Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Marileusa Raimunda da Silva
Entrevistada por Marcia Trezza e Ana
Recife, 09/03/2018
Realização Museu da Pessoa
HTC_ HV04_ Marileusa Raimunda da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado e editado por Paulo Rodrigues...Continuar leitura
Projeto Minha História, Sua História, Nossa História
Depoimento de Marileusa Raimunda da Silva
Entrevistada por Marcia Trezza e Ana
Recife, 09/03/2018
Realização Museu da Pessoa
HTC_ HV04_ Marileusa Raimunda da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – A gente vai começar. Diga o seu nome completo, a cidade onde você nasceu, o estado e a data.
R – Ok. Eu sou Marileusa Raimunda da Silva.
PAUSA
P/1 – É um bate-papo mesmo. Então, não espere eu perguntar. Eu estou com isso aqui para poder usar: “será que ela já falou?” Mas é um bate-papo mesmo. O que você for lembrando pode ir contando, não precisa esperar eu perguntar.
R – Certo. Então... Meu nome é Marileusa Raimunda da Silva, nasci em um sítio, foi uma parteira que me trouxe ao mundo. E sou filha de Cirilo Franco de Souza e de Raimunda Almeida da Silva.
P/1 – Em que cidade você nasceu?
R – São Julião, Piauí.
P/1 – Em que data?
R – 25 de abril de 1967.
P/1 – E você ia contar como é que foi o seu nascimento.
R – Sim! (risos).
P/1 – Então conta!
R – Então... É num sítio em que meus pais moram até hoje - eles têm oitenta e sete e oitenta e oito anos - e eu vim ao mundo através das parteiras, que é muito comum naquela nossa região porque a cidade em que eu nasci é perto do Ceará, faz divisa com o Ceará. Então, naquela região, até um tempo atrás, uns vinte anos, era muito comum ter as senhoras que traziam as crianças ao mundo, tipo médico, e que eram chamadas de parteiras.
P/1 – E para esse momento alguém contou alguma história para você, de quando você nasceu, ou foi tranquilo?
R – Não, foi tranquilo, foi tranquilo.
P/1 – E os seus pais até hoje moram lá. Qual é a atividade deles?
R – São agricultores.
P/1 – E eles viviam da agricultura?
R – Da agricultura.
P/1 – E você viveu nesse sítio também?
R – Sim, até uns nove anos. Com nove anos de idade eu estudava nas escolas rurais. Aí, com nove anos de idade, eu fui para o distrito de Mandacaru, que é um distrito, e depois fui para a cidade de Picos. Do quarto ano até o nono ano hoje, que era o oitavo ano, eu cursei na cidade de Picos, que é uma cidade maior.
P/1 – Então você morou no sítio até os nove anos.
R – Até uns nove anos.
P/1 – Quais as lembranças que você tem da sua infância no sítio?
R – Ah, bastante! Tomar banho de açude, brincar com favela, que é um tipo de... Uma frutinha que tem. Umbuzeiro... A gente subia em umbuzeiro. Muita brincadeira de roda também, muitas coisas que a gente brincava quando criança.
P/1 – Como é que era essa brincadeira de favela?
R – É com uma favela mesmo. A gente tirava essa favela, tirava porque ela tem espinho, aí tirava e depois juntava, ficava um de um lado e outro do lado e colocava uma lá para ver quem é que derrubava primeiro, tipo bolinha de gude. A gente brincava bastante com isso. E de roda também, ciranda, cai no poço, esses tipos de brincadeiras.
P/1 – E quem brincava com você?
R – Meus irmãos e os vizinhos, as minhas colegas vizinhas.
P/1 – Quantos irmãos vocês são?
R – Nós somos onze. Somos dez vivos e um falecido.
P/1 – Como era essa convivência dentro de casa com todos os irmãos? (risos)
R – Muita gente, não é? Então... Os mais velhos, eles saíram novos para trabalhar fora, os dois mais velhos estudaram somente até o quarto ano. E os outros não, com o passar do tempo um ia para Picos para estudar, e levando os outros. E lá, um ia se formando, o outro ia passando e assim foi. E hoje, nós estamos espalhados pelo Brasil todo (risos). Tem gente no Acre, outros moram no Ceará e outros no Piauí. É assim. E eu em Pernambuco (risos).
P/1 – Você disse que estudou em escola rural até os nove anos. Conte essa experiência - onde era a escola, se era longe, como funcionava...
R – Então... quem me alfabetizou foi a minha prima, que era professora.
P/1 – Quem?
R – Minha prima. Era uma prima, mas era professora. Era vizinha, não era muito distante, não. Eu fui alfabetizada por ela, só que quando eu cheguei na escola eu já sabia escrever o meu nome porque a minha mãe tinha ensinado. Mesma coisa quando eu cheguei no catecismo - eu já sabia rezar porque a minha mãe já tinha ensinado. Então aprendi logo a escrever o nome, sem saber ler. Aí, lá, aprendi e depois fui para outra escola rural. E eram legais as aulas, mas eu tinha muita vontade, sempre achava que estava faltando algo, era como se fosse solto o ensinamento, está entendendo? Louvável, mas que eu achava que faltava alguma coisa, eu achava (risos).
P/1 – Desde aquela época?
R – Desde aquela época. Porque o meu sonho era estudar, desde criança.
P/1 – E você caminhava muito?
R – A primeira escola? Não, era perto. Mas a outra era mais distante, eu caminhava um pouco. Acordava cedo para deixar já as coisas feitas em casa e depois é que eu ia para a escola.
P/1 – Mas você não tinha nove anos ainda.
R – Não, não, ainda era menorzinha.
P/1 – E o que você fazia em casa que tinha que deixar pronto?
R – Assim... Varrer a casa, lavar louça, porque a minha mãe... Uma família numerosa. Ainda tinha o gado, ela tirava leite - minha mãe é quem tirava leite - eram bem divididas as atividades com meu pai. O meu pai fazia alguma coisa, ela outra
- era bem dividido.
P/1 – E com os filhos também.
R – Com os filhos também. Tinha que ajudar, porque era muita gente e tinha que dividir.
P/1 – E você lembra de algum episódio no sítio que tenha sido marcante?
R – Sim, quando eu tinha sete anos, o falecimento do meu irmão, que foi assassinato. Marcou muito a minha vida porque eu só tinha sete anos de idade.
P/1 – E ele era bem mais velho?
R – Era o mais velho e era o que chamava a gente para o estudo, ajudava, porque ele tinha estudado, sabia ler, escrever e tudo, mas ele tinha parado, só tinha feito até o quarto ano. E aí então ele começou a trabalhar, foi ser comerciante e ele chamava os outros irmãos, ia levando para sair para estudar. Então, foi muito marcante.
P/1 – Então ele já não morava mais lá.
R – Não, ele morava no vizinho, no distrito.
P/1 – E depois você foi estudar. Diga de novo o lugar.
R – Quando eu saí do sítio, eu fui até o terceiro ano estudar no distrito, que é chamado Mandacaru, que é município de São Julião.
P/1 – E você foi morar ou ia e voltava todo dia?
R – Não, ficava na casa. Papai tinha casa - até hoje tem residência lá - e a gente ficava lá na casa, só vinha final de semana. É pertinho, seis quilômetros, mas a gente ficava lá.
P/1 – Quem ficava cuidando de vocês?
R – Meus irmãos. Os mais velhos.
P/1 – E como foi essa mudança para você? Mudar, deixar de morar em um sítio, mesmo que você fosse todo final de semana, mas... Como foi para você essa mudança?
R – Na realidade eu não gostava porque ficava distante da minha mãe (risos). O que me preocupava mais era quando eu ficava doente. Como é que eu vou ficar doente longe de minha mãe? Porque eu era muito pequena quando fui morar lá. Então, não me acostumava muito, não. Quando saía do sítio para ir para o distrito não via a hora de chegar sexta-feira para voltar; sou muito interior.
P/1 – E o que você achou dessa escola nova a que você estava indo?
R – Eu gostava, mas eu gostei mesmo quando eu cheguei em Picos, que fui estudar na cidade de Picos.
P/1 – E lá você foi com que idade mais ou menos?
R – Para Picos eu fui com onze anos de idade.
P/1 – E já era o que lá?
R – Eu já ia fazer o quarto ano. Aí fiz o quarto ano e depois fiz o que a gente chamava de ginásio, que é o Fundamental 2.
P/1 – Lá também.
R – Tudo isso em Picos.
P/1 – E foi morar como lá?
R – Lá, meus irmãos. O pai alugou uma casa e a gente ficava estudando, só estudando.
P/1 – E como era você sem pai e sem a mãe? Você tinha onze anos, como era essa dinâmica?
R – Então... Eu tenho a minha irmã mais velha, que ela sempre foi uma mãe para mim, me paparicava muito, protegia bastante, então ela era a mais velha, era quem organizava a gente. Nós somos muito unidos, os irmãos, então não tinha muito problema, nada não.
P/1 – E dessa escola... Que você disse que dessa você gostou. O que marcou nessa escola?
R – O que marcou? Porque como eu saí do interior ainda não com a leitura bem desenrolada e tinha uma menina que ficava lá comigo também - com meu irmão e comigo - aí ela falava assim: “Você não vai passar, não, porque você nem lê direito!” E quando eu cheguei lá, não, eu desenrolei a leitura, eu desenvolvi a leitura. E eu adorava as aulas de Matemática, minha professora era muito boa. E a de Religião também. Então, foi isso que me chamou a atenção porque era professor por disciplina. E aí deu para eu acompanhar legal, beleza, não fiquei retida nenhum ano (risos).
P/1 – E que professora te marcou assim, ao longo desses anos lá nessa escola? Teve alguma marcante?
R – Teve sim, essa de Matemática. A de Português também. Marcaram assim pela maneira... E o que marcou mais foi quando eu cheguei no Fundamental 2, o professor de Matemática, porque eu desenrolava na atividade. Então eu fechei as quatro unidades com a nota máxima. E teve um significado muito importante na minha vida, porque eu gostava de estudar Matemática com ele, que é o Paulo.
P/1 – Você lembra por que ele era bom assim?
R – Ele falava com carinho. Por exemplo, Ciências. Eu gostava de Ciências, mas tinha medo da professora porque ela falava assim agressiva. E ele não, era muito carinhoso, as meninas ficavam nervosas e ele dizia: “Se acalma, eu sei que você sabe esse aí”. Aí eu ficava calma e terminei, fui parabenizada. Minha irmã foi pegar o resultado e eu fiz a nota máxima, fechei 100% das provas - das quatro provas lá. E era assim porque ele tinha esse carinho e quando eu estava nervosa ele vinha me acalmar: “Calma, calma, relaxa que você sabe resolver isso aí”. Era o sexto ano.
P/1 – E você fez amigos nessa escola?
R – Sim, até hoje eu tenho esses amigos. Não tenho uns porque quando a gente vai ficando velho a gente não encontra mais os amigos, eles vão para outras dimensões. Mas os que estão por aí eu ainda encontro com eles, sim.
P/1 – E, além da escola, quando você foi crescendo, o que você fazia, além da escola, nessa cidade?
R – Não, somente a escola nesse período. Eu era menor de idade, não podia estar saindo à noite, então, só era a igreja mesmo, escola e casa de amiguinhas para brincar mesmo, só isso.
P/1 – Vocês frequentavam bastante a igreja?
R – A igreja, sim, todos os domingos. Eu nunca fui muito de sair, sou muito caseira, gostava de uma revistinha - Mundo Jovem; era muito chegada numa revistinha chamada Mundo Jovem. Eu pegava uma, tinha que ler toda até chegar na revista Mundo Jovem. Era assim, na minha adolescência foi que eu mais li.
P/1 – Na adolescência você ficava mais em casa mesmo.
R – Mais em casa. Era... Era um… Para sair, para ir para algum lugar.
P/1 – Não sentia falta?
R – Não, não (risos).
P/1 – Final de semana você voltava para a casa dos pais?
R – Voltava para a casa dos meus pais quinzenal, de quinze em quinze dias eu vinha.
P/1 – E nessa fase, mesmo ficando mais em casa e estudando bastante, você teve namoro, como é que era?
R – Eu demorei a namorar (risos). Porque eu tinha um objetivo. Os meus objetivos quais eram? Eu queria fazer uma faculdade. E como fazer faculdade naquele tempo em que a cidade maior, mais próxima da minha, era Picos? E Picos não oferecia faculdade, era até o Ensino Médio só e Magistério. A maioria tinha mais, mas era mais o Magistério. Então, todas as cidades eram distantes, mas eu sonhava: “Eu tenho que fazer faculdade”. E eu ficava com aquela foto: “Eu tenho que ter independência econômica”. Era um dos meus sonhos. “Quero ser independente para ajudar meu pai, ajudar minha mãe, e isso”. Aí, nunca fiquei em namoro assim, casamento. Tem aquele sonho: “Ah, tenho que casar, tenho que ter um filho”, não tinha esse sonho. Adoro criança, mas o meu sonho era fazer a faculdade.
P/1 – Desde essa época de adolescente.
R – Desde essa época eu queria fazer faculdade.
P/1 – E como foi que você chegou na faculdade? Mas, claro, passou pelo Ensino Médio. Foi lá em Picos também?
R – Não. Aí, quando eu terminei, fui morar em Campos Sales, no Ceará. Fui fazer Ensino Médio lá. Então, quando eu cheguei, fui fazer Magistério, ainda tinha Magistério. E era uma escola chamada Senec, que era daquele tempo - Senec. E eu tive o maior choque, porque as escolas em Picos eram escolas grandes, eram polivalentes, a gente passava a manhã toda e depois voltava: Educação Física, prática, aqueles negócios, polivalente. Quando eu cheguei lá, a escola por dentro bonitinha, mas era cercada de arame. Porque era uma escola que estava em construção ainda. E me deu um desespero, meu Deus! Avaliei que por aquilo, como que vou aprender? Olha o que passava na minha cabeça. Mas foi muito bom, aprendi bastante lá com meus professores, tirei muita lição de vida quando eles diziam: “Vocês estão fazendo Magistério, mas têm que olhar que, quando você está aqui, no meu lugar, sendo professora, vocês que estão aí podem passar por quem está aqui sentado porque vocês são mais jovens, têm mais oportunidade”. Então, aprendi muito com as três professoras, que eram irmãs. Elas tinham muitas coisas boas que passavam para a gente.
P/1 – Eram irmãs ou freiras?
R – Não, irmãs de sangue mesmo, eram três irmãs.
P/1 – Mas tinha professor, tinha outras áreas?
R – Tinha todas, tinha. Mas é porque essas eram mais conversar de política, de fazer pergunta, era mais ligado a isso, à comunicação, ao aluno diretamente.
P/1 – Você foi morar de novo com seus irmãos?
R – De novo com meus irmãos (risos). Com meus irmãos, novamente. Aí, quando eu terminei, fiz três anos de Magistério, terminei, aí fui para Araripina, porque meu irmão tinha um comércio em Araripina, aí eu fui para Araripina. Aí, fiz vestibular.
P/1 – Lá tinha o quê?
R – Tinha faculdade de Agronomia e faculdade de Formação de Professores. Eu fiz, passei para Agronomia. Aí, cursei. Porque eu sou assim: se eu for, vou até o final, não quero saber. Aí terminei os cinco anos. Sempre assim, a gente não pode medir o profissional pelas notas, não é? Comecei a estagiar num escritório, mas não me identifiquei.
P/1 – Por quê?
R – Não existia um tratamento igualitário para qualquer um que chegasse lá. Eu não me sinto bem em um lugar desses. Então fiquei já... Já tive a frustração na questão do estágio. Fui estagiar no IPA e aí, mulher, estagiar, fazer Agronomia, como que vai para a roça? Como faz isso? Desse jeito, naquele preconceito. Então já foram as barreiras, mas passei. Mas, quando foi para exercer mesmo, não me identifiquei. Aí falei: “Vou fazer a Formação de Professor”.
P/1 – Mas antes você disse: “A gente chegando...”. Vai chegando em que sentido? Chegando mulher, nova, nova cidade? Você falou que quando foi trabalhar...
R – É, quando eu fui trabalhar o que eu não me identifiquei foi exatamente na questão profissional; questão de mulher eu sabia me defender, se fosse o caso de assédio, qualquer coisa assim. Não, era questão do trabalho mesmo, da profissão mesmo, que não era humana, era um tratamento desigual.
P/1 – Então, mas em que sentido? Isso que eu perguntei.
R – No sentido social. Se você tem uma condição melhor, você é bem tratado. Se não, deixa aí, deixa esse projeto aí; se der certo, vai. Porque é elaboração de projetos. Vamos favorecer esse que recebe muito. Era um pouco mais capitalista, então não me identifiquei.
PAUSA
P/1 – Na universidade, o que você traz de marcante da época?
R – Quando eu comecei a fazer Agronomia, a questão de que eu tinha feito Magistério. Os professores entendiam que por eu ter feito Magistério eu não poderia acompanhar os cálculos da vida, dentro de Agronomia. Foi a área em que eu mais... Não é que se destacou, mas que eu desenrolei sem muito problema, não é? E quando eu fiz Formação de Professor, era a questão da metodologia que o professor usava. Porque ele queria que fosse só um livro, o livro que ele optava, aquele que era o correto. E aí eu tinha muitos atritos porque eu entendia que poderia buscar outro livro, poderia ter outro entendimento e ele era aquela coisa assim. Essa é uma das coisas que marcou.
P/1 – Porque depois da Agronomia, que você disse que não se identificou com a profissão...
R – Aí fui fazer Formação de Professores em Ciências, com habilitação em Biologia.
P/1 – É um curso de graduação?
R – De graduação.
P/1 – Você tinha feito cinco anos de Agronomia.
R – Tinha feito cinco anos de Agronomia, aí fiz mais quatro.
P/1 – Aí, como foi essa experiência?
R – Quando terminei, eu falei: “Agora, sim”. Eu morava em Araripina, já cuidando do comércio do meu irmão, eu disse: “Mas eu tenho duas faculdades, tenho que exercer uma. Já que essa outra não está dando certo, eu tenho que partir”. E eu tinha um sonho, eu queria ensinar Matemática. Porque eu me espelhava naquele professor láááá das séries iniciais. “Ah, eu queria ensinar Matemática”. Aí eu fui e falei para o meu irmão que continuava em Campos Sales: “Olha, se tiver alguma coisa por aí diga que eu vou trabalhar, eu tenho que exercer alguma”. E aí ele foi: “Olhe, vai abrir aqui um Fórum de Justiça e estão precisando de uma pessoa com curso superior. E não tem ninguém na cidade, só uma pessoa na cidade tem curso superior, então, vem”. Aí eu fui, não sabia nem o que era, não é? Fui. Aí, quando eu cheguei lá, tinha vaga para ensinar Português e Ciências. Eu falei: “Vou pegar, tem problema, não”. Aí, trabalhava no Fórum e dando aula à noite.
P/1 – Ah, porque não tinha nada a ver com o Fórum essas aulas.
R – Não, essas aulas não tinham nada a ver, só que eu cheguei lá... Eu cheguei lá para trabalhar no Fórum. Aí eu fui trabalhar ensinando Ciências e Português no sexto, sétimo, no oitavo e no nono anos. Aí trabalhei do final de 1998, de agosto até dezembro, e o ano de 1999 todo.
P/1 – E como foi trabalhar no Fórum? (risos)
R – Foi muita coisa, viu? O Fórum... (risos)
P/1 – Faz parte da sua vida também.
R – Faz parte, muito marcante. Eu era contrato temporário no estado do Ceará; para ser cargo de confiança do juiz não tem que ser concursado, não tinha. Agora não sei como funciona. Tinha que ter, para o interior, um curso superior e que fosse de confiança do juiz. E aí eles estavam abrindo nessa cidade, que é Salitre, uma comarca chamada comarca vinculada. Ela não era uma comarca, ela era vinculada à comarca de Campos Sales. Mas tinha que ter uma pessoa para tomar conta, porque o juiz só ia uma vez por semana. Aí eu fui, sem saber o que era Justiça, sem saber de nada. Mas ele, uma pessoa que tinha uma metodologia boa de passar as coisas, então ele ensinou tudo assim, eu fui pegando e foi dando certo, fui desenrolando lá. E fiquei dez anos nisso, nisso tudo. Dez anos. Só que eu era contrato temporário do município. Tanto na Educação como na Justiça eu era contrato temporário, porque era um convênio do Tribunal de Justiça com o município - o município pagava o funcionário - então eu era. E aí teve muitos problemas, eu enfrentei muitos obstáculos, porque tinha prisão de filho de prefeito (risos), foi preciso expedir o mandado de prisão do filho do prefeito mesmo. E eu expedi, não é? E saiu o meu nome. Então, quando ele saiu da cadeia, quem primeiro vai para a rua? (risos) Está entendendo? Então, muitas coisas eu enfrentei.
P/1 – Aconteceu isso?
R – Aconteceu. Existia isso, esse mal-estar. Os políticos não queriam conversa, porque sabiam que, mesmo sendo o município que pagava, mas eu iria cumprir o que o juiz determinasse. E aí eu fiquei ainda uns dez anos lá.
P/1 – Mas você poderia não cumprir? Era um princípio seu?
R – É, questão de princípio.
P/1 – Mas conta algum outro caso que você ficou... Quando você lembra (risos).
R – Então, esse aí, e teve também o bloqueio de contas do município, que foram bloqueadas as contas. E muitas outras coisas. Assim... O que doeu muito foi eu expedir o mandado de prisão para o filho de uma ex-aluna, eu não sabia... Que foi a que me deu esse tercinho. E eu não sabia e expedi, tinha que expedir, independente eu iria expedir. E você tem aquela dor. Um pai que eu vi também, foi expedido o mandado de prisão, ele em cima do carro, preso, e era o pai de um aluno. Então, olha como ficava a minha cabeça de professora. Mas eu sabia diferenciar muito bem: aqui eu estou à disposição da Justiça, estou cedida para a Justiça, vou fazer o que está determinando e que está dentro dos meus princípios. E lá eu sou professora. Eu não misturava. Lá eu não falava aqui, aqui eu não falava lá, nada. É assim.
P/1 – As pessoas sabiam?
R – No início, 1997 e 1998, elas não associavam que eu trabalhava nos dois lugares, não. Porque eu passava o dia presa dentro de um lugar, depois ia para a escola e não entendiam bem. Eles vinham do sítio para estudar, não entendiam. Com o passar do tempo foi que eles foram entendendo que eu trabalhava nos dois lugares. Eu não ficava falando. Teve muitos acontecimentos marcantes, certo? (risos). Até 1998, por aí.
P/1 – É, você era a juíza da cidade (risos).
R – Não chegava a tanto, não (risos). Deus me livre! (risos) Aí, em 2000, janeiro de 2000, começa o Telecurso, que era Tempo de Avançar, Ceará na Escola.
P/1 – Como é que você foi encontrada? Ou você encontrou o Telecurso?
R – O Telecurso. Vamos começar aqui e agora, não é?
P/1 – É.
R – Então... Em 1998 eu encerrava lá essas turmas do oitavo ano e ficava na Secretaria, era aquela pessoa meio cheia de política. Politicagem, não é? Política é quando a gente debate, não é? De politicagem. Então, quando foi em 2000, no início, teve as formações, logo no Cariri - que a gente chama de Cariri, que é Crato, Juazeiro - e ela mandou, porque... Eu vou voltar aqui um pouquinho. O Telecurso começou lá no Ceará, da seguinte forma: era Tasso Jereissati o governador. Aí, ele comprou o programa. É assim, não é? Comprou do Médio, porque o Fundamental ele já estava entregando para os municípios. Só que, quando ele fez isso, ele chamou todos os prefeitos e disse: “Ó, vai trabalhar Telecurso, eu comprei e vocês vão pagar. E vai trabalhar lá nos municípios”. E ele ficava só com o que pertencia ao estado, que era um pouco que eu estava saindo. Então, quando ele faz essa reunião com o prefeito e diz que tem... E vende os kits também para eles lá (risos) e tal, disse que ia ter a formação e o bancam, é a formação, não é assim? Parceria. Aí, a Secretaria mandou todos os professores que não tinham concurso, todos os professores que eram chegados, aí ela mandou para formação. Quando chegou na formação...
P/1 – Você foi?
R – Não, eu não. Eu não era chegada (risos). Aí, o que acontece? Quando chegaram da formação, eles ficaram assustados porque tinha que ter esse Anex. A cidade de Salitre não tinha Ensino Médio, tinha que ver um Anex. Era interessante que viesse o Anex porque Tasso dizia bem claro no discurso que onde houvesse alguém que não tivesse concluído os estudos tinha o Tempo de Avançar, tinha que chegar lá.
P/1 – Que era do Telecurso.
R – Que era o Telecurso 2000. Aí, quando os professores foram... E tinha professores que eram agrônomos, outros com outras formações. “Não, para pegar todas as disciplinas? Vou não”. Aí, eu estou em casa: “Olhe, ela disse que já passou a formação, você não foi”. Eu disse: “Eu nem sabia”. “Você não foi, agora você vai para Fortaleza fazer, porque é a última que tem no Ceará, do primeiro módulo. É em Fortaleza. Você vai para Fortaleza para fazer a formação. Corram para a rodoviária, você e a outra colega que ficaram de fora”. Aí corremos para a rodoviária. Quando chegamos lá, só tinha uma cadeira. Mas nós fomos.
P/1 – No ônibus.
R – No ônibus. Aí são quase seiscentos quilômetros, quinhentos e alguma coisa, quinhentos e oitenta.
P/1 – Foram as duas em uma cadeira?
R – As duas. Uma sentava e a outra ficava. Aí voltava, aí ficava, até chegar. A noite toda, porque são quinhentos e poucos quilômetros mas leva a noite toda porque fica parando de cidade em cidade. Chegamos lá cedinho, tomamos banho e fomos para a universidade federal, porque a formação foi lá. Quando chegamos lá, não tinha o meu nome porque tinha sido de última hora. O povo que ela tinha mandado estava pulando fora e aí ela pegou e: “Pode ir que seu nome está lá”. Quando eu cheguei lá, eu não tinha... Ela não me deu dinheiro de passagem, ela não... Nada, foi tudo por minha conta. A minha felicidade é que eu tenho um irmão que tem casa lá e eu tinha onde ficar. Aí, tudo por minha conta. Todo mundo, depois, no final da semana recebendo dinheiro e só eu lá, sem nada (risos). Não que fosse pelo dinheiro, mas a questão é que todo mundo bancou as bolsas e eu não recebi bolsa. Quando eu cheguei lá: “Não está teu nome, não está teu nome”. Eu fui e falei com a mulher, um pessoal super legal. Aí ela disse desse jeito: “Não, mas você sabe...”. “Ela disse que eu ia ensinar o Médio”. “Então fica nessa turma”. E eu fiquei naquela turma onde estava o Carlos, que tem aquela foto, Carlos e aquela outra que eu não recordo o nome dela. Aí, fiquei o primeiro dia. Quando foi no segundo dia, a mulher veio e disse: “Olhe, já tem um comunicado do Cred 18 dizendo que você vai para o Médio e você passa para aquela outra turma”. Eu passei, aí era Sandra Portugal e o menino do qual eu não me recordo o nome. Aí fiz. E assombrada: “Meu Deus, eu vou dar conta disso?” Passei a semana e viemos embora. Na segunda, já era para começar. Aí, quando eu chego... Eu iria ficar na cidade de Salitre, mas era Anex de Campos Sales, da escola Presidente Médici da cidade de Campos Sales, porque Salitre não tem escola do Ensino Médio. Quando foi à noite eu, toda animada, crachá até umas horas, eu fiz aqueles negócios todos, já começando, coloquei as coisas embaixo do braço, muita coisa, fui para a escola. Quando cheguei lá na escola, perguntei: “Qual é a turma que eu vou ficar?” “Aquela ali”. Quando eu entrei, eu não consegui entrar, entrei assim de lado. “Assim” de aluno. E meus ex lá, do Fundamental, que tinham terminado lá, que tinham me torturado. Jesus! Aí eu peguei a relação. No que eu peguei a relação... Eram mais ou menos vinte e cinco, trinta e cinco alunos, não poderia passar disso - tinha lá quase oitenta alunos dentro da sala! E eu não conseguia passar, passei de lado assim. Aí eu fiquei, eu disse: “E aí, quem é que vai fazer? É tudo Médio?”, todo mundo Médio. Aí eu olhei para a moça assim, para a secretária, ela disse: “Vou chamar a Secretária de Educação”. Porque a Secretaria de Educação era parceria com o estado, entende? Está ficando claro isso?
P/1 – Está.
R – Aí ela chegou. Ela disse: “Olhe, a prioridade é para quem terminou o Fundamental. Os outros que estavam em casa, sem estudar, não têm prioridade”. Aí a questão político-partidária lá era muito grande. E esses outros que estavam fora eram de outro partido: “Nós vamos atrás, porque se nós estamos tendo oportunidade de vir no Ensino Médio para cá, nós não vamos perder essa oportunidade, não”. E eu: “Ai, meu Deus, eu quero é essas daí que estão querendo estudar”. Eu cá com meus botões, não é? Aí ela disse: “Pois hoje vocês estão dispensados, amanhã eu dou uma resposta”. Dessa aí formaram quatro turmas do Ensino Médio. Quatro. E para funcionar? Não dá para funcionar na escola em que eu fui. Por quê? Ia funcionar o Fundamental, o Telecurso Fundamental. Aí colocaram essas quatro para o Anex.
P/1 – Mas as quatro do Ensino Médio mais o Fundamental para aqueles que não tinham terminado?
R – Quatro turmas dessas que estavam lá esperando por mim; deu para formar quatro turmas do Médio! Do Médio! Fora as de Fundamental. Porque as de Fundamental já estavam lá formadas, já que era a responsabilidade do município.
P/1 – Mas ia ser Telecurso também?
R – Também Telecurso, também Telecurso.
P/1 – Quantas turmas? Você lembra?
R – Não. Do Fundamental eu não recordo. Agora, do Médio eram as quatro; esses que estavam lá esperando, querendo fazer Ensino Médio, deu quatro turmas.
P/1 – E aí, era só você?
R – Não. Aí, como era um professor só para todas as disciplinas... Porque era modulado, eu trabalhava um módulo e passava o outro módulo. Ficamos nessa garagem - uma garagem, não tinha banheiro; o quadro desse tamanhozinho (risos); a televisãozinha lá, desse tamanho. Mas tinha o material, livro, assim. Então minha colega ficava pela manhã, porque ela era concursada do estado, ela era efetiva, e eu ficava à noite. Ela ficava à tarde e eu ficava à noite. Aí, em outra casa lá, ficavam os outros meninos, os outros colegas, certo? E essa turma é onde teve... Mesmo sendo uma garagem, mesmo sendo sem uma condição digna para um estudante, para educação, mas ali...
PAUSA
P/3 – Vamos falar essa parte de novo? Desculpa, é que é muito importante o que você falou agora.
PAUSA
P/1 – Você foi para a formação.
R – A primeira formação, não é?
P/1 – De que você lembra?
R – Lembro de muita coisa. Primeiro, eu fiquei na turma errada, do Fundamental, que era o Carlos. E eu gostei, não é? Gostei, tal, mas eu muito tímida, sou muito tímida, sem querer apresentar, então fazia os cartazes. Depois eu fui lá para... De Sandra Portugal, onde eu fiquei, terminei. Aí, lá, era uma equipe mais forte de professores, como se já tivessem passado por outros projetos, bem criativos, bem mais assim. E eu recordo que estava fazendo cartazes e a Sandra chegou e disse: “Ela escreve à moda antiga”. E eu: “O que é escrever à moda antiga? Meu Deus!” Mas eu também não perguntei nada. É a moda antiga e vai assim mesmo. E foi. E foi legal porque eu comecei a entender como era a metodologia ali, porque a Sandra explicou muito bem, obrigada, (risos) como era a metodologia, eu nunca esqueci. Inclusive como começou o Telecurso, por que começou e essa história nunca saiu da minha cabeça. E é a história que eu passo para os meus alunos, também.
P/1 – Como é que você resume isso?
R – Eu resumo quando ela disse que eles se inspiraram no Mobral. Foram lá pesquisar, conversar com o povo que tinha terminado o Mobral e perguntaram como eles se sentiam - antes de aprender a ler e depois. Então eles faziam a comparação como se fossem cegos e começassem a enxergar. E tudo isso que foi a Fiesp, todo esse objetivo e tal. É isso que eu passo para eles. Tem um banner que entra na historinha, e esse banner eu sempre levo para eles no período de integração. E aí, voltando, voltei com essa vontade. Agora eu estou achando... Porque lá, quando eu comecei com os meninos no Telecurso, que esses outros já eram meus ex-alunos, eu ficava angustiada: “Mas não é assim que eu quero passar esse conteúdo, eu não estou conseguindo passar, não estou vendo resultado”. E com o Travessia eu me vi mais dona da situação. O que eu quero dizer é: sem medo, sem medo de enfrentar.
P/1 – Isso... Você falou o Travessia, mas era Tempo de Avançar.
R – Tempo de Avançar! Eu disse: Ana, Tempo de Avançar!
P/1 – Então eu vou pedir para você repetir essa parte. Você falou que quando você era professora deles... Você quer dizer, antes...
R – Antes do Telecurso.
P/1 – Então explica de novo isso.
R – Boa parte desses alunos, que foram meus primeiros alunos da primeira turma do Telecurso 2000, no ano 2000, tinham sido meus alunos, que é
sétimo e oitavo anos. E lá eu não me sentia segura na hora de passar os conteúdos porque era uma maneira muito fria e eu não me sentia bem. E quando eu cheguei, que eu olhei, que vi que tinha esse tanto de aluno, que vi os meus ex-alunos ali, era como se eu dissesse: “Agora eu sei o que vou passar”. Está entendendo? “Agora eu estou preparada para passar”. E teve uma sintonia. Porque lá não existia essa sintonia; lá, no que a gente chama de regular, porque tudo é regular, não é? Mas, no que a gente chama de regular, não existia sintonia entre aluno e professor. E já com essa metodologia do Telecurso eu já tinha, já via que ia ter uma sintonia. E, realmente, aconteceu.
P/1 – E o que fez você pensar isso?
O que aconteceu na formação que você chegou com essa sensação? Você consegue, ou falar, ou algum momento?
R – Isso. Porque a Sandra deixou assim bem claro: não existe nada certo e nem errado. A partir de agora é que a gente vai começar a diferenciar o que é certo do que é errado, e nós vamos aprender juntos. E não: “Você é o professor, você sabe tudo e você é o aluno, você não traz nada”. Cada um tem alguma coisa. E o que você pensa... A maneira que você vai transmitir... Não é porque você está ali sentado que você vai transmitir, vai falar e está errado. Pode falar do seu jeito; se eu entender, está correto.
P/1 – Isso facilitava.
R – Isso facilitava. Porque eu ia ciente de que, mesmo eu indo trabalhar todas as disciplinas, mas eu não era obrigada a dizer que sabia todas as disciplinas, que estava na minha cabeça, que tinha que saber. Eu não tinha que saber, eu tinha que aprender junto com eles.
P/1 – E como isso acontecia - ou acontece - no Telecurso? Aprender junto? Me dá um exemplo, fala de uma aula, por exemplo.
R – Então... Uma aula que me marcou muito, de Matemática, foi, por exemplo, aquele Teorema de Pitágoras, que eu tinha que passar no Ensino Médio, que era teleaula. Então fiz a problematização e tal. E o aluno disse: “Vamos para a prática?”, eu tenho um slide. Eu disse: “Vamos”. Aí ele foi procurar material na escola, vassoura... A gente usa outro material e fomos fazer. Colocamos o triângulo e fomos fazer os cálculos. Então, isso é aprender junto, não é?
P/1 – Ele falou para buscar a prática?
R – Foi. Ele disse: “Vamos para a prática?” Eu disse: “Vamos”. Aí outra: “Depois, não é?” Ele disse: “Não, agora”. “Está, vamos”. Deu certo.
P/1 – Ele mostrou como é?
R – Ele mostrou. Eu tenho as fotos. Um segurava de um lado e o outro do outro, o outro media. Fizeram todos. E eu lá sentada, assim, olhando.
P/1 – Aprendendo.
R – Aprendendo com eles.
P/1 – Você ia falar que, mesmo dentro de uma garagem lá... Você ia falar isso e aí nós paramos.
R – Isso. Mesmo na garagem, num ambiente que não é o que a gente deseja para um estudante, mas ali... Eu vi que teve aprendizagem ali dentro. Como eu já falei, eles tiveram essa ideia de fazer campanhas para distribuir cesta básica.
P/1 – Quem teve essa ideia?
R – Quem teve a ideia foi uma mocinha lá, o nome dela é Elisângela. Então... Ela chegou e falou que ouviu dizer que a moça tinha saído do hospital, doente, ia chegar em casa e não tinha nem água, e não tinha nada para comer - e tem que se alimentar. Tiveram a ideia: “Então, vamos nós mesmos procurar uns alimentos, fazer uma cesta e deixar? Agora, nós temos que deixar na hora da aula”. “Na hora da aula?” Sim, porque ela veio primeiro com a ideia de arrecadar. “Não, na hora da aula. Nós vamos todos de farda”. Eu disse:
“Desde que assista logo as teleaulas, que faça leitura”. “Não, a gente vai mas depois volta”. Beleza. Aí fizeram mais cestas. Então, não fomos só para uma casa, fomos para duas ou três casas. E fomos a pé, com essa cesta, distribuímos. Aí eu tinha que apresentar para elas: “Olha, aqui são os alunos do Telecurso 2000. Esses alunos vão ser o futuro desta cidade, quem sabe vereador, prefeito, quem sabe professor?” Muitos são professores, não é? Eles adoravam. Aí fomos deixar e, quando voltava, assistia à teleaula, seguia a metodologia toda, apresentação das equipes, motivação, problematização, fazia tudo bonitinho.
P/1 – E isso virou depois uma prática.
R – Isso virou uma cultura, todos os meus alunos quando chegavam: “Quando é que a gente vai fazer a distribuição da cesta? Quem vai ficar responsável pela cesta?” Desse jeito. Aí, dessa turma teve essas coisas interessantes. Outra coisa interessante: em 2000, no estado do Ceará, chegava a urna eletrônica, que a gente chamava UE. E eu era responsável por treinar, porque o desembargador disse: “Tem que chegar a quase 100% dos habitantes votantes essa UE, para eles treinarem”. Eu disse: “Meu Deus, como é que eu vou fazer para os meus alunos virem conhecer a UE?” Que é a urna eletrônica. Eu, muito sem jeito, falei: “Doutor, eu queria pedir ao senhor para vir com meus alunos à noite só para eles conhecerem a urna eletrônica, sair dali, tal”. Aí ele disse: “Não, Marileusa, nós vamos fazer diferente. Eu vou”. E tem uma foto no meu celular que eu vou mostrar. “Eu vou com a urna e você, e nós vamos treinar os meninos. E depois nós vamos para outras escolas; agora, eu quero fazer em todas as escolas”. Eu disse: “Está bom”. Aí, lá dentro do Travessia a gente tinha a equipe que ficava responsável.
P/1 – Travessia? (risos)
R – Telecurso! Telecurso.
P/1 – O Tempo de Avançar?
R – Tempo de Avançar, Telecurso 2000. Então, no Tempo de Avançar uma coisa também que a Sandra deixou claro é que o aluno poderia administrar a aula na ausência do professor. Fica aquela equipe que era responsável, que é a equipe de coordenação, poderia ficar assim. Eu liguei... Porque eu gostava das coisas muito assim, aí liguei para a minha coordenadora: “Olha, o juiz vai com a urna eletrônica para a minha sala, depois eu tenho que acompanhar as outras salas. Eu posso deixar os meninos assistindo tele-aula sozinhos, a equipe responsável?” “Pode”. Tranquilo, beleza. Porque nem na sede tinha acontecido isso e aconteceu para eles, em uma garagem, não é? Aí eu deixei eles lá. Em primeiro lugar eu fui na garagem, eles treinaram, depois passei para outra escola com ele. Quando eu voltei, já estava fechado: “Oxe, o que aconteceu?” Porque é demorado, eu fui atrás das meninas. “É porque um dos alunos chegou bêbado e disse coisa, disse palavrões para uma menina casada”. Eu disse: “Ai, minha Nossa Senhora!” Nesse meio tempo, a secretária passando, entrou: “Cadê a responsável por essa turma?” “Professora, ela está recebendo não é para estar dando aula de justiça eleitoral não, ela está recebendo é para dar aula para vocês”. Aí eu disse: “Ai, meu Deus do céu”. Porque era convênio, não é? Eu devia satisfação à escola Presidente Médici, mas era convênio com o município. Liguei para a supervisora, ela disse: “Não, mulher, deixa isso para lá”. “Esse menino vai desistir”. Era a minha preocupação. Aí, quando eu cheguei lá, eu fiz logo uma dinâmica, aí li uma mensagem que tinha tudo a ver com o momento, com perdão. E ele foi. Ele levantou e disse assim: “Eu quero pedir desculpas à senhora e pedir desculpas a você, Elisângela, porque eu estava bêbado e não era nem para eu ter passado aqui perto”. Aí ela desculpou. Foi muito gratificante isso, porque alguém, de tudo o que a gente já tinha trabalhado, tirou essa lição de que errou, entendeu? Então, ele tinha autonomia para assumir seus atos. E outra coisa interessante aí foi também a aluna, que ela era filha de uma filha de italianos, era neta de italianos, e o pai dela era negro. Ele trabalhou em São Paulo, casou com a mãe dela e trouxe a mãe para essa comunidade, um distrito de Salitre, que é Lagoa dos Crioulos. Aí, a mulher de São Paulo... Não deu certo, está sem água, sem luz e tudo, foi embora e deixou as crianças. E ela cresceu e, sendo minha aluna do Travessia, numa aula de História, a gente falando, eu começava sempre: “Conte sua história, desenhe, faça alguma coisa assim”. Aí ela foi e falou que não conhecia a mãe dela, que ela não se recordava da mãe e que a mãe não tinha nenhum significado na vida dela, quem tinha criado tinha sido a avó e tal, que a mãe a deixou. “Não, não faça isso. Você não tem contato com a sua mãe?” “Tenho não”. Era muito difícil a comunicação e vinham pela cidade de Campos Sales as cartas. Ela mandou, nunca mais foi lá: “Não quero nem saber disso”. “Não, não faça isso. Vá, pare para ouvir a sua mãe logo. Porque a história que você sabe é o que a sua avó diz, é o que as primas delas...”. “Não, professora, mas foi desse jeito”. “Não, converse com a sua mãe porque pode ser tarde demais quando você crescer”. Aí ela disse: “Mas amanhã eu vou a Campos Sales e vou lá ver se tem carta dela”. Quando chegou em Campos Sales tinha a última carta que a mãe tinha escrito. Tinha um monte de carta e a mãe tinha feito uma carta e disse: “Essa vai ser a última”. Aí dizia na carta. Ela pegou e entrou em contato com a mãe dela. A mãe dela veio até Araripina e elas se encontraram. Muito importante, achei muito importante isso.
P/1 – Eu vou pedir para você dar um tempo. Que horas são? Muito bom, essas histórias são muito emblemáticas. Dez para as cinco?
R – Agora eu vou tentar agilizar.
P/1 – Tem que falar um pouquinho de Travessia, não é?
R – Deixa eu falar só de uma turma do Tempo de Avançar?
P/1 – Claro!
R – Pronto. Pode começar?
P/3 – Pode.
R – Então, essa daí é da primeira turma. Aí, a segunda turma veio, essa segunda turma também já era do Tempo de Avançar Fundamental, e veio para mim para o Médio, que foi aquela que tem aquelas senhoras que nós fizemos também campanha e tudo, que está a foto aí. E depois veio uma terceira turma.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – Essa terceira turma, 2013, 2014, por aí. Essa terceira turma o município não queria mais dar parceria.
P/1 – 2003.
R – Isso.
P/1 – 2003 a 2004.
R – Isso.
P/1 – Ah, tá!
R – Ele não queria mais a parceria estado e município. Por quê? Porque existia tipo um EJA lá e nesse EJA eles colocavam os professores... Digamos, você não teve oportunidade de estudar, você ia lá, pegava um livro, estudava. Era tipo Logos 2. Aí, voltava para fazer uma prova. Se passou, passou; se não, repetia de novo. Aí, a que não era secretária, mas tinha uma influência, falou: “Não, não quero mais Telecurso aqui’. Aí eu disse: “E eu fico como?” Eu era uma Anexa, não poderia ir para a cidade, para Campos Sales, porque eu estava contratada para trabalhar no Presidente Médici, que era a escola do estado, que tinha sede em Campos Sales. Só que eu ficava trabalhando no distrito, na outra cidade. Ela disse: “Não, você fica aí no EJA”. Eu disse: “Não, mas eu não gosto dessa metodologia”. Ela disse: “Não, pode ficar porque não quero mais Telecurso, não”. Aí, minha supervisora ligou e disse: “Marileusa, tem aluno?” Eu disse: “Tem, tem aluno. E eles querem. Não é justo eles irem trabalhar, pegar um livro, estudar em casa. Vocês têm oportunidade, o município... Não tem escola do estado no município de Salitre e eles têm a oportunidade de ter um Anex e não querem?” Aí ela disse: “Tudo bem, pois vou fazer a matrícula”. E fez. Aí, quando eu cheguei na escola, a mulher disse: “Não tem sala para vocês, não. Se você quiser, vocês vão para uma escola que fica já a caminho de Campos Sales”. Bem distante, tinha que pegar ônibus, tinha dia que ia, tinha dia que não, e eu só com esses alunos. Eu disse: “Não tem condição, não. Eu trabalhava no Anex, por que vocês não providenciam o Anex?” Não tinha condição, não. Falei: “Está bom”. Peguei os alunos, fiquei na praça pública. Sentei em círculo e falei da metodologia. Quando eu sentei também, dava para fazer duas turmas, novamente. Aí eu liguei para a minha supervisora: “Olhe, Ilka, tem aluno para duas turmas”. Ela disse:
“Segura aí que eu estou chegando a qualquer momento”. E esse qualquer momento deu oito dias. Eu dando aula em praça pública, no meio da praça, nós sentados e eu falava da metodologia. Não passava Teleaula, mas falava da metodologia. Ia falando, interpretação de texto e fazendo uma coisa e outra. Aí ela chegou, sentou também com a gente, a coordenadora, e fez assim: “Não, vou falar com o prefeito”. Aí conseguiu um Anex. E a outra turma foi para essa escola que era distante, com o meu colega. Eu disse: “Mas, colega, como é que você vai para lá? Não tem ninguém para abrir a escola, não tem transporte, tem dia que tem transporte e tem dia que não, como é que vai ficar essa situação? E esses meninos já vêm do sítio, chegam aqui e vão para outro sítio?” Ele disse: “Ó, vou na _0:54:06_ TV”. Passei aquilo na minha cabeça: “Não tem condições, esse menino está faltando aula, não tem condição. Os ônibus vão se desencontrar, vai vir um ônibus do sítio…”. Eu consegui esse Anex, fiquei no Anex. Era um bar de um lado e outro, do outro lado. Quando não conseguia, tinha que ir lá: “Senhor, por favor, tenho que passar teleaula”. Quando estava na metade da teleaula, de novo. Aí está. Eu disse: “Meu Deus…”. Eu me estressei. “Meu Deus, será que eu fiz errado isso?” Aí eles viram que não tinha condição de ficar o outro lá, porque não tinha transporte todo dia, não tinha aula todo dia, aí resolveram arrumar a escola e eu terminei essa turma naquela escola.
P/1 – Com eles também, os outros...
R – Com eles também. Eu numa turma e o colega na outra turma. E quase que vieram todos os alunos, porque ela fez uma campanha, deu até emprego para não querer ser meu aluno, mas terminou ficando uma boa parte. Inclusive tinha um vereador, eu disse: “E você estava matriculado nessa turma?” “Estava”. “E por que você não estava vindo?” “Porque estava resolvendo, estava dando aula na praça, eu estava esperando”. “Sim, mas você não é vereador, criatura?”
P/1 – E ele era vereador e seu aluno.
R – Meu aluno! E não fez nada, não é? (risos). Mas terminou, graças a Deus terminou. Aí, depois, é que eu fui para a sede, para Campos Sales. Em 2008, eu voltei para Araripina. Agora vou entrar em Travessia. Quando chegou em 2008, a minha irmã disse: “Eu vou fazer a seleção do estado, vamos?” Eu disse: “Com esse salário?” O que eu ganhava no Ceará era três vezes mais do que o estado pagava aqui. Eu disse: “Não, mulher, eu não sei se vou, não”. Aí eu fui, não é? Falei. Aí levei... Eu estava tão desanimada que levei somente o certificado do Telecurso, que eu tinha. Aí, fiquei entre as primeiras classificadas.
P/2 – Eu acho que a gente pode tentar um tempo...
P/1 – Você tem mais alguém de Travessia?
P/2 – Amanhã tem um estudante. Mas eu acho que é importante essa migração dela. Será que a gente consegue?
R – Fazer em menos tempo, não é?
P/1 –
Olhe, deixe eu lhe perguntar uma coisa. Antes de você começar a falar do Travessia, eu vou lhe fazer uma pergunta para ver se a gente consegue fechar. Fale de que ano a que ano você foi Tempo de Avançar. Que você ficou. Ficou meio confuso. Às vezes é importante também. Eu vou pedir para a Ana: você não quer fazer a pergunta sobre o Travessia? O que você gostaria muito que ela falasse?
P/2 – Sim. Eu acho que o aspecto importante é entender você ter saído do Ceará e ter reencontrado essa mesma metodologia. Como é que lhe mobilizou então? Porque você começou a falar dessa dificuldade, que é chegar num outro contexto, que o salário era bem diferente, mas o que ainda assim lhe fez acreditar? Permanecer? E como foi esse reencontro?
P/1 – Antes, você vai responder para a gente que não conhece muito isso: como é Travessia? Mais para quem for assistir. Então você localiza só quanto a quanto você ficou no Ceará, Tempo de Avançar. E quando sua irmã lhe chamou, era Pernambuco, era o quê?
P/2 – Não precisa comparação, somente...
P/1 – O que aconteceu que fez você assumir o outro.
R – Então... de 2000 a 2007 eu fiquei com o Tempo de Avançar, no Ceará, apenas uma turma do Fundamental, na Escola Presidente Médici. E o resto foi Tempo de Avançar, Médio. Em 2008 eu voltei para Araripina, onde eu já morava mesmo, já ia todo final de semana, mas voltei a morar mesmo.
P/1 – E aí acabou mesmo.
R – Acabou, vim embora. Então, quando eu cheguei em Araripina estavam abertas as inscrições para o Travessia. Antes, minha irmã falou: “Olha, tem um programa novo que vai ter aí, tal, vamos?” Aí eu fui no Travessia, não me chamou muito a atenção. Quando eu cheguei, havia a proposta de salário. Aí, dona Elisabeth falou assim: “Cleuda, faz!” Que é minha irmã. “Faz, mulher! A gente vai trabalhar com televisão...”. E começou a falar. Quando falou, eu disse: “Ah, isso é Telecurso. Pois eu vou fazer”. Aí fiz, não é? Aí fui fazer a formação, em Garanhuns e retornei. Aí, mais um desafio, porque lá eu trabalhava sozinha, só eu. E em Pernambuco éramos eu e uma colega. Aí, como entender isso? Porque pensa que é fácil, mas não é. Porque eu fico com a parte de Exatas, então eu tenho que pegar duas turmas, são duas pessoas diferentes. Mas foi legal, eu entrei, no primeiro ano foram duas pessoas maravilhosas, elas ainda são minhas amigas, e deu certo. Eu recordo ainda do meu primeiro planejamento. Minha supervisora, uma pessoa muito dinâmica, a gente se reuniu, então o primeiro dia de aula eu preparei do jeito que eu preparava para o Telecurso, eu preparei para o Travessia do mesmo jeito, primeiro dia de aula. E quando eu cheguei, nada dessa supervisora chegar. “Como que ela não chega para fazer o planejamento?” Aí o meu colega disse: “Mulher, porque ela está deixando à vontade”. “Não, esse período não é para deixar à vontade, esse período é...” (risos). Olha, graças a Deus a gente cresce, não é? Porque se não, se ficasse nessa... Aí, quando ela chegou, eu disse: “Ó, senhora, veja se é assim que a senhora quer que eu inicie a Semana de Integração”. “É assim mesmo”. “Está bom”. Fui para sala, fiz, depois levei os meninos, fiquei andando nas duas turmas ao mesmo tempo e sentindo que a metodologia estava chegando, mas não tinha absorvido.
P/1 – Quem não tinha absorvido?
R – Colegas que iam ser minhas companheiras, que tinham passado na formação comigo. Mas elas não tinham entendido ainda a metodologia, está entendendo? Porque o que é diferente dessa metodologia? É que aquilo que você faz na formação você usa na sala de aula. Outras formações, fica abstrato. Você faz, pode ser que um dia você use, mas não é direcionado. Lá é como se fosse um treinamento: o que você faz ali, você aproveita tudo lá, na sua sala de aula. E aí eu vi as colegas: “Está diferente. Não é assim essa metodologia”. Aí a supervisora fez uma reunião e disse: “Olha, fulano vai preparar a aula tal; sicrano, a aula tal; o outro, a aula tal; e tal, e tal. Depois a gente vai socializar e trocar”. Beleza, a proposta é boa. Qual é? “A sua é essa”. “Está bom”. Disse: “A sua é essa”, para a minha colega. Ela disse: “Não, não quero”. “Está bom, pode ser qualquer uma”. Preparei a aula. Quando voltamos: “Apresenta você, você, você e você”. “Não, não deu tempo, não fiz, não sei”. Aí eu disse: “Eu posso apresentar a minha?” “Pode”. Aí eu peguei e apresentei. No que eu apresentei, eu só ouvi: “Se acha, ela acha que dá tempo dela fazer isso?” Porque tinha apresentação das equipes; motivação, que é a integração; a problematização; a teleaula; a leitura de imagem; a atividade complementar, que era Biologia; a socialização e a avaliação do dia. Aí, quando eu apresentei, ela disse: “Olha, é assim que eu quero”, a supervisora falou. As outras: “Ixi, essa menina acha que dá tempo dela fazer isso”. E aí eu também não fui bem vista, não é? Porque achavam que eu... Mas eu não fiz assim para chamar a atenção, eu fiz porque era a maneira que eu já conhecia a metodologia. Foi. E aí, estou até hoje no Travessia.
P/1 – E continua assim? Duas professoras por sala?
R – Isso, duas professoras. Porque é diferente lá no Ceará, lá é uma; aqui fica Humanas e Exatas, então... Como eu estou com Fundamental, eu fico com Ciências, alguns projetos e Matemática. Quando eu estava no Médio... Porque eu também trabalhei Travessia Médio, mas a minha experiência é menos em Fundamental, agora que eu estou, mas estou gostando. Então, eu trabalhava lá Matemática, Biologia, Física e Química, em duas turmas.
P/1 – Então vou perguntar uma coisa, para fechar. Há quantos anos você está com o Telecurso?
R – Dezesseis anos (risos).
P/1 – Dezesseis anos?! Na ativa.
R – Sim, sim.
P/1 – Como é ficar esse tempo todo numa proposta como o Telecurso? O que você sente?
R – Geralmente as pessoas perguntam: “Você ainda suporta? Como é que você consegue ouvir essas teleaulas?” É uma coisa de que eu gosto tanto que eu nem questiono: “Eu já ouvi essa teleaula?” Para mim, cada dia que eu passo uma teleaula daquelas, mesmo com aquele barulhinho, ela traz uma novidade para mim. Cada dia que eu assisto é como se eu estivesse assistindo pela primeira vez, mas ela traz uma novidade, eu não criei um mal-estar por estar repetindo aquilo, é uma coisa que já está no meu cotidiano, eu só sei começar se for aquilo. Eu só sei começar uma teleaula se fizer a rotina. Mesmo sendo professora do município, eu continuo fazendo aquilo. Eu levei essa proposta para o município na organização de sistematizar o planejamento. Então, eu faço aquilo, a rotina é isso, tal. Eu não sei chegar por chegar e começar. Eu acostumei, não sei viver sem essa metodologia.
P/1 – Como que é cada vez uma novidade? O que significa isso?
R – Então... É um olhar diferente. Você está assistindo a teleaula, aí, de repente, passa uma coisa que você não tinha percebido antes, é como se você estivesse vendo pela primeira vez, é como se você estivesse cada vez mais melhorando o seu olhar.
P/1 – E em relação aos grupos, às atividades?
R – As atividades, não é? Então... O grande desafio para a gente, principalmente no Fundamental, são as equipes. Mas como eu aposto muito no período de integração, se faz um período de integração bem, com muita dedicação, funciona.
P/1 – Equipe, professores?
R – Sim, professores. E também planejamento de professores, os dois. E quando vai o período de integração com os alunos, que passa essa metodologia bem explicada, como a Sandra fez, bem explicado, é assim que se trabalha. Por quê? Por que se está trabalhando isso. A gente está fazendo isso não é para brincar, não é para enrolar, isso aqui é uma maneira de aprender. Então, quando você deixa bem clara a proposta, eles absorvem e eles cobram. Ah, não tem agenda. Por exemplo, vai ter a prova Brasil, que é a prova externa que eles fazem, não é? Aí não tem agenda, porque é uma prova externa, vem alguém de fora para aplicar. Aí, quando é no outro dia é que eles vão fazer: “O que é o ponto negativo?” “Não ter uma agenda”. Então, é um hábito. Se você cria o hábito, você não tem por que abusar, você não tem por que se incomodar. Porque todo dia você não levanta, não toma banho, não toma café? Não faz isso todo dia? Então, se você gosta do que faz, não vai ter isso: “Ai, eu não aguento mais ouvir. Ai, eu não aguento essa teleaula”. Não tem. Para mim, todo dia é um dia diferente.
P/1 – Como é que você vê isso? Dá para juntar as coisas?
R – Vou tentar aqui. Quando puder começar, diga.
P/1 – E aí até, como você se sente nessa história. Você, essa pessoa que levanta bandeira, não é? Não sei se dá para juntar tudo, porque tem pouco tempo.
R – Vou tentar, é que eu sou meio agoniadinha assim (risos). Pode? Então... É um desafio trabalhar com essa metodologia, porque nós temos o costume, já somos preparados pela... Antigamente é que o professor sabia tudo e o aluno estava ali para aprender, quem sabia era o professor. Então, quando você vem, que você fica num círculo, que somos todos iguais, que você tem um conhecimento para passar para mim e eu tenho algo para passar para você, então tem esse choque com o aluno, porque o aluno já está habituado ao antigo, que é ficar uma filinha atrás da outra. E há certos companheiros também, professores, porque diz... E eles já me fizeram várias vezes essa pergunta: “E eles vão aprender através de uma televisão?” Eu digo: “Eles não sabem recontar a história de uma novela depois que eles desligam a televisão?” “Sabem”. “Eles não ficam o dia todo em frente de uma televisão? Eles não entendem o que passa? Pois então, eles vão aprender, sim”. Então eu não sei, eu, profissional, viver sem essa metodologia, que é a metodologia de você instigar, de você fazer com que o aluno se sinta gente. Você é gente em qualquer espaço em que você esteja, você pode chegar a qualquer lugar, alcançar, só depende de você, basta você querer. Então, se um dia essa metodologia for podada, for tirada, eu não consigo me separar dela. Mas, para a educação, o que isso significaria? Significaria uma educação à moda antiga, em que você não é um sujeito que estamos preparando para uma sociedade em que você possa ter autonomia de decidir as coisas ou de participar, de reivindicar, não é? Vai ser o quê? Vai ser uma educação à moda antiga, em que eu digo o que é certo e você tem que obedecer. E nós não temos mais espaço para esse tipo de educação, porque a tecnologia está aí, ninguém tem mais espaço, muitas coisas você pode levar para a sala de aula, mas seu aluno já sabe daquilo, ó, há tempos. Porque ele já viu na televisão, ele já pesquisou, ele já viu num ‘site’, ele já viu alguma coisa. Depende da curiosidade, você não pode subestimar a curiosidade de um aluno. Então, não dá para viver à moda antiga.
P/1 – Quem falou a história que era fácil?
P/2 – Quem falou a história que era fácil. Mas eu acho que deu.
R – Mas deixa eu dizer. Muitas vezes...
P/2 – Agora eu fiquei curiosa.
P/1 – Rapidinho.
R – É porque muitas vezes eu já fui criticada, mesmo no Ceará: “Ô, mulher, tem aula de Física, mas você só deu aula de Telecurso, você não sabe dar Física, não é?” Já, já foi feito isso. “Acho que você não tem...”. Eu disse: “Quem disse que é fácil dar aula de Travessia, de Telecurso? Quem disse para você que é fácil?” E aí, a imagem de quem não conhece a metodologia é que é fácil, é só colocar a mídia lá, sentar aqui e pronto. Aí, um certo dia, minha irmã, no local de trabalho: “Esse povo do Travessia ganha dinheiro fácil. Não faz nada”. Ela: “Opa! Eu tenho lá em casa que sobra até para mim as coisas, que ela tem que preparar e sobra para mim, para cortar, para imprimir. Não, não é fácil, não; pelo contrário, é muito mais difícil dar uma aula de Travessia, de Telecurso; é muito mais difícil”. Como é que você vai tirar do aluno a leitura de imagem se você não estudar, se você não sabe o que vai perguntar? Então, você tem que estar atento, tem que assistir a essa teleaula antes, tem que preparar, tem que enxergar, conhecer, ter um conhecimento, instigar o aluno a dizer um conhecimento que ele vem trazendo, conhecimento prévio. E como é que você faz isso sem ser dinâmico? Não, minha filha, é difícil, não é fácil.
P/1 – Muito bom. A gente podia continuar aqui, ó, perguntando muitas coisas mais.
R – Desculpa aí se não foi...
P/2 – Que é isso...
P/1 – Foi ótimo! Eu queria perguntar muitas, porque ela contou várias coisas bacanas.
P/2 – Foi! Aprendi muita coisa (risos).
P/1 – A gente queria saber mais aqui de Pernambuco, tudo, mas já foi ótimo.
R – Mas, qualquer coisa, a Ana tem o contato. Pode falar.
P/2 – Não, a (vozes sobrepostas) ela vem por esse perfil, de ter passado nos dois projetos, mas ela vem mais com o Tempo de Avançar.
R – É, Tempo de Avançar que foi marcante.
P/2 – E ali acho que foi o que tomou mais parte, não foi?
P/1 – Sim! E foi uma conquista, não é?
P/2 – Isso.
R – É porque o Telecurso atendeu a uma população que não tinha acesso à educação, não é? O Travessia não, ele está aberto, o povo tem acesso, em todo lugar tem uma escola. Lá não tinha. Não tinha prédio, não tinha nada. Agora sim, já tem escola do estado, mas não tinha então...
P/1 – Do jeito que foi, ela contou, não é? Que o governador chegou e falou: “Tem que fazer”, para os prefeitos.
P/2 – E todo mundo na raça.
R – Foi, tudo na raça (risos).
FINAL DA ENTREVISTARecolher