P/1- Depois eu te deixo os meus contatos pra, se surgir alguma dúvida, ficou com alguma coisa na cabeça.
R- Tá bom.
P/1- Então, vai ser um prazer. Eu agradeço, em nome do Museu da Pessoa e da Trip, você ter concedido essa entrevista pra gente. Vai ser muito importante pro acervo do Museu. Vai ser mais uma história que vai estar lá, e não ‘mais uma história’. Uma história única que vai estar lá, se somando com o acervo de cerca de vinte mil histórias que o Museu tem. Então, gratidão.
R- Eu me sinto muito agradecida pelo convite de vocês. Eu digo que eu estou até um pouco nervosa porque, (riso) quando eu conversei com Ana, a gente conversando, assim, de como seria o bate-papo, e pelo aspecto, eu disse: “Daqui a pouco, é praticamente uma terapia, né? Porque (risos) vai se aprofundar sobre questões da minha infância. Não se aprofundar mesmo, mas de saber e tudo. Aí, eu fiquei... Eu sou um pouquinho tímida. (riso)
P/1- Você vai ver que vai ser uma experiência inesquecível pra mim e pra você.
R- Tá certo. (risos)
P/1- Sabrina, eu vou pedir pra você fechar um pouquinho os olhos e entrar em contato... Quer dizer, voltando no seu passado, vendo imagens desse seu passado, tente chegar na imagem mais antiga que você tem sua, da infância. Pode ser desde o seu nascimento. Aquela imagem que ficou na sua cabeça.
(silêncio)
P/1- Respira. Vamos voltar devagar.
(silêncio)
P/1- Sabrina, qual é o seu nome completo?
R- Sabrina Castro Santos.
P/1- Qual é o seu local e data de nascimento?
R- Eu nasci aqui em Salvador, soteropolitana. Nasci em 29 de setembro de 1993. Salvador, Bahia.
P/1- Salvador, Bahia. Epa! Qual foi a imagem que te veio, que te surgiu nesse exercício?
R- Quando eu morava com a minha mãe. E, quando ela trabalhava, ficava eu e as minhas duas irmãs em casa. Ai, eu vou chorar. (choro) Desculpa, é porque...
P/1- Imagina. Sabrina, está eu e você.
R- Tem muito tempo que... Eu acho que eu, as minhas duas...
Continuar leituraP/1- Depois eu te deixo os meus contatos pra, se surgir alguma dúvida, ficou com alguma coisa na cabeça.
R- Tá bom.
P/1- Então, vai ser um prazer. Eu agradeço, em nome do Museu da Pessoa e da Trip, você ter concedido essa entrevista pra gente. Vai ser muito importante pro acervo do Museu. Vai ser mais uma história que vai estar lá, e não ‘mais uma história’. Uma história única que vai estar lá, se somando com o acervo de cerca de vinte mil histórias que o Museu tem. Então, gratidão.
R- Eu me sinto muito agradecida pelo convite de vocês. Eu digo que eu estou até um pouco nervosa porque, (riso) quando eu conversei com Ana, a gente conversando, assim, de como seria o bate-papo, e pelo aspecto, eu disse: “Daqui a pouco, é praticamente uma terapia, né? Porque (risos) vai se aprofundar sobre questões da minha infância. Não se aprofundar mesmo, mas de saber e tudo. Aí, eu fiquei... Eu sou um pouquinho tímida. (riso)
P/1- Você vai ver que vai ser uma experiência inesquecível pra mim e pra você.
R- Tá certo. (risos)
P/1- Sabrina, eu vou pedir pra você fechar um pouquinho os olhos e entrar em contato... Quer dizer, voltando no seu passado, vendo imagens desse seu passado, tente chegar na imagem mais antiga que você tem sua, da infância. Pode ser desde o seu nascimento. Aquela imagem que ficou na sua cabeça.
(silêncio)
P/1- Respira. Vamos voltar devagar.
(silêncio)
P/1- Sabrina, qual é o seu nome completo?
R- Sabrina Castro Santos.
P/1- Qual é o seu local e data de nascimento?
R- Eu nasci aqui em Salvador, soteropolitana. Nasci em 29 de setembro de 1993. Salvador, Bahia.
P/1- Salvador, Bahia. Epa! Qual foi a imagem que te veio, que te surgiu nesse exercício?
R- Quando eu morava com a minha mãe. E, quando ela trabalhava, ficava eu e as minhas duas irmãs em casa. Ai, eu vou chorar. (choro) Desculpa, é porque...
P/1- Imagina. Sabrina, está eu e você.
R- Tem muito tempo que... Eu acho que eu, as minhas duas irmãs ficamos sozinhas conversando como a gente fazia antigamente. E era muito divertido, porque a gente dava muita risada. Eu acho que (risos) foi o que me lembrou.
P/1- Sabrina, os seus pais são de Salvador?
R- São.
P/1- Onde eles nasceram, o seu pai e a sua mãe?
R- Aqui mesmo, em Salvador. Local exato eu não sei, mas são de Salvador mesmo, assim como eu.
P/1- Seu pai e a sua mãe?
R- Isso.
P/1- E seus avós maternos e paternos?
R- Também.
P/1- Toda a sua família é Salvador, Salvador?
R- É, todos são daqui. Só de parte de pai que eu conheço mais um pouco que aí, uma parte... A minha bisavó que é de Alagoinhas, daqui da Bahia.
P/1- Como é o nome do seu pai?
R- Ilton.
P/1- E o da sua mãe?
R- Rosângela. Mas a gente chama de Rosinha.
P/1- A sua mãe, a família dela... Você conheceu os seus avós, por parte de mãe?
R- Só a minha avó. O meu avô, quando eu nasci, já era falecido.
P/1- E essa sua avó, como é o nome dela?
R- Dinalva.
P/1- Você tem lembranças dela? Que lembranças você tem dela?
R- Muito pouco. Porque a minha mãe e ela tiveram uma relação conturbada, após a primeira gravidez da minha mãe, aí eu acabei não tendo tanto contato no decorrer da minha vida. Eu tenho contato mesmo é com a minha avó paterna. É com quem eu moro hoje e [morei] na maioria do período da minha vida.
P/1- E por que foi uma relação conturbada? Começou com a sua mãe?
R- Com a minha mãe e a minha avó, por conta da gravidez. A minha avó não tinha aceitado a primeira gravidez dela. Então, chegou e a expulsou de casa, e ela foi buscar a vida. Como o meu avô tinha deixado uma casa para os filhos – porque eu tenho mais dois irmãos –, a casa seria para os filhos, a minha mãe foi morar nessa casa. Dividiu, no caso, a casa com o meu tio. E a gente morava nessa casa, próximo daqui, onde eu moro hoje, também.
P/1- Com quantos anos a sua mãe teve esse filho que a sua avó... Da conturbação da sua avó e da sua mãe?
R- ... Não aceitou? Foi com dezessete, dezoito anos.
P/1- Mas aí a sua mãe se casou com o pai da criança? Não?
R- Não. Eu não tenho muito acesso a essa história. Mas é como se fosse o primeiro namorado da minha mãe, que não deu certo. Ele não assumiu a minha irmã, Samanta, que é a mais velha. Aí a minha mãe já não tinha uma vida, uma adolescência plena, porque ela tinha que trabalhar. Ela deixou a escola, tudo em função do trabalho, por conta da situação da época. Porque como o meu avô tinha falecido, que era quem dava o sustento, ela era mais jovem, ela teve que trabalhar pra poder ajudar em casa, quando ela morava ainda com a minha avó. E depois que ela engravidou, a minha avó não aceitou e a colocou pra fora de casa.
P/1- E aí, a sua mãe, como é que ela conheceu o seu pai? Você sabe?
R- Não. Não sei direito, né, porque como a gente morava próximo de onde eu moro hoje, que é aqui com a minha avó ________ (07:56), o bairro da Liberdade... Bairro, o quê! É uma rua da Liberdade, em Salvador. E a minha avó paterna, a mãe de meu pai, mora aqui há uns, quase, quarenta anos. A minha mãe morava em uma rua próxima daqui, então, no decorrer aqui da região, eles acabaram se conhecendo. Mas, direito, a história, eu não sei, porque a separação também não foi uma coisa muito boa. E eu não tenho muitas lembranças boas do momento que o meu pai e a minha mãe moravam juntos. Então, eu nunca tive muita curiosidade para entender como eles se conheceram.
P/1- Mas quanto tempo? Você é filha única desse casamento ou você tem outros irmãos?
R- Não. Eu tenho outra irmã, Samanta.
P/1- Samanta é mais velha ou é mais nova?
R- Mais nova que eu.
P/1- Está dando umas falhadas no som.
P/2- Aqui, pra mim, não está.
P/1- Não? Pra mim está entrando com delay. Então deve ser a minha internet. Será?
P/2- Talvez.
P/1- Tá bom. Então, vamos seguir. Sabrina, quando os seus pais se casaram, onde eles moravam? Que bairro, quando você nasceu?
R- Aqui mesmo, na Liberdade. Nunca saí daqui. Minto! A minha mãe, depois de um tempo, foi morar no Tororó, em Nazaré. E eu morei um tempo com ela, mas depois eu retornei, pra morar com a minha avó.
P/1- Como era o bairro da Liberdade, quando você nasceu? Muito diferente de hoje?
R- Muito. É porque a arborização vai modificando. Mas, não tanto. Eu falo muito por conta das tecnologias que vão colocando no lugar. Mas, como eu sempre morei aqui, eu tenho lembranças de brincar numa praça que é aqui em cima. E ela não se transformou tanto. Eu acho que foram crescendo mais comércios na Liberdade, aqui. E, na praça, foi restaurando os brinquedos por conta das crianças, a quadra. Mas não houve uma mudança tão significativa.
P/1- Sabrina, essa sua avó morava com vocês? Morava perto?
R- Isso, a minha avó morava perto da minha mãe, e até hoje ela mora aqui. E desde pequena ela é suporte pra mim e pra minha família. (choro)
P/1- E essa sua avó, vocês ficavam muito com ela, quando eram pequenos? A sua mãe trabalhava?
R- A minha mãe era vendedora ambulante, e nem sempre ela tinha como ficar com a gente. E a minha avó era quem ajudava, e ajuda até hoje.
P/1- E que lembranças você tem dela, na infância? Ela contava histórias? Como que ela era com vocês?
R- A minha avó é mais... Mais rígida. Ela costuma dizer que o carinho dela... Ai, eu vou chorar muito.
P/1- Chora.
R- Deixa eu me recuperar.
P/1- É normal, Sabrina. Super comum chorar. Porque a gente vai entrando com emoções muito profundas, nossas.
R- Ela não é um tipo de pessoa super carinhosa, de botar no colo, de ‘dengar’. Mas é o tipo que está presente quando você precisa, está sempre dando conselho, falando. E sempre atenta às situações que a gente está passando, no caso. No dia a dia, pra não passar nada despercebido, ela fica bastante atenta pra dar conselhos e ‘cai junto’.
P/1- Sabrina, você lembra de coisas, de brincadeiras da infância sua? Onde você brincava?
R- Eu brincava muito aqui na praça, tenho muitas lembranças.
P/1- Quais? Conta, assim. Conta uma.
R- Comigo e com meus amigos aqui da região, mesmo. A gente pegava umas bexigas, comprava, e enchia de água. E saía correndo por todo o _______ (13:34), brincando de um tentar acertar o outro, descalço, e o sol quente. Muito, muito divertido. E eu ria tanto, meu Deus do céu! Com todo mundo. Porque era muito engraçado você tentar acertar e acabar caindo no chão e ir correndo encher uma, porque tinha que acertar outra pessoa. Muito, muito divertido. (risos) Foi muito divertido.
P/1- Sabrina, e na sua casa, quem exercia a autoridade? O seu pai ou a sua mãe?
R- Eu não tenho... Como eu convivi com eles até os meus, se eu não me engano, sete, oito anos, eu não tenho lembrança de quem, realmente, era autoritário. Mas eu tenho lembranças de minha mãe, como quem supria toda necessidade. De demandar... Quer dizer, de suprir as necessidades de casa, de comida, e de mandar a gente fazer algumas coisas. E minhas irmãs de lavar os pratos, arrumar a cama. Sempre assim, era a minha mãe, de situações. Eu lembro, às vezes, quando ela estava trabalhando e a gente ficava lá com alguma vizinha olhando a gente. Ela deixava pra gente lavar os pratos e ninguém lavava, né? Aí, quando a gente via, sabia que ela estava chegando, dava o horário, a gente ia correndo pra se dividir, pra alguém lavar os pratos. Pra, senão... Ela não chegar e ficar falando.
P/1- E a sua mãe, quando você era pequena, já era ambulante?
R- Já. Agora ela não é mais, ela tem uma lanchonete lá onde ela mora.
P/1- E ela era ambulante, o que ela vendia? Onde ela vendia?
R- Vendia roupas. Ela produzia algumas. Hoje não está na moda essas peças super coloridas, feitas de tintol? Então, ela vendia: saídas de praia, roupas de idosos, para dormir, vestidos mais soltos de praia também.
P/1- E onde ela vendia?
R- Na Avenida Sete, que é próximo de onde ela mora hoje, no Centro da cidade – o Centro antigo.
P/1- Mas, você ia com ela? Você tem lembrança de ir com ela?
R- Tenho. Eu ia mais dia de sábado. Aí a gente ficava lá, andando por toda a rua, falava com todo mundo. Ela levava a gente pra falar com um a um dos colegas. As pessoas que tinham loja também, que guardavam as roupas, os caixotes que ela guardava as roupas mesmo e colocava na loja. E aí tinha uma relação com o dono, pra deixar... E ia apresentando, ia em cada loja. Porque a minha mãe é muito divertida, de... como é, meu Deus? Extrovertida. Brincalhona demais, que fala com todo mundo. Aí ela sempre fazia isso com a gente, comigo e com a minha irmã.
P/1- E ela que fazia as roupas?
R- É, algumas. Outras ela comprava, mesmo, desses mercados que vendem. Não sei se hoje ainda tem, deve ter. E comercializava, ela mesma.
P/1- E o seu pai, o que ele fazia?
R- O meu pai era segurança de... Não sei de onde. (risos) Mas ele trabalhava como segurança, até hoje trabalha nessa função.
P/1- E na sua casa, quem cozinhava? O que vocês comiam?
R- Em casa, quando eu morava com a minha mãe, era ela quem cozinhava, mesmo. Feijão, eu acho que a gente mais comia feijão. Feijão, arroz, ovo, as carnes no feijão. Eu tenho lembrança mais de comer feijão. E, no café, como até hoje a gente tem costume, era muito pão, pão e suco de caixinha... De caixinha não, tipo Tang, a gente tomava muito. (risos)
P/1- Sabrina, vocês tiveram algum tipo de formação religiosa?
R- É uma mistura aqui na minha família. Porque a minha família por parte de mãe, a maioria é Testemunha de Jeová, que são os meus tios. Só um tio, na verdade, que é Testemunha, e a minha mãe, mas não frequenta. E a minha vó, porque eles, meu tio e minha avó, são os que mais frequentam. E, já da parte paterna, que é a que eu tenho mais contato, minha avó começou como... Começou! Começou a partir da minha visão, né, do que eu conheço. Ela era do candomblé e depois se tornou evangélica.
P/1- E você chegou a conviver com esse lado, com o candomblé?
R- Não, porque ela não levava, mesmo. Eu acho que o meu pai também nunca foi muito... Nunca gostou muito disso. Ele era mais chegado pro lado da parte da Testemunha de Jeová, mesmo. Até hoje ele tem um pouco dos ensinamentos de lá.
P/1- E por que a sua avó saiu do candomblé e foi pra Testemunha de Jeová?
R- Não, ela foi ser evangélica.
P/1- Por que ela foi ser evangélica e saiu do candomblé?
R- Porque ela não se sentia mais bem, achava que estava sendo enganada. E acho que as necessidades que ela buscava mais, ali, não estavam comportando. Porque, às vezes, a gente utiliza as coisas que a gente tem e depois se dá conta de que não é o que realmente a gente é. Depois a gente vai se transformando. Eu acho que meio que aconteceu isso com ela. Ela viu que não estava mais de acordo com os desejos dela no momento, que não estava agradando.
P/1- E você é evangélica?
R- Não, mas eu já fui. Nos meus dez, onze, até os dezesseis anos. Acho que eu comecei com dez, mas até os dezesseis, dezessete anos, eu frequentava a igreja aqui, próximo de onde eu moro, a Igreja Batista. E depois eu também me dei conta de que realmente não era o que eu queria, o que eu gostava, e fui me afastando mais de lá. Foi no período também que eu fui morar com a minha mãe, aí eu deixei de ter contato, com a frequência que eu tinha, no culto. Eu dançava, fazia coreografias no grupo de dança. E depois fui me afastando.
P/1- Sabrina, o bairro que você mora é um bairro de população negra?
R- É. Majoritariamente de pessoas negras. É quem você encontra, aqui, no dia a dia.
P/1- E vocês participavam, tem alguma festa, alguma comemoração especial aí no bairro, ou em Salvador mesmo, que você e sua família participavam?
R- Que é a independência do...
(tela travada)
P/1- Está dando uma travada.
P/2- É, agora deu uma travada. Sabrina, você está ouvindo a gente?
R- ‘Tô’. Você está me ouvindo?
P/2- Agora voltou. Só repete essa última parte, por favor.
P/1- Você pode repetir, Sabrina? Eu perguntei se vocês frequentavam, se tinha alguma festa, tanto na Liberdade, ou mesmo em Salvador, que vocês frequentavam.
R- Tem, sim. Aqui na Liberdade, na Lapinha, no bairro da Lapinha – que é muito próximo à Liberdade, colada, praticamente –, tem em dois de julho, que comemora a independência do Brasil na Bahia. E eu tenho lembrança da minha infância, de eu ir com o meu pai, muito, pra esses desfiles, que é um momento em que a população, as escolas juntam as fanfarras. A população vem em peso pra acompanhar as fanfarras e fazer manifestações também, de coisas que não está agradando no governo, o que está faltando no bairro. Tudo caminhando até o Pelourinho, daqui da Liberdade até o Pelourinho.
P/1- Sabrina, e essas festas grandes que têm em Salvador, Lavagem do Bonfim... Essas festas mais ecumênicas, ou africanas?
R- Não.
P/1- Vocês tinham algum contato? Você tinha algum contato?
R- Minha família, mais, tinha. Mas eu não, não tinha muito costume de ir. Acho que por conta da idade. E lá acaba sendo um lugar muito pequeno. Acho que eles evitavam me levar. Mas eu escuto muitas histórias de minha avó falando de quando ela ia pra Lavagem do Bonfim, que era na época, também, que ela era do candomblé. Mas ela não fazia parte da celebração, só acompanhava mesmo. E ela conta com grandes lembranças como o meu avô – que já é falecido, de parte de pai – era divertido e tal. Mas não que eu fosse, mesmo... De quão religioso e mais voltado pra população negra, de acordo com as suas religiosidades.
P/1- Sabrina, com quantos anos você entrou na escola?
R- Não lembro. Acho que foi com seis, seis anos. Eu me lembro com seis, eu acho. Eu comecei a estudar numa escolinha, na igreja que, depois, eu comecei a frequentar. Mas antes ninguém tinha contato com a igreja, em si. Uns cinco, seis anos, foi onde eu fui alfabetizada, nessa escola, aqui próximo. Tudo próximo.
P/1- Sabrina, e o que você gostava, o que você mais gostava na escola?
R- Acho que da hora do lanche, até hoje. Não, mas eu tenho uma lembrança. Eu faço História, e estava trabalhando até antes da pandemia – estagiando, na verdade, na escola. E eu, no momento do lanche... Porque tem um cheiro, eu não sei o que é. Todo dia eles levam diferentes coisas, mas toda vez que eu sentia o cheiro do lanche, eu lembrava de quando eu era menor, que eu estava reunida também com os meus colegas de sala e a gente, tipo, juntava as comidas, trocava. Acho que era mais esse momento, mesmo, que eu tenho lembrança. E aí, na escola que eu trabalho, o cheiro me remetia àquele momento.
P/1- Sabrina, e você tinha amigos na escola?
R- Tinha, em uma escola. Depois, já com uns oito anos, que eu acho que é mais fácil de eu lembrar, eu tinha uma amiga. Na verdade, eu tinha duas amigas, andávamos nós três juntas. Mas eram com quem eu andava mesmo, porque o resto não era tão próximo a mim. Eu nem lembrava muito disso, porque eu só tenho lembrança, mesmo, de duas amigas de escola, pequenas, mesmo.
P/1- E das professoras, tem alguma que te marcou? O que você gostava de estudar?
R- Eu gostava de História, sempre gostei. E a lembrança que eu tenho é da Professora Isaura. Ela era muito rígida, muito, muito, muito rígida. Nunca estava sorrindo. Sempre fazia aquelas sabatinas sobre as coisas. Eu acho que era na primeira ou segunda série, que ela fazia sabatina. E eu sempre odiei Matemática, e até hoje – acho que é dessa época – eu tenho uma aversão muito grande à Matemática. Pode perguntar, eu não lembro muita coisa dela.
P/1- Sabrina, quando você descobriu e entendeu que você tinha vitiligo?
R- Nossa, é muito recente. Tem... Em 2020 tem cinco anos. Cinco, seis anos, que eu desenvolvi vitiligo.
P/1- Não era uma coisa que... Não vem desde criança?
R- Não, não é da minha infância, eu descobri já bem velha, já estava trabalhando. Foi na época do trabalho. Eu estava sofrendo muita pressão, e aí, é por estresse. O vitiligo que eu tenho é por estresse. Acho que o corpo não estava bem e foi uma forma de dizer que não estava legal, que eu precisava me cuidar. E nasceu, era uma manchinha aqui, assim, bem pequenininha mesmo, que nem notava. Aí minha avó, que eu sempre morei com ela, falou: “Você tem que ir no dermatologista, ver o que é isso”, não sei o que”. E, quando eu fui, a primeira dermatologista me disse que eu estava com dermatite. Passou pomada, tratamento, remédio, e nada. E o negócio foi aumentando, porque eu estava estressada, sem saber o que era. E os remédios não estavam dando jeito, a pomada não estava dando um jeito. Depois a minha avó: “Não, a gente tem que ir na outra dermatologista, pra ter certeza do que é”. Foi quando a gente foi em outra dermatologista... Porque aqui já no canto da minha boca, mesmo, aumentou, ficou tipo um solzinho aqui. Tanto que, no início, eu até achei que era marca de sol, que eu tinha tomado alguma coisa, caído alguma coisa, e tinha queimado bastante, porque ficou claro. Porque não era tão branco, era bem clarinho, só. Aí, quando eu fiz biópsia é que viu que a pele era de vitiligo. Quando eu descobri que era vitiligo, que aí o meu rosto todo... Isso aqui, até a metade aqui, até a parte dos meus olhos, depois subiu e essa região aqui em cima da minha sobrancelha que ficou. Aí, depois eu fui fazer – acho que eu estou falando demais – terapia, porque estava muito difícil. Eu chorava muito, eu chorava no trabalho, e sempre achava que as pessoas estavam olhando pra mim no ônibus e eu não me sentia confortável com isso. Aí, na mesma dermatologista que descobriu que eu estava com vitiligo, passou outra pomada, eu comecei a fazer o tratamento. E depois de um tempo [foi] que eu tive contato com uma fotógrafa baiana, a Helen Salomão, que estava chamando mulheres negras para serem fotografadas. Aí, conversando com ela, as fotos depois que eu vi, que eu me senti muito à vontade, me senti bonita, vi que eu era bonita, aí é que eu fui, mais, relaxando, e vi que era só mais uma característica de quem eu era. Não define quem eu sou, nem me deixava feia. E disse: “Eu sou bonita, mesmo, (risos) independente de ter ou não vitiligo”. Porque como é por estresse, ele diminui. Como eu falei, ele estava até essa região aqui dos meus olhos, até a boca, essa parte que ainda tem. E agora foi pigmentando de novo, porque eu entendi que eu sou assim.
P/1- Como você conheceu essa fotógrafa?
R- Pelo Facebook. Ela tinha colocado um anúncio convidando as mulheres negras, que ela estava com um projeto de cem mulheres negras. A gente foi pra um bairro aqui, próximo, o Santo Antônio, pra poder tirar as fotos. E depois de tirar as fotos, que ela me mandou, que ela conversou comigo, que eu tinha dito que eu não me enxergava do jeito que as fotos estavam mostrando, ela foi muito atenciosa também em conversar comigo sobre isso, de quanto eu era bonita, que as fotos, na verdade, eram só um reflexo nosso. E acho que foi isso. Quando eu vi as fotos, eu: “Caramba, que eu estou bonita. Sou eu mesmo?” Fiquei toda besta.
P/1- Vamos voltar um pouquinho. Bastante, bem antes do vitiligo. A gente estava falando da escola. E como era a relação do seu pai com a sua mãe, quando você era pequena, em casa?
R- Complicadíssima. Porque os meus pais, como eu falei, se separaram, eu [ainda] era pequena. Mas o meu pai agrediu a minha mãe, aí a minha mãe resolveu se separar. Depois que ela decidiu se separar, ele ainda tentou agredi-la, tanto que a minha relação com ele, hoje, não é tão boa e profunda, justamente por conta desses eventos. E eu sinto que ele nunca exerceu o papel de pai, mesmo, sempre deixou para que minha avó fosse responsável pela responsabilidade dele.
P/1- O que é o “papel de pai” que ele não exercia?
R- É de estar presente, ajudar, escutar. Eu acho que suprir as necessidades físicas, de alimento. Mas eu acho que isso acaba até sendo secundário, porque como a minha avó sempre ajudou a gente nisso, o que importava mesmo seria ele estar presente nas situações. Por exemplo, eu não tenho muitas lembranças boas de quando eu estudava. E, às vezes, a minha avó determinava que ele – porque tudo era parte do que a minha avó falava – me ajudasse em algum dever, e que eu ficasse muito à vontade com isso. Porque ele acabava sendo mais agressivo comigo também por isso. Eu já cheguei a apanhar por momentos que eu não conseguia fazer, não sabia fazer.
P/1- Por que ele era tão bravo?
R- Não sei, eu não entendo direito a vida dele. Eu até acho que poderia ter sido reflexo de alguma coisa, mas, como ele foi criado com a mãe de minha avó, a minha ‘bisa’ [bisavó], eu achava que porque ele deve ser meio chateado com isso, por minha avó não ter estado tão presente como ele queria. Por conta da minha bisavó, que achava que a minha avó era muito nova pra tomar conta dele. Minha avó estava em outro casamento e ela não gostava do marido de minha avó, então decidiu-se que ele ia ficar com ela. Mas todas as lembranças... Porque apesar de eu não ter uma boa relação, eu já escutei muito dele falando sobre a minha bisa, quando ele morava com a minha bisa e as irmãs dela, e que ele sempre foi muito bem criado, muito bem cuidado. Minha avó, inclusive, fala que ele tem comportamentos com a casa, de cuidados com a casa mesmo... Porque como ele mora só, hoje, ela se surpreende, já que ele foi [criado com] um pensamento mais machista, por conta da educação de limpeza que, dentro de casa, ele tinha. E ele não reflete isso hoje.
P/1- Por que ele batia na sua mãe?
R- Não sei. Eu lembro de eu estar com uns cinco, seis, sete anos – seis anos, eu acho, que era quando a gente morava os três juntos, que a minha mãe já tinha pedido para se separar. E, por conta disso, por conta da separação, ele tinha ido lá onde a gente morava, e eu e minhas duas irmãs estávamos lá, nós três estávamos lá. E eu lembro dele pegar a minha mãe (choro) e jogar, assim, pra parede, a cabeça dela pra parede. E, depois, a gente ver, assim, o sangue saindo. Ela não... Graças a Deus não teve nada grave, mas... Se defendeu, também. Porque a minha mãe é uma pessoa muito, muito forte. Ela se defendeu. Ainda pegou uma faca e furou, assim... Não todo, mas pra que ele fosse, se afastasse. Ela chegou e bateu, assim, no braço dele, e foi quando ele parou. E a minha avó, que é a mãe de meu pai, como tudo é muito próximo, os vizinhos falaram. Ela foi pra lá, pra casa da gente, e incentivou a minha mãe a denunciar. Depois chegou, a minha mãe chegou e denunciou, mas... E depois ele meio que ameaçava. Mas depois que ela se mudou daqui, eles não se falam hoje, também. (choro)
P/1- Aí logo eles se separaram e a sua mãe é que saiu de casa?
R- É, na verdade, a casa era de minha mãe. A minha mãe foi embora, ele não morava mais lá, já estava morando em outro lugar, eu acho que estava morando no Uruguai.
P/1- Mas vocês não foram com a sua mãe?
R- A gente ficou com a minha mãe, a gente morou.
P/1- Você e as suas irmãs?
R- Isso, aqui. Mas, depois de mais um tempo, de uns três, quatro anos, que ela se mudou, aí ela foi pro Itororó. Não a partir desse evento, que ela se mudou.
P/1- Aí vocês foram mudar no Itororó?
R- Não. Vou te explicar. Depois da briga, a gente ainda continuou morando com a minha mãe. Só que aí ___________ (41:59)
(Corte no áudio)
P/2- Vocês estão me ouvindo? Alô?
R- ... ficamos com a minha avó, a minha avó paterna, que está aqui.
P/2- Deu uma travada aqui no áudio pra mim. Você pode repetir esse trechinho, por favor, Sabrina?
R- Depois do evento, um ano e meio, mais ou menos, minha mãe precisou fazer uma cirurgia. Aí, no período que ela precisou ficar internada, eu e minha irmã viemos morar com a minha avó, aqui onde eu moro até hoje. E a minha outra irmã, que é filha do primeiro namorado de minha mãe, ficou com uma prima nossa, que morava bem próximo a casa, que era vizinha e prima ao mesmo tempo. Porque o lugar que a gente morava só tinha familiares, mesmo. E, depois de uns... Quando a minha mãe se recuperou da cirurgia, a minha avó achou melhor que a gente ficasse aqui com ela. Só que a minha irmã era muito mais apegada à minha mãe do que eu, aí eu acabei ficando aqui e a minha irmã mais nova, Samara, acabou indo, voltando pra casa de minha mãe lá... Aqui, onde nós estamos.
P/1- Quantos anos você tinha?
R- Eu acho que eu devia ter... Quando?
P/1- Quando você ficou morando com a sua avó.
R- Oito, nove anos.
P/1- E o seu pai vinha visitar vocês?
R- Vinha. E a gente ia pra casa dele também, lá no Uruguai.
P/1- E a sua mãe?
R- A minha mãe, a gente tinha uma relação mais próxima, porque, como ela continuou morando aqui até... Acho que quando eu tinha onze anos que ela se mudou, que aí ela conheceu o atual marido dela e aí foi pro Itororó.
P/1- E você, como é que você ficou? Como você viveu essa separação do seu pai e da sua mãe, dessa maneira?
R- Eu acho que... Eu não sei se eu tenho esse pensamento desde sempre, porque eu não tenho muita lembrança de como eu realmente me sentia pelo fato de eles estarem separados. Mas eu me sentia bem, porque não era uma relação muito boa. Então acho que, pelo fato de eles estarem separados, eu me sentia mais confortável em não ver certas situações de discussões.
P/1- E aí, quando passou o período do primário e você foi para o ginásio, como foi? Você adolescente? Você mudou de escola? O que mudou na sua vida?
R- Mudei de escola, cheguei a estudar em uma escola aqui na Soledade. Mudou muito, porque eu não conhecia ninguém na nova escola. Porque, como na escola antiga eu tinha minhas duas amigas... Na outra era muito mais gente, porque a escola era maior, inclusive, tinha pessoas de outros bairros. Era escola particular, aí eu não... Tanto que eu não tenho nenhum amigo do período dessa escola. E, depois dessa escola, eu fui estudar na escola pública, porque como o meu pai que pagava a escola, ele dizia que eu não estudava, então era melhor que eu fosse para a escola pública. E como era aqui próximo, eu tinha uma amiga. Mas na escola antiga eu não tinha muito contato com os meus colegas, eu tinha mais contato com a única menina, porque, como eu era muito tímida... Ainda sou, mas antes eu era bem mais retraída, e ninguém chegava muito pra falar comigo, porque... Eu não sei direito, (risos) [mas] eu acho que eu sei, também. Mas nunca tive muito contato. E, na escola pública, como uma colega minha já estudava lá, que era da igreja, que já era minha sexta série – então eu devia ter uns catorze anos –, aí eu ficava mais com ela. Lá eu me sentia mais à vontade. Eu acho que é porque também tinha pessoas mais parecidas comigo, com a realidade mais parecida comigo. Porque tipo, a outra escola era de pessoas muito... Que tinham mais dinheiro e tal. Então eu não era convidada pra aniversário, nem nada. E lá já tinha pessoas mais parecidas com a minha realidade, de não levar o lanche, que a escola dava o lanche; de casa mesmo, de pais mais separados, de morar com a avó. Tudo era muito próximo da minha realidade, então acho que eu fui mais feliz lá.
P/1- Eles... As outras pessoas não falavam com você, aí você falava: “Eu não sei por que, mas eu acho que eu sei”.
R- Eu digo que eu acho que eu sei porque, na escola, a maioria das pessoas eram brancas. Era uma escola onde muitas pessoas de dinheiro, mesmo, estudavam. Eu era bolsista, pagava um valor mais irrisório. E a maioria das pessoas, das meninas, dos meninos, tudo... Tipo, a minha farda era mais folgada, pra poder durar pra mais anos. O sapato era maior. E, tipo, eles iam todos muito bem arrumados. E o meu cabelo, na época, eu dava relaxante, mas eu andava com ele muito preso, também. E eles, por eu ser diferente mesmo... Nunca ouvi, porque a gente conhece muitas pessoas que sofrem de ouvir xingamentos, desaforo, eu nunca ouvi isso. Mas tem coisas que você não precisa falar, né, que o rosto, o olhar, já dizem muito. De não sentar perto, de ficar mais distante, de isolar, de não ser convidada para as festas quando a maioria da sala é convidado. E, tipo, eu ficava junto com uma menina que era negra também. Muito inteligente, meu Deus do céu! E muito... Tão tímida quanto eu. Mas era a parte mais isolada também.
P/1- Você sofria com isso que você percebia, esse preconceito?
R- Sofria. Porque você sente, você não entende. Depois, quando você cresce, que você percebe que você sofria por uma coisa que não é... Porque, de verdade, eu achava que é porque eu não tinha nada de interessante (choro) para as pessoas chegarem mais próximo de mim. Mas, quando você cresce, você passa a entender que tem pessoas que preferem ficar distantes, mas porque são ensinadas, são crianças que são ensinadas e que acabam ficando distantes e preferem não ter contato.
P/1- Aí, quando acabou esse período, que você mudou de escola e que você viu pessoas mais parecidas com você...
R- Foi. Eu fiquei muito mais à vontade. Porque, na época, acho que a maioria das pessoas usavam o cabelo de prancha, de ferro, escova, essas coisas. Mas tinha muita gente também que usava o cabelo natural, e que, por mais que eu fosse tímida, se aproximava de mim. Eu sei que a gente tem a proximidade de uma forma, com as pessoas, assim, que tem coisas em comum, mas, pra você descobrir se a pessoa tem coisa em comum com você, você precisa conversar. Eu sentia que as pessoas estavam mais abertas pra conversar comigo, pra falar comigo, perguntar mais sobre a minha vida. Tinha muito mais coisa em comum sobre a realidade que a gente vivia, do bairro, também. A maioria das pessoas moravam aqui. Moram ou moravam, não sei. Mas, na época, moravam aqui, próximo à escola, próximo à minha casa. Então eles tinham uma realidade muito mais próxima à minha.
P/1- E nesse período que você disse que estava nessa escola, que você sentia esse preconceito, coincidiu com o período que você ia na igreja evangélica?
R- Não, na época eu não estava na igreja, não frequentava nenhuma igreja, e também não frequentava o terreiro que a minha avó frequentava. Não tinha contato. Eu não tive contato, nessa época eu não tive contato com nenhuma religião. Eu nem ligava muito pra nada disso. Quer dizer, eu via por conta da minha avó, que ela dava caruru, tinha as imagens aqui. Eu achava legal, mas nunca me incluí, porque ninguém também me incluía, na época.
P/1- E quando você estava nessa outra escola, que você já estava com os teus iguais, o que você fazia fora da escola? Vocês passeavam? Quais eram os programas de adolescente?
R- Na outra escola, na que era escola pública, eu já estava na igreja, que aí eu já tinha uns catorze, quinze anos. Mas eu não saía muito com eles, saía mais com a minha amiga que era daqui, da igreja que eu frequentava. Era com ela que eu ia mais. E aí, o que eu fazia mesmo, era brincar aqui no largo, que ainda eram os meus amigos de infância. Acho que eu brinquei muito na rua, de correr, até os meus quinze anos, mesmo. Eu brincava mesmo, de sair correndo, com quinze anos, aqui. Não tinha muito essa ideia de ir pra shopping pra ir pra cinema. Tive mais contato... Toda vez que eu ia, que fui ao cinema, foi com alguém da minha família.
P/1- Sabrina, quando foi, assim, a sua primeira paixão? A primeira pessoa que você gostou?
R- Eu tinha treze anos. Não, minto. A primeira paixão... Tem sempre a paixãozinha da escola, que aí foi muito, muito tempo. Eu não sei como é que eu me lembro. É Mário, o nome dele. Eu acho que todo mundo da escola gostava dele, na época. Mas ele ficou com uma menina de lá. Aqueles beijinhos que a gente dá quando a gente é pequeno, né? (risos) E nunca deu muita importância pra mim. Mas, com treze anos, treze pra catorze, eu comecei a gostar de um menino na igreja, que foi quando eu estava na igreja. Eu namorei com ele por três anos, dos treze até os dezessete anos... De catorze até dezessete. Namorei por três anos. Ihh! Foi uma confusão pra eu conseguir namorar. Porque eu nunca fui de ficar escondendo muito, essas coisas. Eu cheguei ______(57:57) pra minha avó, e ela chegou e disse que eu tinha que falar com o meu pai e tal. E aí o meu pai não deixou. E aí ficou aquele drama adolescente, de que não podia se ver, não podia se encontrar. A gente só se encontrava no culto. Aí a minha avó conversou com o meu pai, falando que, como eu tinha conversado com ela, com ele, era melhor deixar, porque, enquanto estivesse ‘na nossa vista’ – na vista deles, no caso –, poderiam determinar até onde as coisas iriam, que eu não precisava fazer nada escondido.
P/1- E a sua mãe? Por que tinha que de pedir autorização pro seu pai? E sua mãe?
R- Minha mãe já... Um pensamento machista, né? Mas a minha mãe não foi consultada, realmente, ela só foi avisada que eu estava namorando. E, para a minha mãe, era um erro que não deveria acontecer, não deveriam permitir, porque eu estava muito nova, que eu tinha que focar em outras coisas. Aí a minha avó conversou com ela também... Falando, não pedindo autorização, só conversando e informando que era melhor que acontecesse, que a minha avó soubesse, que poderia controlar. Nesse período eu já estava mais afastada de minha mãe, e meio que, sabe, meio que sentia que ela tinha me deixado, porque ela tinha ido morar com o meu padrasto em outro bairro. Aí eu, de contato mesmo, até sentir vontade de estar perto, eu não queria. Tanto que na primeira menstruação eu fiquei com vergonha que ela soubesse, não queria.
P/1- Pra quem você contou, na sua primeira menstruação?
R- Pra quem eu contei?
P/1- Pra quem você contou?
R- Eu contei para a minha tia. Minha tia, na verdade, é tia de minha avó. Acho que é tia-bisa, porque ela era irmã de minha bisavó. E eu dormia com ela, porque ela não podia dormir sozinha em casa. Aí eu estava brincando aqui na rua, de perna aberta, aí um menino chegou pra mim e falou: “Ó, tá sujo aqui, viu?”. Aí eu fui correndo pra casa, joguei até a calcinha fora, porque eu fiquei com nojo, você acredita? Eu cheguei e fui correndo, pra poder falar com ela o que era. Mas, quem me explicou mais, foi... Quem conversou mais comigo foi a minha avó.
P/1- O que ela explicou?
R- Ela falou que era normal isso acontecer. Achou que era muito cedo, (risos) porque eu tinha dez anos. Dez? Onze anos. Que era muito cedo, mas que era uma coisa normal, que ela tinha, que a minha tia – que é a filha dela – tinha. E nada muito romântico, nem tão... Só dizer que todo mês ia acontecer.
P/1- Sabrina, e quando você foi crescendo, você tinha alguma coisa assim: “Quando eu crescer, eu vou ser tal coisa”?
R- Tinha. Eu dizia, quando eu era menor, que eu ia ser médica. Porque eu via, assim, na TV, que engrandecia a minha avó. Todo mundo sempre engrandeceu tanto a profissão, que eu dizia que ia ser médica. Até uns quinze... Eu não sei direito quando foi que eu mudei, não, mas, pequena, eu sempre quis ser médica. Aí depois, no ensino médio, eu entendi que a realidade era muito mais diferente. Porque aí, já no ensino médio, eu ganhei uma bolsa também pra estudar na escola bem... Coladíssima aqui em casa. Aí eu entendi que, com a minha realidade econômica, não daria pra isso acontecer. Ainda o curso ser o mais concorrido aqui nas faculdades públicas... Se fosse em uma particular eu não teria condições, porque, de qualquer jeito, eu ia ter que trabalhar. Aí larguei. E anda bem que larguei. (risos) Porque eu percebi, com o tempo, agora, mais velha, que se eu visse sangue de verdade, nunca vai... Nunca ia dar certo.
P/1- E aí você largou. Qual era o seu plano?
R- Aí eu pensei que eu tinha que fazer alguma coisa que me desse... Que eu pudesse... Na escola sempre dizem que a gente tem que buscar o que a gente gosta. Então, eu pensei: “O que eu vou, o que eu gosto? E o que eu consigo fazer, se eu não tenho dinheiro? Se eu não vou poder pagar?”. Apesar de que, na época, tinha, naquela época ainda tinha os programas do governo que era o ProUni [Programa Universidade para Todos].
P/1- Que ano era esse, Sabrina?
R- Era 2011. Foi logo quando eu me formei. E ainda tinha o ProUni, que estava bombando, então: "O que eu posso fazer? Porque, se eu não conseguir pagar, eu consigo uma bolsa”. E aí eu decidi que eu gostava de História e eu iria fazer. Mas a minha família achava melhor que a gente fizesse... Sou eu, que mora com a minha avó, e meu primo, o Mateus. A gente chegou... A gente tem praticamente a mesma idade também, ele tem 25, eu tenho 26. E aí, a família, minha avó se junto com o meu pai, ficou muito em cima pra gente fazer um curso técnico, porque aí a gente conseguiria trabalhar. Enquanto a gente estava fazendo um curso técnico – que era mais barato –, trabalhar. Depois que a gente se formasse, a gente trabalhava na área que a gente fez o curso técnico e iria pra faculdade, que aí a gente fazia o que a gente queria, podendo pagar com o dinheiro que a gente ganhasse com o trabalho da profissão. E eu cheguei, fui seguir esse plano, me arrependi. Me arrependo porque eu queria... Hoje eu queria ter começado muito cedo. Eu faço História, queria ter começado muito [mais] cedo. Eu acho que hoje eu já estaria formada, já estaria fazendo uma especialização, estaria trabalhando. Mas, se foi assim que aconteceu, tinha um motivo. Eu acredito que o universo tem umas forças que levam a gente para o lugar que a gente tem que estar, mesmo.
P/1- Sabrina, curso técnico do que, você fez?
R- Eu fiz curso técnico de Logística, lá no Sinatec, tão distante daqui... Mais de uma hora e meia no ‘busu’. Eu fazia de noite. Trabalhava como telemarketing à tarde; peguei a tarde e peguei manhã, trabalhei esses dois períodos. E, depois eu ia pro curso. Como era muito distante, eu saía do trabalho umas quatro horas e ia pra lá, chegava com trinta minutos de antecedência.
P/1- Trabalhar com telemarketing foi o seu primeiro trabalho?
R- Foi. O meu primeiro emprego foi trabalhar com telemarketing. Logo quando eu saí do ensino médio eu tinha que arrumar um emprego, porque...
P/1- E como foi essa experiência, de ter que trabalhar com telemarketing?
R- Traumática. A função. Porque, meu Deus do céu, é muito desgastante. Não tem um cuidado com os funcionários. Apesar de ser seis horas, você atende ligação o tempo todo. Você é muito xingada, porque você está, mesmo... Eu trabalhava na parte de ativo, fazendo ligação pra poder vender algum produto e, muitas vezes, as pessoas não queriam, atendiam desaforadas e batiam o telefone. Perguntava quem era, tinha gente que achava que você era amante do marido e tal. Aí você escutava muito desaforo. Tenho péssimas lembranças. Apesar de ter feito amigos no período, que até hoje eu tenho contato.
P/1- E aí, como é que você mudou? Você parou de trabalhar com telemarketing e foi pra História? Como foi?
R- Depois que eu trabalhei com telemarketing, eu me formei como técnica em Logística, em 2015. E, quando eu me formei, comecei a trabalhar numa concessionária, que aí eu vi, mesmo ainda não tão consciente de certas coisas... Porque a gente se acostuma a ouvir certas coisas de... Por exemplo, hoje muitas frases já foram desmistificadas, já foram, foi dado sentido de dizer: “Nossa, você é uma preta bonita”. E eu achava: “Caramba. Eu sou tudo isso”. Mas, na verdade, depois a gente entende que não é bem isso o que estão dizendo, que você não é tão bonita quanto dizem... Aí, quando eu fui trabalhar na concessionária, eu tive mais contato com o público, e aí você percebe a forma que o público... Eu era auxiliar administrativa. As pessoas não acreditavam muito nas coisas que eu dizia, sempre iam pra um gerente, supervisor, perguntar a mesma coisa que eu tinha dito. Não acreditavam muito nas coisas que eu falava, principalmente se fossem as pessoas que tinham um maior poder aquisitivo, né, tinham mais dinheiro. Já as pessoas mais humildes – como eu trabalhava na parte de consórcio, tinha muitas pessoas humildes que iam –, elas se sentiam mais próximas a mim, próximo pra poder tirar alguma dúvida... Acho que pensar mais e se colocando no lugar que eles poderiam estar ocupando.
P/1- E aí, quando você saiu da concessionária?
R- Saí em 2016, fiquei um ano e meio, um ano.
P/1- Você saiu por quê? O que você foi fazer?
R- Eu fui trabalhar... Logo que eu saí fui trabalhar em um escritório, também com consórcio, com um senhor já de idade, que era a encarnação de tudo de ruim que tem na sociedade. Porque ele já era um homem branco, velho, carregado de machismo. Era um escritório pequeno, onde trabalhavam duas mulheres, e ele achava que a gente é que tinha que dar conta a mais da limpeza, que a gente estava lá pra servir. Eu trabalhava como auxiliar administrativa, então a minha função era trabalhar na parte administrativa. Eu não tinha que ajudar a limpar o banheiro, limpar a sala. Eu não tinha que servir água, o café para os clientes dele que apareciam lá. Porque, como o fato de ser escritório, ele trabalhava muito com pessoas jurídicas, eram mais empresários. Ele achava que eu tinha que estar à disposição de fazer qualquer coisa, mesmo que não fosse da minha função, pelo fato de eu ser uma mulher e, com certeza, pelo fato de eu ser uma mulher negra. Porque ele me olhar... Porque a sociedade e a mídia colocam a gente, muito, em lugares subalternos. Ele está acostumado a ver mulheres negras exercendo alguns tipos de funções, então ele achava que eu deveria exercer essa função também.
P/1- E o que você falava, quando ele te pedia pra...
R- Muitas vezes eu servi café, porque eu precisava do emprego. Servi café, servi água. Mas teve um momento que eu já estava saturada do que era viver aquele dia a dia com ele. E eu cheguei e disse, num momento, que aquela não era a minha função, que eu não deveria, que eu estava ocupada fazendo outras coisas da empresa e que, se ele quisesse, ele poderia contratar uma pessoa pra poder servir no momento que ele estivesse com os clientes na sala dele, e que a limpeza ele também poderia dar conta. Por exemplo: ele queria que eu fizesse listas de material de limpeza que estivesse faltando. Material de escritório, o que eu uso no dia a dia, eu tenho que fazer. Agora, como é que eu vou abrir armário, olhar se tem produto de limpeza, se tem papel higiênico? Ele queria que eu fizesse isso, porque, como eu era mulher... Ele usou essa frase mesmo, disse assim, comigo e com a minha colega: “Como é que vocês são mulheres e não fazem uma lista de coisa que a gente está precisando? Eu não posso chegar aqui e olhar o que tem, o que está faltando e o que tem”. Eu falei: “Não, quem tem que olhar é o senhor, que é o dono da empresa. Eu estou exercendo a minha função. Se faltar alguma coisa aqui na parte de escritório, pode ter certeza que o senhor vai ser avisado. Porque eu não posso deixar faltar papel, eu não posso deixar que falte cartucho na impressora. Mas isso, o senhor, como dono, pode abrir o armário ali e olhar”. E ele era... ‘É’, porque ele ainda é, muito grosso. Então, ele gritava. Chamava a gente de incompetente, de inútil. Deixa eu lembrar de uma frase... De idiotas. Ele chegou a falar comigo e com a minha amiga: “Vocês duas são idiotas”. Aí eu deixava ele falar o que ele queria e respirava fundo, porque eu precisava. Tinha coisas que eu não poderia ultrapassar, porque senão eu seria demitida e perderia a minha renda.
P/1- E aí, quando você saiu de lá?
R- Eu saí em 2017, fiquei um ano.
P/1- Por quê? Você arrumou outro trabalho?
R- Não, eu pedi demissão.
P/1- Você pediu demissão. Qual foi a gota d’água?
R- Foi... A impressora tinha dado problema, e o rapaz da impressora tinha ido lá pra consertar. Só que o rapaz consertou, a gente testou, beleza, deu tudo certo. E o rapaz chegou e foi embora. No que o rapaz foi embora, a impressora voltou a dar problema. Aí ele começou a gritar, como se eu ou minha colega tivéssemos culpa do que estava acontecendo, que a gente não testou, que a gente tinha que ter olhado, que a gente tinha que ter feito isso, que a gente tinha que ter feito aquilo. Aí eu cheguei... Eu sou bem calma, eu não gritei, não falei nada. Ele batia na mesa, pegava o papel e batia na mesa. Eu cheguei e escrevi a minha carta de demissão. Mas eu cumpri o aviso prévio, porque eu precisava guardar mais dinheiro. Porque eu saí, não tinha nenhum... Não ia receber auxílio, então eu não tinha como ficar sem dinheiro nenhum. Eu cheguei, pedi demissão, fiquei os trinta dias e não voltei mais lá. Aí ele começou a falar um monte de coisa de mim pra minha colega, que eu não trabalhava direito, que eu não gostava de trabalhar, que esse era o problema, que por isso eu tinha ido embora, porque tinha trabalho e eu não queria trabalhar.
P/1- E aí você não estava estudando ainda?
R- Não, eu estava estudando. Eu comecei a minha graduação em 2017. A princípio, eu comecei...
P/1- Por que você escolheu História?
R- Porque eu gostava. Eu sempre gostei de História. Eu lembro até hoje, quando eu estava naquela escola, na quinta série, uma professora – eu não me recordo o nome dela –, falava com tanto amor sobre a Grécia, sobre Tróia, sobre as guerras. Eu ficava assim: “Caramba, isso é muito bom”. E, quando eu fui ficando mais velha... Eu sempre gostei, e fui entendendo que seria uma coisa que eu podia fazer – isso já no ensino médio –, que era uma coisa que eu poderia fazer e era uma coisa que eu poderia pagar. Então, nada mais justo do que fazer História. E, depois que eu me formei no técnico, eu fiquei um ano sem trabalhar... Sem trabalhar o que! Trabalhando sem estudar. Foi quando eu me formei lá no Sinatec. Aí eu comecei a fazer, em 2017, na Unijorge [Centro Universitário Jorge Amado]. Não tem problema falar o nome dos lugares não, né? (risos) Aí eu comecei a fazer História lá na Unijorge, em 2017, e pagava com o que eu trabalhava na concessionária. E depois eu fui pra esse escritório, porque eu saí de lá da concessionária em 2015, e um mês depois eu comecei no escritório, já era final de 2015. Foi um pouco antes do meu aniversário. Eu fiquei 2015, 2016 e saí no segundo... Não, eu fiquei mais tempo, porque eu saí no segundo semestre de 2018 do escritório. E aí eu saí também, pedi demissão, não foi só por conta dos desaforos. Eu acho que eu teria aguentado os desaforos até eu me formar, porque era uma coisa que eu precisava, porque eu tinha que pagar a faculdade. Mas, como eu tinha passado na Uneb [Universidade do Estado da Bahia], então eu não tinha mais o compromisso de estar pagando a faculdade todo mês. Isso foi um incentivo. Então, eu disse: “Eu consigo guardar esse dinheiro”. Tanto que foi por isso que eu fiquei cumprindo o aviso prévio, pra que eu pudesse estudar numa universidade pública, mas eu ainda conseguiria arcar com as despesas de transporte, sem precisar ficar pedindo dinheiro pra minha avó ou pra minha mãe. Aí, como eu fui pra Uneb, eu saí de lá [do escritório] em 2018, porque eu comecei na Uneb em 2018.
P/1- Você está cursando a faculdade ainda?
R- Estou, estou cursando. Estou louca pra me formar, meu Deus. Mas estou cursando.
P/1- Como é o curso de História na Uneb?
R- É surpreendente, por conta dos professores. São muitos casos de racismo explícito que eu já sofri, que as minhas amigas já sofreram. Da professora chegar, falar pra duas alunas negras, eu e a minha amiga, que a gente gostava de ficar debaixo da chibata, porque a gente não tinha autonomia nenhuma. E com a gente foi o primeiro caso direto. A gente já viu com outras pessoas, mas você vai no colegiado, registra, a professora não sai e persegue o aluno. A gente fica sem saída. Sem saída não, a gente fica com medo do que pode acontecer. Porque, como já tiveram casos de a professora ser denunciada e não sofrer nenhuma punição e perseguir o aluno até a hora da pessoa se formar, a gente fica preocupado. Porque ela é dona de bolsas, estágios, residências. Se denunciar, você não consegue nada disso.
P/1- Sabrina, quando você descobriu essa mancha e foi pra biópsia? Quantos anos você tinha? Em que fase, dessas, que você contou?
R- Foi em 2017.
P/1- Você estava na concessionária?
R- Eu estava na concessionária. Eu, meu Deus, não estava estudando. Era um período que eu estava sem estudar, mesmo. Então, eu só tinha o trabalho. E foi um lugar também que me ajudou, de certa forma – os meus colegas –, a encarar a situação. Porque eu chorava muito, muito. Eu chorava muito. Porque eu, me olhando no espelho... Eu me olhei no espelho durante vinte anos da minha vida e sempre vi uma coisa. E depois você ver outra, a minha cabeça se transformou. Eu achava que ninguém ia querer ficar comigo. Eu achava que eu era... Que estava feia. Eu não aceitei de jeito nenhum, de bom grado. E muitas pessoas acham que é só elogiar, que tudo se resolve. Era uma questão estética. Mas era muito, também, de você se reconhecer, de você se ver. Eu sei que não é nada, perder um membro... Mas, sabe, de acontecer alguma coisa e você se olhar e dizer: “Não sou eu. Essa pessoa que eu estou olhando não sou eu”. E eu chorava, chorava, chorava. Porque eu choro muito.
P/1- Aí você fez esse ensaio, das fotos. Onde saiu esse ensaio?
R- Eu acho que ela não publicou, não. Ela tinha postado umas fotos no próprio Facebook, mas só. Depois desse ensaio, eu tive mais contato com ela, tirei mais algumas fotos com ela. Ela fez um outro projeto, que foi Corpo Casa Pele Parede, que aí a gente falava sobre o nosso relato com o nosso corpo, com a nossa pele. A gente explicava os processos que a gente tinha passado, como isso atingiu a gente – o que também me ajudou muito a falar mais sobre isso. E umas outras fotos que ela fez para o book dela, mesmo.
P/1- Sabrina, e hoje quais são os seus planos? A História?
R- Os meus planos? Me formar, começar a trabalhar na minha área – que eu estou muito ansiosa por isso, começar a guardar dinheiro pra minha própria casa, pra comprar a minha casa, um apartamento, o que tiver, só ter o meu próprio canto. Eu estou mais focada na minha vida profissional, mesmo, pensar em me formar e construir a minha vida. Continuar estudando. Eu penso em fazer um mestrado. Eu sou libriana, então sou uma pessoa muito indecisa, de verdade. Então eu estou meio indecisa. Não estou nem me formando ainda, mas estou pensando se eu vou fazer um mestrado em ______(1:27:47) Cultura Negra mesmo, ou fazer mestrado em Educação, porque eu tenho vontade de ser professora. Eu penso em ensinar História para que as pessoas conheçam... Não quero ser porta-voz da história de ninguém, mas eu quero que as pessoas se questionem, entendam o mundo que a gente tem, que a gente vive, como tudo se construiu, que nada é por acaso, que as coisas que acontecem não são, muitas vezes, casos isolados, são fruto de uma herança. Por exemplo: hoje o racismo é uma herança escravocrata, como a falsa democracia racial no Brasil é. Então, eu quero que, principalmente as pessoas negras, consigam compreender a História, a vida que vivem, por que elas têm essa vida e como elas podem transformar, porque principalmente uma forma de transformar isso é a educação. Então, se estiver atento, se vocês... Como se eu estivesse falando com alguém, com aluno, mas se a criança estiver atenta, estiver instruída... Eu sei que também eu não vou conseguir abraçar o mundo, mas se eu puder fazer isso, pelo menos aqui no lugar que eu moro, com o meu irmão pequeno, eu já vou ter tanta coisa. Eu acho que é isso, né, (risos) meus planos.
P/1- Sabrina, você falou naquela escola, que era uma escola de pessoas que tinham mais posse que você, que a maioria era branca, que você ia passada à larga e que eles iam com a roupa com corte direitinho, e que você dava prancha no cabelo. Quando você deixou de fazer prancha e começou a usar esse cabelo natural? O seu cabelo.
R- Eu, foi... Não foi uma coisa assim: “Ai, eu vou começar a usar o meu cabelo natural”, não. Eu estava trabalhando com telemarketing, e eu comecei a ver outras opções, porque eu já não estava mais satisfeita com o cabelo liso, eu achava que não combinava mais comigo. Então eu disse: “O que eu vou fazer?”. Conversei com a minha mãe, cheguei e decidi. Comecei, decidi usar Mega Hair cacheado, e não liso. E eu gostei do que eu vi, como o meu rosto ficou. E fiquei durante uns dois anos usando. Só que aí, eu digo: “O meu cabelo já está bonito, já está grande. Eu posso usá-lo natural”. Só que, quando eu tirei, eu disse: “Eu não gostei muito, não. Acho que não ficou legal”, aí eu comecei a usar tranças. Com as tranças eu fiquei um ano... Foi menos, foram uns sete meses para um ano, que eu fiquei de trança. Aí, quando eu tirei a trança, que aí o cabelo estava grande mesmo, que eu digo: “Ah! Ficou muito bonito”. E eu tive muito incentivo da minha família para deixá-lo natural, o meu cabelo. Porque a minha avó, a minha tia, como eu já morava com a minha avó, a minha tia morava aqui também, elas sempre usavam o cabelo natural, nunca gostaram de cabelo liso, não. Aí eu fiquei com o incentivo, falando, falando. Tirei, fiquei, e gostei. E até hoje... ‘Até hoje’ parece que tem uma década, mas tem uns cinco anos... Não, mentira, uns quatro anos que eu uso natural. E não tenho vontade de mudar. Só de pintar, às vezes.
P/1- Sabrina, a gente falou um pouco da sua vida, muito mais ampla do que o que a gente falou aqui, mas, olhando pra sua trajetória, você mudaria alguma coisa? Você faria alguma coisa diferente?
R- Acho que não. Acho que não, porque eu gosto muito da pessoa que eu sou hoje. E eu entendo que, pra eu ser o que eu sou hoje... Parece bem aquelas coisas clichê, mas eu acho que é verdade: pra você ser o que você é hoje, você tem que passar, ou passou, por coisas que te deixaram assim. E eu gosto de quem eu sou, estou gostando de quem eu estou me transformando. Porque eu acho que a cada dia eu estou mudando, estou tirando preconceitos que eu vi durante a minha vida. Mas não mudaria, não, porque tudo o que aconteceu, coisas muito tristes, mesmo, foi preciso. Foi preciso, não, porque eu não precisava passar por isso, mas me deixaram forte e mudaram muito os meus pensamentos. Me ajudou a enxergar muita coisa, muito além do meu umbigo, da minha família, ver o mundo, mesmo.
P/1- Sabrina, hoje, o que você faz? Pra que você não tem mais tempo? Tipo: “Eu não tenho mais tempo pra isso”?
R- Como assim?
P/1- Alguma coisa que você fala assim: “Isso eu não tenho mais tempo. Isso não dá mais pra mim”. Tipo, alguma coisa que já deu no passado, que hoje você fala: “Eu não tenho mais tempo pra isso”?
R- Eu não tenho mais tempo pro machismo. Eu não tenho mais tempo pro racismo. Eu estou cansada, sério mesmo, de ver situações, de ouvir, de ter filmes que falam muito sobre isso. Eu quero ver o povo preto vencendo, mesmo. Estou cansada de ver filme sobre gente que sofreu com racismo, sofreu, sofreu, mas conseguiu. E isso meio que deixa um, ai meu Deus, a palavra... Deixa uma, de certa forma, coisa pra gente ver, tipo: “Você pode sofrer com isso, você pode sofrer com machismo, você pode sofrer com racismo, mas você vai conseguir vencer”. Muita gente não vence. É um em um milhão. E a gente precisa... O que vocês estão fazendo hoje, eu acho, que é contar histórias reais mesmo, de pessoas que todo dia não estão na mídia, que venceram, mas que estão vivendo, sobrevivendo com toda a história, trajetória. E é isso. (risos) Não sei se eu respondi.
P/1- Sabrina, o que você achou de contar a sua história de vida e deixar registrada no Museu da Pessoa?
R- Contar a história me deixou muito, muito emocionada. Me lembrou de coisas que, sinceramente, eu nem sabia que eu podia lembrar ainda, que eu acho que estavam mais esquecidas. E fiquei feliz em poder contar, para que as pessoas possam se identificar com a minha história, de certa maneira. Porque cada um tem a sua história. E é isso.
P/1- Eu queria agradecer em nome do Museu, essa história de vida linda.
R- Obrigada.
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