Programa Conte Sua História
Depoimento de Samuel Silva
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV516_Samuel Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Samuel, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Samuel Silva, São Paulo, sete de novembro de 1992.
P/1 – Você nasceu em São Paulo?
R – Sim.
P/1 – Capital.
R – Sim.
P/1 – E seus pais, são de São Paulo?
R – Minha mãe é de São Paulo e meu pai é de Curitiba, acho.
P/1 – E agora a gente vai pegar um pouquinho a família do seu pai e um pouquinho a família da sua mãe. Seus avós paternos são de onde? Os pais do seu pai.
R – Boa pergunta (risos). É engraçado porque a gente não fala muito sobre a história da família do meu pai, sabe? Porque a família do meu pai é um pouco miscigenada, então não se fala muito. Por exemplo, eu descobri há pouquíssimo tempo que na família do meu pai tem ascendência indígena, porque a família do meu pai é um pouco racista, então eles esconderam isso da gente, de mim e do meu irmão, durante muito tempo. Se fala muito pouco das origens da família do meu pai, entendeu? Então eu realmente não sei.
P/1 – Quem contou pra vocês que tinha ascendência indígena?
R – Minha mãe contou, não foi meu pai.
P/1 – Mas você conheceu seus avós paternos?
R – Eu conheci a minha avó e meu avô, mas meu avô morreu alguns anos atrás e eu não tinha muito contato com ele, ele não falava muito com a gente, não interagia muito.
P/1 –E eles moravam onde?
R – Eles moravam na zona norte de São Paulo, alguma coisa, eu não sei direito, é meio longe.
P/1 – E por que seu pai nasceu em Curitiba?
R – Ah, então, eles tinham um sítio lá, eu acho, meus bisavós tinham um sítio lá, alguma coisa assim.
P/1 – E como é o nome do seu pai?
R – Valmir.
P/1 – Valmir do quê?
R – Valmir Mas Jacinto.
P/1 – E ele tem mais irmãos, você tem tios por parte de pai?
R – Sim. Ele tem acho que oito irmãos.
P/1 – São aqui de São Paulo?
R – São. Quer dizer, eles estão morando aqui em São Paulo, não sei se nasceram aqui.
P/1 – E como foi a história do seu pai, a infância dele, ele conta alguma coisa?
R – Então, eu não converso muito com meu pai, mas pelo que eu sei ele era uma criança bem criativa. As pessoas contavam que ele inventava coisas quando era pequeno. Por exemplo, ele fazia brinquedos que acendiam luzinha, que funcionavam eletricamente, que ele era bem inteligente. Mas ele também era muito quieto, muito calado; ele é quieto e calado até hoje, é muito reservado. Enfim, eu não converso muito com ele, é meio mistério a história do meu pai.
P/1 – Qual a profissão dele?
R – Ele trabalha com informática, ele é técnico de informática, acho.
P/1 – Mas você sabe se ele começou a trabalhar cedo, ele teve que trabalhar, como era a questão de grana pra ele?
R – Eu também não sei. Eu sei que ele tinha escolhido não fazer faculdade pra começar a trabalhar. Ele tinha feito um técnico, tinha começado a trabalhar e depois ele foi obrigado a fazer faculdade porque a firma tinha obrigado ele a fazer faculdade. Então enquanto a gente era pequeno ele fazia faculdade, ele não tinha tempo nenhum pra gente porque ele chegava do trabalho e ia pra faculdade. Então eu não lembro do meu pai quando era pequeno, era isso.
P/1 – E sua mãe, a família da sua mãe, seus avós maternos?
R – A minha avó por parte de mãe sempre foi muito presente, então ela na verdade ajudou a nos criar, a criar eu e meu irmão. A minha avó e minha tia-avó, que é sempre as duas juntas porque as duas eram viúvas, o meu avô morreu quando eu tinha dois anos e o esposo da minha tia-avó morreu há muito tempo, antes da gente nascer. Então as duas sempre viveram juntas e elas ajudaram a nos criar. A família da minha mãe é de ascendência italiana, então a gente tem cidadania italiana e tal, tem toda aquela coisa de orgulho, enfim, que eu acho uma besteira. E aí ajudaram a nos criar e tal e a minha mãe trabalhava muito. Eu sei que minha mãe quando era pequena sempre foi um exemplo de filha, sempre estudava muito, ficava em casa, fazia os afazeres de casa. E minha avó sempre queria que eu fosse como minha mãe, que eu fosse boazinha, que eu ficasse em casa, que eu estudasse, que eu estudasse piano. Porque a minha família inteira é da Congregação Cristã no Brasil, que é uma religião super conservadora, nessa igreja as mulheres tocam piano e os homens tocam qualquer outro instrumento erudito. E minha avó queria que eu tocasse piano na igreja. Ela queria me pôr pra tocar piano, então aos oito ou dez anos de idade me colocaram pra estudar piano, eu não estudava nada e a minha avó ficava me comparando com a minha mãe, era terrível (risos).
P/1 – E a sua mãe foi criada como?
R – Então, foi criada dentro de casa, sempre estudando, não saía nunca, não teve infância (risos).
P/1 – E ela fez faculdade?
R – Ela fez faculdade. Ela escolheu fazer faculdade de Matemática e depois passou pra Informática, acho que era isso, computação, enfim.
P/1 – E você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Se conheceram no trabalho. Eles trabalhavam na mesma empresa, fazendo a mesma coisa, que é trabalhar com informática.
P/1 – Eles casaram.
R – É, aí eles casaram.
P/1 – Foram morar onde?
R – Foram morar primeiro num apartamentinho não sei onde, eles estavam pagando aluguel nesse apartamentinho e aí tinha casona, que a gente chama de casona, da minha infância, que é a casa da minha avó e do meu avô por parte de mãe. E essa casa, quando meu avô morreu, minha avó saiu dessa casa que era a casa acho que de infância da minha mãe e foi morar com a minha tia-avó, num apartamento dessa minha tia-avó, deixou essa casa vazia e a minha mãe, meu pai, eu e meu irmão mudamos pra essa casona. E essa casa foi onde eu cresci, então a gente foi morar nessa casona aí.
P/1 – Em que bairro que é?
R – Fica na Água Rasa, na zona leste.
P/1 – Como é essa casa?
R – Essa casa tem um corredor que na minha infância... eu acho de casona porque pra mim, quando eu era pequeno, era uma casa enorme, não sei se é realmente enorme, mas em comparação àquele apartamentinho que a gente vivia era enorme. Era um corredorzão e do corredor saía a sala, o quarto dos meus pais, a cozinha, o quarto meu e do meu irmão e o banheiro. Então era assim, um corredorzão, dele saíam os cômodos. E tinha uma laje (risos).
P/1 – E como era a Água Rasa naquela época? Mudou bastante.
R – É, 20 anos atrás. Não tinha nada, não tinha o Shopping Anália Franco ali perto, não tinha o Carrefour ali perto, não tinha hospital, não tinha nada. Não tinha um monte de prédio, que hoje está construindo um monte de prédio ali, era tudo casa. E a região era bem perigosa, aquela rua que a gente morava. Hoje em dia não sei se continua perigosa aquela rua, especificamente, mas aquela rua que a gente morava era bem perigosa.
P/1 – Por que era perigosa?
R – Porque tinha uma, não sei se era uma ocupação, alguma coisa assim ali perto de um pessoal que era meio perigoso. Os meus tios moravam em uma casa na minha rua mais pra baixo, que a casa deles inclusive já foi invadida, já roubaram eles. A gente tinha a impressão que a rua era perigosa. A nossa casa já foi invadida por um moleque também, por um outro cara uma vez, acontecia coisas assim.
P/1 – Quem nasceu primeiro, você ou seu irmão?
R – Eu.
P/1 – Você nasceu em que ano?
R – Em 1992.
P/1 – E seu irmão?
R – Em 1995.
P/1 – Como é o nome do seu irmão?
R – Fábio.
P/1 – Quando você nasceu vocês ficaram nessa casa quanto tempo?
R – A gente ficou até eu completar uns oito anos.
P/1 – E como era a convivência na sua casa quando vocês eram pequenos? Com seu pai, sua mãe, seu irmão?
R – Eu tinha uma relação bem complicada com meu irmão desde sempre porque meu irmão era muito ciumento, então ele queria atenção toda pra ele. Desde pequeno tinha essa rivalidade em que meu irmão me mordia, quando ele era pequeno, de arrancar pedaço quase, tá ligado? Ele me deixava roxo. Ele me batia muito desde pequeno, ele brigava muito comigo. Eu era uma pessoa muito pacífica e eu deixava ele me bater, eu não batia nele, eu sempre fui muito passivo, pacífico. E ele me batia, eu não fazia nada, só chorava e ficava quieto. E aí era isso, a convivência com meu irmão era bem difícil, eu queria sempre brincar sozinho, ficar quieto no meu canto. Com meus pais, eu não via muito meus pais porque eles trabalhavam muito, muito mesmo. E meu pai ainda fazia faculdade de noite, minha mãe sempre chegava cansada e eu convivia mais com a minha avó e minha tia-avó, que cuidavam da gente, e da Teresa que era uma moça que limpava a casa e cuidava da gente; não sei se era meio babá, meio empregada, não sei. E aí ela ajudou a cuidar da gente também. E era assim.
P/1 – Você falou que a sua família é dessa religião, mas vocês tiveram uma formação religiosa?
R – Sim, dentro dessa religião.
P/1 – Da Congregação.
R – Da Congregação.
P/1 – Como é que era? Que hábitos que envolviam?
R – Era assim, a igreja separava os homens das mulheres. As mulheres tinham que ter cabelo comprido, usar véu, usar saia e os homens tinha que ir de terno, gravata, mas não tinham que usar véu, nem nada. Ser homem era mais privilegiado e as mulheres era uma classe inferior. E o homem era a cabeça da mulher e Deus era a cabeça do homem. E eu me sentia bem mal dentro da igreja.
P/1 – Você usava véu?
R – Sim, usava véu, usava saia, usava cabelo comprido. E ali tinha uma doutrina que eles ensinavam desde pequenininho pras crianças e eu cresci dentro dessa religião, até os 17, 18 anos.
P/1 – Qual é o princípio da doutrina?
R – A doutrina é, sei lá, é um bando de regras que você tem que seguir, que você não pode fazer um monte de coisa. Por exemplo, você não pode nem escutar música do mundo, você não pode se misturar às outras pessoas do mundo, você tem que ser diferente, você tem que seguir a religião certinho.
P/1 – Mas seus pais seguiam isso?
R – Seguiam. Você não pode nem fazer sexo, você não pode nem beijar, você tem que namorar e casar. E meus pais seguiam certinho.
P/1 – Seu pai já era também ou ele virou?
R – Ele já era.
P/1 – E sua mãe também?
R – Aham.
P/1 – É, porque já veio da sua avó.
R – É.
P/2 – Mas o que é seguir certinho? Só pra gente saber.
R – Seguir certinho é que minha mãe só usava saia. Eles iam na igreja todo final de semana, duas vezes por final de semana, ou seja, sábado e domingo de noite, levavam a gente. A gente ia sábado, domingo de manhã que era a reunião de jovens e domingo de noite. Eles não faziam sexo, acho (risos), só pra ter a gente. E sei lá, não faziam nada de errado.
P/1 – Se falava de política na sua casa?
R – Não. Não se falava.
P/1 – E contavam histórias pra vocês? Como era a relação deles com vocês quando vocês conseguiam estar juntos? Dos seus pais. Alguém contava história, brincava com vocês?
R – Minha mãe contava história do Joãozinho e da Maria, só.
P/1 – Samuel, com quantos anos você foi pra escola?
R – Eu fui pra escola desde os seis meses de idade.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Minha primeira lembrança? Nossa, é difícil dizer porque parece que eu sempre estive na escola, sabe?
P/1 – No primário, você lembra do seu primário?
R – Eu lembro das aulas de balé. Eu lembro que eu era obrigado a ir pra aula de balé e os meninos podiam fazer judô e eu queria fazer judô (risos). E eu estragava toda aula de balé das meninas (risos) porque eu era péssimo, eu era muito péssimo, eu não tinha jeito, não combinava. E eu não conseguia fazer aqueles passos, aquelas coisas, era horrível. E eu lembro que chegou um tempo que a professora desistiu de me dar aula de balé e deixava eu ficar na biblioteca vendo os livros. E aí eu ficava todo feliz de poder ficar na biblioteca separado dos outros vendo livro (risos).
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – Eu gostava de brincar de carrinho, de trânsito, de colocar um carrinho atrás do outro. Eu gostava de brincar com a minha cozinha, eu tinha uma cozinha. Eu gostava de brincar de restaurante, de sentar meu irmão num banco e servir comida pra ele, mas ele não gostava de ficar quieto lá e fingir que estava comendo. Eu gostava também de construir coisas e de desmontar coisas. Eu gostava de coisas de montar, tipo essas coisas, era legal. Sei lá, essas coisas, sabe?
P/1 – E vocês brincavam com outras crianças?
R – Eu sempre fui uma criança meio solitária, então eu gostava de brincar sozinho. Eu lembro que na escola uma vez uma professora me chamou de egoísta porque eu queria brincar sozinho, então as professoras achavam que eu era egoísta porque eu não queria dividir os brinquedos. E era porque eu queria brincar sozinho, sabe, não era porque eu era egoísta (risos). E ela me chamou de egoísta na frente de todo mundo. Eu lembro que eu fiquei chorando porque a professora me chamou de egoísta na frente da sala inteira.
P/1 – Mas você lembra de amigos dessa época, ou amiga?
R – Eu tinha um namoradinho chamado Iuri, desde o berçário até o pré-primário ele era o meu namoradinho. Ele tinha cabelo enroladinho e olhos azuis. Ele era muito fofo e ele falava pra todo mundo que era meu namorado. Nossa, eu adorava ele. Tinha um menino também que tinha ciúmes da gente, chamava Vitor Rosa. E eu lembro do meu aniversário de cinco anos, foi num buffet e foi super legal. Eu lembro que desde pequeno eu não gostava que as coisas fugissem do meu controle, sabe? Eu lembro na hora do parabéns que eu queria apagar a velinha e todas as crianças assopraram e não me deixaram apagar a velinha, aí eu comecei a chorar (risos) porque eu queria apagar a velinha. Acenderam a velinha e todas as crianças apagaram (risos). E aí eu não conseguia apagar a velinha e eu fiquei muito mal. E o Iuri brigava com todo mundo falando: “Deixa ela apagar a velinha!” (risos). E o Iuri me defendendo. Ele era muito fofo, muito, muito fofo.
P/1 – Você encontra com ele ainda?
R – Não, eu perdi contato com ele depois que eu saí da escolinha, da Uni Duni Tê, que era a escolinha.
P/1 – Como era o nome?
R – Uni Duni Tê.
P/1 – É perto da sua casa, na Água Rasa?
R – É perto.
P/1 – Ela existe ainda, a escola?
R – Não sei se existe.
P/1 – E depois o primário você fez aonde?
R – Depois do pré?
P/1 – É.
R – Então, eu repeti o pré porque eu não estava conseguindo aprender a ler e a escrever e fui pro Mendel, Agostiniano Mendel, que fica lá perto também, é uma escola super forte. E para eu aprender a ler e escrever quem me ensinou foi minha avó porque eu tinha muita dificuldade, muita. E eu aprendi a ler e a escrever com a apostila Caminho Suave (risos) porque era muito difícil para eu aprender a ler e a escrever. E eu era uma criança inteligente só que ler e escrever não sei por quê, não conseguia (risos). E eu gostava muito de estudar, eu fazia o caderno de caligrafia, tudo. Tudo o que minha avó pedia para eu fazer eu fazia, fazia de boa, mas eu não sei por que eu tinha dificuldade. Eu fui aprendendo, aprendendo e foi, mas na escola era difícil, mas com a minha avó eu ia. Aí aprendi, fui pra primeira série e depois que eu aprendi a ler e a escrever eu fui bem. Só que eu ainda tinha dificuldade com a gramática, eu escrevia tudo errado, trocava os sons parecidos, por exemplo, b com p, m com n, qual outro que tem som parecido?
P/1 – P e b.
R – P e b. Todos esses sons parecidos eram difíceis pra mim, s com c, com ç, todos esses sons parecidos eram confusos na minha cabeça. E eu lembro que muitas pessoas zoavam comigo, os outros colegas. Tipo, chegava na quarta série eu não sabia escrever casa porque casa tem som de z, eu escrevia com z e não com s (risos). E as pessoas zoavam comigo, me chamavam de burra e tal, só que na hora da prova eu tirava dez porque a professora não descontava erro de português, só contava pelo conteúdo. E aí foi indo. Eu sempre gostei muito de escrever desde a época que eu ganhei um diário da babá do meu irmão e fui escrevendo.
P/1 – Quanto tempo você tem de diferença do seu irmão?
R – Dois anos e meio, acho.
P/1 – A babá era do seu irmão, sua também?
R – Era mais do meu irmão porque meu irmão é mais novo. E porque meu irmão quando foi pra escolinha com seis meses também que nem eu, ele ficou muito doente. Ele pegou pneumonia, teve que ficar no hospital, então minha mãe segurou meu irmão pra não entrar na escolinha até ele ficar um pouquinho mais velho. Então ele entrou na escolinha um pouquinho mais velho e ficou com babá durante um tempo, entendeu? Ficou mais tempo em casa, então ele tinha alguém pra cuidar dele, eu acho.
PAUSA
P/1 – A gente parou na babá do seu irmão. Bom, a gente está na escola, falou da escola, voltou. E na escola você tinha amigos também, amigas, nesse período que você tem até hoje?
R – Então, eu fiz o pré no Agostiniano Mendel, aí eu saí do Agostiniano Mendel e fui pro Lourdão, que é o Nossa Senhora de Lourdes, que é um colégio um pouco mais fraco, um pouco mais tranquilo. Eu não lembro por que eu saí do Agostiniano Mendel e fui pro Lourdão, mas tudo bem. Acho que talvez minha mãe tenha se assustado com o quanto o Agostiniano Mendel era forte, achou que eu não ia acompanhar, não sei. E aí me mudou pro Lourdão que é um colégio mais tranquilo que fica muito perto do prédio que a gente se mudou quando eu tinha oito anos de idade, mas a gente ainda não tinha se mudado pro prédio ainda quando eu estava no primeiro ano da escola. Primeiro ano eu tinha quantos anos, seis, sete? Sete anos, por aí. É, eu me mudei quando tinha oito, no segundo ano. Aí talvez ela já estivesse planejando se mudar pro prédio, acho que alguma coisa assim. Eu me mudei pro Lourdão e eu lembro que no primeiro dia de aula eu fiquei amigo de uma menina que falava muito (risos) porque eu era muito quieto e essa menina falava muito. E ela veio falar comigo e ela falava, falava, falava, e eu fiquei amigo dela de cara. O nome dela era Stefani e eu sou amigo dela até hoje. Depois eu fiquei amigo de mais duas meninas ao longo do caminho, da escola. E era mais ou menos esse o grupinho. Só que essas meninas se tornaram meio que populares na escola e eu era meio que o capacho delas (risos), então elas me zoavam muito porque eu era muito desajeitado enquanto menina, sabe? Eu era um fracasso (risos).
P/1 – O que é um fracasso?
R – Eu não me vestia bem, eu não me arrumava, eu não conseguia ser menina. Enquanto as outras meninas, essas minhas amigas, se arrumavam, se vestiam bem, mesmo que eram pequenas, mas elas tinham uma feminilidade que já era vista, que era esperada e eu não tinha, eu era muito desajeitado. Eu era uma coisa que estava meio no limbo, que não era nem um garoto, nem uma garota e que não se encaixava em lugar nenhum. E elas me zoavam horrores.
P/1 – E você tinha consciência disso?
R – Não, não tinha consciência disso, agora eu vejo. Eu tinha consciência que tinha alguma coisa errada comigo, mas eu não sabia o quê. Eu sempre tive essa impressão, que tinha alguma coisa errada comigo. Desde que eu me entendo por gente eu tenho a impressão que tem alguma coisa errada comigo, mas eu não sei o quê, entendeu? E aí elas me zoavam muito. Eu lembro de uma vez num aniversário eu receber umas cartas dessas minhas amigas que eram minhas melhores amigas falando o quão zoado eu era. E elas me entregavam cartas falando isso, o quão zoado eu era e quão demais elas eram, sabe? E era assim, elas em zoavam demais.
P/1 – E sua mãe sabia disso, seus pais sabiam?
R – Não. Eu nunca contei nada pros meus pais porque quando eu contava alguma coisa pros meus pais, meus pais só mandavam eu ignorar. Então eu perdi a confiança nos meus pais porque eu achava que tudo o que eu contasse pros meus pais eles iam mandar eu ignorar, entendeu? Então eu não contava mais nada pros meus pais.
P/1 – E a sua mãe achava alguma coisa de errado com você?
R – Não, a minha mãe nunca achou nada de errado comigo.
P/1 – Nem seu pai, nem sua avó.
R – Não.
P/1 – Mas você achava?
R – Eu achava.
P/1 – E os meninos, você tinha amigo menino?
R – Na escola não. Quando eu mudei pro prédio eu fiz amizade com muitos meninos, eu só andava com os meninos. Então era uma vida dupla, na escola eu só andava com as meninas, no prédio eu só andava com os meninos. Na escola eu tentava me encaixar com as meninas e no prédio eu meio que podia ser eu, sabe? No prédio eu me sentia mais livre. E aí eu jogava bola, eu brincava de polícia e ladrão, eu fazia as brincadeiras que eu queria brincar. Só que no prédio era assim, os pais das crianças nos prédios trabalhavam muito, então as crianças ficavam meio abandonadas no prédio. E tinha criança de tudo quanto é idade, desde adolescente até criança pequena e todos ficavam lá. E tinha muita criança mesmo (risos).
P/1 – Esse prédio ficava na Água Rasa também?
R – Fica na Água Rasa. É o prédio que eu moro até hoje. E acontecia de tudo nesse prédio. Tinha algumas crianças, adolescentes e pré-adolescentes que eram meio problemáticos, tinha gente que brigava, tinha criança que batia uma na outra, tinha gente que se zoava, bullying, acontecia de tudo. E eu e meu irmão éramos muito inocentes porque a gente vivia antes na casona e a gente não tinha contato com muita criança, muito mais com criança que tinha malícia, com criança que zoava uma da outra, a gente não tinha contato com essas crianças e a gente era muito inocente. Então quando a gente chegou no prédio, eu com oito anos, nove anos, alguma coisa assim e o meu irmão com seis, sete anos, a gente era muito inocente e a gente caía em todas as brincadeiras das outras crianças, a gente era zoado, a gente sofria bullying, a gente sofria tudo. Mas mesmo assim eu me sentia mais à vontade no prédio do que na escola porque pelo menos enquanto a gente brincava de futebol, por exemplo, eu era uma criança como outra qualquer no meio dos meninos. Assim que acabava a brincadeira do futebol, por exemplo, aí eu virava a menininha da turma e aí eu sofria preconceito, qualquer coisa. E tinha umas crianças mais velhas que eram muito sexualizadas precocemente, tipo, que estavam despontando a sexualidade, que eram crianças com dez, 12 anos.
P/1 – Você estava com quantos anos nessa época?
R – Nove. Crianças com dez, 12 anos, uns meninos que estavam com a sexualidade nascendo, sei lá, estavam com fogo no cu (risos) e estavam querendo imitar os adolescentes. Porque os adolescentes no prédio faziam sexo com as meninas na escada e eles queriam imitar esses adolescentes. E aconteceram algumas coisas comigo, porque como eu era a menina do grupo eu era um alvo fácil porque eu era a única menina do grupo e eu era vulnerável ali. Então aconteceu de uns meninos me tocarem, de alguma coisa. E aconteceu uma vez da gente estar brincando de esconde-esconde e eu ia me esconder dentro do salão de festa, porque a gente invadia às vezes o salão de festas por uma janela, a gente abria a janela, pulava dentro porque tinha um negócio de sentar e tinha a janela, aí a gente subia no negócio de sentar e a gente pulava a janela. A gente fazia isso e se escondia dentro do salão de festas, era o melhor esconderijo de todos porque pouca gente ia procurar no salão de festas. Eu pulei dentro do salão de festas e me escondi lá dentro, só que aí três meninos viram e me seguiram e aconteceu desses três meninos abusarem de mim sexualmente.
P/1 – Nove anos?
R – Com nove anos. Aconteceu isso e depois disso...
P/1 – Você não contou pra ninguém?
R – Não. Porque eu tinha aquela ideia de criança que se eu contasse qualquer coisa pros meus pais eles iam falar para eu ignorar. E eu achava que era só mais uma coisa, mais uma brincadeira, mais uma zoação, enfim. Depois disso as coisas foram ficando mais pesadas.
P/1 – Mais pesadas como?
R – Mais pesadas pra mim porque, por exemplo, o que eu percebi, eu acho, inconscientemente é que meu lugar não era ali. Eu acho que inconscientemente eu devo ter percebido isso. Porque eu comecei a não me sentir mais confortável de estar ali junto com eles porque eu senti que eu era diferente deles depois daquilo porque aquilo acontecia comigo e não acontecia com nenhum outro menino, entendeu? Então eu era figura diferente ali, eu não poderia ser como eles. Porque o que eu queria era ser como eles, então quando aquilo acontecia comigo e não com nenhum outro menino eu vi que eu era diferente e eu nunca seria como eles, naquele lugar eu não era bem-vindo, então eu deveria ser como outras meninas e me encaixar no mundo feminino. Isso tudo inconsciente eu devo ter percebido. E aí eu parei de descer tanto, de brincar tanto com os meninos, eu me senti em outra posição. E eu comecei a tentar fazer amizade mais com as meninas, eu comecei a ficar amiga de uma menina do prédio, que era a Raísa e com ela eu brincava de boneca, brincava de coisas mais de meninas. E tinha as meninas da escola também. Enfim, fui tentando me enquadrar. Eu fui crescendo, com 12 anos eu comecei a ficar com meninos, comecei a me forçar a ficar com meninos porque mesmo que a igreja falasse que isso era errado eu queria provar pra mim mesmo que eu estava no caminho certo, entendeu, que eu era normal. Porque a igreja falava que a gente tinha que ser diferente no sentido que a gente devia ser puro, só que eu queria ser o mais normal possível, eu queria sumir na multidão. Na minha cabeça, pra eu ser normal eu tinha que agir como qualquer outra garota, então eu comecei a ficar com meninos porque isso era normal na minha cabeça. Eu comecei a ficar com meninos com 12 anos de idade, fiquei com meu melhor amigo e depois eu dei um soco na cara dele porque eu não aguentava mais. Não, sério (risos). Eu fiquei com meu melhor amigo e aí eu fiquei com tanta raiva dele, não sei por quê, porque estava errado mas eu ficava com os meninos e ficava com raiva deles depois. E aí eu batia neles e fim.
P/1 – Por que você ficava com raiva?
R – Eu ficava com raiva porque estava errado, mas eu direcionava minha raiva pras pessoas, entendeu? E aí eu queria bater nas pessoas. E era assim. E aos poucos eu fui direcionando essa raiva pra mim mesmo. Mas isso é mais pra frente, naquela época eu direcionava a raiva pra outra pessoa e eu batia na outra pessoa, quando eu tinha 12 anos.
PAUSA
P/1 – E aí você estava com 12 anos.
R – É, eu estava com 12 anos, comecei a ficar com os garotos e com 12 anos começou outra coisa, eu fiquei menstruado pela primeira vez e o corpo começou a mudar. E aí vem uma série de complicações, confusão na cabeça porque a relação com você mesmo muda porque, por exemplo, eu tinha uma coisa na cabeça que era assim, eu não admitia que as pessoas me categorizassem. Então quando as pessoas viravam pra mim e falavam: “Você é menina”, ou “Você é mulher” eu falava: “Não, eu sou criança”, porque eu não queria ser classificado dessa forma. Porque quando eu falava: “Eu sou criança”, eu estou me dando o direito que eu estou numa posição neutra, que eu não queria ser classificado como mulher ou como menina, eu queria ser criança pra sempre porque eu não queria ser colocado em nenhuma categoria, nem como menino, nem como menina, eu queria me dar ao direito de não pensar nisso, não pensar em gênero, eu não queria pensar em gênero. Só que quando você chega aos 12 anos e começa a menstruar e seu corpo começa a desenvolver curva você é obrigado a se colocar na categoria mulher. Então a partir daquele momento eu senti que eu não era mais criança, que eu estava começando a me dirigir à categoria mulher, à categoria menina, moça. Porque aí eles começam a falar: “Ah, virou mocinha, tá virando menina, tá virando mulher”. E isso pesa muito. E dói porque não é aquilo que você quer. Eu comecei a cada vez mais criar uma raiva de mim mesmo porque você vê aquilo no espelho e não é o que você está se identificando, sabe? O seu corpo vai se transformando numa coisa que não é aquilo que você quer, não é aquilo que você está se identificando. Mas de qualquer jeito eu fui crescendo e com, deixa eu pensar... acho que eu pulo uma parte, pros 15 anos, 15 anos foi a última vez que eu transei com um menino, que foi terrível porque eu lembro que foi numa festa de 15 anos de uma colega minha da escola que eu fui. Eu lembro que eu já estava bem magra nessa época porque eu tinha começado a parar de comer porque eu achava que o meu desgosto com o meu corpo era porque eu estava gordo, mas não era isso, mas é porque eu achava que eu estava gordo. Na verdade era porque eu tinha curvas.
P/1 – Você chegou a ficar anoréxico?
R – Eu cheguei a ter princípio de anorexia, mas não cheguei a ficar anoréxico. Eu cheguei a pesar 50 e poucos quilos. E eu sou uma pessoa grande e com 50 e poucos quilos eu estava bem magro, bem magro mesmo. Eu almoçava suco e jantava aquelas sopinhas Vono, sabe? Eu estava bem magro mesmo e eu lembro que eu fui nessa festa de 15 anos e um menino deu em cima de mim, eu fiquei com ele e na semana seguinte eu tinha dado o endereço da minha escola, ele apareceu lá na escola, me pegou e levou pra casa dele e eu fui, impulsivo, porque eu sempre fui muito impulsivo. E fui ficando cada vez mais impulsivo à medida que eu fui crescendo. Eu fui, ele me levou pro quarto dele, a gente transou só que foi horrível porque eu tremia, chorava e ele lá, transando comigo e eu tremendo, chorando e, enfim, foi. E foi a última vez que eu transei com menino antes da minha transição. E depois eu continuei magro por um bom tempo, mas eu via que não resolvia porque não importa o quanto eu emagrecesse eu continuava odiando meu corpo porque as curvas não sumiam, sabe? Não adiantava, continuava com seio, continuava com bunda, não adiantava, continuava com cintura, não adiantava nada. E aí quando eu tinha 17 pra 18 anos eu estava no terceiro colegial e eu comecei a me cortar.
P/1 – São essas marcas que você tem aqui?
R – É, são essas marcas. Eu comecei a me cortar porque toda a raiva de tudo isso que tinha acontecido comigo começou a se direcionar pra mim mesmo. Então eu comecei a me cortar também porque eu odiava o meu corpo, parece que tudo o que tinha acontecido comigo se voltou contra mim e eu não conseguia lidar com isso. E sei lá, sabe, explodiu (risos) e eu comecei a descontar tudo em mim.
P/1 – Quando você se cortou a primeira vez?
R – A primeira vez que eu me cortei foi quando eu estava no telefone com meu amigo, meu melhor amigo, e a gente estava brigando por alguma coisa. Eu comecei a brigar muito com as pessoas também, meu humor estava horrível, estava péssimo. Eu oscilava muito de humor, eu comecei a ficar muito agressivo também. Eu estava brigando com meu amigo e eu lembro que eu desliguei o telefone e eu vi um estilete em cima da minha mesa e sem pensar, sem nada eu peguei o estilete e fiz um corte no meu braço e eu lembro que eu senti um alívio muito grande, uma satisfação grande, como se eu tivesse colocado pra fora os meus sentimentos, sabe? Não sei, como se fosse um jeito de chorar. Sei lá, foi um jeito de me expressar.
P/1 – Seus pais viram que você cortou?
R – Não, eu escondi. E a partir de então eu comecei a me cortar praticamente todo dia. Era meu jeito de me expressar, era meu jeito de falar. Porque durante a minha vida inteira eu fiquei calado, eu não era eu mesmo, eu não podia me expressar do jeito que eu queria, tudo era mentira na minha vida, eu usava uma máscara. Enfim, eu nunca tinha contado nada pra ninguém sobre tudo o que tinha acontecido comigo. Enfim, eu precisava falar de alguma forma e meu jeito de falar também era me cortando.
P/1 – E seus pais não começaram a perceber que você estava se cortando?
R – Só depois de um tempo porque eu escondia, eu usava manga comprida, eu usava uma munhequeira aqui, usava pulseiras. Mas depois que começou a ficar grave mesmo eu não tinha mais como esconder. Antes de começar a ficar mais grave eu pedi pra minha mãe pra me levar no psiquiatra porque por mais que eu estava doente disso eu também tinha consciência de que eu precisava de ajuda. Então eu pedi pra minha mãe me levar no psiquiatra com a desculpa que eu tinha déficit de atenção, sei lá. A minha mãe me levou no psiquiatra, que eu enchi o saco dela, eu falei pro psiquiatra, o psiquiatra quase caiu pra trás quando viu as minhas marcas. Porque na época ainda não tinha estourado esse boom que agora está todo mundo se cortando, que agora virou modinha pelo que eu fique sabendo (risos). E aí ele levou um susto, ele me indicou pra terapia e me deu uns remédios, ele me deu um antidepressivo, só que eu não posso tomar antidepressivo que eu entro em mania, porque a minha doença não é depressão, eu tenho transtorno de personalidade limítrofe e tem que tomar cuidado com qual antidepressivo você dá pra mim porque senão dá o efeito contrário e me dá crise de mania. E com a crise de mania eu fico mais impulsivo e eu faço mais merda.
P/1 – Mas esse diagnóstico você teve nesse momento que você foi no psiquiatra?
R – Não, foi depois. Primeiro ele achou que era depressão, por isso que ele me deu o antidepressivo. Com o antidepressivo eu comecei a me cortar mais, comecei a ficar mais impulsivo.
P/1 – Você chegou a ir pro hospital alguma vez?
R – Já, várias vezes.
P/1 – De se machucar?
R – Aham. Aí quando ficou mais grave eu já tive que levar pontos várias vezes, eu cheguei a levar até 60 pontos de uma vez só de vários cortes, que eu me cortava só não uma vez, eu fazia vários cortes, aí eu tive que levar vários pontos. E quando eu me cortava muito eu comecei a ser internado quando eu tinha uns 19 anos; eu comecei a me cortar com 17, 18 anos, com 19 anos eu comecei a ser internado em clínica psiquiátrica, quando eu já estava na faculdade. Dos 19 aos 21 anos foram cinco internações psiquiátricas e nas internações era muito duro porque ter essa vivência de internação é muito difícil porque você sofre diversas violências dentro da clínica psiquiátrica, desde você ser amarrado, de você ter privações, até o fato de conviver com diversas pessoas que estão em situações complicadas. O fato de você ficar preso dentro de uma UCE, que é Unidade de Cuidados Especiais, em que você só tem direito de ficar na sua cama por dias. Enfim, são violências.
P/1 – Seus pais lidavam como com isso?
R – Era bem complicado pros meus pais porque é óbvio que eles sofriam muito com isso e eles não tinham o que fazer porque ninguém me segurava, sabe? Não tinha como me segurar porque eles tentaram tirar dinheiro de mim para eu não poder comprar gilete, mas eu dava um jeito e comprava gilete. Eles tentaram me internar, mas também não adiantava. Tentaram de tudo, mas não tinha jeito.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Aí você estava com 16 anos, que programas você fazia na adolescência? O que você gostava de fazer, que sons você curtia, que programa você gostava de fazer?
R – Quando eu tinha 16 anos?
P/1 – Adolescência em geral.
R – Eu gostava de Simple Plan, Greenday, Evanescence, essas coisas aí. Não que eu tivesse a aparência de emo, mas eu gostava desses sons.
P/1 – E programas pela cidade, você passeava pela cidade, onde você frequentava?
R – Gostava de ir na Liberdade porque eu tinha vários amigos japoneses, porque a escola era cheia de japonês. Gostava de passear no Tatuapé mesmo, de ir pro Tatuapé. Sei lá, eu não passeava tanto assim porque a minha família sempre foi muito fechada e não me deixava fazer muita coisa, sabe?
P/3 – Como que era a relação com seu irmão porque no começo você falou que vocês não se davam muito bem, mas na adolescência como é que foi?
R – Teve uma época na adolescência que a gente melhorou um pouco o convívio, mas assim que eu me assumi lésbica, que foi quando eu comecei a me cortar, quando foi um pouco depois que eu comecei a me cortar, a relação com meu irmão acabou. A gente parou de se falar e tudo. Depois que eu me assumi trans então, tipo, puf, morreu a relação com meu irmão.
P/1 – Quando você se assumiu como lésbica como foi? Quando você teve esse impulso de assumir essa consciência?
R – Quando eu comecei a me cortar uma menina da minha escola que era a minha amiga, a Gabi, ela começou a cuidar dos meus cortes. Todo dia ela conferia meu braço pra ver se eu tinha me cortado e eu tinha me cortado e ela fazia curativo, limpava meus cortes, tal, sentava, conversava comigo sempre. E aí eu comecei a me apaixonar por ela. Até que um dia eu falei e a gente acabou ficando tal e eu namorei ela por uns três anos. Então até na época que eu estava na clínica ela ia me visitar e tal.
P/1 – Seus pais sabiam?
R – Depois de um tempo sabiam. E foi quando eu me assumi lésbica, no tempo que eu fiquei com ela. E eu amava ela demais, perdidamente, perdidamente.
P/1 – Mesmo com ela, namorando, você continuava se cortando.
R – Sim. Porque ela achava que meu problema era ter escondido o fato de eu ser lésbica por tanto tempo. Só que não era isso. E ela ficava frustradíssima com o fato de eu continuar me cortando apesar de ter ela, de namorar com ela, de ter me descoberto lésbica e tal. Porque ser lésbica não era o bastante, não era esse o ponto, não era esse o problema. E ela ficava frustrada. Até o ponto que ela não aguentou mais e me deixou. Porque ela achava que ela ia me ajudar a passar por tudo isso mas não deu, não era esse o problema.
P/1 – E qual foi a reação dos seus pais?
R – No começo foi bem complicado porque eles eram da Congregação.
P/1 – Você chegou como?
R – Eles já desconfiavam, acho que já até sabiam. E aí eu acho que um dia voltando de uma vez que eu fui pro hospital e tinha me cortado e tals eu acho que eu falei pra eles que eu era lésbica, sim, e que eu amava a Gabi e não sei o quê e alguma coisa assim. Sei lá, acho que eu falei revoltado, acho que foi assim.
P/1 – Falou pra sua mãe e pro seu pai? Qual foi a reação deles?
R – Silêncio (risos). Sei lá. Porque eu tinha acabado de me cortar, não sei. Aí acho que eles falaram: “Ah é?”, eles falaram, “que você fala tanto que está feliz sendo assim, mas você continua se cortando”. Porque eu tinha falado que eu era feliz sendo lésbica.
P/3 – E eles achavam que você se cortava e que você era internado várias vezes por quê?
R – Não sei. Boa pergunta.
P/1 – Mas eles eram carinhosos? Gerou agressividade, que tipo de sentimento você acha que gerou?
R – Eu acho que eles estavam bem confusos, eles não sabiam como lidar com a situação. Não sei.
P/1 – E você foi internado, essas cinco internações num período de quanto tempo?
R – Dos 19 aos 21 anos, foram dois anos, 19, 20, 21.
P/1 – Você entrava em mania?
R – Sim, eu entrava em mania, em psicose. Por exemplo, eu cheguei a ouvir vozes, a ver vultos, a ter alucinações sensoriais, alucinações de vários tipos. Eu cheguei inclusive a ser diagnosticado como esquizofrênico, mas aí depois caiu esse diagnóstico e eles diagnosticaram só como transtorno de personalidade limítrofe, que é borderline. E aí ficou esse diagnóstico. Eu tomei muito remédio, fiquei muito dopado. Enfim, eu tenho consequências de ter tomado tanto remédio até hoje, por exemplo, o meu raciocínio não é mais o mesmo, a velocidade dos meus pensamentos não é mais a mesma.
P/1 – Nesse período da internação você já estava na faculdade?
R – Já.
P/1 – Você prestou faculdade pra quê?
R – Pra Publicidade.
P/1 – Que era Cásper Líbero?
R – Não.
P/1 – Esse já era outro.
R – Era primeiro na ESPM. Eu consegui uma bolsa na ESPM. Eu fiz um ano e meio mais ou menos de ESPM, aí eu comecei a ser internado, tranquei o curso uns dois anos mais ou menos e quando eu voltei da última internação eu já tinha saído da ESPM e estava querendo prestar Cásper porque já tinha acabado a minha bolsa. Eu queria prestar Cásper porque Cásper é muito mais barato do que ESPM e compensava mais. Então eu fui prestar Cásper e acabei sendo internado mais uma vez, tive que trancar mais um ano de Cásper e aí eu voltei esse ano pra Cásper.
P/1 – Por que você escolheu Publicidade?
R – Eu escolhi Publicidade porque eu queria me comunicar de alguma forma com as pessoas e passar alguma mensagem pras pessoas que seja positiva. Só que depois, fazendo Publicidade, eu percebi que na verdade quem escolhe a mensagem que é passada não é o publicitário, é o cliente, isso me decepcionou demais. Eu decidi depois que na verdade o que eu quero ser é professor de Sociologia que dá aula pra quem é de Publicidade, entendeu? Porque eu queria mudar a visão dos alunos de Publicidade, por mais que eles não escolham a mensagem que é passada, que eles escolham como a mensagem é passada, entendeu? Pra que eles passem de uma forma mais positiva ou menos negativa, menos... esqueci a palavra (risos).
P/1 – Então voltando, você chegou a fazer cursinho?
R – Não.
P/1 – Foi direto do colégio pra ESPM.
R – É.
P/1 – E como era na faculdade? Quando você entrou na ESPM deu pra fazer amigos nessa confusão, como foi a entrada na faculdade?
R – No começo eu tinha três amigas, era tranquilo e tal. Depois começaram as brigas, desentendimentos porque eu sempre brigava com todo mundo. Tinha uns colegas na classe, tal, aí começaram as oscilações de humor e tudo. Logo eu comecei a ser visto como o doente, o problemático, então eu comecei a ser taxado e já estragou toda minha imagem, sabe? Eu não queria mesmo voltar pra ESPM, mesmo se eu tivesse dinheiro, mesmo se não fosse tão caro eu já não tinha mais vontade de voltar pra ESPM porque eu sentia que eu já estava marcado, por ter trancado tantas vezes, por ter sido internado já tantas vezes, não tinha mais vontade de voltar.
P/1 – Quando você era internado a pessoas ficavam sabendo?
R – Sim.
P/1 – Vinham te perguntar?
R – Sim.
P/1 – Qual foi a internação que você acha que te marcou mais?
R – A última.
P/1 – O que aconteceu?
R – A última eu fiquei dois meses e meio e foi bem marcante porque eu lembro que eu fiquei acho que um mês na UCE.
P/1 – O que é UCE mesmo?
R – UCE é Unidade de Cuidados Especiais, que é uma sala basicamente onde ficam várias camas enfileiradas.
P/1 – Mas é clínica particular ou é hospital público?
R – Era uma clínica pública que virou particular de convênio e aceitava meu convênio, que é o convênio do meu pai, na verdade, da empresa. A clínica é Vera Cruz, lá do Jaçanã. A UCE é um quarto com umas camas enfileiradas em que basicamente não tem nada no quarto e fica uma enfermeira na porta e você fica deitado lá, você não faz nada, só fica deitado. E você fica lá o dia inteiro.
P/1 – Não pega um livro?
R – Você pode pegar um livro se você trouxer um livro. Mas você fica lá deitado e não faz nada, você fica lá sendo observado.
P/3 – Não tem contato com outros internados?
R – Só os internados que estão na UCE.
P/1 – Aí vocês trocam ideias?
R – É, mas geralmente as pessoas que estão na UCE estão tão mal que você não troca ideia, entendeu? Porque é assim, as pessoas só ficam deitadas ou ficam amarradas. Se elas tiverem agitadas ou alguma coisa assim elas ficam amarradas e gritando. E é isso.
P/1 – Como é que você fazia pro tempo passar?
R – Não sei, não lembro. Porque a memória desses dias é muito confusa.
P/1 – Mas você chegou a ser amarrado?
R – Já, já cheguei a ser amarrado. A levar injeção.
P/1 – Por que você foi amarrado?
R – Porque teve uma vez que eu estava tomando banho e eu ouvi uma voz me mandando quebrar algum vidro pra me cortar. E aí eu comecei a chutar o box do banheiro pra quebrar ele, só que o vidro era temperado pra não quebrar, óbvio, né? Porque não vai ter um vidro fácil de quebrar dentro de uma clínica psiquiátrica (risos). Eu comecei a chutar, chutar, chutar, fazendo aquele barulhão, aí me tiraram do box e me amarraram numa cama. Eu ouvia todo mundo falando, os médicos falando que eu não tinha jeito, que eu não sei o quê, tipo: “Olha quanto remédio ela está tomando”, e eu ouvindo tudo. E aí eu tomei muita injeção também, injeção que eles davam com você andando e você caía no chão e acordava no outro dia na cama. Você sabe que você caiu porque sua cabeça estava doendo no dia seguinte (risos), que os outros internos contaram que eles que te levantaram, que nem foi a enfermeira. Várias coisas.
P/1 – Isso foi dos 17 aos 19.
R – Não, dos 19 aos 21.
P/1 – Mas você só tinha se assumido como lésbica, não como trans.
R – Aos 21 anos eu me assumi como trans.
P/1 – Como é que foi a passagem de lésbica pra trans?
R – Na minha última internação eu conheci uma mulher trans.
P/1 – Na clínica.
R – Na clínica.
P/1 – Ah, então rolava uma conversa.
R – Tinha, quando você saía da UCE tinha uma área comum. Nessa área comum a gente geralmente ficava fumando que nem louco porque não tinha muita coisa pra fazer e a gente sempre nervoso, ansioso pra caramba, aí a gente fumava muito e ficava conversando lá. E tinha uma mulher trans lá que ainda não tinha feito a transição também. Então eu achava que era um gay, só que ele era diferente, sabe? Ele tinha um discurso que não era de gay, era um discurso diferente. E aí eu comecei a conversar com ele e ele me contou que ele era uma mulher trans, na verdade, que ainda não tinha feito transição. A gente começou a conversar, tal, eu fiz amizade com ela e a gente conversando e tal eu comecei a ver que o meu discurso era muito parecido com o dela em relação ao corpo, em relação à roupa, em relação a tudo, sabe? E aí me sugeriu que talvez eu tivesse alguma questão de gênero envolvida na minha vivência. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso e ficou nisso, eu não fui além desse pensamento, não pensei que eu fosse homem trans porque ela não falou o nome homem trans. E eu nem sabia que existia esse nome, homem trans.
P/1 – Mas mulher você sabia.
R – Aham. Mulher trans eu sabia.
P/1 – Conhecia alguém?
R – Conhecia ela agora, mas nunca tinha conhecido.
P/1 – Foi a primeira.
R – Foi a primeira. Ela não falou o nome homem trans e ficou por isso mesmo, sabe? Ela saiu da clínica, eu saí um tempo depois e a gente se encontrou do lado de fora da clínica depois e ela falou.
P/1 – Você pegou o contato dela.
R – Peguei o contato dela e a gente se encontrou depois. A gente conversando do lado de fora da clínica de novo veio esse papo e ela perguntou se eu não seria talvez um demiboy. Eu falei: “O que é isso?”, e ela: “Demiboy é uma pessoa que se identifica quase totalmente como menino, é uma pessoa que nasceu com vagina, mas se identifica quase totalmente como menino”. Aí eu: “Hum, sei lá, talvez” “Mas não é um homem trans”, ela disse. Aí eu: “Ah, tá. Não sei”. Perguntei pra ela o que era homem trans e tal, perguntei tudo pra ela, ela foi explicando e tal. Aí ela pegou e me colocou no Facebook depois num grupo de pessoas trans não binárias. Pessoas trans não binárias são aquelas pessoas que não se identificam nem com um gênero e nem com o outro, nem como mulher, nem como homem, mas tem um espectro entre esses dois. Mas tinham pessoas lá que eram homens trans e mulheres trans e eu não me identifiquei como pessoas não binárias, eu me identifiquei, eu comecei a conversar com os meninos trans e me identifiquei com os meninos trans.
P/1 – Nesse grupo do Facebook?
R – Nesse grupo do Facebook.
P/1 – Você estava com 20 anos.
R – Vinte e um anos. E eu me identifiquei direto com os meninos trans, sabe?
P/1 – Você encontrava com eles ou não, só pelo Face?
R – Ainda não tinha me encontrado. Na hora que eu comecei a conversar com os meninos trans eu me identifiquei na hora com eles. E foi uma libertação, foi um alívio, nossa, foi uma coisa absurda. Porque eu nunca tinha me sentido pertencente a nada e pela primeira vez na vida eu estava me sentindo pertencente a um grupo social. E foi incrível, sabe? Foi sensacional. E a partir de então eu comecei a me identificar como homem trans e eu adotei o nome Samuel, que era um nome que eu já tinha na cabeça pra mim há muito tempo só que eu nunca ia colocar como sendo meu.
P/1 – Desde quando você tinha esse nome Samuel?
R – Eu já tinha há alguns anos esse nome na cabeça, mas eu não sabia por quê. Depois que eu fui procurar o significado que eu comecei a encaixar um pouco as peças. Porque Samuel é um nome bíblico e a minha família é muito religiosa. E o meu nome de registro não é bíblico. E a história de Samuel é o seguinte, a mãe de Samuel queria ter um filho e não podia ter, então ela pediu pra Deus dar um filho pra ela. Então Samuel é um milagre de Deus. Samuel não era pra existir, mas existe. E eu, do jeito que eu sou, eu não deveria existir, mas eu existo. E Samuel foi prometido pra Deus e eu, do jeito que eu sou, eu também posso ser prometido pra Deus, mesmo sendo do jeito que eu sou, entendeu? Então todos esses significados acho que são super legais, então, sei lá, meio que casou, sabe? E é engraçado que o meu nome de registro também é muito significativo, porque meu nome de registro significa ‘ninfa da fronteira’ e o nome do meu transtorno psiquiátrico é limítrofe, ou borderline, que significa fronteira, então tudo é muito significativo, parece que foi uma premonição, com o meu nome de registro ficou meu transtorno, com o meu nome social vem todo o significado novo, entendeu? Então é muito interessante. E eu me assumindo homem trans meio que todos os sintomas do meu transtorno parece que vão se diluindo, parece que vão aos poucos desaparecendo, meio que resolve muitas questões internas minhas. Algumas coisas ainda continuam, por exemplo, a impulsividade, o não pensar na hora de fazer, a autodestrutividade um pouco.
P/1 – Você parou de se cortar?
R – Parei de me cortar. Mas eu ainda faço algumas coisas autodestrutivas.
P/1 – Como?
R – Ah, algumas coisas autodestrutivas, algumas coisas que não quero falar (risos) senão minha mãe me mata.
P/1 – E o que mudou, você mudou seu nome.
R – Mudei meu nome, nome social. Logo que eu me assumi eu fui no CRD lá na República, me apresentei como Samuel, aí eles fizeram o cadastro lá, meio que uma avaliaçãozinha pra ver se eu era transexual e me encaminharam pro CRT, que é onde fica o Ambulatório TT. Aí no Ambulatório TT me encaminharam pra fila pra tomar hormônio, pra entrar no processo transexualizador.
P/1 – É tudo público?
R – Tudo público, tudo do SUS. Aí em janeiro, dia cinco desse ano eu comecei a tomar testosterona e no dia dois de setembro desse ano eu fiz minha cirurgia da mamoplastia masculinizadora. E é isso.
P/1 – Onde você fez a cirurgia?
R – Eu fiz aqui em São Paulo, com o Fábio Kamamoto.
P/1 – Mas é particular ou é também público?
R – É particular.
P/2 – E o que é essa cirurgia?
R – É de tirar os seios e construir um peitoral masculino.
P/1 – Mas foi pago ou alguém pagou?
R – Minha mãe me ajudou.
P/3 – Como seus pais estão em relação a esse processo recente, se foi esse ano.
R – A minha mãe está sendo uma santa na minha vida, sabe? Acho que ela entendeu que eu estou muito mais feliz assim porque ela viu todo o meu processo na minha vida, então ela viu o quanto eu estava triste e me acabando antes da transição e quanto eu estou feliz hoje e realizado. Ela entendeu que eu estou muito melhor hoje desse jeito, então ela está ajudando, está colaborando. O meu pai é um pouco mais complicado de entender as coisas e tal, ele sempre quis ter uma menininha, sempre quis ter uma filha mulher, então pra ele é um pouco mais complicado. O meu irmão não fala comigo, ele não aceita de jeito nenhum, é mais difícil. E é isso.
P/1 – E as outras pessoas da sua família?
R – Também é complicado, sabe? Minha avó e minha tia-avó têm um pouco de dificuldade em aceitar, que elas são muito religiosas. Às vezes tentam me chamar de Samuel mas têm dificuldade de aceitar que eu sou um menino, sabe? Até podem chamar de Samuel, mas não conseguem aceitar que eu sou um menino. Deixa eu pensar. Meus tios e tias também têm dificuldade, eles estão distantes, não acompanharam o processo. E é isso.
P/1 – Alguém te destratou por isso, na família?
R – É difícil dizer porque a transfobia é estrutural e internalizada nas pessoas. Então eu poderia dizer que sim porque as pessoas me tratam diferente, as pessoas não me tratam de uma forma muito calorosa, me tratam diferente das outras pessoas. Só que pra elas, elas não estão tratando diferente, mas eu consigo ver que elas estão me tratando diferente, entendeu? Só pra elas, elas estão tratando normal. Elas não conseguem ver que elas são transfóbicas. É a mesma coisa com o racismo, as pessoas não conseguem ver que elas são racistas. É isso.
P/1 – Quanto tempo é esse processo de tomar hormônio? Você toma até hoje, parou?
R – Eu tomo até hoje hormônio, estou tomando. A gente está em novembro, faz 11 meses? Não, dez meses.
P/1 – E até quando você tem que tomar? É pra sempre?
R – É pra vida toda.
P/1 – Mas quando você se assume, você pode me explicar isso melhor, esse processo? Você se inscreve no negócio do SUS, na Secretaria do SUS.
R – Então, quando você se assume você pode escolher tomar hormônio ou não, tem homens trans que não querem tomar hormônio, mas eu quis. E aí você entra na fila do processo transexualizador. Na fila do processo transexualizador geralmente demora uns cinco meses pra você ser atendido pelo clínico geral. O clínico geral vai te encaminhar pro endócrino e o endócrino receita o hormônio. Só que pra você ser receitado com hormônio você precisa ter o laudo psicológico e o laudo psicológico precisa de dois anos de terapia pra você receber o laudo psicológico. Só que eu fazia terapia desde os 17 anos de idade, então eu consegui o laudo rapidinho.
P/1 – E por que você decidiu tomar hormônio?
R – Porque eu queria me masculinizar, sabe? Eu queria ter voz grossa, eu queria ter barba, queria ter um corpo mais masculino, então eu comecei a tomar hormônio. E eu quero transformar meu corpo, eu quero ter um corpo mais masculino, ter voz grossa e tudo.
P/1 – Você já namorou alguma menina depois disso?
R – Já namorei mais uma menina, já fiquei com menino, já fiquei com mulher trans, com travesti (risos), com a porra toda (risos). Porque assim, na verdade eu sou bissexual e é muito diferente você ficar com um menino antes da transição e ficar com um menino depois da transição porque a relação muda. Porque quando eu ficava com meninos antes da transição eu me sentia horrível porque o menino me via como menina, isso eu não suportava, porque ele me via como uma pessoa inferior. E quando eu fiz a transição, agora o ficar com menino tem outro significado, porque eu sou um menino também. E agora a gente está em pé de igualdade e eu não me sinto inferior agora ficando com menino, então eu me sinto mais seguro, eu me sinto mais empoderado, tipo, eu não me sinto uma figura frágil com outro menino agora, é diferente. Enfim, sei lá (risos).
P/2 – Vou fazer duas perguntas. Uma, quando você começou a tomar hormônio você sentiu também uma mudança nas suas emoções, no modo de pensar? E a outra eu queria entender a questão do órgão sexual masculino, se existe essa implementação do pênis no trans.
R – Quando eu comecei a tomar hormônio várias coisas mudam, né? Primeiro o que muda eu acho que é o desejo sexual, porque ele fica muito mais instintivo do que romântico. Por exemplo, o hormônio feminino faz você ter um desejo sexual muito mais romântico do que instintivo, porque a mulher, não vou dizer a mulher, mas quem tem hormônio feminino, mais hormônio feminino do que masculino geralmente tem um desejo sexual mais romântico, ligado ao sentimento e tal, vai querer transar com quem gosta mais, com quem está apaixonado e tal. Agora a pessoa que tem mais hormônio masculino no corpo tem um desejo sexual mais instintivo, por exemplo, quer transar porque precisa, porque o corpo está pedindo, sabe? Então isso muda muito. Eu passei por essas duas coisas, entendeu? É uma coisa de hormônio, não é uma coisa de caráter. Isso você sente muita diferença com os hormônios. Por exemplo, depois que eu passei a tomar hormônio masculino o desejo sexual ficou bem instintivo, agora eu quero transar porque eu quero transar, não porque eu estou apaixonado pela pessoa, entendeu? Isso muda muito. É por isso que os homens traem mais do que as mulheres, porque ele quer transar porque ele quer transar, não porque ele está apaixonado pela amante, isso é bem estranho e diferente (risos). O que mais? As mudanças corporais também. Por exemplo, outra coisa que mudou também, primeiro foi a voz, a voz começou a oscilar mais, depois vêm os pelos corporais, aí os pelos faciais. A redistribuição da gordura corporal, os músculos, a força. Aí tem o genital também. Por exemplo, o genital dos homens trans, por exemplo, o clitóris é muito maior, começa a crescer mais. E a cirurgia dos homens trans, do genital, ainda está em caráter experimental no Brasil, então é quase como se ela não existisse. Existem dois homens trans que fizeram a metiodoplastia, pelo que eu sei, eu acho que é esse o nome e que pelo que eu ouvi falar eles se arrependem de ter feito porque não é funcional. Então a maioria dos homens trans escolhe não fazer a cirurgia porque não é funcional. E está em caráter experimental, então e meio perigoso fazer. Enfim, você tem que escolher ser um ratinho de laboratório enquanto ele está em caráter experimental. Então eu também, eu prefiro continuar com o órgão que eu tenho, que me dar prazer, do que ter um órgão incerto que não vai me dar prazer e que eu posso morrer no processo querendo ter ele. E eu prefiro ressignificar o meu órgão, por exemplo, dizer que a minha vagina é masculina e ponto e eu vou usar ela do jeito que eu quero, entendeu? E é isso.
P/1 – Aí você fez esse processo, você já estava na Cásper Líbero, como é que é?
R – Já estava na Cásper Líbero.
P/1 – Você entrou na Cásper Líbero e as pessoas te acompanharam, os amigos de lá, você fazendo todo esse processo.
R – Aham.
P/1 – E como é que era a convivência lá?
R – Então, a convivência com meus colegas de classe era relativamente tranquila no começo. Só que assim, eu sentia que eu era tratado diferente, óbvio, porque eu não era tratado nem como uma menina e nem como um menino, porque os meninos entre eles faziam brincadeiras e tal e eu não era incluído nessas brincadeiras. E as meninas entre elas, óbvio que eu não era uma menina também não fazia parte desse grupo, então eu era uma coisa à parte. Isso fazia eu me sentir um pouco mal, sabe? Porque eu era meio que café com leite da sala, não estava incluído em nenhum grupo, nem entre os meninos e nem entre as meninas, era meio estranho. Mas enfim, fui deixando levar. Mas não era maltratado, não. E aí o que aconteceu na Cásper Líbero foi que eu contestava muito os professores, as matérias, perguntava, fazia comentários e tal. Porque eu venho de uma realidade que é diferente da realidade dos meus colegas, eu venho de uma realidade de alguém que foi internado cinco vezes, eu venho de uma realidade de alguém que depois de se assumir homem trans viveu com essas pessoas trans. E é uma realidade de alguém que está na militância trans, que eu entrei na militância trans depois que me assumi trans. E é uma realidade diferente. Então eu contestava os professores, dava opinião, isso começou a incomodar meus colegas, incomodar os professores porque quem fala incomoda. E aconteceu que uma professora de Redação Publicitária deu uma prova que tinha um vídeo em inglês que ela passou que era de uma propaganda brasileira que ganhou Cannes, só que era em inglês, sei lá se pra ir pro Cannes você tem que fazer propaganda em inglês, não sei, não entendo. E a propaganda era toda em inglês, sem legenda, sem nada e ela passou só uma vez a propaganda e deu a prova. E na prova tinha uma questão que dependia do entendimento do áudio da propaganda. E mesmo se eu tivesse entendido a propaganda eu ia fazer a mesma crítica, porque nem todo mundo que está ali sabe inglês fluente e não precisa saber inglês fluente pra fazer a faculdade, entendeu? Então a minha crítica era que a professora estava sendo classista, elitista na hora de achar que todo mundo ali da classe e da faculdade, porque ela dá prova pra todas as salas de Publicidade, ela achar que todo mundo ali sabia inglês fluente. A minha crítica foi essa, a minha crítica foi na verdade que eu achava um absurdo que uma prova de redação precisasse de conhecimento de inglês e até quando vamos ser colonizados, alguma coisa assim. Eu critiquei tipo isso no Facebook, foi uma frasezinha curta. E eu falei: “Sobre a prova da professora Marina”, que era a professora. E aí alguém da minha classe printou esse post do Facebook e mandou pra professora, ou seja, já querendo treta com a professora, né? E a professora respondeu pra classe inteira num e-mail me detonando, um e-mail gigante, mandou pra classe inteira, me expondo, me detonando, chamando de burro. Só que a classe inteira ficou contra mim e começou a me detonar também, falando que eu era ridículo, que eu tinha exposto a professora, que eu não sei o quê e começaram a me malhar no grupo do WhatsApp da classe. E eu saí desse grupo do WhatsApp da classe porque eu não estava aguentando mais eles me xingar. E um menino foi ainda no meu inbox do Facebook e lançou um texto super transfóbico pra mim falando que eu não era homem o bastante, que eu devia ter atitude de homem, que se eu queria tanto ser homem eu devia ter atitude de homem, falando essas besteiras todas. E eu comecei a postar no Facebook as coisas que eu estava passando. Isso foi no final de semana. Na segunda-feira o coordenador do curso, que é o Freua, ele passou na sala e chamou dois meninos pra irem conversar na sala dele sobre o caso. E o menino que tinha me xingado no Facebook foi atrás deles pra conversar também sobre o caso. Só que eu achei um absurdo porque não me chamaram e o caso é sobre mim, eu achei que tinha que me chamar e eu fui atrás. Eu cheguei na casa do Freua e falei: “Professor, se o assunto é sobre mim eu gostaria de estar presente nessa reunião”. Aí o Freua saiu de onde ele estava, e ele lá super puto não sei por quê, falou que eu era desrespeitosa, que eu era mal-educada, sendo que na faculdade eu tenho meu nome social respeitado e meu gênero também respeitado e ele me tratando no feminino, falando que eu era mal-educada, desrespeitosa, falando que eu não ia desrespeitar ele como eu tinha desrespeitado a professora. Eu falei: “Professor, você está me desrespeitando, eu não desrespeitei a professora e nem desrespeitei você e você está me desrespeitando me tratando no feminino. A gente está numa instituição de ensino e você me deve respeito. E ele continuou me tratando no feminino e começou um bate boca do caralho e ele falando que ia chamar o segurança, não sei o quê, e eu falando: “Chama então!”. Ficou nessa discussão até que ele ligou pra não sei quem e decidiu que ia sair daquela sala com os três meninos pra ter a reunião em outro lugar. Ele saindo, ele ainda apontou o dedo na minha cara e falou que nunca tinha me desrespeitado na vida. Eu comecei a chorar e ele saiu. Eu saí correndo e chorando e eu trombei nele. E quando trombei nele, ele fingiu que caiu e começou a me acusar de ter agredido ele. E o que aconteceu? Eu continuei correndo. E a escola ficou do lado dele e eu pedi pra ver câmera e tal pra falar como eu estava correndo e eles falaram que não tinha câmera. E como sempre, a pessoa transexual é sempre a agressora, ficaram do lado dele, começaram a me acusar de agressora e tal e eu fui expulsa por causa disso. E aí foi isso.
P/1 – E a professora?
R – A professora foi demitida.
P/1 – E ele?
R – Ele se demitiu.
P/1 – Acabou.
R – Acabou.
P/1 – E o que você pretende fazer agora?
R – Eu pretendo entrar com um processo contra a faculdade pra me readmitir.
P/3 – Tem vontade de voltar pra lá?
R – Tenho. Faço questão.
P/1 – Como é que foi depois a repercussão, de quando você foi... você falou que foi agredida e teve mensagens de solidariedade. Como é que foi?
PAUSA
(Em 1:32:50 áudio para e volta repete a partir de 37:32. Em 2:28:00 repete de novo a partir de 37:32 até 3:23:11 )
P/1 – Você já está processando, já está com advogado?
R – Já estou com advogado, já. Eu não sei se já entrou, está entrando, alguma coisa assim. Enfim, vamos ver o que dá, né? Espero que dê certo.
P/1 – Você quer ler o texto?
R – Ah, eu quero.
P/1 – Sobre o que é o texto?
R – O texto é só transição e sobre o mundo masculino.
P/1 – Quando você escreveu?
R – Eu escrevi no mês quatro de 2015, desse ano. É assim: “Aos poucos as coisas estão mudando, é um processo difícil e doloroso, como diz o poema”, um poema que eu tinha lido. “Mas quanto mais difícil e doloroso, mais recompensador ele se torna. É aos poucos, lentamente eu vou deixando de ser visto como mulher e o mundo vai se transformando em um lugar muito mais hostil e bruto. Lentamente eu vou deixando de ser visto como um objeto e passo a ser visto como uma ameaça, então eu descubro que o lugar de vítima até que me era cômodo porque não é nada fácil ser o vilão da história. Lentamente as pessoas começam a me ouvir quando eu estou com raiva e a me levar a sério de um jeito que eu não estou acostumado. Lentamente a minha força ganha outras proporções, outros significados, violência e agressividade. Meu grito engrossa e gera medo ao invés de solidariedade e identificação. A masculinidade corre em minhas veias e algum dia alguém disse que ser homem é ser agressivo e que o mundo masculino precisava ser hostil e bruto. Eu não sou agressivo, meu mundo é hostil e bruto, eu quero mudar isso. Há outras formas de masculinidade, há outros mundos masculinos e eu vou descobrir como acessá-los. Eu posso ser um homem gentil sem que ninguém passe por cima de mim, sei que posso”.
P/1 – Você disse que você gosta de escrever. Desde quantos anos você escreve?
R – Desde os oito, nove anos.
P/1 – Naqueles diários?
R – É.
P/1 – O que você escrevia além de diário?
R – Só diário (risos). Aí teve uma época que eu tinha um blog também, um blog que eu escrevia vários textos, histórias e tal. Depois eu desisti do blog quando eu me assumi trans. Eu criei depois na Cásper, quando eu entrei, uma página chamada “Um homem trans casperiano”, que eu escrevi também vários textos, posts (risos).
P/1 – E você está namorando agora?
R – Não. Tem uma coisa que eu não contei também, mas não sei se eu conto.
P/1 – Sobre o que?
R – Ano passado, depois que eu me assumi trans, eu fazia parte de uma roda de conversa trans, lá no CRT. E tinha um cara trans nessa roda. E aí teve um dia que eu estava namorando uma menina nessa época e essa menina tinha ido viajar no final de semana e eu estava muito mal e eu tinha me cortado, foi a última vez que eu me cortei. Eu já estava parando de me cortar, mas eu lembro que eu tinha me cortado nesse dia, foi a última vez. E aí eu tinha postado em um grupo que eu confiava muito, no Facebook, que eu estava muito mal e precisava de alguém pra sair comigo pra conversar. E aí essa pessoa dessa roda, esse homem trans dessa roda, ele postou embaixo falando que poderia sair comigo e tal pra conversar. Eu fiquei feliz porque eu achei que eu podia confiar nele. A gente saiu e aí a gente foi prum bar, a gente ficou bebendo, eu nem podia beber, mas ele me incentivou a beber e aí as coisas vão tomando um rumo diferente e aí ele me beijou à força e, sei lá, eu fiquei meio confuso e ele me deu um tapa na cara de repente, mas um tapão na cara, um tapão, muito forte. E eu achei muito estranho porque ele fazia isso na rua, tipo, a gente estava do lado de fora do bar e ninguém parecia ter notado, ninguém parecia, sei lá, ninguém parecia ter achado estranho. E aí ele começou a ficar agressivo e me maltratando e eu comecei a me sentir muito pequeno porque, sei lá, não sabia como reagir frente à agressividade. E aí ele mandava em mim, eu não sabia o que fazer e eu, sei lá, eu só obedecia porque estava com medo dele e ele começou a fazer chantagem comigo e fazer minha cabeça, chantagem, chantagem, falando coisas, falando que a minha namorada ia me abandonar, que ele ia trazer dez homens pra me estuprar, falando essas coisas e me assustando e tal, até que ele acabou me convencendo a ir para um motel com ele e acabou me estuprando. E foi muito foda, muito, muito foda. E isso aconteceu depois de eu ter me assumido homem trans. E ele falava pra mim que eu não era homem o bastante, que eu não devia chorar porque homem não chorava, que eu deveria aguentar, que eu era mulherzinha, que eu gostava de apanhar, essas coisas, sabe? Me diminuindo, falando que eu era mulher e tal. E foi muito foda porque você acredita, sabe? E depois disso eu passei um tempo na casa de um amigo meu porque eu não conseguia ficar em casa porque eu precisava do apoio de alguém. E eu agradeço muito esse meu amigo por ter me acolhido. E foi muito foda porque o pessoal dessa roda de conversa, por um tempo eles me apoiaram mas depois todos viraram contra mim. E até hoje eles me odeiam porque a psicóloga daquela roda manipula eles. Sei lá, eles só me odeiam. Acho que eles acham que eu menti sobre isso, sei lá o que eles acham, eles só não gostam de mim.
P/1 – E por que você não saiu do grupo?
R – Eu saí do grupo, eu não faço mais parte disso.
P/1 – Samuel, hoje como é o seu cotidiano?
R – Meu cotidiano é bem atarefado porque eu faço parte da militância, faço parte do IBRAT, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade, sou assessor de comunicação de lá.
P/1 – Você recebe dinheiro pra isso?
R – Não, é tudo voluntário. Todo mundo que é do IBRAT faz trabalho voluntário. Eu recebo vários convites pra fazer entrevista, pra ajudar no TCC de algumas pessoas, essas coisas, eu sempre procuro ajudar. Conheço muita gente trans. Gosto de sair bastante com as pessoas. Eu não gosto de ficar em casa, aquele prédio, não gosto. Eu gosto muito de sair, então procuro sair bastante, então estou sempre atarefado, com coisa pra fazer.
P/1 – Você exerce alguma atividade remunerada?
R – Não.
P/1 – Já exerceu?
R – Já. Eu já trabalhei na empresa do meu tio, só que eu não aguentei muito tempo porque eu tinha que fingir que era menina, tinha que usar o meu nome de registro, não aguentei.
P/1 – Você fazia o quê lá?
R – Eu trabalhava com Comunicação lá dentro, só que eu não aguentei, não aguentei mesmo. Era muito foda ter que fingir ser uma coisa que você não é. E aí saí fora.
P/2 – Queria saber se você já viu em algum vídeo ou algum filme algum personagem transexual que te inspirou, te emocionou?
R – O personagem trans que eu gosto muito é o Brandon Teena, do Boys Don’t Cry, eu gosto muito dele. É, eu gosto muito dele, não sei se tem outro. É mais ele mesmo.
P/1 – Você gosta de ler? Você disse que quando você ficava lá no balé a professora te tirava do balé e punha na biblioteca e você adorava porque você lia livros. Você lia bastante?
R – Aham.
P/1 – Que tipo de livro?
R – Quando eu era pequeno eu mais ficava folheando o livro, mas depois que eu aprendi a ler mesmo eu lia muito Harry Potter quando era pequeno. Eu comecei a ler Harry Potter, depois eu fui pro Senhor do Anéis e depois eu comecei a ler de tudo, tudo mesmo. Eu gosto muito de ler biografia, mesmo que seja de gente que não existe, sabe? Tipo ler histórias de pessoas, eu gosto muito disso (risos).
P/1 – Você acessa o portal aqui, você tem 16 mil histórias (risos).
R – Eu gosto muito disso, muito mesmo.
P/1 – Samuel, olhando sua trajetória, sua vida, a gente deixa muita coisa de fora porque é um tempo tão pequeno pra uma trajetória tão cheia de acontecimentos, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida o que você mudaria? Ou se você mudaria ou não?
R – Eu acho que eu mudaria o último abuso sexual que eu sofri, eu acho que eu não deixaria isso acontecer. O resto eu deixaria acontecer porque eu acho que fez parte, acho que ajudou a construir quem eu sou.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meu sonho é ter barba (risos). Meu sonho é encontrar alguém que me complete e, sei lá, ser feliz (risos).
P/1 – O que você achou de dar uma entrevista de história de vida pro Museu da Pessoa? Como foi a experiência?
R – Eu achei que foi muito legal poder organizar a história e contar foi uma experiência até transformadora no sentido de reviver as coisas e deixar pra trás, reviver e poder deixar pra trás as coisas pra seguir em frente. É isso.
P/1 – Eu queria agradecer em nome do Museu, muito linda a sua entrevista.
R – Obrigado.
P/1 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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