela trazia um feixe de lenha, eu trazia outro e ia embora pra casa.
Chegava em casa, ela arrumava o fogo, aí botava água na panela pra esquentar, pra botar o pé de molho.
Amassava o açaí no alguidar, coava na peneira.
P1 – A senhora andava mais com a sua mãe ou com seu pai?
R1 – Mais com a minha mãe, (risos) andava mais com minha mãe.
Não a deixava pra nada.
Onde ela ia: “Onde a senhora vai, mãe?” “Eu vou ali”, eu ia atrás dela.
P1 – Grudada na saia dela?
R1 – É, grudada na saia dela.
P1 – E quando a senhora casou, a senhora ficou na mesma casa do seu pai?
R1 – Não, eu fui para outro barraco, que o rapaz fez pra nós morarmos.
Porque sempre meu pai dizia “Olha, quem casa, faz casa”.
E a gente, quando não está perturbando-o lá, tinha que fazer mesmo, né? (risos) Hoje em dia eu aprendi outra coisa, que eu fui pra uma cidade que eu ia com ela, que ela morou pra lá e eu fui pra lá com ela, passei meses e gostei de lá.
Fui a segunda vez também.
Depois eu levei o pai dela pra lá, o meu marido.
Quando nós chegamos lá, ele: “Ai, eu não me acostumo aqui, eu já vou embora.
É muita quentura” “Mas eu ainda não vou, eu fico, vai”.
Ele pegou e veio embora.
Fiquei pensando: “Eu bem que podia ter ido embora com ele”.
Não, fiquei com ela lá uns dois meses.
Aí depois deu de quere vir pra casa, para o sítio, eu disse: “Minha filha, a casa está lá, tenho dois quartos desocupados, porque o outro eu não vou pra lá e eu estou no meu barraco”.
Eu ia conversar com meu marido, esse que.
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aí foi indo, foi em cima e conseguiu querer ir pra lá: “A gente vai pra lá, Dona Maria” “Vai?” “Vamos pra lá com a senhora” “Vamos”.
E aí ficou o meu neto pra estudar lá, estava estudando né, não podia trazer.
E eu fiquei pensando no pequeno que ficou pra lá.
Quando foi dia de vir, disse: “Ah, Dona Maria, o Raílson chora que só, de noite.
Todo dia ele chora, reclama que a mãe dele o abandonou, que nós o deixamos pra lá”.
Eu disse: “O quê? Eu vou buscá-lo”.
Eu falei com ela, aí ela pegou, perguntou e disse: “Eu vou buscar, deixe que eu vou buscar” “Tu vai?” “Vou”.
Mas só que no colégio não entregaram o material dele, né? Era só no final do ano e disse: “Tá bom”.
Pegou, passou o sábado ela chegou e disse: “É, mãe, o pequeno está aí, mas não veio os dados dele, pra estudar aqui”.
É, eu disse: “Se der tudo certo, sexta-feira eu estou indo pra, aí eu vou buscar.
Aí vou levar meu neto, o outro neto pra pegar, me ensinar como é que vai lá”.
Aí fomos lá, aí ela pegou e disse, a diretora disse: “Olha, não vou entregar agora, porque ainda não está pronto, eu não sabia.
Eu soube que ele foi embora, que a mãe veio buscar, mas não deu tempo de nós prepararmos.
Então, quando nós prepararmos e estiver pronto, é lá pela banda do final do mês” “Tá bom” “Você espera?” “Espero, a gente vai esperar.
Mas não deixe passar desse dia” “Tá bom”.
Quando foi no dia marcado, saí, fui buscar e estava pronto.
Aí disse: “Vó” “O que é?” Ele tinha arrumado um emprego, a menina lá arrumou um emprego pra ele.
“Mas não vai dar pra eu ir, a senhora não vai sozinha.
Vamos fazer assim: eu vou mandar, Helena vai, pus nas coisas pra ir pelo Correio, pra lá” “Então vá”.
Aí foram pra lá com a Helena e coisa pra lá e fizeram ________ (35:48) lá e mandou pelo Correio o papelzinho, ligou pra ela, pra saber, pra ir buscar.
E aí ficamos por lá.
Aí aluguei uma casa lá perto de onde nós morávamos com ela, aí.
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P1 – Onde que era?
R1 – Lá por.
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como era a cidade lá? Parauapebas.
Gostei muito de lá.
P1 – Gostou?
R1 – Gostei.
E quero voltar pra lá.
Diz o meu marido que a gente vai agora para banda do dia 15, nós estamos indo lá.
P1 – A senhora gosta do Cafezal ainda?
R1 – Não, eu não gosto mais.
Estou enjoada do meu sítio, só lá, só lá.
E eu digo: “Ah, a gente sai daqui e vai pra lá.
Vai pra ali, fica ali.
Não, eu vou sair pra fora”.
Aí ele vai comigo, né? “Ta bom, a gente vai”.
Mas a gente coisa, porque ela está comigo em casa.
Está o marido dela e filho: “Não, vamos ficar mais um tempo”, porque não adianta eu ir pra lá e era pra cá.
Deus o livre! Sou agarrada com ela que parece carrapato.
(risos)
P1 – O que tem lá no Cafezal?
R1 – O que tem lá no Cafezal? Não tem nada lá, só tem gente.
(risos)
P1 – E a senhora conhece Vila do Conde?
R1 – Não, não conheço.
Eu parei no sítio onde eu vivo pra lá e lá eu tô.
Só saio mesmo pra ir pra lá para essa cidade, Parauapebas, só pra lá.
Tirando aí, às vezes uma volta em Belém, só isso.
Porque como diz, olha, já tenho meus filhos, todos são adultos.
“Vai fazer mais compras?” “Vamos”.
Que nem ontem, ontem o Luiz Carlos foi pra lá pra cidade e aí disse: “Mãe, o que eu trago pra nós comermos?” “Traz pirarucu” “Tá bom”.
Porque todo dia é frango, carne, frango e aqueles outros peixes.
Aí ele trouxe.
P1 – A senhora disse que queria comer peixe.
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R1 – Peixe, é.
Pirarucu com açaí.
P1 – Sua mãe cozinhava bem?
R1 – Mamãe cozinhava bem, fazia bem a comida.
Gostosa, amassava um açaí, que nem era precisa botar farinha dentro.
P1 – Ah, é?
R1 – Era.
(risos)
P1 – O que a senhora gostava que ela cozinhava?
R1 – Gostava de quando cozinhava.
P1 – Do que a senhora gostava mais, do que ela cozinhava?
R1 – Ela fazia mais de molho assim, meio caldo, pra gente fazer pra tomar.
Comia que enchia a barriga, tomava um açaí.
Nossa comida só era uma comida, juntou açaí com comida.
Peixe, carne de caça que papai matava.
Mas agora, meu irmão, caça de animal não tem mais.
O pessoal se juntou ali tudo, acaba com tudo.
P1 – Seu pai caçava como, você sabe?
R1 – Ele matava paca, veado, caititu, guariba, macaco, preguiça, tatu.
(risos) Tinha muito nesse mato lá, nesse terreno que nós vivemos, mas agora não tem.
Pessoal, veio uma família para aí que toda noite matava pra vender, toda noite, só era pra vender.
Não tinha ninguém pra proibir, pra embargar.
Não é que nem hoje, que não pode encostar uma vara, que o negócio pega.
(risos)
P1 – A senhora caçou com seu pai também, já?
R1 – Se eu ia caçar com ele? Não, isso aí é só ele, de noite assim, com a lanterna.
Quando não, de dia era com os cachorros.
P1 – E a mãe da senhora contava história pra senhora?
R1 – Ela conversava, contava o passado dela, né? Com a família dela, o pai dela, mãe dela.
P1 – Eles falavam que tinha lenda da região?
R1 – É.
P1 – Que lenda que eles falavam?
R1 – Tal que mãe dela era trabalhadeira, trabalhava muito, né, o pai dela também.
Pegaram um certo sofrimento, que foi o fim deles.
P1 – Me contaram que tinha uma história que jogavam aqueles escravos num buraco.
É verdade isso?
R1 – Dizem que era verdade, é por isso que escangalharam a casa grande, pra fiscal nenhum decifrar o que tinha lá.
É um tubo grande assim, dentro do engenho.
Tinha três ou quatro metros de largura assim, comprimento tinha uns cinquenta, pra descer pro rio, pro Cafezal.
P1 – Tinha uma senzala lá também?
R1 – Como?
P1 – Tinha uma senzala lá também?
R1 – Não cheguei a ver.
Aí, o ‘seu’ _______ (41:04) botou a serraria lá, quando ele veio pra aí, construiu uma serraria lá no engenho, tiraram muita madeira.
Que acabou a madeira de dentro do Cafezal, do terreno.
Bacuri tinha muito.
Agora eles querem pra comer e não tem, tem que comprar.
Quando eles acham pra comprar, mas é caro.
P1 – A senhora, quando começou a ter filho, a senhora fazia como?
R1 – Como assim, pra criar meus filhos? Eu comprava material deles, leite Ninho, pra preparar o mingauzinho pra eles, a mamadeira.
Dava o banho neles, trocava bem, ‘talcava’ eles.
Dava mingau, botava na rede e dormia até.
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P1 – E a senhora continua trabalhando na roça?
R1 – Continuo trabalhando na roça, é.
Teve um filho, que é o caçula, que dormia duas horas de tempo.
Sem se acordar, sem chorar, nada.
E, quando ele acordava, não era chorando, gritando, não.
Eu já sabia e vinha dar leite pra ele, dar o peito.
Fazia o mingau, dava mamadeira, colocava lá, trocava a fralda dele e pronto.
Não é agora, que tem que ter calça enxuta, é fralda, é isso, descartável.
Porque não querem lavar, só querem gastar, né? (risos) Isso aí é só pra luxo mesmo, não é? Não é preciso isso.
P1 – E o filho da senhora, se ficava doente, como é que a senhora fazia?
R1 – Eu sabia quando meu filho estava doente.
Ia no benzedor, mandava benzer, quebranto, é um susto, mas fazia um banho, banhava e pronto.
Aí, meu filho, tudo.
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P1 – Os filhos da senhora nunca adoeceram tanto assim?
R1 – Não senhor, não.
Nunca adoeceram tanto assim, não.
Como hoje em dia, né? E meus filhos não eram vacinados, não eram nada, não senhor.
Quando começou a vacina em gota, eles vinham em casa.
Dando a vacina está bom.
BCG mesmo não pegou.
(risos) Então está bom.
Digo assim: “Meus filhos, se vocês não me quiserem bem, porque vocês não querem.
Mas que eu cuidei de vocês, fui mãe pra vocês”.
E até hoje estou perto deles.
Não saio pra passear, senão pra lá, pra esse lugar onde nós fomos.
P1 – Por que vocês foram pra Parauapebas?
R1 – Porque ela morava pra lá.
Foi sozinha, se achou só, pra lá, com o nenê, com o menino dela.
Ela estava gestante da bebezinha que ela tem, aí ela ligou e aí eu fui com ela e o pai dela.
P1 – E o que a senhora gostou de lá, de Parauapebas?
R1 – Eu gostei de lá da moradia, o passadio, viu? Tudo é pertinho.
Nunca faltava nada pra nós.
Tudo pertinho, não é que nem Barcarena.
Nós temos, pra vir pra Barcarena ou é de moto ou então um carro.
Então um taxista pra vir trazer, né? (risos).
P1 – A senhora conheceu Belém?
R1 – Belém, um pouco só.
Ali na passagem da estrela, aí a minha comadre, que é madrinha da minha filha, que ela me deu a ______ (44:49), ela mora ali no.
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como é o nome lá? Gramabeu, Gramabeu.
Lá naquelas travessas, que é casa dela.
A afilhada dela era pra estar bem com ela, mas ela pisou na bola com ela.
Ela disse: “Alessandra, faça tua quinta série.
Pega teus papéis, teus documentos todinhos e vem que eu vou te deixar numa loja aqui, pra tu trabalhar”.
E ela teve que ir pra São Paulo e está pra lá.
Ela já ligou pra ela, mas ela ainda não acertou falar com ela.
P1 – A senhora lembra como era Belém, antes?
R1 – Lembro, era pouco, né? A sede, que é a igreja grande, né? Agora que está grandona, que não sei nem por onde andar.
P1 – A senhora tem algum santo, que a senhora tem mais devoção?
R1 – Olha, mãe de Jesus Cristo, Santa Maria, a principal.
Que é a Virgem de Nazaré.
Tirando disso.
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P1 – a senhora reza todo dia, né?
R1 – Só Jesus Cristo, é.
P1 – Agora a senhora está com quantos filhos, mesmo?
R1 – Dezesseis.
Morreu um, por causa que se meteu no caminho errado, né e morreu.
Aí ficou quinze.
P1 – E eles estão por onde, os filhos da senhora?
R1 – Estão lá em Barcarena, mesmo.
Um mora lá comigo, o outro trabalha e à noite vai pra cidade de Barcarena.
P1 – Quem é que está com a senhora agora?
R1 – É o Luiz Carlos.
P1 – A senhora separou bastante, né?
R1 – Já.
E muito.
P1 – Por que a senhora separou desses maridos aí?
R1 – Desse aí não, ele está em casa, que é o pai dela.
(risos) Esse outro, do meio, se propôs, porque ele queria outra mulher, arrumou.
E comigo não mora, vai embora.
Teve que procurar rumo, por que eu ia sustentar marido com mulher? Não, não chega, pra mim não.
(risos) Aí foi dando _________ (47:25) que deixou: “Só que meus filhos, que eu tenho contigo, eu não te dou nenhum.
Nem filho e nem filha.
Se tu jogar na Justiça pode jogar, se quiser.
Mas aí não, deixa meus filhos comigo”.
P1 – A senhora, pra quem não é Barcarena, de Cafezal, como é que a senhora explicaria onde a senhora mora? Em Barcarena, Cafezal e a senhora mora em algum lugar.
Como faz pra chegar lá?
R1 – Olha, entra na rua direto, Magalhães, na beira, vai para o Cafezal.
Chega lá tem o barzinho, se chama o Bar do Fuxico e a gente entra à esquerda.
E já vai para lá, para o sítio onde eu moro.
Barcarena fica aqui, assim, a cidade.
Porque aqui é rio e entra por lá, pela rampa.
Fica pertinho de Barcarena onde nós moramos, pra atravessar.
Eu tenho um neto que todo dia, toda noite atravessa pra lá e pra cá.
Pela água, tem de canoa, quem não tem, atravessa.
Meu neto, mora lá com a mãe dele.
Ela vinha comigo, mas ela estava se sentindo ruim, doente, sentindo problema, fraqueza, tonteira, eu não sei.
Eu disse: “Vai no médico, pequena” “Não pode ir no médico porque eu não tenho, não sei o que” “Então faz um chá por aí e toma”.
É assim.
P1 – O sítio da senhora, qual que é o nome dele?
R1 – Luiz Carlos, José Luiz, José Maria, Edmilson e Raimundo.
P1 – Sítio.
R1 – Ah, o sítio? Lá é sítio Tapuá.
Igarapé fica bem aqui, chama Tapuá.
P1 – Perto do igarapé?
R1 – É, perto do igarapé.
P1 – E até hoje a senhora usa lá?
R1 – É, até hoje eu uso lá.
Até quando Deus quiser.
P1 – A senhora viu mudar bastante Barcarena?
R1 – Um pouquinho.
Esse outro prefeito que estava entrando, que todos que são assim dizem que vão cuidar, pra dar um apoio pra gente lá, morre, não sei por quê.
(risos)
P1 – É? Como é que é essa história?
R1 – Lorivalzinho, Gutierrez, né? Valdomiro nem chegou a se apossar, a se apoiar.
Não sei se é o tempo, que já está avançado ou se está sofrendo alguma coisa há tempos também, há anos.
Então, fica assim.
Agora veio o Vilaça.
P1 – A senhora acha que isso acontece por quê?
R1 – Não sei.
Que é a frase, uns querem outros não querem a pessoa lá dentro.
É um caso que querem também ser o dono lá mandão, não pode.
Porque não tem, são fracos.
(risos)
P1 – A senhora se lembra quando chegou essas empresas pra cá?
R1 – Não.
Eu não lembro o ano, a data, porque é como eu digo: não deu pra eu gravar na mente.
Mas se eu soubesse coisa pra ler, pra anotar, eu sabia.
P1 – Mas a senhora sentiu quando chegou?
R1 – Sim, senti um pouco.
P1 – A senhora sentiu como?
R1 – Assim, que vem chegando, população vem aumentando.
Vem botando serviço, trabalho pro povo.
Eu escutava na televisão, não, no rádio: “Vocês de Barcarena, se vocês não se prevenirem, vocês não vão trabalhar.
Vocês vão ficar encostados e os de fora vão trabalhar”.
É o que está acontecendo, não é verdade?
P1 – A senhora ouviu isso lá atrás?
R1 – Lá atrás.
Aí muitos querem trabalhar e não pode, não tem.
Outra coisa que eu vou lhe dizer, que eu não gosto de ver assim: emprega ali, passa uns dois, três meses: “Não recebi o meu décimo, não recebi isso.
Eu vou jogar a firma na Justiça”.
Pra que vai se sujar? Não é verdade? Porque quando eles quiserem emprego, não tem.
Certo? Isso é uma pura verdade, eu estou lhe falando.
E é certo, certo mesmo.
P1 – Você percebeu que mudou a natureza, o povo aqui?
R1 – Mudou, sim senhor.
Porque tem quem cuide e trate e Deus coopera dali.
Tem uma bênção que Deus nos dá, meu irmão, a bênção que Deus nos dá.
P1 – Mas você acha que mudou, de lá pra cá, mudou meio ambiente aqui?
R1 – Meio ambiente assim mais ativo.
P1 – Como assim?
R1 – Sobre instruir outras coisas, movimentar o povo, alegrar, dar alegria.
P1 – A senhora acha que mudou o rio?
R1 – O rio?
P1 – Os rios mudaram?
R1 – Não, os rios são os mesmos, está na mesma.
A área toda está na mesma que era.
O povo que acresceu, o povo, no mundo.
P1 – A senhora tem sonho? Sonha bastante?
R1 – Não, agora eu já não sonho mais.
Parei de sonhar.
Quando eu sonhava, era pra ganhar.
Mas eu dava os dados pro meu marido e ele não fazia o jogo, não comprava os bilhetes e nada.
Perdeu.
P1 – Agora a senhora, em outro sentido, a senhora sonha com alguma coisa? Projeta alguma coisa pro futuro?
R1 – Olha, eu não sonho, mas eu penso.
Pelo menos numa casa, a minha casa, que eu não tenho.
Viu? Querendo ir lá ver pra crer, pode ir.
O dia que o senhor quiser ir lá, pode ir.
Porque é verdade.
Então, eu suspiro uma casa.
Aí eu penso assim, olha, eu tenho uns oito netos ou mais.
Um dia eu falei com um deles.
Eu disse: “Olha, eu queria, com toda certeza, vocês de neto, eu já não penso mais filho, já penso em vocês, que vocês estão, que eu dê apoio vocês, ter onde vocês comerem, beberem, calçarem e vestir e ganharem o seu trocozinho.
Mas vocês não sabem me agradecer.
Eu queria que vocês fizessem e se reunissem, o trabalho que vocês ganham, pegava e bora fazer uma casa pra vovó.
Mas não, vocês só me dizem que me amam, mas não fazem o que eu quero”.
Os filhos a mesma coisa.
Esse mais criança luta, coitado, com sacrifício.
Parece aquelas pragas, cavando terra e virando e revira pra cá e revira pra acolá e semeia e planta.
Tá certo, está boa a verdura dele está boa, a hortazinha dele é pouca, mas está boa.
É cheiro verde, couve, alfavaca, é só.
Aí, quando ele tem, não dá nada.
Assim mesmo ele vai e tira.
Vem de lá onze horas, às vezes dez horas da noite, atravessa o igarapé e vai embora, pra ir pra casa dele, que ele mora na cidade.
Mora lá.
Aí o João é o açaí.
Todo santo dia, a semana inteira, pega seu dinheiro: “Mãe, tem janta?”, eu disse: “Não tem”.
Tem um chamego na cidade, que meu Deus do céu! Mas nunca construíram uma casa.
Eu disse: “Olha, vocês dois trabalham dois meses pra um e ajuda fazer a dele.
Com outros dois meses você ajuda fazer a dele, uma casa.
Não é melhor, não é bom?” “Eu não quero, meu irmão”.
O que ele quer é farra.
Aí tem que conversar com ele: “Olha, você vai, fale com seu coisa lá e peça uma ordem, pra você poder fazer sua brincadeira aqui.
Que ele vai lhe ajudar a ganhar.
Mas se não for assim, não pode fazer.
Não pode fazer, porque lá tem muita gente de olho em cima dele.
Sempre eu converso com ele e agora ele está mais ciente um pouco, porque o rapaz foi lá, o doutor, o professor foi lá também, que é conhecido deles também, que já conhece a gente há tempos.
Aí o Raimundo que mandou eles lá.
Aí eles já ficam mais ansiosos, mas é: “Vocês têm que fazer assim, assim e assim.
Porque senão o negócio pega”.
P1 – A senhora quer construir uma casa lá?
R1 – É, construir uma casa lá.
A que ele tem, que ele está debaixo, não está acabada.
Por que trabalha, faz sacrifícios, não é para o que tem, o que precisa? Então, meu irmão.
Eu não sou aposentada, só ganho o benefício, só.
Quer dizer, que aí é para o meu alimento.
Se eu precisar de um remédio, é um remédio.
Meus remédios são baratinhos.
É isso aí.
P1 – Tem alguma coisa, alguma história que a senhora queria registrar? Algum relato, antes da gente terminar?
R1 – Como assim?
P1 – Alguma coisa que a senhora se lembre e que a senhora gostaria de contar pra nós?
R1 – Até aqui, nada.
Nenhuma.
P1 – Como é que foi contar um pouquinho da sua vida pra gente, hoje?
R1 – Como assim? Sobreviver? Eu agora estou me achando só, com a minha filha.
E a gente não tem nada importante, que não for com Deus.
E os amigos que estão nos acolhendo a conhecer com a gente e conhecer vocês também.
E a gente conhecer vocês.
A gente fica muito agradecido por isso, viu? É um prazer meu e dela também.
P1 – Obrigado, viu, dona Maria?
R1 – Sim, senhor.
Muito obrigado também digo eu.
Vocês me procurarem pra nós bater um papo.
(risos)
P1 – Muito obrigado, Dona Maria.
R1 – Por nada.
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