Depoimento de Pedro Favalle Filho
Entrevistado por Ana Paula e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 25 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Senhor Pedro, primeiro eu gostaria que o senhor falasse o nome do senhor por inteiro, data de nascimento, o nome dos pais do senhor, dos avós.
R - Meu nome é Pedro Favalle Filho.
P - O local de nascimento do senhor?
R - A data de nascimento, né, é 4 de maio de 1932.
P - E o local?
R - São Paulo.
P - São Paulo. O nome do pai do senhor?
R - Pedro Favalle.
P - Tanto é que o senhor é Pedro Favalle Filho.
R - Sim.
P - Dos avós do senhor?
R - É, Pedro... esse daí não estou me lembrando disso não.
P - Ah, tudo bem, não tem importância não.
R - Eu não falei, não perguntaram não.
P - Ah, não tem problema. E, o senhor tem irmãos, irmãs?
R - Tenho.
P - Quantos?
R - Tenho sete.
P - Sete irmãos?
R - Um falecido.
P - Ah, um falecido, certo. Bom, o senhor podia, assim, fazer uma descriçãozinha do bairro que o senhor morava, da rua que o senhor morava na infância?
R - Bom, eu... que eu comecei vendendo jornal foi na esquina da Avenida Paulista com a Brigadeiro Luiz Antônio, isso na década mais ou menos de 47, e naquele tempo eram poucas as bancas de jornais, e meu pai tinha vindo da Itália e não tinha quase serviço, não tinha, viu? Então, começamos a vender jornal, fomos empregado dessa banca, um pouco de tempo, aí depois nós mesmos começamos a fazer a entrega, a fazer freguesia, entregar nas casas. Então saia eu, meu pai e meu irmão cada um para um lado entregando jornal, né?
P - Por conta própria?
R - Por conta própria. E aí foi passando dos tempos, aí começamos a se desenvolver no negócio, no serviço, e isso, mais ou menos em 50. Em 52 foi que nós montamos no ponto final do ônibus Jardim Paulista, em cima de caixotes, os jornais e revistas. E ficamos ali dois anos vendendo, que começou a prosperar e foi quando...
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Entrevistado por Ana Paula e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 25 de outubro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Senhor Pedro, primeiro eu gostaria que o senhor falasse o nome do senhor por inteiro, data de nascimento, o nome dos pais do senhor, dos avós.
R - Meu nome é Pedro Favalle Filho.
P - O local de nascimento do senhor?
R - A data de nascimento, né, é 4 de maio de 1932.
P - E o local?
R - São Paulo.
P - São Paulo. O nome do pai do senhor?
R - Pedro Favalle.
P - Tanto é que o senhor é Pedro Favalle Filho.
R - Sim.
P - Dos avós do senhor?
R - É, Pedro... esse daí não estou me lembrando disso não.
P - Ah, tudo bem, não tem importância não.
R - Eu não falei, não perguntaram não.
P - Ah, não tem problema. E, o senhor tem irmãos, irmãs?
R - Tenho.
P - Quantos?
R - Tenho sete.
P - Sete irmãos?
R - Um falecido.
P - Ah, um falecido, certo. Bom, o senhor podia, assim, fazer uma descriçãozinha do bairro que o senhor morava, da rua que o senhor morava na infância?
R - Bom, eu... que eu comecei vendendo jornal foi na esquina da Avenida Paulista com a Brigadeiro Luiz Antônio, isso na década mais ou menos de 47, e naquele tempo eram poucas as bancas de jornais, e meu pai tinha vindo da Itália e não tinha quase serviço, não tinha, viu? Então, começamos a vender jornal, fomos empregado dessa banca, um pouco de tempo, aí depois nós mesmos começamos a fazer a entrega, a fazer freguesia, entregar nas casas. Então saia eu, meu pai e meu irmão cada um para um lado entregando jornal, né?
P - Por conta própria?
R - Por conta própria. E aí foi passando dos tempos, aí começamos a se desenvolver no negócio, no serviço, e isso, mais ou menos em 50. Em 52 foi que nós montamos no ponto final do ônibus Jardim Paulista, em cima de caixotes, os jornais e revistas. E ficamos ali dois anos vendendo, que começou a prosperar e foi quando apareceu essa oportunidade, que o Jânio Quadros deu uma anistia para quem estava dois anos vendendo jornal já naquele mesmo ponto, então tinha sido agraciado com uma banca de jornal.
P - Agora, antes disso, o senhor começou junto com o pai do senhor, naquela banca da Paulista com a Brigadeiro?
R - Sim.
P - E o senhor havia me dito da concentração, né, que havia uma distribuição de jornais.
R - Isso, como era a distribuição do jornal, né, o apanha, que você ia para o seu trabalho.
P - Conta um pouquinho para gente como era essa distribuição, aonde que era, os jornais que tinha?
R - Essa concentração era na Praça Antônio Prado.
P - Ah, sei. No Centro.
R - Que lá se concentravam todos os jornais, era o Estado, a Folha, o Diário Popular, o Correio Paulistano, a Gazeta Esportiva.
P - O senhor era menino?
R - Ah, eu era criança.
P - Criança, né?
R- E cada um pegava o seu jornal e saía na correia.
P - Como é que é "na correia", seu Pedro?
R - Na correia é um, que você pega o jornal debaixo do braço né, e passa aqui, segura, e você vai andando e vai pegando o jornal, que não... que era um tipo típico mesmo de jornaleiro, né?
P - Certo. E que hoje em dia não tem mais?
R - Hoje em dia já não, tem alguns mas, uns não sabem como carregar, outros não sabem como...
P - Como dobrar o jornal.
R - ... se portar, se dobrar o jornal, né, e aí nisso... que aí... em São Paulo não existia revista, as revistas eram tudo do Rio, né, e apareceu o senhor Victor Civita, que a gente depois soube quem era, porque a gente não sabia, e ele dizia: "Olha, por favor, aqui está aparecendo uma editora em São Paulo, né? Eu gostaria que vocês oferecessem essa revista assim para um, seus fregueses, põem na frente da banca."
P - Que revista que era?
R - Era o Pato Donald.
P - Ah, sei.
R - E daí que surgiu a Editora Abril, que começou a evolução de revistas em São Paulo.
P - Ah, e o fundador foi o senhor Victor Civita?
R - Victor Civita.
P - Só uma coisinha, voltando um pouquinho, quando o senhor fala de concentração de jornais, a quem que o senhor se refere da Praça Antônio Carlos?
R - É que o jornaleiro concentravam-se ali, porque era naquela madrugada que você pegava o seu reparte, né?
P - E onde ficava essa quantidade de publicações?
R - Na Praça Antônio Prado.
P - Na rua.
R - É, numa praça.
P - Na rua, não era num prédio?
R - Não, não, na rua.
P - Vinham e distribuíam assim os...
R - Não, só jornais e revistas mesmo, que livros era... não, a livraria antigamente não se misturava com jornal.
P - E quem trazia os jornais?
R - As próprias, as empresas de jornais. Por exemplo, o Estado era na... ela tinha uma loja na Rua Boa Vista, o Diário Popular era na Rua João Brícola, que era quase encostado na Praça Antônio Prado, agora os outros, que era a Folha, que era na Rua do Carmo. Então, eles traziam com uma caminhonete, traziam na Praça Antônio Prado, e aí os jornaleiros compravam, né, compravam e cada um... depois, aí chegava todos os jornais, porque não chegavam tudo junto, às vezes tinha um jornal que estava atrasado.
P - E vocês esperavam?
R - Esperava até para que se completava todos os jornais.
P - E comprava direto dos caminhões?
R - Não, eles paravam do lado, cada um tinha o seu, hoje não é box, é um... assim... do lado de um prédio, ficava a Folha, ficava o Estado, o Diário Popular, então... e aí cada saía depois para fazer suas freguesias de entrega.
P - E tinha que ter um capital mais ou menos para poder comprar?
R - Ah, porque era tudo à vista, tinha que comprar tudo à vista, tudo a dinheiro.
P - E aí, na medida que ia distribuindo, ia recebendo também, vamos dizer, ou era mensal?
R - É, nas casas você que fazia, você que encontrava as pessoas, você que vendia na rua, né, senão você entregava por mês, recebia por mês nas casas.
P - Aí, não dava prejuízo, pagar à vista e receber por mês?
R - Não, porque dinheiro, antigamente, era um dinheiro seguro, era um dinheiro que tinha valor, que era o tempo dos mil réis, então vendi muito jornal no, mesmo no quartel, que eu vender para o, aí vendia para os oficiais, no segundo esquadrão, né? Entrava lá dentro e vendia para os cozinheiros, vendia para os oficiais, para o barbeiro, e depois ali tinha fábrica do teste, o Calfat na Brigadeiro Luiz Antônio, na esquina da Rua Jundiaí, e era a concentração de muitos operários, então ali que a gente ficava mais para vender o jornal.
P - E o senhor distribuía jornal a pé ou de bicicleta?
R - A pé. Naquele tempo a pé. Aí, depois, com a evolução do tempo, aí surgiu a bicicleta, aí eu comprei uma bicicleta, aí nesse intervalo surgiu uma oportunidade de eu fazer entrega para o Estado do São Paulo, que era os assinantes, né, que antigamente tinha assinatura. E eu entrei, aí fui já até...
P - Concorrência, talvez.
R - ...não, foi escrito como empregado mesmo, né, como...
P - Autônomo.
R - Sim?
P - Autônomo.
R - Não, não, como empregado do Estado mesmo.
P - Ele deixou de ser autônomo.
R - E com esse, que eu fui empregado mesmo.
P - Oficializou.
R - Oficializou, e aí eu consegui ter a minha aposentadoria, porque antigamente jornal, jornaleiro não tinha aposentadoria, né, então tinha que ser empregador mesmo, né?
P - É, quando tem a carteira de trabalho.
R - É carteira de trabalho, isso, isso.
P - Agora senhor, na sua mais longa, mais antiga memória, que jornais havia?
R - Havia o Estado de S. Paulo, era a Folha da Manhã, que hoje é a Folha de S. Paulo, mas antigamente era Folha da Manhã, Correio Paulistano, tinha O Dia, tinha O Tempo, tinha A Gazeta, tinha O Esporte, A Hora, O Governador, que era feito pelo Zé Fidelis.
P - Que Zé Fidelis?
R - Que era um...
P - Comediante.
R- Um comediante e...
P - Qual deles dava mais lucro para vocês.
R - Ah, sempre foi todos os jornais o mesmo lucro, eram trinta por cento e se conserva até hoje.
P - Mas, em razão da venda, de maior quantidade de venda?
R - Naquele tempo vendia mais era a Folha, o Estado, o Diário Popular, a Gazeta Esportiva, a Gazeta.
P - Parece que são mais ou menos os mesmos que vendem hoje.
R - Não, porque hoje, por exemplo, já não existe mais a Gazeta, não existe mais O Tempo, não existe mais o Correio Paulistano.
P - É, os mais vendidos não são mais ou menos os mesmos?
R - Sim, nessa parte sim, que é o Estado, a Folha.
P - E até hoje é a mesma porcentagem, trinta por cento?
R - Sim, trinta por cento.
P - Senhor Pedro, o senhor então começou vendendo a pé, depois o senhor começou a vender de bicicleta, e o senhor se fixou. Em que época mais ou menos o senhor começou a se fixar, a vender não só andando, mas em algum ponto determinado?
R - Foi em 52.
P - Em 52, aonde que o senhor vendia?
R - Isso foi na Praça Dom Gastão Liberal Pinto, no ponto final do ônibus Jardim Paulista.
P - Mas ainda não era uma banca?
R - Não, não era uma banca, que era em frente a uma padaria, Padaria Amaral, que aí foi que em 54 o Jânio Quadros, quando foi prefeito, ele anistiou quem estava há dois anos no ponto. Então ele agraciou com uma banca de jornal, sem a concorrência, porque antigamente era tudo com concorrência.
P - Como é que era a concorrência, como é que...
R - A concorrência você, por exemplo, mesmo que você estava há cinco, dez anos, em um ponto, então... era com um envelope fechado, então ali você fazia a sua proposta.
P - De quanto se pagaria pelo ponto?
R - De quanto você ia dar por mês para a prefeitura, e nisso ninguém sabia, porque tanto fazia você estar lá cinco anos, dez anos no ponto, se eu desse mais do que você tinha dado. Por exemplo, se eu... se você tivesse dado, por exemplo, cem mil réis eu daria de cento e vinte mil réis, eu ganhava o ponto e você teria que ir embora.
P - Independentemente do tempo que você estava lá?
R - Independente do tempo que você estava no que você estava no local de trabalho.
P - Ah sei. Quer dizer que era pelo valor mais alto que se dava?
R - Que era feita a concorrência.
P - E em 54, como é que fez, como é que funcionou?
R - Aí em 54, foi que o Jânio Quadros... ali ele formou uma lei, eu não me lembro o número da lei, nada, que quem estava há dois anos no ponto, então, com um atestado, com um depoimento do dono do estabelecimento onde você estava mais próximo, que ele atestava que você estava há dois anos, há mais de dois anos naquele ponto, então ele dava uma banca de jornal para você. Dava... Você tinha que comprar a banca, ele dava o ponto para você trabalhar.
P - E isso precisava de algum tipo de testemunha?
R - É, um atestamento que um, por exemplo, que é do dono da padaria, o dono do estabelecimento do lado onde você estava, que ele declarava um comprovante, que ele atestava que você estava há dois anos lá.
P - E naquele tempo, seu Favalle, como é que era comprar uma banca, comprava uma estrutura pronta ou construía?
R - Não, comprava uma estrutura pronta, de que era de lata, né, que era de chapa de... e aí você já tinha a licença e todo ano você era obrigado a fazer exame médico. Se era o... tinha um cartão com a fotografia que tinha que ser sempre posta, assim, na banca, que aparecia os fiscais, né, e sabia quem era o dono da banca ou não.
P - Aí, o senhor passou a vender então naquele ponto?
R - Naquele ponto.
P - Voltando um pouquinho atrás, antes de continuar a evolução do seu comércio, tem um... o senhor citou que nasceu em 32. Até 47, quando começou já... e nesse período como é que era a sua infância, como é que foi, como é que era o seu estudo, a sua casa, o bairro?
R - Ah, o bairro era bom. Eu estudei até o quarto ano primário, aí tem umas coisas que aconteceram, por exemplo, em grandes vendas de jornal, que aconteceu, por exemplo, que eu estava na cidade, né, e tinha os Diários Associados, né, que era o Diário da Noite, o Diário de São Paulo, e eu estava na Rua Sete de Abril com a Rua Marconi, e eu estava em um bar tomando café, e nisso ouvindo um rádio, a morte do Getúlio. Aí ficou todo mundo abismado: "Puxa, Getúlio se matou, Getúlio isso, não sei o quê." E logo adiante existia as oficinas dos Diários Associados, que era o Diário da Noite. Aí, eu cheguei e desci, fui lá e tinha o distribuidor e ele me viu: "Ô Favalle, pô, você não quer vender jornal, não, o Getúlio morreu. As máquinas já estão rodando", né? Eu falei: "Ah, eu vou pôr para vender." E aí nesse dia eu vendi três mil Diário da Noite na esquina da Rua Sete de Abril com a Rua Marconi, né, que foi uma passagem que eu nunca esqueço, que foi um negócio...
P - Histórico.
R - ...histórico, né, na minha vida. Nunca vendi tanto jornal, que eu não sabia nem onde por dinheiro, que foi um tipo, sei lá, a desgraça de um e... sabe, o jornaleiro, por exemplo, vive com a desgraça dos outros.
P - Como é que estava o clima dos compradores de jornais?
R - Ah, todo mundo queria saber notícia.
P - Havia muito nervosismo, medo? O senhor lembra de alguma passagem?
R - Ah, ficou muita gente chocada, muita gente chocada pela morte, né? E depois uma outra passagem que eu vendi muito jornal também foi casualmente que eu vinha vindo pela Rua São Luís, na Avenida São Luís e, nisso, já estava de carro, e, como eu trabalhava no Estado, que ele tinha se mudado para a Rua Martins Fontes e eu ia lá, que eu tinha que prestar uma conta, e nisso eu vi fogo, que foi o incêndio do Joelma, né? Aí também foi um outro dia também de uma grande venda, porque aí eu comecei a vender jornal também, eu vendi mais de dois mil Jornal da Tarde.
P - Agora, isso foi mais ou menos em 70, né?
R - 73. Agora, o Getúlio foi em 54. Foi as duas maiores, assim, que marcaram mesmo a história de venda de jornal assim de...
P - E em 64, não foi assim também, no Golpe Militar?
R - Mais ou menos, também não foi de grande, assim, venda. Vendia muito, mas o jornal era muito censurado, né? Então, que aí tinha censura que era um... não se podia pôr tudo que se acontecia nos jornais, né, então... mas também vendia bem.
P - Senhor Pedro, mudando um pouquinho, o senhor, como é que o senhor sentiu a freguesia quando o senhor começou a se estabelecer em um ponto fixo. Aquela freguesia que o senhor entregava nas casas, o senhor sentiu que ela... que o senhor perdeu um pouco dessa freguesia, ou que ela veio até a banca do senhor comprar?
R - Não, algumas pessoas ainda se iam, né, mas aí se tornou novos fregueses, né, porque aí foi outro tipo de serviço. Você já estava na banca, aí já começou a vir as revistas. Já tinha mais revista, então teve uma, porque a imprensa no Brasil, antigamente, era muito... era mínima de revistas, né?
P - É. O senhor me falou que tinha poucas bancas, né?
R - É, poucas bancas, e poucas revistas, porque as revistas... em São Paulo não tinha editoras, por exemplo, em São Paulo não tinha, era só do Rio. Tinha O Cruzeiro, tinha A Cigarra, tinha A Carioca, tinha a Revista do Rádio, tinha o Fon-Fon, tinha o Jornal das Moças, tinha o Tico-Tico, tinha o Malho, que era tudo revistas cariocas e foi nisso que eu já... não sei se volto a contar outra vez... de que aconteceu que o senhor Victor Civita apareceu com o Pato Donald, que surgiu a Editora Abril, que aí teve uma grande euforia pela imprensa mas de São Paulo, né?
P - Foi o Pato Donald que ele começou vendendo?
R - Sim, foi o Pato Donald.
P - E vendeu rápido, as pessoas se interessavam pela revista?
R - Ah sim, porque não tinha revistas infantis, né, e foi uma das primeiras revistas infantis que surgiu no mercado. Aí depois veio o Capricho.
P - Ah, Capricho. Capricho é antiga?
R - Sim.
P - E os gibis?
R - Não. Também existia muitos do Rio, não de São Paulo. Tinha o gibi, tinha o suplemento, tinha o Mirim, tinha o Globo Juvenil, que eram todos cariocas, e em São Paulo começou com o Pato Donald.
P - Quer dizer, houve uma mudança no comportamento também dos leitores de jornal, né, porque eles deixaram de receber para começar a ter o hábito de ir às bancas?
R - Sim, porque aí já começou a terminar o comércio de você ficar vendendo em banca, e em casa em casa, então o pessoal... já começou a existir mais bancas, o pessoal já ia na banca, comprava o jornal, comprava a revista.
P - Qual é o mais desgastante, o senhor ir distribuindo ou ter a banca, ficando lá o dia inteiro?
R - Ah, você fazendo entrega nas casas, em casa em casa.
P - O senhor começava a que horas?
R - Começava às 4 da manhã.
P - E ia até?
R - Até meio dia, uma hora, duas horas.
P - Aí, ficava de folga?
R - Aí, sim...
P - Mas a banca não tem...
R - ...aí a tarde ia na escola.
P - Sim, mas a banca tem que ficar o dia todo?
R - Aí ficava meu pai, tinha o meu irmão, porque aí cada um se revezava, né? Aí você ficava um pouco de manhã, um pouco de tarde.
P- O senhor começou trabalhando muito cedo, né, com quantos anos?
R - Sim. Com 12 anos.
P - Doze anos. E teve algum problema do senhor trabalhar assim, perante a lei?
R - Teve, teve.
P - Teve? Conta para a gente.
R - Porque naquele tempo criança não podia trabalhar, foi o tempo que eu comecei na Avenida Paulista, que surgiu até um juizado de menores, e ele me pegou vendendo jornal, e ele chegou para mim e falou: "Aí você não pode trabalhar." Porque antigamente só se trabalhava depois de 14 anos.
P - E o senhor tinha 12?
R - Eu tinha 12, então não podia trabalhar, então ele me deteu, me levou para o Juizado de Menores, e nisso o meu pai precisou ir lá me tirar, né, e aí meu pai contou que a gente necessitava porque a gente não tinha condições de sobrevivência, que o meu pai tinha muito filho, né, e os filhos precisava ajudar em casa, nisso, então que era o juizado, que era um J. J. Arruda, que era do Juizado mesmo, então falou: "Já que você necessita trabalhar então nós vamos dar uma chapinha com o número que você põe na lapela e com isso você vai poder trabalhar sem ser incomodado pelo juizado. E aí fui sair mas eles falaram: "Mas, olha, então vamos fazer o seguinte, você não estuda?" Eu falei: "Eu estudo eu já estou na escola." "Não, mas nós gostaríamos que você fosse na escola do juizado à noite." Que era à noite. Aí, eu falei: "Bom, se for para freqüentar a escola, eu vou, não tem problema, que é um bem para mim mesmo, para aprender mais eu vou." E essa escola era na própria do juizado de menores que era na Rua Aguiar de Barros, e do lado existia uma padaria, a padaria chamava-se Padaria Java, e como eu tinha mais um, um pouco mais de estudos que os outros que não tinham, que, que antigamente se misturava engraxate e jornaleiro, que naquela ocasião, naquele tempo, quando eu tinha 12 anos era um, jornaleiro era uma classe que não tinha distinção, assim, não tinha um comércio, né, que engraxate, jornaleiro e lixeiro era uma classe ralé, né? Então, o que é que fazia os juizados: pegava os engraxates que engraxavam sapato e jornaleiro, né, e íam, que tinham que ir na escola, freqüentar a escola, e eu, como tinha um pouco mais de estudo, né, que já estava na escola também, e me encarregava de eu toda noite buscar o lanche, então contava quantas crianças tinha, bom, um dia tinha 20, outro dia tinha 28, outro dia 30, 32, então o próprio juizado mandava eu comprar o lanche nessa padaria. Então, um dia eu comprava pão e banana, outro dia era pão e mortadela, então dava para as crianças.
P - Então o senhor acabou auxiliando também nessa escola?
R - Que eu ajudei também, ajudei a ir buscar lanche só, né, então e...
P - E lá o senhor fez até o final?
R - Não, ali eu fiquei mais ou menos uns dois anos, porque eu já tinha feito, já estava na escola, né? Aí depois a professora se casou, então ficou sem professora, aí já foi se dissolvendo as escolas do juizados, né, aí então não teve mais.
P - E o senhor ia sozinho para a escola à noite?
R - Ia.
P - A senhora sua mãe não se preocupava?
R - Não, não porque antigamente não existia essa, o que existe hoje, né, era um... não tinha tanto... era mais liberal, não tinha essas perseguições, esse negócio de ladrão, de roubo.
P - E era mais tranqüilo?
R - Era mais tranqüilo.
P - Quantos dos seus irmãos ajudavam na venda de jornal?
R - Era eu e o meu irmão.
P - E os outros?
R - Eram mais mulheres, eram mais irmãs.
P - E elas faziam o quê?
R - Trabalhavam também, né, mais trabalhava de... no laboratório, outra trabalhava no consultório, então... tinha a pequena, que não trabalhava, então ajudava minha mãe.
P - E quando elas eram meninas, os meninos iam vender jornais e elas ficavam em casa?
R - Ficava.
P - Senhor Pedro, o senhor se fixou em 1954, foi mais ou menos em que época que começou a ter um aumento das bancas em São Paulo, assim?
R - Em 54.
P - Também, por causa dessa lei do Jânio Quadros?
R - Dessa lei de Jânio Quadros.
P - Sei, e, bom, o senhor se fixou, e de lá para cá como é que foi, assim... como é que foram as mudanças, né? O senhor ficou sempre no mesmo ponto, teve outros lugares que o senhor também se estabeleceu?
R - Eu também, porque além de ficar na banca, porque aí tinha eu meu pai, meu irmão. Então aí eu pegava uns negócios, foi aí aonde que eu entrei no Estadão, para fazer entrega, um serviço à parte, né?
P - Que era conseguir as assinaturas?
R - É, que era para assinaturas de jornal, né, do Estado, e, com isso, chegava no fim do ano sempre as assinaturas terminavam e eu sempre na renovação de assinatura. Você ganhava um bom dinheiro, que você tinha uma comissão, que você renovava. Então, você tinha uma comissão, e eu gostei, eu fiquei no Estado de 54 até 72, né, aí com a evolução e tudo aí eu comprei uma bicicleta, comecei a entregar de bicicleta.
P - Mesmo com a banca?
R - Mesmo com a banca.
P - Quem ficava no lugar do senhor quando o senhor estava de bicicleta?
R - O meu pai ou o meu irmão, né, e aí mais ou menos em 66 eu comprei um carro, aí eu comprei um Volkswagen, aí comecei entregar jornal de...
P - De carro.
R - ... de carro, aí fui melhorando, fui ganhando. Aí, depois apareceu um outro serviço, que nem, por exemplo, esse negócio de fornecer à Editora Abril, né, que eu comecei a fornecer jornais para... jornais e revistas para essas editoras, né? E a minha vida começou melhorando, e aí, quando foi em 72 eu pedi que eu não queria mais trabalhar no Estado, aí só me fixei na banca. Nesses intervalos nós também montamos uma livraria.
P - Ah, teve a livraria, e quando foi o ano que o senhor montou a livraria?
R - A livraria foi mais ou menos em 52.
P - A livraria?
R - É, né, que por isso é que a gente tinha a banca e tinha a livraria, né? Aí, o negócio começou a funcionar, começou indo bem, então, aí começamos a ganhar dinheiro, e aí em 72 eu parei de trabalhar no Estado, e aí ficava eu ficava só na livraria. E estou na livraria até hoje.
P - Ah, é a livraria, né?
R - Favalle.
P - Favalle. Teve algum momento que o senhor saiu, que o senhor saiu do ponto que o senhor estava, quais foram os locais que o senhor ficou nas... com banca?
R - Com banca, eu estou desde o começo na Praça Dom Gastão Liberal Pinto; e com a livraria eu estou desde quando fundou na Avenida Santo Amaro.
P - Ah certo, são dois locais.
R - Dois locais, com a banca e com a livraria.
P - A livraria atualmente está só com livros?
R - Está, agora deu uma... como a Avenida Santo Amaro, ela se tornou um corredor de ônibus, isso mais ou menos há uns seis anos atrás, né, que foi então não pôde mais parar carro, porque a freguesia que a gente tinha é de parada de carro, né, que os carros que iam para o Morumbi, para Santo Amaro, né, e aquele corredor não teve mais. Então a gente foi perdendo os fregueses, que não tinha mais aquela... não podia parar, que os guardas não deixavam, e assim mesmo a gente continuou com a livraria, e foi até agora mais ou menos há uns dois anos que a gente teve uma outra idéia, montar uma... começamos com uma choperia.
P - Ah, uma choperia?
R - É, a choperia também não deu certo, porque não tem estacionamento. Isso se passou mais dois anos e agora... dois anos atrás eu me dediquei a lanchonete que é, que é Bar e Revista Favalle.
P - Ah, Bar e Revista Favalle.
R - Né, que agora nós tornamos um restaurante, que é um... que é agora que a evolução de... da época que é a comida quilo.
P - Ah, comida quilo.
R - Então nós temos um restaurante de comida quilo.
P - Que funciona mais ou menos na hora do almoço?
R - Mais na hora do almoço, mas continuamos com jornais e revistas.
P - Certo, que é que o senhor sente que dá mais lucro para a casa, as revistas ou a parte da lanchonete?
R - Aí, eu me dedico mais nos jornais e revistas.
P - Mas a parte da lanchonete auxiliou por causa desse problema da falta de freguesia?
R - Da falta de estacionamento que você não tinha estacionamento, então, esse negócio de comida que é a quilo, então ela se concentrou nos funcionários, nos executivos que tem escritórios, né, então tem aquela hora que todo mundo vem almoçar ali.
P - Ah, certo.
P - Aquelas obras ali da... estão atrapalhando?
R - Ah, bastante.
P - Como é que o senhor vê essa coisa, vai melhorar depois?
R - Ah sim acredito que vai melhorar, e vai ficar bem, bem mais bonito, vai ficar bonito.
P - Quantos anos estão fazendo aquela obra?
R - Ah, já está quase um ano né, parece, acho que foi de novembro para cá, mas eu penso que agora que eu estou vendo no jornal, que acho que vai ser inaugurada agora em dezembro.
P - Senhor Pedro, como é que foi a evolução da classe dos jornaleiros, o senhor falou que tinha um status, que era como o engraxate como o... que mais que o senhor falou mesmo, engraxate...?
R - Então, que foi... foi a evolução dos jornais, né, que a evolução das empresas... das empresas?
P - Não, do jornaleiro, assim... do jornaleiro diante da sociedade, porque hoje ele é considerado um amigo, né?
R - Sim, porque antigamente jornaleiro era uma classe ralé, não tinha... então conforme apareceu todas essas empresas que nem a Editora Abril, a Globo, tinha a Rio Gráfica, então se concentraram e começou a evolução da imprensa brasileira.
P - Foi por causa da imprensa que melhorou a imagem?
R - A quantidade, a imagem do jornaleiro, porque aí, e as bancas, porque hoje as bancas são todas... tem bancas sofisticadas, tem bancas hoje que, que é um comércio tremendo, tem bancas hoje que é um verdadeiro...
P - É, uma loja.
R - ... lojas, é um... né?
P - Tem de tudo.
R - ... tem de tudo, até de vídeo, cigarro, doce. Então você encontra tudo dentro de uma banca, fichas telefônicas, tudo.
P - E o papel dos sindicatos, ajudou também? Quando foi formado o Sindicato dos Distribuidores de Jornais e Revistas?
R - Olha, muito pouco.
P - Não ajudou na imagem?
R - Ajudou, assim, perante a Prefeitura. Para a gente dar uma força para as licenças de banca né, que se interviu na Prefeitura para... mas nunca foi um, assim de... eu não sei explicar como. Porque jornaleiro hoje vive que nem... é que nem esses jornaleiros sabe, é que nem... são todos independentes, cada um é um, então é difícil você fazer a cabeça do jornaleiro, cada um, porque trabalha independente, não é um negócio que nem por exemplo um sindicato de comércio que você... então, você me falou outra coisa e escapou, que nem, por exemplo, você quer saber mais ou menos da história do jornaleiro né, antigo, que, jornaleiro nos anos mais ou menos de 60, foi, a Prefeitura agraciou. Se você for hoje na Praça João Mendes, vocês vão ver uma estátua que eles achavam que jornaleiro e engraxate era a mesma coisa, que você vê uma estátua entre o Fórum da Praça João Mendes, você vai ver que uma estátua que tem um com uma caixa de engraxate nas costas e um jornaleiro com... que um monte de jornal do lado carregando, e aí, jornaleiro depois com todas essas empresas que apareceram, com toda essa evolução que teve na imprensa, então cresceu, porque hoje tem jornaleiro, por exemplo, que tem até advogado, engenheiro, executivos todos que têm bancas de jornal.
P - E como é que foi essa transformação seu Pedro, assim, de passar de um status parecido com o de engraxate agora ele tem um de status de um, perante, a imagem né, perante a sociedade de um amigo né, até de um formado, de um empresário?
R - Um empresário, justo. Hoje os jornaleiros se tornaram um empresário mesmo, porque pela quantidade de publicações que tem.
P - Como que o senhor sentiu essa passagem, assim, que é bem diferente?
R - Ah sim, muito grande.
P - Como o senhor sentiu isso, essa modificação?
R - É uma evolução muito grande que houve.
P - E o senhor saberia identificar as empresas, a ligação com as imprensas?
R - Ah foi, porque foi nas publicações que existiram né, porque é, como eu te falei no começo, quando eu comecei a vender jornal e a revista, era até poucas empresas, principalmente de revista, né, jornais ainda tinha bastante, né, tinha mais do que hoje, mas revistas eram poucas e quem deu todo esse impulso foi a Editora Abril.
P - Ah, Editora Abril?
R - Que com todas essas publicações que ela tem.
P - Durante aquele período da censura, saíram muitos pequenos jornais, chamados alternativos. Em que medida isso ajudou o jornaleiro a ganhar melhor, rebater os jornais censurados? Ele propiciou uma renda melhor para vocês?
R - Eu, por exemplo, eu tenho uma passagem com esses jornais alternativos, como eu falei para vocês que eu tinha banca e depois a livraria, nesse intermédio faleceu o meu pai, o meu irmão primeiro, aí depois de um ano meu pai não se conformou, não é... se conformou, ele ficou muito abatido pela morte de meu irmão, isso meu irmão morreu em 61, em sessenta não, em 61, que foi no dia da renúncia do Jânio Quadros. Depois de um ano, em 62, morreu meu pai, então eu fiquei sozinho, e nesse intermédio eu me dediquei mais na livraria, então eu não tinha com quem era, porque meus filhos eram pequenos, eu tinha casado em 59 e meus filhos eram pequenos, eu não tinha gente, não tinha pessoas da família que ficassem na banca, então, o que é eu fiz? Eu arrendei a banca, e nesse arrendamento da banca, aconteceu que eu arrendei para umas pessoas que eram, que eu não sabia, mas eram membro da esquerda. Então, que elas faziam? Eram duas moças, e o que é que ela fez, elas vendiam esses jornais alternativos, aí chegavam pessoas lá e falavam: "Olha, vocês deixam de vender esse jornal, porque senão você vai pagar por isso."
P - E são amigos do senhor que falavam isso, falavam assim, avisavam?
R - É. Mas não era eu que vendia, era as moças que vendiam, porque eu tinha arrendado, eu não estava na banca né, e passou um caso desse que elas não ligaram para o que falavam para ela: "Olha você para de vender esses jornais porque senão vai acontecer alguma coisa para vocês." E você sabe o que aconteceu? Puseram fogo na banca, uma das primeiras bancas do Brasil que foi posto fogo.
P - Foi na sua?
R - Na minha banca. Que era essa banca na esquina da Joaquim Floriano com a São Gabriel.
P - Que é na praça, né?
R - Que era.
P - E não sobrou nada?
R - Bom, foi perdido muita mercadoria, foi nesse ponto que aí eu tomei conta outra vez da banca né, e aí eu pus uma pessoa da família para tomar conta da banca.
P - E não aceitou mais os jornais?
R - Não, não vendi mais.
P - E o senhor reconstruiu tudo?
R -Ah, sim.
P - No mesmo lugar?
R - No mesmo lugar.
P - O senhor lembra em que ano foi que destruíram a banca?
R - 64.
P - No próprio 64?
R - Em 64.
P - Depois, nunca mais?
R - Ah, e depois não aconteceu mais nada.
P - Por falar em situações políticas senhor Pedro, o senhor vendeu mais jornais na época do suicídio de Getúlio ou na época do impeachment do Collor, agora recentemente?
R - Ah sim, foi mais no suicídio de Getúlio.
P - O senhor sentiu bem a diferença?
R - Sim.
P - Ah, chegou a ter assim uma diferença de vendas de jornais na época do... impeachment né, do presidente Collor ou ...
R - Mais ou menos.
P - Ou quem sabe a morte do Ayrton Senna?
R - Também vendeu bastante, muita coisa. Vendeu muita revista, muita foto, muito pôster.
P - Que é que o senhor sentiu que abalou mais, assim... que as pessoas foram mais às bancas se informar com o ocorrido com o presidente Collor ou com o Ayrton Senna?
R - Eu acho que foi o Ayrton Senna. (risos)
P - Ayrton Senna. Ah, é bom a gente conhecer.
P - E aí, conseqüentemente, é mais lucro para o jornaleiro, que vende?
R - Ah sim, porque jornaleiro ganha pela quantidade que vende né?
P - Tem que vir, pedir mais exemplares para...
R - Para as empresas, né, porque aí teve bastante coisa né, aí teve muito pôster, muito jornal, muita revista, edições especiais que saíram da Veja.
P - Como é que funciona comercialmente o encalhe de revista?
R - Ah, é tudo consignado, né? Hoje, por exemplo, hoje é consignado, antigamente era pago à vista e aí... e até hoje também, o encalhe que você tem, você devolve e abate na tua conta de que você vai pagar.
P - Como o senhor conheceu a sua esposa?
R - É uma outra passagem muito interessante, por exemplo... como eu te falei, que era uma classe que não tinha muita distinção, meu caso por exemplo eu tive até problema para casar.
P - Por quê?
R - Porque eu namorava né, e as moças, sabe, depois descobriam que eu era jornaleiro e não queriam namorar mais. Então, eu conheci a Alzira, que era vizinha da livraria, mais ou menos vizinha da livraria, e aí nós começamos a namorar e nesse intervalo teve uma vizinha que é... da minha sogra que falou: "Dona Maria, a senhora vai deixar a Ziquinha casar com ...", porque o apelido da minha esposa é Zica.
P - De Alzira né?
R - O nome é Alzira, e o apelido que a família... familiarmente, Zica né? E falou para ela: "Mas dona Maria a senhora vai deixar a Ziquinha namorar o jornaleiro?" Aí eu... virou a minha sogra e falou: "Olha, o que é que eu vou fazer se gostam, se namoram e possam casar?" E foi de fato... eu casei, depois de um ano eu casei.
P - Um ano de namoro, o senhor casou?
R - Um ano de namoro, de noivado, eu casei, aí aconteceu o inverso, a maioria da família dela também começaram a vender jornal.
P - Ah, mas porque eles mudaram o conceito de jornaleiro?
R - Porque é... o conceito de jornaleiro começou mudando, naquela época já começou mudando, porque eu casei em 59, já em 59, já tinha uma outra instrução de jornaleiro né?
P - E também os jornaleiros ganhavam bem?
R - É o jornaleiro ganha, sempre jornaleiro ganha bem, desde que ele venda, porque se você for uma pessoa dedicada... agora jornaleiro hoje... eu sempre fui uma pessoa muito dinâmica, eu nunca gostei, eu nunca consegui ficar só na banca, eu tinha sempre coisas para, alternativas...
P - Por exemplo?
R - Que eu entregava jornal nas casas, que eu fornecia para... para empresa né? Eu nunca fiquei sentado numa banca. Agora você vê, jornaleiro ele fica, tem... Não sei se até hoje vocês... passando numa banca... tem muitas bancas que faz jogo de bicho... que ficam só sentado, agora tem bancas que, nesses grandes movimentos na zona sul, por exemplo, que nem precisam isso, porque a evolução das pessoas que passam e com... e com o visual que tem uma banca de jornal hoje, então se tornaram um negócio muito rendoso.
P - O visual, o senhor falou no visual da banca?
R - Ah sim, numa exposição que você saiba arrumar né, que você se dedica com o freguês, conversa, fala com o freguês, Por exemplo, você vai comprar um jornal: "Ó, hoje saiu a Veja". O dia da Manchete: "Ó, você não gosta de comprar a Manchete?" Então a gente... eu sempre fui uma pessoa assim, que eu nunca fiquei só, ficar sentado, eu fui uma pessoa dinâmica e foi a minha evolução, foi o que eu consegui vencer.
P - O senhor já chegou a sentir que alguns fregueses, algumas pessoas se tornaram freguesas em função da atitude do senhor, assim, de atender bem, de tratar bem, porque aí já o papel do jornaleiro como amigo, né?
R - Como amigo, justamente, que você vai, pede uma informação, você dá, você se dedica: "Ó, por favor" que nem agora está saindo esses atlas da Folha, o dicionário do Jornal da Tarde, então você se dedica: "Você me guarda para mim a Folha?" Então: "Não, pode deixar que eu te guardo, pode vir aí." Que nem agora tem esse negócio da Caras, né, da revista Caras, que está uma loucura, e a gente tem os fregueses que a gente se conserva. Porque é uns fregueses que a gente... que tem muita amizade, já se tornaram amigos né, então....
P - E o senhor aceita pendura ou tem que ser à vista?
R - Não todos eles... porque quem faz o fiado é o próprio negociante. Eu vou explicar para a senhora como é o fiado, que nem o freguês vem todo dia, todo dia ele vem, compra o jornal né, aí chega um belo dia ele não tem troco, a senhora por instinto mesmo fala: "Ah, deixa aí, amanhã você paga." Aí já se tornou um fiado, e isso em qualquer outro comércio.
P - Mas aí o senhor recebe?
R - Ah, recebe.
P - Dá para fazer o fiado com confiança?
R - Dá. Tem gente boa, tem gente ruim e aí vale da consciência da pessoa, né? Geralmente acho que todo comércio tem né? Hoje, por exemplo, hoje o comércio que não tem mesmo é supermercado né, supermercado não aceita né, que passar num caixa que você não conhece nem o dono né, mas um outro comércio, uma padaria, banca de jornal, não.
P - O senhor saberia mais ou menos identificar em que ano se deu essa mudança da imagem do jornaleiro, em que ano não, em que época mais ou menos, que o jornaleiro deixou de ser mal visto?
R - De 60 para cá.
P - De 60 para cá.
P- E esses que o senhor citou que tem advogados, não sei o que, montam uma banca de jornais, eles, que o senhor tenha notícia, são bons concorrentes seus ou não afeta?
R - Não, concorrente não, porque cada um tem seu ponto, mas são pessoas de... que eu sei que tem, que nem, por exemplo, não tem aquele que "O engenheiro que virou suco", não tem? (risos) Não é isso? Então tem muito, porque... muito executivo que trabalhavam na Abril, que trabalham em diversas empresas. Hoje, uma banca de jornal é muito concorrida, tem banca hoje aí que vale fortuna.
P - Como, quais por exemplo, que tipo de banca?
R - Ah, essas bancas da zona sul, por exemplo, da Avenida Europa, do Morumbi.
P - Paulista.
R - Da Paulista, da Avenida Ipiranga, algumas, tem na Vilaboim, é uma grande banca, assim, na Vilaboim, que é ali no Pacaembu e sempre sai em reportagem de jornais, essas coisas.
P - As bancas têm até telefone agora.
R - Tem, tem bancas que tem até computador, tem uma banca da Praça da República, de um amigo meu, o Paolo, que tem até computador. Aquela banca da Cidade Jardim, a Banca Jardins, também tem computador.
P - Só não tem banheiro, né?
R - Bom, isso é uma coisa que a Prefeitura ainda não se dedicou a isso né?
P - Senhor Pedro, o senhor tem filhos?
R - Cinco.
P - Cinco filhos, e eles trabalham com o senhor?
R - Trabalham, e agora, por exemplo, eu já estou, não vou dizer fim de carreira, mas já...
P - Mas o senhor ainda trabalha?
R - Eu ainda ajudo, trabalho, mas eu já fiz alguma coisa, dei uma banca, essa banca de jornal, eu já dei para o filho mais velho. A livraria já dei para o outro filho, só as filhas que agora ela está trabalhando no... nesse restaurante que nós montamos e tem uma outra que é publicitária e tem um filho caçula que é a raspa do tacho e está com quinze anos ainda.
P - E ele não trabalha ainda?
R - Ele não trabalha, só estuda.
P - E sua filha cozinha mesmo na lanchonete?
R - Não, tem cozinheira.
P - E ela só dirige?
R - Só dirige.
P - E essa do restaurante, ela se formou?
R - Formou-se em... publicitária, mas não exerce a profissão de publicitária não, trabalha no...
P - E porque o senhor não contou para nós ainda, não sei... talvez... assim, onde o senhor morava quando era menino?
R - Eu morava na rua... bom, quando era dessa idade de 12 anos, eu morava na Alameda Sarutaiá, que era no Jardim Paulista, mas nos fundos que era um... antigamente existia, você alugava uma casa, que o meu pai não tinha casa, morava nos fundos que nem, por exemplo, tinha aqui na Bela Vista, no Bixiga, né, e ali começou toda minha infância.
P - E tinha muito, brincava na rua?
R - Ah, brincava, tinha tempo para tudo, joguei muita bolinha, muito pião.
P -É uma região com muita ladeira né?
R - É, mas tinha a rua que tinha... as ruas eram de terra, você podia jogar bolinha, você rodava pião, você empinava seu quadrado né, hoje é papagaio, e estudei. Depois, na minha infância eu estudei, quando estava na Alameda Sarutaiá, estudei no Grupo Escolar Rodrigues Alves, eu fiquei até dois anos. Estudei dois anos no Rodrigues Alves, a primeira e a segunda série, aí depois nós mudamos para a Vila Nova Conceição que é uma travessa da Aldo Moura Andrade, que nem... aí, depois dali, tive mais um pouco de tempo, aí eu estudei no Grupo Escolar Aristides de Castro, que era na Joaquim Floriano, no Itaim Bibi.
P - E para ir dali da Sarutaiá para o Bibi, ia de quê?
R - Não, na Sarutaiá, que eu estudava na Alameda Sarutaiá, morava na Alameda Sarutaiá, estudava no Rodrigues Alves, que era na Avenida Paulista. Depois eu mudei para o Itaim Bibi, para Vila Nova Conceição, e na Joaquim Floriano, mas nesse intermédio que eu ia na escola, quando eu estava aqui na... mesmo na alameda Sarutaiá. Eu não pude ter a transferência de grupo, aí a minha mãe, eu fazia entrega na rua, como eu falei para vocês né, entregava jornal nas casas, aí eu ia na escola no Aristides de Castro, a minha mãe me esperava na esquina da Avenida Brasil né, e os jornais que sobravam da entrega ela já estava me esperando com a mala e um sanduíche e a blusa da escola, aí eu pegava o ônibus e ia na Rua Joaquim Floriano estudar.
P - Senhor Pedro, eu queria fazer duas perguntas, assim... nós estamos já na conclusão, né? Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na trajetória de vida do senhor, o que o senhor mudaria, o aspecto comercial, ou qualquer aspecto da vida do senhor?
R - Eu não mudaria, porque eu consegui tudo o que eu quis, vendendo jornal.
P - E no comércio, o senhor mudaria alguma coisa?
R - Agora eu mudei, é que nem, por exemplo... depois eu construi na praia, eu fiz, porque a minha vida sempre teve alternativas, sempre tive coisas paralelas, né? Aí eu construi uma casa na praia, da praia, depois eu construi um armazém que eram dois sobrados e quatro lojas.
P - Armazém de vendas?
R - Não, eu fiz uma propriedade, com dois apartamentos e quatro lojas.
P - Ah, o senhor tem lojas?
R - Na Praia Grande.
P - Ah, o senhor não contou, e o que o senhor vende nas lojas?
R - E nisso aí, então o que é que eu fiz, eu montei uma sorveteria e uma pizzaria.
P - Nessas duas lojas?
R - Nessas duas lojas. E os dois apartamentos eu aluguei, estão para... assim, anuais mesmo, né?
P - E quem administra essas duas... a pizzaria e a...
R - E tem um corretor lá na Praia Grande que administra as lojas, agora eu fiquei proprietário até dois anos atrás, porque eu tomava conta também, que eu ia lá fim de semana, eu ajuntava o útil ao agradável. Ficava na praia e sábado e domingo eu ajudava, na pizzaria, sorveteria né, e quando, há dois anos atrás eu necessitei de fazer uma cirurgia, que eu fui operado do coração, então eu falei para o rapaz, para o sócio lá, eu falei: "Olha Flaviano, eu não vou continuar, se você quiser, a gente faz um negócio, eu vendo para você a parte comercial." E até hoje ele está lá na pizzaria.
P - Aí o senhor saiu?
R - Aí eu saí.
P - Da sorveteria também?
R - Da sorveteria também.
P - Mas estavam dando bem, dava lucro?
R - Dava. A época que deu mais lucro, foi uma... que nem, por exemplo, que eu só disse que eu vendi muito jornal em, nessas épocas aí do Getúlio e do Joelma, mas também... não, teve uma época do tempo do Sarney, daquela mudança de dinheiro aquela mudança de dinheiro né, eu cheguei a vender dois mil sorvetes num dia.
P - Ah, o Plano Cruzado.
R - Do Plano Cruzado né? E também teve, eu tenho muita sorte, assim, em comércio, em... eu sou muito ativo assim em ...
P - Por falar em comércio, assim... senhor Pedro, o que o senhor mudaria, fazendo uma avaliação, o que o senhor mudaria no comércio?
R - O meu comércio ou em geral?
P - Em geral, o comércio em geral, o que o senhor mudaria ou também se o senhor quiser fazer uma avaliação do comércio do senhor, o que é que o senhor mudaria?
R - É, que é que eu posso falar de mudar de comércio? Mas na evolução do comércio você quer dizer, de outras pessoas ou minha pessoa?
P - É, na forma de comerciar mesmo, nas maneiras de pagamento, a forma de fazer o comércio.
R - Não, o comércio em si já se mudou né, que não é que nem antigamente. É o que eu falei que hoje, por exemplo, supermercado, por exemplo, totalmente um shopping, supermercado todo mudado, que você não conhece quem é o dono, então ali você passa no caixa e paga.
P - E tem alguma coisa que o senhor acha que deveria ser modificado, quando, o senhor como comprador, assim, quando o senhor vai comprar tem alguma coisa que incomoda o senhor?
R - Ah, as pessoas né, porque tem pessoas que não são dedicadas, na evolução do, na dedicação de venda né, então tem pessoas que você não gosta, então você não vai comprar, mas não....
P - O papel do vendedor, né?
R - O papel do vendedor né? Agora, não sei o que você queria dizer mudança de comércio.
P - Ah, é basicamente isso né, que o senhor sentia, tal... é isso mesmo, eu queria saber como senhor sentia como comprador (risos). Bom senhor Pedro, nós estamos aqui no finalzinho já, nós já estamos encerrando o tempo, eu queria agradecer o senhor por ter vindo aqui e dado esta entrevista para a gente e estamos encerrando então.
R - Eu que agradeço pela... essa oportunidade e espero que falei alguma coisa de bom...
P - Ah, com certeza.
R - E que há proveito, alguma coisa.
P - Claro. Obrigada senhor Pedro.
P - Obrigado.
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