Entrevista de Mário Assunção do Espírito Santo
Entrevistado por Lucas Torigoe
Barcarena, 18 de setembro de 2020
Projeto Memória de Barcarena
Entrevista número HYD_HV002
P1 - Mário, fala pra mim, só pra começar, de uma vez, é o seu nome completo, data de nascimento e onde você nasceu.
R1: Bom, eu me chamo Mário Assunção do Espírito Santo.
Eu nasci em dois de fevereiro de 1975, no Hospital Santa Cecília, em Belém do Pará.
Só nasci, né? Nasci, que aqui não tinha maternidade, não tinha médico, na época eram parteiras, né? E tanto a minha vó, que era parteira como a minha.
.
.
a irmã dela também, estavam doentes, aí mamãe teve que ir pra Belém, pra que eu nascesse, né, lá.
P1: Ela falou, a tua mãe ou o seu pai, como é que foi o teu parto? Se foi difícil, se foi ok?
R1: Não.
Foi tudo ok, porque a mamãe, eu já sou o quarto.
Sou o quarto.
Então, mamãe já tinha tido outros filhos, né? E, mesmo nessa questão de.
.
.
a minha vó e a irmã dela, né, tia da mamãe, ser parteiras, então, eles já tinham todo um cuidado, né? Puxar barriga, ajeitar, né? Se tivesse torta a criança, né? E tinha todo um ritual, né? Aqui nós tínhamos todo um ritual, né, cuidado com a gestação.
P1: Os seus irmãos nasceram de parteira, então? Só você que foi.
.
.
R1: É, os meus dois irmãos mais velhos, né, foram de parteiras.
Eu e a minha outra irmã foi em Belém.
P1: E fala pra mim o nome, então, do seu avô e da sua avó de pai e de mãe.
R1: O nome da minha vó por parte de mãe era Sílvia Correia dos Santos, né e o meu avô era José Américo dos Santos.
P1: Eles.
.
.
como era a família da tua mãe? Eles são de onde? Como é que é?
R1: Bom, o meu tetravô chamava Manoel Joaquim dos Santos, ele veio do Marajó junto com a esposa dele, Maria Joaquina, vieram do Marajó.
Meu avô negro, né? Ele vem do Marajó e se estabelece aqui em Barcarena por volta de 1600.
Ele se estabelece em Barcarena, porque o nosso título, do nosso terreno, é de 1738.
É, 1738.
Então, ele estabelece, por volta do final, né, aqui, porque aí eles trazem um monte de filhos, ele traz um monte de filhos, aí ele estabelece aqui.
E aqui ele compra uma grande porção de terra, né, uma grande porção de terra, que hoje é o nosso quilombo.
Por que nós caracterizamos por quilombo? Porque o meu avô, de onde chegava gente e não tinha onde morar, fosse negro, fosse branco, ele acolhia a todos.
Ele dizia: “Vai ali ó, tira um pedaço de terra e faz tua casa”.
E viesse de onde viesse, né? Tivesse condições, não tivesse.
Não tivesse condições, ele ajudava ainda mais.
Então, ele agregando todo mundo.
E essa prática até hoje permanece.
P1: Qual que é o nome do quilombo da região?
R1: Quilombo Gibirié de São Lourenço.
Então, quando Francisco Pimenta, em 1709.
.
.
Francisco Pimenta foi o fazendeiro que, ao ir embora pra Portugal, doa as suas terras pros jesuítas.
Pros jesuítas.
Ele doa em 1709.
E, no mapa, está lá que o confinante dessas terras éramos nós, terreno São Lourenço.
Está lá, um pedacinho de.
.
.
se vocês puderem ver, eu posso até fornecer pra vocês, não sei se o professor Lenon forneceu, também tem nos arquivos do Município esse mapa.
Então, é um quadrado, lá está escrito: “Terras de São Lourenço”.
Então, é o nosso terreno.
Que margeia este rio aqui, que é o Rio Murucupi.
P1: Você estava falando do terreno da sua família de São Lourenço, né?
R1: Uhum.
P1: Onde que fica hoje, né, hoje os nomes que têm, né, como é que.
.
.
está perto de onde esse terreno?
R1: Bom, ele começa à margem do Rio Mucuruçá, aquele onde você pega, você desce lá no porto da balsa ali, pra descer da lancha e é o que passa na frente da sede do município.
Então, quando você vem de Belém, tem o primeiro porto, que é a sede do município e tem o segundo, que é o porto que eles chamam de São Francisco.
Então, desceu no Porto de São Francisco, já inicia o Quilombo Gibirié de São Lourenço.
Então, ele vem desde o porto da balsa, ele pega uma parte do bairro de São Francisco, ele vem subindo.
Tem o muro do cemitério, é a confinança entre as terras de São Francisco e as terras do terreno São Lourenço.
Então, o muro do cemitério é que nos divide, aí a gente vem embora.
Então, metade do bairro de São Francisco está dentro do Quilombo São Lourenço.
Tu vem te embora, né, o bairro do Laranjal foi criado todo dentro do Quilombo São Lourenço, das terras de São Lourenço.
Tu vem te embora, tem uma rua chamada, que eles chamam de Rua do Real, Supermercado Real.
Tu a passa, tem uma loja chamada Mel Magazan.
Tudo isso aqui dentro na PA, tu está vindo embora do porto, tu está na PA 481.
Passou a Rua do Real, tem a loja Mel Magazan.
É bem no meio da loja.
Metade do bairro, também, Novo Paraíso, fica dentro das terras do Quilombo São Lourenço.
Então veja: na década de 75 - justamente na época que eu - a 1979, começa-se o projeto, os grandes projetos pra Amazônia, do regime militar.
Então, desenvolver a Amazônia.
Lembra do projeto? Dar terra para quem não tem terra, né? Os grandes projetos na Amazônia começam aí: a Hidrelétrica de Tucuruí, o porto da Vila do Conde, né? Então, começa-se os grandes projetos, tudo isso.
.
.
a Hidrelétrica do Tucuruí, pra gerar energia pros grandes projetos.
Então, Barcarena começa, ter uma visão logística por aí.
Barcarena sempre teve, sempre foi olhada tanto pela Coroa, né, como pelos outros.
.
.
pela República.
Tanto pela Coroa, como pela República.
Porque, no passado, Barcarena foi entreposto de navios negreiros.
Era por aqui.
Por quê? Porque a Europa fica mais próximo de vir por aqui de que tu ir, dar essa volta toda pra ir pro Rio de Janeiro, pra ir pra Salvador.
Então aqui, esse ponto aqui, Vila do Conde e Europa, Vila do Conde e África, de onde vinha os navios negreiros, está mais próximo.
Então, Barcarena era um entreporto do navio negreiro.
Era aqui que o navio negreiro ancorava, pros escravos serem distribuídos no Brasil.
Distribuídos no Brasil.
Então, é aqui, lá o casarão do Cafezal, está lá os porões, está lá as correntes, está lá o resto do casarão que é o sinal de que Barcarena tinha sim, um entreporto de navio negreiro.
Tem vários escritores que nos dizem isso, os nossos familiares dizem isso: que vieram nesses navios, seus antepassados vieram nesse navio, pra cá, pra Barcarena.
Então, Barcarena sempre foi olhada não como um ponto qualquer, mas um ponto logístico.
Então, em década de 70, começam os grandes projetos pra desenvolver a Amazônia, onde passa também essa PA 481, que uma parte da Vila do Conde pra cá, ela se torna 481 e tem uma parte que ela é 483.
Então, as pessoas se confundem, né? Se confundem que tem uma parte dela que é 481, que passa da Vila dos Cabanos pra cá e outra parte dela é 483.
Ela é registrada assim, né? Então, os grandes projetos começam, começa ser feitas as estruturas pra que ele acontecesse, né? Então, nós.
.
.
o terreno de São Lourenço foi tomado por esses bairros.
Foi invadido por esses bairros, né?
P1: Então, é.
.
.
a família da sua mãe veio lá do.
.
.
XVIII, XIX.
.
.
R1: 738.
É século XVIII, XIX.
.
.
P1: Tem a posse ali?
R1: Tem a posse.
Nós temos a posse desse terreno.
P1: E aí como é que foi, então, quando é que chegou essas empresas?
R1: O processo de desapropriação se dá no governo do último presidente militar.
.
.
P1: Figueiredo.
R1: Foi o João Figueiredo.
João Figueiredo dá um decreto, desapropriando a margem direita.
Então, ele dá uma poligonal e tudo que ficasse à margem direita -justamente é a margem que nós estamos agora - passa, Barcarena, a passar pelo processo de desapropriação, justamente para a implantação do grande projeto.
Aqui, onde nós estamos, nesse lugar tão bonito, com tantas árvores ao lado, pertencia à minha outra avó, a mãe do meu pai.
A mãe do meu pai.
Aqui.
Então, passa pelo um processo de desapropriação.
Mas desapropriação só da questão da tua casa porque, aqui dentro desse terreno aqui, a minha vó disse que plantou trinta e três castanheiras e fora as outras árvores.
E o técnico, na época de desapropriação, disse que isso aqui não era fruto de plantação da minha vó.
Foi o passarinho que veio e fez cocô.
Eu queria perguntar pra ele qual é o passarinho que faz cocô de uma árvore de castanha? Tem todo um processo pra ser plantado castanha.
Castanha, uxi.
Como é que.
.
.
qual é o passarinho que dá conta de engolir um uxi, pra esse uxi grelar e ser plantado.
Então, o processo de desapropriação não foi um processo legal.
Hoje, se tu fosse pegar aquele que recebeu o mais alto dinheiro de desapropriação, daria três mil reais hoje, pra um cidadão que tinha sessenta hectares, cento e quarenta, cento e oitenta hectares de terra.
Pra ti receber três mil de indenização? Esse povo que saiu daqui, da região do Murucupi, Murucupi, Burajuba, Boa Vista, Cupuaçu, o povo que saiu daqui foi o povo que foi pra dentro do bairro do Laranjal, que foi dentro do Quilombo Gibirié de São Lourenço, a outra parte foi pra CDI, que era Colônia de Desenvolvimento.
.
.
né? Um terreno que fica mais pra ali.
Mas o povo saiu de lá, não gostou de lá, por quê? Porque saiu de uma terra fértil pra ir pra um pedregulho.
Se vocês puderem fazer essa imagem.
Por que como é que um trabalhador rural, que trabalha numa terra onde é boa de plantar, tu mete a enxada, pra ir plantar na pedra? Tem algumas culturas que a gente.
.
.
que a pedra favorece a plantação lá, mas tem outras culturas que não resistem.
Então, como é que tu vai pra um ambiente desse? E muitos foram pra lá, pra dentro do terreno São Lourenço, pro bairro chamado Laranjal.
Que deveria ter saneamento básico, deveria ter água encanada, deveria ter esgoto, tratamento, tudo e não teve.
A mesma construção que seria a Vila dos Cabanos, era pra ter sido o bairro do Laranjal e não foi feito.
Foi criado a Codebar, Companhia de Desenvolvimento de Barcarena.
Desenvolveu o quê? Nada.
Foi só entregue as terras a ela, a essa companhia.
Foi feita a desapropriação de maneira irregular, porque até hoje.
.
.
o que eles faziam, na época da desapropriação? Dez reais, eles pegavam aquelas notas de um real, né e colocavam uma em cima da outra.
Aí tu pegava duzentos reais, dava uns bolos de dinheiro assim, caboclo que nunca tinha visto dinheiro na frente dele, pensava que ele estava ganhando milhões.
E, na época, que era.
.
.
que era.
.
.
estava no cruzeiro.
Então, tu ouvia dez milhões de cruzeiros, vinte milhões.
.
.
a palavra milhões.
Mas quanto é que estava o quilo do charque? Cinco mil, dez mil, vinte e cinco mil era o quilo do charque.
Os teus milhões ia do dia pra noite.
Então, o soar do milhões crescia no ouvido daquele que nunca tinha pego dinheiro na vida dele.
No caso da nossa família, não, porque nós fomos uma das famílias que resistimos.
Aqui não deu pra resistir.
Por quê? Porque os tratores estavam aí.
Em pleno regime militar, eles diziam: “Nós viemos aqui e, se tu não sair, nós vamos passar com trator por cima da tua casa”.
Tu tinha acabado de sair, tu tinha lembrança muito viva de um outro massacre, que se chamou Cabanagem.
O povo que morava aqui em Barcarena, é um povo cabano, cabano de luta.
Aqui, bem ali, próximo ali à piscina, tinha uma samaumeira, não sei se ainda tem uma samaumeira lá.
Aqui tu estás, esse Rio Murucupi vai sair lá no Rio Arrozal.
O Rio Arrozal, seguindo em frente, tu vai dar no Rio Pará, tu vai dar na Baía do Marajó.
Então, era por aqui que as esquadras da Coroa entravam com os soldados, pra dominar os cabanos.
Movimento Cabano, o único movimento no Brasil que estabeleceu um governo.
O Pará foi o último a sair, a proclamar a independência.
O último.
Por quê? Porque não concordava, não queria se separar.
Apaixonado por Portugal, não queria se separar, né? Barcarena estabelece um governo.
Um governo paralelo, longe da Coroa, né? Longe das oligarquias.
Por quê? Porque não queria mais sofrer, não queria mais ser tratado como um escravo, onde aqui só era tirado e continua sendo.
Não queria mais, não queria mais viver isso.
Queria viver livre.
Queria fazer uma coisa justa.
Porque era tirado até o sangue do povo pra ser mandado pra Coroa, o dinheiro.
E os barcarenenses não queriam mais e começaram a fazer o processo da cabanagem, pra ter a sua liberdade, né?
P1: Tua família conta essa história pra você?
R1: A minha família conta essa história.
Então, aqui no terreno da minha vó, tinha uma samaumeira bem ali, ao lado dessa piscina, que eles pegavam os soldados, amarravam a corda e lá eles enforcavam os soldados.
Aqui, os trabalhadores daqui, têm medo de ficar aqui sozinho, porque veem muita visagem.
Eles contam que veem muita alma aqui, veem cadeiras sendo arrastadas, né? Eles veem.
Eles contam aqui, os trabalhadores daqui, que veem o vulto branco, vê gente caminhando.
Na hora que eles vão ver, não é ninguém, a pessoa desaparece.
Então, eles dão testemunho.
Então, aqui, a minha vó contava que era aqui que eram enforcado os soldados e por aqui era enterrado.
Quem sabe a gente não está em cima de alguma cova de algum soldado, que lutou na Cabanagem do lado lá da Coroa, né? E os cabanos mataram.
Aqui nessa região.
Então, a minha.
.
.
e o processo, que é de invisibilizar a cabanagem, porque é contado muito sobre a Farroupilha, é contado muito sobre as outras revoltas do sul do país.
Mas por que é abafado a Cabanagem? Pra servir de exemplo, como fizeram com Tiradentes.
O cortaram em pedaços e, pra cada uma da região, foi mandado.
.
.
mas Tiradentes não consegue fazer, com o movimento dele, o que o movimento Cabano fez: estabelecer um governo.
Aqui no Pará se estabeleceu um governo, onde nós tínhamos presidentes e nós tínhamos toda a estrutura pra viver e pra ser um outro país.
Aqui em Barcarena.
E esse movimento é abafado.
E até hoje, Barcarena vive abafada.
E na década de 70 isso fica muito mais forte.
Por quê? Porque pra cá, com esses projetos que vêm, vêm também a força militar, pra que não haja resistência, porque conhecem como o povo de Barcarena é, aguerrido.
Então, começa-se a vir.
.
.
meu amigo, era muito soldado.
Muito.
Que acompanhavam o povo que vinha pra fazer a desapropriação.
Sentava, todo mundo armado.
Agora, o caboclo que não estava preparado, só tem uma enxada, só tem um terçado e um machado, com o que ele vai preparar? Então, o processo se dá desse jeito.
Ele se dá nesse jeito, na pressão: “Ah, foi respeitado”.
Não, não foi respeitado.
Aqui não foi respeitado nem a Convenção 169.
Não foi feito consulta prévia livre e informada, como manda a lei da OIT.
E o Brasil, em 1979, já era signatário.
Já era signatário.
Como nenhum grande projeto feito pra Amazônia respeitou a Convenção 169.
A Convenção 169, os direitos dos povos tradicionais, está sendo discutido agora.
Por quem? Por nós, porque nós fomos buscar conhecimento.
Todos os grandes projetos no Brasil não respeitam a Convenção 169.
Todos.
Todos.
Não estão nem aí.
É burlado a lei.
Meu amigo, nós não somos, nós não somos o entrave para o desenvolvimento.
Não.
“Mário, tu não quer.
.
.
tu quer voltar lá pra Pedra Lascada?”.
Não, não quero voltar pra Pedra Lascada.
Eu quero que o grande projeto me respeite enquanto pessoa.
Enquanto ser vivente desta terra.
Que o grande capital venha, mas ele me respeite.
Respeite a minha água, o meu rio.
Um projeto deste, de tanta envergadura, dentro da maior bacia hidrográfica do mundo de água doce.
Muitos analisam que a Terceira Guerra não vem por petróleo, ela não vem por outra coisa.
Ela vem por causa de água.
Água potável.
E essa água está sendo envenenada todos os dias.
Por quê? Porque não é respeitado a legislação.
As autoridades estão vendadas.
Por isso que dizem que a justiça, né, é vendada.
O Ministério Público diz que ele vem só se ele for provocado.
Está lá na lei do Ministério Público.
O Ministério Público só pode atuar se ele for provocado.
Então, estão vendo acontecer.
A Convenção 169, que protege os povos tradicionais, os povos originários, não é respeitada.
É burlada a lei.
Por quê? Um grande projeto pra vir pra cá, eu, enquanto quilombola, tenho que ser consultado.
O meu primo indígena de Santarém, do Baixo Acará, do Moju, de Altamira, todos os meus parentes do Rio de Janeiro, né, têm que ser consultados, tem que ser perguntado.
De que jeito ele vem? A que custo ele vem? O que vai nos custar? O meu costume.
.
.
olha essa exploração que está tendo de minério, do ouro.
“Ah, porque o índio é vadio”.
Ele não é vadio.
A cultura dele não é essa, meu amigo.
O que é riqueza pra ti? O que acontecia lá em 1500, lá em mil.
.
.
quando descobriram o México, né, o Peru, que os espanhóis chegaram aqui e queriam as pedras preciosas e enchiam os seus paneiros, os seus coisas e levavam, pro índio, aquilo não é nada, é uma pedra.
E continua sendo.
Qual é a maior riqueza nossa enquanto indígena, enquanto quilombola? É isso aqui, olha.
É essa sombra.
É eu botar a linha, né? Ou então descer pro meu igarapé, pegar meu camarão, pegar meu peixe e mais tarde deitar na minha rede.
Essa é a minha cultura.
A riqueza que eu.
.
.
eu não sou vadio.
Pra mim.
.
.
pra ti, um carro, tu precisa de um carro.
Eu não preciso.
Pra ti, tu quer dez milhões no Banco.
Pra mim, eu não quero.
Eu não quero, porque eu não preciso.
Tudo que eu tenho, eu tiro do meu rio, eu tiro da minha roça.
Pra mim, é o suficiente.
Eu não tenho essa necessidade de ter grande riqueza.
Tu está me entendendo? Pra nós.
.
.
pra vocês, vocês querem sentar num restaurante bonito, né? Comer um pedacinho de carne com um molhinhozinho lá, com quatro folhinhas e dar quatrocentos reais nesse prato.
E nós, não.
Nós ‘quer’ uma cuia de açaí, um pouco de farinha, um pouquinho de camarão e um pedaço de peixe.
Pra nós, está bom.
Esse pouquinho que eu falei pra ti, um dia desses eu fui lá pro Rio de Janeiro, lá tu sabe quanto eu paguei? Oitenta e sete reais.
Sabe quanto custa isso aqui pra nós? Oito.
Oito reais.
Oito, dez reais, porque eu compro hoje um litro de açaí por cinco reais, né? Eu compro meio quilo de farinha hoje por três, quatro reais.
Então, o que é riqueza pra vocês, pra mim não é.
Aí está na história, né? O baiano, o paraense, o maranhense é tudo vadio.
Não é que nós sejamos vadio.
Não é a nossa cultura.
Não é a nossa cultura.
Voltando pra logística de Barcarena e o entender, hoje, né? Desde 1970 pra cá, vem esse tipo de desenvolvimento que, pra vocês que vêm de fora, como diz a música, é desenvolvimento pra nós.
Mas não foi perguntado pra nós se nós queremos isso.
Então, os grandes projetos emperram aí.
E hoje, graças a Deus, nós já temos pessoas que nos ajudam a entender isso.
Então, se fossem julgados os processos que nós colocamos do não respeito, né, da violação dos nossos direitos, todos os projetos iam pagar uma indenização imensa pra nós, porque pessoas morreram com depressão.
Antigamente, as pessoas diziam assim: “O fulano morreu apaixonado.
Sabe quem morreu? Foi fulano que morreu apaixonado”.
E o que era? Porque ficava triste, não queria comer, não saía, não tomava banho, não queria falar pra ninguém.
Esses sintomas que eu estou te dizendo são sintomas de quê? Depressão.
E antigamente qual era o nome que dava? Paixão.
“Fulano morreu apaixonado.
Fulano se matou, se suicidou.
Se matou” “Por quê?” “Apaixonado”.
Não tinha outro nome.
Hoje, dão nome: depressão.
Muita gente morreu assim.
Fulano veio de lá do Burajuba, tia Maria veio lá do Burajuba, tio Emiliano veio de lá do Burajuba pra cá, morreu apaixonado.
Muitos morreram assim.
Por quê? Porque não foram respeitados.
Saíram de uma grande porção de terra, pra ir pra um dez por vinte, não era nem dez por trinta, nem dez por cinquenta.
Dez por vinte.
Até hoje as casinhas no bairro do Laranjal estão do mesmo jeito.
Então, uma pessoa que tinha oito, dez tarefas de roça, que tirava o seu.
.
.
a sua farinha, o seu tucupi pra fazer um tacacá, pegava o seu jerimum e tudo o que queria, pegava da roça, pegava do rio.
E vai pra um bairro aonde, se ele não trabalhar, ele não come.
Não tem quem dê.
A cultura era se eu fazia a farinha hoje e tinha e a tua estava acabando: “Mário, meu primo, me empreste uma lata de farinha que daqui a três dias eu vou fazer e eu te pago”.
Na cidade, não existe isso.
Não tem quem te dê e tu não tem de onde tirar.
P1: Queria retomar ainda na família da sua mãe.
Só pra eu entender, então, desde o século XVIII eles têm essa terra, chegou nos anos 1970, começam a desapropriação, eles vão pro Laranjal.
É isso? A família da sua mãe.
R1: Não.
P1: Não?
R1: A família do meu pai.
P1: Do seu pai que estava.
.
.
R1: Vai pra dentro das terras da família da minha mãe.
P1: Que já estava lá.
R1: Que é a dona do terreno.
Então, o bairro que eles constroem, pra ida da família do meu pai, da parte do meu pai, eles vão pra dentro do nosso terreno, do Gibirié de São Lourenço.
O bairro do Laranjal é feito, construído dentro do Quilombo São Lourenço.
P1: Tá.
E o quilombo existe enquanto quilombo desde.
.
.
R1: Enquanto quilombo, porque, é.
.
.
só.
.
.
o reconhecimento dele enquanto quilombo vem em.
.
.
nós colocamos o processo de reconhecimento dele em 2010.
Então, a Fundação Cultural Palmares nos concede, mandou um antropólogo, fez todo o estudo antropológico e ela nos concede em 2016.
Em 2016, a Fundação Cultural Palmares nos certifica, reconhece que nós somos quilombo.
Então, nós temos a certidão, né, da Fundação Cultural Palmares, nos dando o título de quilombo.
P1: E como é que foi esse processo? Foi um processo longo, né?
R1: Ele foi um processo longo, né? Ele acontece.
.
.
o quilombo, é.
.
.
Burajuba foi o primeiro quilombo a ser certificado, né? Ele passa por um processo de certificação e ele abre as portas para nós.
Quando foi.
.
.
ele pediu o reconhecimento de quilombo, quando foi em 2010.
.
.
e tudo isso graças a um procurador que nós temos aqui - tínhamos, agora ele está em Brasília - que se chama Doutor Felício Pontes.
Foi.
.
.
é um amigo nosso, que nos garantiu ficar na terra.
Disse: “Esse povo aqui ninguém mexe”.
E ele não foi pra questão de carteirada, porque ele era o procurador, não.
Ele disse: “Vamos lá”.
Pediu pra Universidade Federal do Pará vir fazer o nosso estudo antropológico.
Então, pelos estudos, né? Se fosse comprovado, nós permanecíamos na terra.
Se não fosse comprovado, que nós éramos invasores, né, então não só o estudo documental, mas os estudos.
.
.
o estudo antropológico, provou que nós vivíamos aqui, que os nossos antepassados chegaram aqui há muito tempo ((estalar de dedos)).
Então, por esses estudos antropológicos que foi comprovado.
Aí a Fundação Palmares veio, chamaram também a Doutora Rosane Maia, na época ela era doutoranda e a professora Rosa Azevedo, que fez a nova cartografia do Pará.
Pode jogar lá no Google tem: “Nova cartografia do Pará”, a doutora Rosa Azevedo tem, né, esse estudo, junto com uma equipe dela da Universidade Federal do Pará.
E ela faz o nosso estudo antropológico.
E a Fundação Cultural Palmares manda o antropólogo dela e também verifica tudo.
E foi reconhecido mais quatro quilombos: Quilombo Conceição; o Quilombo São João; o Quilombo Gibirié de São Lourenço, que somos nós e o Quilombo Cupuaçu.
Então, formamos os cinco quilombos.
E o Quilombo Burajuba, que foi o primeiro.
Então, a prefeitura de Barcarena continua a nos invisibilizar.
Ela não quer nos reconhecer enquanto família tradicional, como família quilombola, ela não quer nos reconhecer.
Por quê? Porque há todo o interesse, como eu te falei, empresarial, do capital.
Porque, se a prefeitura me reconhece, ela não pode mais destinar a minha terra sem me perguntar, pra grandes projetos.
É uma forma de burlar a lei, como eu estava te falando.
Se a prefeitura me reconhece que eu sou um quilombola, que dentro do município existem comunidades quilombolas, a situação muda de figura, porque quem quiser vir pra cá, o projeto, eu tenho que perguntar.
Eu tenho que perguntar.
Então, há um grande interesse.
No PDDU, Plano Diretor do Município, as nossas terras, se tu pegar o satélite, pegar o mapa, as únicas áreas verdes que têm nesta reunião é aonde nós estamos, as famílias tradicionais e as famílias quilombola.
É por isso que não é dado pra nós, a regularização fundiária não é feita para nós.
Mas nós achamos um absurdo uma empresa vir, de qualquer lugar que seja e ganhar a terra.
Está lá: “Toma, Lucas, vai e constrói a tua empresa”.
Mas nós que moramos aqui não temos esse direito.
A autoridade não dá pra nós esse direito.
Então, tem muito interesse comercial nesta terra.
Como eu te falei ainda pouco, nós não queremos ser empecilho.
Nós não queremos ser aqueles que estão impedindo o desenvolvimento.
Não.
Nós só queremos viver em paz, naquilo que é nosso.
O nosso rio ser tratado.
Tu pegas um peixe, tu pegas um camarão, aqui neste Rio Murucupi, tu sente o odor do detergente e tu sente o gosto do sabão em pó, da gasolina.
Tem rio, tem peixe, tem crustáceo, tem.
.
.
((estalar de dedos)) camarão, mas tem todo esse gosto aí.
O sabor é esse que eu estou te falando.
Por quê? Porque o que é.
.
.
o resíduo que é produzido aqui na Vila dos Cabanos, nos outros bairros, agora, aqui do Murucupi, do Pioneiro, Laranjal, São Francisco, o esgoto é jogado todo no rio, sem tratamento nenhum.
Então, é esse desenvolvimento? Tipo de desenvolvimento? Por isso que eu estou te falando, a que custo? A que custo? E nós não queremos isso.
Lucas, se tu quer estabelecer a tua empresa aqui, ótimo, porque o meu filho vai trabalhar lá, mas faz saneamento básico, cria a estação de tratamento de água e esgoto, pra ti devolver pro rio a água tratada, pra que não afete o camarão, o peixe, pra que eu possa.
.
.
eu tomei banho de rio, muito.
O meu filho não pode, porque toda vez que ele vai pro rio, ele fica todo empolado, é coceira.
Eu tomei banho, muito banho de rio.
Eu descia, a gente costuma dizer, a gente desce no rio meia de enchente e sobe meia de vazante, quando a maré vai vazando é então que a gente vai saindo do dentro do igarapé.
Ele não pode fazer isso, porque ele vai pro rio, a coceira no corpo, as bolhas de coceira de água, parece uma catapora, aparecem no corpo das crianças.
E hoje, o que é mais triste, é ver as crianças na beira do rio querendo tomar banho e não pode, porque a água está poluída.
De onde vem? De onde vem essa poluição? O lixão onde é depositado o que é produzido, o resíduo que é produzido em todos os bairros, é jogado ali na nascente do Rio Murucupi, nascente.
A própria prefeitura, que deveria nos proteger, está nos prejudicando, porque o chorume deveria ser tratado antes dele ir pro rio.
Vai lá, é uma vala feita onde o chorume, que é o produto.
.
.
meu amigo, você não sabe o que é o chorume, o tanto de produto químico que é produzido ali, tanto biológico, como químico, pra ser jogado dentro do rio.
E não é tratado isso.
Fizeram, denunciaram a estação de tratamento, mas eu não vi.
Está se pagando hoje duzentos reais aqui na Vila dos Cabanos, porque, o olho aqui, pra imposto, cresceu, porque foi entregue pra prefeitura, cresceu.
Então, é pago.
Mas cadê o tratamento pra jogar água no rio? Então, é esse tipo de desenvolvimento que nós não queremos.
O quilombola, o indígena não quer.
Não quer, não nos interessa.
Agora, tu diz assim: “Mário, eu vou respeitar, sim, os direitos de vocês.
Vai ter infraestrutura dentro das aldeias e dos quilombos pra o que vocês plantarem, nós vamos aproveitar”.
O que é plantado aqui, é consumido por nós.
O projeto, os projetos, nenhum deles consomem farinha, mandioca, macaxeira, produtos da agricultura familiar daqui.
Eu, em diálogo, muitas lideranças em diálogo com os projetos da Hydro, da Vale quando vivia aqui, da Imerys, eu dizia pra eles, digo pra eles: “Vocês vão comprar a macaxeira, que vocês lá no sul chamam de aipim, né, a farinha, seja ela fina, seja ela grossa.
Vocês vão comprar jerimum, abóbora, verdura, vocês vão comprar lá na Ceasa em Belém, na Ceasa em Belém.
E os trabalhadores rurais daqui? Vivem de quê?” “Ah, Mário, isso leva tempo”.
O projeto já está aqui há quarenta anos, por que não preparou o povo? A Hydro, os projetos, os portos, a Alubar, a Imerys, não comporta todo mundo.
Por quê? Porque vem gente de tudo quanto é lugar, pra trabalhar aí.
Os filhos de Barcarena não têm direito, porque aqui, antigamente, nós não tínhamos.
Hoje, nós já temos técnicos de tudo quanto é coisa.
Qualidade que você precisar, Barcarena tem.
O que é feito? É trazido de lá de fora.
É trazido de lá de fora.
Está se criando um grande movimento aqui.
De quê? O grande movimento é que as empresas contratem gente daqui.
Vai ali no porto que eu te falei, do porto da Vila de São Francisco.
Todo dia é quinze, vinte barcos saindo cheio de gente pra Belém.
O alto escalão.
O alto escalão.
Vai gerar dinheiro aonde? Locais em Belém.
O dinheiro não fica em Barcarena.
É justo? O que fica em Barcarena? A mazela.
A maioria do nosso povo, dos filhos de Barcarena, sabe aonde estão? Em Santa Catarina.
É engraçado, que o catarinense, ele acolhe o paraense.
Muitos nossos estão pra lá.
Estão em.
.
.
naquele.
.
.
no Amapá, aqui no Amapá tem muitos barcarenenses.
Mas o filho de Barcarena não tem direito de trabalhar nos grandes projetos, daqui.
Eu, em diálogo dentro da Hydro, disse o seguinte: “O que eu vou fazer com.
.
.
” - eu falo meu - “o meu paulista que chegou aqui em 1985, na época da inauguração e vocês o tiraram com 26 anos de empresa.
Vocês tiraram o meu mineiro, porque ele chegou aqui, residiu, tá? Criou os filhos dele, está aqui, com 25 anos, 22 anos.
O meu baiano, o meu maranhense, que já tem uma vida aqui.
Vocês tiraram e agora vocês trouxeram novos e não quiseram ficar aqui, estão em um hotel lá em Belém.
No hotel em Belém.
Isso não é justo.
Eu não acho justo, com o povo que veio, ajudou a desenvolver o município e agora vocês abandonaram e trouxeram outros.
Isso não é justo com o povo que chegou aqui e tirou do zero.
E tirou do zero.
Assim como não é justo com o filho daqui, que não tem vez”.
Tem uma filha daqui, não de Barcarena, mas de Abaetetuba, que eu vejo que eles apresentam, que é uma menina de Abaetetuba, que lida com a questão ambiental.
É a única que eles apresentam.
No médio escalão.
No alto escalão não tem ninguém.
Por quê? Porque não foi preparado ninguém.
Se eu quero fazer uma escola técnica, eu pago.
Eu pago.
Eu tenho que pagar quatrocentos reais, dois mil reais, se eu quero ser um técnico em logística, se eu quero ser um técnico de segurança, seja ele ambiental, seja ele do trabalho, seja ele da saúde.
Eu tenho que pagar.
O Senai que deveria ser pago, lá no Rio, vocês têm o Sesi, tem o Senai, tem o Senac, que são todos de graça, aqui eu tenho que pagar.
A indústria do estado do Pará não investe nem um centavo.
“Mas, Mário, tu está falando tanta coisa negativa.
O que é feito pelas comunidades?” O que é feito pelas comunidades são elefantes brancos.
Já foi investido muito sim, já foi feito.
.
.
investido em doceria, já foi feito em beleza, manicure, pedicure, cabeleireiro, já foi feito em corte e costura.
É desonra? Não é desonra, mas o meu filho foi preparado pra assumir, ser diretor da empresa? Não.
Mas no projeto social, dos grandes projetos, o que é feito? O filho da terra.
O projeto é pra atender a região, a região, está lá o projeto social, o cunho social, pode pegar de qualquer projeto, é pra atender a mão de obra local, o povo local.
Pega, pega o quadro funcional, o povo local está lá embaixo, é peão.
Mas aqui em Barcarena nós temos engenheiros, seja ele de qualquer - o que eu tô te falando - linha, nós temos.
Nós temos químicos, industriais, de qualquer que tu quiseres.
Nós temos biólogos.
Graças a Deus, no Quilombo São Lourenço, passou um agora que nós nos surpreendemos muito, ele vai ser engenheiro ferroviário, né, que diz.
Engenheiro ferroviário.
Quando vir a ferrovia pra cá, ele vai está formado.
Agora, pergunta a Mário se ele vai ter chance.
Não.
Vão trazer lá do Maranhão, vão trazer de Minas Gerais, vão trazer da Holanda, da Inglaterra.
Será que esse meu primo, negro, filho da terra, vai ter direito de trabalhar? Então, é isso que nós vivemos em Barcarena.
P1: Hoje.
R1: Os grandes projetos vieram não pra beneficiar o filho de Barcarena.
Eu dou minha cara a tapa e me digam que os filhos de Barcarena estão sendo beneficiados.
“Ah, Mário.
.
.
”.
Estão carregando pedra, estão lidando com a lama vermelha.
Estão.
Quarenta anos.
.
.
eu deveria ter vergonha, os grandes projetos deveriam ter vergonha em Barcarena, quarenta anos.
Porque se eu sou empresário de visão, Lucas, a empresa formou engenheiros químicos.
Hoje, quem.
.
.
eu, na minha visão, pegar um quadro funcional, a empresa gerou, nesses quarenta anos, engenheiros químicos filhos de Barcarena, competentes e quem comanda a empresa hoje é um filho de Barcarena.
Quando? Eu vou esperar mais quarenta anos? Se eu, como eu te disse, isso aqui vai ficar pra prosperidade, eu espero, daqui quarenta anos, tu voltares aqui e dizer: “Mário, está aqui, olha, vamos falar agora de uma nova história?” Eu com oitenta, já, né, que hoje eu estou com quarenta e cinco, né e tu voltares: “Mário, bora fazer uma nova história? Bora escrever uma nova história?”.
Eu vou dizer: “Bora, Lucas.
Bora deixar um novo registro”.
É esse sonho que eu digo pros diretores de qualquer projeto onde eu vou.
Pra mim, projeto de desenvolvimento é quando você desenvolve os filhos de Barcarena, os filhos.
“Ah, Mário, mas a empresa é global”.
Acabei de dizer, eu não sou contra quem vem de fora.
Quem veio de fora, ajudou a nos desenvolver.
O meu pai era um trabalhador rural.
Era.
Mas o meu pai, quando ele faleceu, além de trabalhador rural, era um pedreiro civil e um pedreiro refratário.
Quem foi que ensinou ele? Quem veio de fora.
Quem disse que eu não sou agradecido? Sou.
Lucas, eu sou.
Mas eu ficaria mais agradecido, se tu não me desse só o peixe pra pescar, tu me ensinasse a pescar.
E lá no final: “Não, Mário, olha, eu, enquanto profissional, te dou a tua carta de alforria”.
Porque escravizam o povo aí, Lucas.
A escravidão hoje, ela vem assim: “Eu te deixo à margem, eu te mantenho escravo, dependente de mim, até quando eu quiser”.
Agora, tu chegar pra mim e dizer assim: “Mário, assina a carteira do Mário aqui como profissional”.
Eu, antigamente, o pedreiro, o carpinteiro, né, tinha o direito de dizer pro patrão: “Olha, classifica o Mário”.
Era ele.
Eu era o teu ajudante de pedreiro, era o teu ajudante de carpintaria ou coisa.
“Tá aqui ó, classifica ele”.
E assim fizeram com o meu pai.
Meu pai tinha a quarta série primária e quem veio de fora, um colega.
.
.
os colegas dele que vinham trabalhar com ele, pediam: “Classifica ele”.
O que que tu tá dando, Lucas? A carta de alforria, a liberdade, o valor.
Então, quem vem de fora, tem que nos respeitar neste sentido.
Nós não queremos depender de ninguém, nós não queremos nada de ninguém.
Nós queremos o que é nosso.
Então, quebrem a corrente.
Deixem que a gente viva.
Nós não queremos mais pegar em armas não, como os nossos antepassados fizeram com a Cabanagem.
Não.
Nós queremos ser respeitados nesta terra.
Nós não queremos empatar ninguém, mas nós queremos ter o direito de viver.
Construíram a bacia quase dentro da cozinha da minha prima ali.
Se acontecer alguma coisa, como aconteceu Mariana, sabe quantos minutos ela vai ser soterrada? Em seis minutos, doze minutos, ela vai ser soterrada.
Nós não queremos empatar ninguém.
Não.
P1: Mário, o quilombo mesmo existia desde quando?
R1: Ele existe desde mil.
.
.
final de 1600, quando o meu tetravô chega aqui, como eu te falei ainda pouco.
Então, ele começa a receber gente, famílias do Marajó, outros, famílias do Marajó que chegam aqui, vão pedindo um pedaço de terra, vão se assentando e ele vai acolhendo esse povo, como a história do quilombo, dos quilombos contam, que essa é a característica, né?
P1: As pessoas vinham fugindo ou.
.
.
R1: As pessoas vinham fugindo, né? Até mesmo porque, em 1738, que ele registra, a abolição é quando? Mil oitocentos.
.
.
P1: E oitenta e oito.
R1: .
.
.
e oitenta e oito.
Então, nós estamos cem anos.
Então: “Mário, mas como o teu avô, tetravô, negro, compra essas terras?”.
O meu tetravô compra por dezessete mil contos de réis.
Um conto de réis, naquela época, era como se você tivesse um milhão.
Era muito dinheiro, era muito dinheiro.
“Mário, onde ele achou?”.
Não sei.
Não sei.
Ele deveria ser um negro muito bem quisto pelo seu senhor, porque deu a ele, porque com certeza foi o senhor dele que deu a ele essas terras, quem sabe registrou pra ele e deu a ele.
Porque tem um certo momento da história, que os negros vêm do Marajó pra cá.
Então, não são poucos negros.
E negros alforriados.
E negros que o senhor dele.
.
.
porque também, nós estamos em uma região que também foi colonizada pelos espanhóis e pelos ingleses.
Não é só português.
Então, tem uma outra visão.
Tinha uma outra cultura, de tratar os escravos.
Então, essa lacuna da história é a que nós estamos ainda estudando e buscando, né? O que importa é que ele chegou aqui e essas são as características.
Tu chegava com a tua família, seja fugido da fome, seja fugido de alguma fazenda, seja escravo fugitivo, tu chegava aqui e te assentava.
Tanto é que o quilombo, quando tu vai puxar as descendências, né, são famílias diferentes.
É Gomes, é Silva, é Trindade.
Então, todas essas coisas de nome, são característica de quê? Dos negros.
É Santana.
Porque, quando os negros chegam no Brasil, que eles não tinham sobrenome, então era dado João Santana, que era sinal que ele era católico.
Por quê? Ajuntava o nome da vó de Jesus, Santa Ana, Santana.
Então, o povo católico já batizava e colocava Santana.
Santos, a mesma coisa.
Sabe a história dos sobrenomes no Brasil, não sabe? Então, era assim.
Gomes talvez fosse do seu senhor e tal e foram dando os sobrenomes.
Então, a característica era essa: acolher.
Até hoje, até hoje, o pouquinho de terra que nós ainda temos, se tu é uma pessoa humilde, não tem aonde morar, as minhas tias, hoje, até hoje, ela diz assim: “Vai, meu filho, mede ali um pedacinho pra ti.
Vai lá”.
E com esse costume nós perdemos muito.
Por quê? Porque quem aqui chegou, não vive mais.
E os filhos, os netos, não respeitam mais, já crescem o olho.
Porque aquele que aqui chegou, respeitava que não era seu, ele foi acolhido e não tinha o direito a vender.
Muitos, dentro dos nossos quilombos, as terras estão sendo vendidas porque aquele que aqui chegou, não tem amor, aquele que aqui está, não tem o mesmo amor que o pai dele tinha, que o avô dele tinha, que aprendeu com o meu avô.
Não.
Nós vivemos.
.
.
P1: _________ (01:02:25) passado.
R: Não.
Então, o que eles querem? É vender.
É ir embora.
Hoje já se fala até em ir embora.
E vendem e vão embora pra outro canto.
Ao contrário da nossa família, que ama esse chão, que dá a vida por esse chão, né? Nós, família Santos, né? E aí ela, como eu te falei, vai se ramificando por Santana, Santos, Gomes e outras coisas, né, outros sobrenomes.
P1: Qual que é o nome do teu pai?
R1: O meu pai é Raimundo Coutinho do Espírito Santo.
Mas esse Espírito Santo não é dele.
Esse Espírito Santo é da época que, se o pai não fosse casado, o padrinho tinha que ser.
E o padrinho era que registrava, que dava o sobrenome.
O meu avô consta como pai do meu pai, mas ele não ganhou o sobrenome do meu pai, ele ganhou o sobrenome do padrinho do irmão dele.
Olha essa misturada! Porque o meu pai era Raimundo Coutinho, se ele fosse seguir o nome da mãe dele, Raimundo Coutinho.
.
.
do pai dele, Raimundo Coutinho Santana.
Era pra ser o meu sobrenome.
É por isso que: “Mário, mas tu é da família Santos e o teu sobrenome é Espírito Santo”.
É por causa dessa misturada.
P1: E a sua mãe?
R1: E o papai não.
.
.
aí teve um tempo que mudou, que os filhos já podiam chegar com a certidão do seu pai, coisa, ir no cartório.
E o papai nunca teve esse.
.
.
nunca quis mudar, né? O nome de Espírito Santo.
Nunca teve essa coisa de mudar.
Mas eu, no caso, tenho na minha certidão o nome dos meus avós e, pra mim, é uma parte da história que eu não posso apagar, eu tenho que contar essa parte da história, que o meu sobrenome é do padrinho do meu tio, não é meu.
Então, até essa parte da história, a minha família viveu (risos) e ela não pode ser apagada.
P1: Agora, a tua mãe, qual que é o nome inteiro dela?
R1: A minha mãe é Joana Assunção do Espírito Santo, porque é casada com meu pai, o Espírito Santo.
Até o nome da minha mãe é a mesma coisa.
O Assunção não é da minha mãe.
O Assunção é de um senhor que nunca teve filho na vida dele e a maior vontade dele era ter uma filha.
Nunca foi casado, a vontade dele era de ter uma filha.
E ele pediu pro meu avô e pra minha avó se o meu avô o deixava registrar a minha mãe como filha dele.
O meu avô o deixou por filiar a minha mãe como filha dele.
Porque o nome da minha mãe, se fosse, era Joana Correia dos Santos.
Então, aí essa misturada toda.
Entendeu? Então, é a parte da história.
É uma parte da história que eu tenho que contar, porque aconteceu assim, né?
P1: Quando você nasceu, que lembranças são as primeiras que você tem, assim?
R1: Olha, lindas lembranças.
Lindas.
Porque nós, aqui, costumamos acordar cedo, né, pra ir pra roça.
Então, eu lembro de indo com.
.
.
pra roça.
Aqui, nós não tínhamos garrafas, essa coisa, né? Então, o que nós tínhamos aqui era o que vocês chamam lá de cabaça, nós chamamos de cuia.
Nós tínhamos baldes de cuia.
Nós colocávamos água dentro, furávamos, né e fazíamos daquela.
.
.
um balde, que era pra levar água pra roça.
Então, a lembrança que eu tenho, todas, é: do trabalho da lavoura, de ir pro rio, descer meia de enchente e subir meia de vazante.
Isso quando a mãe velha ia com um bocado de pau, né, ((riso)) pra nos tirar de dentro do rio.
E.
.
.
sentar na beira de uma.
.
.
debaixo de uma árvore de manga, com uma cuinha, uma cuinha de farinha e com umas dez mangas, assim, no lado, né? A gente fazia aposta.
O meu primo comia vinte e cinco, trinta mangas, com farinha, tirada, com farinha e chupada, o caroço tinha que ficar branco.
Só ganhava a aposta aquele que chupasse a manga e deixasse o caroço branco.
O filho da mãe comia vinte e cinco.
Enquanto nós ‘comia’ seis, sete, ele comia vinte e cinco.
Tudo isso que ele não queria buscar água lá na cacimba, né? A aposta era essa, que tinha que encher os tambores de água, pra trazer pra casa.
Então, ele comia.
Nós nunca conseguimos vencer, né? Primeiro que nós éramos tudo pequeno e ele era o maior.
Então, é esse tipo de lembrança que eu tenho.
P1: Sua casa era como?
R1: A nossa casa era de madeira, né, coberta de palha, chão batido, chão batido que.
.
.
você, né, comprime, comprime a terra e, antes de varrer, você molha todo, pra não sentar a poeira.
Então, era assim que era a nossa casa, né? A fechadura era um pauzinho, né, um trinquinho com.
.
.
aí feito um buraco na porta, aí você bota um fio, ((riso)) aí aquele fio abre e fecha, quando você puxa, aquele fio abre e fecha a porta.
Então, era assim na nossa casa.
P1: Você tinha quantos irmãos?
R1: Eu tenho três vivos hoje.
Nós éramos cinco, né?
P1: Como que é a escadinha?
R1: A escadinha é a Mariana, a mais velha; o Mariano, o segundo; eu o terceiro; a Maricleide, a quarta e o Márcio, o quinto.
Infelizmente, o meu irmão Mariano, né, que é o segundo, veio a falecer de insuficiência respiratória, uma bronquite crônica que ele tinha, aí cresceu o coração, aí teve toda uma preocupação, diabete, toda uma coisa, ele.
.
.
nós chegamos a tratá-lo por dez anos, dez, doze anos de tratamento, mas não conseguimos alcançar.
Ele morre com trinta e oito anos, né? É.
.
.
é o coisa da minha vó, da mãe do meu pai, que morreu de câimbra.
Foi, câimbra.
Ela morreu de câimbra, aos trinta e sete.
Aí o meu irmão morre aos trinta e oito, né? Mamãe teve mais uns dois, mas não sobrevive.
Teve o Manoel, com um ano e pouco, ele morre de sarampo, na grande contaminação de sarampo que tinha, ele morreu.
E teve a Mirian também, que morre com menos de um ano, com.
.
.
antigamente chamava doença do umbigo e a gente sabe que a doença do umbigo é o tétano, né? Então, muitas crianças naquela época, 1968, né, morrem assim.
As parteiras chamavam doença do umbigo e nada mais, nada menos, do que tétano, né? Por processos de infecções.
Então.
.
.
P1: Como é que era o quilombo, nessa época? Era diferente do que é hoje?
R1: Muito.
P1: A cidade também?
R1: Muito.
Muito, muito, muito, muito.
Por quê? Porque o que aqui tínhamos, daqui sobrevivíamos: a castanha, o bacuri, a farinha, o carvão.
Era tudo colocado nas canoas, à vela e levado pra vender em Belém.
Belém, nessa época, não tínhamos gás, botijão de gás.
O que tínhamos? Os fogões à lenha.
Então, aqui, nós, os meus antepassados faziam aqueles.
.
.
a gente chama feixe, feixe de lenha, né, que são.
.
.
você amarra um monte de madeira, né e faz aqueles.
.
.
e leva pra vender, tudo em pedacinhos assim e leva pra vender em Belém.
Então, a lenha, né, a madeira seca, frutas de todas as espécies, o próprio camarão, o peixe.
Então, tudo que é produzido dentro do quilombo, é levado pra Belém.
E, além de ser vendido, de ser trocado, porque nessa época também e costuma até hoje, como eu te falei, tu faz a farinha: “O Lucas fez farinha hoje.
Então, eu vou lá emprestar duas latas, três latas dele”.
Aí eu ia, te emprestava, tu pegava, me emprestava, quando eu fazia a minha, eu te dava.
Ou então a troco: “O Lucas foi pro Rio, trouxe muito peixe.
Eu vou já lá trocar uma lata de farinha com ele, com peixe, com camarão, com.
.
.
”.
O pessoal ia muito pra cá, pra Vigia, buscar caranguejo.
“Então eu vou levar uma tapioca, vou levar um tucupi pra ele, pra ele trocar”.
Então, era assim que era vivido no quilombo.
Entre nós, a troca.
Eu amassei um açaí, eu vou trocar com o tio Pedro, com a tia Maria, o açaí com um pedaço de gurijuba, um pedaço de.
.
.
aquele peixe muito usado.
Eu vou trocar com qualquer coisa, com um pedaço de carne, com um porco, com uma galinha.
Antigamente, se trocava o ovo.
Vê a importância de um ovo.
O ovo trocado, se colocado debaixo de uma outra galinha, ele vai gerar mais galinha.
Sim ou não? Vai.
Ele vai ((riso)) nascer pra se tornar galinha e daí tu vai produzir mais.
Antigamente, um ovo.
.
.
a mamãe conta isso, que ela ia na taberna e ela trazia fumo pra minha vó, açúcar, café.
O que ela ia trocar lá? O dono da venda trocava o ovo pelo sal, pelo açúcar.
A importância que tinha aqui.
Uma galinha era trocada.
Um porco, um leitão, era trocado.
Que não tinha dinheiro, não circulava dinheiro.
Então, era assim.
A mão de obra no quilombo era: eu tinha cinco irmãos, tu tinha só dois, três.
O que era calculado? Hoje, eu vou lá pra casa do tio João, porque nós vamos fazer uma juntada.
Pra vocês lá é mutirão, pra nós é juntada.
Fazer uma juntada, que nós vamos botar quatro tarefas de roça.
Como tu só tinha dois filhos e eu tinha quatro, nós íamos.
.
.
tu levaria seis, oito dias pra roçar essas quatro tarefas de roça, nós fazíamos em dois dias.
Então, tu estava me devendo quantos dias? Dois.
Então, era troca de trabalho.
Enquanto eu ia dois dias, porque eu tinha os meus quatro filhos, nós íamos dois dias, roçava e derrubava a roça - ainda tinha isso - pra ti, tu ia dar quatro dias de trabalho pra mim.
Então, era essa a troca de trabalho.
Era essa a troca de trabalho.
Pra fazer farinha, a mesma coisa.
A mesma coisa.
Por quê? Porque tu não dava conta de fazer sozinho.
Então, eu ia pra lá contigo fazer farinha, que quando eu fosse desmanchar a minha roça também, tu ia pra lá comigo.
Então, era essa a paga, né?
P1: E você __ (01:16:47)?
R1: Muito, meu amigo.
Muito! Não era só o trabalho.
P1: Brincava também.
R1: Ixi! Bole-bole, macaca.
Sabe, o que vocês chamam pra lá de amarelinha, né? Nós ‘chamava’ de macaca.
Subir na árvore.
Isso aqui ó, meu braço é torto devido eu estar subindo na árvore, subi de lá, subi e caí, né? ((Risos)) A minha vó era.
.
.
a gente chama de puxadeira, né? Ela botou duas vezes no lugar.
Eu dava topada correndo, topada, coisa.
Disse: “Eu não vou botar mais, não.
Filha da.
.
.
fica assim desse jeito”.
E eu fiquei, com o braço torto.
A gente se pendurava num galho desse aqui, pendurava dois, três, né, pro galho poder baixar.
Aí se pendurava, botava os mais magrinhos ((risos)) e mandava pra cima, subia lá no alto, último grelo da coisa, se jogava dentro do rio, ‘tchum’.
Era a nossa vida.
Brincar de bole-bole.
Sabe o que é bole-bole? A gente pega a pedra, né? Não sei como é que vocês chamam pra lá, a gente pega a pedra, aquela que a gente bota um monte, que tu dê pra ti aguentar na mão, aí tu joga e tu vai.
.
.
joga pra cima e vai aparando com essa mão, jogando pra cá, sem deixar a pedra cair.
Isso, pra nós, é o bole-bole, né? Fazer barquinho de miriti pra botar na água.
Nós tínhamos o nosso momento de lazer.
Não era só.
.
.
hoje vocês chamam de exploração infantil, né? ((Risos)) Nós, não.
Nós, não.
Além de descer pra ‘valja’.
.
.
.
Nós ‘chama valja’, vocês chamam várzea.
.
.
descer pra várzea e tirar dez latas, quinze latas de açaí, pra nós, era brincadeira: quem sobe mais rápido, quem desce, quem tira mais.
E hoje, tu vai na ilha, onde tem muito açaí e coisa, um jovem não quer vir pra cidade.
Por que ele não quer vir pra cidade? Porque lá ele vai se tornar consumidor de droga, ele vai ser vítima do tráfico de droga, ele vai ser vítima do latrocínio, de ser morto.
Um jovem, pergunta pra um jovem da ilha, se ele quer vir morar na cidade.
Antigamente, era o deslumbre, né? “Ai, eu moro na cidade”.
Pergunta pro jovem da ilha.
O jovem da ilha hoje, meu irmão, tem um ‘martfone’.
Como é que chama, que eu não sei nem falar? Deste tamanho assim.
Quanto eu tenho um J2, né, um pebazinho, ((riso)) o pirralho, o pequeno de quinze anos, dezesseis anos, tem um ‘martphone’ desse tamanho.
Tem uma tela plana daquelas de cinquenta, sessenta polegadas, coisa que eu não tenho, que a minha é deste tamaninho assim.
Jovem.
Ele tem a própria rabeta dele, que ele vai de comunidade em comunidade, passeando e vendo.
Ele desce lá no porto, sabe com o quê? Com o sapato daqueles melhores, da ‘Olimpos’, do coisa.
Mas não é qualquer ‘Olimpos’ não, filho.
Tá? Ele desce com uma camisa da Nike, com a chuteira dele.
Não é como ‘diz nós’, chuteira peba, não.
É chuteira daquele que o Ronaldinho usa.
E o menino da cidade não tem isso.
Quando ele vê, ele fica.
.
.
o menino da cidade vê, ele fica com inveja.
Fica com inveja.
E os meninos da ilha, os meninos que trabalham no campo, andam bem, trabalham bem.
Isso não é exploração infantil, não.
Não.
Nós temos os nossos momentos de lazer.
Nós temos os nossos momentos de nos divertir, namorar.
Ihh! Dançar.
P1: Como é que era isso, na época? Você dançar ou ir na igreja.
.
.
R1: Nós.
.
.
nós.
.
.
eu me lembro ainda, desde os oito anos de idade, a gente brinca a quadrilha.
Eu dancei.
.
.
eu estou com 45 anos.
Eu dancei 22 anos, quadrilha.
Não dancei mais porque eu não quis.
Parei.
Disse: “Não, vou pendurar a chuteira.
Não quero mais.
Deixa pros que já vêm aí”.
Desde os oito anos de idade.
Nós criávamos dois porcos.
Um era pra comprar a nossa roupa do dia Sete de Setembro, da festa junina, nossa roupa, que o porco era daquele grande, americano, então dava, né? Nós éramos três: eu, meu irmão Mariano e mais a minha prima Simone.
Então, a vovó criava dois porcos, pra nós, ela dava pra nós.
Dois porcos.
Um pra festa junina e um pra Sete de Setembro.
Nós ‘matava’ o porco e coisa.
E nós brincávamos quadrilha.
Pra nós irmos pra festa, ela: “Mãe, essa semana tem uma festa”.
Ela disse: “Olhe, se vocês quiserem ir, vocês sabem”.
Pois ela colocava - deixa te dizer - mandava nós colocar a mandioca de molho quarta-feira.
A mandioca leva três dias pra amolecer: quarta, quinta, sexta.
Quarta, quinta, sexta.
Quinta e sexta nós ‘ia’ pra roça pra tirar a mandioca pra ralar, pra quando for sexta-feira a mandioca estar mole, nós ‘descascar’, pra vir torrar farinha.
Tu já viu uma mandioca que faz farinha, mole? Meu irmão, ela fede que nem presta.
Sabe aquele odor forte de uma coisa que está podre? Aí nós ‘ia’ no sábado, no rio, né, pra descascar mandioca e fazer farinha.
Tá.
Nós ‘fazia’.
“Mãe, nós vamos.
.
.
nós vamos pra festa” “Vão, mas amanhã tem que terminar de torrar farinha” “Não, não se preocupe”.
Meu amigo, nós ‘passava’ de tudo quanto era coisa pra tirar aquele odor do corpo.
Só que nós já ‘tinha’ as parceiras, né? ((risos)) Meu irmão, quando a gente começava a suar, ((risos)) eu gostava de ver o cheiro que saía.
E era assim que a gente ia viver a vida: trabalhando e se divertindo.
Não era pesado, não.
Aí tu sabe a história da música que: “Eu era feliz e não sabia”? Essa é a nossa história.
Nós éramos felizes, antes dos grandes projetos.
Nós éramos felizes.
Não tinha exploração, não.
Nós levávamos uma vida difícil, né? Mas, na medida do possível, era o que a gente.
.
.
“Mário, é um conformismo?”.
Não.
Quem disse que eu quero viver no passado? Te falei ainda agora.
Eu não quero voltar pra Pedra Lascada.
Eu quero ter o meu celular, eu quero ter a minha internet, eu quero tudo.
Mas eu não tenho a ambição que muita gente tem.
Não tenho.
P1: Você estudou?
R1: Eu estudei.
P1: Como é que é isso?
R1: Eu adquiri esta deficiência, como eu te disse, por questão de comportamento, né, que eu era muito comportado, eu adquiri.
E o meu pai, ele não deixava eu fazer serviço pesado, porque essa deficiência, se eu carregar muito peso, o meu braço, tem a reação de largar, de largar.
Então, o meu pai não deixava.
.
.
ele nunca me ensinou a sentar um tijolo, uma lajota, um (cachi? 01:25:52).
Todo o trabalho da construção civil, que o meu pai sabia fazer, trazer uma casa do chão e entregar pra ti na chave, o meu pai não deixava, que ele dizia que eu não prestava pra trabalhar, que era pra eu lidar com as palavras, com a escrita.
Então, o meu pai sempre me proporcionou, tanto pra mim, como meu irmão, pra todos, mas ele levava mais o meu irmão.
Tanto é que o meu irmão era um ótimo profissional na construção civil.
E hoje, se eu quero, eu tenho que pagar, porque eu não sei sentar.
E eu me formei em Pedagogia.
Sou pedagogo formado, né? E digo pros meus filhos: “Não estudei mais porque eu não quis e não.
.
.
”, que até hoje, se eu quiser voltar a estudar, eu estudo.
P1: Você estava falando, então, porque que você fez Pedagogia.
R1: Eu fiz.
.
.
eu fiz Pedagogia mais pela questão de mercado.
No município, como eu te falei, eu não estudei nada, não me profissionalizei pra ser um trabalhador da construção civil, né? Porque eu tinha a visão que, realmente, eu não ia dar conta de trabalhar na construção civil.
Então, eu tinha que ir pra algum lugar.
E eu sempre tive a facilidade de transmitir, né e construir conhecimento, né? E a Pedagogia, ela sempre me.
.
.
a lidar com as crianças também, né? Esse construir conhecimento, porque não sou eu que sou o detentor do conhecimento, somos nós, né, que temos esse conhecimento.
É a partir do que tu sabe, do que eu sei, que a gente vai construindo o conhecimento, que alguém depois de nós pode aperfeiçoar, ainda mais, né, esse conhecimento.
Então, a gente.
.
.
eu sempre tive essa facilidade, né? E eu optei pela Pedagogia.
Um trabalho que não é reconhecido.
Pra que tenha um engenheiro ou um advogado, um químico, é preciso do professor e o professor, nesse país, não é reconhecido, né? Não é.
P1: Você.
.
.
tenho uma pergunta pra fazer pra quase todo mundo, que é com relação à história que me contaram da baleia.
R1: A história da baleia foi o seguinte: ela veio, entrou pelo furo do Arrozal, né? E, quando ela chega em frente de Barcarena - tem uma prainha lá em frente da cidade - ela pega e encalha.
Encalha na frente de Barcarena.
O povo lutou, lutou muito pra desencalhar ela.
Tanto é que coloca o trator, pega o barco, mas só que não tem jeito, porque a maré está muito seca e ela é muito grande pra desencalhar.
E o que que o povo faz? Na época - eu não sei se ele já era vereador - um italiano, um descendente de italiano chamado Genaro Apollaro, que mais tarde vem ser vereador de Barcarena, tem um trator muito grande e aí ele a pega, a arrasta - ele e mais uns amigos - e esquarteja, a esquarteja.
E cada um dos filhos de Barcarena, né, cada um que estava lá, a população se junta e cada um vai tirando o seu pedaço, vai.
.
.
ele traz um motosserra, ele traz uma motosserra e a serra, a esquarteja todinha e cada um desse pessoal vai tirando o seu pedaço, vai tirando e todo mundo acaba provando da baleia.
Tem até uma música, né?
P1: Ah, é?
R1: É.
Ela diz mais ou menos assim: "Eu vou, eu vou, ‘ca’ minha turma esperar a baleia.
Eu vou, eu vou, ‘ca’ minha turma esperar na areia.
Em Barcarena foi um grande feriado".
Procura Waldo Possa, Waldo Possa, que lá está a música que ele retrata, né, a chegada da baleia, porque ela vem sendo monitorada.
Aí pronto, se torna um grande fato em Barcarena, né? Dessa questão da baleia.
P1: Quem te contou essa história?
R1: Além da minha avó, né, também tinha o Joaquim Vieira, que foi um grande guitarrista no município de Barcarena, tem a própria família de quem esquartejou a baleia, ((riso)) que foi do seu Genaro, que era amigo do meu pai, né? Do Genaro Apollaro, que era amigo do meu pai.
E professora Benta, não sei se você já ouviu falar da professora Maria Siqueira Dias dos Santos, que foi uma grande educadora no município de Barcarena, né, uma grande incentivadora da cultura, várias vezes secretária do Município, de Educação, ora ela era secretária de Educação, ora ela era secretária de Cultura.
Uma pessoa que realmente fez Educação em Barcarena, construiu Educação em Barcarena.
A gente chamava de tia Benta pra ela, mulher do tio Zeca Furtado.
Então, ela também contava pra nós vários fatos e a gente vem adquirindo essas histórias, né, na cabeça.
.
.
como é que a gente fala? Esses causos na cabeça da gente.
P1: Tem alguma história que - sabendo que está gravando, né - você.
.
.
que eu não te perguntei, que está na sua cabeça e você queria registrar? De alguém, alguma coisa que te aconteceu? Alguma história que aconteceu aqui?
R1: Eu gostaria de registrar, além da história do nosso Quilombo Gibirié de São Lourenço, né, que no documento está terreno São Lourenço, Freguesia de São Francisco Xavier.
São Francisco Xavier é o padroeiro do município de Barcarena, padroeiro.
Marquês de Pombal, quando chega no Brasil, mandado pela Coroa, quando chega no Brasil pra expulsar os jesuítas, né e tomar conta de tudo o que os jesuítas tinha, né, a Companhia de Jesus, ele traz pra cá o seu irmão, né, que é o Francisco Xavier Furtado.
Então, aqui, em homenagem, em homenagem ao seu primo, ou seu irmão, né, o Francisco Xavier, que vem pra cá, que ele torna ele representante desta.
.
.
do Grão-Pará, ele coloca São Francisco Xavier como padroeiro desta vila, da então Fazenda Gibirié, Missão dos Jesuítas e transforma as terras destes jesuítas, como administração.
Então, ele forma o município de Barcarena sobre as terras, sobre as terras dos jesuítas.
Então, a primeira administração acontece na Vila de São Francisco Xavier.
O primeiro registro acontece na Vila do Conde, na Missão Mortigura.
Tanto é que está lá a nossa igreja, né, que fez trezentos anos, dias atrás fez trezentos anos, uma das.
.
.
junto com a Igreja de São Francisco, junto com a Igreja de Nossa Senhora das Dores e do Conde, junto com as Igrejas da Vigia, de Igarapé-Miri, que tem esta idade, de trezentos a quatrocentos anos.
Está lá a nossa igreja, está aqui a nossa Igreja de São Francisco.
Então, esses fatos históricos, a questão como Barcarena, né, um lugar de visão logística.
Logística.
Barcarena, hoje, é a porta do celeiro.
Barcarena é a porta do celeiro, né? Registrar que Vila de São Francisco, pra nós, enquanto quilombola, tem grande significado, porque na Igreja de São Francisco se encontra os restos mortais do Cônego Batista Campos, um dos idealizadores da Cabanagem.
Nós temos orgulho de ser cabano.
Nós temos orgulho de dizer que nós não abaixamos a cabeça pra ninguém.
Mas não é com arrogância, Lucas.
É no sentido de que tu me respeite, assim como eu te respeito, de exigir realmente o respeito, de exigir que tu seja justo e tu seja verdadeiro.
Vila de São Francisco guarda um sinal da nossa resistência.
Um sinal.
Está lá, dentro de uma caixinha desse tamanho, os restos mortais do Cônego Batista Campos.
Está lá.
Então, não tentem apagar a nossa história.
Essa história vai ficar pra sempre.
Pra sempre ali.
Entendeu? Muitas lutas estão sendo travadas.
Muitas.
Vila de São Francisco foi de onde partiu o município de Barcarena, no entanto, ela vive desprezada.
Ela precisa ser cuidada, assim como a Vila do Conde, precisa ser cuidada.
Não só a Vila.
Quando eu falo a vila, eu falo o seu povo.
O IDH deste município precisa crescer.
A riqueza precisa ser distribuída para o povo.
Ela precisa ser distribuída para o povo.
O que eu tenho aqui na Vila dos Cabanos é preciso ser distribuído pros outros, pros outros bairros, porque é isso que manda o bom senso da humanidade, o justo, né? Porque não vale a pena só lucrar, lucrar, lucrar, lucrar, lucrar, lucrar.
Uma das histórias, uma das lutas que nós temos é a despoluição do nosso rio.
Nós queremos que o nosso rio seja despoluído.
Não só Murucupi.
Murucupi, Dendê, Tauá, São Francisco, a Bacia do Marajó, que é o Rio Pará.
Nós precisamos cuidar.
E se nós não cuidarmos hoje, Lucas, os filhos desses meninos aqui, não vão ver mais nada.
Não vão ver mais nada.
Porque árvore talvez exista, mas eles não vão ter direito de comer um fruto.
Então, é esse legado que eu quero, se um dia os meus bisnetos, tataranetos verem esta.
.
.
vão dizer assim: “Poxa, eu gostaria de agradecer o meu tetravô, que se hoje eu estou comendo uma manga daqui, produzido sem agrotóxico, sem ser modificada geneticamente, se eu estou comendo uma fruta daqui, é porque ele lutou lá no passado".
É isso que a gente quer deixar.
“Se hoje eu posso respirar esse ar aqui, foi o meu tetravô que lutou lá".
Hoje nós estamos em ameaça, vivendo uma pandemia, onde vocês aqui estão todos de máscaras, só quem está sem máscara sou eu.
Por quê? Porque se vocês estiverem infectados, não me infectar e, se eu tiver, não infectar vocês.
Mas eu não quero que o meu neto, meu bisneto, meu tetraneto, viva isso lá no futuro.
E tudo isso eu só vou ter, se eu cuidar do agora.
O tanto de repelente que nós já nos passamos aqui.
Por quê? Porque as defesas naturais não existem mais, meu amigo, ou estão acabando.
O girino - que comia lá as larvas do carapanã, que o carapanã deixa a larva dele lá na água - que comia essas larvas pra fazer o controle ambiental, tu não vê mais.
Tu não vê mais ele.
Então, se eu não tiver esse cuidado, coitado do meu tetraneto, lá na frente.
Não sei nem se eu vou ter.
Você já pensou que a maioria das pessoas hoje, pelo estresse, pelo estresse, por tanto hormônio que colocam.
.
.
hoje um frango já cresce, com 45 dias, meu irmão, já está bom de corte.
Antigamente levava três meses pra criar um frango.
Três! Um gado era dois anos.
Um ano e meio, ele já está bom de corte.
Que isso? E hoje já existe estudo que muitos seres humanos, tanto homem como a mulher, já são considerados estéreis.
Estéril, por várias questões biológicas, que vai além da nossa capacidade.
Mas será que vou ter direito do meu filho, né, fazer um filho lá na frente, se lembrar? Então, todos esses cuidados, a gente tem que ter.
A luta por manter, pra manter isso aqui, é grande.
Nós, enquanto lideranças, que lutamos, tu não sabe quanto, hoje, deve ter tombado, duas, três, seja homem, seja mulher, são mortos na Amazônia, em defesa do meio ambiente.
Muitas vidas são devastadas.
É inventado calúnia sobre nós, por causa desse meio ambiente.
Está tendo queimada.
Já estão dizendo que é as ONGs, as ONGs que estão atacando fogo na Amazônia, pra que o governo seja mal falado lá fora.
Mas aonde que um ambientalista, um ativista, como nós, que amamos a natureza, vamos atacar fogo? Aonde? Onde cabe uma coisa dessa? Isso que nós enfrentamos todos os dias.
E quando nós nos opomos, muitos de nós tombam.
Tombam.
Seja ele católico, evangélico, seja ele padre, seja ele pastor.
Muito pastor, muito padre, muita freira, muito leigo está sendo caluniado, está sendo assassinado.
Muita dona de casa, muito pai de família, muito jovem, muito índio está sendo morto por defender essa natureza.
Muitas aldeias estão sendo.
.
.
muitos quilombos não têm a mesma sorte que nós tivemos, de ser certificado, porque o atual governo não quer, não quer entrave.
E nós não queremos ser entrave pra ninguém.
Não queremos.
Nós queremos aquilo que é justo.
Barcarena tem muito a se desenvolver, tem, tem muito, mas tem que parar com o entreguismo.
Quer vir pra cá? Venha, mas respeite o povo.
Por que o que adianta tu teres a produção e tu não teres pra quem vender? O capital tem que entender que, assim como ele tem dinheiro e precisa lucrar, ele tem um trabalhador que precisa gerar essa riqueza e ele tem que ter o povo pra comprar, porque se ele pensar só nele, vai acabar.
Vai acabar.
Então, Barcarena tem muito a se desenvolver.
Barcarena tem uma história muito linda.
Muito linda, que precisa ser contada.
A Cabanagem precisa ser contada pra mais gente.
A Cabanagem foi - como eu te falei ainda há pouco - o único movimento que estabeleceu-se um governo em Barcarena.
Barcarena tem uma história muito linda.
Barcarena tem sete praias.
Sete.
Daqui a pouco vai ser, a maioria delas, transformada em portos.
Portos.
População não vai ter mais direito de ir.
Mas tem sete praias lindas que precisam ser desenvolvidas.
Barcarena, no passado, já foi conhecida como a capital da rapadura.
É o Ceará, né, que é famoso na rapadura.
Mas não era.
Em 1700.
.
.
em 1700 Barcarena tinha.
.
.
Barcarena tinha a marca.
.
.
rapadura de Barcarena saía com a marca da Coroa.
Você não marca o ouro com o brasão do Brasil? Naquela época era a marca da Coroa, da família real.
Era como se aquilo fosse - e era- o ouro da época, porque tirava daqui, bruta, como rapadura e iam refinar lá na Inglaterra, na Alemanha.
Pode pesquisar.
Os maiores vendedores de rapadura, que é a matéria-prima do açúcar e tu mandar pra ser refinada lá fora.
Então vê Barcarena, sente Barcarena, a importância de Barcarena pra esse estado.
Nós somos o primeiro município, maior município em colaboração com o PIB.
Enquanto os outros municípios é 8%, é 4%, 6%, Barcarena contribui com 14%, com 18% de tudo o que é produzido no estado.
E tu pega Barcarena, na linha de desenvolvimento humano, Barcarena é o sexto, é o quinto município em desenvolvimento humano.
É justo uma coisa dessa? Então, para a história de Barcarena, isso precisa ser corrigido.
Corrigido.
Dê ao povo o que é do povo e dá pra ti tirar, pra ti viver bem.
Sabe o ‘zolhudo’, aquele que só pensa nele? Tem que pensar no povo também, porque esse povo merece.
Merece.
Senão, olha o que está vivendo os nossos irmãos nos Estados Unidos, meu irmão, que o fogo está vindo e está arrasando tudinho quanto é cidade.
"Ah, mas não, isso.
.
.
".
Não é mudança climática.
Me diz que não é.
Agora, tu quer devastar tudinho a Amazônia, como está, pra construir pasto pra gado? Pra construir campo pra fazer, pra plantar soja, pra ser vendida como insumo pra gado dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Europa? Porque não vai pra outra coisa, não.
A nossa soja que sai daqui não vai pra fazer óleo, como queria o ex-presidente, que fosse gerado óleo pra fazer o biocombustível, pra deixar de tirar o petróleo, que um dia vai acabar, porque é um.
.
.
né? É um recurso que um dia vai acabar.
Então, desenvolver novas tecnologias, como queria o ex-presidente Lula.
Não, não vai pra isso, não.
Vai pra servir de ração pra animal nos Estados unidos.
Então, é justo tu acabar com a natureza num canto, pra ti alimentar gado? Gado.
Então é esse tipo de visão que o grande capital tem que pensar.
Vale a pena? A que custo? A que custo? Como diz Papa Francisco.
Se nós não - estou te falando - mudarmos essa mentalidade agora, não vai ter neto meu, nem teu, pra contar a história.
Pra contar a história.
"Olha o aquecimento".
Não, não tem aquecimento.
Está aí o Trump voltando a estaca zero, porque é o mesmo que dar um tapa na cara.
Olha o Tsunami, olha as placas tectônicas aí, se mexendo.
Ei, gente, vamos acordar.
E enquanto eles estão negando, nós estamos morrendo aqui na Amazônia, dando a vida, viu? Nós damos a vida por esse chão, porque nós amamos esse chão.
O amor que tu tem pela Amazônia, que tu olha lá de São Paulo e te deslumbra pela Amazônia, pela mata, pela arara, pelo peixe, por isso, ele é diferente do meu amor.
Tu olha como o olhar que tu quer.
.
.
tu ama porque tu quer conhecer.
Eu amo porque eu quero manter, porque eu só vivo se essa mata viver.
É essa a grande importância.
Eu só sobrevivo, só tem sentido a minha vida, se essa mata estiver junto comigo, se esse rio, eu puder nadar, que eu puder comer o camarão.
É isso.
É esse amor que muita gente não entende.
"Por que que você quer um grande pedaço de terra? Né? Por que tu quer um grande pedaço de terra, se tu não gera nada lá?".
Eu não gero, Lucas? E o ar que tu está respirando? É gerado de onde? E a água limpa que tu está bebendo? Quem filtra? Quem filtra? Quem filtra? Então é esse, meu amigo, é essa a nossa história.
Barcarena tem muito a contribuir ainda com muita gente e dar um sinal.
Os projetos que virem pra cá, darem um sinal, realmente, de responsabilidade ambiental e social.
Eu estou na Amazônia, mas eu amo o povo da Amazônia, eu respeito o povo da Amazônia e bater no peito: "Eu sou Amazônia.
Eu sou amazônida".
O meu projeto está lá, mas quem dirige o meu projeto é um amazônida, quem dirige.
Não é menosprezando os nossos amigos, seja eles de qualquer estado, de qualquer país, mas eu, se fosse um empresário, na hora de apresentar na Inglaterra: “O meu diretor é amazônida.
Eu o ajudei a crescer.
Hoje, ele é um engenheiro ambiental, hoje ele é um administrador empresarial".
A nossa família - eu tenho orgulho de bater no peito - saiu de uma família semianalfabeta, aquela que desenhava o nome, pra hoje ter dois doutores, um em Educação, que a minha prima é doutora em Pedagogia e o filho dela é doutor em Biologia.
Nós temos mestres.
Nós temos agora vários em Engenharia, que estão estudando com esse processo de estudo quilombola.
Nós temos técnico em segurança ambiental, técnico em segurança do trabalho.
Temos enfermeiro, temos assistente social dentro da nossa família, do Quilombo São Lourenço.
Temos um engenheiro ferroviário, como eu te disse ainda há pouco, né? Temos engenheiros civis.
Nós ainda não temos advogado, mas vamos chegar lá.
Nós não temos advogado.
Então, tu pega uma família que saiu do semianalfabeto, pra uma família de doutores.
Crescemos ou não crescemos? Agora, isso parte do princípio que nós decidimos crescer, nós queremos crescer.
Tanto é, pra isso, nós decidimos que todos os nossos filhos vão seguir esse caminho da educação, se formar, se profissionalizar.
Mas não é só pra se autossustentar, é pra defender o que é nosso.
Defender o que é nosso.
Nós temos esses dois doutores, mas eles sabem onde pisam, sabem o que querem, né? E estão lá vivendo junto com a gente, né? E é isso que a gente espera: que os grandes projetos que venham pra cá, deem essa contribuição, contribuição, o reconhecimento.
Eu vou pegar uma população e vou prepará-la pra assumir esse projeto.
É isso que nós queremos.
P1: Valeu, Mário.
Obrigado, viu? Fechou.
Recolher