Projeto Memória dos Brasileiros – Módulo Maués – Saberes e Fazeres
Entrevistado por André Machado
Depoimento de Paula de Souza Viana
Maués 25/01/2007
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista MBCB 003
Transcrito por Augusto César Mauricio Borges
Revisado por Thiago Majolo
P- Paula, boa tarde.
R- Boa tarde.
P- Pra começar eu gostaria que você dissesse pra mim o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R- Então; meu nome é Paula de Souza Viana, eu moro aqui em Maués na Rua Comendador Carlos Esteves, número 1772, Mario Fonseca. A data do meu nascimento é 31 do três de 78.
P- Aqui em Maués mesmo?
R- Aqui em Maués mesmo, nasci aqui em Maués mesmo.
P- E qual é a origem dos seus pais?
R- A origem dos meus pais. Os meus pais nasceram aqui na Vera Cruz, logo em frente a cidade na Ilha de Vera Cruz, hoje falada. Antes falava-se o interior de Vera Cruz, mas hoje é conhecida como a Ilha de Vera Cruz. Então eles nasceram aí na Vera Cruz e daí a gente veio pra cá. A minha mãe é professora, se formou professora e a nossa cultura também é também professora, de alguns filhos apenas, alguns filhos se formaram em magistério, outros não, né, alguns não.
P- A sua mãe era professora. E o seu pai?
R- A minha mãe era professora e o meu pai ele fazia trabalho autônomo. Hoje ela é professora aposentada e mais vive só viajando pra cá e pra lá. E algumas, assim ela tem trabalhos assim atividade na igreja, ela é católica. Ela tem muitos trabalhos na igreja, ela faz assim.
P- Qual é o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
R- Então; o nome da minha mãe é Maria Santina de Souza e do meu pai é Durval.
P- E quantos irmãos você teve?
R- Eu tive oito irmãos.
P- Oito irmãos. Quantos deles viraram professores?
R- Três. Três, nós? Quatro. Cinco. Cinco são professores. Mas um não atua como professor e a outra também ela atua como escrituraria, e já o meu irmão ele atua como eles está atuando na área da saúde. Ele é um agente comunitário e já eu a outra minha irmã nós estamos atuando na área.
P- A sua outra irmã dá aula de que?
R- Ela dá pra jardim, ela dá para educação infantil.
P- e os outros irmãos que não viraram professores que profissões seguiram?
R- Eu tenho uma irmã, a mais velha ela trabalha numa gráfica em Manaus,ela e a outra minha irmã trabalha numa gráfica. E o meu irmãos mais velho ele trabalha colocando vidros assim, bancos, assim portas de casas assim ele implanta os vidros, sabe? A profissão dele é essa, implantar vidros assim em locais assim. Eu tenho uma irmã que ela mora no Rio Grande do Sul, ela trabalha, ela é técnica em enfermagem e ela trabalha nessa área, técnica em enfermagem lá.
P- Como que era Maués na sua infância?
R- Na minha infância Maués ela era típica assim interiorana, porém, ela é assim mais calma, não tinha tanta violência como agora.
P- Então; diz pra mim como que era Maués na sua infância?
R- Então na minha infância Maués era assim uma cidade, como até agora é, típica mesmo do interior, porém, claro, que ela se desenvolve, com o passar do tempo vai se desenvolvendo. Então na minha época não existia tanta violência como existe agora, inclusive eu acho assim que eu ainda brinquei, eu ainda corri de calcinha no meio da rua, brinquei pelo meio da rua e hoje quase não se faz mais isso porque, além de ter crescido, outros fatos violentos vieram a acontecer. As crianças não correm mais na rua porque o número de carros aumentaram, o número de mortes aumentaram, o número de caminhões aumentaram. Então a gente não vê mais as crianças assim brincando tanto na rua quanto antes: brincadeira de roda, brincadeira de criança mesmo. Então eu ainda tive o prazer de brincar disso, mas tem algumas crianças que moram assim distantes, né, em ruas afastadas, em bairros afastados, que elas ainda, eu creio eu, que elas fazem isso ainda. Mas quem mora assim em bairros bem conhecidos como o centro da cidade, esses bairros mais próximos assim eles ainda fazem isso, mas quem, ou seja, não fazem mais isso, agora quem mora mais distante não, pode ter o prazer de fazer, né, porque nos bairros mais afastados não circulam tantos carros nem caminhões. Então na minha infância Maués foi assim uma cidade bem calma, bem, como que eu posso falar? Ela era movimentada, mas não chegava a tanto. Então é normal que isso acontece, é normal esse processo de desenvolvimento porque o que seria o homem se ele não se desenvolvesse? Então naquela época também, como eu falei do fato de eu brincar de roda, de brincar de brincadeiras mesmo de criança. Uma coisa que eu percebi também, como eu já falei antes, que mudou, que caiu um pouco foi isso: foi essas brincadeiras de roda, brincadeiras de meninos. Hoje as meninas não querem mais estar brincando, já querem estar assistindo televisão, já se ligam mais na televisão e em outras coisas a mais. Então na minha infância Maués era bem assim, era bem típica mesmo, interior. Apesar de tudo ela ainda é uma cidade muito bonita, tenho o prazer de ter nascido porque não é qualquer pessoa que tem o privilégio de ver toda vez o por do sol vindo e descendo, toda vez. Então eu sempre falo isso. Sempre as nossas tardes quando a gente vai passear eu tenho esse privilégio de ver o por do sol, eu acho muito lindo isso. Hoje as pessoas já não querem mais admirar o por do sol, não percebem a natureza que está a nossa volta. São poucas as pessoas que ainda assim tem uma cultura de observar a natureza, observar o quanto a gente é rico, e não procuram valorizar isso. Preferem assistir televisão, preferem estar jogando bola, esporte é normal, mas eu acho que a gente vive num local muito bonito. Gosto de ver as praias e tudo mais.
P- E como que era a casa na sua infância?
R- A casa na minha infância eu ainda vi muitas assim, eu ainda vi casas de barro em Maués, casa coberta de palha. Então a minha casa quando eu morava com a minha mãe também era bem simples mesmo, a gente morava assim num barracão mesmo. Agora não, as coisas evoluíram. A gente dificilmente vê assim uma casa aqui para o centro, nos bairros assim mais desenvolvidos. Assim uma casa assim de barro ou então se chão batido coberta de palha na minha infância eu ainda via isso, eu ainda pude observar, eu ainda tive o prazer de ver isso aí com o desenvolvimento, casas bem pequenas mesmo. E hoje não, você não encontra, você anda e você na vê assim tantas casas mais assim de coberta de palha, então as casas ainda naquela época eram todas assim. O desenvolvimento já estava quando eu nasci. Na minha infância o desenvolvimento já estava, mas ainda tinha um pouco assim daquela coisa bucólica mesmo de interior. Então hoje não, hoje já mudou mais. Eu já pude observar que até a minha também já mudou. Então é isso.
P- O que você fazia na juventude?
R- Na minha juventude, além de namorar muito, eu sempre trabalhei. Nos meus 18 anos eu já estava trabalhando como professora e eu participava de grupos de jovens da Pastoral da Juventude e naquela época também foi uma fase muito boa, com certeza teve uma grande cooperação assim para o comportamento, para o pensamento que eu tenho hoje. Os Grupos de Jovens eles foram muito contribuidores para isso. Então eu participava. A minha juventude, praticamente a minha adolescência e a minha juventude, assim foi isso: foi participar assim de igreja, eu gostava muito de participar de assim de congressos, de coisas que falassem sobre a cultura, de coisas que pudessem desenvolver a mente mesmo. Fiz esporte, como todo mundo, coisas normais da juventude mesmo.
P- Maria, você podia falar mais sobre o trabalho na Pastoral? O que vocês faziam? O que vocês discutiam na Pastoral?
R- A gente na Pastoral a gente discutia sobre o processo social da sociedade, como é que estava o processo social, sobre ética, sobre cidadania. Nós tínhamos congressos, tínhamos oficinas e nós viajávamos também bastante, pra debater o que nós faríamos no decorrer do ano e a gente assim eu observava que naquela época a gente fazia muitos encontros pra debater sobre a política, o verdadeiro papel da política. Naquela época a gente via assim as pessoas muito bem animadas. Eu acho assim que até isso mudou um pouco, na cidade. Não que não tenha, tem com certeza. As pessoas estão trabalhando, estão se encontrando ainda pra debater, mas eu vejo assim que na minha época a gente trabalhava bastante, fazia muitos encontros. Os encontros que a gente fazia os congressos lotavam mesmo. Então as pessoas queriam, elas queriam alguém pra se basear no pensamento político, no pensamento social e eu acho que a gente preenchia isso, através do nosso papel de cidadão e cristão a gente preenchia esse pensamento. Então a gente debatia muito sobre a política, sobre ética, sobre cidadania, sobre o papel da família na sociedade, o papel da família tradicional, da família moderna e então tudo isso que a gente trabalhava na Pastoral da Juventude.
P- Esse período da Pastoral era mais ou menos que ano assim?
R- Era de 92. Eu ainda fiquei na Pastoral da Juventude de 92 até 97 eu fiquei. Foi uma parte da minha adolescência, ou seja, da minha pré-adolescência foi uma parte já dentro. Eu achei que eu fui muito, como que eu posso dizer uma palavra, fui muito precoce de entrar na Pastoral da Juventude que eu entrei com 15 anos, então foi muito precoce. Então rápido assim eu tive um desenvolvimento, um desenvolvimento mental e intelectual das coisas que se passavam na cidade e no mundo todo. Então foi essa época da minha vida foi toda nisso.
P- E hoje você participa de movimentos em Maués?
R- Não. Hoje eu não participo de nenhum movimento. Eu estou assim afastada mesmo e só estou atuando mesmo como professora e faço os meus trabalhos assim como acadêmica. Eu estudo, estou fazendo uma pós-graduação e aí continuo fazendo Letras. Então a minha doação é só para o estudo e, por enquanto, pra família. Quem sabe com o passar do tempo eu não opte por alguma coisa, mas agora é só como estudante e como mãe e como esposa.
P- Conta então o seu começo como professora. Como que você começou, onde?
R- Então. Eu comecei a trabalhar na escola jardim Fraternidade e foi o meu primeiro foi assim uma experiência assim bem radical porque foi assim um papel bem radical porque nunca havia trabalhado como professora, mas eu tinha vontade. Desde quando eu fiz o Magistério eu tive bons professores, os meus professores assim faziam um ótimo papel então eu queria ter também eu queria ter aquela experiência como os meus professores de magistério, e eu nunca imaginei que eu fosse dar. O meu primeiro papel na educação como professora seria logo com educação infantil, os pequeninos mesmo, com as crianças de quatro anos. Então eu comecei aí nessa área aí da educação infantil de quatro a seis anos. E desde lá eu acho, que cada pessoa se revela numa área. Então a gente vai se desenvolvendo, vai se revelando e eu continuei nessa área por acho que seis anos. Continuei nessa área da educação infantil. Foi assim numa época que a gente começava a falar em construtivismo, em Maués estava se deixando o ensino tradicional de lado e estava se entrando no construtivismo, na teoria construtivista. Então pra mim foi algo assim novo porque quando eu estudei, quando eu estudava o ensino fundamental, que naquela época, na minha época de infância era o primário, o ensino era totalmente tradicional desde professores até conteúdo. Então pra mim entrar como professora já na teoria construtivista então pra mim foi algo muito novo mesmo e dificultoso, porque a gente só sabia trabalhar com o método antigo. Então pra mim eu tive muita dificuldade. Não foi nada fácil, não vou dizer que foi “ah, foi mil maravilhas”, foi mil maravilhas a teoria, que a gente estava estudando. Nossa, era lindo, mas na hora de aplicar eu tive mil dificuldades. Então aí comecei a trabalhar com a quarta série já, com as séries mais assim já ano passado, ano retrasado que eu comecei a trabalhar primeira série, então já teve assim já foi evoluindo um pouco porque você lidar com crianças de quatro, cinco, seis é uma coisa, agora de sete já muda, claro, com certeza vai mudando, o processo da criança, o comportamento dela. Então até agora as experiências que eu tenho tido é com é como professora são boas. Eu acho que eu estudando agora eu estou podendo perceber o quanto vale a minha profissão, apesar de que não é valorizada por nossos governantes, mas eu gosto. Eu fiz o curso normal superior pra me especializar na área de educação infantil ensino fundamental de primeira a quarta e agora eu estou fazendo Letras e eu achei que essa que é a minha área, quinta à oitava, ensino médio, acho que essa é a minha área. Eu estou descobrindo isso agora, gostando muito mesmo. Eu me identifiquei muito com Letras, a gente se identifica com tudo quando a gente está estudando porque a gente gosta de todas as disciplinas, é difícil a gente não gostar mais disciplina. Mas com Letras eu me identifiquei mais do que o normal superior.
P- Você diz que encontrou dificuldades para por em prática o método construtivista. Você podia exemplificar? Dizer quais eram essas dificuldades?
R- Porque eu encontrei assim dificuldades na hora de; eu não tive tanta dificuldade na hora de deixar as crianças se sentirem livres, porque naquela época, na minha época quando eu estudei, os professores chegavam na sala e a gente estava tudo sentadinhos, as filas todas arrumadas, as crianças todas arrumadinhas e se a gente pudesse bagunçar tinha uma hora porque a hora de conversar era outra. Então era uma aula bem tradicional. A gente não tinha quase como dar a nossa opinião. Então pra mim a dificuldade foi no sentido de ensinar outras coisas; agora no sentido de deixar as crianças livres assim pra elas tentarem ter o raciocínio delas assim aprenderem por si isso aí eu não tive tanta dificuldade, isso aí não foi dificultoso pra mim. Agora quanto assim a ensinar a criança a ler aí pra mim eu já tive um pouco de dificuldade porque o processo silabação é um processo bem assim que todo mundo condena da silabação, mas eu não condeno tanto. Eu acho que tem que ter a dicotomia de silabação com o desenvolvimento teórico dela mesma, o processo motor dela mesmo também. Então essa parte aí que eu tive dificuldade, de ensinar, na hora de ensinar as crianças a lerem, na hora de ensinar as crianças contarem. Porque logo que eu comecei, agora não, agora já tenho uma base, já fiz uma faculdade e “é isso.” Mas logo que eu comecei não. A gente fazia muitos encontros, muitos cursos, era bacana, sabe? Era bem legal mesmo. Então a gente fazia esses cursos assim pra nos aprimorar. Então a minha dificuldade foi quanto a isso de ensinar as crianças a lerem num novo método de mostrar um objeto e a criança poder, através do objeto, porque pra ela é mais fácil ela ler o nome do objeto, mas seria mais difícil pra ela escrevendo, aprendendo, então era isso.
P- Você disse pra mim também que como professora vocês discutem muito com os alunos a questão das histórias de Maués, das lendas, pra que isso não se perca. Você poderia falar pra gente de algumas dessas histórias?
R- Aqui em Maués quando chega o mês de aniversário da cidade as escolas trabalham com projetos. Todo mês as escolas fazem um projeto e nisso já tem aquele projeto nas escolas praticamente já é aquilo mesmo. Todo mês tem que ter esse projeto da cidade de Maués. Geralmente nós temos como tema Conhecendo o Guaraná ou então Conhecendo a Cidade de Maués, Conhecendo Nossas Culturas, geralmente os temas são esses. Por que a gente trabalha assim? Porque como a gente conversou, muitos jovens hoje já não sabem mais. Eles sabem contar a lenda do Guaraná porque todo ano tem a festa do guaraná e todo ano é passado aquilo. Então cada jovem sabe um resumo, um resumo, nem que seja de cinco laudas ele sabe fazer um resumo da lenda do guaraná. Mas as outras lendas, como a lenda do Porantim, a lenda, deixa eu ver, a lenda da tucandeira, que é uma lenda da região daqui da região norte também bem conhecida pela região norte. Então a gente trabalha sobre isso, então a gente tenta assim desvendar a cultura, colocar a cultura para que essas crianças, para que os adolescentes possam estar interagindo com a cultura da nossa sociedade, da nossa cidade, ou melhor, para que eles possam estar sempre expandindo essa cultura. A gente vê assim que todas as escolas elas trabalham, tanto da rede estadual quanto municipal elas trabalham com essa realidade. Eu estou falando da rede municipal porque é a rede que eu trabalho, a rede municipal. Então no município a gente faz assim, a gente trabalha com as crianças desde os três, quatro anos que ela está trabalhando isso, contando histórias, fazendo colagem do guaraná e descobrindo outras lendas, tem um dia pra contar cada dia da semana tem um dia pra contar uma lenda. Você pode contar duas vezes na semana ou quantas você quiser, o processo de trabalho é você que escolhe pra contar lendas e tudo mais. Então o que eu achei muito interessante contar foi uma lenda aqui bem típica daqui de Maués é a lenda do boto. Eu me interessei muito porque quando eu estava fazendo o normal superior nós tivemos assim uma disciplina que era pra gente também falar sobre um tema ba sala de aula que pudesse abranger tanto a nossa cultura quanto o aluno poder estar aprendendo algum conteúdo, tanto de matemática, quanto de português, ele já ia conhecer a história da cidade, ia conhecer na geografia o espaço onde se passou. Então eu achei muito interessante que quando eu estudei no normal superior essa disciplina eu mandei fazer assim umas cartas bem grande do boto, do Anselmo, um cartas muito lindo que eu mandei um artista pintar, um artista bem conhecido de Maués, que é o Alcinês Pimentel. Ele pintou assim umas cartas bem grande do Anselmo, a ponta da maresia e a canoa, né? Porque o Anselmo é uma lenda mesmo de Maués, é uma lenda de Maués a lenda do Anselmo. Então esse mesmo papel que eu fiz no normal superior eu levei pra sala de aula. Então foi muito aproveitado, por quê? Porque as crianças puderam conhecer e elas se maravilharam com o cartaz que eu tinha apresentado e elas não conseguiam entender aquilo, sabe? Antes quando elas só haviam visto ainda o cartaz elas não conseguiam entender. Então depois eu fui e contei a história do Anselmo, que falava assim: que o Anselmo na sua infância ele era assim um menino assim cheio de mistérios. Ele cresceu cheio de, como que eu posso dizer, é coisas assim, como eu posso dizer o nome pra isso que ele advinha, assim esse negócio de adivinhação, essas coisas assim, mexe com essas coisas aí de adivinhação. Então ele era isso, ele era um curandeiro também, ele sabia curar picadas de cobras, sabia mexer. Falava os antigos que ele amansava os animais, que ele fazia adivinhações. Que se ele quisesse assim colocar fogo só pelo pensamento num local ele fazia. Então essa era a lenda do Anselmo. Então o Anselmo todas as vezes que aparecia assim ele tinha uma casa. Ele morou em Maués, mas aí também tinha uma casa aqui na Vera Cruz. Então ele sempre quando adoecia alguma pessoa eles chamavam o Anselmo pra curar, chamavam o Anselmo pra benzer, chamavam ele pra essas coisas típicas de interior de curandeiro. E ele foi crescendo nisso. Com isso, ele foi se tornando conhecido das pessoas por ele ter esse lado dele, esse lado típico dele, esse lado. Uma coisa que já nasceu com ele. Então, mas isso foi comprovado pelas pessoas que, inclusive minha mãe, não; minha mãe não, a minha avó teve o prazer de conhecer o Anselmo. Então a lenda dele a parte mais importante foi assim que ele vinha da Vera Cruz, e quando chegou bem em frente da ponta da maresia, ele vinha de canoa de lá, ele sempre usava um chapéu, roupa de pescador, aquela roupa que o pecador usa: chapéu, camisa de mangas cumpridas, calça cumprida. Então ele vinha de lá e quando chegou bem em frente daí da ponta da maresia dizem que ele caiu, foi encantado por uma cobra grande, e as pessoas dizem que ele virou uma cobra grande que metade do corpo é de homem e metade, é que nem a sereia, metade é peixe. Então ele tem isso. É uma lenda mesmo daqui da cidade e foi encontrado dele apenas a canoa, o remo, o chapéu foi encontrado. Nunca mais encontraram o corpo dele, ninguém...Ele só vinha em sonhos, ou como dizem os antigos, ele só aparecia para as pessoas assim, as pessoas tinham uma visão e aparecia na ponta da maresia. E dizem também as pessoas do interior, ou então nossos antigos falavam, que quando era tempo de festa o Anselmo subia de terno branco, de calça branca e chapéu branco. Ele subia pra dançar com as mulheres nas festas do interior. Então quando aparecia nas festas aquele homem todo bonito, que dizem que ele era muito lindo, aparecia aquele homem de terno, calça branca e chapéu, aí todo mundo sabia que era o Anselmo que ia encantar as mulheres, as mulheres se apaixonavam por ele. Então hoje ainda existe assim em forma de lenda. As pessoas dizem que ele aparece na ponta da maresia também e tem gente que tem medo de ir na ponta da maresia de madrugada ou então meio-dia, seis horas ninguém vai quase assim as pessoas que acreditam na lenda, as pessoas que acreditam nisso elas não vão porque têm medo do Anselmo se aparecer pra elas.
P- E você acredita na lenda?
R- É, foi uma lenda que foi contada por nossos avós, por nossos pais, não sei se eu acredito na lenda, mas eu conto a lenda. Eu fico expandindo essa cultura. Eu sei que é uma lenda, eu sei diferenciar lenda, então da realidade. Eu tenho que também passar isso para que a nossa cultura nunca morra, nunca acabe, mas eu não sei. Mas eu fiquei muito assim quando eu contei, quando eu comecei a trabalhar mesmo em cima da lenda então eu fiquei muito impressionada com a lenda do Anselmo. Eu trabalhei mesmo com ela em sala de aula, mostrei tudo pra eles. Então da palavra “Anselmo” as crianças que estavam dando as sílabas puderam aprender algumas sílabas da palavra, do nome “Anselmo”, o nome “maresia”, né, então vieram daí muitas coisas para eles aprenderem em sala de aula, muitos conteúdos. Foram variados os conteúdos. Então eles aprenderam, alguma coisa ficou porque eles gostaram muito. No final da aula eu passei assim um trabalho pra eles. Eu tirei assim as xerox, né, do desenho do Anselmo para eles pintarem, do Anselmo metade homem, metade cobra. Então eu tirei pra eles e eles gostaram muito. Eu também gostei muito do meu trabalho contar a história do Anselmo.
P- E você podia contar a lenda da tucandeira?
P- Da tucandeira? A lenda da tucandeira eu não sei assim tanto te contar porque essa lenda eu ainda não contei, mas o que eu posso identificar da lenda da tucandeira é que nas tribos indígenas a lenda da tucandeira ela era usada pra identificar a idade, a passagem do adolescente, da adolescente, para a fase adulta. Então nas tribos indígenas o pajé quando os meninos estavam ficando já na fase adulta, os rapazes estavam ficando na fase adulta, eles pegavam e colocaram as tucandeiras, que são formigas bem, eu nunca assim tive, mas são formigas que ferram bem doído mesmo. Então eles colocavam assim dentro tipo uma luva feita de palha, alguma coisa tecida por eles mesmos, então quando era época de um rapaz festejar 15 ou 18 anos eles colocam a mão do rapaz dentro daquela luva, para que ele possa agüentar as dores da tucandeira pra que ele possa se tornar um rapaz forte e corajoso. Se ele não colocar a mão dele naquela luva ele não é um rapaz corajoso por que quem é que vai arriscar, quem é que vai querer? Eu não ia querer fazer isso colocar o meu filho pra fazer isso, deixando a tucandeira ferrar e várias, ferrar na mão do meu filho, mas é uma cultura deles, e tem que ser respeitada. É uma cultura que existiu e ainda existe com certeza em algumas tribos e é isso: era a passagem. É como se festejam os 15 anos de uma adolescente e os 18 anos de um rapaz. Então a lenda da tucandeira ela vem simbolizar essa passagem da juventude que eu sei.
P- Pra terminar Paula, eu gostaria que você dissesse pra gente como é que foi o que você achou de ter contado um pouco da história da sua vida aqui pra gente?
R- Eu acho assim que é importante a gente contar pra você, por exemplo, pra muita gente que não conhece. Esses meninos que vieram fazer esse trabalho junto contigo, não conheciam e agora eles vão conhecer um pouquinho da nossa cultura. A cultura de vocês é uma e a nossa é outra bem diferente. Então eu acho importante contribuir com a expansão da nossa cultura. Então isso foi válido porque assim como eles estão sabendo outras pessoas também vão ter acesso a isso, vão poder conhecer, e vão querer também ficar na curiosidade de saber que lugarzinho é esse, que cidadezinha é esse, que local é a região norte, o Amazonas que é cheio de lendas, cheia dessa cultura mesmo de lendas, de mitos e tudo mais. Sempre tem uma lenda pra explicar uma cidade. E a lenda que explica a nossa cidade é a lenda do guaraná, é a lenda do cereçaporanga e o mito do curumim. Então eu acho importante isso a minha contribuição para que vocês possam também contribuir com o conhecimento da nossa cidade, da nossa cultura.
P- Paula, eu agradeço muito a sua entrevista, muito obrigado.
R- Obrigado também.
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