O meu nome é Victor Leite Rodrigues, eu nasci em 1991 em São Miguel Paulista ali na Zona Leste. A memória que eu tenho do meu pai é de um ser que sempre fez o que queria, ele saia por que queria , trabalhava com educação física por que queria e falaram para ele parar de jogar futebol, mas ele queria continuar jogando, e um dia ele morreu jogando bola quando eu tinha 5 anos de idade. Alias quando eu era criança eu era uma espécie de Midas ao contrário, tudo que eu tocava morria, hoje até estou escrevendo um livro de poemas sobre a morte.
Nossa, mas isso foi super forte, porque eu tenho a lembrança da minha mãe falando "Victor você agora é o homem da casa, imagina o que eu senti, que com 5 anos de idade eu era responsável pela minha mãe e pela minha irmã, ainda mais com o que eu estava vendo que aconteciam com as pessoas, o mundão atacando todo mundo, e se esse mundão vem e pega todo mundo, o que ele ia fazer comigo? Tínhamos que nos proteger.
Minha mãe também era professora e também super protetora. Na rua que eu morava os meninos vinham brincar comigo e minha mãe falava "Filho eu não quero fulano brincando aqui em casa por que o pai dele é ladrão, e já dei aula pro pai dele e eu sei que ele é ladrão". E eu pensava, "Oxi! E daí que o pai é ladrão, ele é meu amigo e vem brincar sim aqui" E eu ficava brincando na casa deles e na nossa casa, mas não era de polícia e ladrão não. Eu lembro que eu já inventava brincadeiras nessa época. Sempre fui um inventor.
Embora a morte tenha roubado meu pai de mim, a vida me deu outro de presente. Nossa o cara que casou com a minha mãe era muito legal, ele foi super sensível chegou e olhou pra a situação e viu " O que será que esses meninos precisam? Do que será que eles gostam e eu posso ajudá-los a desenvolver? E o que de diferente eu posso apresentar para eles?" Então ele sacou por exemplo que eu gostava de futebol, e um dia falou vamos sair e me levou até o estádio que foi...
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O meu nome é Victor Leite Rodrigues, eu nasci em 1991 em São Miguel Paulista ali na Zona Leste. A memória que eu tenho do meu pai é de um ser que sempre fez o que queria, ele saia por que queria , trabalhava com educação física por que queria e falaram para ele parar de jogar futebol, mas ele queria continuar jogando, e um dia ele morreu jogando bola quando eu tinha 5 anos de idade. Alias quando eu era criança eu era uma espécie de Midas ao contrário, tudo que eu tocava morria, hoje até estou escrevendo um livro de poemas sobre a morte.
Nossa, mas isso foi super forte, porque eu tenho a lembrança da minha mãe falando "Victor você agora é o homem da casa, imagina o que eu senti, que com 5 anos de idade eu era responsável pela minha mãe e pela minha irmã, ainda mais com o que eu estava vendo que aconteciam com as pessoas, o mundão atacando todo mundo, e se esse mundão vem e pega todo mundo, o que ele ia fazer comigo? Tínhamos que nos proteger.
Minha mãe também era professora e também super protetora. Na rua que eu morava os meninos vinham brincar comigo e minha mãe falava "Filho eu não quero fulano brincando aqui em casa por que o pai dele é ladrão, e já dei aula pro pai dele e eu sei que ele é ladrão". E eu pensava, "Oxi! E daí que o pai é ladrão, ele é meu amigo e vem brincar sim aqui" E eu ficava brincando na casa deles e na nossa casa, mas não era de polícia e ladrão não. Eu lembro que eu já inventava brincadeiras nessa época. Sempre fui um inventor.
Embora a morte tenha roubado meu pai de mim, a vida me deu outro de presente. Nossa o cara que casou com a minha mãe era muito legal, ele foi super sensível chegou e olhou pra a situação e viu " O que será que esses meninos precisam? Do que será que eles gostam e eu posso ajudá-los a desenvolver? E o que de diferente eu posso apresentar para eles?" Então ele sacou por exemplo que eu gostava de futebol, e um dia falou vamos sair e me levou até o estádio que foi demais. Outra vez ele falou vamos conhecer o mercado municipal e nos levou até lá, ele nos fez conhecer São Paulo e até então eu só conhecia o meu bairro que era São Miguel e um pouco de Itaquera quando eu ia visitar um parente meu.
A minha mãe por ser professora do ensino público não queria que eu estudasse em colégio público, pois ela sabia da qualidade né? E esse meu novo pai descobriu que meu antigo pai por ter morrido enquanto dava aula num colégio particular militar, eu teria acesso a uma bolsa de estudos e eu fui estudar lá. E foi bizarro, o professor entrava na aula e a gente se levantava pra saudá-lo com a mão, ele dizia sentar e a gente sentava. Eu decorei todos os hinos possíveis e ouvia coisas impossíveis. Eu lembro de um menino falando todo orgulhoso que o pai dele era da Rota e que no final de semana ele tinha matado 4 pessoas. Essas 4 pessoas podiam morar na minha rua. Como alguém pode sentir orgulho disso?
Disso eu não sentia orgulho, mas me orgulho de uma ação que meu pai teve. Eu lembro que pra ter dinheiro nunca era fácil, eu falava mãe, preciso de um real pra comprar pipa, e eles falavam que se eu limpasse o banheiro eu ganhava. E meu pai começou a me oferecer um real por cada redação que eu escrevesse, baseado até nas minhas próprias experiências. Então ele dava os temas por mês e eu rapidinho escrevia. Aí teve um dia, já tinha acabado os temas e pensei será que se eu enganar o meu pai e escrever um poema sobre a minha mente estar em branco vai dar certo? Aí eu escrevi e não é que deu certo, acho que deu mais certo que eu imaginava. Tem um poeminha que eu fiz que é assim" Um dia meu pai falou/ Filho você vai ganhar muito dinheiro, pode escrever/Acho que entendi errado".
Nessa época eu lia poucos livros assim, tinha mais gibis que minha mãe trazia da escola que eu amava. Mas a minha verdadeira fonte de poesia foi a música. Eu ouvia todo tipo de música, ouvia desde um pagode com uma prima minha que namorava um pagodeiro e me levava na esquina. Ouvia Chico Buarque e também muito Rap, gostava muito de Roque também e na adolescência quando eu pedi pra ter aula de guitarra pros meus pais, eles falaram que se eu aprendesse inglês eu poderia entender o que eles estavam cantando e então sim poderia tocar, aí eu ia traduzindo essas letras e essa foi realmente uma boa base para a minha poesia.
Eu mergulhei também no mundo dos jogos, jogava muito RPG, e esses jogos me faziam pensar, articular estratégias, ativar a imaginação, hoje eu tenho muito mais facilidade para escrever um projeto por que? Por causa dos jogos. Quando eu vou dar uma oficina de poesias na Fundação CASA ou em outro lugar, eu uso o que? Os jogos, eles tem muito potencial.
Nesse meu colegial eu vi uma "Classe Média" surgir. Eram pessoas não tão pobres que queriam mais se fingir de Boys. Eles valorizavam muito os Shoppings, o consumo, o tênis que você tem, esse tipo de coisa. Teve uma hora que eu até entrei nessa, queria comprar camiseta da Fatal, da Element, ir em baladinha. Foi pouco tempo, mas meu deus, quase perdemos o Victor, na verdade não porque por dentro eu era outro ser, embora por fora algumas coisas estivessem assim ameaçadas, a essência do que tá dentro não muda. E era muito engraçado que pra esse pessoal ais classe média eu era o favelado deles. E quando eu ia jogar bola na quebrada eu era o Boy pra eles. Eu sempre fui um ser que circulou em muitos mundos.
E essas ideias de mundo começam a atacar, do nada começou a surgir uma cobrança muito forte de que eu ia ser na vida. Que eu tinha que trabalhar, fazer faculdade. Minha mãe me amava muito, mas ela já tinha o pacote completo. Era fazer faculdade pra ter cargo melhor, entrar numa empresa, comprar carro e casa e agora eu já casar, sabe né? Dessas ideologias que não necessariamente vem de quem você verdadeiramente é. E ela me encheu tanto o saco, mas tanto, que eu falei " Tá bom mãe, qual é a melhor faculdade? Usp? Vou entrar lá".
Eu fiz um curso técnico de mecânico também derivado desse medo, hoje sou mecânico sabe? Parei de jogar bola que era uma coisa que eu gostava pra aprender a ser mecânico, pra que serve pra mim que não quero nem ter carro pra dirigir? Que tenho pena de quem tem carro, gasta todo seu dinheiro nisso e vive no trânsito? E eu sou mecânico. Eu entrei no cursinho, em um cursinho popular, ali na Leste mesmo. E foi muito massa, porque além da matéria do cursinho que tinha, eu fiz amigos de verdade, e a gente se juntava para questionar para onde a coisa estava caminhando? Meus amigos negros começaram a resgatar várias questões culturais da África. Eu comecei a pesquisar as minhas descendências mais indígenas, e nos movimentávamos.E vemos outro lado da história. Hoje meus amigos são uns monstros , tem um que está um monstro na tecnologia, todo mundo que trabalhar com ele. O David é um faz capoeira, contação de história. A Renata uma super líder de vários movimentos. Conheci depois o Marechal que mostrou o valor do empreendedorismo, que me ensinou de que no caso eu tenho que me tornar o melhor produto possível, que as pessoas queiram pagar, queiram correr pra ir me ouvir falar. Eu realmente entrei na faculdade de Marketing, mas larguei não era pra mim. Depois entrei em outra e larguei. Fiz Letras na Usp e larguei. Fui trabalhar em banco, que por sinal tem um dos piores ambientes eu já vi e a coisa que me sobrava era a poesia.
Como o Tubarão do Lixo, eu acreditava que eu escrevia para não matar um. Eu olhava para minha vida e eu estava com 18 anos e pensava que daqui a pouco estaria com 20, depois 25, 30 e 40. Eu estava percebendo que a vida não era tão longa assim, ainda mais tendo uma questão cardíaca e de que eu não queria passar a minha vida inteira trabalhando em banco, aliás eu não queria passar nem mais 3 anos trabalhando em banco, então o que eu ia fazer? Me planejar. Eu planejava de que nos próximos 2 anos eu ia juntar dinheiro, guardar todo o dinheiro que eu pudesse para depois poder descobrir o que eu sabia, gostaria e queria fazer. Foi nesse momento que eu descobri o sarau. O sarau tinha todo esse lance de quebrada, de você se olhar no olho. Embora eu tivesse com uma roupa social, pois eu estava indo direto do trabalho para lá, o pessoal não ficava na máscara, todas as máscaras caíam na troca de ideia. Era uma poesia na cabeça e uma cerveja na mão.
Assim eu fui descobrindo esse movimento, por exemplo eu ia em um sarau e lá tava o Buzo e o Ciríaco e o Emerson Alcalde. Então eu ia no evento do Buzo e lá encontrava o Alcalde, depois ia no evento do Alcalde e encontrava o Ciríaco e assim por diante. Teve um ZAP que eu fui no Sesc Belenzinho que eu achei muito bom mesmo, foi logo depois de uma Cooperifa. E eu gostei muito da dinâmica do público participar, eu fui lá meio que escondido para recitar um texto, quem se identificou veio até falar comigo. Depois eu vi que no mesmo SESC Belenzinho ia ter um encontro para discutir poesia e criação literária com a Poesia Maloqueirista. eu vendo essa oportunidade, me inscrevi na hora. E nós ficávamos trocando ideia antes, durante e depois do curso. Quando acabaram os encontros eu estava tão dentro que o pessoal do coletivo não quis me deixar sair, então eu estava junto recitando, tirando foto e ajudando a renovar esse coletivo.
E isso era o meu verdadeiro estudo, eu olhava para o Berimba e o Caco e pensava vou observar pra aprender a falar poesia na rua com esses caras. olhava para o Daniel Minchoni e a Roberta Estrela D´Alva e gostaria de aprender a performace falada com eles. Já com o Ciríaco eu pensava em como aprender a usar a poesia na educação... Eu estudava mesmo, quando eu voltava para casa eu anotava os poemas que eu tinha falado o que tinha sido legal e o que não, e assim ia estudando para melhorar. Eu precisava estudar tanto esse movimento que acabei largando o trabalho e a faculdade só pra isso.
Eu falei "Mãe, vou largar a faculdade para me concentrar no estudo" Ela logo falou que eu estava doido, que eu estava usando droga, mas eu sabia que não era isso, eu buscava as referências com outros poetas, pegava e lia as bibliografias das universidades e principalmente colava em todos os rolês, pois eu sabia que eu ia escrever melhor a cada poeta que eu ouvisse. Depois de um tempo o Berimba de Jesus me chamou para lançar um livreto, eu achei perfeito, pois não tinha muita responsabilidade e ao mesmo tempo estava soltando um trampo meu na rua. A primeira venda já foi a mais emblemática. Eu levei 100 livros para a FLIP e bolei uma estratégia, um ponto, um poema e vendi todos os livros que eu levei.
Iam surgindo vários Victor Rodrigues. O Victor poeta, o Victor educador, o Victor produtor... E o Victor produtor estava ganhando mais força, foi então que decidi que queria fazer com que a literatura se espalhasse o máximo possível, justamente para reparar esse crime que foi feito comigo de fazerem durante quase 20 anos eu achar que literatura era coisa chata, então eu ia me dedicar a mostrar que literatura era uma coisa boa e próxima. Então o sarau levava poetas para espaços públicos para causar impressões tanto no lugar como no poeta, a gente comprava livros dos poetas e distribuía que o meu sonho é como o do Daniel Minchoni de que a poesia se torne tão popular como o futebol.
Eu tenho outros sonhos, ter uma casa na árvore e fazer uma viagem espacial. Coisa de poeta. Mas eu gostei de contar a minha história que ainda está começando, pois eu sempre digo que memória é invenção, então eu gosto de reinventar as coisas que aconteceram comigo.
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