Projeto CSP
Depoimento de Maria dos Prazeres Campos dos Santos
Entrevistado por Luiz Gustavo Lima
Caucaia, Ceará, 29/05/2014
Realização Museu da Pessoa
CSP_HV001_Maria dos Prazeres Campos dos Santos
Transcrito por Rodrigo Catunda Barreira
P/1 – Então dona Maria, é uma conversa, queria prim...Continuar leitura
Projeto CSP
Depoimento de Maria dos Prazeres Campos dos Santos
Entrevistado por Luiz Gustavo Lima
Caucaia, Ceará, 29/05/2014
Realização Museu da Pessoa
CSP_HV001_Maria dos Prazeres Campos dos Santos
Transcrito por Rodrigo Catunda Barreira
P/1 –
Então dona Maria, é uma conversa, queria primeiro agradecer a senhora por tá disponível pra contar sua história pra gente. Nós somos do Museu da Pessoa e queremos escutar a sua história. Então pra começar eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Maria dos Prazeres Campos dos Santos, moro no Sítio Cercadão, há 47 anos.
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E a senhora nasceu em que ano, em que dia, mês e ano?
R – Nasci no dia sete de janeiro de 1966.
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Sessenta e seis? E foi aqui mesmo, em Sítio Cercadão, é isso?
R – Foi, na maternidade de Caucaia.
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Maternidade Caucaia. Qual que é o nome do seu pai?
R – José Gomes dos Santos.
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E da sua mãe?
R – Maria de Lurdes Campos.
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A senhora lembra do nome dos avós, paternos e maternos?
R – Do paterno era Raimundo Gomes dos Santos e Maria Joana de Souza. E materno era Pedro Campos Ribeiro e Maria Campos.
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A senhora tem irmãos, irmãs?
R – Tenho.
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Quantos são?
R – Tenho uma irmã e três irmãos
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Três irmãos. O nome deles?
R – É, Maria de Lurdes, a irmã, o irmão é João Batista e Antônio. (Pausa). Ah, meu Deus, eu falei o nome do outro, faleceu tem… tá com 8 meses, acidente de carro. Por isso que eu falei, nem tinha.. dá
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E, assim, as origens da família, a senhora sabe como se deu a origem da família, seus pais, de onde vem, se é daqui mesmo?
R – São daqui mesmo, nasceram e se criaram aqui. É, porque foi assim, foi através, por nós sermos hoje reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares, veio através de um estudo de pesquisa da própria comunidade, que a gente tinha uma curiosidade, porque pra cá nunca veio benefício público, né, assim, porque sempre dizia: "Não, lá é propriedade privada".
A gente ia atrás sempre e nada, né, não dava em nada por ser privado. Aí a gente teve, assim, a curiosidade de saber por que, né, dessa privacidade? Aí, a gente através de reuniões, que a gente conhecia uma pessoa chamada Leonardo Sampaio, professor, que sempre que vinha aqui na nossa comunidade, visitava, aí trouxe um projeto da Petrobras pra cá de jovens e adultos. Então foi a oportunidade que a gente teve, que era todo, é, através do estudo Paulo Freire, né, que é tudo através, (pausa), de estudo “freiriano”. Aí a gente resolveu buscar essa curiosidade, né, através de entrevistar os mais velhos, foi aonde a gente resgatou nossa história, que até então a gente não tinha esse conhecimento, não sabia nem o que que significava! Só que a gente tinha sempre essa curiosidade.
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Então, essa coisa que você tá falando de resgatar a história, aí que a gente quer pegar mesmo. Você ouviu dos mais velhos, né?
R – Foi.
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Assim como você passo pros seus filhos, né, e netos?
R – Uhum.
P/1 – Tem alguma história dos avós, de quando chegaram, de como que foi, do que faziam aqui? A senhora se lembra de escutar alguma história desse tipo?
R – Lembro sim, meu pai contava, que o pai dele contava que o vô dele já tinha contado pra ele, que eles tinham vindo numa embarcação, né, que tinha naufragado na Barra do Ceará, que nessa época aqui não tinha casa. Isso foi no século XVIII, né, na faixa do 700, 1710, por aí, se contava assim, né, 1710, que tinha esse naufrago do barco, aqui na praia do, barra do Ceará, aí ficou, três pessoas desceram dessa embarcação e ficaram em Icaraí, que aí dois moraram aqui no cercadão e o outro, né, foi pra parte do outro lado lá de Icaraí. E lá também se juntou essa família lá, dessa pessoa. Aí, era Manoel e Teresa o nome dessa duas pessoas que iniciaram aqui. Aí eles, é, construíram um casebre de palha, né, moravam lá, e fizeram a família e plantaram e veio pessoas, e foi aparecendo pessoas que não tinham, né, teto, no lugar e foi se alojando e construíram a comunidade .
P/1 – Essas histórias você escutou dos seus pais.
R – Do meu pai, foi.
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Do seu pai?
R – Foi, do meu pai.
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E você sabe dessa origem do seu núcleo familiar? Assim, como se encontrou seu pai e sua mãe, como é que se encontraram seu pai e sua mãe?
R – Eles falavam que era um negócio que primeiro chamava bazar, né, essas festinhas de radiola, o rádio, no Pacheco, uma comunidade lá em Paraná, perto de Paraná, fica entre Paraná e Barra do Ceará, o Pacheco, foi no Pacheco que eles se conheceram.
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E ali começou o namoro?
R – É, e aí namoro...
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Você sabe quantos anos, quando eles se casaram, essas coisas, esses dados assim?
R – É, assim, na mente eu não tenho não. Tenho documentado, né? Tenho certidão de casamento deles.
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E qual que era a ocupação deles?
R – Era agricultor, tudo era agricultor
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Nessa agricultura que que se plantava, o que se colhia?
R – Era feijão, milho, arroz, batata doce, mandioca, macaxeira.
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E era tudo pra própria, pro próprio consumo?
R – É, consumo, aí eles vendiam também. Eles também faziam muito carvão essa época, né, pra sobrevivência, e vendiam carvão.
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A senhora tá começando a falar então da sua família, né?
R – É, da minha família
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Com o que trabalhava, tal. Eu queria que a senhora falasse, que tentasse lembrar da casa, qual que é a imagem da casa, da sua casa da infância, como que era esse lugar?
R – A minha casa da infância era de, de barro, né, essas casinhas de barro, de taipo no chão, aí o que eu lembro, a primeira casa, assim, que vem na minha mente é de taipo
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A senhora lembra dos móveis, do tamanho, alguma coisa do tipo assim?
R – Tem móvel, tem até as camas, eu lembro, era feita de vara, botava uns pau enfiado, botava vara encima e botava folha de, (pausa), ah, esqueci agora. Botava aquelas folhas assim, grande, que tem, botava que era o colchão, muitas vezes era junco que, uma planta que dá na beira da água, botava, que daí ficava quentinha, confortável. Quando era na época do inverno, que ficava tudo molhado, aí enchia, o piso era folha, que não tinha piso, era só o barro batido, né? Aí botava aquelas folhas que era pra poder a gente ficar, né, mais um pouco de conforto.
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A senhora falou que tem três irmãos e uma irmã, não é isso?
R – É.
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Qual que é o lugar da senhora nessa escadinha, assim, de cinco filhos, né?
R – Eu sou a terceira
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A terceira. E como é que era a infância, assim, irmãos, as brincadeiras, as brincadeiras eram mais com os irmãos ou com os amigos?
R – Não, era todo mundo junto, não tinha essa coisa, que hoje o menino não pode brincar com menino que já, naquela época era todo mundo, não tinha esse negócio, todo mundo brincava de casa, de boneco, homem brincava de boneco, todo mundo era, as meninas brincavam da brincadeira dos meninos, era todo mundo junto.
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E como é que era essa localidade? A senhora começou a contar da casa, né, dos móveis, como é que era essa localidade? Você falou dos vizinhos, como é que era esse lugar?
R – Sempre a gente morou assim, sempre uns perto dos outros. Né, se você vê, se prestar atenção nas casas, né, sempre a gente é assim, porque tem muita terra, mas o ponto é esse aqui das casas. Uns casam, mas as casas vão ficando sempre aqui juntas. Aí, a gente brincava mais era de barro e cajueiro, não era dentro de casa não, era nos cajueiro, debaixo das árvores, lembro assim.
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Você lembra de alguma brincadeira que mais gostava de fazer? Que mais chamava atenção?
R – (Suspiro). Ah, nem lembro mais de brincadeira, mas sempre a gente brincava era de esconde-esconde, né, que sempre a gente ficava se escondendo uns dos outros, que era pro outro encontrar.
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É, todos você nasceram no hospital? Ou teve alguém que nasceu em casa, seus irmãos?
R – Não, todos foi no hospital.
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No hospital?
R – Foi. Mas aqui mesmo na comunidade tem muitos que foi a minha mãe mesmo quem pegou. Parteira, minha mãe.
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Sua mãe era parteira?
R – É, era parteira da comunidade.
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Sua mãe já faleceu?
R – Não.
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E sua mãe ainda faz partos?
R – Eu acho que se aparecer ela faz. Tá com quatro anos que ela fez. Ela tem 83 anos, mas tá com quatro anos que ela fez parto.
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E a senhora se lembra de assistir partos quando era criança, de ver isso ou isso não era...
R – Não! Não deixava a gente entrar não. Não, não vê não.
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Mas a senhora já viu, assim, fora da senhora?
R – Vi, vi, esse de quatro anos ela mandou me chamar pra ajudar ela.
P/2 – Posso pedir um segundinho pra tocar?
P/1 – Sim, tranquilo.
P/2 – Rapidinho, só conferir uma coisa aqui. (Pausa). Quando quiser.
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Assim, você falou das brincadeiras, queria voltar de novo pra casa, pra falar de uma coisa gostosa, de comida. Como é que era na sua infância esse relacionamento com alimento, como é que era isso? Quais eram as comidas dentro de casa? Como que era esse ritmo? Que hoje se fala tanto de café da manhã, almoço e janta, como é que era isso naquela época?
R – É, enfim, né, como se dizia, você tomava o café de manhã e guardava o pão pra tarde. Era assim, (risos).
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Como assim?
R – Muito difícil. A merenda era café com farinha. (Pausa)
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Pela manhã?
R – E nem todo mundo tinha, né, nessa época, nem todo mundo tinha o café e nem tampouco a farinha. Poucos tinham. Mas nós aqui sempre tivemos espírito de coletividade, que a gente sempre, o que tava faltando na casa do outro, por exemplo, eu tinha dois quilos de arroz e o outro tinha dois quilos de farinha, a gente trocava, tu fica com a farinha que eu fico com o arroz, e assim ia todo mundo nessa coletividade, né, quem não tinha, quem não tinha a gente se juntava e dava, e hoje ainda existe ainda. Sabe essa troca de alimento assim, pra, pra ficar todo mundo, né, por igual.
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O almoço e o jantar tinham diferença entre os dois, assim, do que comer ou era a mesma coisa? E horários diferentes?
R – Não, sempre era no mesmo horário, o horário era 11 horas. Que o pessoal chamava uma cachorra que era uma enxada, (risos), batia a enxada, né, a enxada, penduravam uma enxada numa corda, que eu lembro, e na hora do almoço, que os pais da gente ia pra lavoura, né, aí batia na enxada que tava na hora do almoço, aí quem tivesse brincando corria todo mundo, que era hora do almoço (risos).
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E comia todo mundo junto?
R – Todo mundo junto.
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E como é que era esse ambiente? Conta um pouquinho.
R – Ah, sentado no chão, todo mundo sentado no chão. E ali e gente comia. O pouco que tinha era dividido pra todo mundo.
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E depois do almoço como é que era? Quê que acontecia?
R – Voltava pro trabalho, de novo.
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Mas enquanto criança o que você fazia depois do almoço?
R – Brincava! Brincava, mas ia pra escola, né, num expediente brincava e no outro a gente ia pra escola. Aí ia todo mundo pra escola, tudo junto, era todo mundo junto. Aí os mais velhos ia tomando conta dos mais novos, que era pra não arengar no meio do caminho.
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Então, vamos entrar nessa escola?
R – (Risos).
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Conta pra gente o nome da escola, onde é que ela ficava, enfim, essas coisas?
R – A primeira escola que eu estudei foi, era uma escola não, era uma casa, era uma senhora que ensinava, particular. Particular assim, né, que a gente dava alguma coisa, não era nem dinheiro, era alimento, era em troca de alimento, no tempo da palmatória. Aí já sabe, né, ou aprendia ou desaprendia, que o momento era aquele. Aí, assim, a primeira escola foi essa, aí ia todo mundo pra essa mulher ensinar, só era uma professora. Aí nós daqui estudava todo mundo lá. Aí depois foi que surgiu a escola mesmo, né, do Icaraí, uma escola que deu pra acomodar, né, o bairro todo, que a gente foi pra lá.
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Dessa primeira escola, particular, com essa senhora, essa professora, a senhora falou que lembra da palmatória, lembra de alguma outra coisa que aprendeu ou mais do processo pedagógico?
R – Acho que o pessoal grava mesmo foi a palmatória, que todo mundo era, todo mundo santo ou então. Muito difícil, mas foi um tempo bom que todo mundo aprendeu. Todo mundo que estudou comigo naquela época aprendeu.
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Agora na escola, você falou o nome da escola, que fica em Icaraí?
R – É, o Celina, foi a primeira escola do bairro, que veio pro bairro.
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E aí já se lembra, aí já tinham mais professores, já tinham amigos, colegas, né? Você lembra de alguma história dessa época, de alguma amiguinha ou amiguinho, enfim, de alguma brincadeira ou até de alguma matéria que você gostava mais? Conta essas histórias pra gente.
R – Eu toda vida gostei de história. Porque era, é mais fácil que a gente memoriza, né, história, (risos), essas outras matérias nunca fui boa não. Mas teve assim muito aquele choque, sabe, quando a gente mudou de escola, porque era família, né, estudava todo mundo na mesma escola, com essa senhora. Aí quando a gente foi pra escola que teve aquela divisão, aí a gente já sentiu, né, a diferença: (não ia arengando?), já tinha, né, outro processo. Aí pronto, foi mudando o sentido da história, já, já foi já, já foi a modernidade, a modernidade, aí já foi um pra um lado, outro pra outro.
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A senhora estudou nessa escola até quantos anos? E série?
R – Eu fiz o ensino fundamental todinho que nessa época só era a oitava série que tinha, eu fiz oitava série lá. E fiz o ensino médio no Edison Correia, né, e hoje tô fazendo pedagogia.
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E do ensino fundamental pro ensino médio você fez junto ou deixou um tempo?
R – Não, deixei um tempo, que eu precisava trabalhar, né. Trabalhar em casa, né, ajudar minha mãe. Eu parei. Eu fui terminar o ensino médio em 2002. Muito tempo parada fora da escola.
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Da época da escola tem algum professor que foi marcante? Que você se lembra, ou uma professora?
R – Tinha, o professor Elias, que era policial.
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E era marcante por quê?
R – Marcante assim porque ele, a gente sentia firmeza nele, que ele tinha moral mesmo, que os alunos falam que quer com professor e nessa época a gente sentia firmeza, porque assim, falava coisa que assegurava a gente, né, que a gente tinha vontade de ir pra escola, não sei por quê. Foi um professor que marcou muito.
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Nessa primeira escola você se lembra até quantos anos mais ou menos a senhora ficou lá? Com quantos anos parou de estudar nesse primeiro momento?
R – Acho que eu parei de estudar eu tinha 18 anos, terminei o ensino fundamental com 18 anos, atrasadíssima.
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E que que atrapalhava nessa época, estudar?
R – Sim, porque a gente tinha um trabalho que era uma trabalho em casa, que era fazer cadeira, como chamava que falavam, um trabalho de palhinha, né, que fazia em casa. Aí a gente tinha que parar de estudar pra fazer, né, senão ia andar todo mundo nu. Que tinha que comprar alguma roupa, alguma coisa, que como dinheiro dos pais só dava pra comer. Aí nessa época não foi só eu não, quase todo mundo parou, mas aí graças a Deus teve a oportunidade da gente fazer ensino médio, aí a gente.
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Esse trabalho de fazer cadeira de palha, é isso?
R – Sim, é.
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Como que era esse trabalho e pra onde ele ia? Como é que vocês trocavam? Conta pra mim um pouquinho
R – Diz que a firma era em Eusébio, Eusébio? Era, e a mulher vinha com o caminhão e deixava as cadeiras. Aí marcava oito dias pra vim pegar. Em oito dias a gente já tinha que entregar essas cadeiras feitas. Já vinha já, sabe, tudo furado os buraquinhos só pra gente botar aquela palhinha? Aquela trança de palhinha.
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Era um trabalho, como é que você julgava esse trabalho?
R – Escravo, escravo porque era bem baratinho, a gente trabalhava que só, com a bunda no chão lá sentada. Homem, mulher, todo mundo fazia.
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Todo mundo fazia.
R – É.
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E o acordo era feito com quem? Com o líder?
R – Não, tinha pessoa que ficava responsável pra gente, pra repassar, né, o pagamento, que deixava no lugar. Nessa época era minha mãe que ficava, com a encomenda, encomenda, né, que chama, com as cadeiras, aí distribuía, né, pra comunidade, quem quisesse fazer.
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Nesse cotidiano de trabalho, escola e dificuldade de ir pra escola, vamos olhar mais pra comunidade mesmo. Tentar pensar, como é que era o cotidiano assim, fora o trabalho, fora a escola... Festas. Tinha essa tipo de evento na comunidade?
R – Tinha. Graças a Deus era muito animado. Não precisava a gente sair daqui ora ir pra canto nenhum. Era total animação. Tinha todo final de semana tinha as festinhas de radiola, que chama, né, que era na casa de um tio meu, aí pronto, todo mundo se reunia, ou então era casa da minha vó, que era aquela foto, aí pronto, a animação era essa, na casa da vó. Finais de semana.
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Mas como é que eram essas festas? Descreve pra gente, como que era uma festa de radiola, no final de semana, na casa do tio?
R – Na base da lamparina.
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O que acontecia?
R – Acontecia tudo de bom. (Risos).
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Conta pra gente, que que esse tudo de bom?
R – (Risos).
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Quê que era esse tudo de bom?
R – Não, tudo de bom, assim, em cima do respeito, né?! Conversando, namorando, né? Não era eu não que eu namorava não.
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Que mais, mas o que mais? Como é que era esse namoro dessa época, essa paquera, enfim? Como é que era isso?
R – Não, era assim, a gente ia pra essa brincadeira, mas com os pais, né, acompanhado com os pais. Eles diziam logo: "Olha, se vocês arrumarem paquera deixa aí! Não leva pra casa não! Só aí e pronto, nada de deixar em casa", era assim. Era só aquele momento lá e pronto.
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E tinha música?
R – Tinha.
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Tinha dança?
R – Tinha. Luiz Gonzaga, tempo do... Tinha sim.
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Conta um pouquinho pra gente dessas danças, dessa festa, como que era?
R – As danças eram forró. Dançava um aqui e o outro a um metro de distância.
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Era um forró a distância?
R – Era, forró a distância.
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Não podia dança junto?
R – Não! Tá doido, só se fosse pro outro dia apanhar, (risos). Ah, era muito bom.
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Você lembra dessa época, você tem a conta aí nas casas, que você faz o documento, o mapa com número das casas, e provavelmente dos comércios aqui da região, mas você lembra como era isso na época, se tinha algum comércio, se tinha, fora a agricultura, que que tinha aqui, assim, de serviço?
R – Tinha umas budeguinha que chamava, umas quitanda, que chama, tinha muitas quitandinha, que era onde a pessoa comprava, né, o fiado pra pagar alguma coisa no fim do mês, pra apurar de alguma coisa, né, sempre tinha aquelas pessoas que vendiam.
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E como é que, você falou da paquera. A senhora se lembra da primeira paquera, assim, do primeiro namorico, essas coisas assim?
R – Ah, eu lembro, levei uma pizza.
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Quem era o moço, você lembra como que era isso?
R – Lembro, é, (pausa), deixa eu ver meu Deus, que eu nem lembro mais. Mas eu não cheguei muito, só tive pra dizer na minha infância, assim, na minha mocidade, só mesmo paquera e os dois, que com o outro eu casei, que esse era meu primo. Que era só da família, não tinha pra onde a gente sair, as paquera era de família mesmo. Aí eu casei. Namorei quatro anos, aí com quatro anos de namoro eu casei, né. Aí tive um filho desse casamento, passei só uma ano e seis meses, separei dele.
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A senhora casou, mas assim, tinha alguma coisa assim, alguém decidia, como é que era isso? Você falou que casava, que casou com primo, né?
R – Aham.
P/1 – Como é que era esse ambiente, tinha alguém que indicava, alguma coisa, ou você já tinha liberdade de escolher?
R – Não, não tinha não. Tinha liberdade assim, porque eu casei com ele, mas o meu pai não queria, porque ele dizia que o menino nascia, se eu fosse ter filho, ia nascer aleijado, que casava com primo e os filhos nascia aleijado, aí tinha isso, mas sempre eu tinha medo mesmo, que ele falava, mas graças a Deus eu tive um filho, uma maravilha.
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E o que o seu marido fazia na época? Como é que era a vida de vocês?
R – Era pedreiro. Ele era pedreiro nessa época.
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E você?
R – Eu era dona de casa. Eu nunca saí assim pra trabalhar fora não. Sempre trabalhei em casa mesmo.
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E ficou pouco tempo casada?
R – Um ano e seis meses. Aí passei um ano, né, sem compromisso, aí casei de novo. Aí com esse que eu casei já tem 25 anos, tenho quatro filhos dele.
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E como é que foi esse processo todo de separar, casar de novo, assim, na sua família, teve algum, como que foi esse processo, assim?
R – Não, porque o que era meu primo, que eu casei, ele era muito violento, ele batia em mim, corria com, atrás de faca, com facas corria atrás de mim, mas eu também não perdia feio não, eu metia o pau também (riso). Aí chegou o ponto de não dar mais certo, né, aí cada qual vai viver sua vida. Mas ele sempre me ameaçava: "Se você arrumar outro eu mato". "Mata nada! Só se o outro for mais mole do que você". Aí já tá 25 anos que eu conheci outro. Graças a Deus, muito bom pra mim.
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Bom, a senhora tá falando de juventude, casamento. A gente não falou de, como é que era a questão das doenças, de, assim, que que fazia quando alguém ficava doente? Como é que era isso?
R – A gente fazia era remédio do mato mesmo, e ficava bom. Hoje tudo é médico, mas o que primeiro a gente usava era medicina mesmo, das ervas mesmo, caseira.
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A senhora pode contar pra gente que ervas eram essas, que remédio do mato era esse?
R – Porque até hoje a gente, em cada quintal a gente tem um cultivozinho de ervas, muitos aqui tem. É chá, lambedor. Por exemplo, uma gripe, né. A gripe, primeiro não existia esse negócio de pneumonia, se uma pessoa pegasse uma pneumonia dizia logo que tá pra morrer, enfraquecida, não sei o que, uma gripe né. Mas aí com os remédios, né, caseiros já cortava logo a gripe, não tinha essas doenças não, que hoje tem, não.
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A senhora lembra da, da higiene, porque isso tá muito associado hoje , higiene, saúde e tudo mais. Como que eram feito essas questões de, enfim, mãos, boca, banho, como é que era isso?
R – Toda a vida a gente teve essa lagoa aí, tomava banho de lagoa, graças a Deus, que as roupinha era tudo velhinha, mas era tudo limpinho, não tinha isso não. Ninguém era solto no mundo como é hoje não, como é hoje esses menino correndo pra cima em cima de cavalo, ninguém era assim não, todo mundo era caseiro.
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E vinha gente de fora pra cá, tinha trânsito de pessoas?
R – Não, tinha não. Era só a gente mesmo.
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A senhora sempre morou aqui ou já chegou a morar em outro lugar?
R – Sempre. Não. Morei aqui.
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Bom, o seu trabalho sempre se deu dentro de casa. Mas a senhora já trabalhou fora de casa?
R – Trabalhei, trabalhei fora de casa não, trabalhei para fora, mas em casa.
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Como assim? Explica.
R – Esse projeto do, que é o Mova Brasil, né, da Petrobras, que era pra alfabetizar, eu trabalhei aqui, foi o único trabalho que eu trabalhei de fora foi esse, do Instituto Paulo Freire. Só. Toda a vida o meu trabalho foi esse aqui, meio comunitário.
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Mas a senhora falou que também é agricultora.
R – Sim, ah sim, na agricultura, é.
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Como é que foi esse trabalho, como começou isso na sua vida? Ele foi se desenvolvendo? A senhora plantava ou planta ainda até hoje? Como que é isso?
R – É porque o pessoal vai ficando velho aí os mais novos, né, não querem. Não aceitam, não querem plantar, mas ainda tem pessoas que plantam, que por sinal a gente tá até esperando um trator aí pra vim limpar, né, pra dá uma ajuda pra eles plantar. A gente planta todo mundo junto. Não tem esse negócio de divisão não. Se junta na comitiva, trabalha com o mesmo objetivo, né, pra gente colher.
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Criação, tem alguma criação que vocês fazem aqui?
R – Tem as pessoas que cria. Tem essa menina aí da frente que cria essas cabra, galinha, cavalo, tudo eles criam aí, mas eu não, não gosto não.
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Você trabalha com agricultura. A senhora nunca foi de ir pra cidade não?
R – Não.
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Sempre foi de ficar por aqui mesmo?
R – Aham.
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Tá. E com relação a esse, a essa questão da construção da BR, essas modificações que foram acontecendo no entorno aqui, a senhora sentiu esse impacto?
R – Com certeza. Aí veio a violência, veio morte. Pelo menos meu irmão morreu lá, na BR, na estruturante, acidente.
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Como é que foi isso?
R – Ele tinha saído pra ir pra uma festa, ninguém nem sabia que ele tinha falecido, quando a gente recebeu foi o telefonema do hospital já, que ele tinha falecido.
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Foi um acidente?
R – Acidente de carro, foi. Ele ia de bicicleta. Aí o carro pegou ele.
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E a questão do porto?
R – O porto, até que, até agora, né, assim, porque vem muito homem, né, que eu não sei por que é que esse porto veio tomar a mulher desses homens, aí eles, né, se alojam ali nos apartamentos aí de Icaraí, as menina ficam tudo doida pelos negão. Até tem pessoa aqui que foi até embora com alguns aí. Só isso, esse negócio, que até agora, né, até agora...
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Mas essa construção do porto, da companhia siderúrgica, causou algum impacto a mais aqui na comunidade fora essas questões que você tá falando?
R – Não! Agora, tinha ocasionado impacto se tivesse dado a oportunidade de emprego, mas até então não deu, né, porque as pessoas cobram muito, porque, né?
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Por que você acha que não deu?
R – Eu acho que é por falta mesmo de, de formação, né, das pessoas.
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E como é que a senhora acha que soluciona isso? Ou que tenha que solucionar isso?
R – É capacitar, né?
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Tem alguma medida aqui para solucionar isso?
R – Pelo menos aqui na comunidade eu fui atrás, e trouxe o PRONATEC, né, já formou uma turma de almoxarife. Agora a gente tá com duas turmas de, uma de porteiro vigia e a outra de higiene ambiental, serviço, ah, ambiental, no momento eu não tô. Aí em agosto já vai iniciar uma de pedreiro e montador de cerâmica, acabamento de cerâmica, mas assim, aí o que eu tô podendo fazer é isso, né, capacitando o jovem, o que eu posso fazer eu vou atrás.
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E como é que foi isso? Como é que a senhora ficou sabendo, onde é que a senhora foi e onde é que acontece? São várias perguntas, mas eu vô pegando de pouquinho, mas como é que a senhora ficou sabendo desse PRONATEC? E como é que foi o negócio de correr atrás pra trazer isso?
R – Eu vi na televisão, né? Capacitar o jovem, pra no futuro. Eu disse: "Eu vou atrás". Eu fui lá no CRAES, calcar, né? Na sede, aí me inscrevi, isso já tá com dois anos, inscrevi a comunidade, né, pra esses cursos que eu queria, aí no começo eles não queriam porque não tinha aquela estrutura, aí eu fui pra outra reunião e nessa reunião, tô tentando lembrar da pessoa que tava, era o doutor, nessa reunião. Aí foi, ele falou: "Não, ela tá certa, ela quer buscar o melhor pra comunidade. Então melhoras, a gente dá até de baixo de um cajueiro um curso desse, importante é que cresça, as pessoas cresçam. Até debaixo do cajueiro pode da um curso desse." Aí foi prato cheio, né, aí derrota pro CRAES, aí foi como eu vim, consegui foi com a força que essas pessoas me deram lá. Aí veio e aí graças a Deus a gente já tá no terceiro curso.
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Isso que eu ia perguntar, onde é que acontece o curso?
R – Aqui. Nessa salinha aí.
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Na sala do, do centro comunitário?
R – Sim, é.
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Os professores vêm?
R – Vêm.
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A senhora tem algum sobrinho, filho, enfim, filha, sobrinha, que faz o curso, que já fez?
R – Tem sim. Tem e é bom porque ele não abrange também só a comunidade, mas todo o município, tem pessoa até de fortaleza que tá vindo fazer o curso aqui
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E fazer aqui?
R – Aqui.
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E por que a senhora acha que atrai tanta gente assim?
R – Não sei, eles falam que, sempre, graças a Deus eu, eu procuro receber as pessoas direito, eles me chamam de palhaça (risos), porque todo dia que eles tão assim triste eu chego, faço e dou assim um jeito de eles rirem, né? Aí quando eu não venho já tem: "Cadê a tia?" Mas graças a Deus os cursos tá, vem gente todo dia, não falta, todo dia tão presente, ontem mesmo a sala tava lotada, eu pensando que era ontem que vocês vinham, tava todo mundo na expectativa, até a professora, mas, fazer o quê.
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Entender mais a sua participação aqui. Tá dando pra entende que a senhora articula, traz os cursos. É, como é que isso começou a aparecer na vida da senhora, que é uma dona de casa, né, até hoje, mas provavelmente, do que eu to entendendo, menos dona de casa e mais uma pessoa da comunidade
R – É, meus filho até diz assim: "Por que que a mãe não vai logo morar lá na associação?", porque eu vivo mais aqui do que em casa.
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Como é que começou a se dar isso, a sua participação enquanto uma pessoa, uma liderança aqui dentro da comunidade?
R – É, foi em, deixa eu ver, em dois (pausa), em 2003 que a minha tia faleceu, que era líder daqui, né? Aí pronto, apagou, né? Ficou. Aí eu disse: "Não gente, vamo deixar morrer não, né? Tem que continuar o trabalho dela, que por sinal foi uma guerreira!". Aí passou dois anos, né, aí, que eu fiz a reunião que justamente aquela pessoa que eu falei, né, que tá na foto, que foi uma pessoa que foi muito, ele foi, me chamou: "Vamo reerguer, porque tá muito, não é pra deixar as portas fechar aqui não. Tá muito apagado". Aí a gente reuniu a comunidade, né, aí a gente levantou de novo a associação, que tava parada, a associação daqui, a primeira que foi antes de ser reconhecida pelo Palmares, né, que foi ter que ser novamente, fazer outra diretoria, realmente, fazer outra, reconstituição, mas a que tava atualmente que era tava com quase 40 anos, a associação. Aí essa nova agora só tá com quatro.
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A primeira presidente da associação foi a sua tia?
R – Tia, foi.
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E você se lembra de quando, o que acontecia na época que ela tava a frente? E o que instigou você a dar sequência ao trabalho dela? O que te instigou a dar sequência ao trabalho dela?
R – A luta, porque é assim, ela lutava muito, muito, o que ela conseguiu foi a creche, mas até então era o que a gente tinha, o que assegurava a comunidade era uma creche, né, que há muitos anos tinha essa creche aqui. Aí tem quatro anos que fechou, acabou a creche, mas não foi por isso que a gente abaixou a cabeça não, né?
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Essa creche tinha incentivo da prefeitura? Tinha recebido recursos?
R – Não, não era da prefeitura não. Era particular, do. Uma clínica, que era do Murilo Amaral, que ajudava ela, né, a manter a creche. Aí ela morreu, aí ele também. Mas acho que não teve uma pessoa pra dar continuidade, né, que a gente foi continuar, já tinha dois anos que ela tinha falecido foi que a gente começou de novo.
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Bom, essa relação com sua ancestralidade, né, com sua tia, você me mostrou fotos da sua avó. É, você falou que, quando se tinha problema de saúde que se usava os remédios da, né, da terra.
R – Natureza.
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Como é que, você também lidou com isso, com remédios, com rezas, com, como é que é sua inserção nesse campo aqui na comunidade?
R – Eu desde sete anos, a idade sete anos, que eu, que muito depende da fé de cada um, né? Desde sete anos que eu via minha mãe rezar, né, benzer as pessoas, aí ela ia me ensinando, né, as rezas, tipo: "Você vai aprender que é pra quando eu morrer você ficar". Aí com sete anos eu já pensava já em procurar, né, pra mim benzer as crianças pequenas, aí eu ia benzer e hoje já tô com 48 anos e ainda tô no, ainda graças a Deus.
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A senhora se lembra da primeira vez que benzeu alguém?
R – Eu lembro.
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É? Conta pra gente.
R – Lembro. O meu irmão embriagado. Ele chegou muito embriagado dizendo que tava com uma dor, né? Aí ele pediu, né? "Faz reza em mim, que eu to doente? Eu to com uma dor muito grande." Esse já faleceu também. Aí eu rezei, aí, segundo ele, diz que passou a dor. Aí, pronto, foi daí que, (pausa). Aí eu não sei, né, que ele tava embriagado. Só sei que, graças a Deus, que quem me procura sempre volta a aparecer, né.
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E o que que é essa reza pra você? Como é que é isso?
R – Sempre que vou rezar nas pessoas eu peço licença a natureza, né, que eu rezo com folha, peço licença a natureza, né, que naquele momento Deus me ilumine, né, pra que eu possa servir de instrumento de cura para aquela pessoa, né? Que eu levo uma palavra ou um chá, alguma coisa. Aí sempre as pessoas voltam agradecendo que melhorou, ficou bom. Mas isso já vem de muitos, que vai passando, né, em geração.
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E a reza é pra tudo ou não? Pra que que é a reza?
R – Pra tudo. Eu, eu, particularmente, todo mundo que chega lá em casa pra fazer reza eu não vou dizer não, eu faço minha parte, né?
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Não é como um remédio, que tem uma indicação pra isso ou pra aquilo, alguma erva que é..
R – Não, eu rezo em tudo que uma pessoa chega me procurando, eu apoio tudo.
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A senhora falou que frequenta a igreja de São Francisco.
R – A igreja, frequento.
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E umbandista.
R – Uhum, frequento também.
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Como é que é sua relação com a religião?
R – Eu sou uma pessoa que eu não discrimino religião nenhuma, sabe? Se a pessoa me convida pra ir pro culto eu vou. Eu não vou, assim, se chega: "Vai lá, que hoje vai ter, assim, assim, vai lá", eu vou! Sem problema. Não discrimino. Por sinal aqui tem igreja Evangélica. Deixa o padre pra lá e vamo caminhar junto.
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A gente vai falar disso, então, você falou que as duas religiões caminham juntas.
R – Caminham, aqui caminham.
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Mas pra quem não conhece, o que é ser umbandista?
R – Eu lá, (suspiro), eu não sei nem explicar, porque tem, pra mim, umbandista é a pessoa que faz o bem, mas pra mim, o pessoal disse que á a mesma coisa, mas pra mim eu vejo diferente, como macumba, pra mim eu levo muito pela palavra. Macumba, pra mim "ma" já tá dizendo "má". Pra mim, eu não me dou com essa parte aí não, sabe, quando faz esse lado aí eu, eu pulo, sabe, que coisa que mais. Pra mim a Umbanda é sempre solidário, tem, é, tem a humanidade rezar pra que uma pessoa, uma palavra amiga|, não tem que invocar aquelas coisas. Sei não, não sei explicar essa parte aí não, sei não
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Como é que é a sua prática umbandista?
R – É essa de cura. Não invoco esses espíritos, essas coisas não, sabe? Só mesmo, eu uso muitos nomes de santos.
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Santos, a senhora diz dos santos católicos?
R – É.
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E tem também a relação com os Orixás africanos?
R – Sim.
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A senhora é devota? Eu não sei como é que fala isso, é filha? Como é que é essa relação com os Orixás? De algum tipo específico, tal?
R – Tem. A minha mãe falava quando eu era pequena eu era meio doida. Aí ela me levava pra essas coisas, né? Aí a mulher disse que não precisava levar pra centro, não precisava me levar pra centro porque eu, quando eu tivesse alcançasse a minha idade de adulta eu ia saber o que fazer. Mas eu era, eu não falava não. Ela me trancava, assim, até os sete anos, né, me trancava dentro de casa, mas diz que eu não dava nem uma palavra com ninguém, só dizia "sim", "não". "Sim" e "não", não sabe o por quê. Aí, com sete anos foi que eu fui, mas sempre ela me levando, aí a mulher: "Não, não se preocupe que quando ela tiver a cabeça dela formada ela vai saber, vai entender o que que ela quer, o que ela vai fazer". Sempre foi isso, eu não cheguei a, o pessoal disse que tinha que desenvolver, eu nunca, (pausa), porque eu via, sabe, as coisas, eu via. Eu falava com os mortos, era assim, aquela coisa que, eu vivia trancada dentro do quarto. Muita gente nem acredita quando eu falo isso. A minha mãe tá viva pra conta ainda. Ela não deixava eu sair: "Aah, tu com as tuas doidices! Fica aqui!", que eu falava, ela via eu falando com, acho que era mortos, sei não, (risos).
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É, essa questão com a religião, com a cura, com a reza, tem alguma relação com cantos, com, enfim?
R – Tem sim, eu canto muito pros Orixá.
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É?
R – É, por isso que eu canto, eu digo: "Eu vou cantar, mas eu só tô cantando". Eu canto muito.
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Como assim, "eu só tô cantando"?
R – Assim, porque, porque o pessoal diz que pra cantar tem que, né, que receber a entidade, as coisas assim, eu não, nunca recebi não. Porque se eu fosse me fazer, se fazer por fazer acho que tem muitos, né, canta, sabe os cântico, que fica ali se fazer, eu não vou fazer isso, que eu sei que eu to agravando, né, o poderoso, eu não vou fazer isso. Eu sei todos os cânticos, eu canto muito pra eles, acendo velas, né?
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E pra registros, se não vou invadir o seu, é, a senhora lembra algum canto, assim, poderia cantar pra gente alguma coisa ou você acha que não?
R – Eu posso cantar.
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Pode cantar? Acho que ficaria muito bonito.
R – “Lá fora já estão batendo, Jesus mandou ver quem é. Abra as portas ó gente, deixa a falange de Seu Jorge entrar”. Por isso que eu disse que eu falo nos meus cânticos de santo, né, mas eu canto Umbanda, tá bom?
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Me chama muita atenção, eu acho muito bonito os cantos. É, a senhora fala então das rezas, isso tudo aqui é pra comunidade. E como é que é a relação com o entorno? Porque sempre tem o nosso lugar e o lugar do outro, né?
R – Uhum.
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Tem outras comunidades aqui perto?
R – Tem.
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Como é o nome delas?
R – Tem Barra Nova, Monguba, Icaraí, Mestre Antônio, Gavião, Área Verde, Área Dois, que chama, muita comunidade ao nosso arredor.
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E como é a relação de vocês aqui do Sítio do Cercadão, do Cer?
R – Cercadão, cercadão, porque é um cercado grande.
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Dos sepatas, desculpa?
R –
Dissetas.
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Dos dissetas, desculpa. Então como é que é a relação aqui das pessoas do Cercadão, dos dissetas, com o entorno? Com as comunidades?
R – Graças a Deus é legal, ninguém tem preconceito, é todo mundo em paz.
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A senhora sabe de algum jeito que as pessoas olham pras comunidades quilombolas?
R – É com preconceito sempre, né? É, olha, mas graças a Deus aqui ninguém aqui sofre esse tipo de, (pausa), muitos aqui não sabe nem o que é que significa quilombola. Assim, da redondeza, né?
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E pra senhora, o que significa quilombola, pra quem for escutar a senhora falando?
R – Quilombola, pra gente, que sempre tá aqui, é a nossa ancestralidade, as pessoas que vieram antes da gente, que trouxeram no sangue, na cor, na humildade, né? Que vieram de longe, pessoas sofridas, que nós somos descendentes dessas pessoas, que foram escravizadas, que por sinal, né, a escravidão nunca acabou mesmo, sempre a gente é escravizado do pecado do trabalho, né? O pessoal as vezes não sabe nem o que é, pensa que ser escravo é você viver amarrado, acorrentado, né? E todo mundo é escravo, nem que não trabalhe, né, de alguma coisa.
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Bom, problema com território, tem algum problema aqui?
R – Graças a Deus não, mas já tivemos. Foi uma luta grande, até alcancei também essa época, da luta pelas terra, foi uma luta grande.
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Conta um pouquinho pra gente, como e quando foi isso?
R – É, foi na década de 70. Os fazendeiros resolveu vim mexer com nóis, que a gente não tinha documento da terra, ninguém tinha. Aí eles mexeram, queriam tomar, tirar a gente daqui, aí eles cercavam, cercavam tudo durante o dia, mas quando era noite a gente ia lá, arrancava toda a cerca e queimava. Aí nessa época tinha uma pessoa que era Moraes, uma pessoa rica, que morava em Icaraí, que deu esse apoio pra gente, né, comprava gasolina, aí ele viu todo aquele nosso procedimento, aquela nossa luta aí, tentou nos ajudar assim entre aspas, né, porque em troca ele comeu um monte de terra, dando o papel de usucapião, né, que era pra gente ter pelo menos uma área reservada pra gente, esse pedaço que a gente, que nós temos hoje, né? Mas que ele tomou, Icaraí, tudo era daqui, ele tomou quase tudo. Mas graças a Deus a gente tá em paz, né, com o pouco que a gente tem.
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E a senhor era pequenininha nessa época?
R – Era. Tinha uns 13 anos, 12 anos.
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Mas a senhora participava da luta?
R – Participava. Todo mundo participou desta luta.
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A senhora chegou a pegar cerca e derrubar?
R – Com certeza, aham.
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As senhora lembra do sentimento que tinha naquela época? Da sensação de ir junto com outras pessoas, de fazer, derrubar, e ir? Como que era essa sensação?
R – Uma sensação boa, de luta e de garra, que ali a gente tava
se dando é com medo, que a bala aquela época... O meu pai foi ameaçado muitas vezes de morte, perseguido por conta disso. Mas a gente nunca, é, nunca desistiu, mas também nunca morreu por conta disso não, graças a Deus não. Aí eles viram que não podia e desistiram.
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E isso ficou no passado?
R – Ficou
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Nunca mais teve?
R – Não.
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E é dessa luta do passado que veio a posse da terra?
R – Foi.
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Mas a posse só veio mesmo quando, com o reconhecimento da área quilombola ou não?
R – Não, a gente já tinha. O INCRA quer que a gente entre com um processo, né, pra tomar mais terra, mas a gente sempre na nossa reunião eles tão dizendo que não, ninguém vai mexer com o que tá quieto. Aí eu respeito muito, né?
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Na sua opinião pessoal, merecia ter mais terra?
R – Merecia.
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Valeria a luta?
R – Uhum.
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Mas a comunidade acha que não.
R – Acha que não.
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Por quê?
R – Porque eles têm medo. Porque é assim, o pensar deles é assim e até eles tem razão, porque eles vêm, o INCRA vem, mexe e vai embora, a gente fica. Quem vai sofrer a consequência somos nós que vamos fiar aqui, né, e eles vão pra lá. Vai que na ida deles não vêm, não massacram a gente, né? Não dá certo não. É melhor deixar como tá mesmo.
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Bom, já chegamos no, foi muito rápido, né? Eu to sentindo que foi muito rápido, né, quanto foi?
P/2 – Cara, os clipes são cortados, mas acho que deve ter cerca de uma hora, mais ou menos.
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Uma hora? A gente fez essa, veio lá da sua infância, da sua origem pra cá e passou rápido, né?
R – Aham.
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E já chegamos no tempo de hoje, né, mas vamos lá. Conta pra gente como é que é o dia a dia da Maria dos Prazeres hoje?
R – Meu dia a dia é tão corrido, que eu não sei como é que dá pra ir em reunião. É direto de reunião em reunião, eu vô em todas, sempre corrido. Ontem, é, anteontem eu cheguei de Pacajús, fui pra uma audiência em Pacajús.
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Pra quê? Qual que era a finalidade dessa audiência?
R – Era lá pra, pra inauguração que ia ter, que lá é também um quilombo, sabe, aí sempre quando acontece nos quilombo, aí as comunidades são convidadas, né, pra ver o movimento, pra, pra saber como foi que eles tiveram aquele processo, pra conseguir, né, investimento praquilo. Mas são muito bons esses encontros pra gente, né, aumenta o conhecimento da gente, fica com um pensamento a mais. E pensa: "Ó, vô fazer assim também."
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A senhora ensina e aprende?
R – Uhum, graças a Deus, que eu sei, as minhas companheiras de luta, eu repasso, o que elas sabem rapassa também pra gente, a gente vive numa luta. Eu acredito que a luta nossa que tamo em diferente comunidade, é a mesma, né?
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Só pra gente ter uma noção, onde fica esse lugar que a senhora foi fazer essa audiência?
R – Pacajús. Eu não sei onde é que fica. Pacajús não é, já é, não é longe. Quatro horas de viagem pra chegar lá. De Fortaleza, quatro horas pra lá.
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De carro?
R – Sim.
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Nos últimos 30 dias a senhora viajou quantas vezes?
R – Não, só foi essa vez mesmo. E vô amanhã pro município mesmo, pra cede do município.
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Como é que a senhora conseguiu tudo isso? A vida em casa, a senhora tem filhos, qual a idade do seus filhos? Quantos filhos a senhora, a senhora falou que tem cinco, quatro filhos?
R – Quatro filhos, é.
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Quatro filhos, qual que é a idade deles? Como é que é isso?
R – Tem um com 24, um com 22, um com 20 e um 13.
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A senhora poderia falar o nome deles?
R – O de 24, 26 é Rafael, a com 22 é Francilane, a com 20, Marcos e a com 13, Fancilane.
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E, que que eles fazem? Qual que é a ocupação deles?
R – O mais velho tá desempregado, com a mulher esperando bebê desempregado, tá à beira duma loucura. A Francilane, ela é professora, terminou agora pedagogia, e o Marcos estuda e trabalha e a Francilane só estuda.
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E o pessoal gosta daqui? Como é que é essa relação com a comunidade?
R – Gostam, eles ainda inventam de ir passar uns tempos das férias, tão aqui de novo. O pessoal diz: "Quem toma da água daqui sempre volta". Tu tomou. (Risos).
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Teve muita mudança dos últimos anos pra cá, assim?
R – Teve. Teve muita mudança, teve porque era tudo casinha de taipo, de palha. Hoje já tem, são sempre mais, são de alvenaria, né? Teve uma mudança muito.
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Quem constrói é o pessoal daqui mesmo?
R – É, mutirão.
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E, a mudança deu pelo quê? Como é que se consegue esse tipo de material, assim?
R – É comprando, comprando mesmo, compra no depósito.
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Queria saber, a gente tá chegando aqui nos últimos, nos últimos anos agora, né, teve sua família. É, como é que a senhora vê a comunidade do Sítio Do Cercadão, de alguns anos pra cá?
R – Ah, eu vejo muito diferente. Eu vejo que vai ter assim uma mudança a respeito de moradia. Assim, eles vão melhorar a qualidade de vida, sempre eu vejo aqui com a qualidade de vida melhor. Eu luto pra isso, né, mas eu sei que eu não vou viver aqui para sempre, mas sempre eu bota na cabeça das pessoas expectativa, né? De ter uma vida melhor, né? Não sei, porque todo último dia do mês tem reunião e sempre eu bato nessa tecla: "Gente, não vamos diminuir expectativa de um dia melhor", né? Eu vejo aqui um, um futuro bem, se Deus quiser. A vista do que, ui Jesus!
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Não tem problema
R – A vista do que já foi antes, né, que era de palha, passou pra de taipo, já tá de alvenaria, aí um dia vai que melhora pelo menos a aparência, né, das casas, dê uma melhorada, as pessoas sejam empregadas, tenham seus empregos, porque tem muito desemprego aqui também.
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Eu ia perguntar disso. Quê que a senhora mais sente falta aqui na comunidade? Qie que mais falta aqui, no que a senhora conversa com as pessoas?
R – Eles me reclamam muito de trabalho e creche, porque a gente não tem um creche pra por as crianças. É o que mais eles cobram, né, mas eu tenho batalhado muito, mas só "não", né, a respeito da creche o "não" é...
PAUSA
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Então assim, você, a senhora tem netos, é mãe, é esposa, trabalha pra comunidade, como é que consegue conciliar essa vida tão grande, assim, como é que é fazer isso?
R – Ah é, é assim, o meu marido passa o dia trabalhando, só chega em casa de noite. Ele diz: "Ó, durante o dia, você faz da sua vida o que você quiser, mas quando for seis horas eu quero você em casa". Aí eu faço tudo durante o dia, né, que tem a menina de 13 anos, que ela me ajuda muito, e felizmente aqui a, a menina de 20 anos era casada, separou do marido, tá comigo também, né, aí já foi mais uma força. Aí ela sempre, mesmo na casa dela, ela vem lá em casa fazer as coisas por mim, né, enquanto eu ia pras reunião, pras coisas, ela vai lá em casa e ajuda muito. Eu tenho um marido que graças a Deus é um anjo, né? Né, porque hoje pra dizer isso do marido é meio difícil, né? Mas graças a Deus é um anjo na minha vida.
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Ele trabalha com o quê?
R – Ele é porteiro de condomínio (pausa). Ele me apoia em tudo, por sinal a faculdade ele quem pagou: "Você vai estuda". Né?
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A gente tava falando também desse relação sua com a comunidade, da sua posição de liderança, né. Quê que é ser uma, uma agente, uma liderança pra essa comunidade? Quê que é isso? O que significa isso pra senhora?
R – Pra mim é muito importante, né, porque eles veem em mim a confiança que eles precisam, né, eu acredito que seja assim, já que eu já tô no segundo mandato depois da reconstituição, né, quilombola, eu já tô no segundo mandato, eles me colocaram aqui de novo. Eu acho que é porque eles, não sei, eu acho que é porque eu, eu tento passar segurança pra eles, eu não sou pessoa de desistir assim não. Eu sou, eu to falando assim pra você, mas eu sou muito calada, tímida, não sei por que que eles viam em mim. Não sou pessoa de tá brigando com ninguém não.
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Pra senhora, que que a senhora mais ensina? E o que mais aprende com a comunidade?
R – Tudo de bom que eu tenho na minha vida eu tento passar pra ele, todos, todo último dia a gente faz a reunião, a gente conversa, eles traz os assunto que eles têm pendência pra resolver, a gente bota ali na ata, a gente só sai daquele assunto quando acha a solução, né, porque não adianta você vir com um problema e voltar com dois, três, a gente só sai daquele problema quando determina aquela pessoa, e assim a gente vai resolvendo. Assim, tipo assim, todo mundo junta seus problemas no dia da reunião e traz, que é pra gente resolver junto.
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A senhora tem algum exemplo de algum problema que foi interessante de resolver? A senhora podia contar uma história pra gente?
R – Tenho. Esse foi ano passado, foi vários, mas vou contar esse que foi um exemplo. Um exemplo que eu acho que vai servir de castigo, até, um exemplo assim que vai servir pros outros não fazerem, porque as terra aqui, todo mundo sabe, eles tão sabendo, que nas reuniões a gente diz que são hereditárias, a gente colou cartaz não pra dizer, se faz a casa, a casa é tua, mas tu não pode vender, não pode trocar, e sim, pra, mesmo o pessoal da família, que seja pra mesma pessoa que já more aqui. Aí a pessoa vai e troca a casa por um carro. E por debaixo dos pano. Eu só via chegar no meu, né, no meu… eu to achando que fulano trocou a casa, porque tem um carro lá e ele não pode compra esse carro, que ele tem a casa. Aí a gente, aí, juntou a comitiva de falar com ele: "Não, realmente, eu vendi". "Pois nóis vamo te dar o prazo de quatro dias, tu vai desmanchar esse negócio, ou senão tu vai preso. Tu vai perder tua casa e vai ser expulso daqui de dentro". Aí ave Maria! Ele enlouqueceu: "Não pia agora que o homem é ruim, o homem vai me matar". "Se vire, porque quando foi pra você fazer o negócio você não procurou a associação, porque você sabe que todo último dia do mês tem uma reunião, você não foi levar lá pra dizer que tava com necessidade, não queria mais a casa? Que você sabe que não pode vender". Eu sei que em quatro dias ele resolveu, ele veio pra reunião, pediu mil desculpas, que não fazia, falei: "Pois, é pra servir de exemplo". Porque a gente ia, a gente já tinha combinado mesmo, ele ia pra fora daqui. Ia morar dentro do carro, não sei aonde. A gente ia derrubar a casa, já tava todo mundo já, que nem a pessoa que tinha comprado ia ficar, né, tinha de que derrubar, porque a outra pessoa queria fazer confusão. Né, que ele tinha trocado casa. Aí ele perdeu o carro! Ainda foi ter que pagar 2000 reais pelo arrependimento, digo, pra servir de exemplo ele dizendo aqui chorando eu digo: "Vai! Que você sabia que não podia fazer isso". Aí esse aí foi m exemplo.
P/1 – Muito bom. O que é a comunidade hoje em termos de números, casas, enfim, alguns dados, que que é hoje e quantas pessoas participam das reuniões em média?
R – É, todo mês tá na faixa dumas 100 pessoas numa reunião.
P/1 – E quantas pessoas maios ou menos têm na comunidade?
R – Tem 789.
P/1 – Quantas casas mais ou menos a senhora acha?
R – Acho que eu perdi a conta. Só anoto lá e nem contei. Mas tem, naquele papelzinho tem todas.
P/1 – Mais de 200?
R – Não, tem não, acho que tem uma 170.
P/1 – Cento e setenta?
R – Aham.
P/1 – A senhora tem um sonho?
R – Um sonho? Meu sonho é que todo mundo cresça, todo mundo junto, todo mundo unido. Eu não tenho, até que eu tô fazendo um curso que a professora: "Qual que é o seu projeto de vida?". Eu digo: "Professora, eu me preocupo tanto com a comunidade que eu tô me esquecendo do meu projeto de vida". Aí ela disse "Pois diga-me um". Eu falei assim: "Eu quero uma conta bem recheada no banco!". Aí ela: "Não, isso não, teu projeto foi muito rápido". Pois é.
P/1 – A senhora hoje tá estudando. Quê que a senhora tá estudando mesmo?
R – Pedagogia. Tô no sexto semestre de pedagogia.
P/1 – Quê que a senhora já aprendeu de mais interessante? Que te ajuda na lida com a comunidade? No seu trabalho? No curso de pedagogia, assim, que que essa universidade tá servindo pra senhora?
R – A gente aprende coisa nova, né, tem, dá assim mais um moral, né, ensino superior, quem vê a gente: "Ó a pobrezinha, a agricultora" (risos). É que sempre tem, né, isso aí. Eles ficam assim quando chega aquele professor que pergunta: "Qual sua profissão?". "Agricultora". "Agricultora?". "Agricultora! Por que não agricultora?", né? Aí eles acham que porque é agricultora não pode fazer uma faculdade. Já que a gente não tem cota a gente vai na mais em conta, né?
P/1 – A senhora já teve vergonha de falar que era agricultora?
R – Tenho nada, tenho orgulho.
P/1 – Mas a senhora já teve vergonha alguma vez?
R – Não, nunca. Eu não.
P/1 – Então, mas pra além do diploma que a senhora vai ganhar, tem alguma coisa bem significativa, que você diz: "Pô, essa universidade, esse lugar aqui, essa academia me ensinou alguma coisa". Tem alguma que a senhora lembra assim?
R – Eu, eu lembro, a minha preocupação é assim, é a educação, educação, meu sonho é que venha uma escola pra comunidade até o ensino médio. Não sei por que, mas esse sonho, antes de morrer eu quero, pelo menos se eu não, ao menos uma iniciativa já é alguma coisa.
P/1 – A senhora falou da creche, que tinha e não tem mais.
R – Tem não
P/1 – E que se emociona ao contar essa história, por quê?
R – Uai, (risos). Porque eu me sentia feliz do lado das criança, né? Não vivia assim dentro da escola, convive junto com os adulto aprendendo más palavras, pronto, a escola tá acabando com as criança. Por ser um ensino junto com os adultos. E criança é criança, se ele vê você falando alguma coisa, chaga em casa ele vai repetir. Eu tô vendo que as criança tão se transformando em não sei nem o que. Tá acabando, acabando, né, o senso crítico das criança, as escola. Né, eu, porque eu acho que é por conta que junto, né, na hora daquele recreio, aquela bagunça, aquele bate bate, aqueles palavrão, as criança vão naquela onda e tão acabando as criança. Eu vejo muito esse lado aí. Pelo menos as daqui eu vi muito essa diferença absurda do tempo que tinha creche né, eles vinham pra escola, mas já ia com as cabeça feita daqui, né? Aí pronto, aí agora os menino nasce, com três anos joga lá na escola, um menino rebelde, um menino totalmente diferente do que era antes. Muito difícil.
P/1 – Depois de contar a sua história, como é que foi contar sua história aqui? Tem alguma coisa que a senhora gostaria de compartilhar com a gente aí, do que que achou de contar história? E do que que acha que vai ser?
R – Não sei. Eu achei assim, muito importante pra mim porque até então nunca tinha aparecido, né, essa, parecia sempre pra falar da história, como surgiu a história da comunidade, mas, de mim, é a primeira vez, eu to me sentindo muito orgulhosa, né? Os meus sinceros agradecimentos a vocês, fizeram eu chorar, lembrar duma coisa que eu tento esquecer, mas não esqueço! E que essas lembranças que, cada vez que eu choro mais me dá força pra eu, pra mim batalhar atrás, por isso que eu fui pra faculdade, e o meu sonho é esse, eu não fiz projeto de vida não, o meu sonho, mesmo, é esse. O meu projeto de vida quem faz é o lá de cima, a cada dia que amanheço o dia que eu me acordo digo: "Obrigada senhor". Meu projeto de vida é esse, de tá todo dia agradecendo o dia que passou, mas eu tenho esse pensamento que eu fui pra pedagogia, eu fui tentar buscar uma melhora de vida, que eu sei que eu não posso levar todos, meu marido me deu a oportunidade de eu ir, que ele vinha sempre dizer: "Mulher! Vai atrás da tua melhora!", pode ser que quando tu melhora tu conquista dos outros. Aí eu, tô nessa luta. Fez eu chorar...
P/1 – (Risos) Gostou de ter contado a história?
R – Gostei sim.
P/1 – A gente gostou também. Queria agradecer muito a senhora pela disponibilidade, por poder contar a história pra gente, acho que com certeza muita gente vai escutar sua história lá no Museu da Pessoa, né, na internet vão poder acessar. Então, agradecer a senhora, Maria dos Prazeres, tá?
R – Obrigada digo eu.Recolher